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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Edson Santana da Silva A construção do texto: do oral ao escrito a retextualização Mestrado em Língua Portuguesa São Paulo 2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Edson Santana da Silva

A construção do texto: do oral ao escrito – a retextualização

Mestrado em Língua Portuguesa

São Paulo

2016

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Edson Santana da Silva

A construção do texto: do oral ao escrito – a retextualização

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção do

título de MESTRE em Língua Portuguesa, sob

a orientação da Profa. Dra. Regina Célia

Pagliuchi da Silveira.

São Paulo

2016

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Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

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DEDICATÓRIA

Um ser que é mãe

Um amor que existiu e que transcendeu coisas efêmeras;

ultrapassou limites de compreensão; amou sem nunca ter

sido correspondida; doou-se no mais deleitável amor

incondicional; dedicou-se até não mais suportar o tempo,

que a venceu; andou por terrenos tenebrosos, resistiu sem,

muitas vezes, conhecer um afago acolhedor; travou guerras

sentimentais, envolta em tempestades mentais; lutou para

protelar sua partida por amor dos que, aqui, ainda estão;

foi irmã, foi amiga, foi pai, foi mãe, foi alegria, foi dor, foi

tristeza, foi amor.

A ti, mãe, por tudo que hoje sou; pelo homem que me tornei,

pelo amor com que me amou, pelos afagos, pela educação

recebida, pela memória que deixaste, pelas lições de vida

que me ensinaste, pelo que fui, pelo que serei: sou

eternamente grato.

Àquele que criou todas as coisas, que me auxilia nos

momentos difíceis e me orienta em todos os momentos.

Àquele a quem devo minha vida e minha esperança de

viver: ao Deus eterno imortal, invisível, mas real.

À minha família, esposa e filhos.

Aos meus filhos Aminadabe e Saulo Silas, dois dos bons

motivos para eu ter empreendido o objetivo de realizar

esta pesquisa.

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Agradeço ao CNPQ pela bolsa concedida.

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Agradecimentos

À Professora Doutora Regina Célia Pagliuchi da Silveira, pela paciência e compreensão, e pela

oportunidade que me deu de compartilhar de seu conhecimento.

Às Professoras Doutoras Nancy dos Santos Casagrande e Paula Pinho Dias, pela atenção e pelas

pertinentes considerações sobre esta dissertação, no momento da qualificação.

À minha mãe (in memorian) que, mesmo não estando aqui neste importante momento da minha

vida, contribuiu, sobremaneira, ao longo de sua existência, para que eu tivesse oportunidade de

tomar decisões importantes na vida e acreditar nela.

À minha esposa pelo auxílio e incentivo.

Aos meus alunos, que me serviram de informantes para que esta pesquisa fosse possível e que,

por isso, me estimularam na luta por uma educação mais eficiente, justa e mais igualitária.

A todos os meus irmãos e irmãs, sobrinhos e sobrinhas que, de algum modo, me incentivaram

a realizar este trabalho.

Aos meus filhos Aminadabe e Saulo Silas pela compreensão e pelo incentivo.

A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta

dissertação.

A todos, os meus sinceros agradecimentos.

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Resumo

Esta dissertação de mestrado, realizada no Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua

Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, propõe-se a fazer um estudo da

construção e organização textuais sob a perspectiva da atividade de retextualização,

considerando a base dessa atividade a modalidade oral da língua para se obter resultados

satisfatórios no texto escrito. Usualmente, a escola tem valorizado a escrita como objeto de

estudo em detrimento da oralidade. Entretanto, nas últimas décadas, no Brasil, o

desenvolvimento de linhas de pesquisas linguísticas que colocam as duas modalidades da língua

– a oral e a escrita – no mesmo patamar tem possibilitado maior reconhecimento da oralidade

e, consequentemente, maior preocupação e mais estudos no tratamento das estratégias

realizadas na passagem do texto falado para o texto escrito. Este trabalho intenta contribuir para

uma perspectiva de formação linguística mais vasta, discutindo e propondo caminhos para

abordagens didático-pedagógicas da construção do texto, sob o viés da retextualização. Os

objetivos específicos são: 1) identificar a estrutura e as características funcionais da modalidade

oral; 2) identificar a estrutura e as características da modalidade escrita; 3) mostrar semelhanças

e diferenças entre essas duas modalidades; 4) apresentar uma proposta para o ensino de

produção textual, a partir do processo de retextualização, visando a competência comunicativa

e de produção textual do aluno. As teorias que deram sustentação a esta pesquisa consistiram

na Análise da Conversação, na Sociolinguística interacional e na Linguística Textual. A

primeira e a segunda fundamentaram o estudo da organização, construção e os principais

aspectos do discurso oral, bem como os aspectos sociais da língua. A terceira, por sua vez,

forneceu subsídios, por meio de estudos atualizados, para o entendimento de práticas de

produção textual e práticas de ensino dessa produção.

Palavras-chave: oralidade, escrita, prática social, competência comunicativa, retextualização.

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ABSTRACT

The aim of this dissertation, held at the Postgraduate Studies Programme in Portuguese at

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, is to study the construction and textual

organization from the perspective of retextualization activity, taking the oral form of the

language as the basis to obtain satisfactory results in the written text. At school, writing is

usually taken as an object of study at the expense of orality. However, in the last decades, in

Brazil, the development of linguistic research lines that put the two modes of language - oral

and written - at the same level has allowed greater recognition of orality and hence greater

concern and further studies on the strategies carried out in the passage of the spoken text to

written text. Our main objective is discuss some pedagogical approaches to work with text

construction, through retextualization. The specific objectives are: 1. Identify the structure and

functional characteristics of the oral form. 2. Identify the structure and characteristics of the

written form. 3. Show similarities and differences between the oral and written forms. 4.

Introduce a proposal to teach the textual production through the retextualization process aiming

at the communicative competence of the student. The theories that support this research is the

analysis of conversation, interactional sociolinguistics and textual linguistics. The first and

second theories deal with the study of the organization, construction and the main aspects of

the oral discourse, especially as a contextualized practice. The third one has provided

information for the understanding and teaching of text production.

Keywords: speaking, writing, social practice, communicative competence, retextualization.

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Lista de quadros

Quadro 01- Dicotomias estritas .......................................................................... 54

Quadro 02- Possibilidades de retextualização ................................................... 65

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Sumário

Introdução ................................................................................................................................................ 12

Capítulo 1 - Delineando o problema ...................................................................................................... 16

1.1 A tradição da escola brasileira e o ensino de Língua Portuguesa: breves considerações .............. 17

1.2 Oralidade e escrita sob o olhar dos PCN ........................................................................................ 19

1.3 O ensino de Língua Portuguesa à sombra dos PCN ....................................................................... 25

1.4 A relevância de uma abordagem pedagógica da oralidade sob o viés da retextualização ............... 29

Capítulo 2 - Oralidade, letramento e escrita como práticas sociais .................................................... 42

2.1 Letramento, alfabetização e escolarização: três práticas imbricadas.............................................. 46

2.2 Língua falada e língua escrita: dialogismo ou dicotomia? ............................................................. 50

2.3 Estudos da língua falada: a organização da conversação ............................................................... 55

2.3.1 O turno conversacional ......................................................................................................... 58

2.3.2 O tópico discursivo................................................................................................................. 59

2.3.3 Os marcadores conversacionais.............................................................................................. 61

2.4 O Processo de retextualização e as estratégias para a reconstrução da produção textual................. 64

2.4.1 Transcrição e retextualização ................................................................................................. 66

2.4.2 O fluxo dos processos de retextualização .............................................................................. 68

2.5 Estratégias de produção textual sob o viés sociointeracionista.................................................... 71

2.5.1 A referenciação ...................................................................................................................... 73

2.5.2 A referência e os processos de referenciação......................................................................... 75

2.5.3 A referenciação e a construção do ponto de vista................................................................... 78

2.6 Esquema textual do dissertativo ..................................................................................................... 79

2.6.1 Dissertativo explicativo ......................................................................................................... 80

2.6.2 Dissertativo argumentativo .................................................................................................... 81

Capítulo 3- A teoria respaldando a prática - informantes: alunos ..................................................... 84

3.1 Informante 1 (estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo masculino, 18 anos) ..................... 84

3.1.1 Texto-base (oral/transcrito) número1 .................................................................................... 84

3.1.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ..................................... 84

3.1.1.2 A Referenciação no texto oral do informante 1 ............................................................ 85

3.1.2 Texto transformado (a retextualização escrita final número 1) ............................................. 87

3.1.2.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ...................................... 87

3.1.2.2 A Referenciação no texto escrito do informante 1 ....................................................... 88

3.1.2.3 A organização textual na produção escrita do informante 1 ........................................... 88

3.1.2.4 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral

para o texto escrito ...................................................................................................................

89

3.2 Informante 2 (estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo feminino, 17 anos)........................ 91

3.2.1 Texto-base (oral/transcrito) número 2 .................................................................................... 91

3.2.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ........................................ 91

3.2.1.2 A Referenciação no texto oral da informante 2 ............................................................ 92

3.2.3 Texto transformado (a retextualização escrita final número 2) ............................................ 94

3.2.3.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ........................................ 94

3.2.3.2 A Referenciação no texto escrito da informante 2 ....................................................... 95

3.2.3.3 A organização textual na produção escrita da informante 2 .......................................... 97

3.2.3.4 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral

para o escrito .............................................................................................................................

98

3.3 Informante 3 (estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo masculino, 17 anos) ..................... 101

3.3.1 Texto-base (oral/transcrito) número 3 .................................................................................... 101

3.3.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ........................................ 101

3.3.1.2 A Referenciação no texto oral do informante número 3 ............................................... 102

3.3.2 Texto transformado (a retextualização escrita final número 3) ............................................. 105

3.3.2.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade ........................................ 105

3.3.2.2 A Referenciação no texto escrito do informante número 3 .......................................... 105

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3.3.2.3 A organização textual na produção escrita do informante 3 ........................................... 107

3.3.3 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral para o

escrito .............................................................................................................................................

108

Capítulo 4- A teoria respaldando a prática – informante: professor ................................................. 112

4.2 Informante 4 (professor de língua portuguesa do ensino médio – do sexo masculino, 30 anos -,

docente na mesma escola em que estudavam os informantes do capítulo III) ....................................

112

4.2.1 Texto-base (oral/transcrito) número 4 .................................................................................... 112

4.2.1.1 Redes sociais, benefícios e malefícios para a sociedade ............................................. 113

4.2.1.2 A Referenciação no texto falado do informante 4 .......................................................... 114

4.2.2 Texto transformado (a retextualização escrita final número 4) ............................................. 118

4.2.2.1 Redes sociais, benefícios e malefícios para a sociedade ................................................ 119

4.3 A referenciação no texto escrito do informante 4 ........................................................................... 120

4.3.1 A organização textual na produção escrita do informante 4 ................................................... 122

4.3.2 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas do texto oral para o texto escrito... 124

Considerações finais ................................................................................................................................ 130

Referências ............................................................................................................................................... 135

Anexos

Anexo A – Normas para transcrição do projeto NURC .............................................................................. 139

Anexo B – Normas para transcrição .......................................................................................................... 140

Anexo C – Análise de textos orais ............................................................................................................. 141

Anexo D - Texto escrito (informante 1) ..................................................................................................... 142

Anexo E - Texto escrito (informante 2) ..................................................................................................... 143

Anexo F - Texto escrito (informante 3) ...................................................................................................... 145

Anexo G - Texto escrito (informante 4) .................................................................................................... 146

Anexo H – Modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral para o texto escrito ........................ 147

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação, vinculada à linha de pesquisa “Texto e Discurso nas Modalidades Oral

e Escrita”, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa, da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, apresenta um estudo das modalidades da língua – oral e

escrita –, com o intuito de obter aportes que comprovem a importância do ensino de produção

textual escrita, sob o viés da retextualização – da modalidade oral para a modalidade escrita.

Trata-se de tema de suma importância, visto que “numa sociedade como a nossa, a escrita,

enquanto manifestação formal dos diversos tipos de letramento, é mais do que uma tecnologia.

Ela se tornou um bem social indispensável” (MARCUSCHI, 2010, p. 16). Apesar do vínculo

do homem com a oralidade, a instituição escolar trata o ensino de produção textual,

majoritariamente, com ênfase na escrita – dissociando-a, portanto, da oralidade –, deixando de

lado o que poderia ser um suporte de grande relevância para este ensino: a prática e a análise

de textos orais em concomitância com a prática e a análise de textos escritos, considerando,

dessa forma, a perspectiva sociointeracionista de ensino-aprendizagem.

O problema tratado é relativo à passagem do texto oral para o escrito – o que requer um

conjunto de operações textuais-discursivas, conforme postula Marcuschi (2010). Sendo assim,

esta dissertação se propõe a responder às seguintes questões:

Como inserir a oralidade em sala de aula, deixando claro aos discentes a grande

variedade de possibilidades, situações e momentos de uso da língua?

Como anular o mito da superioridade da escrita e, de igual modo, o preconceito de

que a fala é lugar da desordem e da informalidade?

Como inserir, na prática pedagógica, em sala de aula, uma visão de ensino de Língua

Portuguesa em que haja observação sobre o uso da modalidade oral da língua em

coexistência com a modalidade escrita?

A realização desta pesquisa justifica-se pela necessidade de um estudo mais aprofundado

da relação oralidade-escrita, pois, embora os PCN proponham o tratamento da oralidade no

ensino de língua portuguesa para a produção textual, ainda há uma série de dificuldades que

precisam ser vencidas. Entre elas, encontra-se o fato de a instituição escolar, ainda hoje, manter

uma visão dicotômica entre a oralidade e a escrita, de maneira a tornar essas duas modalidades

manifestações reversas entre si. Simultaneamente, ela deprecia a oralidade e supervaloriza a

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escrita por meio de um princípio errôneo e preconceituoso: quando relaciona a escrita

estritamente à formalidade, planejamento e normatividade dando à oralidade características

caóticas, sem planejamento, sem formalidade e sem normatividade.

É relevante que haja, portanto, uma revisão nessa perspectiva equivocada de que a relação

entre a prática da oralidade é dicotômica com a prática da escrita, com o intuito de “identificar

problemas e sugerir uma linha de tratamento que pode ser mais frutífera, menos comprometida

com o preconceito e a desvalorização da oralidade de uma maneira geral” (MARCUSCHI,

2010, p. 26-27), postulando que essa relação se funda num contínuo, não numa dicotomia

polarizada.

Dessa forma, é imprescindível que seja implantada na escola uma perspectiva de ensino

de produção textual mais ampla, envolvendo a produção oral do aluno, objetivando a prática da

retextualização com vistas à produção escrita em sala de aula.

Sabe-se que os alunos têm dificuldades em operar essa transposição, pois não conseguem

aplicar estratégias importantes – em grande parte por desconhecê-las –, levando-os a

apresentarem textos escritos com marcas de oralidade. Em razão disso, nossa pesquisa tem

como objetivo geral contribuir com estudos de retextualização relacionados à produção textual

escrita. Por objetivos específicos, têm-se:

confrontar a produção oral com a produção escrita de 3 alunos do 3º ano do ensino

médio de uma escola pública de São Paulo;

confrontar a produção oral com a produção escrita de um professor do ensino médio

de uma escola pública de São Paulo; e

verificar, nesses textos, quais estratégias foram aplicadas na retextualização dos

alunos e do professor, levando em consideração a adequação à modalidade escrita da

língua.

Nesta dissertação adotaram-se os seguintes procedimentos metodológicos:

análise documental;

método qualitativo; e

coleta e seleção do material para as análises.

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O material coletado para as análises demandou a escolha de informantes:

escolha geral: alunos que fossem estudantes do 3º ano do ensino médio e um

professor de qualquer disciplina que fosse docente no ensino médio;

escolha específica 1: dois alunos considerados bons redatores por seus professores,

levando em consideração as produções textuais anteriormente realizadas em sala de

aula;

escolha específica 2: um aluno considerado mau redator por seus professores,

levando em consideração as produções textuais anteriormente realizadas em sala de

aula; e

escolha específica 3: um professor do ensino médio de qualquer disciplina –

coincidentemente, o professor que aceitou participar desta pesquisa é professor de

língua portuguesa.

Quanto ao método utilizado para transcrição dos textos orais, foi adotado o mesmo

utilizado pelo projeto NURC, que possui normas previamente definidas (anexos A e B). As

gravações foram efetuadas em smartphones particulares de cada informante e controladas sob

tematização previamente estabelecida pelo investigador, a saber: “Redes sociais, os benefícios

e os malefícios para a sociedade”.

As análises tiveram os seguintes procedimentos:

segmentação do texto oral e do texto escrito de cada informante para confrontação, a

fim de verificar a capacidade de transformação da oralidade para a escrita;

confronto em busca das semelhanças e diferenças entre o texto oral e o escrito; e

exame dos textos, de modo a considerar, na passagem do oral para o escrito, a

ocorrência:

da referenciação;

do fluxo das ações que sistematizam o processo de retextualização do texto oral

para o escrito, bem como o modelo das operações textuais-discursivas; e

da organização dos textos retextualizados.

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Ainda hoje os preconceitos relacionados à oralidade, como objeto de ensino-

aprendizagem, têm levado a escola a perder perspectivas pedagógicas concernentes à língua e

ao universo de conhecimento que essa prática poderia trazer para o aluno. Entretanto, muitas

pessoas, entre elas professores, imaginam um ensino da oralidade no qual se aborde a forma de

expressão dentro da linguagem culta. Ignora-se, portanto, na maior parte do tempo, que o

usuário da língua se comunica em um contexto coloquial, sem se preocupar com os aspectos

prescritivos da língua. De fato, o que importa nesse momento para o falante é conseguir

interagir com eficiência.

Deveria ser papel primordial da escola preocupar-se com a performance comunicativa do

aluno, isto é, induzi-lo, por meio de práticas de ensino, a saber usar as modalidades da língua

adequadamente nas diferentes situações que lhe são apresentadas no dia a dia. Nessa

perspectiva, o ensino da oralidade não deve ocorrer isoladamente, sem relação com a escrita,

pois ambas possuem, entre si, relações recíprocas e intercambiáveis, conforme apontam Fávero,

Andrade e Aquino (2012). Esta dissertação, composta por quatro capítulos, pretende esclarecer

essas questões.

O capítulo 1, “Delineando o problema”, apresenta o ponto de partida para a elaboração

do problema a ser investigado nesta dissertação, que são os PCN, juntamente com

considerações de estudiosos da produção textual que tratam da oralidade e da escrita na

construção textual da comunicação. O capítulo 2, “Oralidade, letramento e escrita como práticas

sociais”, trata da revisão teórica fundamental para as análises realizadas. O capítulo 3, “A teoria

respaldando a prática – informantes: alunos”, indica os resultados obtidos das análises

realizadas na perspectiva do aluno, discutindo-os. O capítulo 4, de igual modo, “A teoria

respaldando a prática - informante: professor”, indica os resultados obtidos nas análises

realizadas, na perspectiva do professor, discutindo-os.

Nas considerações finais, serão retomados os principais pontos da pesquisa, bem como

uma pequena retomada da avaliação dos resultados obtidos e a indicação de novas perspectivas

para o ensino da produção textual escrita, tendo em vista seu relacionamento com a oralidade.

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Capítulo 1

Delineando o problema

Este capítulo apresenta um conjunto de dificuldades existentes no ensino de língua

portuguesa, no Brasil, seguido de medidas adotadas pelo governo federal, a fim de resolver tais

dificuldades. Aparecem, assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para orientar os

professores em sala de aula. A elaboração dos PCN está fundamentada em resultados científicos

obtidos por linguistas, que propõem a existência de duas modalidades da língua: a oral e a

escrita.

Segundo Urbano (1998), os usuários da língua portuguesa, de alguma maneira, possuem

um conhecimento empírico de que não falam como escrevem. O conhecimento científico desse

fato decorre de pesquisas, por meio de uma metodologia apropriada, a fim de se entender,

explicar e demonstrar racionalmente as causas dessa evidência.

Há textos escritos que apresentam similitude com textos falados, pois eles são produzidos

com marcas de oralidade e com o uso popular da linguagem. Isso acontece, segundo o autor,

por ignorância e despreparo daquele que escreve em relação às normas da língua escrita ou por

uma questão consciente de estilo. O inverso também pode ocorrer, ou seja, textos orais que

reproduzem uma estruturação frásica e cuidados próprios da língua escrita. Nesse caso, explica-

se, entre outras razões, pelos hábitos linguísticos arraigados e adquiridos por força de vários

fatores e transmitidos natural e inconscientemente no uso da fala, no cotidiano.

Dessa forma, entende-se que as condições de produção textual ocorrem de maneira

bastante peculiar em cada uma dessas modalidades, que são controladas de formas diferentes,

pois são diferentes as condições de produção da língua falada com relação à língua escrita. Um

texto falado ocorre no próprio momento enunciativo da interação eu–tu, num tempo único e no

mesmo espaço, com exceção de textos falados produzidos em conversas telefônicas, só para

citar um exemplo.

Para Urbano (idem), as tarefas cognitiva e verbal são quase conjuntas, sendo a

verbalização praticamente sobreposta à atividade das ideias. Além disso, a enunciação emerge

dentro de uma dupla atividade de produção discursiva, na relação direta de uma coprodução do

falante e seu interlocutor. O texto escrito, por sua vez, tem uma produção diferente que se

subdivide em duas etapas e dois tempos: o tempo da atividade mental, quando se gera ou se

busca ideias, e o tempo da prática verbal, que é a realização linguística efetiva. Sendo assim, o

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texto escrito é produzido e transmitido a posteriori e o interlocutor não está presente no tempo

da enunciação.

Logo, no texto falado não há, em princípio, como planejar previamente o texto, já que ele

é planejado durante a sua própria produção, com exceção de textos falados previamente

planejados e organizados sob o viés da escrita, como é o caso de uma conferência universitária;

no caso do texto escrito, há um intervalo de duração que é variável, mas suficiente para se ter a

possibilidade de um planejamento prévio do texto antes de sua execução.

Por conseguinte, a produção do texto escrito, por ser considerada pelas instituições de

ensino mais elaborada e organizada, é objeto de ensino nas escolas. Após o estruturalismo e o

gerativismo, no entanto, os linguistas entenderam que é necessário estudar a língua em seu uso

efetivo. Os resultados obtidos de suas investigações indicam que tratar do texto escrito requer

tratamento do texto oral por ser a forma mais natural humana de manifestação linguística, das

interações sociocomunicativas.

