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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Edson Santana da Silva
A construção do texto: do oral ao escrito – a retextualização
Mestrado em Língua Portuguesa
São Paulo
2016
Edson Santana da Silva
A construção do texto: do oral ao escrito – a retextualização
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção do
título de MESTRE em Língua Portuguesa, sob
a orientação da Profa. Dra. Regina Célia
Pagliuchi da Silveira.
São Paulo
2016
Banca Examinadora
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
DEDICATÓRIA
Um ser que é mãe
Um amor que existiu e que transcendeu coisas efêmeras;
ultrapassou limites de compreensão; amou sem nunca ter
sido correspondida; doou-se no mais deleitável amor
incondicional; dedicou-se até não mais suportar o tempo,
que a venceu; andou por terrenos tenebrosos, resistiu sem,
muitas vezes, conhecer um afago acolhedor; travou guerras
sentimentais, envolta em tempestades mentais; lutou para
protelar sua partida por amor dos que, aqui, ainda estão;
foi irmã, foi amiga, foi pai, foi mãe, foi alegria, foi dor, foi
tristeza, foi amor.
A ti, mãe, por tudo que hoje sou; pelo homem que me tornei,
pelo amor com que me amou, pelos afagos, pela educação
recebida, pela memória que deixaste, pelas lições de vida
que me ensinaste, pelo que fui, pelo que serei: sou
eternamente grato.
Àquele que criou todas as coisas, que me auxilia nos
momentos difíceis e me orienta em todos os momentos.
Àquele a quem devo minha vida e minha esperança de
viver: ao Deus eterno imortal, invisível, mas real.
À minha família, esposa e filhos.
Aos meus filhos Aminadabe e Saulo Silas, dois dos bons
motivos para eu ter empreendido o objetivo de realizar
esta pesquisa.
Agradeço ao CNPQ pela bolsa concedida.
Agradecimentos
À Professora Doutora Regina Célia Pagliuchi da Silveira, pela paciência e compreensão, e pela
oportunidade que me deu de compartilhar de seu conhecimento.
Às Professoras Doutoras Nancy dos Santos Casagrande e Paula Pinho Dias, pela atenção e pelas
pertinentes considerações sobre esta dissertação, no momento da qualificação.
À minha mãe (in memorian) que, mesmo não estando aqui neste importante momento da minha
vida, contribuiu, sobremaneira, ao longo de sua existência, para que eu tivesse oportunidade de
tomar decisões importantes na vida e acreditar nela.
À minha esposa pelo auxílio e incentivo.
Aos meus alunos, que me serviram de informantes para que esta pesquisa fosse possível e que,
por isso, me estimularam na luta por uma educação mais eficiente, justa e mais igualitária.
A todos os meus irmãos e irmãs, sobrinhos e sobrinhas que, de algum modo, me incentivaram
a realizar este trabalho.
Aos meus filhos Aminadabe e Saulo Silas pela compreensão e pelo incentivo.
A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta
dissertação.
A todos, os meus sinceros agradecimentos.
Resumo
Esta dissertação de mestrado, realizada no Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua
Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, propõe-se a fazer um estudo da
construção e organização textuais sob a perspectiva da atividade de retextualização,
considerando a base dessa atividade a modalidade oral da língua para se obter resultados
satisfatórios no texto escrito. Usualmente, a escola tem valorizado a escrita como objeto de
estudo em detrimento da oralidade. Entretanto, nas últimas décadas, no Brasil, o
desenvolvimento de linhas de pesquisas linguísticas que colocam as duas modalidades da língua
– a oral e a escrita – no mesmo patamar tem possibilitado maior reconhecimento da oralidade
e, consequentemente, maior preocupação e mais estudos no tratamento das estratégias
realizadas na passagem do texto falado para o texto escrito. Este trabalho intenta contribuir para
uma perspectiva de formação linguística mais vasta, discutindo e propondo caminhos para
abordagens didático-pedagógicas da construção do texto, sob o viés da retextualização. Os
objetivos específicos são: 1) identificar a estrutura e as características funcionais da modalidade
oral; 2) identificar a estrutura e as características da modalidade escrita; 3) mostrar semelhanças
e diferenças entre essas duas modalidades; 4) apresentar uma proposta para o ensino de
produção textual, a partir do processo de retextualização, visando a competência comunicativa
e de produção textual do aluno. As teorias que deram sustentação a esta pesquisa consistiram
na Análise da Conversação, na Sociolinguística interacional e na Linguística Textual. A
primeira e a segunda fundamentaram o estudo da organização, construção e os principais
aspectos do discurso oral, bem como os aspectos sociais da língua. A terceira, por sua vez,
forneceu subsídios, por meio de estudos atualizados, para o entendimento de práticas de
produção textual e práticas de ensino dessa produção.
Palavras-chave: oralidade, escrita, prática social, competência comunicativa, retextualização.
ABSTRACT
The aim of this dissertation, held at the Postgraduate Studies Programme in Portuguese at
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, is to study the construction and textual
organization from the perspective of retextualization activity, taking the oral form of the
language as the basis to obtain satisfactory results in the written text. At school, writing is
usually taken as an object of study at the expense of orality. However, in the last decades, in
Brazil, the development of linguistic research lines that put the two modes of language - oral
and written - at the same level has allowed greater recognition of orality and hence greater
concern and further studies on the strategies carried out in the passage of the spoken text to
written text. Our main objective is discuss some pedagogical approaches to work with text
construction, through retextualization. The specific objectives are: 1. Identify the structure and
functional characteristics of the oral form. 2. Identify the structure and characteristics of the
written form. 3. Show similarities and differences between the oral and written forms. 4.
Introduce a proposal to teach the textual production through the retextualization process aiming
at the communicative competence of the student. The theories that support this research is the
analysis of conversation, interactional sociolinguistics and textual linguistics. The first and
second theories deal with the study of the organization, construction and the main aspects of
the oral discourse, especially as a contextualized practice. The third one has provided
information for the understanding and teaching of text production.
Keywords: speaking, writing, social practice, communicative competence, retextualization.
Lista de quadros
Quadro 01- Dicotomias estritas .......................................................................... 54
Quadro 02- Possibilidades de retextualização ................................................... 65
Sumário
Introdução ................................................................................................................................................ 12
Capítulo 1 - Delineando o problema ...................................................................................................... 16
1.1 A tradição da escola brasileira e o ensino de Língua Portuguesa: breves considerações .............. 17
1.2 Oralidade e escrita sob o olhar dos PCN ........................................................................................ 19
1.3 O ensino de Língua Portuguesa à sombra dos PCN ....................................................................... 25
1.4 A relevância de uma abordagem pedagógica da oralidade sob o viés da retextualização ............... 29
Capítulo 2 - Oralidade, letramento e escrita como práticas sociais .................................................... 42
2.1 Letramento, alfabetização e escolarização: três práticas imbricadas.............................................. 46
2.2 Língua falada e língua escrita: dialogismo ou dicotomia? ............................................................. 50
2.3 Estudos da língua falada: a organização da conversação ............................................................... 55
2.3.1 O turno conversacional ......................................................................................................... 58
2.3.2 O tópico discursivo................................................................................................................. 59
2.3.3 Os marcadores conversacionais.............................................................................................. 61
2.4 O Processo de retextualização e as estratégias para a reconstrução da produção textual................. 64
2.4.1 Transcrição e retextualização ................................................................................................. 66
2.4.2 O fluxo dos processos de retextualização .............................................................................. 68
2.5 Estratégias de produção textual sob o viés sociointeracionista.................................................... 71
2.5.1 A referenciação ...................................................................................................................... 73
2.5.2 A referência e os processos de referenciação......................................................................... 75
2.5.3 A referenciação e a construção do ponto de vista................................................................... 78
2.6 Esquema textual do dissertativo ..................................................................................................... 79
2.6.1 Dissertativo explicativo ......................................................................................................... 80
2.6.2 Dissertativo argumentativo .................................................................................................... 81
Capítulo 3- A teoria respaldando a prática - informantes: alunos ..................................................... 84
3.1 Informante 1 (estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo masculino, 18 anos) ..................... 84
3.1.1 Texto-base (oral/transcrito) número1 .................................................................................... 84
3.1.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ..................................... 84
3.1.1.2 A Referenciação no texto oral do informante 1 ............................................................ 85
3.1.2 Texto transformado (a retextualização escrita final número 1) ............................................. 87
3.1.2.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ...................................... 87
3.1.2.2 A Referenciação no texto escrito do informante 1 ....................................................... 88
3.1.2.3 A organização textual na produção escrita do informante 1 ........................................... 88
3.1.2.4 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral
para o texto escrito ...................................................................................................................
89
3.2 Informante 2 (estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo feminino, 17 anos)........................ 91
3.2.1 Texto-base (oral/transcrito) número 2 .................................................................................... 91
3.2.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ........................................ 91
3.2.1.2 A Referenciação no texto oral da informante 2 ............................................................ 92
3.2.3 Texto transformado (a retextualização escrita final número 2) ............................................ 94
3.2.3.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ........................................ 94
3.2.3.2 A Referenciação no texto escrito da informante 2 ....................................................... 95
3.2.3.3 A organização textual na produção escrita da informante 2 .......................................... 97
3.2.3.4 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral
para o escrito .............................................................................................................................
98
3.3 Informante 3 (estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo masculino, 17 anos) ..................... 101
3.3.1 Texto-base (oral/transcrito) número 3 .................................................................................... 101
3.3.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ........................................ 101
3.3.1.2 A Referenciação no texto oral do informante número 3 ............................................... 102
3.3.2 Texto transformado (a retextualização escrita final número 3) ............................................. 105
3.3.2.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ........................................ 105
3.3.2.2 A Referenciação no texto escrito do informante número 3 .......................................... 105
3.3.2.3 A organização textual na produção escrita do informante 3 ........................................... 107
3.3.3 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral para o
escrito .............................................................................................................................................
108
Capítulo 4- A teoria respaldando a prática – informante: professor ................................................. 112
4.2 Informante 4 (professor de língua portuguesa do ensino médio – do sexo masculino, 30 anos -,
docente na mesma escola em que estudavam os informantes do capítulo III) ....................................
112
4.2.1 Texto-base (oral/transcrito) número 4 .................................................................................... 112
4.2.1.1 Redes sociais, benefícios e malefícios para a sociedade ............................................. 113
4.2.1.2 A Referenciação no texto falado do informante 4 .......................................................... 114
4.2.2 Texto transformado (a retextualização escrita final número 4) ............................................. 118
4.2.2.1 Redes sociais, benefícios e malefícios para a sociedade ................................................ 119
4.3 A referenciação no texto escrito do informante 4 ........................................................................... 120
4.3.1 A organização textual na produção escrita do informante 4 ................................................... 122
4.3.2 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas do texto oral para o texto escrito... 124
Considerações finais ................................................................................................................................ 130
Referências ............................................................................................................................................... 135
Anexos
Anexo A – Normas para transcrição do projeto NURC .............................................................................. 139
Anexo B – Normas para transcrição .......................................................................................................... 140
Anexo C – Análise de textos orais ............................................................................................................. 141
Anexo D - Texto escrito (informante 1) ..................................................................................................... 142
Anexo E - Texto escrito (informante 2) ..................................................................................................... 143
Anexo F - Texto escrito (informante 3) ...................................................................................................... 145
Anexo G - Texto escrito (informante 4) .................................................................................................... 146
Anexo H – Modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral para o texto escrito ........................ 147
12
INTRODUÇÃO
Esta dissertação, vinculada à linha de pesquisa “Texto e Discurso nas Modalidades Oral
e Escrita”, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, apresenta um estudo das modalidades da língua – oral e
escrita –, com o intuito de obter aportes que comprovem a importância do ensino de produção
textual escrita, sob o viés da retextualização – da modalidade oral para a modalidade escrita.
Trata-se de tema de suma importância, visto que “numa sociedade como a nossa, a escrita,
enquanto manifestação formal dos diversos tipos de letramento, é mais do que uma tecnologia.
Ela se tornou um bem social indispensável” (MARCUSCHI, 2010, p. 16). Apesar do vínculo
do homem com a oralidade, a instituição escolar trata o ensino de produção textual,
majoritariamente, com ênfase na escrita – dissociando-a, portanto, da oralidade –, deixando de
lado o que poderia ser um suporte de grande relevância para este ensino: a prática e a análise
de textos orais em concomitância com a prática e a análise de textos escritos, considerando,
dessa forma, a perspectiva sociointeracionista de ensino-aprendizagem.
O problema tratado é relativo à passagem do texto oral para o escrito – o que requer um
conjunto de operações textuais-discursivas, conforme postula Marcuschi (2010). Sendo assim,
esta dissertação se propõe a responder às seguintes questões:
Como inserir a oralidade em sala de aula, deixando claro aos discentes a grande
variedade de possibilidades, situações e momentos de uso da língua?
Como anular o mito da superioridade da escrita e, de igual modo, o preconceito de
que a fala é lugar da desordem e da informalidade?
Como inserir, na prática pedagógica, em sala de aula, uma visão de ensino de Língua
Portuguesa em que haja observação sobre o uso da modalidade oral da língua em
coexistência com a modalidade escrita?
A realização desta pesquisa justifica-se pela necessidade de um estudo mais aprofundado
da relação oralidade-escrita, pois, embora os PCN proponham o tratamento da oralidade no
ensino de língua portuguesa para a produção textual, ainda há uma série de dificuldades que
precisam ser vencidas. Entre elas, encontra-se o fato de a instituição escolar, ainda hoje, manter
uma visão dicotômica entre a oralidade e a escrita, de maneira a tornar essas duas modalidades
manifestações reversas entre si. Simultaneamente, ela deprecia a oralidade e supervaloriza a
13
escrita por meio de um princípio errôneo e preconceituoso: quando relaciona a escrita
estritamente à formalidade, planejamento e normatividade dando à oralidade características
caóticas, sem planejamento, sem formalidade e sem normatividade.
É relevante que haja, portanto, uma revisão nessa perspectiva equivocada de que a relação
entre a prática da oralidade é dicotômica com a prática da escrita, com o intuito de “identificar
problemas e sugerir uma linha de tratamento que pode ser mais frutífera, menos comprometida
com o preconceito e a desvalorização da oralidade de uma maneira geral” (MARCUSCHI,
2010, p. 26-27), postulando que essa relação se funda num contínuo, não numa dicotomia
polarizada.
Dessa forma, é imprescindível que seja implantada na escola uma perspectiva de ensino
de produção textual mais ampla, envolvendo a produção oral do aluno, objetivando a prática da
retextualização com vistas à produção escrita em sala de aula.
Sabe-se que os alunos têm dificuldades em operar essa transposição, pois não conseguem
aplicar estratégias importantes – em grande parte por desconhecê-las –, levando-os a
apresentarem textos escritos com marcas de oralidade. Em razão disso, nossa pesquisa tem
como objetivo geral contribuir com estudos de retextualização relacionados à produção textual
escrita. Por objetivos específicos, têm-se:
confrontar a produção oral com a produção escrita de 3 alunos do 3º ano do ensino
médio de uma escola pública de São Paulo;
confrontar a produção oral com a produção escrita de um professor do ensino médio
de uma escola pública de São Paulo; e
verificar, nesses textos, quais estratégias foram aplicadas na retextualização dos
alunos e do professor, levando em consideração a adequação à modalidade escrita da
língua.
Nesta dissertação adotaram-se os seguintes procedimentos metodológicos:
análise documental;
método qualitativo; e
coleta e seleção do material para as análises.
14
O material coletado para as análises demandou a escolha de informantes:
escolha geral: alunos que fossem estudantes do 3º ano do ensino médio e um
professor de qualquer disciplina que fosse docente no ensino médio;
escolha específica 1: dois alunos considerados bons redatores por seus professores,
levando em consideração as produções textuais anteriormente realizadas em sala de
aula;
escolha específica 2: um aluno considerado mau redator por seus professores,
levando em consideração as produções textuais anteriormente realizadas em sala de
aula; e
escolha específica 3: um professor do ensino médio de qualquer disciplina –
coincidentemente, o professor que aceitou participar desta pesquisa é professor de
língua portuguesa.
Quanto ao método utilizado para transcrição dos textos orais, foi adotado o mesmo
utilizado pelo projeto NURC, que possui normas previamente definidas (anexos A e B). As
gravações foram efetuadas em smartphones particulares de cada informante e controladas sob
tematização previamente estabelecida pelo investigador, a saber: “Redes sociais, os benefícios
e os malefícios para a sociedade”.
As análises tiveram os seguintes procedimentos:
segmentação do texto oral e do texto escrito de cada informante para confrontação, a
fim de verificar a capacidade de transformação da oralidade para a escrita;
confronto em busca das semelhanças e diferenças entre o texto oral e o escrito; e
exame dos textos, de modo a considerar, na passagem do oral para o escrito, a
ocorrência:
da referenciação;
do fluxo das ações que sistematizam o processo de retextualização do texto oral
para o escrito, bem como o modelo das operações textuais-discursivas; e
da organização dos textos retextualizados.
15
Ainda hoje os preconceitos relacionados à oralidade, como objeto de ensino-
aprendizagem, têm levado a escola a perder perspectivas pedagógicas concernentes à língua e
ao universo de conhecimento que essa prática poderia trazer para o aluno. Entretanto, muitas
pessoas, entre elas professores, imaginam um ensino da oralidade no qual se aborde a forma de
expressão dentro da linguagem culta. Ignora-se, portanto, na maior parte do tempo, que o
usuário da língua se comunica em um contexto coloquial, sem se preocupar com os aspectos
prescritivos da língua. De fato, o que importa nesse momento para o falante é conseguir
interagir com eficiência.
Deveria ser papel primordial da escola preocupar-se com a performance comunicativa do
aluno, isto é, induzi-lo, por meio de práticas de ensino, a saber usar as modalidades da língua
adequadamente nas diferentes situações que lhe são apresentadas no dia a dia. Nessa
perspectiva, o ensino da oralidade não deve ocorrer isoladamente, sem relação com a escrita,
pois ambas possuem, entre si, relações recíprocas e intercambiáveis, conforme apontam Fávero,
Andrade e Aquino (2012). Esta dissertação, composta por quatro capítulos, pretende esclarecer
essas questões.
O capítulo 1, “Delineando o problema”, apresenta o ponto de partida para a elaboração
do problema a ser investigado nesta dissertação, que são os PCN, juntamente com
considerações de estudiosos da produção textual que tratam da oralidade e da escrita na
construção textual da comunicação. O capítulo 2, “Oralidade, letramento e escrita como práticas
sociais”, trata da revisão teórica fundamental para as análises realizadas. O capítulo 3, “A teoria
respaldando a prática – informantes: alunos”, indica os resultados obtidos das análises
realizadas na perspectiva do aluno, discutindo-os. O capítulo 4, de igual modo, “A teoria
respaldando a prática - informante: professor”, indica os resultados obtidos nas análises
realizadas, na perspectiva do professor, discutindo-os.
Nas considerações finais, serão retomados os principais pontos da pesquisa, bem como
uma pequena retomada da avaliação dos resultados obtidos e a indicação de novas perspectivas
para o ensino da produção textual escrita, tendo em vista seu relacionamento com a oralidade.
16
Capítulo 1
Delineando o problema
Este capítulo apresenta um conjunto de dificuldades existentes no ensino de língua
portuguesa, no Brasil, seguido de medidas adotadas pelo governo federal, a fim de resolver tais
dificuldades. Aparecem, assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para orientar os
professores em sala de aula. A elaboração dos PCN está fundamentada em resultados científicos
obtidos por linguistas, que propõem a existência de duas modalidades da língua: a oral e a
escrita.
Segundo Urbano (1998), os usuários da língua portuguesa, de alguma maneira, possuem
um conhecimento empírico de que não falam como escrevem. O conhecimento científico desse
fato decorre de pesquisas, por meio de uma metodologia apropriada, a fim de se entender,
explicar e demonstrar racionalmente as causas dessa evidência.
Há textos escritos que apresentam similitude com textos falados, pois eles são produzidos
com marcas de oralidade e com o uso popular da linguagem. Isso acontece, segundo o autor,
por ignorância e despreparo daquele que escreve em relação às normas da língua escrita ou por
uma questão consciente de estilo. O inverso também pode ocorrer, ou seja, textos orais que
reproduzem uma estruturação frásica e cuidados próprios da língua escrita. Nesse caso, explica-
se, entre outras razões, pelos hábitos linguísticos arraigados e adquiridos por força de vários
fatores e transmitidos natural e inconscientemente no uso da fala, no cotidiano.
Dessa forma, entende-se que as condições de produção textual ocorrem de maneira
bastante peculiar em cada uma dessas modalidades, que são controladas de formas diferentes,
pois são diferentes as condições de produção da língua falada com relação à língua escrita. Um
texto falado ocorre no próprio momento enunciativo da interação eu–tu, num tempo único e no
mesmo espaço, com exceção de textos falados produzidos em conversas telefônicas, só para
citar um exemplo.
Para Urbano (idem), as tarefas cognitiva e verbal são quase conjuntas, sendo a
verbalização praticamente sobreposta à atividade das ideias. Além disso, a enunciação emerge
dentro de uma dupla atividade de produção discursiva, na relação direta de uma coprodução do
falante e seu interlocutor. O texto escrito, por sua vez, tem uma produção diferente que se
subdivide em duas etapas e dois tempos: o tempo da atividade mental, quando se gera ou se
busca ideias, e o tempo da prática verbal, que é a realização linguística efetiva. Sendo assim, o
17
texto escrito é produzido e transmitido a posteriori e o interlocutor não está presente no tempo
da enunciação.
Logo, no texto falado não há, em princípio, como planejar previamente o texto, já que ele
é planejado durante a sua própria produção, com exceção de textos falados previamente
planejados e organizados sob o viés da escrita, como é o caso de uma conferência universitária;
no caso do texto escrito, há um intervalo de duração que é variável, mas suficiente para se ter a
possibilidade de um planejamento prévio do texto antes de sua execução.
Por conseguinte, a produção do texto escrito, por ser considerada pelas instituições de
ensino mais elaborada e organizada, é objeto de ensino nas escolas. Após o estruturalismo e o
gerativismo, no entanto, os linguistas entenderam que é necessário estudar a língua em seu uso
efetivo. Os resultados obtidos de suas investigações indicam que tratar do texto escrito requer
tratamento do texto oral por ser a forma mais natural humana de manifestação linguística, das
interações sociocomunicativas.
1. 1.1 A tradição da escola brasileira e o ensino de Língua Portuguesa: breves considerações
Durante o estruturalismo e o gerativismo, a preocupação dos linguistas voltou-se para o
sistema da língua, e sua tarefa consistia em descrever as unidades e as regras combinatórias
dessas unidades que compõem a gramática. A descrição do sistema foi realizada privilegiando
a gramática da língua. Dessa forma, os estudos da língua foram realizados de modo a
desconsiderar seu uso efetivo.
No estruturalismo, o objetivo era descrever o sistema da língua, ou seja, suas unidades e
as regras gramaticais combinatórias de cada unidade. Durante essa época, foram consideradas
unidades os fonemas, os morfemas e as estruturas frasais. Para os fonemas, foram descritas as
regras combinatórias para construção de sílabas; para os morfemas, as regras combinatórias
para construção das palavras; para as estruturas frasais, as regras combinatórias para construção
dos sintagmas nominais e verbais e suas combinações frasais em períodos coordenados e
subordinados.
No gerativismo, foram exploradas e explicadas as regras da competência linguística,
como a gramática da competência da língua, ou saber interiorizado que o falante possui de sua
língua. Todavia, a gramática proposta pelos gerativistas era atribuída a um falante ideal e
abstrato, pois, hipoteticamente, ele teria o saber de todas as regras da língua.
18
Durante o estruturalismo e o gerativismo, porém, o uso efetivo da língua não foi tratado,
passando a ser privilegiado nas correntes relativas ao pragmatismo. Decorrentes da adesão das
instituições de ensino aos dois paradigmas acima mencionados, por um longo tempo, como se
sabe, as gramáticas pedagógicas nortearam o ensino de Língua Portuguesa no Brasil. Ao
considerarem a língua apenas como um sistema de regra, estudá-la significava simplesmente
armazenar regras e, na maioria das sequências didáticas, decorar e aprender a fazer análises de
frases isoladas, o que levava os alunos, muitas vezes, a se limitarem ao conjunto de regras da
gramática normativa, sem levar em conta o conjunto do texto e seus aspectos sociocognitivo-
interacionais.
O uso de uma língua é variável e essa variação necessita de controle político para que
haja a manutenção de uma língua no território nacional. A gramática tradicional normativa
aparece para atender a esse objetivo político. Ela representa uma instância de controle da
variação linguística e passa a ser ensinada nas escolas com o intuito de tentar garantir uma
unidade hegemônica para o uso da língua.
Diferentes estudos relativos à gramática tradicional do padrão normativo apontam para
sua construção a partir do escrito. As regras propostas são retiradas do uso da língua realizado
por escritores literários de prestígio, pelas classes críticas. Como o objetivo residia em
normalizar a variação, foi necessário recorrer ao discurso jurídico que determinava o que “era
permitido e o que era proibido”. É desse discurso que se originou a noção de erro gramatical.
No Brasil, a escola voltava-se para uma clientela elitista, os filhos de famílias ricas e,
portanto, escolarizadas. Sendo assim, essas crianças iam à escola para aprender a ler e a
escrever, tendo como apoio a gramática do padrão normativo.
Apoiada no estruturalismo e, por vezes, no gerativismo, a gramática tradicional
normativa norteou o ensino de língua portuguesa no Brasil. Não se trata, todavia, da gramática
do sistema da língua, e sim da gramática política e jurídica do padrão gramatical normativo.
Sob esse viés, ensinar/aprender língua portuguesa, na escola, significava focalizar a gramática
do padrão normativo, que é proposta tanto como um meio quanto como um fim.
Essa forma de focalizar a língua e seu ensino – quando não havia espaço para qualquer
outra forma de manifestação de ensino de língua –, que ocorria desde o Brasil Colônia, foi
levada avante e atravessou séculos até chegar aos dias atuais. Dessa forma, a escola brasileira,
por tradição, sempre esteve voltada para o escrito. Revendo as causas, percebe-se que a escola
brasileira nasce para formação de cidadãos, membros da elite social.
O alunado, filhos de famílias com alta escolaridade, usava a variedade padrão real para
as comunicações sociais, e a variedade padrão, oriunda da gramática normativa, para os textos
19
escritos. Como o objetivo do alunado era aprender a ler e a escrever, os conteúdos a serem
ministrados e as correções ortográficas realizadas pelos professores foram orientados para
alcançarem essa finalidade. Naquela época, a gramática do uso padrão normativo era tida como
meio e fim do ensino. A produção textual era, na maioria das vezes, tarefa da família.
Com o golpe militar brasileiro, em 1964, ocorreu uma mudança na escola brasileira, que
passou a receber um alunado popular. Seria necessária, então, uma mudança na proposta de
ensino de língua portuguesa, visto que boa parte das famílias se caracterizava por baixa ou
nenhuma escolaridade – o que se refletia na comunidade escolar. Esse alunado usava, em suas
interações sociocomunicativas, a variedade oral nativa ou, conforme Preti (2003a), uma
linguagem popular ou subpadrão que, muitas vezes, possuía limites sociais e geográficos
bastante definidos.
Daí decorre uma série de problemas, entre eles a questão dos conteúdos e de como a
escola trata as questões didático-pedagógicas que envolvem as variedades de uso da língua –
embora tenham havido várias reformas, os conteúdos foram mantidos, gerando, assim, uma
inadequação com a nova clientela. Outro problema, no que se refere à variedade nativa, seja em
sua manifestação oral, seja em sua manifestação escrita, consiste em aprender uma outra
variedade oral, ou seja, o padrão real, diferente, portanto, da variedade que o alunado já usava
antes de ir à escola.
Além disso, a multiplicação das faculdades brasileiras, sem a devida adequação dos
conteúdos aos novos tempos, e o despreparo dos cursos de formação de professores, produzem
problemas na formação de alunos, os futuros professores. Dessa forma, a questão do ensino de
língua portuguesa tornou-se problemática há algum tempo.
Adiante estudaremos algumas mudanças importantes concernentes ao ensino de língua
portuguesa no Brasil, principalmente no tocante ao trato da oralidade com a escrita, na
perspectiva do sociocognitivismo interacional.
1.2 Oralidade e escrita sob o olhar dos PCN
Os PCN surgiram em função da Lei de Diretrizes e Base (LDB) 9.394/96. Também
conhecidos como Referenciais Curriculares Nacionais (RCN), os PCN foram elaborados pelo
Ministério da Educação (MEC), tendo em vista a imensidão do território nacional, as diferenças
de formação de professores e a dificuldade de acesso desses profissionais a conteúdos
pedagógicos atualizados.
20
A elaboração dos PCN recorreu aos estudos linguísticos e aos resultados obtidos do seu
conjunto de pesquisa, a fim de sustentar teoricamente tais parâmetros. Esses estudos, bem como
os paradigmas linguísticos concernentes às mudanças que ocorreram e que, gradualmente,
contribuíram para essas mudanças, foram o estruturalismo, o gerativismo (já tratados nesta
dissertação) e o pragmatismo, no qual se situa o sociocognitivismo interacional.
No pragmatismo, a atenção dos estudiosos está voltada para o uso efetivo da língua, o
que requer inter, multi e transdisciplinaridade. Por essa razão, o pragmatismo diferencia-se dos
outros dois paradigmas anteriores, já que tanto para o estruturalismo quanto para o gerativismo
há o postulado da unidisciplinaridade – o estudo da língua, nesse caso, é focalizado fora de seu
uso efetivo.
Na década de 1980, ocorre a virada cognitivista, quando passou a delinear uma nova
orientação nos estudos da língua e sua produção em textos (cf. KOCH, 2015). A partir dela, as
mudanças foram bastante significativas se se considerar que suas abordagens “percorrem um
duplo percurso na relação sujeito/realidade e exerce dupla função em relação ao
desenvolvimento cognitivo: intercognitivo (sujeito/mundo) e intracognitivo (linguagem e
outros processos cognitivos)” (KOCK, 2015, p. 43).
Aparece, assim, o sociocognitivismo interacional. Nele, a atenção se volta para as ações
verbais conjuntas, ou seja, usar a linguagem é sempre empenhar-se em alguma prática ou ação
em que ela é o próprio espaço onde a ação se desenvolve necessariamente em ação com os
outros. Portanto, essas ações se desenrolam sempre em contextos sociais, considerando a
linguagem uma ação compartilhada entre sujeitos sociais.
Dessa forma, a partir dos estudos do uso efetivo da língua e com a valorização desse
paradigma quando se deu “a concepção de mente desvinculada do corpo” (KOCH, 2015, p. 41),
ocorre a preocupação com as duas modalidades da língua: a oral e a escrita, uma vez que, em
consequência de um maior interesse pelo aspecto sociointeracional da linguagem e por
processos próprios dela, manifesta-se uma série de questões acerca de como funciona a língua,
também em sua forma oral, isoladamente ou para compará-la com o texto escrito.
Sendo assim, os PCN vão se atentar à oralidade para o tratamento da escrita e das
abordagens do ensino de textos orais e à formação da competência comunicativa dos alunos.
Por esse viés, desde sua fundação, entra em pauta, nos documentos, a preocupação do
tratamento da oralidade em sala de aula, visto que, por muito tempo, essa modalidade foi
esquecida, em decorrência de preconceitos e ideias infundadas cientificamente.
Desde o seu início, o documento considerava as inúmeras situações sociais do exercício
da cidadania que se colocam fora dos muros da escola: a busca de emprego, a formação
21
profissional, as instituições sociais e suas demandas por práticas sociais (comunicativas), a
defesa de direitos e opiniões etc.. Isso fazia com que os alunos fossem avaliados, aceitos ou
discriminados no meio em que atuavam como seres sociais. A escola, conforme os ditames dos
PCN, deverá ter a incumbência de
[...] ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de
apresentações públicas: realização de entrevistas, debates seminários, apresentações
teatrais etc. Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas atividades façam
sentido de fato, pois é descabido treinar um nível mais formal da fala, tomado para
mais apropriado para todas as situações. A aprendizagem de procedimentos
apropriados de fala e de escuta, em contextos públicos, dificilmente ocorrerá se a
escola não tomar para si a tarefa de promovê-la (BRASIL, PCN, 5ª a 8ª série, 1998,
p. 25).
A escola pode, dessa forma, em consonância com a modalidade oral, já referida neste
trabalho, promover acesso aos textos escritos – que se convertem, inevitavelmente, em modelos
para a produção, pois
se é de esperar que o escritor iniciante redija seus textos usando como referência
estratégias de organização típicas da oralidade, a possibilidade de que venha a
construir uma representação do que seja a escrita só estará colocada se as atividades
escolares lhe oferecem uma rica convivência com a diversidade de textos que
caracterizam as práticas sociais (BRASIL, PCN, 5ª a 8ª série, 1998, p. 25, 26).
Por conseguinte, verifica-se um crescente interesse pela investigação da linguagem, em
compreender e estudar a aquisição e o funcionamento da língua, o que inclui a parte do ensino
da língua que diz respeito às mudanças no tratamento da oralidade em consonância com a
escrita. Em função disso, muitos estudiosos e autores da concepção de língua, como instrumento
sociointeracional, voltaram sua atenção para a forma de tratar a língua, bem como para os
problemas de ensino nas aulas de língua portuguesa, nas modalidades oral e escrita, conforme
já largamente difundidos pelos PCN: “Pensar o ensino de Língua Portuguesa no ensino médio
significa dirigir a atenção não só para a literatura ou para a gramática, mas também para a
produção de textos e a oralidade” (BRASIL, PCN+, 1999, p. 70).
Esses Parâmetros, ainda, privilegiam a formação do estudante como indivíduo
socialmente constituído e em função de sua vida em comunidade, tendo o objetivo de vincular
o aluno à realidade social. Desse modo, a língua assume uma dimensão histórica, pragmática e
operacional, com uma função prática na vida social do indivíduo, o que, dentre outras coisas,
implicam a
[...] manutenção do compromisso com o desenvolvimento de proficiências orais e
escritas socialmente relevantes – e, portanto, a continuidade necessária do ensino de
leitura, escuta crítica e produção de textos tanto orais quanto escritos;
22
retomada e aprofundamento das capacidades de reflexão sobre a língua e a linguagem,
mas agora com a necessária introdução dos conhecimentos linguísticos e literários não
só como ferramentas, mas também como objetos de ensino-aprendizagem próprios;
sistematização progressiva dos conhecimentos metalinguísticos decorrentes da
reflexão, com o objetivo de levar o aluno a construir uma representação
cientificamente plausível da língua e a uma concepção esteticamente legítima da
literatura de língua portuguesa, em especial a brasileira (BRASIL, PNLD, Ensino
Médio, 2015).
O documento parte do pressuposto de que todas as produções linguísticas, envolvendo
diversos gêneros textuais, nas duas modalidades da língua (a oral e a escrita), devem ser objetos
de estudo nas aulas de português. Sob esse ponto de vista, os PCN vão ao encontro do que
vários autores já, em consonância com as pesquisas dos últimos anos, vêm alertando acerca das
mudanças de percepção da língua, no que diz respeito às duas modalidades operadas num
contínuo dos gêneros textuais. Lê-se nos PCN:
[...] propõe-se que a disciplina Língua Portuguesa abra espaço para diferentes
abordagens do conhecimento. Ainda que a palavra escrita ocupe um espaço
privilegiado na disciplina, é possível que a produção de textos falados ganhe uma
sistematização maior por meio de gêneros orais, como a mesa-redonda, o debate, o
seminário, o programa radiofônico, para citar apenas alguns exemplos (BRASIL,
PCN+, 1999, p. 71).
Sendo assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais são mais um exemplo de como as
modificações nos paradigmas teóricos, desenvolvidos nos estudos e pesquisas linguísticas,
promovem a necessidade de mudanças e reformulações nos compêndios e propostas
curriculares utilizados. Esse documento, como um dos mais recentes da educação oficial,
auxilia em reflexões e debates relativos ao ensino do português no Brasil e faz coro com o
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
O que justifica a permanência de uma disciplina escolar como LP no EM é o papel
central da língua e da linguagem, tanto nas práticas sociais de diferentes esferas e
níveis de atividade humana, quanto na aquisição pessoal de conhecimentos
especializados. Ou seja: assim como no ensino fundamental (EF), o desenvolvimento
da proficiência oral em situações públicas e, particularmente, a proficiência em
escrita, é condição tanto para a formação do aluno como cidadão, como para o
desenvolvimento de sua autonomia relativa nos estudos. A proficiência em escrita, é
condição tanto para a formação do aluno como cidadão, como para o desenvolvimento
de sua autonomia relativa nos estudos. (PNLD, 2015).
Há, dessa maneira, a necessidade de contextualização do ensino de língua, visando à
formação do aluno enquanto ser social inserido em contextos sociais diversos de interação,
passo importante para uma nova perspectiva de ensino. O documento ainda detalha tipos de
23
gêneros e atividades que devem ser desenvolvidos com textos orais, ficando a cargo da escola
direcionar tais propostas e detalhá-las no tocante a esse ensino.
Por consequência, o ensino de língua portuguesa vem sofrendo variadas modificações ao
longo do tempo, decorrentes de estudos realizados nas diversas áreas da Linguística, conforme
já assinalado. A língua falada, por exemplo, assume a condição de modalidade da língua e passa
a ser estudada como tal no Brasil, datando da década de 1980. (cf. MARCUSCHI, 2010).
Assim, a língua passa a ser vista como um elemento de interação entre o indivíduo e a
comunidade onde ele vive. Entendida “como manifestação da vida em sociedade, o estudo da
língua pode ligar-se à sociologia, atribuindo-se, a partir daí campos novos de pesquisa, em
especial o da sociolinguística” (PRETI, 2003a, p. 12).
Para Koch (2015), o aumento cada vez maior na área de cognição, as questões envolvidas
no processamento da língua em texto (falado ou escrito) e as relações sociais e interacionais
entre os indivíduos que daí demandam, propiciaram nova roupagem aos estudos da língua bem
como para a tratativa de ensino da língua portuguesa. Nessa nova conjuntura, a língua deixa de
ser mero meio de comunicação e passa a ser estudada como uma forma de atividade dialógica
que se materializa nos enunciados/discursos marcados pelo contexto e pelas práticas sociais.
Veja-se, por exemplo, o que afirmam os PCN:
Ainda que se relacione a linguagem informal à fala e a linguagem formal à escrita, tal
relação é bastante questionável. É preciso mostrar aos alunos que num texto literário
que recupera a linguagem do adolescente [...] ou a fala de habitante do agreste
nordestino pode operar com a linguagem informal, ao passo que, em uma situação de
formatura, em um discurso dirigido ao paraninfo da turma, um estudante pode lançar
mão de uma linguagem de elementos próprios de uma linguagem formal (BRASIL,
PCN+, 1999, p. 71).
Todavia, essas orientações dadas pelos PCN ainda não têm tido adesão por parte da
maioria das escolas e dos professores. Por isso, as atividades relativas à oralidade ainda se
mostram bastante tímidas e quase imperceptíveis nas grades curriculares de grande parte dessas
instituições. A ausência dessas abordagens, em sala de aula, permite que ainda se dê um grande
privilégio à escrita em detrimento de práticas pedagógicas que a abordem em consonância com
textos orais, preferencialmente com fala espontânea.
Os PCN, como se vê, recomendam tais atividades com o objetivo de conscientizar o
alunado dessas práticas sociais que envolvem a oralidade. Portanto, Schneuwly e Dolz (2011),
embora afirmem não haver nenhuma resposta satisfatória para responder à pergunta “como
ensinar a expressão oral e escrita”, orientam:
24
permitir o ensino da oralidade e da escrita a partir de um encaminhamento, a um só
tempo, semelhante e diferenciado, dependendo da proposta;
centrar-se, de fato, nas dimensões textuais da expressão oral e escrita;
oferecer um material rico em textos de referência, escritos e orais, nos quais os alunos
possam se inspirar para suas produções; e
ser modular, ou seja, permitir uma diferenciação de ensino, realizada em etapas.
Essas orientações pretendem responder à questão, entretanto “sem pretender, de forma
alguma, cobrir a totalidade do ensino de produção oral e escrita” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2011,
p. 82). Propostas como essas somente possuem sentido, quando instaladas num ambiente
escolar onde variadas ocasiões de abordagens no ensino da escrita e da oralidade são possíveis
em situações escolares e até extraescolares, tendo sempre o foco nas práticas sociais.
Assim, os novos conceitos de língua, particularmente aqueles que têm como pressuposto
o viés da perspectiva interacional, passam a influenciar definitivamente as mudanças com
relação às propostas educacionais na área do ensino de língua e da produção de texto.
Consequentemente, mudam-se os arcabouços teóricos em consonância com os conteúdos
programáticos das escolas exigidos pelos PCN – como se verá adiante.
A proposta com a oralidade sugerida nesta dissertação pode ser um dos caminhos para
aproximar-se do alunado, expô-lo a atividades que o levem à produção e o incentivem ao
aprendizado de língua portuguesa, tendo em vista o processo de retextualização como, também,
recomenda os PCN:
Quando se enxerga a língua como um organismo vivo, criado a partir de determinados
mecanismos de funcionamento que respeitam algumas regras que podem ser, são ou
devem ser seguidas, começa-se a operar com uma noção de gramática que ultrapassa
os limites da norma. [...] Ainda que pareçam inadequados diante de determinadas
situações, é fundamental que os usos da linguagem sejam inicialmente respeitados
para que se retrabalhem os discursos, a ponto de adequá-los às respectivas situações.
Portanto, atividades de retextualização parecem ser muito apropriadas (BRASIL,
PCN+EM, 1999, p. 76.)1.
1 Nesta dissertação, baseamo-nos no conceito de retextualização, proposto por Marcuschi (2010, p. 46), que aponta
Neusa Travaglia como precursora do uso desse termo: “A expressão retextualização foi empregada por Neusa
Travaglia (1993) em sua tese de doutorado sobre a tradução de uma língua para outra, permanecendo-se, no
entanto, na mesma língua”. As observações aqui a serem levadas em consideração, acerca do conceito de
retextualização, são relativas às mudanças de um texto no seu âmago (a reescrita de um mesmo texto do mesmo
produtor ou de outro, no mesmo gênero ou não; a transformação se dará apenas de uma modalidade para outra).
Aqui, preocupar-se-á, essencialmente, entretanto, com a passagem da fala para a escrita, levando-se em
consideração as características da língua escrita.
25
Como se nota, a atividade de retextualização, em sala de aula, já é recomendada pelos
PCN desde, pelo menos, 1999, embora sem especificação em sequências didáticas que norteiem
a sua execução. Assim, esta dissertação encontra motivo para sua realização, principalmente
pela falta de clareza no documento acerca dessa atividade, porque busca um diagnóstico das
dificuldades encontradas pelos alunos para escreverem um texto escrito a partir de um texto
oral, com intuito de eliminar, entre outras coisas, marcas de oralidade praticadas no cotidiano
de suas práticas comunicativas.
Justifica-se, portanto, o problema aqui tratado, pois o que se constata na produção da
escrita de muitos desses alunos é que ela se apresenta simplesmente na tentativa de grafação de
um texto oral, sem a devida adequação aos aspectos particulares da língua escrita.
1.3 O ensino de Língua Portuguesa à sombra dos PCN
Os PCN foram criados, conforme já exposto, em função da LDB 9.394/1996, com o
intuito de orientar as instituições escolares, públicas e privadas, dada a vasta área do território
brasileiro, as diferentes grades curriculares nas variadas instituições de ensino superior e a
dificuldade de acesso aos conteúdos atualizados pelos profissionais de ensino e pelos
professores, quase em sua totalidade. Para tanto, esse documento renovou, de forma bastante
significativa, a maneira de abordar, nas aulas de língua portuguesa, o fenômeno da linguagem,
e também no que diz respeito aos aspectos pragmáticos.
Isso significa que as atividades de leitura, produção de texto e exercício da oralidade,
em situações reais de uso, devem ser, também neste grau, prioritárias no ensino-
aprendizagem da área. Por decorrência, devem estar adequadamente refletidas nas
propostas curriculares, que devem atribuir a esses conteúdos a necessária relevância,
inclusive no que diz respeito à distribuição da carga horária e ao trabalho em sala de
aula (BRASIL, PNLD, Ensino Médio, 2015).
Mas, não há nos PCN referência alguma à análise de textos de conversação espontânea,
e à ponderação acerca de suas características, de acordo com o que postula a Análise da
Conversação ou, ainda, outros inúmeros projetos orientados para a descrição dessa modalidade
da língua, tanto no Brasil quanto na Europa:
É o caso, no Brasil, do Projeto de Gramática do Português Falado, idealizado por
Ataliba Teixeira de Castilho, que tem como uma de suas vertentes o estudo da
organização textual-interativa no português falado no Brasil, esta coordenada por
Koch. E o caso, também, do Projeto Nurc/SP, coordenado por Dino Preti, e do Núcleo
26
de Estudos Linguísticos sobre Fala e Escrita – Nelfe, da UFPE, coordenado por Luiz
Antônio Marcuschi (KOCH, 2015, p. 14).
Entretanto, o que consta nos documentos oficiais já representa um grande avanço se se
comparar com épocas anteriores. Ainda do ponto de vista do PNLD,
[...] a língua é uma das formas de manifestação da linguagem, é um sistema entre
vários, construído histórica e socialmente pelo homem. Assim, o homem em suas
práticas orais e escritas de interação, recorre ao sistema linguístico – com suas regras
fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e com seu léxico. Cabe assinalar
que, sendo, porém, uma atividade de construção de sentidos, a interação – seja aquela
que se dá pelas práticas da oralidade ou intermediada por textos escritos – envolve
ações simbólicas, mediadas por signos, não necessariamente linguísticos, já que há
um conjunto de conhecimentos que contribui para sua elaboração (BRASIL, PNLD,
Ensino Médio, 2015).
Como se pode ver, a oralidade, anteriormente relegada a outros planos, com o advento
dos PCN, passou a ocupar lugar de destaque em consonância com a escrita, passando de
bastidor para ocupar seu lugar de importância, reconhecida no ensino de língua portuguesa. Se
se considerarem os aspectos pragmáticos, cognitivos e sociais da língua, torna-se
imprescindível que a oralidade esteja a ocupar um espaço de relevância, visto que a fala sempre
esteve presente na maior parte do tempo no cotidiano social dos indivíduos e na história da
língua. Isso se deve, também, a estudos realizados por autores precursores da virada pragmática.
Assim, nas pesquisas sobre o texto,
[...] surgem as teorias de base comunicativa, nas quais ora apenas se procurava
integrar sistematicamente fatores contextuais na descrição do texto (Isenberg, 1976;
Dressler, 1974, Petöfi, 1972, 1973), ora a pragmática era tomada como ponto de
partida e de chegada para tal descrição (Motsch, 1975; Gülich & Raible, 1977;
Schmidt, 1978). [...] Comum a estes modelos é a busca de conexões determinadas por
regras, entre textos e seu contexto comunicativo-situacional, mas tendo sempre o texto
como ponto de partida dessa representação (KOCH, 2015, p. 27).
Percebe-se, portanto, a preocupação dos PCN em se adequar às novas pesquisas
linguísticas, visto que, a partir daí, tem-se uma nova perspectiva e um novo conceito de língua,
partindo do pressuposto de que a língua já não é mais vista como sistema autônomo, no qual
tudo começa por ela e termina com ela, mas como uma combinação de processos comunicativos
de uma sociedade que a usa com o intuito de uma interação em realizações reais e espontâneas
numa sociedade concreta.
É a partir daí que as pesquisas em Linguística Textual também ganham uma nova
dimensão e constitui o que, posteriormente, se verificará nos compêndios recomendados pelos
PCN e detalhados no PNLD – os textos deixam de ser vistos como produtos acabados neles
27
mesmos e de ser analisados apenas sintática ou semanticamente, passando a ser encarados como
instrumentos constitutivos de uma atividade mais complexa, como elementos de realização de
intenções comunicativas e sociais do falante (cf. KOCH, 2015) nas duas modalidades da língua,
portanto.
Como não se pode falar de língua sem se falar de texto – umas das tônicas da época já
mencionada que serve de base para a datação aproximada de várias pesquisas e inovações na
área do ensino de língua, bem como nas mudanças e adicionamentos das concepções de texto
–, verifica-se que, entre outras definições, o conceito de texto passa também a significar “lugar
de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos” (KOCH, 2015, p. 12)
– concepção de base sociocognitivo-interacional.
O texto, dessa forma, bem como os sentidos nele visualizados ou inferidos, são frutos de
determinada situação de interação entre o texto e seus usuários em consequência da atividade
mental de produção envolvendo um conjunto de fatores de ordem linguística, cognitiva,
sociocultural e interacional, conforme postula Koch (2015), nas situações de interpelação tanto
na oralidade quanto na escrita.
Essa concepção, mais atual, observa a linguagem como organismo dinâmico em
funcionamento constante e como atividade preponderantemente dialógica, compreendendo a
língua em função de seus usos, como também postulam os PCN:
O caráter sociointeracionista da linguagem verbal aponta para uma opção
metodológica de verificação do saber linguístico do aluno, como ponto de partida para
a decisão daquilo que será desenvolvido, tendo como referência o valor da linguagem
nas diferentes esferas sociais (BRASIL, PCNEM, 2000, p. 18).
Verifica-se, portanto, que o documento parte do pressuposto de que o ensino de língua
portuguesa deve valorizar o conhecimento prévio e as práticas comunicativas dos alunos e, a
partir daí, visando a sua formação, como cidadãos inseridos em contextos sociais diversos,
contextualizar, por meio de práticas sociais – um trabalho, diríamos, mais centrado na
compreensão e produção de textos. O trecho a seguir, por exemplo, mostra o esforço dos PCN
em desfazer práticas pedagógicas que nada ou pouco têm a ver com as novas diretrizes das
pesquisas divulgadas pelos linguistas nas últimas décadas e que muito pouco vêm ganhando
espaço nas instituições de ensino:
A perspectiva dos estudos gramaticais na escola, até hoje centra-se, em grande parte,
no entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal; descrição e norma
se confundem na análise da frase, essa deslocada do uso, da função e do texto
(BRASIL, PCNEM, 2000, p. 15).
28
Por isso, o documento, ao rever essas práticas, preocupa-se em privilegiar a formação do
indivíduo/aluno em função do uso da língua em sua vida no dia a dia:
O objetivo de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento linguístico e
discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela
linguagem. [...] nesta perspectiva supõe: planejar situações de interação nas quais
esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que
procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de outros espaços que não o
escolar, considerando-se sua especificidade e a inevitável transposição didática que o
conteúdo sofrerá; saber que a escola é um espaço de interação social onde práticas
sociais de linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo características
bastante específicas em função de sua finalidade: o ensino (BRASIL, PCN, 5ª a 8ª,
1998, p. 22).
Como se nota, o documento sugere o planejamento de estratégias variadas, nas quais a
escola possa atuar de modo mais amplo e criativo, propondo situações de ensino-aprendizagem
em que a interação, em contextos sociais de comunicação e vivência, seja realmente importante
para a vida do aluno e para o exercício da cidadania.
Portanto, não se encontra mais respaldo, nos documentos oficiais, como os PCN, a mera
atividade em sala de aula, nas aulas de língua portuguesa, voltada para classificação de cunho
sintático, morfológico, entre outras, com objetivos limitados de aprender classes gramaticais,
pois
os trabalhos escolares voltados para a mera análise gramatical, morfológica ou
sintática não garantem a compreensão dos mecanismos das linguagens. O que se
espera hoje é que o professor desenvolva a análise do discurso, valendo-se dos
conhecimentos e das ferramentas que a gramática normativa, a linguística e a
semiótica tornaram disponíveis (BRASIL, PCN+EM, 1999, p. 46).
Logo, ao propor que os alunos aperfeiçoem sua competência comunicativa, faz-se
relevante que as aulas de língua portuguesa tenham, como ponto básico, a reflexão e a prática
de textos nas modalidades oral e escrita, sem se limitar à avaliação das produções textuais dos
alunos aos conceitos de certo e errado. Deve-se direcioná-los no sentido da adequação ou não
adequação, entre textos e situações reais de interação em suas práticas sociais, nos quais o
aspecto gramatical normativo seja apenas uma das preocupações a serem consideradas, não um
fim em si mesmo. Nesta pesquisa, “não se trata de saber como se chega a um texto ideal pelo
emprego de formas, mas como se chega a um discurso significativo pelo uso adequado às
práticas e à situação a que se destina” (MARCUSCHI, 2010, p. 9).
29
1.4 1.4 A relevância de uma abordagem pedagógica da oralidade sob o viés da retextualização
Ao falar em trabalhar a oralidade nas aulas, em especial nas de Língua Portuguesa,
geralmente surge uma visão equivocada, e por que não preconceituosa, que tende a confundir
a fala trabalhada, com intuito pedagógico, com conversa paralela, murmurinho. Os professores,
em sua grande maioria, se apegam ao fato de que as conversas dos alunos importunam e
dispersam, dificultando, desse modo, a exposição de teorias e os conteúdos do currículo escolar.
Entretanto, as abordagens voltadas para o estudo da língua falada em sala de aula
requerem planejamento e possuem o objetivo de desenvolver a capacidade e a competência do
aluno concernente a sua formação linguística – não devem ser confundidas, portanto, com
conversas paralelas e, por isso, distantes dos objetivos da aula. O próprio PNLD (2015)
recomenda, considerando o momento em que se encontra o jovem estudante do ensino médio,
o que se deve aproveitar dessa situação para abordá-lo em situações de aprendizagens próprias
da faixa etária:
Por todas essas determinações socioculturais, o aluno do EM se encontra numa
situação própria, a que se convencionou chamar condição juvenil. Em oposição tanto
à condição social do adulto quanto à da criança, a condição juvenil é constitutiva da
situação do aluno do EM, o que certamente lhe dará um perfil próprio, como sujeito
de aprendizagem (BRASIL, PNLD, EM, 2015, p. 9).
Dessa forma, é necessário que a escola explore esse momento peculiar do aluno do ensino
médio repleto de características específicas para a faixa etária, entre elas as descobertas da
juventude e a aproximação do momento em que esses discentes precisam discutir o futuro, a
vida profissional, a aproximação da vida adulta, entre outros fatores, para incentivá-los a
fazerem essas discussões e levá-los à análise dos próprios textos (ou de outros) de conversação
espontânea, e à observação de seus aspectos, como: características linguísticas e discursivas ou,
até, a diferença de abordagens dos temas, características de cada modalidade, adequação à
escrita etc., bem como comparações: “a proposta é a de que se vejam essas relações dentro de
um quadro mais amplo no contexto das práticas comunicativas e dos gêneros textuais”
(MARCUSCHI, 2010, p. 9), de maneira a despertar no aluno a visão do contínuo das duas
modalidades nas práticas sociais e a rejeição da supremacia da escrita sobre a oralidade – o que
a escola tem feito erroneamente ao longo de sua história, mesmo após o advento dos PNC, que
já trazem em seus compêndios a necessidade de estudo e desenvolvimento da capacidade de
comunicação oral nos alunos – conforme visto anteriormente.
30
Outra indagação a se fazer com relação aos PCN, refere-se à modificação nos conteúdos
a serem aplicados em sala de aula, no que diz respeito às aulas de produção e análise de textos
orais e escritos, sem o respaldo do corpo docente – há o despreparo dos professores para lidarem
com todo esse aparato teórico que envolve as propostas do documento. Além de não ficar claro,
em muitos trechos do documento, como deve ser o trabalho de produção oral em sala de aula –
referente às novas perspectivas do ensino e abordagens da oralidade e da escrita e como se dão
essas duas formas de manifestação da língua –, não chegaram ainda, em sua maioria, aos cursos
de formação de professores.
Veja-se, por exemplo, um trecho dos PCN de 1998, concernente ao EF (Ensino
Fundamental):
No processo de escuta dos textos orais, espera-se que o aluno:
amplie, progressivamente, o conjunto de conhecimentos
discursivos, semânticos e gramaticais envolvidos na construção
dos sentidos do texto;
reconheça a contribuição complementar dos elementos não
verbais (gestos, expressões faciais, postura corporal);
utilize a linguagem escrita, quando for necessário, como apoio
para registro, documentação e análise; e
amplie a capacidade de conhecer as intenções do enunciador,
sendo capaz de aderir a ou recusar as posições ideológicas
sustentadas em seu discurso [...]
No processo de produção de textos orais, espera-se que o aluno:
planeje a fala pública usando a linguagem escrita em função das
exigências da situação e dos objetivos estabelecidos;
considere os papéis assumidos pelos participantes, ajustando o
texto à variedade linguística adequada;
saiba utilizar e valorizar o repertório linguístico de sua
comunidade na produção de textos; e
31
monitore seu desempenho oral, levando em conta a intenção
comunicativa e a reação dos interlocutores e reformulando o
planejamento prévio, quando necessário (PCN, 1998, p. 49-50).
Observa-se, pela complexidade das recomendações do documento, que é imprescindível
a participação de profissionais no tocante à apropriação dos recentes estudos de língua falada,
em especial num contínuo dos gêneros textuais em comparação com a escrita. Sem esses
conhecimentos, estará inviabilizada, sobremaneira, não somente sua aplicabilidade em sala de
aula, mas também o sentido e a dimensão teórico-metodológica em que essas questões estão
postas.
São vários os caminhos propostos, embora essa diversidade não queira dizer, de fato,
melhorias na prática de muitos professores de Língua Portuguesa. Provavelmente, por
desconhecerem as inovações, ou por falta de preparo para lidarem com os novos conceitos,
esses docentes não conseguem levar para a prática as teorias desenvolvidas. Torna-se urgente,
portanto, que, junto com os novos estudos, haja o encorajamento à formação continuada dessas
novas perspectivas nos conceitos linguísticos e, consequentemente, o ensino da produção
textual.
Outro motivo bastante relevante e relacionado à influência que a oralidade exerce sobre
a escrita, em especial nos primeiros anos de alfabetização, é que, nesse período de aquisição da
escrita, a fala se torna a base que os alunos possuem para ter seu primeiro contato com a escrita
e pode ser considerada como o ponto de partida para o desenvolvimento como leitor e escritor.
Muitos são os aspectos (ou marcas) da oralidade que se mantêm presentes na escrita do
educando durante sua vida escolar, inclusive nas séries mais avançadas, chegando, muitas
vezes, à graduação.
A despeito da complexidade que envolve o estudo das características dessas duas
modalidades da língua, como se verifica nesta pesquisa, os docentes de Língua Portuguesa
poderiam ter seu dia a dia facilitado, no que concerne ao trabalho relacionado aos conteúdos
considerados difíceis de serem entendidos e aprendidos de maneira efetiva, como a ortografia,
a sintaxe, a pontuação, a paragrafação, a concepção de completude de texto, envolvendo a
coesão e a coerência, entre outros, se a escola não determinasse um afastamento tão contundente
entre a língua falada e a língua escrita.
Essa proposta vai ao encontro das últimas pesquisas e direcionamentos acerca do estudo
das duas modalidades de manifestação da língua – oral e escrita –, inclusive como regem os
32
PCN em trechos já destacados. Além disso, os PCN acentuam alguns procedimentos de
variação linguística e de alguns pontos relevantes referentes à produção textual na perspectiva
bimodal:
avaliar a adequação ou inadequação de determinados registros em diferentes situações
de uso da língua (modalidade oral e escrita, níveis de registro, dialetos);
aplicar os conhecimentos relativos à variação linguística e às diferenças entre oralidade
e escrita na produção de textos.
O que se pode observar, entre muitas outras nuances, é que as propostas de ensino
caminham para a equiparação, no que se refere ao trato da escrita com a oralidade, como
influenciadora uma da outra, pois os chamados “erros” podem, em muitos casos, decorrer da
falta de transparência em relação às características de cada particularidade de uma e de outra,
fruto da ausência de conhecimento adequado do usuário da língua sobre a organização, o modus
operandi e a estruturação de ambas.
Ao se fazer uma reflexão sobre o que foi exposto, pode-se fundamentar as duas últimas
justificativas para o tratamento da oralidade no ensino:
Conforme sabemos, o estudo da modalidade oral da língua ampliou-se
consideravelmente nas décadas de 1980 e 1990 e a aplicação das teorias da Análise
da Conversação tornou possível o estudo do fenômeno da oralidade, fora dos métodos
tradicionalmente usados para a análise da língua escrita (PRETI, 2003, p. 7-8).
Assim, a língua falada deve ser analisada (ou estudada) com especificidade de sua
modalidade. É, pois, importantíssimo que as pessoas, em particular os alunos do ensino
fundamental e médio, entendam e tenham a possibilidade de conhecer e identificar as
características dessa modalidade de língua que está mais presente e que possui maior influência
no seu dia a dia, também, posteriormente, na vida acadêmica, se for o caso.
Trata-se, assim, de propostas relevantes, embasadas teoricamente que pretendem
favorecer e elevar o nível do ensino de língua. Nessa perspectiva, portanto, os professores terão
a oportunidade de expor
[...] problemas novos, como o do turno (macrounidade da língua falada) [...], das leis
de simetria na conversação natural; da estruturação dos tópicos ou temas; dos
procedimentos de reformulação; do emprego de sinais, característicos da língua oral
(marcadores conversacionais); [...] da densidade informativa (PRETI, 2003b, p. 8).
33
Dessa forma, a escola possui a chance de apresentar, mais sistematicamente, algumas
diferenças entre as duas faces de uma mesma língua; de expor suas manifestações na
particularidade de cada uma, de acordo com cada objetivo, sempre no intuito de desenvolver a
competência discursiva e escritora do aluno.
Quando se fala acerca de abordagens da língua falada no ensino, pode ser entendido como
ensinar a melhor forma de se expressar dentro da chamada linguagem culta e em contextos
formais. Ignora-se, na maioria das vezes, que o usuário da língua interage num contexto real,
em situações específicas do dia a dia, que requerem adequação às variadas formas de atuação
dessa linguagem, sem se preocupar com o prescritivismo gramatical – o que tem relevância
para o falante é conseguir interagir com eficiência, pois
a língua funciona como um elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade em
que ele atua. É através dela que a realidade se transforma em signos, pela associação
de significantes sonoros a significados arbitrários, com os quais se processa a
comunicação linguística (PRETI, 2003a, p. 12).
Essa interação conversacional, que consiste no principal objetivo dos falantes de uma
língua, é regida por um processo de expectativa mútua entre os interlocutores, de modo que há
expectativa de uma linguagem adequada ao contexto situacional e comunicativo. Quando há,
portanto, desvio de adequação a esses contextos, existe quebra de expectativa e,
consequentemente, estranhamento entre os interlocutores e, até, falha na comunicação.
Dessa forma, pode-se comprovar que as falas do dia a dia, ainda que coloquiais, também
estão sujeitas a regras intrinsecamente ligadas à sua própria natureza. Conquanto, tais regras
não têm necessariamente relação com as da gramática tradicional com intuito normativo, e sim
com a capacidade de comunicação do falante. Considerando os estudos da Sociolinguística, e
de outras teorias aqui mencionadas, apresenta-se insuficiente que a escola trate a oralidade na
sala de aula apenas para fazer comparações com a escrita e mostrar o que é inadequado com
relação às normas prescritivas.
Para levar tudo isso em consideração, e principalmente que a oralidade não deve ser
subjugada às regras da gramática normativa, pois possui suas próprias características de
organização, como já visto neste texto, torna-se necessário que o professorado conheça essas
características. Aspectos, como repetições e frases incompletas sintaticamente, sobreposições
de vozes (quando da interação face a face), silabação e uso de marcadores conversacionais são
exemplos diminutos de características da oralidade – observados com afinco quando gravados
e transcritos, conforme normas adotadas pela Análise da Conversação – que têm sua função no
contexto conversacional.
34
Conhecer a função dessas características, como manutenção da conversação, e como
consequência, a interação efetiva por parte dos interlocutores, pode trazer benefícios para o
professor, no que diz respeito à compreensão da linguagem utilizada no momento pelos alunos
e, por conseguinte, levá-los ao processo de retextualização, por meio da transposição da
oralidade para a escrita, com o intuito de mostrar as diferenças, momento de uso e situação de
aplicação de cada modalidade, bem como a adequação ao código escrito.
Desse modo, é incumbência da escola mostrar aos alunos a grande diversidade de usos
da fala, acabar com a supremacia da escrita e com o pressuposto de que a fala é naturalmente
desorganizada e obrigatoriamente informal, adotando a “posição de que fala e escrita não são
propriamente dois dialetos, mas sim duas modalidades de uso da língua, de maneira que o
aluno, ao dominar a escrita, se torna bimodal” (MARCUSCHI, 2010, p. 32). Caso a posição de
que a fala consiste no lugar de caos e a escrita o da ordem tivesse respaldo científico, as pessoas
não se faziam entender em momentos de fala espontânea, por exemplo.
A aplicabilidade de um determinado registro da língua e a formalidade ou informalidade
de seu uso não estão relacionados com a modalidade, se oral ou escrita, mas sim com o contexto
em que acontece a conversação, no caso da língua falada ou com o objetivo, destinatário,
situação, prática social etc. no tocante ao texto escrito, como também recomendam os PCN:
a questão não é falar certo ou errado, e sim saber que forma de fala utilizar,
considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o
registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o
que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa
(BRASIL, PCN, 5ª a 8ª, 1998:27)
É importante, dessa maneira, considerar que um dos principais objetivos do ensino da
oralidade é constatar, por parte de alunos e professores, a existência da relação entre a
diversidade no uso da língua e a heterogeneidade da estrutura social. Essa modalidade, por ser
repleta de subjetividade e revelar aspectos do indivíduo usuário, tais como: idade, sexo,
profissão, posição social, grau de escolaridade (formação), local em que mora (grupo social a
que pertence) etc. (cf. PRETI, 2003a), pode ser um importante instrumento para o estudo e
análise em língua portuguesa.
Mas a diversidade no uso da linguagem pelo mesmo falante também ocorre, ou seja,
[...] a dos níveis de fala ou registros, [...] também [...] chamada de variedade estilística,
no sentido de que o usuário escolhe, de acordo com a situação, um estilo que julga
conveniente para transmitir seu pensamento, em certas circunstâncias [...], falar em
um estilo formal e um estilo coloquial ou informal (PRETI, 2003a, p. 39).
35
Desse modo, incumbe à escola a seleção de gêneros adequados para demonstração aos
discentes da ocorrência dessas variantes, com o intuito de mostrar a importância da adequação
da linguagem em determinadas condições de uso. Diante disso, é substancial que haja uma
multiplicidade de textos que incluam desde aspectos mais informais (ou coloquiais) da língua
oral até disposições em que haja necessidade de mais formalidade. Esta pode ser uma das
alternativas que a escola pode escolher, até para uma melhor aproximação do professor com o
aluno, de modo que as várias situações e formas de linguagem expressas pelo usuário sejam
respeitadas, aproveitadas e direcionadas com o objetivo de levá-lo à produção textual em
atividades direcionadas, inclusive com atividade de retextualização – não no sentido de mostrar
para o aluno seus “erros” de linguagem, mas com o objetivo de levá-lo a se apropriar de uma
consciência linguística, que o faça entender que há registros mais adequados da língua para
alguns momentos em particular, incluindo-se a adequação ao código escrito da língua em seu
aspecto mais formal.
Assim, como se verifica ao longo deste trabalho, fala e escrita não podem ser dissociadas,
pois se influenciam reciprocamente. A perspectiva dicotômica entre ambas não encontra
respaldo, como se percebe, das últimas publicações e pesquisas acerca da relação entre duas as
modalidades. É, portanto, a visão dialógica dessa relação que interessa a esta pesquisa e que se
propõe dever estar presente nas propostas pedagógicas de ensino da oralidade e,
consequentemente, da escrita. Logo, no tocante às manifestações orais e escritas da língua, as
atividades de retextualização poderão trazer resultados satisfatórios em sala de aula.
Nessa pesquisa, busca-se principalmente seguir a concepção teórica de Marcuschi (2010)
sobre retextualização, em especial da oralidade para a escrita, apresentada em sua obra “Da fala
para a escrita: atividades de retextualização”. Entre outros aspectos, a relevância nesse tipo de
proposta situa-se no fato de que por meio de tais atividades o professor possa avaliar o grau de
consciência linguística do aluno, bem como sua noção de língua como usuário e sua noção das
relações entre o texto oral e escrito.
Além disso, devem contribuir para se perceber que o trabalho com a língua, quando
realizado nesta perspectiva, é um bom ponto de partida não só para uma melhor
compreensão da oralidade na sua relação com a escrita, mas para um melhor
tratamento da oralidade em si mesma (MARCUSCHI, 2010, p. 121).
Para corroborar a proposta pedagógica aqui defendida, atrelar-se-á a retextualização à
perspectiva teórica dos gêneros textuais, com o objetivo de incentivar e desenvolver o senso
crítico dos alunos frente à linguagem e à sociedade, isto é, às práticas sociais em interação com
36
a sala de aula e aos contextos sociais determinantes dessas práticas. Os gêneros textuais
“tipificam muitas coisas além da forma textual. São parte do modo como os seres humanos dão
forma às atividades sociais” (BAZERMAN, 2011, p. 32).
Bazerman (idem) ainda situa o conceito de gênero em diferentes esferas de atividades e
da área profissional: leitores, críticos, historiadores, professores e escritores. Como leitores, por
exemplo, as pessoas usam o gênero para demarcar o perfil de mundo em que entram em cada
texto. Como críticos e historiadores, as pessoas usam os gêneros para categorizar ordens de
texto como equivalentes, bem como marcar e mapear as mudanças na prática literária. Como
pedagogos e professores, em geral, as pessoas usam o conceito de gênero para organizar cursos,
aulas etc. com o intuito de ensinar. Como escritores, as pessoas usam a noção de gênero para
focar esforços e reconhecer o estilo apropriado para cada obra literária.
Não obstante o interesse de explicitar características e conteúdos peculiares a cada
gênero, “nunca conseguimos chegar a taxonomias estáveis (além do ‘conhecimento do senso
comum’) ou a uma definição de qualquer gênero que satisfaça mais do que umas poucas pessoas
por pouco tempo” (BAZERMAN, 2011, p. 50-51). Mesmo assim, encontram-se na própria obra
de Barzerman, “Gêneros Textuais, Tipificação e Interação” algumas definições acerca do
conceito de gênero textual. Para o autor, o gênero pode ser entendido como textos em que a
sociedade reconhece como tal em qualquer momento do tempo e do espaço social de interação.
Os gêneros ainda podem ser reconhecidos por nomeação, institucionalização e
regularização explícitas, por meio de vários modos de aprovação social ou, ainda, os gêneros
podem ser reconhecidos por meio da organização implícita de práticas dentro de modelos
padronizados de interação letrada. A circulação de um e-mail, numa determinada instituição,
com um comunicado referente a qualquer assunto, por exemplo, será vista e apreciada de modo
diferente se, noutro momento, a circulação de um e-mail trouxer um anexo que associe o
receptor a um arquivo contendo um romance de grande divulgação no momento.
Em outras palavras, “o modo como as pessoas recebem os atos e determinam as
consequências deste ato para futuras interações” (BAZERMAN, 2011, p. 27-8), pois, embora
neste caso o e-mail seja um modelo de prática da interação social, o que levará os interlocutores
a acordos pré-determinados será o efeito perlocucionário já socialmente difundido.
Assim, a produção de textos orais e escritos no sentido de familiarizar o aluno com a
competência discursiva no enfoque consciente, ao selecionar um gênero textual, também
consiste numa recomendação dos PCN:
37
O trabalho com produção de textos tem como finalidade formar escritores
competentes capazes de produzir textos coerentes coesos e eficazes.
Um escritor competente é alguém que, ao produzir um discurso, conhecendo
possibilidades que estão postas culturalmente, sabe selecionar o gênero no qual seu
discurso se realizará escolhendo aquele que for apropriado a seus objetivos e à
circunstância enunciativa em questão. Por exemplo: se o que deseja é convencer o
leitor, o escritor competente selecionará um gênero que lhe possibilite a produção de
um texto predominantemente argumentativo (BRASIL, PCN, 1997, p. 47).
De volta ao cerne desta pesquisa, antes de se conceituar teoricamente a palavra
retextualização, tentar-se-á fornecer uma definição da palavra da qual ela deriva: textualização
que, embora não esteja ainda na maioria dos dicionários, consta no Vocabulário Ortográfico da
Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras (ABL) e faz parte do cotidiano
dos linguistas e pesquisadores de áreas afins.
Segundo o Dicionário escolar da língua portuguesa da ABL, 2ª edição, 2010, o adjetivo
textual, que significa relativo ao texto ou fielmente reproduzido do texto, originou os
substantivos textualidade ou textualização por derivação sufixal. Assim, a palavra
textualização, referente à produção de texto, originou a palavra retextualização (por uma
derivação prefixal) que, por sua vez, consiste na transformação de uma modalidade da língua
para outra ou, até, de uma língua para outra língua no processo de tradução. Em outras palavras,
retextualização significa um novo molde a um texto já existente.
A expressão retextualização foi empregada por Neusa Travaglia (1993) em sua tese
de doutorado sobre a tradução de uma língua para outra. O uso do termo
retextualização, tal como feito aqui, também se trata de uma ‘tradução’, mas de uma
modalidade para outra (MARCUSCHI, 2010, p. 46).