1. 1.1 A tradição da escola brasileira e o ensino de Língua Portuguesa: breves considerações

Durante o estruturalismo e o gerativismo, a preocupação dos linguistas voltou-se para o

sistema da língua, e sua tarefa consistia em descrever as unidades e as regras combinatórias

dessas unidades que compõem a gramática. A descrição do sistema foi realizada privilegiando

a gramática da língua. Dessa forma, os estudos da língua foram realizados de modo a

desconsiderar seu uso efetivo.

No estruturalismo, o objetivo era descrever o sistema da língua, ou seja, suas unidades e

as regras gramaticais combinatórias de cada unidade. Durante essa época, foram consideradas

unidades os fonemas, os morfemas e as estruturas frasais. Para os fonemas, foram descritas as

regras combinatórias para construção de sílabas; para os morfemas, as regras combinatórias

para construção das palavras; para as estruturas frasais, as regras combinatórias para construção

dos sintagmas nominais e verbais e suas combinações frasais em períodos coordenados e

subordinados.

No gerativismo, foram exploradas e explicadas as regras da competência linguística,

como a gramática da competência da língua, ou saber interiorizado que o falante possui de sua

língua. Todavia, a gramática proposta pelos gerativistas era atribuída a um falante ideal e

abstrato, pois, hipoteticamente, ele teria o saber de todas as regras da língua.

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Durante o estruturalismo e o gerativismo, porém, o uso efetivo da língua não foi tratado,

passando a ser privilegiado nas correntes relativas ao pragmatismo. Decorrentes da adesão das

instituições de ensino aos dois paradigmas acima mencionados, por um longo tempo, como se

sabe, as gramáticas pedagógicas nortearam o ensino de Língua Portuguesa no Brasil. Ao

considerarem a língua apenas como um sistema de regra, estudá-la significava simplesmente

armazenar regras e, na maioria das sequências didáticas, decorar e aprender a fazer análises de

frases isoladas, o que levava os alunos, muitas vezes, a se limitarem ao conjunto de regras da

gramática normativa, sem levar em conta o conjunto do texto e seus aspectos sociocognitivo-

interacionais.

O uso de uma língua é variável e essa variação necessita de controle político para que

haja a manutenção de uma língua no território nacional. A gramática tradicional normativa

aparece para atender a esse objetivo político. Ela representa uma instância de controle da

variação linguística e passa a ser ensinada nas escolas com o intuito de tentar garantir uma

unidade hegemônica para o uso da língua.

Diferentes estudos relativos à gramática tradicional do padrão normativo apontam para

sua construção a partir do escrito. As regras propostas são retiradas do uso da língua realizado

por escritores literários de prestígio, pelas classes críticas. Como o objetivo residia em

normalizar a variação, foi necessário recorrer ao discurso jurídico que determinava o que “era

permitido e o que era proibido”. É desse discurso que se originou a noção de erro gramatical.

No Brasil, a escola voltava-se para uma clientela elitista, os filhos de famílias ricas e,

portanto, escolarizadas. Sendo assim, essas crianças iam à escola para aprender a ler e a

escrever, tendo como apoio a gramática do padrão normativo.

Apoiada no estruturalismo e, por vezes, no gerativismo, a gramática tradicional

normativa norteou o ensino de língua portuguesa no Brasil. Não se trata, todavia, da gramática

do sistema da língua, e sim da gramática política e jurídica do padrão gramatical normativo.

Sob esse viés, ensinar/aprender língua portuguesa, na escola, significava focalizar a gramática

do padrão normativo, que é proposta tanto como um meio quanto como um fim.

Essa forma de focalizar a língua e seu ensino – quando não havia espaço para qualquer

outra forma de manifestação de ensino de língua –, que ocorria desde o Brasil Colônia, foi

levada avante e atravessou séculos até chegar aos dias atuais. Dessa forma, a escola brasileira,

por tradição, sempre esteve voltada para o escrito. Revendo as causas, percebe-se que a escola

brasileira nasce para formação de cidadãos, membros da elite social.

O alunado, filhos de famílias com alta escolaridade, usava a variedade padrão real para

as comunicações sociais, e a variedade padrão, oriunda da gramática normativa, para os textos

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escritos. Como o objetivo do alunado era aprender a ler e a escrever, os conteúdos a serem

ministrados e as correções ortográficas realizadas pelos professores foram orientados para

alcançarem essa finalidade. Naquela época, a gramática do uso padrão normativo era tida como

meio e fim do ensino. A produção textual era, na maioria das vezes, tarefa da família.

Com o golpe militar brasileiro, em 1964, ocorreu uma mudança na escola brasileira, que

passou a receber um alunado popular. Seria necessária, então, uma mudança na proposta de

ensino de língua portuguesa, visto que boa parte das famílias se caracterizava por baixa ou

nenhuma escolaridade – o que se refletia na comunidade escolar. Esse alunado usava, em suas

interações sociocomunicativas, a variedade oral nativa ou, conforme Preti (2003a), uma

linguagem popular ou subpadrão que, muitas vezes, possuía limites sociais e geográficos

bastante definidos.

Daí decorre uma série de problemas, entre eles a questão dos conteúdos e de como a

escola trata as questões didático-pedagógicas que envolvem as variedades de uso da língua –

embora tenham havido várias reformas, os conteúdos foram mantidos, gerando, assim, uma

inadequação com a nova clientela. Outro problema, no que se refere à variedade nativa, seja em

sua manifestação oral, seja em sua manifestação escrita, consiste em aprender uma outra

variedade oral, ou seja, o padrão real, diferente, portanto, da variedade que o alunado já usava

antes de ir à escola.

Além disso, a multiplicação das faculdades brasileiras, sem a devida adequação dos

conteúdos aos novos tempos, e o despreparo dos cursos de formação de professores, produzem

problemas na formação de alunos, os futuros professores. Dessa forma, a questão do ensino de

língua portuguesa tornou-se problemática há algum tempo.

Adiante estudaremos algumas mudanças importantes concernentes ao ensino de língua

portuguesa no Brasil, principalmente no tocante ao trato da oralidade com a escrita, na

perspectiva do sociocognitivismo interacional.

1.2 Oralidade e escrita sob o olhar dos PCN

Os PCN surgiram em função da Lei de Diretrizes e Base (LDB) 9.394/96. Também

conhecidos como Referenciais Curriculares Nacionais (RCN), os PCN foram elaborados pelo

Ministério da Educação (MEC), tendo em vista a imensidão do território nacional, as diferenças

de formação de professores e a dificuldade de acesso desses profissionais a conteúdos

pedagógicos atualizados.

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A elaboração dos PCN recorreu aos estudos linguísticos e aos resultados obtidos do seu

conjunto de pesquisa, a fim de sustentar teoricamente tais parâmetros. Esses estudos, bem como

os paradigmas linguísticos concernentes às mudanças que ocorreram e que, gradualmente,

contribuíram para essas mudanças, foram o estruturalismo, o gerativismo (já tratados nesta

dissertação) e o pragmatismo, no qual se situa o sociocognitivismo interacional.

No pragmatismo, a atenção dos estudiosos está voltada para o uso efetivo da língua, o

que requer inter, multi e transdisciplinaridade. Por essa razão, o pragmatismo diferencia-se dos

outros dois paradigmas anteriores, já que tanto para o estruturalismo quanto para o gerativismo

há o postulado da unidisciplinaridade – o estudo da língua, nesse caso, é focalizado fora de seu

uso efetivo.

Na década de 1980, ocorre a virada cognitivista, quando passou a delinear uma nova

orientação nos estudos da língua e sua produção em textos (cf. KOCH, 2015). A partir dela, as

mudanças foram bastante significativas se se considerar que suas abordagens “percorrem um

duplo percurso na relação sujeito/realidade e exerce dupla função em relação ao

desenvolvimento cognitivo: intercognitivo (sujeito/mundo) e intracognitivo (linguagem e

outros processos cognitivos)” (KOCK, 2015, p. 43).

Aparece, assim, o sociocognitivismo interacional. Nele, a atenção se volta para as ações

verbais conjuntas, ou seja, usar a linguagem é sempre empenhar-se em alguma prática ou ação

em que ela é o próprio espaço onde a ação se desenvolve necessariamente em ação com os

outros. Portanto, essas ações se desenrolam sempre em contextos sociais, considerando a

linguagem uma ação compartilhada entre sujeitos sociais.

Dessa forma, a partir dos estudos do uso efetivo da língua e com a valorização desse

paradigma quando se deu “a concepção de mente desvinculada do corpo” (KOCH, 2015, p. 41),

ocorre a preocupação com as duas modalidades da língua: a oral e a escrita, uma vez que, em

consequência de um maior interesse pelo aspecto sociointeracional da linguagem e por

processos próprios dela, manifesta-se uma série de questões acerca de como funciona a língua,

também em sua forma oral, isoladamente ou para compará-la com o texto escrito.

Sendo assim, os PCN vão se atentar à oralidade para o tratamento da escrita e das

abordagens do ensino de textos orais e à formação da competência comunicativa dos alunos.

Por esse viés, desde sua fundação, entra em pauta, nos documentos, a preocupação do

tratamento da oralidade em sala de aula, visto que, por muito tempo, essa modalidade foi

esquecida, em decorrência de preconceitos e ideias infundadas cientificamente.

Desde o seu início, o documento considerava as inúmeras situações sociais do exercício

da cidadania que se colocam fora dos muros da escola: a busca de emprego, a formação

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profissional, as instituições sociais e suas demandas por práticas sociais (comunicativas), a

defesa de direitos e opiniões etc.. Isso fazia com que os alunos fossem avaliados, aceitos ou

discriminados no meio em que atuavam como seres sociais. A escola, conforme os ditames dos

PCN, deverá ter a incumbência de

[...] ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de

apresentações públicas: realização de entrevistas, debates seminários, apresentações

teatrais etc. Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas atividades façam

sentido de fato, pois é descabido treinar um nível mais formal da fala, tomado para

mais apropriado para todas as situações. A aprendizagem de procedimentos

apropriados de fala e de escuta, em contextos públicos, dificilmente ocorrerá se a

escola não tomar para si a tarefa de promovê-la (BRASIL, PCN, 5ª a 8ª série, 1998,

p. 25).

A escola pode, dessa forma, em consonância com a modalidade oral, já referida neste

trabalho, promover acesso aos textos escritos – que se convertem, inevitavelmente, em modelos

para a produção, pois

se é de esperar que o escritor iniciante redija seus textos usando como referência

estratégias de organização típicas da oralidade, a possibilidade de que venha a

construir uma representação do que seja a escrita só estará colocada se as atividades

escolares lhe oferecem uma rica convivência com a diversidade de textos que

caracterizam as práticas sociais (BRASIL, PCN, 5ª a 8ª série, 1998, p. 25, 26).

Por conseguinte, verifica-se um crescente interesse pela investigação da linguagem, em

compreender e estudar a aquisição e o funcionamento da língua, o que inclui a parte do ensino

da língua que diz respeito às mudanças no tratamento da oralidade em consonância com a

escrita. Em função disso, muitos estudiosos e autores da concepção de língua, como instrumento

sociointeracional, voltaram sua atenção para a forma de tratar a língua, bem como para os

problemas de ensino nas aulas de língua portuguesa, nas modalidades oral e escrita, conforme

já largamente difundidos pelos PCN: “Pensar o ensino de Língua Portuguesa no ensino médio

significa dirigir a atenção não só para a literatura ou para a gramática, mas também para a

produção de textos e a oralidade” (BRASIL, PCN+, 1999, p. 70).

Esses Parâmetros, ainda, privilegiam a formação do estudante como indivíduo

socialmente constituído e em função de sua vida em comunidade, tendo o objetivo de vincular

o aluno à realidade social. Desse modo, a língua assume uma dimensão histórica, pragmática e

operacional, com uma função prática na vida social do indivíduo, o que, dentre outras coisas,

implicam a

[...] manutenção do compromisso com o desenvolvimento de proficiências orais e

escritas socialmente relevantes – e, portanto, a continuidade necessária do ensino de

leitura, escuta crítica e produção de textos tanto orais quanto escritos;

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retomada e aprofundamento das capacidades de reflexão sobre a língua e a linguagem,

mas agora com a necessária introdução dos conhecimentos linguísticos e literários não

só como ferramentas, mas também como objetos de ensino-aprendizagem próprios;

sistematização progressiva dos conhecimentos metalinguísticos decorrentes da

reflexão, com o objetivo de levar o aluno a construir uma representação

cientificamente plausível da língua e a uma concepção esteticamente legítima da

literatura de língua portuguesa, em especial a brasileira (BRASIL, PNLD, Ensino

Médio, 2015).

O documento parte do pressuposto de que todas as produções linguísticas, envolvendo

diversos gêneros textuais, nas duas modalidades da língua (a oral e a escrita), devem ser objetos

de estudo nas aulas de português. Sob esse ponto de vista, os PCN vão ao encontro do que

vários autores já, em consonância com as pesquisas dos últimos anos, vêm alertando acerca das

mudanças de percepção da língua, no que diz respeito às duas modalidades operadas num

contínuo dos gêneros textuais. Lê-se nos PCN:

[...] propõe-se que a disciplina Língua Portuguesa abra espaço para diferentes

abordagens do conhecimento. Ainda que a palavra escrita ocupe um espaço

privilegiado na disciplina, é possível que a produção de textos falados ganhe uma

sistematização maior por meio de gêneros orais, como a mesa-redonda, o debate, o

seminário, o programa radiofônico, para citar apenas alguns exemplos (BRASIL,

PCN+, 1999, p. 71).

Sendo assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais são mais um exemplo de como as

modificações nos paradigmas teóricos, desenvolvidos nos estudos e pesquisas linguísticas,

promovem a necessidade de mudanças e reformulações nos compêndios e propostas

curriculares utilizados. Esse documento, como um dos mais recentes da educação oficial,

auxilia em reflexões e debates relativos ao ensino do português no Brasil e faz coro com o

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

O que justifica a permanência de uma disciplina escolar como LP no EM é o papel

central da língua e da linguagem, tanto nas práticas sociais de diferentes esferas e

níveis de atividade humana, quanto na aquisição pessoal de conhecimentos

especializados. Ou seja: assim como no ensino fundamental (EF), o desenvolvimento

da proficiência oral em situações públicas e, particularmente, a proficiência em

escrita, é condição tanto para a formação do aluno como cidadão, como para o

desenvolvimento de sua autonomia relativa nos estudos. A proficiência em escrita, é

condição tanto para a formação do aluno como cidadão, como para o desenvolvimento

de sua autonomia relativa nos estudos. (PNLD, 2015).

Há, dessa maneira, a necessidade de contextualização do ensino de língua, visando à

formação do aluno enquanto ser social inserido em contextos sociais diversos de interação,

passo importante para uma nova perspectiva de ensino. O documento ainda detalha tipos de

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gêneros e atividades que devem ser desenvolvidos com textos orais, ficando a cargo da escola

direcionar tais propostas e detalhá-las no tocante a esse ensino.

Por consequência, o ensino de língua portuguesa vem sofrendo variadas modificações ao

longo do tempo, decorrentes de estudos realizados nas diversas áreas da Linguística, conforme

já assinalado. A língua falada, por exemplo, assume a condição de modalidade da língua e passa

a ser estudada como tal no Brasil, datando da década de 1980. (cf. MARCUSCHI, 2010).

Assim, a língua passa a ser vista como um elemento de interação entre o indivíduo e a

comunidade onde ele vive. Entendida “como manifestação da vida em sociedade, o estudo da

língua pode ligar-se à sociologia, atribuindo-se, a partir daí campos novos de pesquisa, em

especial o da sociolinguística” (PRETI, 2003a, p. 12).

Para Koch (2015), o aumento cada vez maior na área de cognição, as questões envolvidas

no processamento da língua em texto (falado ou escrito) e as relações sociais e interacionais

entre os indivíduos que daí demandam, propiciaram nova roupagem aos estudos da língua bem

como para a tratativa de ensino da língua portuguesa. Nessa nova conjuntura, a língua deixa de

ser mero meio de comunicação e passa a ser estudada como uma forma de atividade dialógica

que se materializa nos enunciados/discursos marcados pelo contexto e pelas práticas sociais.

Veja-se, por exemplo, o que afirmam os PCN:

Ainda que se relacione a linguagem informal à fala e a linguagem formal à escrita, tal

relação é bastante questionável. É preciso mostrar aos alunos que num texto literário

que recupera a linguagem do adolescente [...] ou a fala de habitante do agreste

nordestino pode operar com a linguagem informal, ao passo que, em uma situação de

formatura, em um discurso dirigido ao paraninfo da turma, um estudante pode lançar

mão de uma linguagem de elementos próprios de uma linguagem formal (BRASIL,

PCN+, 1999, p. 71).

Todavia, essas orientações dadas pelos PCN ainda não têm tido adesão por parte da

maioria das escolas e dos professores. Por isso, as atividades relativas à oralidade ainda se

mostram bastante tímidas e quase imperceptíveis nas grades curriculares de grande parte dessas

instituições. A ausência dessas abordagens, em sala de aula, permite que ainda se dê um grande

privilégio à escrita em detrimento de práticas pedagógicas que a abordem em consonância com

textos orais, preferencialmente com fala espontânea.

Os PCN, como se vê, recomendam tais atividades com o objetivo de conscientizar o

alunado dessas práticas sociais que envolvem a oralidade. Portanto, Schneuwly e Dolz (2011),

embora afirmem não haver nenhuma resposta satisfatória para responder à pergunta “como

ensinar a expressão oral e escrita”, orientam:

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permitir o ensino da oralidade e da escrita a partir de um encaminhamento, a um só

tempo, semelhante e diferenciado, dependendo da proposta;

centrar-se, de fato, nas dimensões textuais da expressão oral e escrita;

oferecer um material rico em textos de referência, escritos e orais, nos quais os alunos

possam se inspirar para suas produções; e

ser modular, ou seja, permitir uma diferenciação de ensino, realizada em etapas.

Essas orientações pretendem responder à questão, entretanto “sem pretender, de forma

alguma, cobrir a totalidade do ensino de produção oral e escrita” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2011,

p. 82). Propostas como essas somente possuem sentido, quando instaladas num ambiente

escolar onde variadas ocasiões de abordagens no ensino da escrita e da oralidade são possíveis

em situações escolares e até extraescolares, tendo sempre o foco nas práticas sociais.

Assim, os novos conceitos de língua, particularmente aqueles que têm como pressuposto

o viés da perspectiva interacional, passam a influenciar definitivamente as mudanças com

relação às propostas educacionais na área do ensino de língua e da produção de texto.

Consequentemente, mudam-se os arcabouços teóricos em consonância com os conteúdos

programáticos das escolas exigidos pelos PCN – como se verá adiante.

A proposta com a oralidade sugerida nesta dissertação pode ser um dos caminhos para

aproximar-se do alunado, expô-lo a atividades que o levem à produção e o incentivem ao

aprendizado de língua portuguesa, tendo em vista o processo de retextualização como, também,

recomenda os PCN:

Quando se enxerga a língua como um organismo vivo, criado a partir de determinados

mecanismos de funcionamento que respeitam algumas regras que podem ser, são ou

devem ser seguidas, começa-se a operar com uma noção de gramática que ultrapassa

os limites da norma. [...] Ainda que pareçam inadequados diante de determinadas

situações, é fundamental que os usos da linguagem sejam inicialmente respeitados

para que se retrabalhem os discursos, a ponto de adequá-los às respectivas situações.

Portanto, atividades de retextualização parecem ser muito apropriadas (BRASIL,

PCN+EM, 1999, p. 76.)1.

1 Nesta dissertação, baseamo-nos no conceito de retextualização, proposto por Marcuschi (2010, p. 46), que aponta

Neusa Travaglia como precursora do uso desse termo: “A expressão retextualização foi empregada por Neusa

Travaglia (1993) em sua tese de doutorado sobre a tradução de uma língua para outra, permanecendo-se, no

entanto, na mesma língua”. As observações aqui a serem levadas em consideração, acerca do conceito de

retextualização, são relativas às mudanças de um texto no seu âmago (a reescrita de um mesmo texto do mesmo

produtor ou de outro, no mesmo gênero ou não; a transformação se dará apenas de uma modalidade para outra).

Aqui, preocupar-se-á, essencialmente, entretanto, com a passagem da fala para a escrita, levando-se em

consideração as características da língua escrita.

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Como se nota, a atividade de retextualização, em sala de aula, já é recomendada pelos

PCN desde, pelo menos, 1999, embora sem especificação em sequências didáticas que norteiem

a sua execução. Assim, esta dissertação encontra motivo para sua realização, principalmente

pela falta de clareza no documento acerca dessa atividade, porque busca um diagnóstico das

dificuldades encontradas pelos alunos para escreverem um texto escrito a partir de um texto

oral, com intuito de eliminar, entre outras coisas, marcas de oralidade praticadas no cotidiano

de suas práticas comunicativas.

Justifica-se, portanto, o problema aqui tratado, pois o que se constata na produção da

escrita de muitos desses alunos é que ela se apresenta simplesmente na tentativa de grafação de

um texto oral, sem a devida adequação aos aspectos particulares da língua escrita.

1.3 O ensino de Língua Portuguesa à sombra dos PCN

Os PCN foram criados, conforme já exposto, em função da LDB 9.394/1996, com o

intuito de orientar as instituições escolares, públicas e privadas, dada a vasta área do território

brasileiro, as diferentes grades curriculares nas variadas instituições de ensino superior e a

dificuldade de acesso aos conteúdos atualizados pelos profissionais de ensino e pelos

professores, quase em sua totalidade. Para tanto, esse documento renovou, de forma bastante

significativa, a maneira de abordar, nas aulas de língua portuguesa, o fenômeno da linguagem,

e também no que diz respeito aos aspectos pragmáticos.

Isso significa que as atividades de leitura, produção de texto e exercício da oralidade,

em situações reais de uso, devem ser, também neste grau, prioritárias no ensino-

aprendizagem da área. Por decorrência, devem estar adequadamente refletidas nas

propostas curriculares, que devem atribuir a esses conteúdos a necessária relevância,

inclusive no que diz respeito à distribuição da carga horária e ao trabalho em sala de

aula (BRASIL, PNLD, Ensino Médio, 2015).