A retextualização, tal e qual tratada aqui nesta dissertação, não representa um processo
automático ou mecânico, considerando que a passagem da oralidade para a escrita não acontece
naturalmente, mas envolve operações complexas que intervêm tanto nos códigos (oral e escrito)
quanto no sentido (em alguns casos). A atividade de retextualização proposta nesta pesquisa
pode, ou não, apresentar os dois fenômenos juntos, isto é, a mudança de código, que ocorre
naturalmente, e a mudança de sentido do texto.
Como se percebe, para haver o processo de retextualização, partindo da fala com objetivo
na escrita, é necessário predeterminar uma sequência didática:
1º passo: gravação de fala: espontânea (conversação natural) ou não;
2º passo: transcodificação; e
3º passo: retextualização (ou texto final).
38
A retextualização abrange operações e propriedades bastante relevantes para seu bom
desenvolvimento e o sucesso dos objetivos propostos na produção de um texto. Este tipo de
transposição depende muito da aplicabilidade dessas operações e propriedades – que dizem
respeito, como já detalhado anteriormente neste texto, às peculiaridades de cada modalidade.
A transcodificação é primordial para a realização do processo. É o que “designamos
simplificadamente de transcrição ou passagem de um código para outro (por exemplo, do som
para a grafia)” (MARCUSCHI, 2010, p. 50-1) – adotando procedimentos convencionalizados,
inclusive os utilizados pelo projeto NURC, mas ainda não se trata da retextualização
propriamente dita.
Para que ocorra a transcrição, é necessário que os educandos tenham em mãos um texto
oral gravado por eles mesmos, por seus pares ou por qualquer outro informante. Por isso, nem
em todos os casos, a transcrição ou transcodificação – com intuito de chegar a uma
retextualização – é feita pelo mesmo informante que foi o autor do texto falado.
Aliás, as publicações mostram exatamente o contrário. A maioria das transcrições e
retextualizações utilizadas como corpora de pesquisas e análises têm sido feitas por indivíduos
diferentes (cf. PRETI, 2003b; MARCUSCHI, 2010). Muitas vezes, o informante do texto falado
não é o mesmo que o transcreve, e o que o retextualiza não é, necessariamente, o mesmo que o
transcreveu: tudo vai depender do objetivo preestabelecido pela escola, obedecendo sempre à
sequência didática predeterminada para não haver surpresas no caminho.
É preciso ter cuidado para não confundir a transcrição ou transcodificação com
retextualização. A primeira consiste apenas num ponto de partida para o início do processo,
conforme já detalhado anteriormente, mas não é o único, visto que há retextualizações
simultâneas, como é o caso de traduções entre línguas diferentes em tempo real, tanto
pessoalmente quanto por meio de canais midiáticos. Outros exemplos de retextualizações sem
a necessidade de transcrições seriam os depoimentos na esfera jurídica e as confecções de
Boletins de Ocorrência na esfera policial.
Esses textos, dentro da perspectiva dos gêneros, são definidos como sendo textos escritos,
historicamente situados, que representam o resultado final de um processo de interação face a
face entre juiz e acusado, ou entre delegado e depoente. Entretanto, o texto final escrito é
resultado de um processo de retextualização (do oral para o escrito), visto que a apresentação
desse texto final só foi possível tendo como base a tomada do gênero depoimento oral. Eis aí
dois exemplos de retextualização nos quais o processo é realizado instantânea e
simultaneamente.
39
A transcrição, portanto, é a passagem de um código para outro código: “Basicamente,
passamos as palavras pronunciadas para uma formatação escrita num sistema gráfico que segue,
no normal dos casos, a grafia padrão” (MARCUSCHI, 2010, p. 51), com exceção de alguns
casos especiais: falta de conhecimento da grafia padronizada e quando se quer evidenciar a
forma utilizada pelo informante (falano no lugar de falando, por exemplo).
Já a retextualização envolve processos mais complexos. Em sentido restrito, esses
processos dizem respeito a operações que podem ir além de uma modesta regularização
linguística, pois englobam procedimentos de substituição, reordenação, ampliação ou redução
e, até, mudanças de estilo, desde que não atinjam as informações originais (cf. MARCUSCHI,
2010). Assim, o objetivo da retextualização proposto nesta dissertação, para trabalho
pedagógico de produção textual em sala de aula, pode ter grande influência no desenvolvimento
da competência escritora dos alunos.
Para o propósito aqui exposto, a passagem da oralidade para a escrita, que representa
apenas uma das formas de retextualização, requererá uma série de atividades englobadas nos
três passos sugeridos na sequência didática, de modo que, ao propor a atividade de
retextualização aos alunos, o professor deve atentar-se para o propósito e o objetivo final, pois,
a depender do propósito, o nível de linguagem do texto final pode variar. Por exemplo, se a fala
espontânea, em conversas dialogadas entre amigos, ou exposições monologadas descontraídas,
em contextos informais, forem transcritas e retextualizadas, o texto final tenderá a ser menos
formal. Se a retextualização for feita a partir de um discurso oral político, o texto final,
certamente, terá uma carga mais tensa ou de maior formalidade.
São várias as possibilidades de aplicação desse processo, inclusive se o objetivo for
identificar o dialeto social empregado por um grupo de alunos em determinada comunidade de
fala. Nesse caso, além de se atentar para os níveis de fala ali empregados (cf. PRETI, 2003a),
obviamente, o professor poderá utilizar-se do procedimento para abordar assunto referente às
variedades linguísticas e suas aplicabilidades dentro de cada contexto de uso. Para essa situação,
os propósitos, acredita-se, terão de ser diferentes dos já elencados anteriormente neste texto. A
sequência didática aqui proposta, no entanto, ou uma outra com o mesmo intuito, deverá ter
grande relevância nesse processo.
Por exemplo, “o dialeto culto, eleito pela própria comunidade como o de maior prestígio,
refletindo um índice de cultura a que todos pretendem chegar” (PRETI, 2003a, p. 31), pode ser
trabalhado com o aluno no sentido de apresentar a ele a possibilidade de se familiarizar com
essa linguagem, pois, considerado como língua-padrão, esse dialeto quase sempre usado pela
literatura e por outras formas de linguagem escrita, serve diretamente aos propósitos do ensino,
40
mas também a abordagem deverá salientar as várias possibilidades de manejo no uso da
linguagem em situações específicas.
Nesse momento, a retextualização poderá levar o educando a entender, por exemplo, que
fala e escrita possuem semelhanças e diferenças que não se limitam apenas ao código.
Entretanto, é imprescindível ressaltar que, apesar de o processo ir bem além da transcodificação
em si, há várias etapas dele nas quais o sucesso dependerá mesmo dos propósitos e objetivos.
Pode-se citar, como exemplo, o fator compreensão de conteúdo, que é um processo cognitivo
acerca do qual não se pode ter muito controle porque passa por questões subjetivas e/ou
contextuais que, em alguns casos, pode, até, tornar o texto distorcido quando houver a passagem
de um texto para outro, visto que, “dentro desta perspectiva, as ações verbais são ações
conjuntas, já que usar a linguagem é sempre engajar-se em alguma ação em que ela é o próprio
lugar onde a ação acontece, necessariamente em coordenação com os outros” (KOCH, 2015, p.
43). Há de se considerar, todavia, que nem sempre a existência de conteúdos diferentes entre o
texto original e o retextualizado, fará com que este último seja considerado falseamento ou
distorção, mas uma interpretação um pouco diferente daquele (cf. MARCUSCHI, 2010, p. 103).
Quanto à relação entre gêneros textuais originais e os gêneros textuais a serem
transcodificados e, posteriormente, retextualizados, pode-se verificar que, quando os gêneros
são os mesmos, as transformações são um tanto menores. Nos casos de gêneros textuais
diferentes, porém, a transformação pode mostrar-se mais acentuada. O que se propõe, neste
caso, é que o professor comece a trabalhar com as atividades de retextualização usando o
mesmo gênero textual.
O gênero oral a ser trabalhado deverá ser o mesmo a ser retextualizado para que, só depois
de ter familiarizado os alunos com o processo, passe a trabalhar com transposições de gêneros
diferentes – mas isso não deve ser estanque, pois “não se deve encarar a aprendizagem da
expressão como um procedimento unitário, mas sim como um conjunto de aprendizagens
específicas de gêneros textuais variados” (SCHNEUWLY e DOLZ, 2011, p. 101). O gênero
texto de opinião, por exemplo, na modalidade oral, não se modifica em nada com o mesmo
gênero na modalidade escrita, resguardadas as características peculiares de cada modalidade,
obviamente.
As operações decorrentes do processo de retextualização, em especial da fala para a
escrita, portanto, requerem uma série de habilidades que o professor deverá despertar em seu
aluno. Entre essas habilidades, as quais se encontram detalhadas no referencial teórico desta
dissertação, estão a substituição do turno (na fala a “duas mãos”) ou da pausa (no texto oral
monologado) pelo parágrafo; a eliminação de algumas marcas contextuais (interacionais) que
41
são restritas à língua falada e sua substituição pela pontuação (ponto final, vírgula, dois-pontos
etc.); a extinção de repetições, redundâncias, autocorreções instantâneas; aplicação diferenciada
com seleção do léxico e de estruturas sintáticas visando mais formalidade no texto final (cf.
MARCUSCHI, 2010, p. 74), entre várias outras aplicações.
Segundo essa perspectiva, portanto, as atividades com retextualização em sala de aula
tornam as aulas de ensino de língua portuguesa, em especial as destinadas à produção textual,
bastante enriquecedoras e mais interessantes, pois conduzem o aluno a uma visão mais ampla
das características da escrita e da oralidade, ao lidar com a praticidade de operações dessas
atividades. Dito de outro modo, o discente entenderá mecanismos práticos de funcionamento
de cada modalidade da língua revolvendo os textos, operando-os na oralidade, na escrita,
entendendo as manifestações da língua e desfazendo preconceitos.
No que se refere à retextualização da oralidade para a escrita, este processo é pouco ou
nada abordado no ensino da produção textual dos alunos e para o desenvolvimento de sua
competência comunicativa em sala de aula. Assim, esta dissertação trata a retextextualização
pela passagem da oralidade para a escrita num mesmo gênero textual: o gênero opinativo, pois
construir opiniões mostra-se importante para as práticas sociais dos alunos em suas interações
sociocomunicativas, no dia a dia, em sincronia com o mundo do trabalho – momento em que
se requer do indivíduo não só habilidades técnicas no exercício de suas funções, mas também
competência comunicativa no trato com a sociedade em geral, como clientes, empregador,
superiores e pares.
Em síntese, este capítulo busca dialogar com as recomendações propostas nos PCN,
acrescentando-lhes detalhes acerca de como elas poderiam situar o ensino do processo de
retextualização, tanto na mudança de um gênero textual para outro na transformação da
oralidade para a escrita, como na mudança da oralidade para a escrita situada num mesmo
gênero textual. Todavia, o que se constata no ensino da produção textual, em nossas escolas, é
maior atenção dos professores, em sua grande maioria, a abordagens pedagógicas distantes das
recomendações dos documentos oficiais em consonância com as pesquisas linguísticas das
últimas décadas, inclusive no que concerne a esta pesquisa.
42
Capítulo 2
Oralidade, letramento e escrita como práticas sociais
Numerosas pesquisas têm sido realizadas nas últimas décadas acerca da oralidade. Tanto
nas ciências sociais quanto nas ciências humanas, um número significativo de trabalhos vem
ganhando espaço, inclusive em pesquisas que a comparam com a língua escrita. Apesar disso,
ainda se pode aprender muito sobre essa relação:
Sociólogos, antropólogos, educadores, psicólogos e linguistas têm se debruçado sobre
o assunto e, diante de tanto interesse, era de se esperar que as características da fala e
da escrita já tivessem sido analisadas exaustivamente, porém, se há muitos trabalhos,
a concordância entre eles é pequena (FÁVERO; ANDRADE e AQUINO, 2012, p.
11).
O fato é que, atualmente, se conhece muito mais sobre as relações entre oralidade e
escrita, bem como as particularidades que envolvem cada uma dessas manifestações da língua,
do que há algumas décadas. Hoje, mostra-se praticamente impossível investigar oralidade e
letramento sem associar, direta ou indiretamente, o papel dessas duas práticas na civilização
contemporânea. Dessa mesma forma, torna-se impossível observar satisfatoriamente as
semelhanças e diferenças entre a língua falada e a língua escrita sem considerar a forma de seus
usos na vida cotidiana, conforme assinala Marcuschi (2010).
Esse fato ocorre porque o texto falado e o escrito desenvolvem-se por meio de um evento
sociocomunicativo. Sendo assim, fica difícil, ou até impossível, a investigação no tratamento
das relações entre essas duas formas de manifestação da língua, focalizando, exclusivamente,
o sistema linguístico: o código. Isso não significa, simplesmente, apenas mudança de
perspectiva, mas “representa a construção de um novo objeto de análise e uma nova concepção
de língua e de texto, agora vistos como um conjunto de práticas sociais” (MARCUSCHI, 2010,
p. 15).
Partindo do pressuposto de que lidamos com práticas sociais envolvendo letramento,
oralidade e escrita, importa salientar que as línguas se fundam e se realizam em usos, e não em
regras abstratas e descontextualizadas. Nessa visão, letramento, portanto, em consonância com
a oralidade, compreende variadas práticas sociais e estão, como se verá nesta dissertação,
completamente dependentes entre si.
43
Dessa forma, ao falar em letramento, Marcuschi (idem) sugere que se use a expressão
letramentos, no plural, ou seja, práticas de letramentos, visto que a própria escrita se caracteriza
como uma das formas de letramento, pois elas podem se manifestar em eventos nos quais a
escrita, a oralidade, a compreensão e a interação se encontram intrinsecamente ligadas.
Entretanto, segundo o autor, nem sempre isso foi assim, visto que o letramento, formalmente
falando, sempre esteve associado ao uso da escrita – assim como oralidade e escrita, oralidade
e letramento eram considerados como práticas dicotômicas, “atribuindo-se à escrita valores
cognitivos intrínsecos no uso da língua, não se vendo nelas duas práticas sociais”
(MARCUSCHI, 2010, p. 16).
Atualmente, prevalece a posição de que se pode conceber oralidade e letramento como
atividades interativas que se complementam no cotidiano contextual das práticas culturais e
sociais. Adotando-se a posição de que lidamos com práticas sociais de letramento e oralidade,
é de suma importância considerar que as línguas se fundam em usos, isto é, da oralidade para a
escrita; dos usos cotidianos para a formalidade, de modo que são as formas que se adequam aos
usos, não o inverso. Logo,
pouco importa que a faculdade da linguagem seja um fenômeno inato, universal e
igual para todos, à moda de um órgão como o coração, o fígado e as amígdalas, o que
importa é o que nós fazemos com esta capacidade. E isto que nós fazemos será o objeto
central de nossa investigação neste momento. Trata-se de uma análise de usos e
práticas sociais e não de formas abstratas. Estas, [...], estarão sendo analisadas a
serviço daquelas, os usos, e não o contrário (MARCUSCHI, 2010, p. 16).
De certo modo, a escrita tornou-se uma prática social indispensável para o enfrentamento
do dia a dia. Nesse sentido, ela pode ser entendida como essencial até para a própria
sobrevivência do ser humano no mundo moderno. Isso não deve ser visto, no entanto, por
virtudes que lhe são inerentes, mas pela forma como foi imposta; a força com que se arraigou
nas sociedades modernas e se impregnou nas culturas de um modo geral: “Por isso, friso que
ela se tornou indispensável, ou seja, sua prática e avaliação social a elevaram a um status mais
alto, chegando a simbolizar educação, desenvolvimento e poder” (MARCUSCHI, 2010, p. 17).
Todavia, de um ponto de vista da realidade da natureza humana, seria possível definir o
ser humano como um ser que tem a fala como inerente a sua própria natureza – o que não se
pode falar da escrita. No entanto, isso não quer dizer que a oralidade esteja em grau de
superioridade, se comparada com a escrita, nem traduz a convicção, já largamente refutada, de
que a escrita é derivada e a fala é primária. Também, de modo algum, tratando-se da escrita,
pode-se afirmar que esta é a representação daquela, uma vez que a escrita não consegue
44
reproduzir muitos dos fenômenos da oralidade, tais como a prosódia, a gestualidade e os
movimentos do corpo e dos olhos (como é óbvio), entre outros. A escrita, por sua vez, possui
elementos próprios, mas ausentes na fala, como, por exemplo, tamanho e tipo de letras, cores e
formatos etc.
Por conseguinte, a oralidade e a escrita são diferentes modalidades de usos da língua com
características peculiares, mas não abastadamente opostas – como se fossem dois sistemas
linguísticos diferentes – nem operam numa dicotomia – concepção errônea, baseada num antigo
pressuposto de que a fala não é planejada e, portanto, caótica em comparação com a escrita,
que seria mais planejada e ordenada.
No entanto, pesquisas de autores, como Preti (2003b), Kleiman (2012), Marcuschi (2010)
e Fávero, Andrade e Aquino (2012), apenas para citar alguns, têm mostrado que, igualmente à
escrita, a língua falada pode ser perfeitamente planejada, formal e organizada, resguardadas as
suas particularidades: “Em primeiro lugar, porque nem toda escrita é formal e planejada, nem
toda oralidade é informal e sem planejamento” (KLEIMAN, 2012, p. 28). Em segundo lugar,
pode haver elevado grau de informalidade na escrita, como pode haver elevado grau de
formalidade na fala.
Pode-se citar, como exemplo, o internetês (que se utiliza de uma linguagem informal,
mesmo na escrita – principalmente entre adolescentes – e, na maioria das vezes, abreviada) e
as cartas pessoais que têm, via de regra, baixíssimo grau de formalidade, embora sejam textos
escritos. Em contrapartida, deparamo-nos com uma conferência universitária que, apesar de ser
uma prática da oralidade, apresenta altíssimo grau de formalidade. Portanto, “ambas permitem
a construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos
e exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante”
(MARCUSCHI, 2010, p. 17).
Embora as duas modalidades da língua, a oral e a escrita, não se limitem a som e grafia,
basicamente são essas duas diferenças que norteiam suas realizações. Todavia, uma eventual
eficácia comunicativa e um eventual potencial cognitivo jamais devem ser vetores relevantes
que distingam a oralidade da escrita.
Em suma, eficácia comunicativa e potencial cognitivo não são vetores relevantes para
distinguir oralidade e escrita, de modo que a tese da grande virada cognitiva que a
escrita, de modo especial a escrita alfabética, representaria com seu surgimento na
humanidade, não passa de um mito já superado (MARCUSCHI, 2010, p. 17).
45
Vários autores, de acordo com Marcuschi, defenderam que a capacidade de
desenvolvimento tecnológico e formal seria impossível sem a disseminação da escrita como,
por exemplo, Valter Ong (1982) e Jack Goody (1998) com suas respectivas obras “Oralidade e
cultura escrita: a tecnologização da palavra” e “A domesticação do pensamento selvagem”.
Essa tese, postulada, inicialmente, pelos referidos autores, tornou-se largamente refutada – os
próprios autores já a abandonaram (cf. MARCUSCHI, 2010, p. 17).
O que não se discute, por ser óbvio, é que todos os povos, indistintamente, têm ou tiveram
uma tradição oral, entretanto poucos têm ou tiveram uma tradição escrita – o que, supostamente,
tornaria esta inferior ou menos importante que aquela – trata-se apenas de perceber que a
oralidade possui uma história cronológica indiscutível à frente da escrita. Por outro lado, a
cultura da escrita suplantou a oralidade por muito tempo, impondo-se à sociedade com tamanha
força que, de certo modo, passou a ter valor social até superior ao da oralidade.
Mais do que se preocupar com a primazia, superioridade e importância entre oralidade,
letramento e escrita – e até mesmo mais relevante do que observar seus simples usos na língua
–, está a incumbência de esclarecer a natureza dessas práticas, envolvendo o uso da língua nas
suas formas falada e escrita e como elas se concretizam na sociedade.
Para Marcuschi, essas práticas determinam o lugar, o papel e o grau de relevância da
oralidade e das práticas do letramento numa sociedade e legitimam a questão dessa relação
entre ambas, posta no alicerce de um contínuo sócio-histórico de práticas. Esse contínuo pode
ser mais bem especificado se observadas outras formas de comunicação como, por exemplo,
no formato de uma gradação ou mesclagem.
Veja-se hoje a questão tão discutida das comunicações escritas ditas “síncronas”, [...],
em tempo real pela internet, produzidas nos famosos bate-papos. Temos aqui um
modo de comunicação com características típicas da oralidade e da escrita,
constituindo-se, esse gênero comunicativo, como um texto misto situado no
entrecruzamento de fala e escrita (MARCUSCHI, p. 18, 2010).
Dessa forma, algumas propriedades atribuídas apenas à fala antes do advento em massa
da informática, como interação simultânea e presencial, já se tornaram tecnologicamente
possíveis na prática da escrita à distância. A novidade mais notável, talvez, seja na nova forma
de se relacionar com a escrita, mas não necessariamente uma nova forma de escrita ou novas
formas textuais; mudam-se os canais – o computador, o smartphone, por exemplo; mudam-se,
possivelmente, a maneira de lidar com a grafia – muitas vezes, acontecem abreviações –, as
adequações aos canais, como bate-papos mais descontraídos etc. e, portanto, menos formais,
entre outras características peculiares.
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Assim, a fala, como operação da prática oral, é adquirida continuamente em contextos
informais do cotidiano e nas relações sociais e dialógicas que têm início desde que o indivíduo,
quando bebê, começa a dar seus primeiros sinais de interação com os adultos. Para Marcuschi,
mais do que uma disposição biogenética, o aprendizado e o uso de uma língua natural, de certo
modo, são uma forma de inserção cultural e de socialização. De outro lado, a escrita – como
operação formal do letramento –, principalmente em sua faceta institucional, é adquirida em
contextos formais: as instituições de ensino. Consequentemente, esta última tem maior prestígio
social como bem cultural desejável, em detrimento da primeira – o que não quer dizer, como já
visto, que a escrita seja o lugar da formalidade, e a oralidade, o da informalidade.
2. 2.1 Letramento, alfabetização e escolarização: três práticas imbricadas
A palavra letramento parece ainda carecer de consenso em sua definição entre os
estudiosos, educadores, linguistas e professores em geral. Aqui, acerca de sua definição e
conceituação, adotar-se-ão as postulações de Soares (1998; 2010), Marcuschi (2010) e Kleiman
(2012).
No Brasil, a palavra letramento representa um termo novo no vocabulário dos estudiosos
da educação, das ciências linguísticas e entre acadêmicos em geral. Uma das primeiras
ocorrências do termo está na obra de Mary Kato No mundo da escrita: uma perspectiva
psicolinguística, de 1986. Uma das postulações de Kato, nesta obra, é que a língua falada culta
decorre do letramento.
Por definição, se se considerar a morfologia da palavra, seu significado se restringe ao
resultado da ação de se letrar, visto que é acrescentado à palavra letra o sufixo mento – resultado
de uma ação, por exemplo, ferimento significa resultado da ação de ferir. No entanto, se se
considerar a palavra letramento dentro de um contínuo de práticas sociais, apropriar-se da
leitura e da escrita é diferente de saber ler e escrever (cf. SOARES, 1998, p. 39).
De acordo com Soares (1998), o letramento vai além da alfabetização, pois há pessoas
alfabetizadas que não sabem fazer uso efetivo da leitura e da escrita. Letrar, portanto, para a
autora, é ensinar a ler e a escrever dentro de um contexto no qual a escrita e a leitura tenham
um sentido e façam parte das decisões do cotidiano do aluno, de forma que o conceito restrito,
e, anteriormente, atribuído à alfabetização como modelo de ensinar a ler e a escrever, se ampliou
e ganhou novo conceito: letramento.
47
A autora ainda postula que o ideal seria alfabetizar letrando: ensinar a ler e a escrever no
conjunto de todas as práticas sociais da leitura e da escrita, de maneira que o indivíduo se torne,
ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado; que o indivíduo se aproprie da escrita e consiga não
apenas decodificar códigos linguísticos, mas também destrinchar textos em seus variados
gêneros e se envolver em situações do dia a dia, incorporando em sua vida as práticas sociais
que demandam escrita e leitura.
De maneira semelhante, Marcuschi considera que “o letramento é um processo de
aprendizagem social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos
utilitários, por isso é um conjunto de práticas, ou seja, letramentos, como bem disse Street
(1995)” (MARCUSCHI, 2010, p. 21).
De certo modo, como se sabe, o processo de letramento, além do papel que as instituições
oficiais de ensino têm construído com e pelos alunos, é fruto de interações sociais que
dependem muito do meio social no qual a pessoa está inserida, uma vez que as manifestações
de letramento, e seu processo de aquisição, principalmente no que diz respeito ao resultado do
processo de aprendizagem da escrita, têm seu grau de realização dentro daquele contexto em
que o indivíduo se encontra.
Até porque, de um lado, nem todas as sociedades alfabetizadas são, de fato, consideradas
letradas – na perspectiva do letramento adotado aqui – ou, se o são, nem sempre há um alto
grau de letramento; de outro lado, há sociedades ágrafas que podem até possuir certo grau de
letramento, se se considerar que a escrita tem influenciado suas práticas, como é o caso de povos
indígenas ou silvícolas semianalfabetos ou analfabetos que têm certo contato com civilizações
na qual a escrita e a leitura fazem parte de suas práticas sociais.
[...] O desenvolvimento de linguagem escrita ou do processo de letramento da criança
é dependente, por um lado, do grau de letramento da(s) instituição (ões) social (ais) –
família, (pré-)escola) etc. – em que está inserida. Ou seja, da maior ou menor presença,
em seu cotidiano, de práticas de leitura e de escrita. E, por outro lado, [...] seu processo
de letramento será também dependente dos seus ‘diferentes modos de participação’
nas práticas discursivas orais em que estas atividades ganham sentido (ROJO, 2012,
p. 70).
Considerando, portanto, que a escrita influencia a oralidade e vice-versa, o
desenvolvimento da capacidade das práticas sociais de escrita de dada sociedade, ou grupo
social, dependerá em muito de como essa sociedade lida com a oralidade, bem como com
práticas de letramento, pois há crianças ainda não alfabetizadas, e, portanto, sem conhecimento
da escrita, mas que, de algum modo, possuem certo grau de letramento – conseguem identificar
que uma porta não é uma janela, que uma televisão não é um sofá, ou que só se deve atravessar
48
um cruzamento quando o semáforo estiver verde para ela, por exemplo, por já ter ouvido um
adulto falar as palavras porta, vermelho, verde, amarelo, televisão etc. associadas aos
respectivos objetos.
Portanto, é por meio do grau de letramento familiar, e também da instituição escolar ou
pré-escolar em que a criança está inserida “que lhe permite construir uma relação com a escrita
como prática discursiva e como objeto” (ROJO, 2012, p. 70).
O letramento pode, ainda, envolver diversas práticas da escrita, da leitura e de atividades
cotidianas em suas abundantes formas entre os indivíduos de uma dada sociedade. Por exemplo,
há indivíduo semianalfabeto (e analfabeto), mas que possui certo grau de letramento à medida
que consegue identificar o valor do dinheiro, identificar o trem, o metrô ou o ônibus que deve
tomar, fazer cálculos complexos, identificar mercadorias por meio de suas marcas, ditar para
outra pessoa escrever um conteúdo de uma carta ou um e-mail, entre outras coisas, mas
[...] não escreve cartas, bilhetes, e-mails etc., nem lê jornal regularmente, até uma
apropriação profunda, como no caso do indivíduo que desenvolve tratados de
Filosofia e Matemática ou escreve romances. Letrado é o indivíduo que participa de
forma significativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz um uso
formal da escrita (MARCUSCHI, 2010, p. 25).
Por fim, para os conceitos de alfabetização e escolarização, adotar-se-ão, também, as
considerações de Soares (2010) e Marcuschi (2010).
É evidente que, de certo modo, a aprendizagem da língua materna, quer oral, quer escrita,
torna-se um processo permanente a partir do momento em que se inicia esse processo:
“entretanto, é preciso diferenciar um processo de aquisição da língua (oral e escrita) de um
processo de desenvolvimento da língua (oral e escrita); este último é que, sem dúvida, nunca é
interrompido” (SOARES, 2010, p. 15). Alfabetizar significa “levar a aquisição do alfabeto”;
ensinar o código da língua escrita ou, simplesmente, ensinar habilidades de ler e escrever.
Alfabetizar nada mais é que o processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura
e escrita. Nessa perspectiva, portanto, alfabetizar pode significar o domínio da “mecânica” da
língua escrita, o que pode significar, também, “a habilidade de codificar a língua oral em língua
escrita (escrever) e de decodificar a língua escrita em língua oral (ler)” (SOARES, 2010, p. 15).
Marcuschi (2010), por sua vez, considera que a alfabetização pode se desenvolver, como
realmente já ocorreu no curso da história, fora da instituição escolar, entretanto é sempre um
aprendizado mediante ensino e abrange o domínio sistemático e ativo das habilidades de ler e
escrever. Em vista disso, a alfabetização pode ocorrer no ambiente escolar ou fora dele – por
exemplo, “a Suécia alfabetizou 100% de sua população já no final do século XVIII no ambiente
49
familiar e para objetivos que nada tinham a ver com o desenvolvimento, e sim com práticas
religiosas e atitudes de cidadania” (MARCUSCHI, 2010, p. 22).
Como se vê, as considerações e os estudos dos últimos anos acerca da alfabetização têm,
de certo modo, diferenciado essa prática escolar daquilo que atualmente se convencionou
chamar de letramento. Ainda para Soares (1998), alfabetização é a ação de alfabetizar, de tornar
um indivíduo alfabeto. É o ato de levar o indivíduo a ser capaz de ler e escrever.
No que concerne à escolarização, o próprio termo já facilita sua compreensão, pois pode
ser entendida como a submissão a processos de aprendizagem no ambiente escolar. Marcuschi
a conceitua como uma prática formal e institucional de ensino, cujo objetivo é a formação
integral do indivíduo. Dessa forma, a alfabetização representa apenas uma das atribuições da
escola, pois, como dito anteriormente, alfabetização e escolarização, embora sejam duas
práticas intrinsecamente ligadas – quando praticadas simultaneamente num mesmo ambiente,
a segunda pode abranger a primeira, mas o contrário não necessariamente acontece, porque a
alfabetização pode ocorrer, como visto, no seio familiar, enquanto que a escolarização, só no
ambiente escolar – não são a mesma prática social.
Assim, torna-se fundamental entender que, no Brasil, a questão do ensino da Língua
Portuguesa no que concerne ao letramento e à alfabetização não requer mais a busca pelo direito
à escolarização, principalmente pelas camadas populares, uma vez que, nas últimas décadas,
houve significativa adesão dessas camadas mais pobres aos espaços escolares – antes ocupados,
majoritariamente, por filhos de famílias abastadas cultural e financeiramente.
No entanto, atualmente o que se requer, além da já mencionada expansão quantitativa no
ensino fundamental e ensino médio, é a necessidade de uma mudança qualitativa da escola em
sincronia com as novas perspectivas de ensino, principalmente acerca da nova concepção de
letramento, respaldadas por grande parte dos pesquisadores.
No caso específico do ensino da Língua Portuguesa, o acesso à escola das crianças
pertencentes às camadas populares trouxe para as salas de aula a inusitada presença
de padrões culturais e variantes linguísticas diferentes daqueles com que essa
instituição estava habituada a conviver - os padrões culturais e a variante linguística
das classes dominantes, às quais tradicionalmente vinha servindo (SOARES, 2010, p.
100).
Logo, além de desenvolver seu conhecimento e domínio do sistema ortográfico, o
aprendiz da língua escrita, também, deve desenvolver o conhecimento e a utilidade da escrita
como discurso, ou seja, como operação real de enunciação, indispensável e adequada a
determinadas situações de interação e realizada em unidades estruturadas – os textos – que
50
respeitam regras discursivas pertinentes (recursos de coesão, coerência, informatividade, dentre
outros).
2 2.2 Língua falada e língua escrita: dialogismo ou dicotomia?
Como visto, variados estudos linguísticos, e com diferentes objetivos, têm sido realizados
nos últimos anos sobre a língua falada, principalmente em concomitância com a língua escrita;
ainda, assim, há muito o que se desvendar sobre ela, inclusive acerca de como a fala tem
influenciado a escrita e vice-versa.
Tradicionalmente, como se sabe, “a escrita, sobretudo a literária, sempre foi considerada
a verdadeira forma de linguagem, e a fala, instável, não podendo constituir objeto de estudo”
(FÁVERO; ANDRADE e AQUINO, 2012, p. 12). Desse modo, as gramáticas, na escola, tratam
essa relação tendo como critério a língua escrita, o que é um equívoco, pois a língua falada
possui suas próprias características e requer um tratamento à parte. Diferentemente da escrita,
a língua falada se funda em “uma prática social interativa para fins comunicativos que se
apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde
uma realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de uso”
(MARCUSCHI, 2010, p. 25).
A escrita, por sua vez, é um modo de manifestação da língua em que sua produção
textual-discursiva tem fins comunicativos com certas especificações materiais, caracterizadas
por uma constituição gráfica. Trata-se, desse modo, de uma modalidade de uso da língua
complementar à fala – o que será discutido ao longo desta dissertação. Para essas considerações,
ter-se-ão, como base, as postulações de Marcuschi (2010); Marcuschi (2003); Fávero, Andrade
e Aquino (2012); Preti (2003a); Preti (2003b); Koch (2015), dentre outros. A despeito da imensa
penetração da escrita e de sua predominância no mundo, “parece que hoje redescobrimos que
somos seres eminentemente orais” (MARCUSCHI, 2010, p. 24).
Segundo Marcuschi, essa eminência, embora não se esteja falando de grau de
importância, ocorre por causa do tempo em que a escrita entrou e se disseminou pelo mundo: a
cronologia é muito simples: enquanto a espécie do homo sapiens já data de cerca de um milhão
de anos, a escrita, por sua vez, surgiu há pouco mais de 3 mil anos A.C., ou seja, há 5 mil anos,
mas, no ocidente, ela entrou por volta de 600 A.C., tendo, portanto, pouco mais de 2500 anos,
hoje. Além do mais, pelas práticas sociais, o ser humano usa mais a oralidade que a escrita.
Ainda segundo o autor, a imprensa, surgida no ano de 1450, teria, assim, pouco menos
de 600 anos. A maioria dos estudiosos aponta que a alfabetização, como fenômeno cultural de
51
massa, foi praticamente ignorada nos primeiros dois mil anos de sua história, ficando restrita a
uns poucos povos e sociedades.
Na atual conjuntura, contudo, tanto a oralidade quanto a escrita estão em grau de
igualdade nos estudos da comunicação humana, se seus papéis e contextos de usos não forem
confundidos, nem discriminados seus usuários – apesar de a escrita ter ocupado maior prestígio
social, erroneamente. Embora o engenho humano a tenha criado tardiamente em relação ao
surgimento da oralidade, ela foi permeando quase todas as práticas sociais dos povos em que
penetrou. Atualmente, portanto, “a escrita é usada em contextos sociais básicos da vida
cotidiana, em paralelo com a oralidade. Estes contextos são, entre outros: “o trabalho, a escola,
o dia a dia, a família, a vida burocrática, a atividade intelectual” (MARCUSCHI, 2010, p. 19).
Em cada um dos contextos acima referidos, a ênfase e os objetivos dos usos da escrita
são muito variados. Inevitáveis relações entre escrita e contextos sociais foram sendo criados
desde o seu surgimento, tornando-se evidente o aparecimento de formas comunicativas, bem
como terminologias e expressões características, fenômenos históricos vinculados à vida social
e cultural, frutos de trabalho coletivo etc. organizados, na escrita e também na oralidade, por
meio de gêneros textuais – formas textuais típicas, relativamente estáveis, com funcionamentos
e atividades específicos, conforme se detalhará à frente.
Desde o advento da escrita há cinco mil anos, poderosas funções da sociedade
(incluindo o direito, o governo e a economia) têm sido de modo crescente mediadas
através de textos escritos. Esse desenvolvimento da escrita tem sido acompanhado por
uma proliferação de formas escritas e situações que requerem a escrita – encaixadas
dentro de sistemas de atividades cada vez mais complexos mediados por esses
documentos (BAZEMAN, 2011, p. 15).
Sendo assim, a questão dos textos não deve ser classificada apenas pela forma, visto que
outras análises se tornam mais importante como, por exemplo, o que se pretende realizar com
o que falamos ou escrevemos, e o que os interactantes entendem entre si com o que estão
tentando dizer ou fazer – “o ato pretendido e seu efeito real” (BAZERMAN, 2011, p. 28). A
título de exemplificação, alguém pode escrever um e-mail para um amigo contando os últimos
acontecimentos em sua vida, mas sua intenção ilocucionária pode ser a de preservar uma
simples amizade ou requerer uma resposta escrita sobre a resolução de um determinado
problema anteriormente discutido.