Mas, não há nos PCN referência alguma à análise de textos de conversação espontânea,

e à ponderação acerca de suas características, de acordo com o que postula a Análise da

Conversação ou, ainda, outros inúmeros projetos orientados para a descrição dessa modalidade

da língua, tanto no Brasil quanto na Europa:

É o caso, no Brasil, do Projeto de Gramática do Português Falado, idealizado por

Ataliba Teixeira de Castilho, que tem como uma de suas vertentes o estudo da

organização textual-interativa no português falado no Brasil, esta coordenada por

Koch. E o caso, também, do Projeto Nurc/SP, coordenado por Dino Preti, e do Núcleo

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de Estudos Linguísticos sobre Fala e Escrita – Nelfe, da UFPE, coordenado por Luiz

Antônio Marcuschi (KOCH, 2015, p. 14).

Entretanto, o que consta nos documentos oficiais já representa um grande avanço se se

comparar com épocas anteriores. Ainda do ponto de vista do PNLD,

[...] a língua é uma das formas de manifestação da linguagem, é um sistema entre

vários, construído histórica e socialmente pelo homem. Assim, o homem em suas

práticas orais e escritas de interação, recorre ao sistema linguístico – com suas regras

fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e com seu léxico. Cabe assinalar

que, sendo, porém, uma atividade de construção de sentidos, a interação – seja aquela

que se dá pelas práticas da oralidade ou intermediada por textos escritos – envolve

ações simbólicas, mediadas por signos, não necessariamente linguísticos, já que há

um conjunto de conhecimentos que contribui para sua elaboração (BRASIL, PNLD,

Ensino Médio, 2015).

Como se pode ver, a oralidade, anteriormente relegada a outros planos, com o advento

dos PCN, passou a ocupar lugar de destaque em consonância com a escrita, passando de

bastidor para ocupar seu lugar de importância, reconhecida no ensino de língua portuguesa. Se

se considerarem os aspectos pragmáticos, cognitivos e sociais da língua, torna-se

imprescindível que a oralidade esteja a ocupar um espaço de relevância, visto que a fala sempre

esteve presente na maior parte do tempo no cotidiano social dos indivíduos e na história da

língua. Isso se deve, também, a estudos realizados por autores precursores da virada pragmática.

Assim, nas pesquisas sobre o texto,

[...] surgem as teorias de base comunicativa, nas quais ora apenas se procurava

integrar sistematicamente fatores contextuais na descrição do texto (Isenberg, 1976;

Dressler, 1974, Petöfi, 1972, 1973), ora a pragmática era tomada como ponto de

partida e de chegada para tal descrição (Motsch, 1975; Gülich & Raible, 1977;

Schmidt, 1978). [...] Comum a estes modelos é a busca de conexões determinadas por

regras, entre textos e seu contexto comunicativo-situacional, mas tendo sempre o texto

como ponto de partida dessa representação (KOCH, 2015, p. 27).

Percebe-se, portanto, a preocupação dos PCN em se adequar às novas pesquisas

linguísticas, visto que, a partir daí, tem-se uma nova perspectiva e um novo conceito de língua,

partindo do pressuposto de que a língua já não é mais vista como sistema autônomo, no qual

tudo começa por ela e termina com ela, mas como uma combinação de processos comunicativos

de uma sociedade que a usa com o intuito de uma interação em realizações reais e espontâneas

numa sociedade concreta.

É a partir daí que as pesquisas em Linguística Textual também ganham uma nova

dimensão e constitui o que, posteriormente, se verificará nos compêndios recomendados pelos

PCN e detalhados no PNLD – os textos deixam de ser vistos como produtos acabados neles

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mesmos e de ser analisados apenas sintática ou semanticamente, passando a ser encarados como

instrumentos constitutivos de uma atividade mais complexa, como elementos de realização de

intenções comunicativas e sociais do falante (cf. KOCH, 2015) nas duas modalidades da língua,

portanto.

Como não se pode falar de língua sem se falar de texto – umas das tônicas da época já

mencionada que serve de base para a datação aproximada de várias pesquisas e inovações na

área do ensino de língua, bem como nas mudanças e adicionamentos das concepções de texto

–, verifica-se que, entre outras definições, o conceito de texto passa também a significar “lugar

de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos” (KOCH, 2015, p. 12)

– concepção de base sociocognitivo-interacional.

O texto, dessa forma, bem como os sentidos nele visualizados ou inferidos, são frutos de

determinada situação de interação entre o texto e seus usuários em consequência da atividade

mental de produção envolvendo um conjunto de fatores de ordem linguística, cognitiva,

sociocultural e interacional, conforme postula Koch (2015), nas situações de interpelação tanto

na oralidade quanto na escrita.

Essa concepção, mais atual, observa a linguagem como organismo dinâmico em

funcionamento constante e como atividade preponderantemente dialógica, compreendendo a

língua em função de seus usos, como também postulam os PCN:

O caráter sociointeracionista da linguagem verbal aponta para uma opção

metodológica de verificação do saber linguístico do aluno, como ponto de partida para

a decisão daquilo que será desenvolvido, tendo como referência o valor da linguagem

nas diferentes esferas sociais (BRASIL, PCNEM, 2000, p. 18).

Verifica-se, portanto, que o documento parte do pressuposto de que o ensino de língua

portuguesa deve valorizar o conhecimento prévio e as práticas comunicativas dos alunos e, a

partir daí, visando a sua formação, como cidadãos inseridos em contextos sociais diversos,

contextualizar, por meio de práticas sociais – um trabalho, diríamos, mais centrado na

compreensão e produção de textos. O trecho a seguir, por exemplo, mostra o esforço dos PCN

em desfazer práticas pedagógicas que nada ou pouco têm a ver com as novas diretrizes das

pesquisas divulgadas pelos linguistas nas últimas décadas e que muito pouco vêm ganhando

espaço nas instituições de ensino:

A perspectiva dos estudos gramaticais na escola, até hoje centra-se, em grande parte,

no entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal; descrição e norma

se confundem na análise da frase, essa deslocada do uso, da função e do texto

(BRASIL, PCNEM, 2000, p. 15).

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Por isso, o documento, ao rever essas práticas, preocupa-se em privilegiar a formação do

indivíduo/aluno em função do uso da língua em sua vida no dia a dia:

O objetivo de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento linguístico e

discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela

linguagem. [...] nesta perspectiva supõe: planejar situações de interação nas quais

esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que

procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de outros espaços que não o

escolar, considerando-se sua especificidade e a inevitável transposição didática que o

conteúdo sofrerá; saber que a escola é um espaço de interação social onde práticas

sociais de linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo características

bastante específicas em função de sua finalidade: o ensino (BRASIL, PCN, 5ª a 8ª,

1998, p. 22).

Como se nota, o documento sugere o planejamento de estratégias variadas, nas quais a

escola possa atuar de modo mais amplo e criativo, propondo situações de ensino-aprendizagem

em que a interação, em contextos sociais de comunicação e vivência, seja realmente importante

para a vida do aluno e para o exercício da cidadania.

Portanto, não se encontra mais respaldo, nos documentos oficiais, como os PCN, a mera

atividade em sala de aula, nas aulas de língua portuguesa, voltada para classificação de cunho

sintático, morfológico, entre outras, com objetivos limitados de aprender classes gramaticais,

pois

os trabalhos escolares voltados para a mera análise gramatical, morfológica ou

sintática não garantem a compreensão dos mecanismos das linguagens. O que se

espera hoje é que o professor desenvolva a análise do discurso, valendo-se dos

conhecimentos e das ferramentas que a gramática normativa, a linguística e a

semiótica tornaram disponíveis (BRASIL, PCN+EM, 1999, p. 46).

Logo, ao propor que os alunos aperfeiçoem sua competência comunicativa, faz-se

relevante que as aulas de língua portuguesa tenham, como ponto básico, a reflexão e a prática

de textos nas modalidades oral e escrita, sem se limitar à avaliação das produções textuais dos

alunos aos conceitos de certo e errado. Deve-se direcioná-los no sentido da adequação ou não

adequação, entre textos e situações reais de interação em suas práticas sociais, nos quais o

aspecto gramatical normativo seja apenas uma das preocupações a serem consideradas, não um

fim em si mesmo. Nesta pesquisa, “não se trata de saber como se chega a um texto ideal pelo

emprego de formas, mas como se chega a um discurso significativo pelo uso adequado às

práticas e à situação a que se destina” (MARCUSCHI, 2010, p. 9).

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1.4 1.4 A relevância de uma abordagem pedagógica da oralidade sob o viés da retextualização

Ao falar em trabalhar a oralidade nas aulas, em especial nas de Língua Portuguesa,

geralmente surge uma visão equivocada, e por que não preconceituosa, que tende a confundir

a fala trabalhada, com intuito pedagógico, com conversa paralela, murmurinho. Os professores,

em sua grande maioria, se apegam ao fato de que as conversas dos alunos importunam e

dispersam, dificultando, desse modo, a exposição de teorias e os conteúdos do currículo escolar.

Entretanto, as abordagens voltadas para o estudo da língua falada em sala de aula

requerem planejamento e possuem o objetivo de desenvolver a capacidade e a competência do

aluno concernente a sua formação linguística – não devem ser confundidas, portanto, com

conversas paralelas e, por isso, distantes dos objetivos da aula. O próprio PNLD (2015)

recomenda, considerando o momento em que se encontra o jovem estudante do ensino médio,

o que se deve aproveitar dessa situação para abordá-lo em situações de aprendizagens próprias

da faixa etária:

Por todas essas determinações socioculturais, o aluno do EM se encontra numa

situação própria, a que se convencionou chamar condição juvenil. Em oposição tanto

à condição social do adulto quanto à da criança, a condição juvenil é constitutiva da

situação do aluno do EM, o que certamente lhe dará um perfil próprio, como sujeito

de aprendizagem (BRASIL, PNLD, EM, 2015, p. 9).

Dessa forma, é necessário que a escola explore esse momento peculiar do aluno do ensino

médio repleto de características específicas para a faixa etária, entre elas as descobertas da

juventude e a aproximação do momento em que esses discentes precisam discutir o futuro, a

vida profissional, a aproximação da vida adulta, entre outros fatores, para incentivá-los a

fazerem essas discussões e levá-los à análise dos próprios textos (ou de outros) de conversação

espontânea, e à observação de seus aspectos, como: características linguísticas e discursivas ou,

até, a diferença de abordagens dos temas, características de cada modalidade, adequação à

escrita etc., bem como comparações: “a proposta é a de que se vejam essas relações dentro de

um quadro mais amplo no contexto das práticas comunicativas e dos gêneros textuais”

(MARCUSCHI, 2010, p. 9), de maneira a despertar no aluno a visão do contínuo das duas

modalidades nas práticas sociais e a rejeição da supremacia da escrita sobre a oralidade – o que

a escola tem feito erroneamente ao longo de sua história, mesmo após o advento dos PNC, que

já trazem em seus compêndios a necessidade de estudo e desenvolvimento da capacidade de

comunicação oral nos alunos – conforme visto anteriormente.

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Outra indagação a se fazer com relação aos PCN, refere-se à modificação nos conteúdos

a serem aplicados em sala de aula, no que diz respeito às aulas de produção e análise de textos

orais e escritos, sem o respaldo do corpo docente – há o despreparo dos professores para lidarem

com todo esse aparato teórico que envolve as propostas do documento. Além de não ficar claro,

em muitos trechos do documento, como deve ser o trabalho de produção oral em sala de aula –

referente às novas perspectivas do ensino e abordagens da oralidade e da escrita e como se dão

essas duas formas de manifestação da língua –, não chegaram ainda, em sua maioria, aos cursos

de formação de professores.

Veja-se, por exemplo, um trecho dos PCN de 1998, concernente ao EF (Ensino

Fundamental):

No processo de escuta dos textos orais, espera-se que o aluno:

amplie, progressivamente, o conjunto de conhecimentos

discursivos, semânticos e gramaticais envolvidos na construção

dos sentidos do texto;

reconheça a contribuição complementar dos elementos não

verbais (gestos, expressões faciais, postura corporal);

utilize a linguagem escrita, quando for necessário, como apoio

para registro, documentação e análise; e

amplie a capacidade de conhecer as intenções do enunciador,

sendo capaz de aderir a ou recusar as posições ideológicas

sustentadas em seu discurso [...]

No processo de produção de textos orais, espera-se que o aluno:

planeje a fala pública usando a linguagem escrita em função das

exigências da situação e dos objetivos estabelecidos;

considere os papéis assumidos pelos participantes, ajustando o

texto à variedade linguística adequada;

saiba utilizar e valorizar o repertório linguístico de sua

comunidade na produção de textos; e

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monitore seu desempenho oral, levando em conta a intenção

comunicativa e a reação dos interlocutores e reformulando o

planejamento prévio, quando necessário (PCN, 1998, p. 49-50).

Observa-se, pela complexidade das recomendações do documento, que é imprescindível

a participação de profissionais no tocante à apropriação dos recentes estudos de língua falada,

em especial num contínuo dos gêneros textuais em comparação com a escrita. Sem esses

conhecimentos, estará inviabilizada, sobremaneira, não somente sua aplicabilidade em sala de

aula, mas também o sentido e a dimensão teórico-metodológica em que essas questões estão

postas.

São vários os caminhos propostos, embora essa diversidade não queira dizer, de fato,

melhorias na prática de muitos professores de Língua Portuguesa. Provavelmente, por

desconhecerem as inovações, ou por falta de preparo para lidarem com os novos conceitos,

esses docentes não conseguem levar para a prática as teorias desenvolvidas. Torna-se urgente,

portanto, que, junto com os novos estudos, haja o encorajamento à formação continuada dessas

novas perspectivas nos conceitos linguísticos e, consequentemente, o ensino da produção

textual.

Outro motivo bastante relevante e relacionado à influência que a oralidade exerce sobre

a escrita, em especial nos primeiros anos de alfabetização, é que, nesse período de aquisição da

escrita, a fala se torna a base que os alunos possuem para ter seu primeiro contato com a escrita

e pode ser considerada como o ponto de partida para o desenvolvimento como leitor e escritor.

Muitos são os aspectos (ou marcas) da oralidade que se mantêm presentes na escrita do

educando durante sua vida escolar, inclusive nas séries mais avançadas, chegando, muitas

vezes, à graduação.

A despeito da complexidade que envolve o estudo das características dessas duas

modalidades da língua, como se verifica nesta pesquisa, os docentes de Língua Portuguesa

poderiam ter seu dia a dia facilitado, no que concerne ao trabalho relacionado aos conteúdos

considerados difíceis de serem entendidos e aprendidos de maneira efetiva, como a ortografia,

a sintaxe, a pontuação, a paragrafação, a concepção de completude de texto, envolvendo a

coesão e a coerência, entre outros, se a escola não determinasse um afastamento tão contundente

entre a língua falada e a língua escrita.

Essa proposta vai ao encontro das últimas pesquisas e direcionamentos acerca do estudo

das duas modalidades de manifestação da língua – oral e escrita –, inclusive como regem os

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PCN em trechos já destacados. Além disso, os PCN acentuam alguns procedimentos de

variação linguística e de alguns pontos relevantes referentes à produção textual na perspectiva

bimodal:

avaliar a adequação ou inadequação de determinados registros em diferentes situações

de uso da língua (modalidade oral e escrita, níveis de registro, dialetos);

aplicar os conhecimentos relativos à variação linguística e às diferenças entre oralidade

e escrita na produção de textos.

O que se pode observar, entre muitas outras nuances, é que as propostas de ensino

caminham para a equiparação, no que se refere ao trato da escrita com a oralidade, como

influenciadora uma da outra, pois os chamados “erros” podem, em muitos casos, decorrer da

falta de transparência em relação às características de cada particularidade de uma e de outra,

fruto da ausência de conhecimento adequado do usuário da língua sobre a organização, o modus

operandi e a estruturação de ambas.

Ao se fazer uma reflexão sobre o que foi exposto, pode-se fundamentar as duas últimas

justificativas para o tratamento da oralidade no ensino:

Conforme sabemos, o estudo da modalidade oral da língua ampliou-se

consideravelmente nas décadas de 1980 e 1990 e a aplicação das teorias da Análise

da Conversação tornou possível o estudo do fenômeno da oralidade, fora dos métodos

tradicionalmente usados para a análise da língua escrita (PRETI, 2003, p. 7-8).

Assim, a língua falada deve ser analisada (ou estudada) com especificidade de sua

modalidade. É, pois, importantíssimo que as pessoas, em particular os alunos do ensino

fundamental e médio, entendam e tenham a possibilidade de conhecer e identificar as

características dessa modalidade de língua que está mais presente e que possui maior influência

no seu dia a dia, também, posteriormente, na vida acadêmica, se for o caso.

Trata-se, assim, de propostas relevantes, embasadas teoricamente que pretendem

favorecer e elevar o nível do ensino de língua. Nessa perspectiva, portanto, os professores terão

a oportunidade de expor

[...] problemas novos, como o do turno (macrounidade da língua falada) [...], das leis

de simetria na conversação natural; da estruturação dos tópicos ou temas; dos

procedimentos de reformulação; do emprego de sinais, característicos da língua oral

(marcadores conversacionais); [...] da densidade informativa (PRETI, 2003b, p. 8).

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Dessa forma, a escola possui a chance de apresentar, mais sistematicamente, algumas

diferenças entre as duas faces de uma mesma língua; de expor suas manifestações na

particularidade de cada uma, de acordo com cada objetivo, sempre no intuito de desenvolver a

competência discursiva e escritora do aluno.

Quando se fala acerca de abordagens da língua falada no ensino, pode ser entendido como

ensinar a melhor forma de se expressar dentro da chamada linguagem culta e em contextos

formais. Ignora-se, na maioria das vezes, que o usuário da língua interage num contexto real,

em situações específicas do dia a dia, que requerem adequação às variadas formas de atuação

dessa linguagem, sem se preocupar com o prescritivismo gramatical – o que tem relevância

para o falante é conseguir interagir com eficiência, pois

a língua funciona como um elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade em

que ele atua. É através dela que a realidade se transforma em signos, pela associação

de significantes sonoros a significados arbitrários, com os quais se processa a

comunicação linguística (PRETI, 2003a, p. 12).

Essa interação conversacional, que consiste no principal objetivo dos falantes de uma

língua, é regida por um processo de expectativa mútua entre os interlocutores, de modo que há

expectativa de uma linguagem adequada ao contexto situacional e comunicativo. Quando há,

portanto, desvio de adequação a esses contextos, existe quebra de expectativa e,

consequentemente, estranhamento entre os interlocutores e, até, falha na comunicação.

Dessa forma, pode-se comprovar que as falas do dia a dia, ainda que coloquiais, também

estão sujeitas a regras intrinsecamente ligadas à sua própria natureza. Conquanto, tais regras

não têm necessariamente relação com as da gramática tradicional com intuito normativo, e sim

com a capacidade de comunicação do falante. Considerando os estudos da Sociolinguística, e

de outras teorias aqui mencionadas, apresenta-se insuficiente que a escola trate a oralidade na

sala de aula apenas para fazer comparações com a escrita e mostrar o que é inadequado com

relação às normas prescritivas.

Para levar tudo isso em consideração, e principalmente que a oralidade não deve ser

subjugada às regras da gramática normativa, pois possui suas próprias características de

organização, como já visto neste texto, torna-se necessário que o professorado conheça essas

características. Aspectos, como repetições e frases incompletas sintaticamente, sobreposições

de vozes (quando da interação face a face), silabação e uso de marcadores conversacionais são

exemplos diminutos de características da oralidade – observados com afinco quando gravados

e transcritos, conforme normas adotadas pela Análise da Conversação – que têm sua função no

contexto conversacional.

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Conhecer a função dessas características, como manutenção da conversação, e como

consequência, a interação efetiva por parte dos interlocutores, pode trazer benefícios para o

professor, no que diz respeito à compreensão da linguagem utilizada no momento pelos alunos

e, por conseguinte, levá-los ao processo de retextualização, por meio da transposição da

oralidade para a escrita, com o intuito de mostrar as diferenças, momento de uso e situação de

aplicação de cada modalidade, bem como a adequação ao código escrito.

Desse modo, é incumbência da escola mostrar aos alunos a grande diversidade de usos

da fala, acabar com a supremacia da escrita e com o pressuposto de que a fala é naturalmente

desorganizada e obrigatoriamente informal, adotando a “posição de que fala e escrita não são

propriamente dois dialetos, mas sim duas modalidades de uso da língua, de maneira que o

aluno, ao dominar a escrita, se torna bimodal” (MARCUSCHI, 2010, p. 32). Caso a posição de

que a fala consiste no lugar de caos e a escrita o da ordem tivesse respaldo científico, as pessoas

não se faziam entender em momentos de fala espontânea, por exemplo.

A aplicabilidade de um determinado registro da língua e a formalidade ou informalidade

de seu uso não estão relacionados com a modalidade, se oral ou escrita, mas sim com o contexto

em que acontece a conversação, no caso da língua falada ou com o objetivo, destinatário,

situação, prática social etc. no tocante ao texto escrito, como também recomendam os PCN:

a questão não é falar certo ou errado, e sim saber que forma de fala utilizar,

considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o

registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o

que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa

(BRASIL, PCN, 5ª a 8ª, 1998:27)

É importante, dessa maneira, considerar que um dos principais objetivos do ensino da

oralidade é constatar, por parte de alunos e professores, a existência da relação entre a

diversidade no uso da língua e a heterogeneidade da estrutura social. Essa modalidade, por ser

repleta de subjetividade e revelar aspectos do indivíduo usuário, tais como: idade, sexo,

profissão, posição social, grau de escolaridade (formação), local em que mora (grupo social a

que pertence) etc. (cf. PRETI, 2003a), pode ser um importante instrumento para o estudo e

análise em língua portuguesa.

Mas a diversidade no uso da linguagem pelo mesmo falante também ocorre, ou seja,

[...] a dos níveis de fala ou registros, [...] também [...] chamada de variedade estilística,

no sentido de que o usuário escolhe, de acordo com a situação, um estilo que julga

conveniente para transmitir seu pensamento, em certas circunstâncias [...], falar em

um estilo formal e um estilo coloquial ou informal (PRETI, 2003a, p. 39).

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Desse modo, incumbe à escola a seleção de gêneros adequados para demonstração aos

discentes da ocorrência dessas variantes, com o intuito de mostrar a importância da adequação

da linguagem em determinadas condições de uso. Diante disso, é substancial que haja uma

multiplicidade de textos que incluam desde aspectos mais informais (ou coloquiais) da língua

oral até disposições em que haja necessidade de mais formalidade. Esta pode ser uma das

alternativas que a escola pode escolher, até para uma melhor aproximação do professor com o

aluno, de modo que as várias situações e formas de linguagem expressas pelo usuário sejam

respeitadas, aproveitadas e direcionadas com o objetivo de levá-lo à produção textual em

atividades direcionadas, inclusive com atividade de retextualização – não no sentido de mostrar

para o aluno seus “erros” de linguagem, mas com o objetivo de levá-lo a se apropriar de uma

consciência linguística, que o faça entender que há registros mais adequados da língua para

alguns momentos em particular, incluindo-se a adequação ao código escrito da língua em seu

aspecto mais formal.