Dessa forma, diferentemente de alguns autores, Bazerman recusa a visão apenas
formalista das teorias e metodologias de gêneros e sugere a visão sociodiscursiva como a mais
adequada. O autor argumenta que a sociedade é uma entidade concreta na qual seus membros
52
estão sujeitos a mudanças constantes e tendem a viver colaborativamente – ninguém fala ou
escreve para si mesmo e sem nenhum objetivo.
Nessa mesma linha, Preti (2003a) postula que o caráter social de uma língua tem sido
amplamente demonstrado com os estudos pós-estruturalistas, de maneira que hoje seu papel
está cada vez mais relevante nas relações interpessoais. Para o autor, não há uma relação de
mera causalidade entre sociedade e língua. A língua, portanto, funciona como um meio de
interação entre os indivíduos da sociedade em que vivem.
Assim, nas civilizações que mais avançaram tecnologicamente, a língua passou a ser o
suporte dinâmico dessas sociedades e compreende não apenas as relações diárias entre seus
membros, mas também uma atividade intelectual que ocorre a partir do fluxo informativo dos
meios de comunicação de massa até a vida escolar, científica, cultural ou literária: “Em todos,
a língua desempenha um papel preponderante, seja em sua forma oral, seja através de seu
código substitutivo escrito” (PRETI, 2003a, p. 12).
Dessa forma, a língua falada e a língua escrita são eventos sociocomunicativos, que só
têm sentido dentro de um processo interacional, de modo que “todo texto é resultado de uma
coprodução entre interlocutores: o que distingue o texto escrito do falado é a forma como tal
coprodução se realiza” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 13).
No texto escrito, nem sempre se tem uma destinação imediata ou interação em tempo
real – exceto no caso das atuais redes sociais, pois, embora os interlocutores não estejam
presentes, a conversação acontece por meio do código escrito da língua –, não havendo
participação ativa e direta de um interlocutor que possa interferir na elaboração linguística do
texto, em vista do distanciamento que existe entre quem escreve e quem lê. Nele, a
dialogicidade estabelece-se numa relação ideal, na qual quem escreve leva em consideração a
perspectiva de quem lê, dialoga com determinados tipos de leitor, cujas respostas e reações ele
prevê (cf. KOCH e ELIAS, 2010, p. 13).
Dessa maneira, para essa modalidade da língua, ao invés do que acontece com o texto
falado, os contextos de produção e de recepção, de modo geral, desde que produtor e leitor não
se encontrem copresentes, não há coincidência nem em termos de tempo nem de espaço. Desse
jeito, o produtor do texto tem mais tempo para planejar uma elaboração mais cuidadosa do
texto, sua revisão, entre outras coisas. Portanto, na escrita, apesar de a interação (reciprocidade)
ter importância, a ausência física (ou em tempo real) do interlocutor/leitor traz consigo
possibilidades de reformulações prévias, tendo como consequência um tipo de vínculo
diferenciado do que acontece na fala.
53
Para as autoras, o texto falado, surge no exato momento da interação – excetuando-se aí
algumas interações em redes sociais, a exemplo do atual WhatsApp – no qual as conversas ficam
gravadas, podendo ser respondidas posteriormente. Assim, no caso do texto falado, como os
interlocutores estão copresentes, a interlocução é ativa, o que implica processo de coautoria,
refletido na materialidade linguística por marcas da produção verbal conjunta – com exceção
de alguns monólogos, por serem produzidos por um único autor, ainda que este esteja
interagindo intertextual e intencionalmente com seus eventuais interlocutores, mesmo que isso
não ocorra simultaneamente.
Ainda com relação à fala (ou ao texto falado), constata-se que sua natureza interativa
constitui sua principal característica e objetivo, pois é por intermédio dessa interação que todo
discurso oral vai se estruturando, ou seja, por meio dela, cria-se um processo de geração de
sentidos em que os participantes da conversação (no caso dos diálogos, trílogos etc.) fazem uma
relação simultânea com a comunicação.
Como se pode perceber, fala e escrita são duas modalidades da língua, portanto. Desse
modo, embora elas se utilizem do mesmo sistema linguístico, cada uma dessas modalidades
possui características peculiares, como referido anteriormente. Em outras palavras, a escrita não
se constitui em mera transcrição da fala, como muitas vezes se pensa. Por isso, a “oralidade não
pode ser vista isoladamente, isto é, sem relação com a escrita, pois elas mantêm entre si relações
mútuas e intercambiáveis” (FÁVERO; ANDRADE e AQUINO, 2012, p. 15).
Nessa perspectiva, cujo princípio geral está na visão não dicotômica da relação entre
oralidade e escrita, essa relação ocorre num contínuo fundado nos próprios gêneros textuais em
que se manifesta o uso da língua no dia a dia. Mas nem sempre foi assim:
A rigor, esta perspectiva tem matizes bem diferenciados. De um lado, temos autores
linguístas como Bernstein (1971), Labov (1972), Halliday (1995, numa primeira fase),
Ochs (1979), representante das dicotomias mais polarizadas e visão restrita. De outro
lado, temos autores como Chafe (1982, 1984, 1985), Tannen (1982, 1985), Gumperz
(1982), Biber (1986, 1995), Blanche-Benveniste (1990), Halliday/Hasan (1989), que
percebem as relações entre fala e escrita dentro de um contínuo, seja tipológico ou da
realidade cognitiva e social (MARCUSCHI, 2010, p. 27).
De modo geral, no caso das dicotomias estritas (ou restritas), trata-se de uma análise que
se volta para o código linguístico e se mantém na imanência desse fato. Essa perspectiva, na
sua forma mais inflexível e restritiva, tal e qual vista pelos gramáticos, originou o prescritivismo
de uma única norma linguística considerada padrão e que está representada na chamada norma
culta (cf. MARCUSCHI, 2010). Essas postulações deram origem às dicotomias que separam a
54
língua falada da língua escrita em dois segmentos distintos, atribuindo-lhes propriedades
típicas, tais como as que se podem ver no quadro a seguir.
Quadro 01- Dicotomias estritas
LÍNGUA FALADA VERSUS LÍNGUA ESCRITA
Contextualizada Descontextualizada
Dependente Autônoma
Implícita Explícita
Redundante Condensada
Não planejada Planejada
Imprecisa Precisa
Não normatizada Normatizada
Fragmentária Completa
Fonte: MARCUSCHI, 2010, p. 27.
Como se vê, a perspectiva da dicotomia estrita possui o contratempo de fazer postulações
acerca da fala como o lugar do “erro” e do caos gramatical, fazendo da escrita o lugar da norma
e do bom uso da língua. No entanto, nesta pesquisa, trata-se de uma visão a ser rejeitada.
Além das dicotomias estritas, há ainda de se considerar, para os estudos que nortearam a
língua escrita e a língua falada, a visão culturalista, a perspectiva variacionista e a perspectiva
sociointeracionista. Esta última, por sua vez, é a que interessa para esta pesquisa, porque, nessa
perspectiva, tanto a oralidade quanto a escrita apresentam dialogicidade, usos estratégicos
baseados nos gêneros textuais, aspectos interacionais (envolvimento), negociação (em tempo
real ou não), situacionalidade (contextualização, por exemplo), coerência e dinamicidade.
Assim sendo, a perspectiva sociointeracionista
[...] tem a vantagem de perceber com maior clareza a língua como fenômeno interativo
e dinâmico voltado para as atividades dialógicas que marcam as características mais
salientes da fala, tais como as estratégias de formulação em tempo real. Para Street
(1995: 162), essa tendência [...] poderia ser uma das melhores saídas para a
observação do letramento e da oralidade como práticas sociais (MARCUSCHI, 2010,
p. 33).
Por conseguinte, a proposta geral aqui defendida, aliando-se à visão variacionista e com
as considerações da Sociolinguística, Análise da Conversação e da Linguística textual, pode
trazer resultados mais seguros e adequação mais empírica e teórica, de sorte que fala e escrita
operem em dimensões multissistêmicas, ou seja, não se constituam num único aspecto
expressivo.
55
Talvez seja esse o caminho mais sensato no tratamento das correlações entre formas
linguísticas [...], contextualidade (dimensão funcional), interação (dimensão
interpessoal) e cognição no tratamento das semelhanças e diferenças entre fala e
escrita nas atividades de formulação textual-discursiva (MARCUSCHI, 2010, p. 33).
Enquanto a oralidade serve-se de componentes paralinguísticos, como os gestos ou a
entonação (prosódia), para fins expressivos, a escrita se utiliza de outros elementos, como
tamanho e forma das letras, por exemplo. As semelhanças entre a língua falada e a escrita são
consideravelmente maiores que as diferenças, tanto nas características linguísticas quanto nos
aspectos sociocomunicativo-interacionais.
As duas modalidades – oral e escrita – se fundam em um contínuo, pois estão
estreitamente relacionadas e inseridas num mesmo sistema linguístico: o da língua e, no caso
aqui, da língua portuguesa, uma vez que mantêm entre si relações recíprocas e intercambiáveis.
Essas características tornam clara a importância de cada uma das modalidades e suas
potencialidades particulares que, às vezes, se mesclam e se justapõem.
Evidentemente, elas não se diferenciam apenas quanto à substância, ou à matéria-
prima da língua, substância fônica percebida pela audição, a da língua falada, gráfica
ou visual da língua escrita. Afinal, a língua escrita não constitui pura transcrição da
falada. Ao mesmo tempo não basta que a língua seja realizada oralmente, constituindo
produto perceptível pela audição, para ser considerada falada (RODRIGUES, 2003,
p. 35).
Logo, a oralidade é um aspecto essencial da língua falada, mas não o suficiente para
identificá-la como tal, visto que há textos transmitidos oralmente, no rádio, na televisão e em
outros canais de comunicação, por exemplo, que têm sua origem em textos previamente
escritos, textos realizados oralmente, mas que foram concebidos e planejados na modalidade
escrita.
2.3 2.3 Estudos da língua falada: a organização da conversação
Embora esta dissertação não trate com especificidade da conversação concebida por dois
locutores ou mais, pois os textos considerados base para as análises foram produzidos por um
único locutor, trataremos, neste item, da conversação não só enquanto passagem de turno entre
dois participantes, mas também produzida por apenas um locutor, haja vista que em toda
produção linguística, ainda que não existam dois ou mais interlocutores interagindo ao mesmo
tempo e no mesmo espaço, sempre haverá a idealização de um eventual coparticipante.
56
Assim, considerou-se que os estudos da conversação oral tenham produzido resultados
importantes para o tratamento da retextualização da oralidade para a escrita. Portanto, nesta
pesquisa, “o modelo foi imaginado para abranger tanto os textos falados monologados quanto
os dialogados” (MARCUSCHI, 2010, p. 66).
Prática social mais comum nas relações humanas, a conversação, entre outros aspectos,
possui a capacidade de desenvolver o espaço individual para a construção de identidades sociais
em contextos reais, “por fim, exige uma enorme coordenação de ações que exorbitam em muito
a simples habilidade linguística dos falantes” (MARCUSCHI, 2003, p. 5). Até meados da
década de 1970, a Análise da Conversação restringia seus estudos à estrutura da conversação;
à transação das operações usadas pelos interlocutores durante uma conversa (diálogo, trílogo
etc.) e, posteriormente, passou a compreender elocuções formais, entrevistas etc.
Conforme sabemos, o estudo da modalidade oral da língua ampliou-se
consideravelmente nas décadas de 80 e 90 (do século XX) e a aplicação das teorias da
Análise da Conversação tornou possível o estudo do fenômeno da oralidade, fora dos
métodos tradicionalmente usados para análise da língua escrita (PRETI, 2003b, p. 7).
Os turnos conversacionais, suas estratégias de gestão; as leis de simetria da conversação
natural; a estruturação dos tópicos ou temas; os procedimentos de reformulação; o emprego de
sinais característicos da língua oral (marcadores conversacionais); a sobreposição de vozes
(assalto aos turnos); a densidade informativa etc. “vieram mostrar que a língua falada tem suas
regras próprias” (PRETI, 2003b, p. 8). Assim, todas as nuances desses, e de outros assuntos
ligados à língua oral, podem ser, atualmente metodologicamente estudados, inclusive sua
comparação com a escrita e sua presença no diálogo literário, se for o caso.
Infere-se daí que, muitas vezes, o que é considerado desestruturação do texto falado,
representa, na verdade, estratégias presentes na organização própria da língua falada. Pode-se
perceber, por exemplo, na produção do texto falado, o grande número de repetições decorrentes
de um planejamento simultâneo dessa modalidade, pois fazem parte da estrutura
conversacional. Em vista disso, a Análise da Conversação desenvolve um caráter empirista, no
qual o uso prático da linguagem oral é a matéria de estudo primordial, e a forma sistemática de
processar a interação é o seu principal conceito. Dessa forma, ela propõe um trabalho
fundamentado em situações reais de comunicação.
Para Rodrigues (2003b, p. 21), a conversação, entre outras coisas, “é um evento de fala
especial: corresponde a uma interação verbal centrada, que se desenvolve durante o tempo em
57
que dois, ou mais interlocutores, voltam sua atenção para uma tarefa comum, [...] sobre
determinado assunto”.
A interação centrada, por exemplo, é imprescindível para que haja uma conversação, de
maneira que dois ou mais interlocutores interajam voltando sua concentração para esta atividade
única – a conversação –, pelo menos se se considerar a perspectiva conversacional dialogada.
Nessa situação (de diálogo), portanto,
[...] os interlocutores alternam seus papéis de falante e ouvinte, e dessa atividade ‘a
quatro mãos’, ou ‘a duas vozes’, resulta o texto conversacional, elaborado numa
determinada situação de comunicação. Dizemos, então, que todo evento de fala
acontece num contexto situacional específico, aqui entendido como o ambiente
extralinguístico: a situação imediata, o momento e as circunstâncias em que tal evento
acontece, envolvendo, inclusive, os próprios participantes com suas características
individuais e possíveis laços que os unam (RODRIGUES, 2003, p. 21).
Há algumas características da fala que são de suma importância para se entender sua
organização no contexto conversacional, tanto no diálogo quanto no trílogo ou monólogo,
sendo que parte delas se aplica apenas a uma ou outra modalidade. Marcuschi (2003, p. 15) o
caracteriza da seguinte forma:
interação entre pelo menos dois falantes (no caso de diálogos e trílogos);
ocorrência de pelo menos uma troca de falantes (no caso de diálogos e trílogos);
presença de uma sequência de ações coordenadas;
execução numa identidade temporal;
envolvimento numa interação centrada.
A conversação, portanto, considerando essas características elencadas, é uma interação
verbal centrada que se aplica ao longo de um determinado tempo, em que dois ou mais
interactantes voltam sua concentração, visual e cognitiva, para uma atividade conjunta, mas
comum a interesses recíprocos.
58
2.3.1 O turno conversacional
Os turnos conversacionais, segundo Galembeck (apud PRETI, 2003) são intervenções
dos interlocutores (participantes do diálogo), de qualquer extensão. O autor ainda os classifica
em duas modalidades: o turno nuclear e o turno inserido. O turno nuclear possui valor
referencial nítido; o falante veicula (ou retoma) uma informação já desenvolvida num tópico
em andamento.
L1 então o desen/ o desenvolvimento é bom porque ele dá chance de emprego para
mais gente [...]
L2 mas você está pegando uma coisin::nha assim sabe? um cara que esteja
desempregado também eu posso... usar o mesmo exemplo num sentido contrário... o
cara que está desempregado porque não consegue se empregar né? na verdade não
quer...ou um outro que:: assim...[...] (GALEMBECK, 2003b, p. 71-72).
O turno inserido, por sua vez, não tem caráter referencial, não continua desenvolvendo
o tópico (assunto) da conversação. Esse turno possui a função principal de indicar que um dos
interlocutores monitora, acompanha, vigia ou fiscaliza as palavras de seu parceiro
conversacional. Por essa razão, de acordo com Orecchioni (2006), o enfoque sociointeracionista
é mais especificamente da linha teórica da Análise da Conversação, cujo objetivo é investigar
seu objeto de estudo não em frases soltas isoladas, mas em discursos atualizados e em situações
comunicativas concretas. Os elementos do contexto sociocomunicativo são: o lugar, o ambiente
físico e o institucional; o objetivo da interação e os participantes da conversação também são
considerados: número de participantes, características individuais, relações de conhecimentos,
entre outros. Veja-se:
L2 Dizem que está surgindo agora ... a ...computação [...]
L1 uhnuhn... [...]
L2 talvez você possa dizer mais algumas coisas do que eu nesse campo
(GALEMBECK, 2003b, p. 71-2).
Esses exemplos permitem-nos afirmar que a tomada de turno é apenas uma, mas
importante, operação da conversação e, nesse modelo, ela se torna um dos componentes centrais
desse gênero, “contudo o turno aqui não é tomado como a unidade conversacional por
excelência” (MARCUSCHI, 2003, p. 18), até mesmo porque o turno pode ser entendido como
aquilo que um falante realiza ou diz enquanto toma a palavra, e isso inclui a possibilidade do
silêncio.
59
2.3.2 O tópico discursivo
Segundo Fávero (2003b, p. 45), no sentido amplo de assunto, o tópico discursivo pode
ser entendido como aquilo acerca do que se está discutindo. Sendo assim, o tópico discursivo
pode ser considerado como uma categoria: uma categoria abstrata, primitiva, que se atualiza
por enunciados na conversação, mediante interações formuladas pelos interlocutores a respeito
de um conjunto de referentes explícitos ou inferíveis, relacionados entre si e em relevância num
determinado ponto da mensagem. Por conseguinte, o tópico discursivo é, antes de tudo, uma
questão de conteúdo e depende do decurso colaborativo que compreende todos os participantes
do ato interacional.
Segundo a autora, o tópico discursivo é dividido em duas propriedades: centração e
organicidade. O tópico discursivo operado por centração é o expressar-se acerca de alguma
coisa, implicando a aplicação de referentes explícitos ou inferíveis. Nesse caso, o tópico tem
limites bem definidos e são distribuídos em seções sucessivas.
20 L2 a sua família é grande?
L1 nós somos:: seis filhos
L2 e a do marido
[...]
L1 e a do marido... eram doze agora são onze...
L2 ahn ahn
25 L1 quer dizer somos de famílias GRANdes e::... então ach/
acho que::...
[...]
30 L2 e daí o entusiasmo para NOve filhos...
L1 exatamente nove ou dez...[...] (FÁVERO, 2003b, p. 47).
Veja-se que o tópico em desenvolvimento está centrado em planejamento familiar (linhas
1 a 9); o que se observa, principalmente, é o tópico “tamanho da família” expressado pela
quantidade de filhos – 20 (linha 2, linha 4) e 25 (linha 7, linha 8) – o que é mantido ao longo
do trecho citado. A centração orienta o tópico de tal maneira que, quando se tem nova centração,
tem-se um novo tópico.
Quanto ao tópico discursivo operado por organicidade, opera-se quando há um
supertópico (família, por exemplo) e outros subtópicos (tamanho da família ou o papel do
homem casado, por exemplo), que se instauram pela interdependência, concomitantemente, em
dois planos: o linear e o vertical.
O conhecimento elementar de linearidade diz respeito às articulações entre os tópicos que
trata da proximidade nas linhas discursivas e está ligado à introdução de informações novas. É
60
por meio da linearidade que se pode entender melhor dois fenômenos básicos que compõem a
organicidade, conforme se nota a seguir:
[...] a continuidade – decorre de uma organização sequencial dos tópicos, de modo
que a abertura de um se dá após o fechamento do subsequente. Pode-se dizer que o
tópico compreende mecanismos de início, desenvolvimento e saída detectáveis por
elementos verbais ou por traços de segmentos relevantes.
[...] a descontinuidade – decorre de uma perturbação na sequencialidade: um tópico
é introduzido, na linha discursiva, antes de se ter esgotado o precedente que pode ou
não retornar. Se não há esse retorno, têm-se um corte e se há, têm-se as inserções ou
digressões (FÁVERO, 2003b, p. 54).
O princípio que norteia o tópico discursivo na verticalidade se refere às ligações de
interdependência que se estabelecem entre os tópicos de acordo com maior ou menor
abrangência do assunto discutido e permite dizer que existem níveis diferenciados na
estruturação dos tópicos, que podem ser desde um constituinte mínimo – subtópico (SBT) – até
fragmentos maiores – tópicos (T) ou supertópicos (ST).
Para fazer a descrição da organização tópica de uma conversação, não se pode abdicar de
examinar a delimitação dos segmentos tópicos, das porções tópicas pequenas, e isso pode ser
feito com base no princípio da centração. Entretanto, a questão de como os tópicos estão
delimitados nem sempre é tão clara, embora os tópicos sempre estejam sujeitos à segmentação.
Neste caso, a análise será um tanto mais trabalhosa.
Desse modo, podem ser encontrados tópicos que tenham início, desenvolvimento e fim
num espaço conversacional de maior ou menor extensão, na ação verbal dos falantes, sinais ou
marcas da delimitação tópica. Assim, “apesar da multiplicidade de tópicos que constituem o
diálogo, os interlocutores vão captando essas marcas e orientando sua fala segundo esses
tópicos que são, assim, responsáveis pela coerência na conversação” (FÁVERO, 2003b, p. 57).
Fávero postula, para a delimitação tópica (segmentação), critérios flexíveis de marcas, já
que nem sempre elas constituem um critério absoluto. Observe-se:
facultativas – o início e o fim de um tópico sem marcas explícitas, que podem ser
detectadas pela mudança de referente;
multifuncionais – os elementos que aparecem delimitando o tópico não exercem
sempre a mesma função (categoria); e
coocorrentes – acumulam-se vários procedimentos no mesmo ponto de um
determinado momento da fala, como, por exemplo, a pausa, a entonação etc.
61
Ainda fazendo parte do quadro tópico discursivo, encontram-se as digressões que se
caracterizam por interrupções de um tópico em desenvolvimento, pela reintrodução de um
tópico anteriormente deixado de lado por um determinado tempo, pela introdução de um novo
tópico no meio de outro tópico etc. Todavia, como nesta pesquisa não foram utilizadas análises
de digressões, não se estenderão, aqui, conceitos e características.
Como visto, é importante salientar que a conversação se faz altamente organizada e, nesse
sentido, o tópico discursivo representa um forte auxiliar no desenvolvimento dessa organização.
Mas é necessário levar em consideração que os interactantes trazem para essa organização
vários elementos paralinguísticos, pois o contexto situacional possui muita influência na
conversação e deve ser levado em consideração também nos estudos sobre o tópico discursivo.
Logo, o tópico discursivo, bem como seu desenvolvimento em todos os seus aspectos
estruturais, é de grande relevância para a organização e a coerência do texto conversacional.
2.3.3 Os marcadores conversacionais
Os marcadores conversacionais – elementos típicos da fala – “são de grande frequência,
recorrência, convencionalidade [...] e significação discursivo-interacional. Mas não integram
propriamente o conteúdo cognitivo do texto” (URBANO, 2003b, p. 98). Entretanto, esses
marcadores auxiliam na construção da coesão e coerência na produção do texto falado, mais
particularmente dentro do aspecto conversacional. Nesse sentido,
[...] funcionam como articuladores não só das unidades cognitivo-informativas do
texto como também dos seus interlocutores, revelando e marcando, de uma forma ou
de outra, as condições de produção do texto, naquilo que ela, a produção, representa
de interacional e pragmático (URBANO, 2003b, p. 98).
Há, no contexto conversacional, vários marcadores que auxiliam os interlocutores na
elaboração de seus discursos, bem como na interação face a face com seus pares – no caso da
conversação no contexto dialogado – e também na reelaboração de falas, retomada e introdução
de tópicos – também no contexto dos monólogos.
Urbano (idem) postula que os marcadores conversacionais podem ser de natureza
linguística e não linguística. Os linguísticos são de dois aspectos: verbais e prosódicos: “Os
verbais podem ser lexicalizados – como sabe?, eu acho que – ou não lexicalizados, como
62
ahnahan, eheh. Os de natureza prosódica são a pausa, a entonação, o alongamento, a mudança
de ritmo e de altura, por exemplo” (URBANO, 2003b, p. 97).
Os marcadores não linguísticos, embora não apareçam num trabalho de transcrição e
retextualização – exceto por indicação escrita do investigador/pesquisador –, também são de
suma importância para sinalizar, sobretudo, as relações interpessoais dos envolvidos nos
diálogos, trílogos, monólogos etc. – todavia, não foram, aqui, considerados para análise,
primeiro por não terem sido observados na transcrição dos textos falados para análise; segundo,
julgou-se sem relevância para a análise dos monólogos aqui transcritos. O autor ainda
caracteriza esses marcadores como paralinguísticos – os olhares, os sorrisos, os meneios de
cabeça, os gestos, entre outros.
Há, ainda, os aspectos semântico e sintático desses marcadores. Se forem observados os
marcadores conversacionais nas documentações extraídas de falas espontâneas, verificar-se-ão
elementos vazios ou esvaziados de conteúdo semântico – isso, pode-se afirmar, principalmente,
dos elementos prosódicos (por exemplo, muitos que ::) e verbais não lexicalizados (eh, ah ah,
ahn etc.). Contudo,
[...] há expressões que continuam semanticamente válidas, como eu acho que, eu
tenho impressão de que, mas a informação que passam não integra nem colabora
diretamente para o conteúdo referencial do texto como estrutura tópica (URBANO,
2003b, p. 101).
Para o autor, o uso dessas expressões refere-se mais à postura do falante em relação ao
que se vai dizer, à modalização, aos aspectos de enunciação de sua fala. Nesse sentido, como
se observa na frase a seguir: “Eu acho que o réu foi absolvido” (URBANO, 2003b, p. 101), o
autor entende que o conteúdo proposicional propriamente dito encontra-se na segunda parte da
frase, portanto, na segunda oração.
Para Urbano (idem), os marcadores conversacionais ainda podem ser verbais,
lexicalizados ou não, pois a emissões podem ser completas em si e autônomas na entonação,
por isso apresentam uma caracterização de total independência sintática. São marcadores do
tipo sabe? certo?, né?, ah, eh, uhnuhn. Por exemplo (linhas 1170 a 1180):
[...]
1170 L2 dedicação
[...]
L1 dedicação exclusiva
L2 ahnahn
[...]
1178 L1 ele::...é especialista em Direito Administrativo...
L2 ahnahn
63
1180 L1 certo?
[...] (URBANO, 2003b, p.94).
No entanto, há casos em que a dependência sintática desses marcadores é facilmente
observável:
“L1 eu acho que me realizaria mais como orientadora do que como
Professora” (URBANO, 2003b, p. 103).
Há, portanto, nítida relação de dependência entre a oração introduzida “eu acho que”
(marcador) que, neste caso, funciona sintaticamente como oração principal, e a oração “que me
realizaria mais como orientadora do que como professora”.
Existem casos, portanto, em que os marcadores desfrutam de certa liberdade condicional.
Por conseguinte, alguns marcadores têm sido classificados como iniciais, mediais e finais em
relação à sua posição nas falas. Os marcadores Bom e Bem, por exemplo, costumam iniciar
turnos, outros, no entanto, como sabe?/certo?, costumam encerrá-los.
Assim, os marcadores conversacionais são componentes linguísticos (ou não) que
sinalizam a estruturação do texto, considerados não apenas como dispositivos verbais
cognitivos, mas também como constructos interacionais e interpessoais. Desse modo, têm-se
que
Perguntas frequentemente introduzem tópicos ou mudanças de tópicos. Há
marcadores que normalmente encerram unidades, enquanto outros normalmente as
introduzem: marcadores de busca de apoio geralmente encerram; [...] de continuação,
de mudança de tópico [...] iniciam unidades; marcadores de hesitação são
regularmente localizados no interior das unidades, inclusive das unidades
entonacionais mínimas (URBANO. In: PRETI (Org.), 2003b, p. 115).
Por exemplo, marcadores como ah..., ah::, ahn, eh, eh, uhn, unhun etc. indicam
hesitação ou monitoramento do ouvinte; marcadores como sabe?, né?, não é, certo? etc.
indicam teste de participação ou pedido de apoio; marcadores como eu acho que, receio que,
tenho a impressão de que podem indicar polidez ou atenuação de atitude do falante.
Logo, a depender do objetivo das análises propostas para cada texto ou segmento, os
marcadores conversacionais vão contribuir muito ou pouco para o que se propôs averiguar. No
entanto, sempre serão de grande relevância para se observar alguns recursos que sinalizam
orientação ou ordenação recíproca dos locutores/interlocutores ou destes em relação ao
discurso.
64
2.4 O processo de retextualização e as estratégias para a reconstrução da produção
textual
Nas últimas décadas, intensificaram-se as pesquisas sobre a relação entre língua falada e
língua escrita. O resultado das pesquisas, embora ainda um pouco limitado e bastante disperso,
vem mostrando que a questão é complexa e variada – mas pode trazer muitos ganhos para as
instituições escolares no que diz respeito ao ensino de produção textual. Evitando-se repetir o
que já foi exposto sobre as várias relações que estão intrinsecamente associadas no contínuo
das duas modalidades, pode-se dizer, conforme Marcuschi (2010, p. 45-46), que, nesse
processo:
as semelhanças são maiores que as diferenças tanto nos aspectos estritamente
linguísticos quanto nos sociocomunicativos;
as relações de semelhanças e diferenças não são estanques nem dicotômicas, mas
contínuas ou, pelo menos, graduais;
as relações podem ser mais bem compreendidas quando observadas no contínuo dos
gêneros textuais – gêneros similares nas duas modalidades;
muitas das características anteriormente atribuídas a uma das modalidades são, de
certa forma, propriedades da língua, como contextualização/descontextualização;
envolvimento/distanciamento etc.;
não há qualquer diferença notável que perpasse o contínuo das produções falada e
escrita – as características não são categóricas ou exclusivas;
tanto a fala como a escrita são normatizadas em todas as formas de produção textual
– não se pode afirmar, por exemplo, que a fala tenha enunciados incompletos por
apresentarem muitas hesitações, repetições ou marcadores não lexicalizados;
tanto a fala como a escrita são multissistêmicas, assim como a fala se serve de
gestualidade, mímicas, prosódia etc., a escrita se serve de tamanho da letra, cor,
símbolos, elementos icônicos, logográficos etc.; e
a escrita se relaciona com a fala numa ordem ideológica e sociopolítica, impondo
uma relação de poder, mas nem por isso deve ser tomada como intrinsecamente
“libertária”.
65
A partir dessas posições, intenta-se, nesta pesquisa, mostrar que as diferenças entre fala
e escrita não são dicotômicas, mas complementares entre si. Dessa forma, o processo de
retextualização, aqui proposto, busca conscientizar os educandos acerca das diferenças e
semelhanças dessas duas formas de manifestação da língua e seus respectivos momentos de
aplicação, conforme se verá a seguir. Se consideradas as respectivas combinações elencadas
por Marcuschi, teremos as seguintes possibilidades de retextualização:
Quadro 02- Possibilidades de retextualização
1. Fala Escrita (entrevista oral - entrevista impressa)
2. Fala Fala (conferência - tradução simultânea)
3. Escrita Fala (texto escrito - exposição oral)
4. Escrita Escrita (texto escrito - resumo escrito)
Fonte: MARCUSCHI, 2010, p. 48.
66
De acordo com o quadro 02, nota-se que as sociedades se ocupam de variadas
retextualizações no dia a dia de suas práticas sociais, já que, a todo tempo, fazem sucessivas
reformulações dos mesmos textos numa variação de registros, gêneros textuais, níveis e estilo
de linguagem.
Por exemplo: (1) a secretária que anota informações orais do(a) chefe e com elas
redige uma carta (e-mail, recado etc.); (2) o(a) secretário (a) de uma reunião de
condomínio [...] encarregado(a) de elaborar a ata da reunião, passando para a escrita
um resumo do que foi dito; [...] (7) o (a) aluno (a) que faz anotações escritas da
exposição do(a) professor(a); (8) o juiz ou delegado que dita para o escrevente a forma
final do depoimento e assim por diante (MARCUSCHI, 2010, p. 49).
Embora possa haver variadas formas de retextualização, conforme verificado acima,
neste estudo serão investigadas apenas as operações mais relevantes existentes nos processos
de retextualização sugeridas pela alternativa 1 do quadro 02: a transformação do texto falado
para o texto escrito.
2.4.1 Transcrição e retextualização
Não se deve esquecer que há uma distinção considerável entre a atividade de transcrição
e a de retextualização. Transcrever a fala (ou um texto oral qualquer) consiste em passar de
sua realização sonora para a forma gráfica (escrita) “com base numa série de procedimentos
convencionalizados” (MARCUSCHI, 2010, p. 49). Evidentemente, nesse caminho existem
algumas operações que não devem ser ignoradas por serem importantes para a transposição –
como as transcrições de marcadores conversacionais etc.
Entretanto, essas operações (as da transcrição) não devem interferir na originalidade do
discurso do ponto de vista não só da linguagem, mas também do conteúdo. Transcrever,
portanto, para Marcuschi, é uma espécie de transcodificação que designa uma operação
complexa em grafemologia: é o que designamos simplificadamente como transcrição ou
passagem de um código para outro – por exemplo, do som para a grafia; da fala para a escrita.
Entretanto, não se pode afirmar que transcrever seja apenas uma realização de
metalinguagem, nem simplesmente a interpretação gráfica do significante sonoro. A transcrição
representa uma passagem, até uma transcodificação, que já se caracteriza como uma primeira
transformação, mas ainda não se pode falar em retextualização.
67
Baseando-se nessas observações, pode-se afirmar que o texto oral transcrito (ou
transcodificado) perde sua característica original e pessoal, passando por uma neutralização.
Sendo assim, na passagem da oralidade para a escrita, realizada pela transcrição, “dá-se uma
transcodificação em que se passa da substância e forma da expressão oral para a substância e
forma da expressão escrita com todas as consequências inerentes a esse processo” (REY-
DEBOVE, 1996 apud MARCUSCHI, 2010, p. 51).
Com relação à retextualização, segundo Marcuschi, existem interferências tanto na forma
e substância da expressão quanto na forma e substância do conteúdo. Entra, nesse caso, outro
processo chamado de adaptação, que pode ser intencional e direta, por exemplo no caso de um
escritor quando, num romance, planeja no escrito aquilo que deve ser lido como fala – os
diálogos e suas peculiaridades – ou aquilo que é falado como se fosse concebido na escrita,
caso de conferências (cf. MARCUSCHI, 2010).
A retextualização, de certo modo, tem objetivos bem diferentes da transcrição. A
propósito disso, Marcuschi (idem) elenca algumas variáveis como ponto de partida para a
realização do processo de retextualização:
propósito ou objetivo da retextualização;
a relação entre o produtor do texto original e o transformador – no caso da pesquisa
aqui realizada, o mesmo produtor original (falado) foi o mesmo a transformar o texto
final (escrito);
a relação tipológica entre o gênero textual original e o gênero da retextualização; e
os processos de formulação típicos de cada modalidade.
Para o processo de retextualização em que o informante (produtor do texto oral) é o
mesmo produtor do texto escrito (transformado), as mudanças, de quaisquer naturezas, são
muito mais significativas, pois, na maioria das vezes, o autor desconsidera a transcrição, ou
parte dela, e redige um novo texto, visto que ele ainda tem na memória o conteúdo a ser
retextualizado, sentindo-se mais à vontade para operar mudanças, porém, mesmo assim o estilo
geralmente permanece o mesmo. É difícil, portanto, disfarçar de modo completo a origem oral
de um texto.
No que se refere às relações tipológicas ou de gênero, um aspecto chama atenção: a
passagem de um gênero textual (ou tipo de texto) falado para o mesmo gênero textual (ou tipo
de texto) escrito apresenta poucas modificações. Por exemplo, num texto narrativo oral passado
para um texto narrativo escrito, são observadas modificações menos acentuadas; uma
68
“entrevista de um cientista concedida a um jornalista e passada para o jornal na forma de um
artigo de divulgação científica” (MARCUSCHI, 2010, p. 54) também trará menos mudanças
significativas.
2.4.2 O fluxo do processo de retextualização
Há ainda que se considerar, por ser de suma importância para o que se pretende nos
resultados desta pesquisa, o fluxo dos processos de retextualização. São variados esses
processos. Para entendê-los melhor e mais sistematicamente, Marcuschi (2010) sugere o
seguinte diagrama:
Para compreender melhor o fluxograma proposto no Diagrama 1, no que concerne a esta
pesquisa, restringiu-se a gravação em áudio, não considerando a gravação de falas em vídeo,
bem como da imagem do informante, pois seria demasiado prejudicial para o modelo no
momento, porque a gestualidade, entre outros aspectos visuais da fala contextualizada, pode
indicar sentidos na produção oral do informante não passados para a transcrição.
69
Entre as perdas, a que mais se acentua é a entonação e a qualidade da voz. Por sua vez,
“a pontuação deverá, posteriormente, já nos primeiros passos da retextualização, inserir
elementos que simulem a entonação” (MARCUSCHI, 2010, p. 73); no entanto, nem sempre a
entonação da voz é garantia de aplicação efetiva e fiel da pontuação nesse processo.
Além do fluxo dos processos de retextualização que, como se nota, vai da produção oral
original - texto base – à produção escrita – texto final, passando por dois momentos, o da
transcodificação (aqui entendido como adaptação a um código diferente) e o da
retextualização.
Por fim, há o modelo das operações de retextualização, também proposto por Marcuschi
(2010), conforme elencado a seguir (Anexo H):
1ª operação: eliminação de marcas interacionais, hesitações, partes de palavras –
estratégia de eliminação para adequação à modalidade escrita da língua.
2ª operação: introdução da pontuação com base na entonação das falas – tentativa de
inserção baseada na prosódia.
3ª operação: eliminação de repetições, reduplicações, redundâncias, paráfrases e,
principalmente, pronomes egóticos (eu, meu – estratégias de eliminação para uma
condensação linguística).
4ª operação: introdução da paragrafação e pontuação detalhada sem modificação da
ordem dos tópicos discursivos (estratégia de inserção).
5ª operação: introdução de marcas metalinguísticas para referenciação de ações e
contextos expressos por dêiticos, pronomes demonstrativos, por exemplo – estratégia
de reformulação objetivando explicitude.
6ª operação: reconstrução de frases truncadas, concordâncias, reordenação sintática,
encadeamentos – estratégia de reconstrução em função da norma escrita.
7ª operação: seleção de novas estruturas sintáticas e novas opções do léxico, bem como
tratamento estilístico – estratégia de substituição visando uma maior formalidade.
8ª operação: reordenação dos tópicos no texto e reorganização da sequência
argumentativa – estratégia de estruturação argumentativa.
9ª operação: Agrupamento de argumentos, redirecionando-os no texto e condensando
as ideias (estratégia de condensação).
Em síntese, o modelo exposto condiz com uma escala contínua de estratégias, começando
com os fenômenos mais intrínsecos e típicos da fala até os mais peculiares da escrita.
O domínio da escrita vai se manifestando, progressivamente, de acordo com as
estratégias que vão sendo realizadas. As quatro primeiras operações contêm as
estratégias mais comuns, quase espontâneas, revelando serem intuitivamente estes os
70
aspectos percebidos como mais salientes na diferença entre fala e escrita, tendo em
vista a visão dicotômica da relação fala-escrita proporcionada pela escola
(MARCUSCHI, 2010, p. 76).
As outras estratégias contidas da quinta à nona operação do modelo exposto dizem
respeito à relação da fala como aspectos sintáticos, semânticos, pragmáticos e cognitivos que,
no texto escrito, via de regra, recebem outra tratativa. Ao escrevermos, dispomos de mais tempo
que na conversação espontânea – podemos retomar, corrigindo possíveis equívocos,
suprimindo passagens excedentes, refazendo, às vezes, o estilo, dentre outros aspectos típicas
da escrita. Essas operações podem ser subdivididas em três subconjuntos:
nas operações 5 e 6 prevalecem as atividades referentes à substituição e
reorganização de caráter pragmático (5) e morfossintático (6);
as operações 7 e 8 dizem respeito a: acréscimo informacional, substituição lexical,
reordenação estilística e redistribuição dos tópicos discursivos (quando houver
necessidade); e
a 9ª operação, por sua vez, trata de estabelecer uma condensação das ideias expostas
no texto oral – os argumentos são aqui reagrupados.
Em suma, partindo do pressuposto da noção de língua como fenômeno heterogêneo,
variável, histórico e socialmente constituída, desponta, como forte proposta, a suposição de que
as diferenças entre fala e escrita podem ser muito frutíferas se vistas e analisadas na perspectiva
do uso e não do sistema.
E, neste caso, a determinação da relação fala-escrita torna-se mais congruente
levando-se em consideração não o código, mas os usos (que se faz) do código. Central,
neste caso, é a eliminação da dicotomia estrita e a sugestão de uma diferenciação
gradual e escalar (MARCUSCHI, 2010, p. 43).
Conforme se nota no diagrama 1, e nas especificidades do modelo das operações, as
transformações e reformulações que são verificadas nos textos escritos ou texto final, quando
retextualizados, são sinais evidentes da preocupação do retextualizador com a idealização
linguística e adequação ao novo código, entre outras estratégias.
71
2.5 Estratégias de produção textual sob o viés sociointeracionista
Para melhor compreensão das atividades e análises propostas nesta dissertação, é
relevante indicar o viés teórico adotado como ponto de partida: o sociointeracionismo que, entre
outras coisas, consiste em considerar a referenciação como uma atividade discursiva.
Consequentemente, na relação entre texto e escrita, o foco está tanto na língua quanto no
escritor e em sua interação com seus leitores.
O texto, com foco na língua, é concebido como escrita que recorre a um sistema de sinais
e código preestabelecidos, pois certamente “para escrever – e fazê-lo bem -, é preciso conhecer
as regras gramaticais da língua e ter um bom vocabulário, e que são esses os critérios utilizados
na avaliação da produção textual” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 32,). Nessa perspectiva, para
tornar os alunos bons escritores, bastaria recomendar inúmeros exercícios sobre sinais de
pontuação, concordância, regência, colocação pronominal, dentre outros fatores, esperando que
construíssem frases, adequando-as às regras gramaticais e depois transformando esse
conhecimento em um texto bem formado.
Implícita a essa visão de escrita, encontra-se uma abordagem de linguagem como um
sistema pronto, completo, devendo apenas o aluno, para ser bom escritor, apropriar-se desse
sistema e de suas normas. Nessa concepção de sujeito como dotado de um sistema pré-
determinado de linguagem, o texto é concebido como simples produto de uma codificação feita
pelo escritor e decodificada pelo leitor, sendo suficiente a ambos, para tanto, o conhecimento
do código utilizado. Nessa perspectiva de produção de texto,
[...] não há espaço para implicitudes, uma vez que o uso do código é determinado pelo
princípio da transparência: tudo está dito no dito, [...] o que está escrito é o que deve
ser entendido em uma visão situada não além nem aquém da linearidade, mas centrada
na linearidade (KOCH; ELIAS, 2010, p. 33).
Já a noção de texto com foco no escritor entende a escrita como exposição ou
representação do pensamento. Escrever, portanto, seria expressar o pensamento graficamente
no papel (ou outro canal/mídia qualquer). Por conseguinte, a escrita, nessa perspectiva, seria
tributária de um sujeito social, mas individual, dono e controlador de sua vontade e ações. Trata-
se, assim, de um sujeito que constrói sua representação mental, transmite esse pensamento para
o papel (ou canal qualquer) e pretende que seu leitor seja capaz de captar seu pensamento
conforme concebido na hora da escrita.
72
Dessa forma, a escrita “é entendida como uma atividade por meio da qual aquele que
escreve expressa seu pensamento, suas intenções, sem levar em conta as experiências e os
conhecimentos do leitor ou a interação que envolve esse processo” (KOCH e ELIAS, 2010, p.
33). Na concepção com foco no escritor, a escrita é vista, portanto, de modo independente de
ações ou de conhecimentos de quem a lê. O texto é percebido como um produto lógico,
concebido unicamente da própria representação mental de quem o escreve. A concepção de
escrita com foco na interação, por sua vez, exige ativação de vários conhecimentos
compartilhados e a mobilização de várias estratégias.
Isso significa dizer que o produtor, de forma não linear, ‘pensa’, no que vai escrever
e em seu leitor, depois escreve, lê o que escreveu, revê ou reescreve o que julga
necessário, em um movimento constante e on-line guiado pelo princípio interacional
(KOCH e ELIAS, 2010, p. 34).
Essa é a principal diferença com relação às concepções mencionadas anteriormente, dado
que, nesta concepção, a escrita não é mais vista, exclusivamente, como a apropriação das regras
da língua, nem tampouco valoriza apenas os juízos de valor e as intenções do escritor. Desse
modo, a perspectiva sociointeracionista da produção textual, além de considerar as intenções
do locutor que faz uso da língua para atingir o seu objetivo, não ignora que o interlocutor
constitui parte constitutiva nesse processo.
À vista disso, a concepção interacionista e dialógica de linguagem não se limita em
transmitir informações de um emissor a um receptor, mas é vista como lugar de interação
humana. Isso porque, ao falar, o sujeito da enunciação não transmite apenas informações, e sim,
também, age sobre o seu interlocutor, construindo vínculos que não existiam antes do ato
verbal.
Essa concepção de linguagem preconiza uma escrita que demanda do leitor um trabalho
dialógico de reconhecer as atividades informacionais, que nem sempre estão explícitas no texto.
Nessa perspectiva, a escrita representa uma atividade que demanda um conjunto de
conhecimentos que devem ser considerados tanto para aquele que escreve como para aquele
para quem se escreve. Existem, porém, variadas formas, estratégias e teorias criadas com o
objetivo de minimizar as dificuldades com que a escola se depara no dia a dia, concernentes ao
ensino da produção textual escrita que, por sua vez, visa formar os alunos como escritores
competentes, aptos a produzir textos coerentes, coesos e eficazes. É papel da escola, portanto,
propor-lhes atividades diversificadas que constituam um desafio à sua atividade, e ao seu
desempenho, e permitam desenvolver sua competência escritora.
73
As estratégias interacionais visam, pois, levar a bom termo um ‘jogo de linguagem’.
As estratégias textuais, por seu turno – que obviamente não deixam de ser também
interacionais e cognitivas -, em sentido lato dizem respeito às escolhas textuais que
os interlocutores realizam, desempenhando diferentes funções e tendo em vista a
produção de determinados sentidos (KOCH, 2015, p. 40).
Na verdade, o que se percebe é que todos os aspectos linguísticos relativos aos
participantes da interação estão sujeitos a negociação. Pode-se, assim, falar de concepção social
da realidade, já que, sendo a realidade um constructo social no processo contínuo de
interpretação e interação, as suas muitas características podem ser consideradas e renegociadas
de modo explícito ou implícito, real ou discursivo.
A seguir, estudaremos algumas estratégias importantes para a estruturação textual e sua
relação com os princípios de construção do sentido, que serão de grande relevância para um
melhor entendimento na formação da tessitura textual, principalmente do texto escrito.
2.5.1 A referenciação
O texto escrito, de certo modo, pode ser classificado como uma forma duradoura e
exteriorizada do próprio comportamento de linguagem, do pensamento de quem o concebeu.
No entanto, para que essa forma seja produzida, o escritor precisa utilizar “estratégias por meio
das quais são construídos os objetos-de-discurso e mantidos ou desfocalizados na
plurilinearidade do texto” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 131).
Koch e Elias (2010) sugerem algumas dessas estratégias para o desenvolvimento da
produção textual que, por sua vez, requer que:
façamos constantemente referência a algo, alguém, fatos, eventos, sentimentos;
mantenhamos em foco os referentes introduzidos por meio da operação de retomada;
e
desfocalizemos referentes e o deixemos em stand by (em espera), para que outros
referentes sejam introduzidos no discurso.
Na literatura corrente acerca da referenciação e de sua progressão referencial, postula-se
que os objetos de discurso são construídos e reconstruídos ao longo da produção do texto. No
entanto,
[...] os referentes [...] não espelham diretamente o mundo real, não são simples rótulos
para designar as coisas do mundo. Eles são construídos e reconstruídos no interior do
74
próprio discurso, [...]. Daí a proposta de substituir a noção de referência pela noção
de referenciação (KOCH; ELIAS, 2010, p. 134).
Nessa concepção, a referenciação é vista como uma realização discursiva. Pode-se dizer
que o escritor, por ocasião de sua produção escrita, faz escolhas significativas do material
linguístico que tem à sua disposição para encarnar estados de coisas que, no momento, fazem
parte do seu projeto de dizer.
Em Koch e Elias (2010), encontram-se duas formas de introdução de referentes no
modelo textual: ativação ancorada e não ancorada. A ativação não ancorada ocorre quando
aparecem no texto objetos de discurso ainda não referidos anteriormente, totalmente novos. Já
a ativação ancorada aparece no texto sempre que uma nova referência for introduzida nele com
base em algum objeto de discurso já presente no “cotexto ou no contexto sociocognitivo dos
interlocutores” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 135). Sendo assim, referentes de ativação ancorada
constituem-se anáforas indiretas, visto que, nesse caso, não há retomada de elementos
explícitos, mas elementos associativos.
Para operar a referenciação textual, de modo que ela se constitua em estratégia de
coerência, “o sujeito, por ocasião da interação verbal, opera sobre o material linguístico que
tem à sua disposição, operando escolhas significativas para representar estado de coisas, com
vistas à concretização de sua proposta de sentido” (KOCH, 2015, p. 67). Assim, os processos
de referenciação são escolhas que o sujeito faz de acordo com seu objetivo de esclarecer,
explicar, em função de um querer-dizer.
As formas de progressão referencial garantem a continuidade do texto, bem como sua
coerência ao longo da produção. Segundo Koch e Elias (idem), é necessário que haja equilíbrio
entre duas exigências consideradas fundamentais: a repetição (ou retroação) e a progressão.
Na retroação, remete-se, constantemente, a referentes que já apareceram no texto e, portanto,
já perduram na memória do interlocutor, ampliando-se, a partir daí as informações concernentes
à progressão, dando continuidade ao sentido do texto.
Englobadas na progressão referencial, há alguns elementos linguísticos que podem ser
observados remissivamente ao longo do texto, tais como:
formas de valor pronominal – pessoais de 3ª pessoa, demonstrativos, possessivos,
indefinidos, interrogativos e relativos;
numerais – cardinais, ordinais, multiplicativos e fracionários;
alguns advérbios locativos – aqui, ali, lá etc.;
75
elipses – como no exemplo: elas andavam vagando por aí, mas não eram muitas;
formas nominais reiteradas – como no exemplo: um pedestre foi atropelado na
calçada da rua Seis; stestemunhas dizem que o pedestre estava bêbado);
formas nominais sinônimas – ou quase, como no exemplo: um jovem bateu o carro
hoje pela manhã. O garoto, que era filho do governador ...;
formas nominais hiperonímicas – como no exemplo: naquela época, as moças
enviavam cartas a seus namorados, mas os documentos já chegavam deteriorados
pelo tempo; e
nomes genéricos – como no exemplo: o urso panda está quase extinto da face da
Terra. Essa espécie de animal...
Esses tipos de estratégias, quando remetidas, seguidamente, a um mesmo referente ou a
outro elemento intrinsecamente ligado a ele, forma, no texto, “cadeias anafóricas. Esse
movimento de retroação a elementos já presentes no texto – ou passíveis de serem ativados a
partir deles – constitui um princípio de construção textual” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 144).
Experimentalmente, todas as sequências (ou tipos de texto) possuem pelo menos uma cadeia
referencial.
Assim, para o que se propôs nesta pesquisa, os processos de referenciação oferecem
suporte no sentido de corroborar as análises do sentido nos textos produzidos pelos informantes.
Adiante, veremos como esses processos são vistos no âmbito da construção textual, e como eles
agem na mente humana em relação ao seu projeto de fornecer e receber informações, na
elaboração de todo e qualquer texto.
2.5.2 A referenciação e os processos de referenciação
A busca do saber acerca de como a língua refere o mundo, as coisas e as práticas que
envolvem os sujeitos de dada sociedade parece já ser um axioma entre os linguistas. Se,
contudo, as respostas são diversas, a maior parte delas pressupõe ou aponta para uma relação
de simetria entre as palavras e as coisas (ou atitudes).
Esta perspectiva se exprime através das metáforas do espelho e do reflexo, e, mais
recentemente, do ‘mapeamento’ [...], que se referem todas a uma concepção especular
76
do saber e do discurso, considerada como uma re-presentação adequada da realidade”
(MONDADA e DUBOIS, 2003, p. 18).
Para as autoras, essa concepção emprega mais níveis de análises linguísticas, de modo
que a sintaxe, por exemplo, seja avaliada em relação à sua competência de conseguir, de certo
modo, reproduzir a ordem natural do mundo.
Há pouco tempo, com a virada cognitivista na década de 1980, a mesma concepção
tratava o sistema linguístico em termos de “gramática espacial” e de “motivação icônica”, na
tentativa de basear as formas linguísticas nos princípios cognitivos naturais (cf. MONDADA e
DUBOIS, 2003), mas, como já largamente difundido, as categorias que nomeiam coisas e atos
no mundo são instáveis e bastante variáveis. Por isso, sob esse ponto de vista, apenas os recursos
linguísticos não são, de modo algum, suficientes para tratar da referenciação textual, pois
As categorias utilizadas para descrever o mundo mudam, por sua vez, sincrônica e
diacronicamente: quer seja em discursos comuns ou em discursos científicos, elas são
múltiplas e inconstantes; são controversas antes de serem fixadas normativa ou
historicamente (MONDADA e DUBOIS, 2003, p. 22).
As versatilidades das categorizações no ideário social mostram que sempre há, por
exemplo, variadas categorias possíveis para identificar uma pessoa ou rotular determinados atos
por ela praticados: ela pode ser tratada de terrorista ou extremista se explodir uma bomba em
pleno metrô de uma grande cidade, matando dezenas de pessoas, ou pode ser definida como
heroína dependendo do ponto de visto ideológico adotado.
Há, portanto, em muitos desses casos, mais relação com a pragmática da enunciação,
sujeito-mundo-situação, que com a semântica dos objetos. Por exemplo, uma geladeira pode
ser categorizada como um bem tecnológico e essencial à vida moderna num contexto familiar,
mas se esse mesmo objeto cai de uma mudança, e um motorista desavisado colide com ela no
meio da estrada, poder-se-á imaginar facilmente, nos diferentes contextos discursivos, que a
referência à geladeira certamente percorrerá uma categoria para o contexto familiar e outra para
a colisão com o veículo. Logo,
[...] de um ponto de vista psicolinguístico, as experiências testaram o modo como as
anáforas especificam diferentemente uma categoria inicial nos diferentes contextos.
[...] Em suma, as variações categoriais, consideradas aqui como “categorias
evolutivas”, podem ser vistas como recursos que asseguram uma plasticidade
linguística e cognitiva e uma garantia de adequação contextual e adaptativa
(MONDADA e DUBOIS, 2003, p 24-25).
77
Dessa forma, as anáforas, num determinado texto, têm sido vistas tanto como um modo
de demonstrar caracteristicamente o problema dos referentes evolutivos quanto como forma de
consolidar ou de destacar uma designação particular, excluindo, para isso, outras possibilidades,
mesmo que elas estejam potencialmente disponíveis no texto ou no vocabulário do produtor.
Convém lembrar que não, necessariamente, a retomada de um antecedente se caracteriza
numa forma de referenciação anafórica propriamente dita, pois
[...] a própria noção de antecedente, como segmento textual univocadamente
delimitável a partir do único fato de sua relação semântica com a forma de retomada,
é em si mesma problemática. O fato é, por outro lado, flagrante quando, em um texto,
a expressão anafórica é um SN (sintagma nominal) cujo nome explora, para fins de
identificação do referente, não mais uma denominação anterior a ele, mas atributos
que lhe foram dados no intervalo por via de uma predicação (APOTHÉLOZ, 2003, p.
57).
Como se nota, o fato é que uma expressão referencial ou um referente designado por
determinado descritor, podem, naturalmente, ser substituídos por qualquer outra expressão ou
descritor, de modo que possam ser identificados, posteriormente, no contexto sociocognitivo,
do mesmo jeito, o mesmo referente, ainda que a designação seja completamente diferente. Veja-
se, por exemplo, no trecho: “Um jovem suspeito de ter desviado uma linha telefônica foi
interrogado há alguns dias pela polícia em Paris. Ele ‘utilizou’ a linha de seus vizinhos para
ligar para os Estados Unidos por uma quantia de 50000F. O tagarela foi levado ao tribunal”
(APOTHÉLOZ, 2003, p. 58).
Observe-se que o referente “um jovem” é substituído por “tagarela”, entretanto este
segundo atributo predicado ao infrator só poderá ser inferido ou reconhecido por um leitor que
tenha uma noção do valor da tarifa internacional da telefonia em Paris, visto que é este valor
um dos fatores que trarão informações acerca de quanto tempo o jovem falou ao telefone dos
vizinhos em ligações internacionais – 50000F correspondem a muitas horas de ligação
telefônica.
Assim sendo, Apothéloz postula que os antecedentes – segmentos ou descritores de texto
situados antes do anafórico no texto e tendo com eles uma relação de interpretação ou de
correferência – não se constituem um elemento indispensável ao funcionamento das formas de
recuperação desses elementos, de modo que um desencadeador de antecedente (segmento
textual, por exemplo) pode significar, em alguns casos, simplesmente a interpretação do
anafórico.
Esse ponto de vista presume que há “mundos” com objetos e entidades autônomos que
independem de sujeitos que se refiram a ele, e que as representações linguísticas são formações
78
que devem se adequar a este mundo. Em outros termos, a referenciação, assim como a
categorização advinda de práticas simbólicas, mais que de uma ontologia ou conjunto de
classificação dos seres, não diz respeito apenas a uma relação de designação ou representação
das coisas ou dos estados de coisas, mas também a uma relação entre o texto e a parte não
textual, não linguística da prática em que ele é produzido e compreendido.
Assim, os processos de referenciação, que têm participação na constituição de um mundo
dotado de símbolos e representação das coisas, não se referem, necessariamente, a uma ordem
de coisas do mundo real, mas são produzidos por sistemas cognitivos e sociais humanos, por
meio de práticas linguísticas e cognitivas de uma sociedade envolta, social e culturalmente pré-
determinadas, “assim como da multiplicidade, mais ou menos objetivada, mais ou menos
solidificada, das versões do mundo que elas produzem” (MONDADA e DUBOIS, 2003, p. 49).
2.5.3 A referenciação e a construção do ponto de vista
Ao escrever ou falar, pode-se afirmar, indiscriminadamente, que os indivíduos exprimem
sentimentos e relações entre si, modalizam palavras, afirmando posições que representam
pontos de vista. De outro modo, a relação do sujeito com as práticas que povoam seu discurso
pode ser percebida por intermédio dos “objetos de discurso”. Em suma, a construção desses
objetos de discurso corrobora traços característicos de um diálogo interior do sujeito enunciador
com seu próprio ser e com os outros,
[...] desempenhando papel importante na orientação argumentativa do texto. Com
base nisso, partimos do pressuposto de que os objetos de discurso são reveladores de
pontos de vista, e seu modo de apresentação é um meio pelo qual se pode apreender a
subjetividade (CORTEZ e KOCH, 2013, p. 10).
Por conseguinte, as escolhas do locutor/escritor são reveladoras do ponto de vista de sua
enunciação. Suas escolhas lexicais, bem como sua apresentação dos referentes a eles ligados,
comportam saber e características de um modo particular de falar e pensar de um determinado
enunciador: “Assim, é indispensável analisar mais atentamente as formas referenciais, por meio
das quais se exprime a representação de falas e percepções” (CORTEZ e KOCH, 2013, p. 10),
pois, de um ponto de vista cognitivo, na construção dos sentidos de um texto, para
argumentação de um ponto de vista por parte do locutor/escritor, os objetos de discurso são
79
uma fonte enunciativa que evidenciam, direta ou indiretamente, suas avalições acerca dos
referentes por ele mesmo elencados.
O que se verifica sem muito esforço, é que as formas referenciais nominais, quando
participam da progressão referencial de um texto, estão intrinsecamente associadas, no que diz
respeito ao ponto de vista defendido pelo produtor. Enquanto marcas internas do ponto de vista,
as formas referenciais nominais podem ser sinais de alteridade (de si para o outro), conforme
postulam Cortez e Koch (idem), e podem manifestar-se como uma representação do próprio
enunciador em se tratando de si mesmo ou em relação aos outros.
Dessa forma, o locutor não deve ser supervalorizado no seu ato de dizer, “não pode ser
concebido como um ‘eu’ todo-poderoso” (idem, 2013, p. 11) que retém em si as escolhas dos
objetos de discurso, mas os manifesta de acordo com uma “negociação” entre locutor,
enunciador e respectivos interactantes.
A orientação argumentativa, portanto, e o desenvolvimento do ponto de vista ao longo
do texto, constroem-se por uma série de objetos de discurso que, ao realçarem o texto de uma
posição matriz ou fonte, direcionam para uma subjetividade do locutor/enunciador, de modo
que, quando esses objetos são construídos ou reconstruídos, ao longo da produção textual ou
interação discursiva e sofrem modificações, entende-se que houve uma recategorização
referencial.
Dentro desse “esquema de ativação e reativação de referentes em um texto, os elementos
textuais já existentes podem ser constantemente modificados ou expandidos” (SILVA FILHO,
2003, p. 61). O ponto de vista, de certo modo, vai sendo construído e delineado dentro de um
limite cognitivo entre seus produtores ou interlocutores no esquema textual.
2.6 Esquema textual do dissertativo
O texto dissertativo tem sido objeto de muitos estudos relativos à sua organização. A
Linguística Textual, tendo por uma de suas tarefas descrever e explicar a tipologia textual,
trouxe grandes contribuições no tocante à sua compreensão. Todavia, a Linguística Textual
desenvolve-se separadamente da Linguística Discursiva.
Hoje, com novas perspectivas nos estudos de gêneros textuais, há a tendência de
unificação dessas duas vertentes para abranger a organização textual, visto que o texto não se
configura apenas de formas e palavras; o texto configura-se sobretudo de intenções de um
sujeito enunciador; no caso do texto dissertativo, a seleção cuidadosa de palavras tem o objetivo
80
de atingir o próprio interlocutor/leitor, “de forma a auxiliá-lo a preencher áreas lacunares
deixadas pela enunciação linguística, nos textos” (SILVEIRA, 2012, p. 99).
Silveira trata do texto científico como um texto opinativo, considerando-o na esfera
dissertativa. Sendo assim, todo texto dissertativo é caracterizado por trazer expresso, em língua,
uma opinião, tradicionalmente designada “conclusão”. A autora toma por base a proposta de
Adam (2008) e, para caracterizar o gênero textual dissertativo acadêmico, tem por ponto de
partida a teoria das sequências textuais propostas, diferenciando o texto dissertativo explicativo
do dissertativo argumentativo – conforme veremos a seguir.
2.6.1 Dissertativo explicativo
Os textos dissertativos do discurso científico, por exemplo, diferenciam-se pela
argumentação de uma ou de duas teses, a depender de como são situadas as condições de
produção discursiva. Consoante Silveira (2012, p. 99), o dissertativo de uma tese pode ser
organizado textualmente, subjacente à coesão textual, pela sequência explicativa. O gênero
textual explicativo é organizado com as seguintes categorias textuais: texto reduzido, texto
expandido e conclusão.
O texto reduzido, segundo Silveira, é usado quando, nas condições de produção
discursiva, o produtor projeta, nos seus interlocutores, um “não-saber”; em outros termos, os
interlocutores são representados pelo produtor como aqueles que desconhecem a tematização
ou o próprio referente textual e, para poder emitir sua opinião, necessita explicitar o que os
interlocutores desconhecem, expondo para eles as inferências que eles não conseguiriam
produzir. Na categoria textual “texto reduzido” o interlocutor constrói o sentido mais completo
a respeito do referente textual ou de sua tematização.
Na segunda categoria - “texto expandido” - o produtor explicita as inferências necessárias
que seus interlocutores não saberiam fazer, de forma a expandir cada uma das palavras
selecionadas para construir o texto reduzido. Na terceira categoria textual - “conclusão” – são
agrupadas as palavras e frases que emitem a opinião do produtor. Segundo a autora, essa
tipificação textual pode ser apresentada pelas seguintes categorias:
81
Fonte: Silveira (2012, p.100)
Dessa forma, o autor representa aquele que tem a posse do “saber” e sua plateia as pessoas
que “não sabem” ou desconhecem, mas precisam saber as informações fornecidas pelo
produtor, a fim de que haja uma harmonia entre sua produção e o interlocutor/leitor e,
consequentemente, “aceitar a tese defendida [...], apresentada como forma de conclusão”
(SILVEIRA, 2012, p.100).
2.6.2 Dissertativo argumentativo
Silveira afirma ainda que não há textos ingênuos. As explicitações feitas no esquema
textual do dissertativo explicativo são estratégias argumentativas aplicadas pelo produtor para
interacionar-se com seus interlocutores. Todavia, a autora mantém a terminologia já existente
e designa esse segundo gênero de “dissertativo acadêmico-argumentativo”, no caso específico
para produções textuais acadêmicas.
Para tanto, a autora recorre à sequência argumentativa proposta por Adam (idem),
reformulando-a em dissertativo de duas teses, diferenciando esse gênero do primeiro
82
dissertativo explicativo, pois este último apresenta uma única tese. As categorias textuais do
gênero dissertativo argumentativo propostas pela autora são:
Categoria tese 1
Categoria 2 - contra-argumentos
Categoria 3 - argumentos
Categoria 4 - tese 2 (conclusão)
Segundo Silveira, esse esquema textual é aplicado, quando, nas condições de produção
discursiva, o produtor representa seus interlocutores como dotados de um “saber”; em outros
termos, os interlocutores conhecem e acreditam na tese 1. Portanto, contra-argumenta, a fim de
persuadi-los da inveracidade dessa tese, a qual refuta. Em seguida, argumenta levando-os a
aceitarem a tese 2.
Em síntese, segundo a autora, o dissertativo acadêmico, que se manifesta em texto de
pesquisa, texto de revisão e de ensaios, é construído com esses dois esquemas textuais – o de
uma e o de duas teses. Este último é organizado com a oposição do cientista (ou produtor) a
conhecimentos que compõem o paradigma científico vigente (ou senso comum). Observe-se,
por meio das categorias abaixo especificadas, como o esquema textual do dissertativo
argumentativo de duas teses pode ser visualizado, conforme Silveira (2012, p. 103):
83
Dessa forma, nessa sequência textual, o produtor/orador contra-argumenta para persuadir
seu auditório/leitor a desistir da tese 1 e argumenta para que ele acolha a tese 2, instrumento de
seu discurso. A oposição do autor/produtor, por sua vez, “pode ser por complementaridade
(‘não só x, mas também y’) ou rejeição (‘não x, só y’)” (SILVEIRA, 2012, p. 103).
Como se nota, a autora emprega essas propostas para alunos de graduação e pós-
graduação; no entanto, nada impede que sejam aplicadas nas aulas de redação do ensino médio
que tratam, principalmente, de textos dissertativos, objetivando preparar os alunos para
prestarem o vestibular. Essas sequências textuais – em qualquer nível de ensino, seja no ensino
secundarista ou no ensino superior, ainda que se limitando às particularidades de cada nível –
“apresentam uma ordenação ideológica de argumentos e/ou contra-argumentos. Nelas
predominam elementos modalizadores, verbos introdutores de opinião, operadores
argumentativos etc.” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 72).
Os examinadores dos vestibulares, por sua vez, embora não, necessariamente, tenham
esses esquemas explicitados como critérios de correção, já conhecem tais esquemas por estarem
expostos a eles cotidianamente; logo, quanto mais precisa for a definição dos esquemas e
dimensões ensináveis de um gênero, bem como das sequências textuais, mais o trabalho
didático facilitará a sua apropriação como mecanismo e possibilitará desenvolver a capacidade
de linguagem variada a eles relacionadas, tanto por parte dos docentes quanto do alunado.
Quanto mais nitidamente o objeto do trabalho em sala de aula for descrito e explicitado, mais
ele se tornará acessível ao discentes, não só nessas práticas de ensino e aprendizagem
envolvendo as sequências textuais, mas também em situações reais e objetivas de interação pela
linguagem.
84
Capítulo 3
A teoria respaldando a prática – informantes: alunos
Este capítulo apresenta os resultados obtidos das análises referentes às produções
textuais de gênero opinativo de três alunos do 3º ano do ensino médio da rede pública estadual,
na cidade de São Paulo. O critério escolhido foi o confronto do texto oral com o escrito dos
mesmos produtores, e as categorias a serem analisadas limitaram-se:
à referenciação nos textos orais e escritos;
à organização do texto escrito; e
ao fluxo das ações que sistematizam o processo de retextualização, do texto oral para o
escrito, bem como ao modelo das operações textuais-discursivas.
Para delimitação dos segmentos textuais, com o intuito de identificar trechos a serem
postos em destaque, adotar-se-á a letra “L” (maiúscula) como nomenclatura para identificação
de cada linha dos textos. Quanto ao ponto de partida para a realização do processo de
retextualização, bem como para a obtenção dos dados dos textos-base, foram necessárias
gravações e transcrições – elementos-chave nesse processo, conforme Marcuschi (2010).
Ademais, no caso do trabalho proposto nesta dissertação, o método qualitativo objetivou
avaliar “o grau de consciência linguística e o domínio da noção das relações entre o texto oral
e o texto escrito” (MARCUSCHI, 2010, p. 99), dos informantes especificados acima.
3.1 Informante 1
Estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo masculino, 18 anos.
3.1.1 Texto-base
Texto oral/transcrito número 1.
3.1.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade
(1)bá noite meu nome é Eduardo:: ... terceiro ano estudo na escola:: ...Estela Borges
(2)Morados estamos falando hoje aqui sobre o assunto abordado de redes sociais
85
(3)já se foi o tempo em que as redes sociais eram coisa de deso... desocupado de
(4)adolescentes que não tá querendo estudar e fica matando tempo na internet hoje elas
(5)são utilizados por pessoas de todas as idades classes sociais países etc mas a questão
(6)é até que ponto essas redes sociais são úteis e a partir de onde elas se torna um
(7)problema as redes sociais estão cada vez mais ganhano a atenção seja de usuários
(8)comuns até empresas interessadas em difundir sua marca ou interessadas em uma
(9)maior aproximação de seus clientes essas redes sociais são bastantes úteis se levando
(10)em conta as infinitas possibilidades de crescimento social profissional oportunidade
(11)de propagação de marcas em uma escala mundial a troca intensa de informações
(12)entre outras fornecidas por esse universo de opções criadas pelas redes sociais
(13)porém as redes sociais também tem seu lado negativo e como seus benefícios atinge
(14)todos os tipos de usuário levando em conta o usuário comum temos alguns males
(15)que são patrocinados pelas redes:: ...como indiferença a vida cotidiana amizade
(16)fictícias alienação depressão isolamento entre outras coisas já as empresas estão
(17)vulneráveis a perigos como:: ...o de críticas agressiva segurança difamação da
(18)marca uso inadequado da linguage radicalismo
(E.P.S.)
3.1.1.2 A referenciação no texto oral do informante 1
O informante mantém o referente textual e a tematização solicitados, considerando o
referente textual redes sociais e a tematização os malefícios e os benefícios para a sociedade.
A progressão semântica é expositiva. O informante explica o porquê de as redes sociais
causarem malefícios e benefícios para a sociedade. Expande cada um iniciando pelos
benefícios e, após, os malefícios. Apesar disso, verifica-se que o informante não constrói uma
opinião.
O informante inicia sua produção com assunto abordado de redes sociais. Dessa forma,
designa o referente textual redes sociais, focalizando os participantes da enunciação.
Cataforicamente, ocorre redes sociais; com essa nominalização sequenciada, o informante
constrói, pela coesão referencial, o primeiro passo da referenciação. Conforme mencionado
acima, o referente introduzido no texto – redes sociais – é retomado e repetido ao longo do
texto:
86
L3 - “[...] redes sociais [...]”
L6 - “[...] redes sociais [...]”
L7 - “[...[ redes sociais [...]”
L9 - “[...] redes sociais [...]”
L12 - “[...] redes sociais [...] redes sociais [...]”
L14 - “[...] redes [...]”
Constatou-se que esse referente foi mencionado sete vezes ao longo do texto. Essas
retomadas, por sua vez, caracterizam uma progressão referencial. Considerando-se a repetição,
no caso dessa progressão, uma das estratégias utilizadas pelo informante é a chamada forma
nominal reiterada, quando a retomada do referente se dá unicamente pelo próprio nome inicial
do referente, de acordo com Koch e Elias (2010). Há ainda que considerar as retomadas de valor
pronominal, que por sua vez também colaboram para a sequenciação da referenciação textual
(cf. KOCH, 2015, p. 73):
L4 -“[...] hoje elas [...]”
L6 -“[...] elas se torna [...]”
Quanto ao tema – o que também depende da referenciação para mantê-lo em evidência –
, o informante reitera, no texto, palavras de mesmo valor (campo) lexical, em comparação com
redes sociais:
L4 -“internet”
Frases que remetem ao uso das redes sociais e da internet:
L11 -“[...] escala mundial a troca de informações [...]”
A fala do informante segue algumas estratégias, como a recorrência de termos ou
repetição para a produção de um efeito de insistência, com o intuito de enfatizar seu ato de
dizer, embora não haja elementos linguísticos suficientes que colaborem, sistematicamente,
para uma coesão sequencial bem planejada. Contudo, as repetições já acima mencionadas,
segundo Koch e Elias (2010), criam um efeito enfático, retórico.