Assim, como se verifica ao longo deste trabalho, fala e escrita não podem ser dissociadas,

pois se influenciam reciprocamente. A perspectiva dicotômica entre ambas não encontra

respaldo, como se percebe, das últimas publicações e pesquisas acerca da relação entre duas as

modalidades. É, portanto, a visão dialógica dessa relação que interessa a esta pesquisa e que se

propõe dever estar presente nas propostas pedagógicas de ensino da oralidade e,

consequentemente, da escrita. Logo, no tocante às manifestações orais e escritas da língua, as

atividades de retextualização poderão trazer resultados satisfatórios em sala de aula.

Nessa pesquisa, busca-se principalmente seguir a concepção teórica de Marcuschi (2010)

sobre retextualização, em especial da oralidade para a escrita, apresentada em sua obra “Da fala

para a escrita: atividades de retextualização”. Entre outros aspectos, a relevância nesse tipo de

proposta situa-se no fato de que por meio de tais atividades o professor possa avaliar o grau de

consciência linguística do aluno, bem como sua noção de língua como usuário e sua noção das

relações entre o texto oral e escrito.

Além disso, devem contribuir para se perceber que o trabalho com a língua, quando

realizado nesta perspectiva, é um bom ponto de partida não só para uma melhor

compreensão da oralidade na sua relação com a escrita, mas para um melhor

tratamento da oralidade em si mesma (MARCUSCHI, 2010, p. 121).

Para corroborar a proposta pedagógica aqui defendida, atrelar-se-á a retextualização à

perspectiva teórica dos gêneros textuais, com o objetivo de incentivar e desenvolver o senso

crítico dos alunos frente à linguagem e à sociedade, isto é, às práticas sociais em interação com

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a sala de aula e aos contextos sociais determinantes dessas práticas. Os gêneros textuais

“tipificam muitas coisas além da forma textual. São parte do modo como os seres humanos dão

forma às atividades sociais” (BAZERMAN, 2011, p. 32).

Bazerman (idem) ainda situa o conceito de gênero em diferentes esferas de atividades e

da área profissional: leitores, críticos, historiadores, professores e escritores. Como leitores, por

exemplo, as pessoas usam o gênero para demarcar o perfil de mundo em que entram em cada

texto. Como críticos e historiadores, as pessoas usam os gêneros para categorizar ordens de

texto como equivalentes, bem como marcar e mapear as mudanças na prática literária. Como

pedagogos e professores, em geral, as pessoas usam o conceito de gênero para organizar cursos,

aulas etc. com o intuito de ensinar. Como escritores, as pessoas usam a noção de gênero para

focar esforços e reconhecer o estilo apropriado para cada obra literária.

Não obstante o interesse de explicitar características e conteúdos peculiares a cada

gênero, “nunca conseguimos chegar a taxonomias estáveis (além do ‘conhecimento do senso

comum’) ou a uma definição de qualquer gênero que satisfaça mais do que umas poucas pessoas

por pouco tempo” (BAZERMAN, 2011, p. 50-51). Mesmo assim, encontram-se na própria obra

de Barzerman, “Gêneros Textuais, Tipificação e Interação” algumas definições acerca do

conceito de gênero textual. Para o autor, o gênero pode ser entendido como textos em que a

sociedade reconhece como tal em qualquer momento do tempo e do espaço social de interação.

Os gêneros ainda podem ser reconhecidos por nomeação, institucionalização e

regularização explícitas, por meio de vários modos de aprovação social ou, ainda, os gêneros

podem ser reconhecidos por meio da organização implícita de práticas dentro de modelos

padronizados de interação letrada. A circulação de um e-mail, numa determinada instituição,

com um comunicado referente a qualquer assunto, por exemplo, será vista e apreciada de modo

diferente se, noutro momento, a circulação de um e-mail trouxer um anexo que associe o

receptor a um arquivo contendo um romance de grande divulgação no momento.

Em outras palavras, “o modo como as pessoas recebem os atos e determinam as

consequências deste ato para futuras interações” (BAZERMAN, 2011, p. 27-8), pois, embora

neste caso o e-mail seja um modelo de prática da interação social, o que levará os interlocutores

a acordos pré-determinados será o efeito perlocucionário já socialmente difundido.

Assim, a produção de textos orais e escritos no sentido de familiarizar o aluno com a

competência discursiva no enfoque consciente, ao selecionar um gênero textual, também

consiste numa recomendação dos PCN:

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O trabalho com produção de textos tem como finalidade formar escritores

competentes capazes de produzir textos coerentes coesos e eficazes.

Um escritor competente é alguém que, ao produzir um discurso, conhecendo

possibilidades que estão postas culturalmente, sabe selecionar o gênero no qual seu

discurso se realizará escolhendo aquele que for apropriado a seus objetivos e à

circunstância enunciativa em questão. Por exemplo: se o que deseja é convencer o

leitor, o escritor competente selecionará um gênero que lhe possibilite a produção de

um texto predominantemente argumentativo (BRASIL, PCN, 1997, p. 47).

De volta ao cerne desta pesquisa, antes de se conceituar teoricamente a palavra

retextualização, tentar-se-á fornecer uma definição da palavra da qual ela deriva: textualização

que, embora não esteja ainda na maioria dos dicionários, consta no Vocabulário Ortográfico da

Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras (ABL) e faz parte do cotidiano

dos linguistas e pesquisadores de áreas afins.

Segundo o Dicionário escolar da língua portuguesa da ABL, 2ª edição, 2010, o adjetivo

textual, que significa relativo ao texto ou fielmente reproduzido do texto, originou os

substantivos textualidade ou textualização por derivação sufixal. Assim, a palavra

textualização, referente à produção de texto, originou a palavra retextualização (por uma

derivação prefixal) que, por sua vez, consiste na transformação de uma modalidade da língua

para outra ou, até, de uma língua para outra língua no processo de tradução. Em outras palavras,

retextualização significa um novo molde a um texto já existente.

A expressão retextualização foi empregada por Neusa Travaglia (1993) em sua tese

de doutorado sobre a tradução de uma língua para outra. O uso do termo

retextualização, tal como feito aqui, também se trata de uma ‘tradução’, mas de uma

modalidade para outra (MARCUSCHI, 2010, p. 46).

A retextualização, tal e qual tratada aqui nesta dissertação, não representa um processo

automático ou mecânico, considerando que a passagem da oralidade para a escrita não acontece

naturalmente, mas envolve operações complexas que intervêm tanto nos códigos (oral e escrito)

quanto no sentido (em alguns casos). A atividade de retextualização proposta nesta pesquisa

pode, ou não, apresentar os dois fenômenos juntos, isto é, a mudança de código, que ocorre

naturalmente, e a mudança de sentido do texto.

Como se percebe, para haver o processo de retextualização, partindo da fala com objetivo

na escrita, é necessário predeterminar uma sequência didática:

1º passo: gravação de fala: espontânea (conversação natural) ou não;

2º passo: transcodificação; e

3º passo: retextualização (ou texto final).

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A retextualização abrange operações e propriedades bastante relevantes para seu bom

desenvolvimento e o sucesso dos objetivos propostos na produção de um texto. Este tipo de

transposição depende muito da aplicabilidade dessas operações e propriedades – que dizem

respeito, como já detalhado anteriormente neste texto, às peculiaridades de cada modalidade.

A transcodificação é primordial para a realização do processo. É o que “designamos

simplificadamente de transcrição ou passagem de um código para outro (por exemplo, do som

para a grafia)” (MARCUSCHI, 2010, p. 50-1) – adotando procedimentos convencionalizados,

inclusive os utilizados pelo projeto NURC, mas ainda não se trata da retextualização

propriamente dita.

Para que ocorra a transcrição, é necessário que os educandos tenham em mãos um texto

oral gravado por eles mesmos, por seus pares ou por qualquer outro informante. Por isso, nem

em todos os casos, a transcrição ou transcodificação – com intuito de chegar a uma

retextualização – é feita pelo mesmo informante que foi o autor do texto falado.

Aliás, as publicações mostram exatamente o contrário. A maioria das transcrições e

retextualizações utilizadas como corpora de pesquisas e análises têm sido feitas por indivíduos

diferentes (cf. PRETI, 2003b; MARCUSCHI, 2010). Muitas vezes, o informante do texto falado

não é o mesmo que o transcreve, e o que o retextualiza não é, necessariamente, o mesmo que o

transcreveu: tudo vai depender do objetivo preestabelecido pela escola, obedecendo sempre à

sequência didática predeterminada para não haver surpresas no caminho.

É preciso ter cuidado para não confundir a transcrição ou transcodificação com

retextualização. A primeira consiste apenas num ponto de partida para o início do processo,

conforme já detalhado anteriormente, mas não é o único, visto que há retextualizações

simultâneas, como é o caso de traduções entre línguas diferentes em tempo real, tanto

pessoalmente quanto por meio de canais midiáticos. Outros exemplos de retextualizações sem

a necessidade de transcrições seriam os depoimentos na esfera jurídica e as confecções de

Boletins de Ocorrência na esfera policial.

Esses textos, dentro da perspectiva dos gêneros, são definidos como sendo textos escritos,

historicamente situados, que representam o resultado final de um processo de interação face a

face entre juiz e acusado, ou entre delegado e depoente. Entretanto, o texto final escrito é

resultado de um processo de retextualização (do oral para o escrito), visto que a apresentação

desse texto final só foi possível tendo como base a tomada do gênero depoimento oral. Eis aí

dois exemplos de retextualização nos quais o processo é realizado instantânea e

simultaneamente.

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A transcrição, portanto, é a passagem de um código para outro código: “Basicamente,

passamos as palavras pronunciadas para uma formatação escrita num sistema gráfico que segue,

no normal dos casos, a grafia padrão” (MARCUSCHI, 2010, p. 51), com exceção de alguns

casos especiais: falta de conhecimento da grafia padronizada e quando se quer evidenciar a

forma utilizada pelo informante (falano no lugar de falando, por exemplo).

Já a retextualização envolve processos mais complexos. Em sentido restrito, esses

processos dizem respeito a operações que podem ir além de uma modesta regularização

linguística, pois englobam procedimentos de substituição, reordenação, ampliação ou redução

e, até, mudanças de estilo, desde que não atinjam as informações originais (cf. MARCUSCHI,

2010). Assim, o objetivo da retextualização proposto nesta dissertação, para trabalho

pedagógico de produção textual em sala de aula, pode ter grande influência no desenvolvimento

da competência escritora dos alunos.

Para o propósito aqui exposto, a passagem da oralidade para a escrita, que representa

apenas uma das formas de retextualização, requererá uma série de atividades englobadas nos

três passos sugeridos na sequência didática, de modo que, ao propor a atividade de

retextualização aos alunos, o professor deve atentar-se para o propósito e o objetivo final, pois,

a depender do propósito, o nível de linguagem do texto final pode variar. Por exemplo, se a fala

espontânea, em conversas dialogadas entre amigos, ou exposições monologadas descontraídas,

em contextos informais, forem transcritas e retextualizadas, o texto final tenderá a ser menos

formal. Se a retextualização for feita a partir de um discurso oral político, o texto final,

certamente, terá uma carga mais tensa ou de maior formalidade.

São várias as possibilidades de aplicação desse processo, inclusive se o objetivo for

identificar o dialeto social empregado por um grupo de alunos em determinada comunidade de

fala. Nesse caso, além de se atentar para os níveis de fala ali empregados (cf. PRETI, 2003a),

obviamente, o professor poderá utilizar-se do procedimento para abordar assunto referente às

variedades linguísticas e suas aplicabilidades dentro de cada contexto de uso. Para essa situação,

os propósitos, acredita-se, terão de ser diferentes dos já elencados anteriormente neste texto. A

sequência didática aqui proposta, no entanto, ou uma outra com o mesmo intuito, deverá ter

grande relevância nesse processo.

Por exemplo, “o dialeto culto, eleito pela própria comunidade como o de maior prestígio,

refletindo um índice de cultura a que todos pretendem chegar” (PRETI, 2003a, p. 31), pode ser

trabalhado com o aluno no sentido de apresentar a ele a possibilidade de se familiarizar com

essa linguagem, pois, considerado como língua-padrão, esse dialeto quase sempre usado pela

literatura e por outras formas de linguagem escrita, serve diretamente aos propósitos do ensino,

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mas também a abordagem deverá salientar as várias possibilidades de manejo no uso da

linguagem em situações específicas.

Nesse momento, a retextualização poderá levar o educando a entender, por exemplo, que

fala e escrita possuem semelhanças e diferenças que não se limitam apenas ao código.

Entretanto, é imprescindível ressaltar que, apesar de o processo ir bem além da transcodificação

em si, há várias etapas dele nas quais o sucesso dependerá mesmo dos propósitos e objetivos.

Pode-se citar, como exemplo, o fator compreensão de conteúdo, que é um processo cognitivo

acerca do qual não se pode ter muito controle porque passa por questões subjetivas e/ou

contextuais que, em alguns casos, pode, até, tornar o texto distorcido quando houver a passagem

de um texto para outro, visto que, “dentro desta perspectiva, as ações verbais são ações

conjuntas, já que usar a linguagem é sempre engajar-se em alguma ação em que ela é o próprio

lugar onde a ação acontece, necessariamente em coordenação com os outros” (KOCH, 2015, p.

43). Há de se considerar, todavia, que nem sempre a existência de conteúdos diferentes entre o

texto original e o retextualizado, fará com que este último seja considerado falseamento ou

distorção, mas uma interpretação um pouco diferente daquele (cf. MARCUSCHI, 2010, p. 103).

Quanto à relação entre gêneros textuais originais e os gêneros textuais a serem

transcodificados e, posteriormente, retextualizados, pode-se verificar que, quando os gêneros

são os mesmos, as transformações são um tanto menores. Nos casos de gêneros textuais

diferentes, porém, a transformação pode mostrar-se mais acentuada. O que se propõe, neste

caso, é que o professor comece a trabalhar com as atividades de retextualização usando o

mesmo gênero textual.

O gênero oral a ser trabalhado deverá ser o mesmo a ser retextualizado para que, só depois

de ter familiarizado os alunos com o processo, passe a trabalhar com transposições de gêneros

diferentes – mas isso não deve ser estanque, pois “não se deve encarar a aprendizagem da

expressão como um procedimento unitário, mas sim como um conjunto de aprendizagens

específicas de gêneros textuais variados” (SCHNEUWLY e DOLZ, 2011, p. 101). O gênero

texto de opinião, por exemplo, na modalidade oral, não se modifica em nada com o mesmo

gênero na modalidade escrita, resguardadas as características peculiares de cada modalidade,

obviamente.

As operações decorrentes do processo de retextualização, em especial da fala para a

escrita, portanto, requerem uma série de habilidades que o professor deverá despertar em seu

aluno. Entre essas habilidades, as quais se encontram detalhadas no referencial teórico desta

dissertação, estão a substituição do turno (na fala a “duas mãos”) ou da pausa (no texto oral

monologado) pelo parágrafo; a eliminação de algumas marcas contextuais (interacionais) que

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são restritas à língua falada e sua substituição pela pontuação (ponto final, vírgula, dois-pontos

etc.); a extinção de repetições, redundâncias, autocorreções instantâneas; aplicação diferenciada

com seleção do léxico e de estruturas sintáticas visando mais formalidade no texto final (cf.

MARCUSCHI, 2010, p. 74), entre várias outras aplicações.

Segundo essa perspectiva, portanto, as atividades com retextualização em sala de aula

tornam as aulas de ensino de língua portuguesa, em especial as destinadas à produção textual,

bastante enriquecedoras e mais interessantes, pois conduzem o aluno a uma visão mais ampla

das características da escrita e da oralidade, ao lidar com a praticidade de operações dessas

atividades. Dito de outro modo, o discente entenderá mecanismos práticos de funcionamento

de cada modalidade da língua revolvendo os textos, operando-os na oralidade, na escrita,

entendendo as manifestações da língua e desfazendo preconceitos.

No que se refere à retextualização da oralidade para a escrita, este processo é pouco ou

nada abordado no ensino da produção textual dos alunos e para o desenvolvimento de sua

competência comunicativa em sala de aula. Assim, esta dissertação trata a retextextualização

pela passagem da oralidade para a escrita num mesmo gênero textual: o gênero opinativo, pois

construir opiniões mostra-se importante para as práticas sociais dos alunos em suas interações

sociocomunicativas, no dia a dia, em sincronia com o mundo do trabalho – momento em que

se requer do indivíduo não só habilidades técnicas no exercício de suas funções, mas também

competência comunicativa no trato com a sociedade em geral, como clientes, empregador,

superiores e pares.

Em síntese, este capítulo busca dialogar com as recomendações propostas nos PCN,

acrescentando-lhes detalhes acerca de como elas poderiam situar o ensino do processo de

retextualização, tanto na mudança de um gênero textual para outro na transformação da

oralidade para a escrita, como na mudança da oralidade para a escrita situada num mesmo

gênero textual. Todavia, o que se constata no ensino da produção textual, em nossas escolas, é

maior atenção dos professores, em sua grande maioria, a abordagens pedagógicas distantes das

recomendações dos documentos oficiais em consonância com as pesquisas linguísticas das

últimas décadas, inclusive no que concerne a esta pesquisa.

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Capítulo 2

Oralidade, letramento e escrita como práticas sociais

Numerosas pesquisas têm sido realizadas nas últimas décadas acerca da oralidade. Tanto

nas ciências sociais quanto nas ciências humanas, um número significativo de trabalhos vem

ganhando espaço, inclusive em pesquisas que a comparam com a língua escrita. Apesar disso,

ainda se pode aprender muito sobre essa relação:

Sociólogos, antropólogos, educadores, psicólogos e linguistas têm se debruçado sobre

o assunto e, diante de tanto interesse, era de se esperar que as características da fala e

da escrita já tivessem sido analisadas exaustivamente, porém, se há muitos trabalhos,

a concordância entre eles é pequena (FÁVERO; ANDRADE e AQUINO, 2012, p.

11).

O fato é que, atualmente, se conhece muito mais sobre as relações entre oralidade e

escrita, bem como as particularidades que envolvem cada uma dessas manifestações da língua,

do que há algumas décadas. Hoje, mostra-se praticamente impossível investigar oralidade e

letramento sem associar, direta ou indiretamente, o papel dessas duas práticas na civilização

contemporânea. Dessa mesma forma, torna-se impossível observar satisfatoriamente as

semelhanças e diferenças entre a língua falada e a língua escrita sem considerar a forma de seus

usos na vida cotidiana, conforme assinala Marcuschi (2010).

Esse fato ocorre porque o texto falado e o escrito desenvolvem-se por meio de um evento

sociocomunicativo. Sendo assim, fica difícil, ou até impossível, a investigação no tratamento

das relações entre essas duas formas de manifestação da língua, focalizando, exclusivamente,

o sistema linguístico: o código. Isso não significa, simplesmente, apenas mudança de

perspectiva, mas “representa a construção de um novo objeto de análise e uma nova concepção

de língua e de texto, agora vistos como um conjunto de práticas sociais” (MARCUSCHI, 2010,

p. 15).

Partindo do pressuposto de que lidamos com práticas sociais envolvendo letramento,

oralidade e escrita, importa salientar que as línguas se fundam e se realizam em usos, e não em

regras abstratas e descontextualizadas. Nessa visão, letramento, portanto, em consonância com

a oralidade, compreende variadas práticas sociais e estão, como se verá nesta dissertação,

completamente dependentes entre si.

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Dessa forma, ao falar em letramento, Marcuschi (idem) sugere que se use a expressão

letramentos, no plural, ou seja, práticas de letramentos, visto que a própria escrita se caracteriza

como uma das formas de letramento, pois elas podem se manifestar em eventos nos quais a

escrita, a oralidade, a compreensão e a interação se encontram intrinsecamente ligadas.

Entretanto, segundo o autor, nem sempre isso foi assim, visto que o letramento, formalmente

falando, sempre esteve associado ao uso da escrita – assim como oralidade e escrita, oralidade

e letramento eram considerados como práticas dicotômicas, “atribuindo-se à escrita valores

cognitivos intrínsecos no uso da língua, não se vendo nelas duas práticas sociais”

(MARCUSCHI, 2010, p. 16).

Atualmente, prevalece a posição de que se pode conceber oralidade e letramento como

atividades interativas que se complementam no cotidiano contextual das práticas culturais e

sociais. Adotando-se a posição de que lidamos com práticas sociais de letramento e oralidade,

é de suma importância considerar que as línguas se fundam em usos, isto é, da oralidade para a

escrita; dos usos cotidianos para a formalidade, de modo que são as formas que se adequam aos

usos, não o inverso. Logo,

pouco importa que a faculdade da linguagem seja um fenômeno inato, universal e

igual para todos, à moda de um órgão como o coração, o fígado e as amígdalas, o que

importa é o que nós fazemos com esta capacidade. E isto que nós fazemos será o objeto

central de nossa investigação neste momento. Trata-se de uma análise de usos e

práticas sociais e não de formas abstratas. Estas, [...], estarão sendo analisadas a

serviço daquelas, os usos, e não o contrário (MARCUSCHI, 2010, p. 16).

De certo modo, a escrita tornou-se uma prática social indispensável para o enfrentamento

do dia a dia. Nesse sentido, ela pode ser entendida como essencial até para a própria

sobrevivência do ser humano no mundo moderno. Isso não deve ser visto, no entanto, por

virtudes que lhe são inerentes, mas pela forma como foi imposta; a força com que se arraigou

nas sociedades modernas e se impregnou nas culturas de um modo geral: “Por isso, friso que

ela se tornou indispensável, ou seja, sua prática e avaliação social a elevaram a um status mais

alto, chegando a simbolizar educação, desenvolvimento e poder” (MARCUSCHI, 2010, p. 17).

Todavia, de um ponto de vista da realidade da natureza humana, seria possível definir o

ser humano como um ser que tem a fala como inerente a sua própria natureza – o que não se

pode falar da escrita. No entanto, isso não quer dizer que a oralidade esteja em grau de

superioridade, se comparada com a escrita, nem traduz a convicção, já largamente refutada, de

que a escrita é derivada e a fala é primária. Também, de modo algum, tratando-se da escrita,

pode-se afirmar que esta é a representação daquela, uma vez que a escrita não consegue

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reproduzir muitos dos fenômenos da oralidade, tais como a prosódia, a gestualidade e os

movimentos do corpo e dos olhos (como é óbvio), entre outros. A escrita, por sua vez, possui

elementos próprios, mas ausentes na fala, como, por exemplo, tamanho e tipo de letras, cores e

formatos etc.