No caso deste texto, não se encontram muitas dificuldades na comparação entre as duas
modalidades – a oral e a escrita –, porque parece que o informante se preocupou em manter o
mesmo desenvolvimento textual na escrita e na fala, conscientemente ou não. Por outro lado,
87
ele mantém algumas características tipicamente orais quando passa o texto oral para o escrito,
conforme se mostrará mais adiante no texto transformado.
Para este texto, “portanto, (teríamos) [...] uma linguagem popular ou subpadrão, [...]
empregada nas situações coloquiais e de menor formalidade” (PRETI, 2003a, p. 30) – é o
dialeto social popular; consequentemente, de menor prestígio social – e é dele que o informante
se utiliza neste texto, pelo menos na maior parte de sua produção, embora não seja possível
mensurar se propositadamente ou não.
3.1.2 Texto transformado
A retextualização escrita final número 1.
3.1.2.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade
(1)Já se foi o tempo em que as redes sociais eram coisas de desocupado, de
(2)adolescentes que não tá querendo estudar e fica matando tempo na internet. Hoje
(3)elas são utilizadas por pessoas de todas as idades, classes sociais, países etc. Mas
(4)a questão é até que ponto essas redes são úteis e a partir de onde elas se tornam
(5)um problema. As redes sociais estão cada vez mais ganhando a atenção seja de
(6)usuários comuns até enpresas interessadas em difundir sua marca, ou interessadas
(7)em uma maior aproximação de seus clientes
(8)Essas redes sociais são bastante úteis levando em conta as infinitas possibilidades
(9)de crescimento social profissional oportunidade de propagação de marcas em
(10)escala mundial, a troca intensa de informação, entre outras fornecidas por esse
(11)universo de opções criado pelas redes. Porem as redes sociais também tem seu lado
(12)negativo e, como seus benefícios atingem todos os tipos de usuários. Levando em
(13)conta o usuários comum temos alguns males que são patrocinados pelas redes
(14)como indiferença, a vida cotidiana, amizades fictícias alienação, depressão
(15)isolamento, entre outras coisas. Já as empresas, estão vulneráveis e perigos
(15)como o de criticas agressivas, segurança, difamação da marca uso inadequado
(16)da linguagem, radicalismo etc.
(E.P.S.)
88
3.1.2.2 A rerefenciação no texto escrito do informante 1
Por não haver diferenças significativas na comparação entre o texto oral e o escrito acerca
da referenciação, as mesmas considerações já feitas para o texto oral serão consideradas válidas
para o escrito (veja item 3.1.1.2). Sendo assim, o informante 1 mantém a mesma estratégia de
referenciação, bem como o referente redes sociais e sua tematização benefícios e malefícios
para a sociedade, tal qual sua produção textual oral.
3.1.2.3 A organização textual na produção escrita do informante 1
A organização textual é, aqui, entendida como a aplicação de um esquema textual
delineado pelo informante, conscientemente ou não. Embora o texto não esteja completo, pois
não há uma opinião construída textualmente, pode-se considerar, conforme Silveira (2012), que
o texto apresentado é organizado, dissertativamente, pela sequência textual explicativa. A
autora descreve o dissertativo explicativo pelas seguintes categorias textuais: texto reduzido,
texto expandido por explicações e uma conclusão.
Os textos, nas duas modalidades, produzidos pelo informante 1, não apresentam
conclusão, visto que não são textos considerados opinativos, embora essa fosse a proposta.
Logo, a progressão semântica por explicações dos “malefícios” e benefícios” vai até o final do
texto. Sendo assim, o texto apresenta-se, de acordo com o quadro a seguir:
Texto
reduzido
Já se foi o tempo em que as redes sociais eram coisas de desocupado, de
adolescentes que não tá querendo estudar e fica matando tempo na internet.
Hoje elas são utilizadas por pessoas de todas as idades, classes sociais, países
etc. Mas a questão é até que ponto essas redes são úteis e a partir de onde elas
se tornam um problema
Texto
expandido
Explicação
de
benefícios
As redes sociais estão cada vez mais ganhando a atenção seja de usuários
comuns até empresas interessadas em difundir sua marca, ou interessadas em
uma maior aproximação de seus clientes. Essas redes sociais são bastante úteis
levando em conta as infinitas possibilidades de crescimento social profissional
oportunidade de propagação de marcas em escala mundial, a troca intensa de
informação, entre outras fornecidas por esse universo de opções criado pelas
redes.
Explicação
de
malefícios
Porem as redes sociais também tem seu lado negativo e, como seus benefícios
atingem todos os tipos de usuários. Levando em conta os usuários comum temos
alguns males que são patrocinados pelas redes como indiferença, a vida
cotidiana, amizades fictícias alienação, depressão isolamento, entre outras
coisas. Já as empresas, estão vulneráveis e perigos como o de críticas agressivas,
segurança, difamação da marca uso inadequado da linguagem, radicalismo etc.
89
Conclusão
opinativa
Não ocorre: texto interrompido
3.1.2.4 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral
para o escrito
Esta retextualização ainda apresenta algumas características típicas da fala, como
também, na maior parte de seu desenvolvimento, apresenta segmentos próprios da linguagem
em situações informais, conforme se verificará adiante nas análises das operações do modelo
adotado (cf. MARCUSCHI, 2010, p. 75). Para este caso, as operações verificadas foram as
seguintes:
(1ª operação): aplicada parcialmente. Os marcadores típicos da conversação como
hesitações, partes de palavras, reformulações etc., que aparecem no texto falado, são
eliminados no texto escrito (estratégia de eliminação baseada na idealização
linguística). Observe-se os trechos em L1 “bá noite meu nome é Eduardo:: ...
terceiro ano estudo na escola:: ...Estela Borges” e L2 “Morados estamos falando
hoje aqui” do texto falado, que revelam a contextualização da fala, são eliminados
no texto escrito. Contudo, marcas da fala espontânea, como partes de palavras, ainda
se notam na retextualização, veja-se, por exemplo: “adolescentes que não tá
querendo estudar” (L2 do texto escrito);
(2ª operação): também aplicada parcialmente. A inserção da pontuação é baseada na
entonação da fala, embora ela apareça de forma precária no texto escrito. Coincide,
na maioria das vezes, com as pausas (indicadas aqui com reticências), como em L3
“eram coisa de deso... desocupado” do texto falado, onde aparece uma pausa [...]
que, por sua vez, é substituída por uma vírgula, no texto escrito: “eram coisas de
desocupado,” (L1);
(3ª operação): repetições e redundâncias são eliminadas, conforme aparecem no texto
oral. A perspectiva egótica da fala (pronomes como eu, meu – que aparecem no texto
falado, como em L1: “meu nome é Eduardo:: ...”) desaparece aqui na
retextualização, visto que a escrita elimina o “eu”;
90
(4ª operação): não é seguida, até mesmo porque não houve paragrafação e a ordem
geral do desenvolvimento permaneceu a mesma, exceto a aplicação da pontuação -
própria do texto escrito;
(5ª operação): esta operação - introdução de marcas metalinguísticas, objetivando
explicitude -, não foi observada nesta transformação, tendo em vista que não se notou
este recurso também no texto falado;
(6ª, 7ª e 8ª operações): operações que dizem respeito à estratégia de reconstrução em
função da norma escrita, à estratégia de substituição visando uma maior formalidade
e à estratégia de estruturação argumentativa, também, não aparecem aqui de modo
significativo; tampouco a operação número 9, que trata de condensação e
agrupamento de argumentos, visto que os mesmos argumentos são verificados em
ambos os textos. Em L3, do texto falado, por exemplo, o trecho “já se foi o tempo
em que as redes sociais eram coisa de deso... desocupado hoje elas” é corroborado
pelo segmento “são utilizados por pessoas de todas as idades classes sociais países
etc”, em L5. Semelhantemente, no texto escrito, as mesmas formas de argumentar
são percebidas: “Já se foi o tempo em que as redes sociais eram coisas de
desocupado [...] que não tá querendo estudar” (L1, L2) e “Hoje elas são utilizadas
por pessoas de todas as idades, classes sociais, países etc” (L3). Observe-se que o
segundo segmento, em L3, é uma justificativa para o que foi dito em L1, L2.
Quanto às concordâncias nominal e verbal, estratégia inclusa na 6ª operação do modelo,
notou-se haver mudança relevante:
Texto falado
L2 - “[...] as redes sociais eram coisa de deso... desocupado[...]”
L4 -“[...] adolescentes que não tá*(estão) querendo [...]e fica
[matando [...]””.
L4,5 -“[...] elas são utilizados”
L6 -“[...] elas se torna [...]”
L15 - “[...] amizade fictícias” [...]”
L16 -“[...] críticas agressiva [...]”
Texto escrito
L2 “[...] adolescentes que não tá(estão) querendo
[ [...]e fica matando [...]”.
91
L11“[...]as redes sociais também tem seu lado [...]”
Como se pode observar, com exceção ao que se refere à concordância – no texto falado
há mais inadequações –, a retextualização apresenta grande semelhança com o texto falado,
embora, via de regra, a tendência é que haja mudanças mais drásticas quando o transformador
do texto for o mesmo retextualizador (cf. MARCUSCHI, 2010), pois o conhecimento prévio da
fala espontânea favorece maior liberdade de transformação significativa do texto.
Nesta transposição, a retextualização foi realizada apenas com um parágrafo. Sendo
assim, o informante não considerou a regra de mudança paragrafal quando ocorre mudança
semântica. Também não houve reordenação de conteúdos ou de pensamentos, ficando tudo
praticamente da mesma forma em que foi produzido o texto oral, com poucas exceções. A
mudança mais notável deu-se na eliminação dos marcadores conversacionais, como pausas e
alongamentos de vogais (prosódicos), encontrados principalmente no início do texto oral: “bá
noite meu nome é Eduardo:: ... terceiro ano estudo na escola:: ...” (L1).
Quanto ao universo total de palavras, o texto falado possuía 229 palavras; já o texto
escrito apresenta um total de 199 – 16 a menos –, o que representa uma redução de 7,44% do
original. Esta proporção ainda pode ser considerada muitíssimo baixa, visto que, conforme
postula Marcuschi (2010, p. 101), as reduções, neste tipo de transformação (do oral ao escrito),
em geral, são bastante significativas.
Assim sendo, após o confronto feito entre as duas modalidades, verificou-se não haver
mudanças significativas nesta transposição.
3.2 Informante 2
Estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo feminino, 17 anos.
3.2.1 Texto-base
Texto oral/transcrito número 2.
3.2.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade
92
(1)as redes sociais como o Orkut Facebook MSN Twitter entre outros são os
(2)sites de relacionamento que muitas pessoas utilizam para se distrair criar novas
(3)amizades ou até mesmo motivos profissionais nessas redes são trocadas
(4)informações amigos que moram longe se reaproximam não têm a necessidade do
(5)deslocamento físico e até mesmo empresas se relacionam com o público consumidor
(6)mas essa ferramenta não apresenta apenas benefícios muitos se aproveita para
(7)fazer roubos pedofilia difamação discriminação e até mesmo bullying as crianças não
(8)sabem mais o que é brincar na rua pois preferem jogos eletrônicos os adolescentes
(9)deixam de lado o passeio com os amigos e acabam se isolando no mundo da
(10)internet...virando então um vício como tudo que é tudo do mundo existe seu lado
(11)bom e ruim das redes sociais não é diferente os internautas devem ter controle do
(12)uso desse meio de comunicação para não se transformar em grandes problemas
(C.M.S.)
3.2.1.2 A referenciação no texto oral da informante 2
A informante se preocupa em manter o referente textual e a tematização solicitados. Para
tanto, a informação inicial desta produção (“redes sociais”) é mantida em saliência por meio
de operações de retomada ou da criação de novos referentes ligados à tematização: “benefícios
e malefícios para a sociedade”. Assim, o primeiro referente, que indica o assunto a ser
abordado durante a produção do texto, é construído e reconstruído ao longo dessa produção,
conforme assinala Koch e Elias (2010):
L1 -“As redes sociais [...]”
L3 -“[...] nessas redes [...]”
L11 -“[...] redes sociais [...]”
Constatou-se, nesses fragmentos, a retomada desse referente no modelo textual como
forma nominal reiterada. Entretanto, essa forma não é muito utilizada pela informante, que
introduz outros referentes no texto, utilizando-se de outras formas de progressão referencial:
L1 -“as redes sociais como o Orkut Facebook MSN Twitter [...]”
L2 -“[...] são os sites de relacionamento que muitas pessoas utilizam para se
[distrair criar novas amizades [...]”
93
L6 -“[...] essa ferramenta [...]”
L12 -“ [...] desse meio de comunicação [...]”
Nessa produção, além da forma nominal reiterada (L1, L3 e L11), conforme assinalado
acima, as outras formas de progressão referencial que a informante mais utiliza são as formas
elíptica/pronominal (L6, L12) ou pronominalização (anafórica ou catafórica), de acordo com
Koch (2015), e nomes genéricos (também em L6 e L12). Dessa forma, as cadeias anafóricas ou
referenciais estão substanciadas no texto por “esse movimento de retroação a elementos já
presentes no texto – ou passíveis de serem ativados a partir deles” (KOCH e ELIAS, p. 144,
2010).
A forma de inserção do referente inicial, neste texto, consiste na introdução não ancorada,
visto que o referente é representado por expressão nominal e que expressa uma primeira
categorização, como se nota:
L1 -“ as redes sociais como o Orkut Facebook MSN Twitter entre outros são os [...]”
L2 –[ [...] sites de relacionamento que muitas pessoas utilizam para se distrair [...]”
L3 -“[...] criar novas amizades nessas redes são trocadas
L4 -[ [...] informações amigos que moram longe se reaproximam não tem a
[necessidade do
L5 -[ [...] deslocamento físico [...]”
A informante ainda se utiliza da referenciação implícita para corroborar seu ato de dizer,
concomitantemente com seu objetivo de progredir semanticamente, de modo que elementos
textuais ou modelos mentais são ativados, por meio de anáforas indiretas, conforme postula
Koch e Elias (2010):
L3 -“[...] são trocadas [...]”
L4 -“[...] informações amigos que moram longe se reaproximam não tem
[a necessidade do [...]”
L5 -“[...] deslocamento físico [...]”
L7 -“[...] as crianças não [...]”
L8 -“[...]sabem mais o que é brincar na rua pois preferem jogos eletrônicos [...]”
L8 -“[...] os adolescentes [...]”
L9 -“[...] deixam de lado o passeio com os amigos e acabam se isolando
[no mundo da [...]”
L10 -“[...] internet [...]”
Verificou-se, portanto, que a informante recorre, principalmente, a anáforas indiretas,
desempenhando a progressão e a coerência do texto, levando o leitor a inferir elementos
antecedentes com base em âncoras textuais. Essas retomadas não são explícitas, mas têm base
94
em modelos cognitivos, pois nos fragmentos em destaque não se veem referência nominal ou
explícita concernente ao tema abordado, mas são introduzidos elementos linguísticos ou
expressões que têm, de certa forma, algum vínculo com o contexto já estabelecido, como se vê:
“amigos [...] se reaproximam não têm a necessidade do deslocamento físico [...]”; “[...]
preferem jogos eletrônicos [...]”; “[...] deixam de lado o passeio com os amigos e acabam se
isolando no mundo da internet [...]”.
De modo que a seleção de palavras relacionadas com o mesmo campo lexical e mesmo
grupo de conhecimento de mundo, conforme constatou-se nos fragmentos acima, asseguraram
a manutenção do tema neste texto. Alguns elementos linguísticos de modelo de mundo, neste
caso o mundo das redes sociais, foram ativados pela informante, “avançando, assim,
perspectivas sobre o que (o leitor) vai encontrar no texto” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 177).
3.2.3 Texto transformado
A retextualização escrita final número 2.
3.2.3.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade
(1) As redes sociais, como twitter,my space, orkut, facebook, e MSN são
(2)sites de relacionamentos que se instalaram definitivamente na vida da sociedade
(3)moderna.
(4) Esses meios de comunicação são utilizados por um grande número de
(5)pessoas crianças, jovens, idosos em todo o mundo, seja por diversão, amizade ou
(6)motivos profissionais.
(7) O fato é que esses tipos de sites tiveram um crescimento enorme na
(8)última década, com a divulgação do orkut as pessoas passaram a possuir um
(9)perfil e começou ali um tipo de hábito que se expandiu em uma escala incrível.
(10) Cerca de 70% da população possui algum tipo de perfil onde as
(11)informações circulam em tempo real, amigos distantes se reaproximam, os
(12)relacionamentos se multiplicam, não há necessidade de deslocamentos físicos
(13)para que se possa usufruir momentos de lazer e empresas passam a ter, uma
(15)nova forma de se relacionar com o público consumidor.
95
(16) No entanto, nem só benefícios promove esse tipo de ferramenta. Muitos
(17)se aproveitam para fins ilícitos. Roubos, pedofilia, difamação, discriminação,
(18)são exemplos de crimes praticados através da internet, aproveitando-se da
(19)privacidade e da intimidade expostas nas comunicações pelas redes. Crianças
(20)substituem os brinquedos pelos jogos eletrônicos, jovens deixam de sair com os
(21)amigos e o isolamento é frequente aos que fazem da internet o seu “mundo”,
(22)tornando isto um “vício eletrônico”.
(23) Portanto os usuários devem exercer um controle permanente do uso desta
(24)comunicação, que com certeza é um universo fascinante, mas se não forem
(25)bem utilizados podem se transformar num grande problema para o internauta
(26)ingênuo.
(C.M.S.)
3.2.3.2 A referenciação no texto escrito da informante 2
Nesta retextualização, verificam-se poucas diferenças significativas comparando-se ao
texto falado, no que concerne à referenciação, visto que a informante usa quase os mesmos
elementos linguísticos na duas produções (escrita e oral), operando “uma seleção, dentre as
diversas propriedades de um referente – reais, co(n)textualmente determinadas ou
intencionalmente atribuídas” (KOCH, 2015, p. 73). Dessa forma, ela mantém o referente redes
sociais em saliência por meio de operações de retomada ou da introdução de novos referentes
concernentes à tematização:
L1 -“As redes sociais, como twitter, my space, orkut, facebook, e MSN
[são[...]”
L2 -“[...] sites de relacionamentos [...]”
L4 – “[...] Esses meios de comunicação [...]”
L7 -“[...] esses tipos de sites [...]”
L16 -“[...] esse tipo de ferramenta [...]”
L19 -“[...] nas comunicações pelas redes [...]”
L23 -“[...] desta
L24-[ [...] comunicação [...]”
L24 -“[...] forem
L25 -[ [...] bem utilizados [...]”
96
O que se constatou, inicialmente, quanto ao referente redes sociais, introduzido em L1,
é que ele não é retomado de forma nominal reiterada ao longo de todo o desenvolvimento do
texto (o que se verificou no texto falado), ou seja, não se verificou em nenhuma outra parte
dessa produção o termo redes sociais, o que nos é forçoso dizer que, para esta produção, a forma
de introdução desse referente no modelo textual foi por ativação não ancorada.
Entretanto, outras formas de progredir seu texto foram, pela informante, utilizadas por
operações de retomadas ou remissões, conforme assinala Koch e Elias (2010): forma nominal
hiperonímica, como em L1; forma nominal sinônima ou quase sinônima, como em L2, L4;
nomes genéricos, como em L4, L7, L16, L23 e L24; forma elíptica/pronominal como em L24
(elas forem).
Como no texto falado, a informante ainda se utiliza da referenciação implícita para
afirmar seu ato de dizer concomitantemente com seu objetivo de progredir semanticamente, de
modo que elementos textuais ou modelos mentais são ativados por meio de anáforas indiretas:
L8 -“[...]as pessoas passaram a possuir um
L9 -[ [...] perfil [...]”
L2 -“[...] sites de relacionamentos [...]”
L10 -“[...] onde as
L11 -[ [...] informações circulam em tempo real [...]”
L11 -“[...]amigos distantes se reaproximam [...]”
L12 -“[...] não há necessidade de deslocamentos físicos
L13 -[ [...] para que se possa usufruir momentos de lazer [...]”
L19 -“[...] Crianças
L20 -[ [...] substituem os brinquedos pelos jogos eletrônicos [...]”
L20 -“[...] jovens deixam de sair com os
L21 -[ [...] amigos e o isolamento é frequente aos que fazem da internet o
[‘seu mundo’ [...]”
Verificou-se que no texto falado foram encontrados 5 segmentos com anáforas indiretas
por referenciação implícita, estratégia esta que a informante aplica, também, no texto escrito,
mas de forma mais contundente, pois, neste caso, são sete segmentos direcionados a este tipo
de progressão semântica, conforme trechos acima destacados.
Outra estratégia que a informante também se utiliza para a garantia da sequenciação
referencial desta retextualização está na manutenção temática com o uso de termos que fazem
parte de um mesmo campo lexical ou pertencem a um mesmo grupo de conhecimento de
mundo. Veja-se:
L1 -“[...] As redes sociais, como twitter, my space, orkut, facebook, e MSN
97
[[...]”
L4 -“[...] Esses meios de comunicação [...]”
L8 -“[...] com a divulgação do Orkut [...]”
L11 -“[...] informações circulam em tempo real [...]”
L12 -“[...] não há necessidade de deslocamentos físicos [...]”
L18 -“[...] internet [...]”
L22 -“[...] ‘vício eletrônico’ [...]”
L25 -“[...] internauta [...]”
Como se vê, a informante faz remissões a elementos apresentados anteriormente no texto
ou sugeridos pelo contexto precedente (cf. KOCH, 2015, p. 75), favorecendo, assim, a sua
reativação na memória do leitor/interlocutor.
3.2.3.3 A organização textual na produção escrita da informante 2
A organização textual, nesta transposição, segue o esquema defendido por Silveira
(2012), ou seja, dissertativo de uma tese. Sendo assim, o texto completa-se com três categorias
distintas, conforme elencadas pela autora, a saber: texto reduzido (apresentação), texto
expandido - justificativa (explicação) – e a conclusão que, por sua vez, contém expressões de
um sujeito enunciador – é a opinião pessoal do produtor encadeada com a justificativa e o texto
reduzido.
Portanto, pode-se considerar, conforme Silveira (2012), que o texto apresentado é
organizado dissertativamente pela sequência textual explicativa de uma tese. Dessa forma, o
texto escrito produzido pela informante 2 é organizado por um texto reduzido, seguido de uma
justificativa (explicação) e termina com uma conclusão. Logo, a progressão semântica da
tematização “malefícios e benefícios para a sociedade” é explicada no texto, concatenando-se
com o texto reduzido. A conclusão, por sua vez, contém uma opinião defendida pela produtora.
Sendo assim, o texto apresenta-se com:
Texto
reduzido
(apresentação) As redes sociais, como twitter, my space, orkut, facebook, e MSN são sites
de relacionamentos que se instalaram definitivamente na vida da sociedade
moderna.
Texto
expandido
Explicação de
benefícios
Esses meios de comunicação são utilizados por um grande número de pessoas
crianças, jovens, idosos em todo o mundo, seja por diversão, amizade ou
motivos profissionais. [...]
Cerca de 70% da população possui algum tipo de perfil onde as informações
circulam em tempo real, amigos distantes se reaproximam, os
relacionamentos se multiplicam, não há necessidade de deslocamentos físicos
98
para que se possa usufruir momentos de lazer e empresas passam a ter, uma
nova forma de se relacionar com o público consumidor.
Explicação de
malefícios
No entanto, nem só benefícios promove esse tipo de ferramenta. Muitos se
aproveitam para fins ilícitos. Roubos, pedofilia, difamação, discriminação,
são exemplos de crimes praticados através da internet, aproveitando-se da
privacidade e da intimidade expostas nas comunicações pelas redes. Crianças
substituem os brinquedos pelos jogos eletrônicos, jovens deixam de sair com
os amigos e o isolamento é frequente aos que fazem da internet o seu
“mundo”, tornando isto um “vício eletrônico”
Conclusão
opinativa
Portanto os usuários devem exercer um controle permanente do uso desta
comunicação, que com certeza é um universo fascinante, mas se não forem
bem utilizados podem se transformar num grande problema para o internauta
ingênuo
3.2.3.4 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral
para o escrito
Esta retextualização apresenta diferença significativa se comparada com o texto oral. O
que fica patente aqui, se seguirmos as diversas fases da produção da transposição
(retextualização) dessa informante, é que ela já possui um domínio da escrita considerável. Isso
se explica pela aplicação da paragrafação bem ordenada, a citação de conteúdo e a substituição
do conjunto do léxico (na maior parte) que foram bem reordenadas na retextualização para
atender as exigências da escrita, com exceção de poucas deficiências na pontuação – o que será
detalhado adiante na especificação da aplicação das operações, conforme elenca Marcuschi:
(1ª operação): não houve mudança significativa no que concerne à interação face a
face, por se tratar de um monólogo, embora isso não seja único fator determinante.
Significativamente, não houve também eliminação de hesitações e partes de palavras
(truncamentos), com exceção do que aparece em L10 do texto oral e que foi
eliminado no escrito – “estratégia de eliminação baseada na idealização linguística”
(MARCUSCHI, 2010, p. 75);
(2ª e 4ª operações): a introdução da pontuação (fornecida, na maior parte, deste tipo
de transposição, pela entonação da fala), bem como da paragrafação, não teve aqui
relevância, com exceção da pausa que aparece em L10 (“se isolando no mundo da
internet...”), do texto falado, substituída por uma vírgula no texto escrito em L21
(“aos que fazem da internet o ‘seu mundo, [...]”), dado que as pausas e
alongamentos, via de regra, são substituídos pela pontuação no texto escrito. Há uma
pequena reordenação dos tópicos discursivos: o que aparece no início do texto oral –
99
L3 e L4, por exemplo, “nessas redes são trocadas informações, amigos que moram
longe se reaproximam, não tem a necessidade do deslocamento físico”, no texto
escrito só vai aparecer no 4º parágrafo. De igual modo, parte dos segmentos em L5 e
L6, do texto falado - “mas essa ferramenta não apresenta apenas benefícios, muitos
se aproveita para fazer roubos, pedofilia, difamação, discriminação e até mesmo
bullying” -, só aparecerão no 5º parágrafo do texto escrito;
(3ª operação): esta operação não aparece de forma significativa aqui, visto que, no
texto falado, quase não se encontram repetições, reduplicações (não há), paráfrases
(no sentido de explicação prolixa) etc. Os pronomes egóticos (eu, meu) também não
aparecem no texto falado. Portanto, nesse sentido, a estratégia de eliminação para
uma condensação linguística – base desta operação -, bem como de atividades de
idealização, não foram observadas nesta retextualização;
(5ª, 6ª e 7ª operações): aparecem aqui de modo significativo. A introdução de marcas
metalinguísticas, para referenciação, estão evidentes nesta transposição. Isso é
evidente no texto por meio de verbalização de contextos manifestos por dêiticos e,
conforme assinala Koch e Elias (2010), por meio de um desenvolvimento que
mantém o foco em operações de retomada, com o intuito de reformulação
objetivando explicitude, como nas linhas (1,2,4,7,8,16,19,23,24): “as redes sociais”
(1), “são sites de relacionamentos” (2), “esses meios de comunicação” (4), “esses
tipos de site” (7), “divulgação do Orkut” (8), “esse tipo de ferramenta” (16),
“comunicações pelas redes” (19), “uso desta comunicação” (23,24), “mas se não
forem bem utilizados” (24) etc. Há, também, de modo acentuado, outras escolhas
léxicas no texto escrito visando uma maior formalidade: “como tudo que é... tudo...
do mundo existe seu lado bom e ruim, das redes sociais não é diferente” – L10 do
texto falado, é simplesmente substituído por “no entanto, nem só benefícios promove
esse tipo de ferramenta” – L16 do texto escrito.
(8ª e 9ª operações): estas operações, por tratarem da parte argumentativa do texto,
foram aplicadas com mais afinco, visto que, na retextualização, os argumentos estão
mais convincentes e mais bem ordenados. Observe-se, por exemplo, em L6, L7, do
texto oral, que esse segmento introduz uma afirmação: “mas essa ferramenta não
apresenta apenas benefícios”, que é em seguida corroborada por outra afirmação
“muitos se aproveita para fazer roubos pedofilia difamação discriminação e até
mesmo bullying”. Já na retextualização, os segmentos que correspondem a essas
100
afirmações, aparecem de maneira mais contundente em L17, L18 e L19: “No entanto,
nem só benefícios promove esse tipo de ferramenta”, “Muitos se aproveitam para
fins ilícitos”, “Roubos, pedofilia, difamação, discriminação, são exemplos de crimes
praticados através da internet”, “aproveitando-se da privacidade e da intimidade
expostas nas comunicações pelas redes”. Observe-se que a informante precisou
reorganizar seus argumentos no texto escrito e, consequentemente, para este caso, os
segmentos ficaram mais extensos. Isso, talvez, explique o aumento no volume do
texto final, mas isso não é costumeiro neste tipo de transposição – o que, geralmente,
ocorre é exatamente o contrário. Todavia, aqui, se produziu um texto mais robusto,
de maneira que a informante precisou distribuir melhor seus argumentos para atingir
seus objetivos textuais-discursivos, portanto.
Em se tratando do grau de formalidade nas duas produções, notou-se não haver diferenças
significativas, excetuando-se, obviamente, o conjunto do léxico que no texto escrito se mostrou
com maior grau de formalidade. Assim, pode-se afirmar que a linguagem empregada por esta
informante nas duas produções faz parte do universo do dialeto social culto (PRETI, 2003a, p.
31), embora tenha sido encontrado um trecho com inadequação na concordância verbal em cada
produção. Veja-se:
Texto Falado:
L6 -“[...] muitos se aproveita [...]”
Texto escrito:
L16 - No entanto, nem só benefícios promove [...]”
Conclui-se, portanto, que as duas produções se mostraram praticamente igualadas em
relação ao grau de formalidade.
Quanto ao universo total de palavras, o texto falado tinha 153, já o texto escrito apresenta
um número de 252 palavras, o que contraria a ordem natural deste tipo de transposição que,
conforme assinalado anteriormente, tende a apresentar exatamente o contrário. Mas como “as
relações entre fala e escrita não são óbvias nem lineares, pois elas refletem um constante
dinamismo fundado no continuum que se manifesta entre essas duas modalidades de uso da
101
língua” (MARCUSCHI, p. 34, 2010), é possível que ocorram esses fenômenos ainda não
totalmente esclarecidos.
Assim, foram acrescidas 99 palavras no texto escrito, um percentual de aumento de
60,71%, em comparação com o texto falado. Mesmo assim, neste caso, não se pode falar em
falseamento ou interpretação - o que poderia modificar totalmente (ou até certo ponto) o
conteúdo e comprometer a transposição. De qualquer modo, o aumento de conteúdo e palavras,
em vez da redução, mostrou-se evidente.
3.3 Informante 3
Estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo masculino, 17 anos.
3.3.1 Texto-base
Texto oral/transcrito número 3
3.3.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade
(1)fala pessoal meu nome é Lucas e hoje eu vou falar um sobre as redes sociais vou
(2)falar sobre as suas vantagens e desvantagens...e falar um pouco sobre a sua influência
(3)na sociedade primeiramente o fato é que as redes sociais têm se espalhado com a
(4)grande velocidade no...no nosso país é...porque...grande parte da população tem
(5)acesso às redes sociais e até mesmo em seu celular é... eu acho que... sim ela
(6)pode...trazer benefícios pra...pra qualquer um de nós basta você saber...limitar esse
(7)tempo de uso dela não fazer...não usá-la com o tempo tão...muito excessivo pois
(8)assim ela se tornará a sua... sua grande inimiga acho que o principal fator
(9)positivo das redes sociais é fato de que...o compartilhamento de informação é muito
(10)rápido acho que em um clique você já pode compartilhar o que você::...é...está
(11)sentindo ou deseja... compartilhar com alguma pessoa ou parente distante é...eu
(12)acho que eu já me utilizei muitas vezes das...das redes sociais de uma forma
(13)positiva porque...eu sou aluno de Informática eu faço técnico e...muitas vezes
(14)quando eu estou com alguma dificuldade em exercícios ou...alguma lição
(15)mesmo eu apenas tiro uma foto do exercício e envio para algum grupo de...de
(16)pessoas da ETEC mesmo onde faço curso técnico e meio que em conjunto
102
(17)nessas redes sociais a gente procura uma resolução pra esses problemas então
(18)hoje em dia tá muito mais fácil de... você se comunicar com quem está distante
(19)e o fator negativo das redes sociais também está justamente nisso porque se
(20)você se aproxima de quem está longe automaticamente você se afasta de quem
(21)está perto então...as redes sociais tem esse poder de te...prender naquele mundo
(22)e te...é... não deixar com que você se comunique com quem está ao seu lado basta
(23)você sair por aí em algum restaurante ou até mesmo nas praças de alimentação de
(24)shoppings você pode se deparar com muitos casais é...as vezes juntos mas...nem se
(25)conversam nem se fala estão apenas...teclando no seu celular e um dia desses eu vi
(26)uma...placa...uma placa no restaurante muito interessante, que dizia não peça a
(27)senha do Wi-Fi conversem entre si eu acho que essa mensagem é muito
(28)interessante pra:: pra deixar claro que...é...mais importante você ter a...conversar
(29)com quem está perto do que se prender nesse mundo das redes sociais porque
(30)se ela for usada com...em bastante excesso você vai estar desperdiçando um tempo
(31)que poderia ser gasto em alguma...de alguma outra forma outra coisa
(32)positiva...negativa da...das redes sociais é o fato que nas redes sociais você tenta ser
(33)o que você não é na vida real daí que... eu acho que partiu daí essa ideia do
(34)cyberbullying porque lá você acaba se sentindo um pouco mais do que o que que
(35)você é na vida real e as vezes você acaba sendo um pouco mais arrogante com
(36)quem você não...com quem você não tem coragem de falar pessoalmente e eu acho
(37)que acaba sendo um abuso de poder... e... de outra pessoa é...basicamente o
(38)principal ponto negativo dela é o afastamento mesmo da...do resto das pessoas que
(39)estão presentes outro fato...ruim é que se você compartilhar algum...algum vídeo
(40)que... que denigra a imagem de outra pessoa esse vídeo...ou vídeo ou imagem esse
(41)arquivo vai ser compartilhado muito rapidamente e acho que uma vez publicado na
(42)Web não tem como mais ser retirado porque...ele vai se espalhar muito rápido
(43)no geral eu acho que as redes sociais podem ser sim ser grande aliadas basta você
(44)saber a forma certa de utilizar e o tempo certo valeu
(L.B.S.)
3.3.1.2 A referenciação no texto oral do informante 3
103
O produtor do texto mantém o referente textual e a tematização solicitados. Para tanto, o
informante faz referência inicial ao assunto que será abordado ao longo da produção por meio
da introdução do referente redes sociais, bem como à tematização os benefícios e os malefícios
para a sociedade, que é mantida em destaque por meio de operações de retomada ou da criação
de novos referentes a eles associados.
Assim, o referente que indica o assunto a ser abordado durante a produção do texto,
reocupa, ao longo desta produção, seu lugar no ato de dizer do produtor:
L1 -“[...] as redes sociais [...]”
L3 -“[...] redes sociais [...]”
L5 -“[...] redes sociais [...]”
L9 -“[...] das redes sociais [...]”
L12 -“[...] redes sociais [...]”
L17 -“[...] nessas redes sociais [...]”
L19 -“[...] das redes sociais [...]”
L21 -“[...] as redes sociais [...]”
L29 -“[...] das redes sociais [...]”
L32 -“[...] das redes sociais [...] nas redes sociais [...]”
L43 -“[...] que as redes sociais [...]”
Como se nota nesses fragmentos, há número significativo da retomada desse referente no
modelo textual como forma nominal reiterada, visto que as retomadas ocorrem
nominalmente: o referente se repete por sua forma primária, introduzida originalmente no texto
em L1. Assim, o informante opera parte da progressão referencial (ou semântica) desse texto
de “forma retrospectiva ou anaforicamente” (KOCH & ELIAS, 2010, p. 132). O texto ainda
traz outras formas de progressão referencial, como as elencadas a seguir:
L2 -“[...] as suas vantagens e desvantagens [...]”
L2 -“[...] a sua influência
L3 -[ [...] na sociedade [...]”
L5 -“[...] sim ela
L6 -[ [...] pode...trazer benefícios [...]”
L7 -“[...] tempo de uso dela não fazer...não usá-la [...]”
L8 -“[...] assim ela se tornará a sua... sua grande inimiga[...]”
L9 -“[...] compartilhamento de informação [...]”
L30 -“[...] se ela for usada com...em bastante excesso [...]”
L38 -“[...]principal ponto negativo dela [...]”
Para esta produção, além da forma nominal reiterada, conforme se verificou, a outra
forma de progressão referencial de que o informante mais se vale consiste na forma de valor
pronominal, de acordo com o que mostram os fragmentos acima referidos. Alguns segmentos
104
deste texto ainda trouxeram uma outra forma de referenciação com o intuito de fazer o texto
progredir na sucessão dos enunciados: a forma com certos advérbios locativos, conforme se
nota nos fragmentos abaixo:
L32 -“[...] o fato que nas redes sociais você tenta ser
L33 -[ [...] o que você não é na vida real daí que... eu acho que partiu daí
[essa ideia do
L34 -[ [...] cyberbullying [...]”
L34-“[...] porque lá você acaba se sentindo um pouco mais do que o que que
L35-[ [...] você é na vida [...]”
De maneira que as cadeias anafóricas ou referenciais, conforme apontam os fragmentos
em destaque, reforçam esse movimento de retomada de componentes já ditos no texto – ou que
podem ser ativados a partir desses componentes -, caracterizando-se em modelos de progressão
semântica. Por exemplo, o advérbio “daí” em L33 faz referência ao fato de os usuários das
redes sociais demonstrarem ser o que, de fato, não o são; e o advérbio “lá”, por sua vez, em
L34, faz referência a cyberbullyng.
Dessa forma, o informante vai formando a coerência no texto com enunciados que
garantem a progressão referencial, bem como segmentos textuais que corroboram o tema em
desenvolvimento favorecendo sua manutenção:
L9 -“[...] o compartilhamento de informação é muito
L10-[ [...] rápido [...]”
L10-“[...]rápido acho que em um clique você já pode compartilhar o que
[você...é... [...]”
L11-“[...] compartilhar com alguma pessoa ou parente distante [...]”
L20-“[...] você se aproxima de quem está longe automaticamente você se
[afasta de quem
L21-[ [...] está perto [...]”
L32-“[...] você tenta ser
L33-[ [...] o que você não é na vida real [...]”
L33-“[...]daí essa ideia do
L34-[ [...] cyberbullying [...]”
L39-“[...] se você compartilhar algum...algum vídeo [...]”
Conforme assinalado nos fragmentos em destaque, o uso de termos que pertencem a um
mesmo campo lexical, bem como a alusão a elementos que fazem parte de um mesmo grupo de
conhecimento de mundo, neste caso “redes sociais”, são bastante acionados pelo informante
nesta produção, garantindo a manutenção temática.
105
3.3.2 Texto transformado
A retextualização escrita final número 3.
3.3.2.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade
(1) Na realidade, as redes sociais vêm ganhando um grande espaço na vida de
(2)todos nós pois grande parte da sociedade tem acesso a diversos tipos de redes sociais
(3)de uma maneira muito fácil, até mesmo acessando pelo celular.
(4) Compreende-se que, se ela for usada corretamente, pode trazer grandes
(5)vantagens para o nosso cotidiano, pois ela faz com que possamos compartilhar a
(6)informação de uma maneira prática e rápida, nos aproximando de quem está longe.
(7) O fator negativo está nessa mesma questão, porque se você se aproxima de
(8)quem está longe, automaticamente você se afasta de quem está perto. Você fica
(9)“preso” nesse mundo das redes sociais, dificultando seu relacionamento com as
(10)pessoas que estão ao seu redor.
(11) De uma maneira geral, se soubermos dosar o tempo de uso, e não exceder
(12) uma grande quantidade de tempo, ela certamente será nossa aliada.
(L.B.S.)
3.3.2.2 A Referenciação no texto escrito do informante 3
Semelhantemente ao texto falado, o produtor introduz um referente relacionado ao tema
a ser abordado logo no início da produção – “redes sociais” -, encadeando-o a “benefícios e
malefícios para a sociedade”, opinando acerca de seus benefícios a partir de L4, até L6; e acerca
de seus malefícios a partir de L7, até L10. Ademais, o que se verifica, ao se comparar os
fragmentos iniciais nos dois textos, é que os itens de apresentação pessoal, que foram inseridos
no texto falado, já não aparecem no texto escrito. Veja-se:
L1 -“[...] Na realidade, as redes sociais vêm ganhando um grande espaço
[na vida de
L2 -[ [...]todos [...]”
L4 -“[...] se ela for usada corretamente, pode trazer grandes
L5 -[ [...] vantagens para o nosso cotidiano [...]”
106
Embora a introdução do referente, inicialmente, no texto falado, coincida com o referente
do texto escrito, há grande desigualdade nas operações de retomada da referenciação. Enquanto
no texto falado a retomada desse referente, pela forma nominal reiterada, aparece em oito
enunciados por toda a extensão do texto; na produção retextualizada, isso se dá em apenas três:
L1 -“[...] Na realidade, as redes sociais vêm ganhando um grande [...]”
L2 -“[...] parte da sociedade tem acesso a diversos tipos de redes sociais
[[...]”
L9 -“[...] “preso” nesse mundo das redes sociais [...]”
A progressão referencial desse texto ocorre, conforme se verificou nos fragmentos
anteriores e se verá nos posteriores, de maneira retrospectiva ou anafórica, portanto, nesse
sentido, não há qualquer dissemelhança com o texto falado:
L1 -“[...] Na realidade, as redes sociais vêm ganhando um grande [...]”
L4 -“[...] Compreende-se que, se ela for usada corretamente [...]”
L5 -“[...] vantagens para o nosso cotidiano, pois ela faz com que possamos
[compartilhar [...]”
L12 -“[...] ela certamente será nossa aliada [...]”
A forma de introdução do referente redes sociais, neste texto, é operada de forma não
ancorada, “quando representado por uma expressão nominal” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 134)
e, como se nota em L1, não ocorreu qualquer divergência em comparação com o texto falado.
Outra forma de progressão referencial que o informante apresenta, neste texto, é a de valor
pronominal, segundo mostram estes fragmentos:
L4 -“[...] Compreende-se que, se ela for usada corretamente [...]”
L5 -“[...] vantagens para o nosso cotidiano, pois ela faz com que possamos
[compartilhar [...]”
L12 -“[...] ela certamente será nossa aliada [...]”
O que se nota, no cotejo entre as duas modalidades, no caso deste informante, é que na
retextualização não aparecem, como no texto falado, as formas de progressão referencial
elípticas, por nomes genéricos ou por advérbios locativos – o que já se pode falar em uma
condensação, visto que há redução de elementos linguísticos, conforme assinala Marcuschi
(2010).
107
Da mesma forma que no texto falado, o informante vai produzindo a coesão e a coerência
no texto escrito com enunciados que garantem a progressão referencial, bem como favorecem
sua manutenção temática:
L5 -“[...] compartilhar a
L6 -[ [...] informação de uma maneira prática e rápida, nos
[aproximando de quem está longe [..]”
L7 –“[...] porque se você se aproxima de
L8 -[ [...] quem está longe [...]”
L9 -“[...] dificultando seu relacionamento com as
L10-[ [...] pessoas que estão ao seu redor [...]”
Nos trechos em destaque, o informante se vale de termos e expressões que pertencem ao
mesmo domínio e conhecimento de mundo (ou modelo cognitivo) relacionados ao universo das
redes sociais e como seus usuários se comportam na sociedade ao utilizarem essa ferramenta.
Por exemplo, palavras e expressões como compartilhar, informação rápida, aproximação
de quem está longe, afastamento de quem está perto são termos que estão no cotidiano de
pessoas que usam essas redes com frequência.
3.3.2.3 A organização textual na produção escrita do informante 3
A organização textual, nesta transposição, segue, de igual modo, o esquema defendido
por Silveira (2012), ou seja, dissertativo de uma tese com progressão semântica explicativa.
Sendo assim, o texto é organizado com três categorias distintas, conforme elencadas pela
autora: texto reduzido (apresentação), texto expandido (justificativa/explicativa) e a conclusão.
Pode-se considerar, por conseguinte, que o texto apresentado é organizado, dissertativamente,
pela sequência textual explicativa de uma tese.
Logo, o texto escrito produzido pelo informante 3 é caracterizado como um texto
opinativo. Sendo assim, o texto apresenta-se com:
Texto
reduzido
(apresentação) Na realidade, as redes sociais vêm ganhando um grande espaço na vida de
todos nós pois grande parte da sociedade tem acesso a diversos tipos de redes
sociais de uma maneira muito fácil, até mesmo acessando pelo celular.
Texto
expandido
Explicação de
benefícios
Compreende-se que, se ela for usada corretamente, pode trazer grandes
vantagens para o nosso cotidiano, pois ela faz com que possamos
compartilhar a informação de uma maneira prática e rápida, nos aproximando
de quem está longe.
108
Explicação de
malefícios
O fator negativo está nessa mesma questão, porque se você se aproxima de
quem está longe, automaticamente você se afasta de quem está perto. Você
fica “preso” nesse mundo das redes sociais, dificultando seu relacionamento
com as pessoas que estão ao seu redor.
Conclusão
opinativa
De uma maneira geral, se soubermos dosar o tempo de uso, e não exceder
uma grande quantidade de tempo, ela certamente será nossa aliada.
3.3.3 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral
para o escrito
Nesta retextualização, há várias questões para se observar, além das já realizadas acima.
A primeira situação, claramente constatada, reside numa redução significativa na extensão do
texto, visto que “a transformação da fala para a escrita prima por uma redução elevada de
elementos linguísticos que vão além das hesitações e dos marcadores” (MARCUSCHI, 2010,
p. 105). A seguir seguem mais detalhes acerca desta transposição, bem como das operações
mais aplicadas e as nuances encontradas no texto falado e ausentes no texto escrito:
(1ª operação): claramente aplicada, com exceção de alguns trechos que aparecem no
texto escrito e que são característicos da conversação, como é o caso do pronome
“você” quando usado como termo genérico, marcando uma interação em tempo real,
característico da oralidade, como se vê em L5 do texto escrito: “porque se você se
aproxima”; em L8 e L9 “Você fica ´preso´”. A eliminação de marcas interacionais,
partes de palavras, cortes sintáticos, hesitações, alongamentos – típicos da
conversação – é um recurso utilizado nesta retextualização como estratégia de
mudança baseada na idealização linguística, como em L1 do texto falado “fala
pessoal meu nome é Lucas” – interação em tempo real – o que, naturalmente, não
aparece no texto escrito. Ou hesitações, causadas por pausas ou cortes sintáticos: L2
– “falar sobre as suas vantagens e desvantagens...”; “já pode compartilhar o que
você::...é...” em L10, e L28 “interessante pra:: pra deixar claro que...é...mais” –
hesitações e alongamentos. Em L33 “o que você não é na vida real daí que...”, e L44
“saber a forma certa de utilizar e o tempo certo valeu” - interações típicas da
conversação, embora, nesta pesquisa, trate-se de um texto em monólogo. De todo
modo, ainda que o texto não seja “a quatro mãos” ou “a duas vozes” [...], que se
desenvolve durante o tempo em que dois ou mais interlocutores voltam sua atenção
para [...] trocar ideias sobre determinado assunto” (Rodrigues ,2003, p. 21), ainda,
109
assim, há características de uma conversação, visto que a interação face a face e em
tempo real não são condições imprescindíveis para que haja uma conversação, de
acordo com Rodrigues. Há que se observar, também, que, na retextualização,
desaparecem alguns marcadores típicos da conversação, conforme verificado no
texto falado “eu acho que” ou “acho que”: L5, L8, L10, L11;12, L27, L33, L41,
L43;
(2ª operação): claramente aplicada. A entonação do texto falado pode ser um auxílio
para a introdução da pontuação na retextualização escrita. Para Marcuschi (2010), a
pontuação coincide no geral com as pausas, indicadas no texto falado com “...”
(reticências). Veja-se, por exemplo que a palavra “celular” em L5, do texto falado,
antecede uma pausa e esta mesma palavra (celular) encerra um parágrafo no texto
escrito – L3. Em L21, do texto falado, a palavra “perto” antecede uma pausa; no texto
escrito, essa mesma palavra encerra um ponto-final – L8;
(3ª operação): claramente aplicada. A retirada de repetições, redundâncias, excesso
de paráfrases e, principalmente, pronomes egóticos (eu, meu) ocorre também nesta
transposição. Essa “estratégia de eliminação para uma condensação linguística”
(MARCUSCHI, 2010, p. 75) são observadas, principalmente, em L1 do texto falado:
“fala pessoal meu nome é Lucas e hoje eu vou falar” (uso de pronomes egóticos).
Em L4: “grande velocidade no...no nosso”; L32: “positiva...negativa da...das redes
sociais”(reduplicações). Todos esses fragmentos que aparecem no texto falado não
se verificam no texto escrito;
(4ª operação): esta operação tem semelhança com a 2ª operação, a principal
diferença, entretanto, está na reorganização da ordem dos tópicos discursivos –
entendido, aqui, como aquilo sobre o que se está falando, conforme postula Fávero
(2003). No texto falado, por exemplo, em L2 “falar sobre as suas vantagens e
desvantagens...” revela um tópico; na mesma linha “e falar um pouco sobre a sua
influência” é outro tópico ou, no mínimo, um subtópico e estão, exatamente, no início
do texto. Por outro lado, exposições relacionadas aos mesmos tópicos no texto escrito
aparecem em fragmentos redistribuídos ao longo dele: L4, L5 “pode trazer grandes
vantagens para o nosso cotidiano”. Em L19, do texto falado, o tópico acerca do que
é negativo no uso das redes sociais: “o fator negativo das redes sociais”, portanto
quase no meio do texto, vai aparecer no texto escrito em L7: “O fator negativo está
110
nessa mesma questão”. Portanto, quer por condensação quer por reordenação, os
tópicos são claramente redistribuídos e reformulados no texto escrito;
(5ª operação): esta operação não é claramente aplicada aqui, visto que os dêiticos
operados por advérbios locativos e pronomes demonstrativos ocorrem com mais
intensidade no texto falado. A introdução de marcas de metalinguagem é um fator
que não se observou nesta transposição, pois ela aparece, também, e com mais
intensidade no texto falado;
(6ª e 7ª operações): claramente seguidas, com exceção de algumas categorias. A
reconstrução de estruturas truncadas - por não ser o truncamento típico da língua
escrita -, é operada objetivamente. As inadequações nas concordâncias verbal e
nominal não operam mudanças, visto que elas não aparecem nem no texto falado,
nem no escrito. Ainda acerca da 7ª operação, em particular, os pronomes egóticos
desaparecem na produção retextualizada, inclusive são sistematicamente substituídos
por nós: “pois ela faz com que possamos compartilhar” – L5 e “se soubermos dosar
o tempo de uso”– L11, “note-se que a escrita elimina o eu” (MARCUSCHI, 2010, p.
101).
Para essas operações, a mudança mais significativa, nesta transposição, foi a reordenação
sintática, por exemplo: enquanto no texto falado verificaram-se 6 conjunções (acrescidas das
encontradas nas expressões “eu acho que” ou “acho que”); no escrito, apenas três. Ademais, a
substituição do léxico, visando uma maior formalidade, evidenciou-se, em L1 do texto escrito,
por exemplo: “Na realidade, as redes sociais vêm ganhando”; L4: “Compreende-se que, se
ela for usada”; L11: “De uma maneira geral, se soubermos”, constatando-se, portanto, que
esses termos (grifados) foram introduzidos no texto escrito para dar lugar às expressões
coloquiais e típicas da fala para introduzir comentários “eu acho que” ou “acho que”,
encontradas no texto falado: L5, L8, L10, L11;12, L27, L33, L41, L43 e, como se verifica,
eliminadas no escrito.
(8ª e 9ª operações): estas operações dão aspectos mais condensados em se tratando
das ideias e da estratégia da argumentação. Entretanto, não foram notadas mudanças
significativas que dizem respeito a esses detalhes nesta retextualização.
Nota-se, após acurada análise, que a mudança geral mais significativa, desta transposição,
foi o enxugamento geral do texto, consequência da adaptação ou adequação à escrita. Quanto a
isso, o texto original oral tinha 625 palavras, incluindo aí todas as classes gramaticais; na versão
111
final escrita, porém, o texto possui um número bastante reduzido: 142 palavras, o que, como já
visto, é tendência natural neste tipo de transposição (do texto oral para o texto escrito). O
número encontrado representa uma redução da ordem de 77, 28%, portanto.
Em síntese, os resultados obtidos das análises de retextualização produzidas pelos
informantes alunos de uma escola da rede estadual, em São Paulo, indicam que todos os alunos
informantes mantiveram a tematização proposta pelo pesquisador, ou seja, “benefícios e
malefícios para a sociedade” das redes sociais, bem como o referente norteador “redes sociais”.
Esse resultado indica que os informantes desconhecem como recategorizar o referente a partir
de um ponto de vista novo e, simplesmente, seguem a categorização proposta.
As operações utilizadas pelos informantes para transposição dos textos orais para os
escritos apresentam diferenças pertinentes, a exceção ficou com o informante 1. De forma geral,
eles mantêm, durante a construção referencial do texto escrito, os substantivos selecionados
para o texto oral, com poucas exceções.
Todavia, dois informantes – o 1 e o 3 – apresentam, na retextualização, a operação de
redução de número de palavras e, consequentemente, desses substantivos; um deles, no entanto,
construiu sua retextualização com um maior número de palavras do que no texto oral – o
informante 2.
A organização textual de todos os informantes foi realizada com a sequência explicativa.
Apenas o informante 1 constrói seus textos – oral e escrito – sem a emissão de uma opinião,
produzindo um texto interrompido, pois a produção contém, apenas, na progressão semântica,
explicações de “benefícios e malefícios para a sociedade” das redes sociais.
Os informantes 2 e 3 constroem textos opinativos de uma tese, seguindo o esquema
textual dissertativo explicativo (cf. SILVEIRA, 2012, p. 99-100).
É interessante observar que o informante 2 e o informante 3 constroem semelhante
opinião em seus textos “oral e escrito”. Esse resultado indica que a opinião emitida por eles já
era de conhecimento mútuo ou, pelo menos, os produtores compartilhavam das mesmas
cognições sociais e, por essa razão, esses dois informantes, também, não construíram uma
opinião individual, pois aderem a um saber pré-construído, portanto.
112
Capítulo 4
A teoria respaldando a prática – informante: professor
Similarmente ao capítulo 3, este capítulo apresenta os resultados obtidos das análises
referentes às produções textuais, de gênero opinativo, de um professor do ensino médio da rede
pública estadual, na cidade de São Paulo, docente na mesma escola dos informantes do capítulo
anterior. O critério escolhido consistiu no confronto do texto oral com o escrito do mesmo
produtor, e as categorias a serem analisadas limitaram-se:
à referenciação;
à organização do texto escrito; e
ao fluxo das ações que sistematizam o processo de retextualização, do texto oral para
o escrito, bem como ao modelo das operações textuais-discursivas.
Para delimitação dos segmentos textuais, com o intuito de identificar trechos a serem
postos em destaque, adotar-se-á a letra “L” (maiúscula) como nomenclatura para identificação
de cada linha do texto. Semelhantemente ao capítulo anterior, quanto ao ponto de partida para
a realização do processo de retextualização, bem como para a obtenção dos dados do texto-
base, necessitou-se de gravação e transcrição da produção oral referida neste capítulo –
elemento-chave nesse processo.
Da mesma forma que no capítulo 3, no caso do trabalho proposto nesta dissertação, o
método qualitativo teve o objetivo de avaliar “o grau de consciência linguística e o domínio da
noção das relações entre o texto oral e o texto escrito” (MARCUSCHI, 2010, p. 99), do
informante acima especificado.
4.2 Informante 4
Professor de Língua Portuguesa do ensino médio – do sexo masculino, 30 anos -,
docente na mesma escola em que estudavam os informantes do capítulo III.
4.2.1 Texto-base
Texto oral/transcrito número 4.
113
4.2.1.1 Redes sociais, benefícios e malefícios para a sociedade
(1)pensar até que ponto isso é saudável até que ponto vale a pena trocar as
(2)relações humanas pelas relações virtuais...e até que ponto...ahn:: deve-se levar isso...
(3)deve se levar isso tão a sério...é:: pensar que isso pode estragar(um amor) por uma
(4)foto...enfim as pessoas tem que...tem que... tomar cuidado com o que elas dizem
(5)fazem...ou acessam... é isso aí
(6)bom...é::...é impossível imaginar o mundo sem alguns avanços sem algumas
(7)ferramentas que se mostram essenciais pra vida em sociedade hoje em dia e
(8)talvez a ferramenta mais indispensável de todas seja a internet...por conta de toda
(9)facilidade...comodidade agilidade... que ela oferece...compartilhar informação...ou
(10)trocar informações em questão de segundo conhecer alguém falar com essa pessoa
(11)que está do outro lado do mundo como se estivesse aqui são coisas incríveis
(12)né?...e as redes sociais obviamente tem um papel fundamental nesses processos
(13)todos...tão fundamental que empresas...usam as redes...como um canal de
(14)comunicação e divulgação de sua marca produtos ou serviços... inclusive algumas
(15)empresas até...enfim...ahn:: ahn:: incentivam que seus funcionários e colaboradores
(16)usem as redes no trabalho éh:: pensando numa teoria nova sei lá... numa...chamada
(17)teoria da copre...copresença virtual teoria da copresença virtual ou seja tentando
(18)estimular nos...nos funcionários a capacidade de se comunicar com outras pessoas e
(19)colaborar com elas né? mesmo que elas estejam longe geograficamente falando né? e
(20)obviamente em tarefas bem curtas éh:: segundo as empresas as empresas que
(21)estimulam esse tipo de prática isso faz com que...os funcionários...os...os...
(22)empregados consigam resolver problemas de maneira rápida e eficaz enfim...é uma
(23)teoria... mas é preciso tomar cuidado também com a...com um processo e...sei lá o
(24)esfriamento das relações humanas as pessoas estão deixando
(25)de...(oferecer)pessoalmente pra conversarem virtualmente mesmo quando estão bem
(26)próximas...uma pesquisa interessante da McAfee uma empresa de tecnologia enfim
(27)é que quarenta e quatro por cento dos jovens que que namoram reclamam das
(28)redes sociais dizem que elas podem sim prejudicar um namoro por conta do
(29)parceiro ah:: curtir ou comentar uma foto de alguém que o outro éh::...vê como...
(30)como um concorrente ou...curtir comentar a foto de um ex-namorado ou
(31)namorada éh::... pra Adriano Leon...De Leon aliás que é professor e antropólogo da
(32)Universidade Federal da Paraíba as redes sociais na verdade são apenas mal
114
(33)utilizadas por esses jovens ou por qualquer um que ache que elas podem...ah:: ...
(34)atrapalhar ou enfim...acabar com relacionamento ah:: diz ele diz que...hoje em dia
(35)tudo é muito...é tudo muito exagerado e que as pessoas acabam publicando a vida
(36)toda na internet né?...como se isso fosse um diário como se fosse...sei lá tivesse lá
(37)pra todo mundo vê e acaba abrindo a privacidade e isso faz com que elas se torne
(38)vítimas de todo esse movimento ah::... isso causa sei lá faz com que as pessoas se
(39)sintam traídas virtualmente né? porque o outro acessou enfim é um balaio de
(40)gato mas realmente é necessário que se tome cuidado que se... que se pense o quão
(41)saudável é gastar tanto tempo ou se dedicar muito a a essas ferramentas né? né? em
(42)detrimento...das relações pessoais físicas Mário Sérgio Cortella fala uma coisa
(43)muito interessante né? que as pessoas deveriam fazer mais pamonha né? Por
(44)conta do trabalho coletivo que era divisão de funções e cada um fazendo junto
(45)isso...era ou ainda é em alguns lugares do pa do país é...um evento familiar
(46)com a televisão com a popularização da televisão as pessoas deixaram
(47)de...de...de...enfim de... de participar uma das vidas das outras né?:: e foi nesse
(48)momento que o Mário Sérgio Cortella disse isso...com a internet então a coisa
(49)é pior porque...eu nã:: ninguém precisa estar preso a um cômodo da casa com um
(50)tubo gigante na cara...para se desligar do mundo hoje em dia um aparelhozinho
(51)com conexão inter... éh:: à internet...é como todo mundo tem...éh:: qualquer
(52)lugar você pode acessar Facebook Twitter enfim...seu e-mail e você não precisa
(53)tá em casa e isso talvez tenha feito com que as...relações interpessoais se
(54)esfriem tenham se esfriado ainda mais...ah:: ...então é necessário pensar até que
(55)ponto isso é saudável até que ponto
(56)vale a pena trocar
(F.S.S.C.)
4.2.1.2 A referenciação no texto falado do informante 4
O informante, já na introdução de sua produção oral, faz referência aos tópicos temáticos
que serão discutidos ao longo do texto por meio de dois pontos de vista para o referente redes
sociais. Os dois tópicos são: relações humanas e relações virtuais; sendo assim, há dois pontos
de vista para o tratamento de redes sociais:
L2 -“[...] relações humanas pelas relações virtuais...e até que ponto...ahn::
115
[deve-se levar isso...[...]”
Essas tematizações, embora diferentes, são mantidas em destaque para explicar os
“benefícios e malefícios” das redes sociais; este referente, por sua vez, é mantido em destaque
por meio das operações de retomada, por outros referentes a ele associados e introduzidos no
texto. Essas construções temáticas operam, num primeiro momento, e passam a preencher uma
lacuna na rede conceitual do modelo de mundo textual (cf. KOCH, 2015, p. 68), de tal maneira
que as expressões linguísticas que as representam são colocadas em saliência na memória do
interlocutor-leitor:
L2 -“[...] pelas relações virtuais[...]”
L16 -“[...]pensando numa teoria nova sei lá... numa...chamada teoria da
L17 -[[...] copre...copresença virtual [...]”
L25 -“[...] pessoalmente pra conversarem virtualmente mesmo quando estão
[bem próximas...[...]
L38-“[...] as pessoas se
L39 -[ [...] sintam traídas virtualmente né? [...]”
Como se nota, nesses fragmentos, a retomada ou introdução das expressões em destaque,
no modelo textual, ocorre como forma de insistência para realçar o segundo ponto de vista:
“relações virtuais”. Essa reativação faz que a associação desse ponto de vista com o referente
“redes sociais” seja realizada “de tal forma que esse ‘objeto’ fica saliente no modelo” (KOCH,
2015, p. 68).
Entretanto, muitas vezes, esses objetos de discurso são desfocalizados ou desativados,
momentaneamente, para ceder lugar a outros temas, referentes ou pontos de vista com o
objetivo de progredir referencialmente, podendo ser outra vez ativados ou não, como ocorre
neste texto:
L1 -“[...] trocar as
L2 -[ [...] relações humanas [...]”
L24-“[...] esfriamento das relações humanas [...]”
Verifica-se, nos trechos acima, que a tematização “relações humanas” aparece pela
primeira vez em L2, saindo de evidência e voltando apenas em L24, quando desaparece
totalmente do texto. Ainda, acerca dessa tematização, nota-se uma reconstrução que é
“responsável pela manutenção em foco, no modelo de discurso, de objetos previamente
116
introduzidos, dando origem às cadeias referenciais coesivas, responsáveis pela progressão
referencial do texto” (KOCH, 2015, p. 72).
A título de exemplificação, observe-se que, em L28, a expressão “um namoro” faz alusão
à “relações humanas” em concomitância com o referente “redes sociais”. Em L34, aparece a
palavra “relacionamento”, e em L53 ocorre a expressão “as...relações interpessoais”. Assim,
todas essas expressões têm o objetivo de lembrar ao interlocutor-leitor acerca do que o produtor
intenta que ele associe e memorize do texto, por meio de reconstruções ou reintroduções, no
texto, de outras formas lexicais.
Ainda sobre a expressão “relações virtuais”, conforme os trechos a seguir, ela reaparece
em algumas outras partes do texto, mas também cede lugar a outras formas de reativação a ela
associadas. Dessa forma, o informante utiliza-se de uma referenciação implícita, associada a
essas coesões lexicais para reforçar seu ato de dizer e progredir, semanticamente, seu texto:
L7 -“[...] ferramentas que se mostram essenciais pra vida em sociedade [...]”
L9-“[...] compartilhar informação...ou [...]”
L10-“[...] trocar informações sem questão de segundos[...]”
L10-“[...] falar com essa pessoa
L11-[ [...] que está do outro lado do mundo como se estivesse aqui [...]”
L12-“[...] as redes sociais obviamente têm um papel fundamental nesses [...]
[processos todos [...]”
L15-“[...] colaboradores usem as
L16-[ [...] redes no trabalho éh:: [...]”
L21-“[...] isso faz com que...os funcionários...os...os... [...]”
L22-“[...]empregados consigam resolver problemas de maneira rápida e [...]”
[eficaz enfim [...]”
L27-“[...] jovens que que namoram reclamam das redes
L28-[ [...] sociais [...]”
L32-“[...] as redes sociais na verdade são apenas mal
L33-[ [...] utilizadas por esses jovens [...]”
L35-“[...] publicando a vida
L36-[ [...] toda na internet né? [...]”
L50-“[...] para se desligar do mundo hoje em dia um aparelhozinho
L51-[ [...] com conexão inter... éh:: à internet [...]”
L52-“[...] acessar Facebook Twitter enfim...seu e-mail [...]”
Verifica-se, nesses trechos, que, além da forma nominal reiterada, como é o caso em L12,
L15-16, L27-28, L32, inclusive pouco utilizada, o informante introduz novas formas de
referenciação lexical, concernentes às estratégias de referenciação textual num processo em que
ela aparece de forma implícita ou, ainda, por meio de anáforas indiretas. Essas anáforas foram
introduzidas no texto por constituírem modelos cognitivos, por inferências ancoradas no
contexto, mas com expressões semânticas associadas ao conhecimento de mundo
117
compartilhado, como é o caso em L9 (compartilhar informação), L10 e L22 (rapidez na troca
de informação), L11 (a distância física e a presença virtual), entre outras.
Todas essas informações associadas a modelos mentais foram, propositadamente,
inseridas na exposição oral do informante, tendo em vista a preocupação com a manutenção
temática, operada pelos processos de referenciação exemplificados acima. Verificaram-se
ainda, nesta produção, outras inferências ancoradas que dizem respeito a “sintagmas nominais
definidos, particularmente as relações metonímicas (relações parte-todo)” (KOCH & ELIAS,
2010, p. 136), conforme trechos a seguir:
L8 -“[...] a ferramenta mais indispensável de todas seja a internet... [...]”
L12 -“[...] as redes sociais [...]”
L13-“[...] fundamental que empresas...usam as redes...como um canal [...]”
L16 -“[...] redes no trabalho éh:: [...]”
L32 -“[...] as redes sociais na verdade são apenas mal utilizadas [...]”
L52-“[...] lugar você pode acessar Facebook Twitter enfim...[...]”
Nesses fragmentos, observam-se algumas expressões nominais que se relacionam com o
referente “internet” (L8) como “redes sociais” ou “redes” (L12, L13, L16, L32) que, por sua
vez, se relacionam com “Facebook” e “Twitter” (L52). Nesse caso, o informante se valeu,
mais uma vez, de anáforas indiretas para progredir, semanticamente, sua produção textual, uma
vez que os elementos, posteriormente introduzidos no texto, servem de âncora para manter
referência a elementos anteriormente postos, visto que esses componentes formam expressões
que mantêm algum tipo de relação com a retomada do referente “redes sociais” com “internet”;
e com “redes sociais” ou “redes” para “Facebook” e “Twitter”.
Outra estratégia de referenciação textual, utilizada pelo informante deste texto, reside na
“referenciação por intermédio de formas pronominais” (KOCH, 2015, p. 73), em consonância
com o que se constatou nos trechos em destaque:
L1 -“[...]pensar até que ponto isso é saudável até que ponto vale a pena trocar as [...]”
L2 -“[...]relações humanas pelas relações virtuais...e até que ponto...ahn::
[deve-se levar isso...[...]”
L3 -“[...] deve se levar isso tão a sério...é:: pensar que isso pode estragar
[(um amor) por uma[...]”
L4 -“[...] foto...enfim as pessoas têm que...têm que... tomar cuidado com o
[que elas dizem [...]”
L5 -“[...]fazem...ou acessam... é isso aí [...]”
118
Como se vê, o pronome demonstrativo “isso”, que aparece em L1, opera uma progressão
referencial catafórica; “isso” significa, no ato de sequenciar semanticamente o texto, “até que
ponto vale a pena trocar as relações humanas pelas relações virtuais”, ao passo que, em L2,
L3 e L5, esse mesmo pronome opera uma progressão anafórica dos elementos contextuais
anteriormente relacionados a ele.
Esse tipo de progressão referencial que, também, consiste em “operação responsável pela
manutenção em foco, no modelo de discurso, [...] dando origem a cadeias referenciais ou
coesivas” (KOCH, 2015, p. 72), ainda aparece, no texto, em outros enunciados como os
elencados a seguir:
L8 -“[...] a ferramenta mais indispensável de todas seja a internet...[...]”
L9 -“[...] facilidade...comodidade agilidade... que ela oferece [...]”
L18-“[...] capacidade de se comunicar com outras pessoas e colaborar
L19-[ [...] com elas né? mesmo que elas estejam longe [...] né? [...]”
L35-“[...] tudo é muito...é tudomuito exagerado e que as pessoas
[acabam publicando a vida [...]”
L36-“[...] toda na internet né?...como se isso fosse um diário [...]”
L37-“[...] pra todo mundo vê e acaba abrindo a privacidade e isso faz com
[que elas se torne [...]”
L42-“[...]...das relações pessoais físicas Mário Sérgio Cortella fala uma
[coisa [...]”
L43-“[...] muito interessante né? que as pessoas deveriam fazer mais
[pamonha né? [...]”
L48-“[...]momento que o Mário Sérgio Cortella disse isso [...]”.
Verificou-se, portanto, nos enunciados acima destacados, que ocorreu uma progressão
referencial, por meio de elementos contextuais explícitos, como se pode notar em L9 – ela –
que retoma internet em L8; em L19 – elas/elas – retomam pessoas em L18; em L36 – isso –
retoma internet na mesma linha; e em L48 – isso – retoma “que as pessoas deveriam fazer mais
pamonha”, em L43.
Como se nota, o informante mantém a abordagem temática por meio de uma
referenciação diversificada, considerando que as coesões referenciais por ele introduzidas no
texto são retomadas, ou reconstruídas, ao longo de sua produção com objetivos de viabilizar
seu ato de dizer.
A seguir será tratada a retextualização para o escrito do mesmo informante.
4.2.2 Texto transformado
119
A retextualização escrita final número 4.
4.2.2.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade
(1) É impossível imaginar o mundo de hoje sem algumas ferramentas que se
(2)mostram essenciais para vida em sociedade, e a internet, com toda a facilidade,
(3)comodidade e agilidade que oferece, talvez seja a mais indispensável. Compartilhar e
(4)trocar informações com alguém que está do outro lado do planeta, como se estivesse
(5)bem ao lado, em questão de segundos, são coisas incríveis. Na comissão de frente
(6)desses processos todos estão as redes sociais. Elas se mostram tão fundamentais que
(7)empresas fazem uso dessas mídias, transformando-as em canais de comunicação e
(8)divulgação de sua marca, produtos e serviços. Algumas chegam até a incentivar o
(9)uso de tais ferramentas de comunicação por seus funcionários, estimulando-os a
(10)interagir e colaborar, à distância, na resolução de pequenos problemas, o que
(11)alguns especialistas chamam de teoria da copresença virtual.
(12) Apesar de todo avanço tecnológico e comercial proporcionado pelas redes
(13)sociais, é preciso tomar cuidado com os efeitos delas em outro aspecto mais
(14)importante e mais frágil que os negócios: as relações interpessoais. Uma
(15)pesquisa feita pela McAfee, a maior empresa do mundo dedicada à tecnologia de
(16)segurança, revela que 44 por cento dos jovens brasileiros que namoram veem as
(17)redes sociais como ferramentas ambíguas: devido ao seu caráter expositivo, elas
(18)tanto ajudam a começar um relacionamento como podem empurrá-lo ladeira abaixo.
(19) Segundo Adriano de León, professor e antropólogo da Universidade Federal da
(20)Paraíba, as mídias sociais representam tais riscos porque são mal utilizadas pelos
(21)jovens, na medida em que eles publicam toda sua vida nelas, encarando-as
(22)como um diário e abrindo mão da privacidade, tornando-se vítimas de suas
(23)próprias publicações. É necessário que se pense o quão saudável é se dedicar tanto a
(24)alimentar esses sites em detrimento das relações físicas, pessoais, não virtualizadas.
(25) Fazer pamonha, como diz Cortella ao advogar o resgate das relações familiares,
(26)ajuda a estabelecer novamente o contato real entre as pessoas. Mas a questão não é
(27)meramente uma disputa entre o virtual e real, e sim a tentativa de encontrar e
(28)promover um equilíbrio entre eles, permitindo que se aproveite ao máximo o
(29)que os dois mundos têm a oferecer.
(F.S.S.C.)