Por conseguinte, a oralidade e a escrita são diferentes modalidades de usos da língua com

características peculiares, mas não abastadamente opostas – como se fossem dois sistemas

linguísticos diferentes – nem operam numa dicotomia – concepção errônea, baseada num antigo

pressuposto de que a fala não é planejada e, portanto, caótica em comparação com a escrita,

que seria mais planejada e ordenada.

No entanto, pesquisas de autores, como Preti (2003b), Kleiman (2012), Marcuschi (2010)

e Fávero, Andrade e Aquino (2012), apenas para citar alguns, têm mostrado que, igualmente à

escrita, a língua falada pode ser perfeitamente planejada, formal e organizada, resguardadas as

suas particularidades: “Em primeiro lugar, porque nem toda escrita é formal e planejada, nem

toda oralidade é informal e sem planejamento” (KLEIMAN, 2012, p. 28). Em segundo lugar,

pode haver elevado grau de informalidade na escrita, como pode haver elevado grau de

formalidade na fala.

Pode-se citar, como exemplo, o internetês (que se utiliza de uma linguagem informal,

mesmo na escrita – principalmente entre adolescentes – e, na maioria das vezes, abreviada) e

as cartas pessoais que têm, via de regra, baixíssimo grau de formalidade, embora sejam textos

escritos. Em contrapartida, deparamo-nos com uma conferência universitária que, apesar de ser

uma prática da oralidade, apresenta altíssimo grau de formalidade. Portanto, “ambas permitem

a construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos

e exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante”

(MARCUSCHI, 2010, p. 17).

Embora as duas modalidades da língua, a oral e a escrita, não se limitem a som e grafia,

basicamente são essas duas diferenças que norteiam suas realizações. Todavia, uma eventual

eficácia comunicativa e um eventual potencial cognitivo jamais devem ser vetores relevantes

que distingam a oralidade da escrita.

Em suma, eficácia comunicativa e potencial cognitivo não são vetores relevantes para

distinguir oralidade e escrita, de modo que a tese da grande virada cognitiva que a

escrita, de modo especial a escrita alfabética, representaria com seu surgimento na

humanidade, não passa de um mito já superado (MARCUSCHI, 2010, p. 17).

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Vários autores, de acordo com Marcuschi, defenderam que a capacidade de

desenvolvimento tecnológico e formal seria impossível sem a disseminação da escrita como,

por exemplo, Valter Ong (1982) e Jack Goody (1998) com suas respectivas obras “Oralidade e

cultura escrita: a tecnologização da palavra” e “A domesticação do pensamento selvagem”.

Essa tese, postulada, inicialmente, pelos referidos autores, tornou-se largamente refutada – os

próprios autores já a abandonaram (cf. MARCUSCHI, 2010, p. 17).

O que não se discute, por ser óbvio, é que todos os povos, indistintamente, têm ou tiveram

uma tradição oral, entretanto poucos têm ou tiveram uma tradição escrita – o que, supostamente,

tornaria esta inferior ou menos importante que aquela – trata-se apenas de perceber que a

oralidade possui uma história cronológica indiscutível à frente da escrita. Por outro lado, a

cultura da escrita suplantou a oralidade por muito tempo, impondo-se à sociedade com tamanha

força que, de certo modo, passou a ter valor social até superior ao da oralidade.

Mais do que se preocupar com a primazia, superioridade e importância entre oralidade,

letramento e escrita – e até mesmo mais relevante do que observar seus simples usos na língua

–, está a incumbência de esclarecer a natureza dessas práticas, envolvendo o uso da língua nas

suas formas falada e escrita e como elas se concretizam na sociedade.

Para Marcuschi, essas práticas determinam o lugar, o papel e o grau de relevância da

oralidade e das práticas do letramento numa sociedade e legitimam a questão dessa relação

entre ambas, posta no alicerce de um contínuo sócio-histórico de práticas. Esse contínuo pode

ser mais bem especificado se observadas outras formas de comunicação como, por exemplo,

no formato de uma gradação ou mesclagem.

Veja-se hoje a questão tão discutida das comunicações escritas ditas “síncronas”, [...],

em tempo real pela internet, produzidas nos famosos bate-papos. Temos aqui um

modo de comunicação com características típicas da oralidade e da escrita,

constituindo-se, esse gênero comunicativo, como um texto misto situado no

entrecruzamento de fala e escrita (MARCUSCHI, p. 18, 2010).

Dessa forma, algumas propriedades atribuídas apenas à fala antes do advento em massa

da informática, como interação simultânea e presencial, já se tornaram tecnologicamente

possíveis na prática da escrita à distância. A novidade mais notável, talvez, seja na nova forma

de se relacionar com a escrita, mas não necessariamente uma nova forma de escrita ou novas

formas textuais; mudam-se os canais – o computador, o smartphone, por exemplo; mudam-se,

possivelmente, a maneira de lidar com a grafia – muitas vezes, acontecem abreviações –, as

adequações aos canais, como bate-papos mais descontraídos etc. e, portanto, menos formais,

entre outras características peculiares.

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Assim, a fala, como operação da prática oral, é adquirida continuamente em contextos

informais do cotidiano e nas relações sociais e dialógicas que têm início desde que o indivíduo,

quando bebê, começa a dar seus primeiros sinais de interação com os adultos. Para Marcuschi,

mais do que uma disposição biogenética, o aprendizado e o uso de uma língua natural, de certo

modo, são uma forma de inserção cultural e de socialização. De outro lado, a escrita – como

operação formal do letramento –, principalmente em sua faceta institucional, é adquirida em

contextos formais: as instituições de ensino. Consequentemente, esta última tem maior prestígio

social como bem cultural desejável, em detrimento da primeira – o que não quer dizer, como já

visto, que a escrita seja o lugar da formalidade, e a oralidade, o da informalidade.

2. 2.1 Letramento, alfabetização e escolarização: três práticas imbricadas

A palavra letramento parece ainda carecer de consenso em sua definição entre os

estudiosos, educadores, linguistas e professores em geral. Aqui, acerca de sua definição e

conceituação, adotar-se-ão as postulações de Soares (1998; 2010), Marcuschi (2010) e Kleiman

(2012).

No Brasil, a palavra letramento representa um termo novo no vocabulário dos estudiosos

da educação, das ciências linguísticas e entre acadêmicos em geral. Uma das primeiras

ocorrências do termo está na obra de Mary Kato No mundo da escrita: uma perspectiva

psicolinguística, de 1986. Uma das postulações de Kato, nesta obra, é que a língua falada culta

decorre do letramento.

Por definição, se se considerar a morfologia da palavra, seu significado se restringe ao

resultado da ação de se letrar, visto que é acrescentado à palavra letra o sufixo mento – resultado

de uma ação, por exemplo, ferimento significa resultado da ação de ferir. No entanto, se se

considerar a palavra letramento dentro de um contínuo de práticas sociais, apropriar-se da

leitura e da escrita é diferente de saber ler e escrever (cf. SOARES, 1998, p. 39).

De acordo com Soares (1998), o letramento vai além da alfabetização, pois há pessoas

alfabetizadas que não sabem fazer uso efetivo da leitura e da escrita. Letrar, portanto, para a

autora, é ensinar a ler e a escrever dentro de um contexto no qual a escrita e a leitura tenham

um sentido e façam parte das decisões do cotidiano do aluno, de forma que o conceito restrito,

e, anteriormente, atribuído à alfabetização como modelo de ensinar a ler e a escrever, se ampliou

e ganhou novo conceito: letramento.

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A autora ainda postula que o ideal seria alfabetizar letrando: ensinar a ler e a escrever no

conjunto de todas as práticas sociais da leitura e da escrita, de maneira que o indivíduo se torne,

ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado; que o indivíduo se aproprie da escrita e consiga não

apenas decodificar códigos linguísticos, mas também destrinchar textos em seus variados

gêneros e se envolver em situações do dia a dia, incorporando em sua vida as práticas sociais

que demandam escrita e leitura.

De maneira semelhante, Marcuschi considera que “o letramento é um processo de

aprendizagem social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos

utilitários, por isso é um conjunto de práticas, ou seja, letramentos, como bem disse Street

(1995)” (MARCUSCHI, 2010, p. 21).

De certo modo, como se sabe, o processo de letramento, além do papel que as instituições

oficiais de ensino têm construído com e pelos alunos, é fruto de interações sociais que

dependem muito do meio social no qual a pessoa está inserida, uma vez que as manifestações

de letramento, e seu processo de aquisição, principalmente no que diz respeito ao resultado do

processo de aprendizagem da escrita, têm seu grau de realização dentro daquele contexto em

que o indivíduo se encontra.

Até porque, de um lado, nem todas as sociedades alfabetizadas são, de fato, consideradas

letradas – na perspectiva do letramento adotado aqui – ou, se o são, nem sempre há um alto

grau de letramento; de outro lado, há sociedades ágrafas que podem até possuir certo grau de

letramento, se se considerar que a escrita tem influenciado suas práticas, como é o caso de povos

indígenas ou silvícolas semianalfabetos ou analfabetos que têm certo contato com civilizações

na qual a escrita e a leitura fazem parte de suas práticas sociais.

[...] O desenvolvimento de linguagem escrita ou do processo de letramento da criança

é dependente, por um lado, do grau de letramento da(s) instituição (ões) social (ais) –

família, (pré-)escola) etc. – em que está inserida. Ou seja, da maior ou menor presença,

em seu cotidiano, de práticas de leitura e de escrita. E, por outro lado, [...] seu processo

de letramento será também dependente dos seus ‘diferentes modos de participação’

nas práticas discursivas orais em que estas atividades ganham sentido (ROJO, 2012,

p. 70).

Considerando, portanto, que a escrita influencia a oralidade e vice-versa, o

desenvolvimento da capacidade das práticas sociais de escrita de dada sociedade, ou grupo

social, dependerá em muito de como essa sociedade lida com a oralidade, bem como com

práticas de letramento, pois há crianças ainda não alfabetizadas, e, portanto, sem conhecimento

da escrita, mas que, de algum modo, possuem certo grau de letramento – conseguem identificar

que uma porta não é uma janela, que uma televisão não é um sofá, ou que só se deve atravessar

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um cruzamento quando o semáforo estiver verde para ela, por exemplo, por já ter ouvido um

adulto falar as palavras porta, vermelho, verde, amarelo, televisão etc. associadas aos

respectivos objetos.

Portanto, é por meio do grau de letramento familiar, e também da instituição escolar ou

pré-escolar em que a criança está inserida “que lhe permite construir uma relação com a escrita

como prática discursiva e como objeto” (ROJO, 2012, p. 70).

O letramento pode, ainda, envolver diversas práticas da escrita, da leitura e de atividades

cotidianas em suas abundantes formas entre os indivíduos de uma dada sociedade. Por exemplo,

há indivíduo semianalfabeto (e analfabeto), mas que possui certo grau de letramento à medida

que consegue identificar o valor do dinheiro, identificar o trem, o metrô ou o ônibus que deve

tomar, fazer cálculos complexos, identificar mercadorias por meio de suas marcas, ditar para

outra pessoa escrever um conteúdo de uma carta ou um e-mail, entre outras coisas, mas

[...] não escreve cartas, bilhetes, e-mails etc., nem lê jornal regularmente, até uma

apropriação profunda, como no caso do indivíduo que desenvolve tratados de

Filosofia e Matemática ou escreve romances. Letrado é o indivíduo que participa de

forma significativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz um uso

formal da escrita (MARCUSCHI, 2010, p. 25).

Por fim, para os conceitos de alfabetização e escolarização, adotar-se-ão, também, as

considerações de Soares (2010) e Marcuschi (2010).

É evidente que, de certo modo, a aprendizagem da língua materna, quer oral, quer escrita,

torna-se um processo permanente a partir do momento em que se inicia esse processo:

“entretanto, é preciso diferenciar um processo de aquisição da língua (oral e escrita) de um

processo de desenvolvimento da língua (oral e escrita); este último é que, sem dúvida, nunca é

interrompido” (SOARES, 2010, p. 15). Alfabetizar significa “levar a aquisição do alfabeto”;

ensinar o código da língua escrita ou, simplesmente, ensinar habilidades de ler e escrever.

Alfabetizar nada mais é que o processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura

e escrita. Nessa perspectiva, portanto, alfabetizar pode significar o domínio da “mecânica” da

língua escrita, o que pode significar, também, “a habilidade de codificar a língua oral em língua

escrita (escrever) e de decodificar a língua escrita em língua oral (ler)” (SOARES, 2010, p. 15).

Marcuschi (2010), por sua vez, considera que a alfabetização pode se desenvolver, como

realmente já ocorreu no curso da história, fora da instituição escolar, entretanto é sempre um

aprendizado mediante ensino e abrange o domínio sistemático e ativo das habilidades de ler e

escrever. Em vista disso, a alfabetização pode ocorrer no ambiente escolar ou fora dele – por

exemplo, “a Suécia alfabetizou 100% de sua população já no final do século XVIII no ambiente

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familiar e para objetivos que nada tinham a ver com o desenvolvimento, e sim com práticas

religiosas e atitudes de cidadania” (MARCUSCHI, 2010, p. 22).

Como se vê, as considerações e os estudos dos últimos anos acerca da alfabetização têm,

de certo modo, diferenciado essa prática escolar daquilo que atualmente se convencionou

chamar de letramento. Ainda para Soares (1998), alfabetização é a ação de alfabetizar, de tornar

um indivíduo alfabeto. É o ato de levar o indivíduo a ser capaz de ler e escrever.

No que concerne à escolarização, o próprio termo já facilita sua compreensão, pois pode

ser entendida como a submissão a processos de aprendizagem no ambiente escolar. Marcuschi

a conceitua como uma prática formal e institucional de ensino, cujo objetivo é a formação

integral do indivíduo. Dessa forma, a alfabetização representa apenas uma das atribuições da

escola, pois, como dito anteriormente, alfabetização e escolarização, embora sejam duas

práticas intrinsecamente ligadas – quando praticadas simultaneamente num mesmo ambiente,

a segunda pode abranger a primeira, mas o contrário não necessariamente acontece, porque a

alfabetização pode ocorrer, como visto, no seio familiar, enquanto que a escolarização, só no

ambiente escolar – não são a mesma prática social.

Assim, torna-se fundamental entender que, no Brasil, a questão do ensino da Língua

Portuguesa no que concerne ao letramento e à alfabetização não requer mais a busca pelo direito

à escolarização, principalmente pelas camadas populares, uma vez que, nas últimas décadas,

houve significativa adesão dessas camadas mais pobres aos espaços escolares – antes ocupados,

majoritariamente, por filhos de famílias abastadas cultural e financeiramente.

No entanto, atualmente o que se requer, além da já mencionada expansão quantitativa no

ensino fundamental e ensino médio, é a necessidade de uma mudança qualitativa da escola em

sincronia com as novas perspectivas de ensino, principalmente acerca da nova concepção de

letramento, respaldadas por grande parte dos pesquisadores.

No caso específico do ensino da Língua Portuguesa, o acesso à escola das crianças

pertencentes às camadas populares trouxe para as salas de aula a inusitada presença

de padrões culturais e variantes linguísticas diferentes daqueles com que essa

instituição estava habituada a conviver - os padrões culturais e a variante linguística

das classes dominantes, às quais tradicionalmente vinha servindo (SOARES, 2010, p.

100).

Logo, além de desenvolver seu conhecimento e domínio do sistema ortográfico, o

aprendiz da língua escrita, também, deve desenvolver o conhecimento e a utilidade da escrita

como discurso, ou seja, como operação real de enunciação, indispensável e adequada a

determinadas situações de interação e realizada em unidades estruturadas – os textos – que

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respeitam regras discursivas pertinentes (recursos de coesão, coerência, informatividade, dentre

outros).

2 2.2 Língua falada e língua escrita: dialogismo ou dicotomia?

Como visto, variados estudos linguísticos, e com diferentes objetivos, têm sido realizados

nos últimos anos sobre a língua falada, principalmente em concomitância com a língua escrita;

ainda, assim, há muito o que se desvendar sobre ela, inclusive acerca de como a fala tem

influenciado a escrita e vice-versa.

Tradicionalmente, como se sabe, “a escrita, sobretudo a literária, sempre foi considerada

a verdadeira forma de linguagem, e a fala, instável, não podendo constituir objeto de estudo”

(FÁVERO; ANDRADE e AQUINO, 2012, p. 12). Desse modo, as gramáticas, na escola, tratam

essa relação tendo como critério a língua escrita, o que é um equívoco, pois a língua falada

possui suas próprias características e requer um tratamento à parte. Diferentemente da escrita,

a língua falada se funda em “uma prática social interativa para fins comunicativos que se

apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde

uma realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de uso”

(MARCUSCHI, 2010, p. 25).

A escrita, por sua vez, é um modo de manifestação da língua em que sua produção

textual-discursiva tem fins comunicativos com certas especificações materiais, caracterizadas

por uma constituição gráfica. Trata-se, desse modo, de uma modalidade de uso da língua

complementar à fala – o que será discutido ao longo desta dissertação. Para essas considerações,

ter-se-ão, como base, as postulações de Marcuschi (2010); Marcuschi (2003); Fávero, Andrade

e Aquino (2012); Preti (2003a); Preti (2003b); Koch (2015), dentre outros. A despeito da imensa

penetração da escrita e de sua predominância no mundo, “parece que hoje redescobrimos que

somos seres eminentemente orais” (MARCUSCHI, 2010, p. 24).

Segundo Marcuschi, essa eminência, embora não se esteja falando de grau de

importância, ocorre por causa do tempo em que a escrita entrou e se disseminou pelo mundo: a

cronologia é muito simples: enquanto a espécie do homo sapiens já data de cerca de um milhão

de anos, a escrita, por sua vez, surgiu há pouco mais de 3 mil anos A.C., ou seja, há 5 mil anos,

mas, no ocidente, ela entrou por volta de 600 A.C., tendo, portanto, pouco mais de 2500 anos,

hoje. Além do mais, pelas práticas sociais, o ser humano usa mais a oralidade que a escrita.

Ainda segundo o autor, a imprensa, surgida no ano de 1450, teria, assim, pouco menos

de 600 anos. A maioria dos estudiosos aponta que a alfabetização, como fenômeno cultural de

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massa, foi praticamente ignorada nos primeiros dois mil anos de sua história, ficando restrita a

uns poucos povos e sociedades.

Na atual conjuntura, contudo, tanto a oralidade quanto a escrita estão em grau de

igualdade nos estudos da comunicação humana, se seus papéis e contextos de usos não forem

confundidos, nem discriminados seus usuários – apesar de a escrita ter ocupado maior prestígio

social, erroneamente. Embora o engenho humano a tenha criado tardiamente em relação ao

surgimento da oralidade, ela foi permeando quase todas as práticas sociais dos povos em que

penetrou. Atualmente, portanto, “a escrita é usada em contextos sociais básicos da vida

cotidiana, em paralelo com a oralidade. Estes contextos são, entre outros: “o trabalho, a escola,

o dia a dia, a família, a vida burocrática, a atividade intelectual” (MARCUSCHI, 2010, p. 19).

Em cada um dos contextos acima referidos, a ênfase e os objetivos dos usos da escrita

são muito variados. Inevitáveis relações entre escrita e contextos sociais foram sendo criados

desde o seu surgimento, tornando-se evidente o aparecimento de formas comunicativas, bem

como terminologias e expressões características, fenômenos históricos vinculados à vida social

e cultural, frutos de trabalho coletivo etc. organizados, na escrita e também na oralidade, por

meio de gêneros textuais – formas textuais típicas, relativamente estáveis, com funcionamentos

e atividades específicos, conforme se detalhará à frente.

Desde o advento da escrita há cinco mil anos, poderosas funções da sociedade

(incluindo o direito, o governo e a economia) têm sido de modo crescente mediadas

através de textos escritos. Esse desenvolvimento da escrita tem sido acompanhado por

uma proliferação de formas escritas e situações que requerem a escrita – encaixadas

dentro de sistemas de atividades cada vez mais complexos mediados por esses

documentos (BAZEMAN, 2011, p. 15).

Sendo assim, a questão dos textos não deve ser classificada apenas pela forma, visto que

outras análises se tornam mais importante como, por exemplo, o que se pretende realizar com

o que falamos ou escrevemos, e o que os interactantes entendem entre si com o que estão

tentando dizer ou fazer – “o ato pretendido e seu efeito real” (BAZERMAN, 2011, p. 28). A

título de exemplificação, alguém pode escrever um e-mail para um amigo contando os últimos

acontecimentos em sua vida, mas sua intenção ilocucionária pode ser a de preservar uma

simples amizade ou requerer uma resposta escrita sobre a resolução de um determinado

problema anteriormente discutido.

Dessa forma, diferentemente de alguns autores, Bazerman recusa a visão apenas

formalista das teorias e metodologias de gêneros e sugere a visão sociodiscursiva como a mais

adequada. O autor argumenta que a sociedade é uma entidade concreta na qual seus membros

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estão sujeitos a mudanças constantes e tendem a viver colaborativamente – ninguém fala ou

escreve para si mesmo e sem nenhum objetivo.

Nessa mesma linha, Preti (2003a) postula que o caráter social de uma língua tem sido

amplamente demonstrado com os estudos pós-estruturalistas, de maneira que hoje seu papel

está cada vez mais relevante nas relações interpessoais. Para o autor, não há uma relação de

mera causalidade entre sociedade e língua. A língua, portanto, funciona como um meio de

interação entre os indivíduos da sociedade em que vivem.

Assim, nas civilizações que mais avançaram tecnologicamente, a língua passou a ser o

suporte dinâmico dessas sociedades e compreende não apenas as relações diárias entre seus

membros, mas também uma atividade intelectual que ocorre a partir do fluxo informativo dos

meios de comunicação de massa até a vida escolar, científica, cultural ou literária: “Em todos,

a língua desempenha um papel preponderante, seja em sua forma oral, seja através de seu

código substitutivo escrito” (PRETI, 2003a, p. 12).

Dessa forma, a língua falada e a língua escrita são eventos sociocomunicativos, que só

têm sentido dentro de um processo interacional, de modo que “todo texto é resultado de uma

coprodução entre interlocutores: o que distingue o texto escrito do falado é a forma como tal

coprodução se realiza” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 13).

No texto escrito, nem sempre se tem uma destinação imediata ou interação em tempo

real – exceto no caso das atuais redes sociais, pois, embora os interlocutores não estejam

presentes, a conversação acontece por meio do código escrito da língua –, não havendo

participação ativa e direta de um interlocutor que possa interferir na elaboração linguística do

texto, em vista do distanciamento que existe entre quem escreve e quem lê. Nele, a

dialogicidade estabelece-se numa relação ideal, na qual quem escreve leva em consideração a

perspectiva de quem lê, dialoga com determinados tipos de leitor, cujas respostas e reações ele

prevê (cf. KOCH e ELIAS, 2010, p. 13).

Dessa maneira, para essa modalidade da língua, ao invés do que acontece com o texto

falado, os contextos de produção e de recepção, de modo geral, desde que produtor e leitor não

se encontrem copresentes, não há coincidência nem em termos de tempo nem de espaço. Desse

jeito, o produtor do texto tem mais tempo para planejar uma elaboração mais cuidadosa do

texto, sua revisão, entre outras coisas. Portanto, na escrita, apesar de a interação (reciprocidade)

ter importância, a ausência física (ou em tempo real) do interlocutor/leitor traz consigo

possibilidades de reformulações prévias, tendo como consequência um tipo de vínculo

diferenciado do que acontece na fala.

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Para as autoras, o texto falado, surge no exato momento da interação – excetuando-se aí

algumas interações em redes sociais, a exemplo do atual WhatsApp – no qual as conversas ficam

gravadas, podendo ser respondidas posteriormente. Assim, no caso do texto falado, como os

interlocutores estão copresentes, a interlocução é ativa, o que implica processo de coautoria,

refletido na materialidade linguística por marcas da produção verbal conjunta – com exceção

de alguns monólogos, por serem produzidos por um único autor, ainda que este esteja

interagindo intertextual e intencionalmente com seus eventuais interlocutores, mesmo que isso

não ocorra simultaneamente.

Ainda com relação à fala (ou ao texto falado), constata-se que sua natureza interativa

constitui sua principal característica e objetivo, pois é por intermédio dessa interação que todo

discurso oral vai se estruturando, ou seja, por meio dela, cria-se um processo de geração de

sentidos em que os participantes da conversação (no caso dos diálogos, trílogos etc.) fazem uma

relação simultânea com a comunicação.

Como se pode perceber, fala e escrita são duas modalidades da língua, portanto. Desse

modo, embora elas se utilizem do mesmo sistema linguístico, cada uma dessas modalidades

possui características peculiares, como referido anteriormente. Em outras palavras, a escrita não

se constitui em mera transcrição da fala, como muitas vezes se pensa. Por isso, a “oralidade não

pode ser vista isoladamente, isto é, sem relação com a escrita, pois elas mantêm entre si relações

mútuas e intercambiáveis” (FÁVERO; ANDRADE e AQUINO, 2012, p. 15).

Nessa perspectiva, cujo princípio geral está na visão não dicotômica da relação entre

oralidade e escrita, essa relação ocorre num contínuo fundado nos próprios gêneros textuais em

que se manifesta o uso da língua no dia a dia. Mas nem sempre foi assim:

A rigor, esta perspectiva tem matizes bem diferenciados. De um lado, temos autores

linguístas como Bernstein (1971), Labov (1972), Halliday (1995, numa primeira fase),

Ochs (1979), representante das dicotomias mais polarizadas e visão restrita. De outro

lado, temos autores como Chafe (1982, 1984, 1985), Tannen (1982, 1985), Gumperz

(1982), Biber (1986, 1995), Blanche-Benveniste (1990), Halliday/Hasan (1989), que

percebem as relações entre fala e escrita dentro de um contínuo, seja tipológico ou da

realidade cognitiva e social (MARCUSCHI, 2010, p. 27).

De modo geral, no caso das dicotomias estritas (ou restritas), trata-se de uma análise que

se volta para o código linguístico e se mantém na imanência desse fato. Essa perspectiva, na

sua forma mais inflexível e restritiva, tal e qual vista pelos gramáticos, originou o prescritivismo

de uma única norma linguística considerada padrão e que está representada na chamada norma

culta (cf. MARCUSCHI, 2010). Essas postulações deram origem às dicotomias que separam a

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língua falada da língua escrita em dois segmentos distintos, atribuindo-lhes propriedades

típicas, tais como as que se podem ver no quadro a seguir.

Quadro 01- Dicotomias estritas

LÍNGUA FALADA VERSUS LÍNGUA ESCRITA

Contextualizada Descontextualizada

Dependente Autônoma

Implícita Explícita

Redundante Condensada

Não planejada Planejada

Imprecisa Precisa

Não normatizada Normatizada

Fragmentária Completa

Fonte: MARCUSCHI, 2010, p. 27.

Como se vê, a perspectiva da dicotomia estrita possui o contratempo de fazer postulações

acerca da fala como o lugar do “erro” e do caos gramatical, fazendo da escrita o lugar da norma

e do bom uso da língua. No entanto, nesta pesquisa, trata-se de uma visão a ser rejeitada.

Além das dicotomias estritas, há ainda de se considerar, para os estudos que nortearam a

língua escrita e a língua falada, a visão culturalista, a perspectiva variacionista e a perspectiva

sociointeracionista. Esta última, por sua vez, é a que interessa para esta pesquisa, porque, nessa

perspectiva, tanto a oralidade quanto a escrita apresentam dialogicidade, usos estratégicos

baseados nos gêneros textuais, aspectos interacionais (envolvimento), negociação (em tempo

real ou não), situacionalidade (contextualização, por exemplo), coerência e dinamicidade.

Assim sendo, a perspectiva sociointeracionista

[...] tem a vantagem de perceber com maior clareza a língua como fenômeno interativo

e dinâmico voltado para as atividades dialógicas que marcam as características mais

salientes da fala, tais como as estratégias de formulação em tempo real. Para Street

(1995: 162), essa tendência [...] poderia ser uma das melhores saídas para a

observação do letramento e da oralidade como práticas sociais (MARCUSCHI, 2010,

p. 33).

Por conseguinte, a proposta geral aqui defendida, aliando-se à visão variacionista e com

as considerações da Sociolinguística, Análise da Conversação e da Linguística textual, pode

trazer resultados mais seguros e adequação mais empírica e teórica, de sorte que fala e escrita

operem em dimensões multissistêmicas, ou seja, não se constituam num único aspecto

expressivo.

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Talvez seja esse o caminho mais sensato no tratamento das correlações entre formas

linguísticas [...], contextualidade (dimensão funcional), interação (dimensão

interpessoal) e cognição no tratamento das semelhanças e diferenças entre fala e

escrita nas atividades de formulação textual-discursiva (MARCUSCHI, 2010, p. 33).

Enquanto a oralidade serve-se de componentes paralinguísticos, como os gestos ou a

entonação (prosódia), para fins expressivos, a escrita se utiliza de outros elementos, como

tamanho e forma das letras, por exemplo. As semelhanças entre a língua falada e a escrita são

consideravelmente maiores que as diferenças, tanto nas características linguísticas quanto nos

aspectos sociocomunicativo-interacionais.

As duas modalidades – oral e escrita – se fundam em um contínuo, pois estão

estreitamente relacionadas e inseridas num mesmo sistema linguístico: o da língua e, no caso

aqui, da língua portuguesa, uma vez que mantêm entre si relações recíprocas e intercambiáveis.

Essas características tornam clara a importância de cada uma das modalidades e suas

potencialidades particulares que, às vezes, se mesclam e se justapõem.

Evidentemente, elas não se diferenciam apenas quanto à substância, ou à matéria-

prima da língua, substância fônica percebida pela audição, a da língua falada, gráfica

ou visual da língua escrita. Afinal, a língua escrita não constitui pura transcrição da

falada. Ao mesmo tempo não basta que a língua seja realizada oralmente, constituindo

produto perceptível pela audição, para ser considerada falada (RODRIGUES, 2003,

p. 35).

Logo, a oralidade é um aspecto essencial da língua falada, mas não o suficiente para

identificá-la como tal, visto que há textos transmitidos oralmente, no rádio, na televisão e em

outros canais de comunicação, por exemplo, que têm sua origem em textos previamente

escritos, textos realizados oralmente, mas que foram concebidos e planejados na modalidade

escrita.

2.3 2.3 Estudos da língua falada: a organização da conversação

Embora esta dissertação não trate com especificidade da conversação concebida por dois

locutores ou mais, pois os textos considerados base para as análises foram produzidos por um

único locutor, trataremos, neste item, da conversação não só enquanto passagem de turno entre

dois participantes, mas também produzida por apenas um locutor, haja vista que em toda

produção linguística, ainda que não existam dois ou mais interlocutores interagindo ao mesmo

tempo e no mesmo espaço, sempre haverá a idealização de um eventual coparticipante.

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Assim, considerou-se que os estudos da conversação oral tenham produzido resultados

importantes para o tratamento da retextualização da oralidade para a escrita. Portanto, nesta

pesquisa, “o modelo foi imaginado para abranger tanto os textos falados monologados quanto

os dialogados” (MARCUSCHI, 2010, p. 66).

Prática social mais comum nas relações humanas, a conversação, entre outros aspectos,

possui a capacidade de desenvolver o espaço individual para a construção de identidades sociais

em contextos reais, “por fim, exige uma enorme coordenação de ações que exorbitam em muito

a simples habilidade linguística dos falantes” (MARCUSCHI, 2003, p. 5). Até meados da

década de 1970, a Análise da Conversação restringia seus estudos à estrutura da conversação;

à transação das operações usadas pelos interlocutores durante uma conversa (diálogo, trílogo

etc.) e, posteriormente, passou a compreender elocuções formais, entrevistas etc.

Conforme sabemos, o estudo da modalidade oral da língua ampliou-se

consideravelmente nas décadas de 80 e 90 (do século XX) e a aplicação das teorias da

Análise da Conversação tornou possível o estudo do fenômeno da oralidade, fora dos

métodos tradicionalmente usados para análise da língua escrita (PRETI, 2003b, p. 7).

Os turnos conversacionais, suas estratégias de gestão; as leis de simetria da conversação

natural; a estruturação dos tópicos ou temas; os procedimentos de reformulação; o emprego de

sinais característicos da língua oral (marcadores conversacionais); a sobreposição de vozes

(assalto aos turnos); a densidade informativa etc. “vieram mostrar que a língua falada tem suas

regras próprias” (PRETI, 2003b, p. 8). Assim, todas as nuances desses, e de outros assuntos

ligados à língua oral, podem ser, atualmente metodologicamente estudados, inclusive sua

comparação com a escrita e sua presença no diálogo literário, se for o caso.

Infere-se daí que, muitas vezes, o que é considerado desestruturação do texto falado,

representa, na verdade, estratégias presentes na organização própria da língua falada. Pode-se

perceber, por exemplo, na produção do texto falado, o grande número de repetições decorrentes

de um planejamento simultâneo dessa modalidade, pois fazem parte da estrutura

conversacional. Em vista disso, a Análise da Conversação desenvolve um caráter empirista, no

qual o uso prático da linguagem oral é a matéria de estudo primordial, e a forma sistemática de

processar a interação é o seu principal conceito. Dessa forma, ela propõe um trabalho

fundamentado em situações reais de comunicação.

Para Rodrigues (2003b, p. 21), a conversação, entre outras coisas, “é um evento de fala

especial: corresponde a uma interação verbal centrada, que se desenvolve durante o tempo em

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que dois, ou mais interlocutores, voltam sua atenção para uma tarefa comum, [...] sobre

determinado assunto”.

A interação centrada, por exemplo, é imprescindível para que haja uma conversação, de

maneira que dois ou mais interlocutores interajam voltando sua concentração para esta atividade

única – a conversação –, pelo menos se se considerar a perspectiva conversacional dialogada.

Nessa situação (de diálogo), portanto,

[...] os interlocutores alternam seus papéis de falante e ouvinte, e dessa atividade ‘a

quatro mãos’, ou ‘a duas vozes’, resulta o texto conversacional, elaborado numa

determinada situação de comunicação. Dizemos, então, que todo evento de fala

acontece num contexto situacional específico, aqui entendido como o ambiente

extralinguístico: a situação imediata, o momento e as circunstâncias em que tal evento

acontece, envolvendo, inclusive, os próprios participantes com suas características

individuais e possíveis laços que os unam (RODRIGUES, 2003, p. 21).

Há algumas características da fala que são de suma importância para se entender sua

organização no contexto conversacional, tanto no diálogo quanto no trílogo ou monólogo,

sendo que parte delas se aplica apenas a uma ou outra modalidade. Marcuschi (2003, p. 15) o

caracteriza da seguinte forma:

interação entre pelo menos dois falantes (no caso de diálogos e trílogos);

ocorrência de pelo menos uma troca de falantes (no caso de diálogos e trílogos);

presença de uma sequência de ações coordenadas;

execução numa identidade temporal;

envolvimento numa interação centrada.

A conversação, portanto, considerando essas características elencadas, é uma interação

verbal centrada que se aplica ao longo de um determinado tempo, em que dois ou mais

interactantes voltam sua concentração, visual e cognitiva, para uma atividade conjunta, mas

comum a interesses recíprocos.

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2.3.1 O turno conversacional

Os turnos conversacionais, segundo Galembeck (apud PRETI, 2003) são intervenções

dos interlocutores (participantes do diálogo), de qualquer extensão. O autor ainda os classifica

em duas modalidades: o turno nuclear e o turno inserido. O turno nuclear possui valor

referencial nítido; o falante veicula (ou retoma) uma informação já desenvolvida num tópico

em andamento.

L1 então o desen/ o desenvolvimento é bom porque ele dá chance de emprego para

mais gente [...]

L2 mas você está pegando uma coisin::nha assim sabe? um cara que esteja

desempregado também eu posso... usar o mesmo exemplo num sentido contrário... o

cara que está desempregado porque não consegue se empregar né? na verdade não

quer...ou um outro que:: assim...[...] (GALEMBECK, 2003b, p. 71-72).

O turno inserido, por sua vez, não tem caráter referencial, não continua desenvolvendo

o tópico (assunto) da conversação. Esse turno possui a função principal de indicar que um dos

interlocutores monitora, acompanha, vigia ou fiscaliza as palavras de seu parceiro

conversacional. Por essa razão, de acordo com Orecchioni (2006), o enfoque sociointeracionista

é mais especificamente da linha teórica da Análise da Conversação, cujo objetivo é investigar

seu objeto de estudo não em frases soltas isoladas, mas em discursos atualizados e em situações

comunicativas concretas. Os elementos do contexto sociocomunicativo são: o lugar, o ambiente

físico e o institucional; o objetivo da interação e os participantes da conversação também são

considerados: número de participantes, características individuais, relações de conhecimentos,

entre outros. Veja-se:

L2 Dizem que está surgindo agora ... a ...computação [...]

L1 uhnuhn... [...]

L2 talvez você possa dizer mais algumas coisas do que eu nesse campo

(GALEMBECK, 2003b, p. 71-2).

Esses exemplos permitem-nos afirmar que a tomada de turno é apenas uma, mas

importante, operação da conversação e, nesse modelo, ela se torna um dos componentes centrais

desse gênero, “contudo o turno aqui não é tomado como a unidade conversacional por

excelência” (MARCUSCHI, 2003, p. 18), até mesmo porque o turno pode ser entendido como

aquilo que um falante realiza ou diz enquanto toma a palavra, e isso inclui a possibilidade do

silêncio.

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2.3.2 O tópico discursivo

Segundo Fávero (2003b, p. 45), no sentido amplo de assunto, o tópico discursivo pode

ser entendido como aquilo acerca do que se está discutindo. Sendo assim, o tópico discursivo

pode ser considerado como uma categoria: uma categoria abstrata, primitiva, que se atualiza

por enunciados na conversação, mediante interações formuladas pelos interlocutores a respeito

de um conjunto de referentes explícitos ou inferíveis, relacionados entre si e em relevância num

determinado ponto da mensagem. Por conseguinte, o tópico discursivo é, antes de tudo, uma

questão de conteúdo e depende do decurso colaborativo que compreende todos os participantes

do ato interacional.

Segundo a autora, o tópico discursivo é dividido em duas propriedades: centração e

organicidade. O tópico discursivo operado por centração é o expressar-se acerca de alguma

coisa, implicando a aplicação de referentes explícitos ou inferíveis. Nesse caso, o tópico tem

limites bem definidos e são distribuídos em seções sucessivas.

20 L2 a sua família é grande?

L1 nós somos:: seis filhos

L2 e a do marido

[...]

L1 e a do marido... eram doze agora são onze...

L2 ahn ahn

25 L1 quer dizer somos de famílias GRANdes e::... então ach/

acho que::...

[...]

30 L2 e daí o entusiasmo para NOve filhos...

L1 exatamente nove ou dez...[...] (FÁVERO, 2003b, p. 47).

Veja-se que o tópico em desenvolvimento está centrado em planejamento familiar (linhas

1 a 9); o que se observa, principalmente, é o tópico “tamanho da família” expressado pela

quantidade de filhos – 20 (linha 2, linha 4) e 25 (linha 7, linha 8) – o que é mantido ao longo

do trecho citado. A centração orienta o tópico de tal maneira que, quando se tem nova centração,

tem-se um novo tópico.

Quanto ao tópico discursivo operado por organicidade, opera-se quando há um

supertópico (família, por exemplo) e outros subtópicos (tamanho da família ou o papel do

homem casado, por exemplo), que se instauram pela interdependência, concomitantemente, em

dois planos: o linear e o vertical.

O conhecimento elementar de linearidade diz respeito às articulações entre os tópicos que

trata da proximidade nas linhas discursivas e está ligado à introdução de informações novas. É

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por meio da linearidade que se pode entender melhor dois fenômenos básicos que compõem a

organicidade, conforme se nota a seguir:

[...] a continuidade – decorre de uma organização sequencial dos tópicos, de modo

que a abertura de um se dá após o fechamento do subsequente. Pode-se dizer que o

tópico compreende mecanismos de início, desenvolvimento e saída detectáveis por

elementos verbais ou por traços de segmentos relevantes.

[...] a descontinuidade – decorre de uma perturbação na sequencialidade: um tópico

é introduzido, na linha discursiva, antes de se ter esgotado o precedente que pode ou

não retornar. Se não há esse retorno, têm-se um corte e se há, têm-se as inserções ou

digressões (FÁVERO, 2003b, p. 54).

O princípio que norteia o tópico discursivo na verticalidade se refere às ligações de

interdependência que se estabelecem entre os tópicos de acordo com maior ou menor

abrangência do assunto discutido e permite dizer que existem níveis diferenciados na

estruturação dos tópicos, que podem ser desde um constituinte mínimo – subtópico (SBT) – até

fragmentos maiores – tópicos (T) ou supertópicos (ST).

Para fazer a descrição da organização tópica de uma conversação, não se pode abdicar de

examinar a delimitação dos segmentos tópicos, das porções tópicas pequenas, e isso pode ser

feito com base no princípio da centração. Entretanto, a questão de como os tópicos estão

delimitados nem sempre é tão clara, embora os tópicos sempre estejam sujeitos à segmentação.

Neste caso, a análise será um tanto mais trabalhosa.

Desse modo, podem ser encontrados tópicos que tenham início, desenvolvimento e fim

num espaço conversacional de maior ou menor extensão, na ação verbal dos falantes, sinais ou

marcas da delimitação tópica. Assim, “apesar da multiplicidade de tópicos que constituem o

diálogo, os interlocutores vão captando essas marcas e orientando sua fala segundo esses

tópicos que são, assim, responsáveis pela coerência na conversação” (FÁVERO, 2003b, p. 57).

Fávero postula, para a delimitação tópica (segmentação), critérios flexíveis de marcas, já

que nem sempre elas constituem um critério absoluto. Observe-se:

facultativas – o início e o fim de um tópico sem marcas explícitas, que podem ser

detectadas pela mudança de referente;

multifuncionais – os elementos que aparecem delimitando o tópico não exercem

sempre a mesma função (categoria); e

coocorrentes – acumulam-se vários procedimentos no mesmo ponto de um

determinado momento da fala, como, por exemplo, a pausa, a entonação etc.

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Ainda fazendo parte do quadro tópico discursivo, encontram-se as digressões que se

caracterizam por interrupções de um tópico em desenvolvimento, pela reintrodução de um

tópico anteriormente deixado de lado por um determinado tempo, pela introdução de um novo

tópico no meio de outro tópico etc. Todavia, como nesta pesquisa não foram utilizadas análises

de digressões, não se estenderão, aqui, conceitos e características.

Como visto, é importante salientar que a conversação se faz altamente organizada e, nesse

sentido, o tópico discursivo representa um forte auxiliar no desenvolvimento dessa organização.

Mas é necessário levar em consideração que os interactantes trazem para essa organização

vários elementos paralinguísticos, pois o contexto situacional possui muita influência na

conversação e deve ser levado em consideração também nos estudos sobre o tópico discursivo.

Logo, o tópico discursivo, bem como seu desenvolvimento em todos os seus aspectos

estruturais, é de grande relevância para a organização e a coerência do texto conversacional.

2.3.3 Os marcadores conversacionais

Os marcadores conversacionais – elementos típicos da fala – “são de grande frequência,

recorrência, convencionalidade [...] e significação discursivo-interacional. Mas não integram

propriamente o conteúdo cognitivo do texto” (URBANO, 2003b, p. 98). Entretanto, esses

marcadores auxiliam na construção da coesão e coerência na produção do texto falado, mais

particularmente dentro do aspecto conversacional. Nesse sentido,

[...] funcionam como articuladores não só das unidades cognitivo-informativas do

texto como também dos seus interlocutores, revelando e marcando, de uma forma ou

de outra, as condições de produção do texto, naquilo que ela, a produção, representa

de interacional e pragmático (URBANO, 2003b, p. 98).

Há, no contexto conversacional, vários marcadores que auxiliam os interlocutores na

elaboração de seus discursos, bem como na interação face a face com seus pares – no caso da

conversação no contexto dialogado – e também na reelaboração de falas, retomada e introdução

de tópicos – também no contexto dos monólogos.

Urbano (idem) postula que os marcadores conversacionais podem ser de natureza

linguística e não linguística. Os linguísticos são de dois aspectos: verbais e prosódicos: “Os

verbais podem ser lexicalizados – como sabe?, eu acho que – ou não lexicalizados, como

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ahnahan, eheh. Os de natureza prosódica são a pausa, a entonação, o alongamento, a mudança

de ritmo e de altura, por exemplo” (URBANO, 2003b, p. 97).