120
4.3 A Referenciação no texto escrito do informante 4
O informante 4 recategoriza a tematização solicitada “Redes sociais, benefícios e
malefícios para a sociedade” por “relações humanas” e “relações virtuais”, mantendo, no
texto escrito, a mesma retematização do texto oral. Semelhantemente à produção oral, já na
introdução da produção escrita, o produtor faz referência a um dos tópicos que nortearão sua
exposição ao longo do texto por meio de um referente estratégico: internet. Veja-se:
L1 -“[...] É impossível imaginar o mundo de hoje sem algumas ferramentas
[que se [...]”
L2 -“[...] mostram essenciais para vida em sociedade, e a internet, com toda
[a facilidade [...]”
L3 -[“[...] talvez seja a mais indispensável [...]”
Já em L4, o texto começa a dar sinais da mudança de referente, mas ainda concernente
ao conhecimento de mundo do primeiro referente observado em L2:
L4 -“[...] trocar informações com alguém que está do outro lado do planeta [...]”
A informação introduzida nesse fragmento engloba o que será apontado posteriormente
como associado ao referente internet, numa consonância que será relevante para que o
informante opere a referenciação necessária para a progressão do texto; é o que se verifica em:
L5 -“[...] Na comissão de frente
L6 -[ [...] desses processos todos estão as redes sociais” [...]”
Dessa maneira, essas formas lexicais de referenciação são mantidas no texto por meio
das operações de retomada ou por outros referentes ligados a eles. Observe-se, por exemplo,
que a expressão a internet (L2) aparece apenas uma vez neste texto e, ao longo da produção,
cede lugar, entre outras formas, a um processo de referenciação implícita, principalmente às
anáforas indiretas. Todavia, constata-se também, embora com menor frequência, um processo
de progressão referencial por formas nominais reiteradas e por expressões nominais definidas,
conforme assinalam Koch e Elias (2010) e Koch (2015):
L6 -“[...] desses processos todos estão as redes sociais [...]”
L12-“[...] pelas redes[...]”
121
L13-[“[...] sociais [...]”
L16-“[...] as
L17-[ [...] redes sociais[...]”
L20-“[...] Paraíba, as mídias sociais [...]”
A escolha de determinadas expressões definidas, por este informante, teve também o
objetivo de familiarizar o interlocutor/leitor com crenças e atitudes subjetivas de sua produção;
além, obviamente, de ter o intuito de “dar a conhecer ao interlocutor, com os mais variados
propósitos, propriedades ou fatos relativos ao referente que acredita desconhecidos do parceiro”
(KOCH, 2015, p. 74), como nos enunciados destacados a seguir, nos quais o informante
esclarece as atividades pertinentes à empresa citada e a importância disso em seu objetivo
referencial:
L14-“Uma [...]”
L15-[“[...] pesquisa feita pela McAfee, a maior empresa do mundo
[dedicada à tecnologia de
L16-[ [...] segurança [...]”
L16-“[...] revela que 44 por cento dos jovens brasileiros que namoram
[veem as
L17-[ [...] redes sociais como ferramentas ambíguas [...]”
Também observada no texto falado, outra estratégia de progressão referencial utilizada
por este informante, no texto escrito, reside naquela em que essa progressão ocorre por
intermédio de formas pronominais, de acordo com o que se constatou nos fragmentos em
destaque:
L6 -“[...] processos todos estão as redes sociais. Elas se mostram [...]”
L7 -“[...] empresas fazem uso dessas mídias, transformando-as em canais de
[comunicação [...]”
L12-“[...] redes
L13-[ [...] sociais, é preciso tomar cuidado com os efeitos delas em outro
[aspecto [...]”
L21-“[...] jovens, na medida em que eles publicam toda sua vida nelas
[encarando-as [...]”
L24-“[...] alimentar esses sites em detrimento das relações físicas [...]”
Dessa forma, as cadeias coesivas, elencadas pelos trechos em destaque, mostram como
os pronomes foram relevantes no objetivo do informante de progredir seu texto. Remetendo-se,
continuamente, a formas referenciais que já haviam sido apresentadas, fazendo substituições e
lhes acrescentando novas informações.
122
Por exemplo, em L6, o pronome “Elas” retoma “redes sociais”, em L7 o pronome “as”
retoma “empresas”, em L12, L13, a expressão “redes sociais” é retomada por “delas”, e assim
sucessivamente. Observe-se que, quando ocorrem essas remissões, há sempre novas
informações a serem compartilhadas na relação locutor-escritor/interlocutor-leitor – o que,
também, passarão a constituir suportes para outras informações (cf. KOCH & Elias, 2010),
conforme se verificou naqueles e nestes fragmentos:
L20-“[...] Paraíba, as mídias sociais representam tais riscos porque são mal
[utilizadas pelos
L21-[ [...] jovens, na medida em que eles publicam toda sua vida nelas
[encarando-as
L22-[ [...] como um diário e abrindo mão da privacidade, tornando-se
[vítimas de suas [...]”
Note-se que em L20, para o referente “as mídias sociais”, desenvolve-se uma predicação
ou informação que o informante julga necessária (o risco que elas representam para os jovens,
se mal utilizadas); entretanto, para este mesmo referente, retomado e mantido em saliência por
meio do pronome “as” em L21, são acrescentadas novas informações (as mídias sociais agora
são como um diário, no qual os jovens publicam toda a sua vida).
Logo, como se verifica, e consideradas as características peculiares de cada modalidade
de produção textual, constatou-se não haver diferenças significativas no que diz respeito à
referenciação no cotejo entre os dois textos. Neles, observam-se formas de progressão
referencial semelhantes entre si, com exceção da forma por relações metonímicas (parte-todo),
que aparece no texto falado, mas não se encontra no texto escrito.
4.3.1 A organização textual na produção escrita do informante 4
Esta transposição, similarmente às produções vistas no capítulo anterior, segue o
esquema da organização textual defendido por Silveira (2012), relativo ao texto dissertativo
explicativo de uma tese. O texto é organizado com três categorias, conforme as especificadas
pela autora: texto reduzido (apresentação), texto expandido (justificativa) e a conclusão. Dessa
forma, pode-se considerar que o texto apresentado se organiza, dissertativamente, pela
sequência textual explicativa de uma tese.
Portanto, o texto escrito, produzido pelo informante 4, é um texto completo, caracterizado
como um texto opinativo, atendendo à solicitação do investigador. Logo, a progressão
123
semântica da tematização relações humanas e relações virtuais vai sendo explicitada ao longo
do texto, construída com valores negativos malefícios e valores positivos benefícios; dessa
forma, o produtor mantém os valores propostos na tematização do referente redes sociais.
Sendo assim, o texto apresenta-se com:
Texto
reduzido
(apresentação) É impossível imaginar o mundo de hoje sem algumas ferramentas que se
mostram essenciais para vida em sociedade, e a internet, com toda a
facilidade, comodidade e agilidade que oferece, talvez seja a mais
indispensável. Compartilhar e trocar informações com alguém que está do
outro lado do planeta, como se estivesse bem ao lado, em questão de
segundos, são coisas incríveis. Na comissão de frente desses processos
todos estão as redes sociais.
Texto
expandido
Explicação de
benefícios
[...] compartilhar e trocar informações com alguém que está do outro lado
do planeta, como se estivesse bem ao lado, em questão de segundos, são
coisas incríveis. Na comissão de frente desses processos todos estão as
redes sociais. Elas se mostram tão fundamentais que empresas fazem uso
dessas mídias, transformando-as em canais de comunicação e divulgação
de sua marca, produtos e serviços. Algumas chegam até a incentivar o uso
de tais ferramentas de comunicação por seus funcionários, estimulando-os
a interagir e colaborar, à distância, na resolução de pequenos problemas, o
que alguns especialistas chamam de teoria da copresença virtual”
Explicação de
malefícios
Apesar de todo avanço tecnológico e comercial proporcionado pelas redes
sociais, é preciso tomar cuidado com os efeitos delas em outro aspecto mais
importante e mais frágil que os negócios: as relações interpessoais. Uma
pesquisa feita pela McAfee, a maior empresa do mundo dedicada à
tecnologia de segurança, revela que 44 por cento dos jovens brasileiros que
namoram veem as redes sociais como ferramentas ambíguas: devido ao seu
caráter expositivo, elas tanto ajudam a começar um relacionamento como
podem empurrá-lo ladeira abaixo.
Justificativa-
explicação
informativa
Segundo Adriano de León, professor e antropólogo da Universidade
Federal da Paraíba, as mídias sociais representam tais riscos porque são mal
utilizadas pelos jovens, na medida em que eles publicam toda sua vida
nelas, encarando-as como um diário e abrindo mão da privacidade,
tornando-se vítimas de suas próprias publicações. É necessário que se pense
o quão saudável é se dedicar tanto a alimentar esses sites em detrimento das
relações físicas, pessoais, não virtualizadas
Justificativa-
explicação
Necessidade
de resgates
Fazer pamonha, como diz Cortella ao advogar o resgate das relações
familiares, ajuda a estabelecer novamente o contato real entre as pessoas.
Mas a questão não é meramente uma disputa entre o virtual e real, e sim a
tentativa de encontrar e promover um equilíbrio entre eles, permitindo que
se aproveite ao máximo o que os dois mundos têm a oferecer.
Conclusão
opinativa
Mas a questão não é meramente uma disputa entre o virtual e real, e sim a
tentativa de encontrar e promover um equilíbrio entre eles, permitindo que
se aproveite ao máximo o que os dois mundos têm a oferecer.
124
As justificativas explicitadas de “malefícios” e “benefícios” são apresentadas como
argumentos de legitimidade e provas, recorrendo a dois autores de reconhecido saber com suas
publicações.
4.3.2 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas do texto oral para o escrito
Nesta retextualização, serão feitas observações que objetivam mostrar, além das
diferenças peculiares de cada modalidade da língua nos dois textos do informante 4, as
principais estratégias realizadas na passagem do texto oral para o texto escrito. Observe-se que
tanto o texto oral como o escrito foram produzidos por usuário experiente em lidar com a língua
portuguesa.
Por um lado, nota-se um texto oral bastante elaborado, com grande preocupação de ser
claro por parte do informante, além de uma intenção de se aproximar de um dialeto social culto,
apesar de aparecerem, em alguns trechos, expressões típicas da fala coloquial, mais próprias de
alguns dialetos populares, notando-se uma mescla entre eles – “a superposição dos dialetos, a
contínua troca de um pelo outro” (PRETI, 2003a, p. 30). Embora, como já dito, o informante
se utilize de uma linguagem de maior prestígio social, ainda que produzida em situação de fala
espontânea. Por outro lado, o texto retextualizado apresenta um nível de linguagem um tanto
mais elaborado, considerando nível e padronização apropriados para um texto escrito e para o
gênero em questão.
A seguir, veremos com mais detalhes cada passo das operações no processo de
retextualização:
(1ª operação): claramente aplicada. Observe-se que são eliminadas marcas
interacionais características da conversação. Para citar como exemplo, em L11, o
trecho do texto falado a seguir: “são coisas incríveis né?” e, em L18, 19: “e
colaborar com elas né?”, são trechos que mostram uma interação em tempo real,
eliminados, portanto no texto escrito. Ainda se nota esta operação quando da
eliminação de hesitações e partes de palavras, como em L2 “e até que ponto...ahn::
deve-se levar isso...”, em L3 “deve se levar isso tão a sério...é::”; percebe-se,
portanto, nesses dois segmentos, que as reticências (...) após “isso” indicam uma
interrupção na fala devido a uma má seleção futura, resultando em um enunciado
ainda por concluir (cf. Fávero; Andrade; Aquino, 2012, p. 60) – o que ocorreu no
segundo segmento, ou seja, “isso tão a sério...é::”. Da mesma forma, hesitação,
125
decorrente de reformulação, ocorre também em L38 “vítimas de todo esse movimento
ah::... isso causa sei lá” e, assim, em outras partes do texto falado. Para esta
operação, ainda foram notadas interrupções e partes de palavras, como em L51 “com
conexão inter... éh:: à internet...é”. Todos esses tipos de segmentos não apareceram
no texto escrito: foram estrategicamente eliminados na retextualização com base na
idealização linguística da modalidade escrita.
(2ª operação): claramente aplicada. A entonação e, na maioria das vezes, as pausas
(indicadas pelas reticências) no texto falado, constituem-se, de certo modo, numa
base para a introdução da pontuação na retextualização escrita. Veja-se, por exemplo,
que o fragmento, em L11, “são coisas incríveis né?...”, no texto falado, serviu de
base para um ponto-final no texto escrito “são coisas incríveis.” (veja L5 do texto
escrito). Ainda sobre esta operação, observe-se que, em L35, L36, o trecho “acabam
publicando a vida toda na internet né?...”, no texto falado, que corresponde ao
mesmo tópico no texto escrito em L21, coincide com uma vírgula no texto escrito,
no lugar de uma pausa no texto falado: “jovens, na medida em que eles publicam
toda sua vida nelas,” (, - vírgula). Esses fragmentos, em destaque foram, aqui, postos
apenas a título de exemplificação, mas numa análise completa dos dois textos (oral e
escrito) aferir-se-ão vários segmentos em que há substituição de alongamentos,
hesitações (também por reticências), no texto oral, pela pontuação no texto escrito,
em adequação à escrita;
(3ª operação): aplicada em parte. A aplicação em parte desta operação deve-se,
principalmente, porque, apesar de o texto falado ser monologado, o informante não
se utiliza de pronomes egóticos (eu, meu). Contudo, a eliminação de repetições,
redundâncias, excesso de paráfrases aparecem, de forma contundente, nesta
retextualização. Para citar apenas alguns exemplos, note-se que em L1, L2, do texto
oral, aparecem 3 trechos iguais “pensar até que ponto isso é saudável até que ponto
vale a pena trocar” e “e até que ponto...ahn::”, revelando repetições no ato de dizer
do informante. Ainda em L16, L17, do texto oral, verificam-se, por sua vez, trechos
nos quais as paráfrases estão evidentes: “pensando numa teoria nova sei lá...
numa...chamada teoria da copre...copresença virtual”, assim como em L17, L18
“teoria da copresença virtual ou seja tentando estimular nos...nos funcionários a
capacidade”. Note-se que as expressões “sei lá” e “ou seja” introduzem
pensamento novo para explicar melhor o anterior, reformulando enunciados já ditos,
126
mas que não foram bem explicitados no entender do informante (cf. Fávero, Andrade
& Aquino, 2012, p. 62). Notam-se paráfrases ainda em L23, 24: “com um processo
e...sei lá o esfriamento das relações humanas”; de modo que a palavra processo é
melhor explicada a seguir “o esfriamento das relações humanas”. Portanto, mesmo
sem algum conector explícito, essas paráfrases vão fazendo do texto falado uma
grande conexão de significados e sentidos, como entre outros vários exemplos em
que elas aparecem no texto falado, como intrinsecamente ligadas a ele;
(4ª operação): aplicação evidente. A paragrafação, estratégia de inserção do texto oral
para o escrito, segue sem modificação relevante na ordem dos tópicos discursivos
nesta restextualização, salvo raras exceções. Observe-se que o tópico “relações
interpessoais”, no início do texto oral (L1-L5), evidentes pelas expressões “relações
humanas/relações virtuais”, que voltam em L24, L25, vai aparecer no 2º parágrafo
do texto escrito, a partir de L14, até L18, de modo mais contundente. Em L13 do
texto oral, o trecho “fundamental que empresas...usam as redes...como um canal de
comunicação” cujo tópico é o uso das redes sociais no mundo empresarial, por
exemplo, aparece ainda no 1º parágrafo no texto escrito: “empresas fazem uso dessas
mídias, transformando-as em canais de comunicação” (veja L7). Assim, seja por
condensação ou por reordenação, os tópicos são redistribuídos nos quatro parágrafos
do texto escrito, mas, como se vê, não houve grandes modificações na ordem das
posições de uma modalidade para a outra;
(5ª operação): operação ligada estritamente à metalinguagem, geralmente operada
por dêiticos (MARCUSCHI, 2010, p. 75). Operação não muito aplicada nesta
transposição, visto que essas estratégias, operadas, principalmente, por pronomes
demonstrativos, ocorrem tanto no texto falado quanto no escrito. Veja-se, por
exemplo, em L1, L2 do texto falado “pensar até que ponto isso é saudável até que
ponto vale a pena trocar as relações humanas pelas relações virtuais” que a
expressão “isso é saudável” é explicada no enunciado a seguir. De igual modo, em
L38, L39, em que aparece a expressão “isso causa” no segmento “vítimas de todo
esse movimento ah::... isso causa sei lá faz com que as pessoas se sintam traídas
virtualmente né?” é explicitada no enunciado seguinte. No entanto, essa estratégia,
a metalinguagem com intuito de explicitude, não ocorre, pois, embora verificada no
texto falado, ela não aparece no texto escrito.
127
(6ª e 7ª operações): claramente realizadas, com poucas exceções. A eliminação de
estruturas truncadas (o truncamento é típico da língua falada). As inadequações nas
concordâncias verbal e nominal não operam mudanças, visto que elas não aparecem,
com destaque, em nenhuma das duas produções, exceto neste trecho em L37, L38 do
texto falado “que elas se torne vítimas”.
No caso destas operações, a mudança mais significativa, nesta transposição, residiu em
novas estruturas sintáticas e nova seleção do léxico visando maior formalidade para adequação
à escrita. Por exemplo, em L5, do texto falado, em que aparece “fazem...ou acessam... é isso
aí” e, no segmento seguinte, L6 aparece “bom...é::...é impossível”; nesses dois segmentos,
notam-se expressões informais e típicas da fala: “é isso aí” e “bom...é::...é impossível
imaginar”. Em L16, a expressão “sei lá...”e “você não precisa tá em casa” em L52, L53, do
texto falado, foram objetivamente substituídas por expressões mais formais. Observe-se que o
segmento “É impossível imaginar” em L1 do texto escrito aparece como substituto do
segmento “bom...é::...é impossível imaginar”, em L6 do texto oral.
(8ª e 9ª operações): Operações estrategicamente aplicadas, principalmente no que diz
respeito à condensação das ideias argumentativas, no sentido de sintetizá-las. A título
de exemplificação, observe-se as expressões no texto falado: “até que ponto vale a
pena trocar as relações humanas pelas relações virtuais...” (L1, L2); “é:: pensar
que isso pode estragar (um amor)” (L3); “tudo é muito...é tudo muito exagerado e
que as pessoas acabam publicando a vida” (L35)“toda na internet né?...como se
isso fosse um diário” (L36). Ainda em L1, L2, o informante dá sinais de que seus
argumentos serão guiados no sentido de reprovar os exageros do uso das redes
sociais, conforme se nota, em L3, no trecho “[...] que isso pode estragar (um amor)”;
em L35 e L36, a relação entre as redes sociais e um diário pessoal (onde as
informações ficam restritas a quem escreve) também corroboram seu ato de dizer. Já
na retextualização, como era de se esperar, verificam-se segmentos mais
condensados para expressar a mesma informação: “devido ao seu caráter
expositivo” (L17). Seguindo, ainda, acerca da argumentação, veja-se que em L21,
L22, L23, o trecho “encarando-as como um diário e abrindo mão da privacidade,
tornando-se vítimas de suas próprias publicações” encerra, nele mesmo,
informações precisas acerca do perigo de se expor nas redes sociais; enquanto no
texto falado essas informações são introduzidas e retomadas ao longo da produção.
128
Logo, constatou-se que a transformação mais notável, nesta retextualização, se
apresentou no enxugamento geral do texto, consequência da adaptação à escrita. Quanto a isso,
o texto original oral possuía 676 palavras, de todas as classes gramaticais; na produção escrita,
porém, o texto tem um número bastante reduzido: 352 palavras. O número encontrado
representa uma redução de - (menos) 47,93%.
Em síntese, os resultados obtidos das análises da retextualização produzida pelo
informante 4 indicam que:
O informante retematiza o tema proposto na solicitação feita pelo investigador, ou
seja, “Redes sociais: benefícios e malefícios para a sociedade” é retematizada em
“relações humanas e relações virtuais”, embora mantenha explicações para os
valores positivos “os benefícios” das redes sociais e valores negativos para “os
malefícios” das redes sociais”;
As operações utilizadas para transposição do texto oral para o escrito, conforme
elencadas por Marcuschi, são rigorosamente aplicadas nesta retextualização, com
exceção da 5ª operação – não muito notada –, de acordo com as análises já acima
relatadas. De forma geral, o produtor preocupa-se, durante a construção referencial
do texto escrito, em manter as formas referenciais lexicais do texto oral substituindo-
as, às vezes, por outras, e por vezes eliminando-as, na progressão semântica. Em
razão disso, a diminuição do número de palavras no texto escrito tornou-se evidente;
A organização textual deste informante foi realizada com a sequência textual
explicativa, de forma a explicar “relações pessoais” e “relações virtuais”,
atribuindo à primeira expressão valores positivos e, à segunda, valores positivos e
negativos.
Assim, o informante 4 produz, na retextualização, um texto opinativo de uma tese,
seguindo o esquema textual dissertativo-opinativo explicativo.
É interessante observar que o informante 4 constrói, no sentido do uso das redes
sociais, praticamente a mesma opinião em seus textos – oral e escrito – dos
informantes 2 e 3, ou seja, “saber usar adequadamente as redes sociais”,
resguardadas, apenas, as particularidades de estilo e escolhas lexicais de cada
produtor.
Conforme já visto no capítulo anterior, os resultados obtidos dos informantes alunos, bem
como os resultados obtidos neste capítulo, indicam que a opinião emitida pelos informantes já
129
era de conhecimento mútuo e participava de suas cognições sociais e, por essa razão, os
informantes alunos 2 e 3 e o informante 4 – professor -, apesar de opinarem, também não
construíram uma opinião individual, pois aderiram a um saber pré-construído, e seus textos são
paráfrases da mesma opinião, levando em consideração o saber socialmente compartilhado
acerca do referente e da tematização abordados.
Como se sabe, o discurso didático-pedagógico constrói-se tanto por manuais didáticos
quanto em sala de aula pela sequência explicativa. Pode-se concluir daí o porquê de as
sequências explicativas aparecerem, majoritariamente, nas produções dos informantes aqui
trabalhadas.
Dessa forma, as condições de produção discursiva requerem explicações, na medida em
que o papel do professor é investido de autoridade por ter a posse de um “saber” e o papel dos
alunos é representado pelo “não-saber”. Sendo assim, é necessário “fazer conhecer” ou “fazer
saber”, para quem desconhece as questões tratadas nas explicitações de conhecimento do saber
social compartilhado ou do conhecimento científico, dado que, em sua maioria, os alunos ainda
não são capazes de fazer as inferências necessárias para a questão tratada no ensino.
Por conseguinte, esses resultados confirmam a proposta de Bazerman (2011), segundo a
qual o gênero textual é definido pelo seu uso em sociedade, nas interações soiocomunicativas.
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término desta dissertação, revemos os objetivos que orientaram esta investigação,
considerando o objetivo geral e os objetivos específicos.
1) Objetivo geral:
Contribuir com estudos de retextualização relacionados à produção textual escrita, tendo
como base produções textuais-discursivas na modalidade oral.
Acreditamos, com a pesquisa realizada, ter contribuído com a produção textual de alunos
no término do curso secundário, em vias de se tornarem candidatos ao vestibular.
A retextualização realizada pelos informantes alunos e pelo informante professor
possibilitou-nos oferecer um diagnóstico das produções textuais em sala de aula, ainda que
limitado, por se tratar de uma pesquisa sem pretensão na quantificação dos números de
produções textuais de alunos do 3º ano do ensino médio.
Ainda, assim, os resultados obtidos indicam que, embora parte do professorado busque
seguir as orientações contidas nos PCN, elas não são suficientes para serem aplicadas em sala
de aula, pois não propiciam o ensino de produção de textos opinativos individuais,
principalmente em se tratando do processo de retextualização discutido nesta pesquisa.
2) Objetivos específicos:
a) confrontar a produção oral com a produção escrita de três alunos do 3º ano do ensino
médio de uma escola pública estadual, em São Paulo.
Acreditamos que este objetivo tenha sido cumprido, pois foi realizado um confronto entre
o texto oral e sua retextualização, em texto escrito, por informantes alunos. Verificamos que a
avaliação feita pelos professores, e usada como critério de escolha para inclusão dos
informantes nesta pesquisa, classificando os alunos informantes 2 e 3 como bons redatores e o
aluno informante 1 como mau redator, considerando produções anteriores de suas redações, em
sala de aula, foi confirmada.
O informante 1, considerado mau redator, não apresenta diferença significativa entre seu
texto oral e seu texto escrito, exceto acerca do que é óbvio como, por exemplo, pausas e
alongamentos. Desconhece as operações de retextualização, seu texto escrito é organizado sem
131
paragrafação, sem seleção lexical própria da modalidade; de igual modo, para este produtor, foi
verificado baixo grau de consciência linguística acerca da forma de operação de cada
modalidade da língua. Portanto, as operações de retextualização são muito pouco conhecidas
por parte deste produtor.
Os informantes alunos 2 e 3, considerados bons redatores por seus professores, tendo em
vista as produções de suas redações anteriores em sala de aula, apresentaram diferenças
significativas entre seus textos orais e escritos, pois houve, na retextualização, a introdução da
paragrafação, seleção gramatical mais adequada à escrita, reordenação dos tópicos, aplicação
diferenciada da referenciação na progressão semântica de seus textos, entre outras coisas.
b) confrontar a produção oral com a produção escrita de um professor do ensino médio
de uma escola pública estadual, em São Paulo.
Acreditamos que esse objetivo, também, tenha sido cumprido. Realizamos o confronto
do texto oral produzido pelo informante professor com seu texto escrito e constatamos que o
informante professor possui conhecimento acerca das aplicações das operações de
retextualização, conforme trabalhadas nesta pesquisa. Seu texto escrito apresenta
recategorização do referente, progressão semântica adequada e a expressão de uma opinião
clara com o uso adequado da norma padrão gramatical da língua portuguesa.
c) verificar, nesses textos, quais estratégias foram aplicadas na retextualização dos alunos
e do professor, levando em consideração a adequação à modalidade escrita da língua.
De igual modo, acreditamos ter cumprido esse objetivo. Os resultados obtidos indicam
que o informante 1 apresenta dificuldades quanto à aplicação das estratégias de retextualização,
pois seu texto escrito ficou, praticamente, da mesma forma de produção do oral, preservadas as
particularidades de cada modalidade.
Quanto aos informantes alunos 2 e 3, notou-se maior capacidade na aplicação das
estratégias de retextualização, como podem ser verificadas nas análises contidas no capítulo III.
Quanto ao informante 4, constatou-se, também, notável capacidade de aplicação das
operações de retextualização, como podem ser verificadas nas análises existentes no capítulo
IV.
Os resultados obtidos indicam, ainda, que, para o texto escrito, as sequências textuais
realizadas pelos informantes 2 e 3, e pelo professor, são as organizadas, dissertativamente, pela
sequência textual explicativa de uma tese, constatando-se que apenas o informante 1 produziu
seu texto escrito interrompido e, portanto, sem a conclusão de uma opinião. Dessa forma, nota-
se, que este último informante produziu um texto informativo e explicativo, não,
necessariamente, opinativo.
132
Ademais, esta dissertação se propôs a responder as seguintes questões:
Questão 1 - como inserir a oralidade em sala de aula, deixando claro aos discentes a
grande variedade de possibilidades, situações e momentos de uso da língua?
Já nos dois primeiros capítulos desta dissertação, há argumentos que respondem a esta
pergunta, bem como propostas de inserção de ensino da modalidade oral da língua em sala de
aula, principalmente no primeiro capítulo, pois introduzir a oralidade na educação secundária
não consiste, apenas, em solicitar aos alunos que produzam um texto oral a respeito de um
referente ou que conversem entre si espontaneamente a respeito de determinado assunto.
O texto oral, embora tenha características específicas, por ser produzido face a face
locutor/interlocutor, salvo poucas exceções, requer uma série de passos com o objetivo de
sistematizar o ensino dessa modalidade, de modo a proporcionar aos alunos momentos de
aprendizagem individuais e grupais, levando em consideração, principalmente, as diversas
possibilidades dessas aprendizagens como, por exemplo, gravações das falas espontâneas dos
próprios alunos ou de outros indivíduos e grupos, gravações de áudios, com ou sem imagens,
de jornais televisivos, ou áudios em programas radiofônicos, gravações de conversas
telefônicas, entre outras.
Dessa forma, e com a clareza nos objetivos finais, é que o professorado pode construir
seu aparato didático-pedagógico no ensino da oralidade, sempre buscando melhorar a
capacidade discursiva do alunado – que deve ser o objetivo final –, a fim de lhes proporcionar
consciência discursiva para entender os diversos modos de manifestação dessa modalidade, em
determinados e específicos usos.
Questão 2 – Como anular o mito da superioridade da escrita e, de igual modo, o
preconceito de que a fala é lugar da desordem e da informalidade?
No segundo capítulo dessa dissertação, encontram-se discussões teóricas que objetivaram
responder esta pergunta. No referido capítulo, há uma série de postulações de vasto material
publicado por autores de reconhecido saber acerca da refutação do mito de que a escrita é
superior à fala e que esta é o lugar da desordem e do caos gramatical e aquela, por sua vez, é o
lugar da ordem e do bom uso da língua.
O que se deve considerar, no entanto, desde que se observem as variadas condições de
produção discursiva, é que há semelhantes atuações dessas duas formas de manifestação da
133
língua e que ambas fazem parte de mesma complexidade linguística, diferenciando-se, apenas,
em duas modalidades distintas – a oral e a escrita –, adequando-se às condições de produção
discursiva em momentos específicos de suas manifestações.
Sendo assim, o texto oral diferencia-se, essencialmente, dentre outras coisas, do texto
escrito, devido à presença e à distância dos interlocutores/leitores no tempo e no espaço:
enquanto no texto oral há várias manifestações peculiares à fala, como as entonações,
reduplicações, autocorreções em tempo real, pausas, o caráter da imprevisibilidade,
principalmente em conversações espontâneas; no texto escrito, há outras formas de
procedimentos também peculiares a esta modalidade, como o tempo que o produtor dispõe para
efetuar correções, visto que ele pode escrever, apagar, reescrever seu texto antes da produção
final, a particularidade da grafação, a opção da copidescagem, em casos específicos na escrita,
a divisão do texto em parágrafos – uma das unidades de construção do texto escrito (cf. Fávero,
Andrade & Aquino, 2012, p. 27), entre várias outras.
Dessa forma, o professorado pode conduzir sua abordagem levando em consideração
todo esse conjunto de conhecimento, informando ao alunado que as duas modalidades da língua
podem, sim, ser praticadas em situações formais, informais, mais tensas ou menos tensas,
dependendo da situação de produção, mas nunca em dicotomias que elevem uma modalidade a
um status superior em detrimento da outra.
Questão 3 – Como inserir na prática pedagógica em sala de aula uma visão de ensino de
Língua Portuguesa na qual haja observação sobre o uso da modalidade oral da língua em
coexistência com a modalidade escrita?
No primeiro e segundo capítulos desta pesquisa, também se encontram, teoricamente
discutidas, nuances acerca do ensino da oralidade em consonância com a escrita, bem como nos
capítulos III e IV, nos quais se encontram discussões acerca de práticas pedagógicas
direcionadas no sentido de desenvolver princípios de ensino e de aprendizagem da produção
oral em comparação com a escrita.
Assim, uma prática pedagógica que una em sala de aula uma visão de ensino de Língua
Portuguesa observando o uso da modalidade oral da língua, em coexistência com a modalidade
escrita e suas variedades linguísticas, requer reconhecer, por parte do professorado, entre outras
coisas, a variedade oral utilizada pelo aluno e respeitá-la, dando-lhe a oportunidade de saber
que seu uso e aplicação dependerá de seus interlocutores/leitores, bem como do momento de
uso.
134
Porém, deve ser dado a esse aluno o direito de aprender/conhecer, também, qual é a
variedade oral do padrão real, bem como a variedade conhecida “como língua-padrão, o dialeto
culto (que) serve diretamente às intenções do ensino, no sentido de padronizar a língua, criando
condições ideais de comunicação entre as várias áreas geográficas” (PRETI, 2003a, p. 31) usada
pelas pessoas de média e alta escolaridade e da qual o professorado se utiliza. O aluno, portanto,
precisa conhecê-la para saber usá-la adequadamente, quando as condições de produção
discursiva assim o requererem. Em outros termos, essa proposta também é expressa por Bechara
(2008) que postula que a educação linguística deve ter o propósito de tornar o aluno um
poliglota na sua própria língua.
Para finalizarmos, gostaríamos de dizer que a presente pesquisa não se quer conclusa,
nem foi sua pretensão. Em verdade, ela somente oferece um diagnóstico das condições de
produções textuais de retextualizações – do texto oral para o escrito -, de três alunos do 3º ano
do ensino médio e de um professor, também, do ensino médio, todos de uma mesma escola
pública estadual, em São Paulo. Todavia, os resultados apresentados abrem perspectivas para
novas pesquisas, fazendo-se necessário diagnosticar as diferentes dificuldades de nossa
clientela estudantil atual e realizar uma série de pesquisas em busca de encaminhamentos para
mudança e melhoria da atual situação.
Num país que, por meio de sua política educacional, principalmente na rede pública do
ensino secundário, não considera as reais dificuldades, em sala de aula, nas interações
professor-aluno e, de igual modo, não considera como formar sujeitos pensantes capazes de
construir opiniões individuais, não haverá brasileiros que possam mudar, pela escola, mentes
dominadas pelo poder, incapazes de julgamentos próprios e de decisões necessárias.
135
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out. 2015, às 22h.
138
ANEXOS
139
ANEXO A – NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO DO PROJETO NURC2
Observações:
1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.).
2. Fáticos: ah, éh, ahn, ebn, tá (não porestá: tá? Você está brava?).
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
4. Números: por extenso.
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa).
6. Não se anota ocadenciamento da frase.
7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh::...(alongamento e pausa).
Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula, ponto
final, dois-pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa.
2 PRETI (Org.), 2003, p. 14.
140
ANEXO B – NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO
141
ANEXO C – ANÁLISE DE TEXTOS ORAIS
142
ANEXO D - TEXTO ESCRITO (INFORMANTE 1)
143
ANEXO E - TEXTO ESCRITO (INFORMANTE 2)
144
145
ANEXO F - TEXTO ESCRITO (INFORMANTE 3)
146
ANEXO G - TEXTO ESCRITO (INFORMANTE 4)
Benefícios e malefícios das redes sociais
É impossível imaginar o mundo de hoje sem algumas ferramentas que se
mostram essenciais para vida em sociedade, e a internet, com toda a facilidade,
comodidade e agilidade que oferece, talvez seja a mais indispensável. Compartilhar e
trocar informações com alguém que está do outro lado do planeta, como se estivesse
bem ao lado, em questão de segundos, são coisas incríveis. Na comissão de frente
desses processos todos estão as redes sociais. Elas se mostram tão fundamentais
que empresas fazem uso dessas mídias, transformando-as em canais de
comunicação e divulgação de sua marca, produtos e serviços. Algumas chegam até
a incentivar o uso de tais ferramentas de comunicação por seus funcionários,
estimulando-os a interagir e colaborar, à distância, na resolução de pequenos
problemas, o que alguns especialistas chamam de teoria da copresença virtual.
Apesar de todo avanço tecnológico e comercial proporcionado pelas redes
sociais, é preciso tomar cuidado com os efeitos delas em outro aspecto mais
importante e mais frágil que os negócios: as relações interpessoais. Uma pesquisa
feita pela McAfee, a maior empresa do mundo dedicada à tecnologia de segurança,
revela que 44 por cento dos jovens brasileiros que namoram veem as redes sociais
como ferramentas ambíguas: devido ao seu caráter expositivo, elas tanto ajudam a
começar um relacionamento como podem empurrá-lo ladeira abaixo.
Segundo Adriano de León, professor e antropólogo da Universidade Federal da
Paraíba, as mídias sociais representam tais riscos porque são mal utilizadas pelos
jovens, na medida em que eles publicam toda sua vida nelas, encarando-as como um
diário e abrindo mão da privacidade, tornando-se vítimas de suas próprias
publicações. É necessário que se pense o quão saudável é se dedicar tanto a
alimentar esses sites em detrimento das relações físicas, pessoais, não virtualizadas.
Fazer pamonha, como diz Cortella ao advogar o resgate das relações
familiares, ajuda a estabelecer novamente o contato real entre as pessoas. Mas a
questão não é meramente uma disputa entre o virtual e real, e sim a tentativa de
encontrar e promover um equilíbrio entre eles, permitindo que se aproveite ao máximo
o que os dois mundos têm a oferecer
(F.S.S.C.)
147
ANEXO H – MODELO DAS OPERAÇÕES TEXTUAIS-DISCURSIVAS NA
PASSAGEM DO TEXTO ORAL PARA O TEXTO ESCRITO