Os marcadores não linguísticos, embora não apareçam num trabalho de transcrição e

retextualização – exceto por indicação escrita do investigador/pesquisador –, também são de

suma importância para sinalizar, sobretudo, as relações interpessoais dos envolvidos nos

diálogos, trílogos, monólogos etc. – todavia, não foram, aqui, considerados para análise,

primeiro por não terem sido observados na transcrição dos textos falados para análise; segundo,

julgou-se sem relevância para a análise dos monólogos aqui transcritos. O autor ainda

caracteriza esses marcadores como paralinguísticos – os olhares, os sorrisos, os meneios de

cabeça, os gestos, entre outros.

Há, ainda, os aspectos semântico e sintático desses marcadores. Se forem observados os

marcadores conversacionais nas documentações extraídas de falas espontâneas, verificar-se-ão

elementos vazios ou esvaziados de conteúdo semântico – isso, pode-se afirmar, principalmente,

dos elementos prosódicos (por exemplo, muitos que ::) e verbais não lexicalizados (eh, ah ah,

ahn etc.). Contudo,

[...] há expressões que continuam semanticamente válidas, como eu acho que, eu

tenho impressão de que, mas a informação que passam não integra nem colabora

diretamente para o conteúdo referencial do texto como estrutura tópica (URBANO,

2003b, p. 101).

Para o autor, o uso dessas expressões refere-se mais à postura do falante em relação ao

que se vai dizer, à modalização, aos aspectos de enunciação de sua fala. Nesse sentido, como

se observa na frase a seguir: “Eu acho que o réu foi absolvido” (URBANO, 2003b, p. 101), o

autor entende que o conteúdo proposicional propriamente dito encontra-se na segunda parte da

frase, portanto, na segunda oração.

Para Urbano (idem), os marcadores conversacionais ainda podem ser verbais,

lexicalizados ou não, pois a emissões podem ser completas em si e autônomas na entonação,

por isso apresentam uma caracterização de total independência sintática. São marcadores do

tipo sabe? certo?, né?, ah, eh, uhnuhn. Por exemplo (linhas 1170 a 1180):

[...]

1170 L2 dedicação

[...]

L1 dedicação exclusiva

L2 ahnahn

[...]

1178 L1 ele::...é especialista em Direito Administrativo...

L2 ahnahn

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1180 L1 certo?

[...] (URBANO, 2003b, p.94).

No entanto, há casos em que a dependência sintática desses marcadores é facilmente

observável:

“L1 eu acho que me realizaria mais como orientadora do que como

Professora” (URBANO, 2003b, p. 103).

Há, portanto, nítida relação de dependência entre a oração introduzida “eu acho que”

(marcador) que, neste caso, funciona sintaticamente como oração principal, e a oração “que me

realizaria mais como orientadora do que como professora”.

Existem casos, portanto, em que os marcadores desfrutam de certa liberdade condicional.

Por conseguinte, alguns marcadores têm sido classificados como iniciais, mediais e finais em

relação à sua posição nas falas. Os marcadores Bom e Bem, por exemplo, costumam iniciar

turnos, outros, no entanto, como sabe?/certo?, costumam encerrá-los.

Assim, os marcadores conversacionais são componentes linguísticos (ou não) que

sinalizam a estruturação do texto, considerados não apenas como dispositivos verbais

cognitivos, mas também como constructos interacionais e interpessoais. Desse modo, têm-se

que

Perguntas frequentemente introduzem tópicos ou mudanças de tópicos. Há

marcadores que normalmente encerram unidades, enquanto outros normalmente as

introduzem: marcadores de busca de apoio geralmente encerram; [...] de continuação,

de mudança de tópico [...] iniciam unidades; marcadores de hesitação são

regularmente localizados no interior das unidades, inclusive das unidades

entonacionais mínimas (URBANO. In: PRETI (Org.), 2003b, p. 115).

Por exemplo, marcadores como ah..., ah::, ahn, eh, eh, uhn, unhun etc. indicam

hesitação ou monitoramento do ouvinte; marcadores como sabe?, né?, não é, certo? etc.

indicam teste de participação ou pedido de apoio; marcadores como eu acho que, receio que,

tenho a impressão de que podem indicar polidez ou atenuação de atitude do falante.

Logo, a depender do objetivo das análises propostas para cada texto ou segmento, os

marcadores conversacionais vão contribuir muito ou pouco para o que se propôs averiguar. No

entanto, sempre serão de grande relevância para se observar alguns recursos que sinalizam

orientação ou ordenação recíproca dos locutores/interlocutores ou destes em relação ao

discurso.

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2.4 O processo de retextualização e as estratégias para a reconstrução da produção

textual

Nas últimas décadas, intensificaram-se as pesquisas sobre a relação entre língua falada e

língua escrita. O resultado das pesquisas, embora ainda um pouco limitado e bastante disperso,

vem mostrando que a questão é complexa e variada – mas pode trazer muitos ganhos para as

instituições escolares no que diz respeito ao ensino de produção textual. Evitando-se repetir o

que já foi exposto sobre as várias relações que estão intrinsecamente associadas no contínuo

das duas modalidades, pode-se dizer, conforme Marcuschi (2010, p. 45-46), que, nesse

processo:

as semelhanças são maiores que as diferenças tanto nos aspectos estritamente

linguísticos quanto nos sociocomunicativos;

as relações de semelhanças e diferenças não são estanques nem dicotômicas, mas

contínuas ou, pelo menos, graduais;

as relações podem ser mais bem compreendidas quando observadas no contínuo dos

gêneros textuais – gêneros similares nas duas modalidades;

muitas das características anteriormente atribuídas a uma das modalidades são, de

certa forma, propriedades da língua, como contextualização/descontextualização;

envolvimento/distanciamento etc.;

não há qualquer diferença notável que perpasse o contínuo das produções falada e

escrita – as características não são categóricas ou exclusivas;

tanto a fala como a escrita são normatizadas em todas as formas de produção textual

– não se pode afirmar, por exemplo, que a fala tenha enunciados incompletos por

apresentarem muitas hesitações, repetições ou marcadores não lexicalizados;

tanto a fala como a escrita são multissistêmicas, assim como a fala se serve de

gestualidade, mímicas, prosódia etc., a escrita se serve de tamanho da letra, cor,

símbolos, elementos icônicos, logográficos etc.; e

a escrita se relaciona com a fala numa ordem ideológica e sociopolítica, impondo

uma relação de poder, mas nem por isso deve ser tomada como intrinsecamente

“libertária”.

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A partir dessas posições, intenta-se, nesta pesquisa, mostrar que as diferenças entre fala

e escrita não são dicotômicas, mas complementares entre si. Dessa forma, o processo de

retextualização, aqui proposto, busca conscientizar os educandos acerca das diferenças e

semelhanças dessas duas formas de manifestação da língua e seus respectivos momentos de

aplicação, conforme se verá a seguir. Se consideradas as respectivas combinações elencadas

por Marcuschi, teremos as seguintes possibilidades de retextualização:

Quadro 02- Possibilidades de retextualização

1. Fala Escrita (entrevista oral - entrevista impressa)

2. Fala Fala (conferência - tradução simultânea)

3. Escrita Fala (texto escrito - exposição oral)

4. Escrita Escrita (texto escrito - resumo escrito)

Fonte: MARCUSCHI, 2010, p. 48.

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De acordo com o quadro 02, nota-se que as sociedades se ocupam de variadas

retextualizações no dia a dia de suas práticas sociais, já que, a todo tempo, fazem sucessivas

reformulações dos mesmos textos numa variação de registros, gêneros textuais, níveis e estilo

de linguagem.

Por exemplo: (1) a secretária que anota informações orais do(a) chefe e com elas

redige uma carta (e-mail, recado etc.); (2) o(a) secretário (a) de uma reunião de

condomínio [...] encarregado(a) de elaborar a ata da reunião, passando para a escrita

um resumo do que foi dito; [...] (7) o (a) aluno (a) que faz anotações escritas da

exposição do(a) professor(a); (8) o juiz ou delegado que dita para o escrevente a forma

final do depoimento e assim por diante (MARCUSCHI, 2010, p. 49).

Embora possa haver variadas formas de retextualização, conforme verificado acima,

neste estudo serão investigadas apenas as operações mais relevantes existentes nos processos

de retextualização sugeridas pela alternativa 1 do quadro 02: a transformação do texto falado

para o texto escrito.

2.4.1 Transcrição e retextualização

Não se deve esquecer que há uma distinção considerável entre a atividade de transcrição

e a de retextualização. Transcrever a fala (ou um texto oral qualquer) consiste em passar de

sua realização sonora para a forma gráfica (escrita) “com base numa série de procedimentos

convencionalizados” (MARCUSCHI, 2010, p. 49). Evidentemente, nesse caminho existem

algumas operações que não devem ser ignoradas por serem importantes para a transposição –

como as transcrições de marcadores conversacionais etc.

Entretanto, essas operações (as da transcrição) não devem interferir na originalidade do

discurso do ponto de vista não só da linguagem, mas também do conteúdo. Transcrever,

portanto, para Marcuschi, é uma espécie de transcodificação que designa uma operação

complexa em grafemologia: é o que designamos simplificadamente como transcrição ou

passagem de um código para outro – por exemplo, do som para a grafia; da fala para a escrita.

Entretanto, não se pode afirmar que transcrever seja apenas uma realização de

metalinguagem, nem simplesmente a interpretação gráfica do significante sonoro. A transcrição

representa uma passagem, até uma transcodificação, que já se caracteriza como uma primeira

transformação, mas ainda não se pode falar em retextualização.

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Baseando-se nessas observações, pode-se afirmar que o texto oral transcrito (ou

transcodificado) perde sua característica original e pessoal, passando por uma neutralização.

Sendo assim, na passagem da oralidade para a escrita, realizada pela transcrição, “dá-se uma

transcodificação em que se passa da substância e forma da expressão oral para a substância e

forma da expressão escrita com todas as consequências inerentes a esse processo” (REY-

DEBOVE, 1996 apud MARCUSCHI, 2010, p. 51).

Com relação à retextualização, segundo Marcuschi, existem interferências tanto na forma

e substância da expressão quanto na forma e substância do conteúdo. Entra, nesse caso, outro

processo chamado de adaptação, que pode ser intencional e direta, por exemplo no caso de um

escritor quando, num romance, planeja no escrito aquilo que deve ser lido como fala – os

diálogos e suas peculiaridades – ou aquilo que é falado como se fosse concebido na escrita,

caso de conferências (cf. MARCUSCHI, 2010).

A retextualização, de certo modo, tem objetivos bem diferentes da transcrição. A

propósito disso, Marcuschi (idem) elenca algumas variáveis como ponto de partida para a

realização do processo de retextualização:

propósito ou objetivo da retextualização;

a relação entre o produtor do texto original e o transformador – no caso da pesquisa

aqui realizada, o mesmo produtor original (falado) foi o mesmo a transformar o texto

final (escrito);

a relação tipológica entre o gênero textual original e o gênero da retextualização; e

os processos de formulação típicos de cada modalidade.

Para o processo de retextualização em que o informante (produtor do texto oral) é o

mesmo produtor do texto escrito (transformado), as mudanças, de quaisquer naturezas, são

muito mais significativas, pois, na maioria das vezes, o autor desconsidera a transcrição, ou

parte dela, e redige um novo texto, visto que ele ainda tem na memória o conteúdo a ser

retextualizado, sentindo-se mais à vontade para operar mudanças, porém, mesmo assim o estilo

geralmente permanece o mesmo. É difícil, portanto, disfarçar de modo completo a origem oral

de um texto.

No que se refere às relações tipológicas ou de gênero, um aspecto chama atenção: a

passagem de um gênero textual (ou tipo de texto) falado para o mesmo gênero textual (ou tipo

de texto) escrito apresenta poucas modificações. Por exemplo, num texto narrativo oral passado

para um texto narrativo escrito, são observadas modificações menos acentuadas; uma

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“entrevista de um cientista concedida a um jornalista e passada para o jornal na forma de um

artigo de divulgação científica” (MARCUSCHI, 2010, p. 54) também trará menos mudanças

significativas.

2.4.2 O fluxo do processo de retextualização

Há ainda que se considerar, por ser de suma importância para o que se pretende nos

resultados desta pesquisa, o fluxo dos processos de retextualização. São variados esses

processos. Para entendê-los melhor e mais sistematicamente, Marcuschi (2010) sugere o

seguinte diagrama:

Para compreender melhor o fluxograma proposto no Diagrama 1, no que concerne a esta

pesquisa, restringiu-se a gravação em áudio, não considerando a gravação de falas em vídeo,

bem como da imagem do informante, pois seria demasiado prejudicial para o modelo no

momento, porque a gestualidade, entre outros aspectos visuais da fala contextualizada, pode

indicar sentidos na produção oral do informante não passados para a transcrição.

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Entre as perdas, a que mais se acentua é a entonação e a qualidade da voz. Por sua vez,

“a pontuação deverá, posteriormente, já nos primeiros passos da retextualização, inserir

elementos que simulem a entonação” (MARCUSCHI, 2010, p. 73); no entanto, nem sempre a

entonação da voz é garantia de aplicação efetiva e fiel da pontuação nesse processo.

Além do fluxo dos processos de retextualização que, como se nota, vai da produção oral

original - texto base – à produção escrita – texto final, passando por dois momentos, o da

transcodificação (aqui entendido como adaptação a um código diferente) e o da

retextualização.

Por fim, há o modelo das operações de retextualização, também proposto por Marcuschi

(2010), conforme elencado a seguir (Anexo H):

1ª operação: eliminação de marcas interacionais, hesitações, partes de palavras –

estratégia de eliminação para adequação à modalidade escrita da língua.

2ª operação: introdução da pontuação com base na entonação das falas – tentativa de

inserção baseada na prosódia.

3ª operação: eliminação de repetições, reduplicações, redundâncias, paráfrases e,

principalmente, pronomes egóticos (eu, meu – estratégias de eliminação para uma

condensação linguística).

4ª operação: introdução da paragrafação e pontuação detalhada sem modificação da

ordem dos tópicos discursivos (estratégia de inserção).

5ª operação: introdução de marcas metalinguísticas para referenciação de ações e

contextos expressos por dêiticos, pronomes demonstrativos, por exemplo – estratégia

de reformulação objetivando explicitude.

6ª operação: reconstrução de frases truncadas, concordâncias, reordenação sintática,

encadeamentos – estratégia de reconstrução em função da norma escrita.

7ª operação: seleção de novas estruturas sintáticas e novas opções do léxico, bem como

tratamento estilístico – estratégia de substituição visando uma maior formalidade.

8ª operação: reordenação dos tópicos no texto e reorganização da sequência

argumentativa – estratégia de estruturação argumentativa.

9ª operação: Agrupamento de argumentos, redirecionando-os no texto e condensando

as ideias (estratégia de condensação).

Em síntese, o modelo exposto condiz com uma escala contínua de estratégias, começando

com os fenômenos mais intrínsecos e típicos da fala até os mais peculiares da escrita.

O domínio da escrita vai se manifestando, progressivamente, de acordo com as

estratégias que vão sendo realizadas. As quatro primeiras operações contêm as

estratégias mais comuns, quase espontâneas, revelando serem intuitivamente estes os

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aspectos percebidos como mais salientes na diferença entre fala e escrita, tendo em

vista a visão dicotômica da relação fala-escrita proporcionada pela escola

(MARCUSCHI, 2010, p. 76).

As outras estratégias contidas da quinta à nona operação do modelo exposto dizem

respeito à relação da fala como aspectos sintáticos, semânticos, pragmáticos e cognitivos que,

no texto escrito, via de regra, recebem outra tratativa. Ao escrevermos, dispomos de mais tempo

que na conversação espontânea – podemos retomar, corrigindo possíveis equívocos,

suprimindo passagens excedentes, refazendo, às vezes, o estilo, dentre outros aspectos típicas

da escrita. Essas operações podem ser subdivididas em três subconjuntos:

nas operações 5 e 6 prevalecem as atividades referentes à substituição e

reorganização de caráter pragmático (5) e morfossintático (6);

as operações 7 e 8 dizem respeito a: acréscimo informacional, substituição lexical,

reordenação estilística e redistribuição dos tópicos discursivos (quando houver

necessidade); e

a 9ª operação, por sua vez, trata de estabelecer uma condensação das ideias expostas

no texto oral – os argumentos são aqui reagrupados.

Em suma, partindo do pressuposto da noção de língua como fenômeno heterogêneo,

variável, histórico e socialmente constituída, desponta, como forte proposta, a suposição de que

as diferenças entre fala e escrita podem ser muito frutíferas se vistas e analisadas na perspectiva

do uso e não do sistema.

E, neste caso, a determinação da relação fala-escrita torna-se mais congruente

levando-se em consideração não o código, mas os usos (que se faz) do código. Central,

neste caso, é a eliminação da dicotomia estrita e a sugestão de uma diferenciação

gradual e escalar (MARCUSCHI, 2010, p. 43).

Conforme se nota no diagrama 1, e nas especificidades do modelo das operações, as

transformações e reformulações que são verificadas nos textos escritos ou texto final, quando

retextualizados, são sinais evidentes da preocupação do retextualizador com a idealização

linguística e adequação ao novo código, entre outras estratégias.

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2.5 Estratégias de produção textual sob o viés sociointeracionista

Para melhor compreensão das atividades e análises propostas nesta dissertação, é

relevante indicar o viés teórico adotado como ponto de partida: o sociointeracionismo que, entre

outras coisas, consiste em considerar a referenciação como uma atividade discursiva.

Consequentemente, na relação entre texto e escrita, o foco está tanto na língua quanto no

escritor e em sua interação com seus leitores.

O texto, com foco na língua, é concebido como escrita que recorre a um sistema de sinais

e código preestabelecidos, pois certamente “para escrever – e fazê-lo bem -, é preciso conhecer

as regras gramaticais da língua e ter um bom vocabulário, e que são esses os critérios utilizados

na avaliação da produção textual” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 32,). Nessa perspectiva, para

tornar os alunos bons escritores, bastaria recomendar inúmeros exercícios sobre sinais de

pontuação, concordância, regência, colocação pronominal, dentre outros fatores, esperando que

construíssem frases, adequando-as às regras gramaticais e depois transformando esse

conhecimento em um texto bem formado.

Implícita a essa visão de escrita, encontra-se uma abordagem de linguagem como um

sistema pronto, completo, devendo apenas o aluno, para ser bom escritor, apropriar-se desse

sistema e de suas normas. Nessa concepção de sujeito como dotado de um sistema pré-

determinado de linguagem, o texto é concebido como simples produto de uma codificação feita

pelo escritor e decodificada pelo leitor, sendo suficiente a ambos, para tanto, o conhecimento

do código utilizado. Nessa perspectiva de produção de texto,

[...] não há espaço para implicitudes, uma vez que o uso do código é determinado pelo

princípio da transparência: tudo está dito no dito, [...] o que está escrito é o que deve

ser entendido em uma visão situada não além nem aquém da linearidade, mas centrada

na linearidade (KOCH; ELIAS, 2010, p. 33).

Já a noção de texto com foco no escritor entende a escrita como exposição ou

representação do pensamento. Escrever, portanto, seria expressar o pensamento graficamente

no papel (ou outro canal/mídia qualquer). Por conseguinte, a escrita, nessa perspectiva, seria

tributária de um sujeito social, mas individual, dono e controlador de sua vontade e ações. Trata-

se, assim, de um sujeito que constrói sua representação mental, transmite esse pensamento para

o papel (ou canal qualquer) e pretende que seu leitor seja capaz de captar seu pensamento

conforme concebido na hora da escrita.

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Dessa forma, a escrita “é entendida como uma atividade por meio da qual aquele que

escreve expressa seu pensamento, suas intenções, sem levar em conta as experiências e os

conhecimentos do leitor ou a interação que envolve esse processo” (KOCH e ELIAS, 2010, p.

33). Na concepção com foco no escritor, a escrita é vista, portanto, de modo independente de

ações ou de conhecimentos de quem a lê. O texto é percebido como um produto lógico,

concebido unicamente da própria representação mental de quem o escreve. A concepção de

escrita com foco na interação, por sua vez, exige ativação de vários conhecimentos

compartilhados e a mobilização de várias estratégias.

Isso significa dizer que o produtor, de forma não linear, ‘pensa’, no que vai escrever

e em seu leitor, depois escreve, lê o que escreveu, revê ou reescreve o que julga

necessário, em um movimento constante e on-line guiado pelo princípio interacional

(KOCH e ELIAS, 2010, p. 34).

Essa é a principal diferença com relação às concepções mencionadas anteriormente, dado

que, nesta concepção, a escrita não é mais vista, exclusivamente, como a apropriação das regras

da língua, nem tampouco valoriza apenas os juízos de valor e as intenções do escritor. Desse

modo, a perspectiva sociointeracionista da produção textual, além de considerar as intenções

do locutor que faz uso da língua para atingir o seu objetivo, não ignora que o interlocutor

constitui parte constitutiva nesse processo.

À vista disso, a concepção interacionista e dialógica de linguagem não se limita em

transmitir informações de um emissor a um receptor, mas é vista como lugar de interação

humana. Isso porque, ao falar, o sujeito da enunciação não transmite apenas informações, e sim,

também, age sobre o seu interlocutor, construindo vínculos que não existiam antes do ato

verbal.

Essa concepção de linguagem preconiza uma escrita que demanda do leitor um trabalho

dialógico de reconhecer as atividades informacionais, que nem sempre estão explícitas no texto.

Nessa perspectiva, a escrita representa uma atividade que demanda um conjunto de

conhecimentos que devem ser considerados tanto para aquele que escreve como para aquele

para quem se escreve. Existem, porém, variadas formas, estratégias e teorias criadas com o

objetivo de minimizar as dificuldades com que a escola se depara no dia a dia, concernentes ao

ensino da produção textual escrita que, por sua vez, visa formar os alunos como escritores

competentes, aptos a produzir textos coerentes, coesos e eficazes. É papel da escola, portanto,

propor-lhes atividades diversificadas que constituam um desafio à sua atividade, e ao seu

desempenho, e permitam desenvolver sua competência escritora.

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As estratégias interacionais visam, pois, levar a bom termo um ‘jogo de linguagem’.

As estratégias textuais, por seu turno – que obviamente não deixam de ser também

interacionais e cognitivas -, em sentido lato dizem respeito às escolhas textuais que

os interlocutores realizam, desempenhando diferentes funções e tendo em vista a

produção de determinados sentidos (KOCH, 2015, p. 40).

Na verdade, o que se percebe é que todos os aspectos linguísticos relativos aos

participantes da interação estão sujeitos a negociação. Pode-se, assim, falar de concepção social

da realidade, já que, sendo a realidade um constructo social no processo contínuo de

interpretação e interação, as suas muitas características podem ser consideradas e renegociadas

de modo explícito ou implícito, real ou discursivo.

A seguir, estudaremos algumas estratégias importantes para a estruturação textual e sua

relação com os princípios de construção do sentido, que serão de grande relevância para um

melhor entendimento na formação da tessitura textual, principalmente do texto escrito.

2.5.1 A referenciação

O texto escrito, de certo modo, pode ser classificado como uma forma duradoura e

exteriorizada do próprio comportamento de linguagem, do pensamento de quem o concebeu.

No entanto, para que essa forma seja produzida, o escritor precisa utilizar “estratégias por meio

das quais são construídos os objetos-de-discurso e mantidos ou desfocalizados na

plurilinearidade do texto” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 131).

Koch e Elias (2010) sugerem algumas dessas estratégias para o desenvolvimento da

produção textual que, por sua vez, requer que:

façamos constantemente referência a algo, alguém, fatos, eventos, sentimentos;

mantenhamos em foco os referentes introduzidos por meio da operação de retomada;

e

desfocalizemos referentes e o deixemos em stand by (em espera), para que outros

referentes sejam introduzidos no discurso.

Na literatura corrente acerca da referenciação e de sua progressão referencial, postula-se

que os objetos de discurso são construídos e reconstruídos ao longo da produção do texto. No

entanto,

[...] os referentes [...] não espelham diretamente o mundo real, não são simples rótulos

para designar as coisas do mundo. Eles são construídos e reconstruídos no interior do

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próprio discurso, [...]. Daí a proposta de substituir a noção de referência pela noção

de referenciação (KOCH; ELIAS, 2010, p. 134).

Nessa concepção, a referenciação é vista como uma realização discursiva. Pode-se dizer

que o escritor, por ocasião de sua produção escrita, faz escolhas significativas do material

linguístico que tem à sua disposição para encarnar estados de coisas que, no momento, fazem

parte do seu projeto de dizer.

Em Koch e Elias (2010), encontram-se duas formas de introdução de referentes no

modelo textual: ativação ancorada e não ancorada. A ativação não ancorada ocorre quando

aparecem no texto objetos de discurso ainda não referidos anteriormente, totalmente novos. Já

a ativação ancorada aparece no texto sempre que uma nova referência for introduzida nele com

base em algum objeto de discurso já presente no “cotexto ou no contexto sociocognitivo dos

interlocutores” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 135). Sendo assim, referentes de ativação ancorada

constituem-se anáforas indiretas, visto que, nesse caso, não há retomada de elementos

explícitos, mas elementos associativos.

Para operar a referenciação textual, de modo que ela se constitua em estratégia de

coerência, “o sujeito, por ocasião da interação verbal, opera sobre o material linguístico que

tem à sua disposição, operando escolhas significativas para representar estado de coisas, com

vistas à concretização de sua proposta de sentido” (KOCH, 2015, p. 67). Assim, os processos

de referenciação são escolhas que o sujeito faz de acordo com seu objetivo de esclarecer,

explicar, em função de um querer-dizer.

As formas de progressão referencial garantem a continuidade do texto, bem como sua

coerência ao longo da produção. Segundo Koch e Elias (idem), é necessário que haja equilíbrio

entre duas exigências consideradas fundamentais: a repetição (ou retroação) e a progressão.

Na retroação, remete-se, constantemente, a referentes que já apareceram no texto e, portanto,

já perduram na memória do interlocutor, ampliando-se, a partir daí as informações concernentes

à progressão, dando continuidade ao sentido do texto.

Englobadas na progressão referencial, há alguns elementos linguísticos que podem ser

observados remissivamente ao longo do texto, tais como:

formas de valor pronominal – pessoais de 3ª pessoa, demonstrativos, possessivos,

indefinidos, interrogativos e relativos;

numerais – cardinais, ordinais, multiplicativos e fracionários;

alguns advérbios locativos – aqui, ali, lá etc.;

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elipses – como no exemplo: elas andavam vagando por aí, mas não eram muitas;

formas nominais reiteradas – como no exemplo: um pedestre foi atropelado na

calçada da rua Seis; stestemunhas dizem que o pedestre estava bêbado);

formas nominais sinônimas – ou quase, como no exemplo: um jovem bateu o carro

hoje pela manhã. O garoto, que era filho do governador ...;

formas nominais hiperonímicas – como no exemplo: naquela época, as moças

enviavam cartas a seus namorados, mas os documentos já chegavam deteriorados

pelo tempo; e

nomes genéricos – como no exemplo: o urso panda está quase extinto da face da

Terra. Essa espécie de animal...

Esses tipos de estratégias, quando remetidas, seguidamente, a um mesmo referente ou a

outro elemento intrinsecamente ligado a ele, forma, no texto, “cadeias anafóricas. Esse

movimento de retroação a elementos já presentes no texto – ou passíveis de serem ativados a

partir deles – constitui um princípio de construção textual” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 144).

Experimentalmente, todas as sequências (ou tipos de texto) possuem pelo menos uma cadeia

referencial.

Assim, para o que se propôs nesta pesquisa, os processos de referenciação oferecem

suporte no sentido de corroborar as análises do sentido nos textos produzidos pelos informantes.

Adiante, veremos como esses processos são vistos no âmbito da construção textual, e como eles

agem na mente humana em relação ao seu projeto de fornecer e receber informações, na

elaboração de todo e qualquer texto.

2.5.2 A referenciação e os processos de referenciação

A busca do saber acerca de como a língua refere o mundo, as coisas e as práticas que

envolvem os sujeitos de dada sociedade parece já ser um axioma entre os linguistas. Se,

contudo, as respostas são diversas, a maior parte delas pressupõe ou aponta para uma relação

de simetria entre as palavras e as coisas (ou atitudes).

Esta perspectiva se exprime através das metáforas do espelho e do reflexo, e, mais

recentemente, do ‘mapeamento’ [...], que se referem todas a uma concepção especular

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do saber e do discurso, considerada como uma re-presentação adequada da realidade”

(MONDADA e DUBOIS, 2003, p. 18).

Para as autoras, essa concepção emprega mais níveis de análises linguísticas, de modo

que a sintaxe, por exemplo, seja avaliada em relação à sua competência de conseguir, de certo

modo, reproduzir a ordem natural do mundo.

Há pouco tempo, com a virada cognitivista na década de 1980, a mesma concepção

tratava o sistema linguístico em termos de “gramática espacial” e de “motivação icônica”, na

tentativa de basear as formas linguísticas nos princípios cognitivos naturais (cf. MONDADA e

DUBOIS, 2003), mas, como já largamente difundido, as categorias que nomeiam coisas e atos

no mundo são instáveis e bastante variáveis. Por isso, sob esse ponto de vista, apenas os recursos

linguísticos não são, de modo algum, suficientes para tratar da referenciação textual, pois

As categorias utilizadas para descrever o mundo mudam, por sua vez, sincrônica e

diacronicamente: quer seja em discursos comuns ou em discursos científicos, elas são

múltiplas e inconstantes; são controversas antes de serem fixadas normativa ou

historicamente (MONDADA e DUBOIS, 2003, p. 22).

As versatilidades das categorizações no ideário social mostram que sempre há, por

exemplo, variadas categorias possíveis para identificar uma pessoa ou rotular determinados atos

por ela praticados: ela pode ser tratada de terrorista ou extremista se explodir uma bomba em

pleno metrô de uma grande cidade, matando dezenas de pessoas, ou pode ser definida como

heroína dependendo do ponto de visto ideológico adotado.

Há, portanto, em muitos desses casos, mais relação com a pragmática da enunciação,

sujeito-mundo-situação, que com a semântica dos objetos. Por exemplo, uma geladeira pode

ser categorizada como um bem tecnológico e essencial à vida moderna num contexto familiar,

mas se esse mesmo objeto cai de uma mudança, e um motorista desavisado colide com ela no

meio da estrada, poder-se-á imaginar facilmente, nos diferentes contextos discursivos, que a

referência à geladeira certamente percorrerá uma categoria para o contexto familiar e outra para

a colisão com o veículo. Logo,

[...] de um ponto de vista psicolinguístico, as experiências testaram o modo como as

anáforas especificam diferentemente uma categoria inicial nos diferentes contextos.

[...] Em suma, as variações categoriais, consideradas aqui como “categorias

evolutivas”, podem ser vistas como recursos que asseguram uma plasticidade

linguística e cognitiva e uma garantia de adequação contextual e adaptativa

(MONDADA e DUBOIS, 2003, p 24-25).

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Dessa forma, as anáforas, num determinado texto, têm sido vistas tanto como um modo

de demonstrar caracteristicamente o problema dos referentes evolutivos quanto como forma de

consolidar ou de destacar uma designação particular, excluindo, para isso, outras possibilidades,

mesmo que elas estejam potencialmente disponíveis no texto ou no vocabulário do produtor.

Convém lembrar que não, necessariamente, a retomada de um antecedente se caracteriza

numa forma de referenciação anafórica propriamente dita, pois

[...] a própria noção de antecedente, como segmento textual univocadamente

delimitável a partir do único fato de sua relação semântica com a forma de retomada,

é em si mesma problemática. O fato é, por outro lado, flagrante quando, em um texto,

a expressão anafórica é um SN (sintagma nominal) cujo nome explora, para fins de

identificação do referente, não mais uma denominação anterior a ele, mas atributos

que lhe foram dados no intervalo por via de uma predicação (APOTHÉLOZ, 2003, p.

57).

Como se nota, o fato é que uma expressão referencial ou um referente designado por

determinado descritor, podem, naturalmente, ser substituídos por qualquer outra expressão ou

descritor, de modo que possam ser identificados, posteriormente, no contexto sociocognitivo,

do mesmo jeito, o mesmo referente, ainda que a designação seja completamente diferente. Veja-

se, por exemplo, no trecho: “Um jovem suspeito de ter desviado uma linha telefônica foi

interrogado há alguns dias pela polícia em Paris. Ele ‘utilizou’ a linha de seus vizinhos para

ligar para os Estados Unidos por uma quantia de 50000F. O tagarela foi levado ao tribunal”

(APOTHÉLOZ, 2003, p. 58).

Observe-se que o referente “um jovem” é substituído por “tagarela”, entretanto este

segundo atributo predicado ao infrator só poderá ser inferido ou reconhecido por um leitor que

tenha uma noção do valor da tarifa internacional da telefonia em Paris, visto que é este valor

um dos fatores que trarão informações acerca de quanto tempo o jovem falou ao telefone dos

vizinhos em ligações internacionais – 50000F correspondem a muitas horas de ligação

telefônica.

Assim sendo, Apothéloz postula que os antecedentes – segmentos ou descritores de texto

situados antes do anafórico no texto e tendo com eles uma relação de interpretação ou de

correferência – não se constituem um elemento indispensável ao funcionamento das formas de

recuperação desses elementos, de modo que um desencadeador de antecedente (segmento

textual, por exemplo) pode significar, em alguns casos, simplesmente a interpretação do

anafórico.

Esse ponto de vista presume que há “mundos” com objetos e entidades autônomos que

independem de sujeitos que se refiram a ele, e que as representações linguísticas são formações

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que devem se adequar a este mundo. Em outros termos, a referenciação, assim como a

categorização advinda de práticas simbólicas, mais que de uma ontologia ou conjunto de

classificação dos seres, não diz respeito apenas a uma relação de designação ou representação

das coisas ou dos estados de coisas, mas também a uma relação entre o texto e a parte não

textual, não linguística da prática em que ele é produzido e compreendido.

Assim, os processos de referenciação, que têm participação na constituição de um mundo

dotado de símbolos e representação das coisas, não se referem, necessariamente, a uma ordem

de coisas do mundo real, mas são produzidos por sistemas cognitivos e sociais humanos, por

meio de práticas linguísticas e cognitivas de uma sociedade envolta, social e culturalmente pré-

determinadas, “assim como da multiplicidade, mais ou menos objetivada, mais ou menos

solidificada, das versões do mundo que elas produzem” (MONDADA e DUBOIS, 2003, p. 49).

2.5.3 A referenciação e a construção do ponto de vista

Ao escrever ou falar, pode-se afirmar, indiscriminadamente, que os indivíduos exprimem

sentimentos e relações entre si, modalizam palavras, afirmando posições que representam

pontos de vista. De outro modo, a relação do sujeito com as práticas que povoam seu discurso

pode ser percebida por intermédio dos “objetos de discurso”. Em suma, a construção desses

objetos de discurso corrobora traços característicos de um diálogo interior do sujeito enunciador

com seu próprio ser e com os outros,

[...] desempenhando papel importante na orientação argumentativa do texto. Com

base nisso, partimos do pressuposto de que os objetos de discurso são reveladores de

pontos de vista, e seu modo de apresentação é um meio pelo qual se pode apreender a

subjetividade (CORTEZ e KOCH, 2013, p. 10).

Por conseguinte, as escolhas do locutor/escritor são reveladoras do ponto de vista de sua

enunciação. Suas escolhas lexicais, bem como sua apresentação dos referentes a eles ligados,

comportam saber e características de um modo particular de falar e pensar de um determinado

enunciador: “Assim, é indispensável analisar mais atentamente as formas referenciais, por meio

das quais se exprime a representação de falas e percepções” (CORTEZ e KOCH, 2013, p. 10),

pois, de um ponto de vista cognitivo, na construção dos sentidos de um texto, para

argumentação de um ponto de vista por parte do locutor/escritor, os objetos de discurso são

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79

uma fonte enunciativa que evidenciam, direta ou indiretamente, suas avalições acerca dos

referentes por ele mesmo elencados.

O que se verifica sem muito esforço, é que as formas referenciais nominais, quando

participam da progressão referencial de um texto, estão intrinsecamente associadas, no que diz

respeito ao ponto de vista defendido pelo produtor. Enquanto marcas internas do ponto de vista,

as formas referenciais nominais podem ser sinais de alteridade (de si para o outro), conforme

postulam Cortez e Koch (idem), e podem manifestar-se como uma representação do próprio

enunciador em se tratando de si mesmo ou em relação aos outros.

Dessa forma, o locutor não deve ser supervalorizado no seu ato de dizer, “não pode ser

concebido como um ‘eu’ todo-poderoso” (idem, 2013, p. 11) que retém em si as escolhas dos

objetos de discurso, mas os manifesta de acordo com uma “negociação” entre locutor,

enunciador e respectivos interactantes.

A orientação argumentativa, portanto, e o desenvolvimento do ponto de vista ao longo

do texto, constroem-se por uma série de objetos de discurso que, ao realçarem o texto de uma

posição matriz ou fonte, direcionam para uma subjetividade do locutor/enunciador, de modo

que, quando esses objetos são construídos ou reconstruídos, ao longo da produção textual ou

interação discursiva e sofrem modificações, entende-se que houve uma recategorização

referencial.

Dentro desse “esquema de ativação e reativação de referentes em um texto, os elementos

textuais já existentes podem ser constantemente modificados ou expandidos” (SILVA FILHO,

2003, p. 61). O ponto de vista, de certo modo, vai sendo construído e delineado dentro de um

limite cognitivo entre seus produtores ou interlocutores no esquema textual.

2.6 Esquema textual do dissertativo

O texto dissertativo tem sido objeto de muitos estudos relativos à sua organização. A

Linguística Textual, tendo por uma de suas tarefas descrever e explicar a tipologia textual,

trouxe grandes contribuições no tocante à sua compreensão. Todavia, a Linguística Textual

desenvolve-se separadamente da Linguística Discursiva.

Hoje, com novas perspectivas nos estudos de gêneros textuais, há a tendência de

unificação dessas duas vertentes para abranger a organização textual, visto que o texto não se

configura apenas de formas e palavras; o texto configura-se sobretudo de intenções de um

sujeito enunciador; no caso do texto dissertativo, a seleção cuidadosa de palavras tem o objetivo

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de atingir o próprio interlocutor/leitor, “de forma a auxiliá-lo a preencher áreas lacunares

deixadas pela enunciação linguística, nos textos” (SILVEIRA, 2012, p. 99).

Silveira trata do texto científico como um texto opinativo, considerando-o na esfera

dissertativa. Sendo assim, todo texto dissertativo é caracterizado por trazer expresso, em língua,

uma opinião, tradicionalmente designada “conclusão”. A autora toma por base a proposta de

Adam (2008) e, para caracterizar o gênero textual dissertativo acadêmico, tem por ponto de

partida a teoria das sequências textuais propostas, diferenciando o texto dissertativo explicativo

do dissertativo argumentativo – conforme veremos a seguir.

2.6.1 Dissertativo explicativo

Os textos dissertativos do discurso científico, por exemplo, diferenciam-se pela

argumentação de uma ou de duas teses, a depender de como são situadas as condições de

produção discursiva. Consoante Silveira (2012, p. 99), o dissertativo de uma tese pode ser

organizado textualmente, subjacente à coesão textual, pela sequência explicativa. O gênero

textual explicativo é organizado com as seguintes categorias textuais: texto reduzido, texto

expandido e conclusão.

O texto reduzido, segundo Silveira, é usado quando, nas condições de produção

discursiva, o produtor projeta, nos seus interlocutores, um “não-saber”; em outros termos, os

interlocutores são representados pelo produtor como aqueles que desconhecem a tematização

ou o próprio referente textual e, para poder emitir sua opinião, necessita explicitar o que os

interlocutores desconhecem, expondo para eles as inferências que eles não conseguiriam

produzir. Na categoria textual “texto reduzido” o interlocutor constrói o sentido mais completo

a respeito do referente textual ou de sua tematização.

Na segunda categoria - “texto expandido” - o produtor explicita as inferências necessárias

que seus interlocutores não saberiam fazer, de forma a expandir cada uma das palavras

selecionadas para construir o texto reduzido. Na terceira categoria textual - “conclusão” – são

agrupadas as palavras e frases que emitem a opinião do produtor. Segundo a autora, essa

tipificação textual pode ser apresentada pelas seguintes categorias:

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Fonte: Silveira (2012, p.100)

Dessa forma, o autor representa aquele que tem a posse do “saber” e sua plateia as pessoas

que “não sabem” ou desconhecem, mas precisam saber as informações fornecidas pelo

produtor, a fim de que haja uma harmonia entre sua produção e o interlocutor/leitor e,

consequentemente, “aceitar a tese defendida [...], apresentada como forma de conclusão”

(SILVEIRA, 2012, p.100).

2.6.2 Dissertativo argumentativo

Silveira afirma ainda que não há textos ingênuos. As explicitações feitas no esquema

textual do dissertativo explicativo são estratégias argumentativas aplicadas pelo produtor para

interacionar-se com seus interlocutores. Todavia, a autora mantém a terminologia já existente

e designa esse segundo gênero de “dissertativo acadêmico-argumentativo”, no caso específico

para produções textuais acadêmicas.

Para tanto, a autora recorre à sequência argumentativa proposta por Adam (idem),

reformulando-a em dissertativo de duas teses, diferenciando esse gênero do primeiro

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dissertativo explicativo, pois este último apresenta uma única tese. As categorias textuais do

gênero dissertativo argumentativo propostas pela autora são:

Categoria tese 1

Categoria 2 - contra-argumentos

Categoria 3 - argumentos

Categoria 4 - tese 2 (conclusão)

Segundo Silveira, esse esquema textual é aplicado, quando, nas condições de produção

discursiva, o produtor representa seus interlocutores como dotados de um “saber”; em outros

termos, os interlocutores conhecem e acreditam na tese 1. Portanto, contra-argumenta, a fim de

persuadi-los da inveracidade dessa tese, a qual refuta. Em seguida, argumenta levando-os a

aceitarem a tese 2.

Em síntese, segundo a autora, o dissertativo acadêmico, que se manifesta em texto de

pesquisa, texto de revisão e de ensaios, é construído com esses dois esquemas textuais – o de

uma e o de duas teses. Este último é organizado com a oposição do cientista (ou produtor) a

conhecimentos que compõem o paradigma científico vigente (ou senso comum). Observe-se,

por meio das categorias abaixo especificadas, como o esquema textual do dissertativo

argumentativo de duas teses pode ser visualizado, conforme Silveira (2012, p. 103):

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Dessa forma, nessa sequência textual, o produtor/orador contra-argumenta para persuadir

seu auditório/leitor a desistir da tese 1 e argumenta para que ele acolha a tese 2, instrumento de

seu discurso. A oposição do autor/produtor, por sua vez, “pode ser por complementaridade

(‘não só x, mas também y’) ou rejeição (‘não x, só y’)” (SILVEIRA, 2012, p. 103).

Como se nota, a autora emprega essas propostas para alunos de graduação e pós-

graduação; no entanto, nada impede que sejam aplicadas nas aulas de redação do ensino médio

que tratam, principalmente, de textos dissertativos, objetivando preparar os alunos para

prestarem o vestibular. Essas sequências textuais – em qualquer nível de ensino, seja no ensino

secundarista ou no ensino superior, ainda que se limitando às particularidades de cada nível –

“apresentam uma ordenação ideológica de argumentos e/ou contra-argumentos. Nelas

predominam elementos modalizadores, verbos introdutores de opinião, operadores

argumentativos etc.” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 72).

Os examinadores dos vestibulares, por sua vez, embora não, necessariamente, tenham

esses esquemas explicitados como critérios de correção, já conhecem tais esquemas por estarem

expostos a eles cotidianamente; logo, quanto mais precisa for a definição dos esquemas e

dimensões ensináveis de um gênero, bem como das sequências textuais, mais o trabalho

didático facilitará a sua apropriação como mecanismo e possibilitará desenvolver a capacidade

de linguagem variada a eles relacionadas, tanto por parte dos docentes quanto do alunado.

Quanto mais nitidamente o objeto do trabalho em sala de aula for descrito e explicitado, mais

ele se tornará acessível ao discentes, não só nessas práticas de ensino e aprendizagem

envolvendo as sequências textuais, mas também em situações reais e objetivas de interação pela

linguagem.

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Capítulo 3

A teoria respaldando a prática – informantes: alunos

Este capítulo apresenta os resultados obtidos das análises referentes às produções

textuais de gênero opinativo de três alunos do 3º ano do ensino médio da rede pública estadual,

na cidade de São Paulo. O critério escolhido foi o confronto do texto oral com o escrito dos

mesmos produtores, e as categorias a serem analisadas limitaram-se:

à referenciação nos textos orais e escritos;

à organização do texto escrito; e

ao fluxo das ações que sistematizam o processo de retextualização, do texto oral para o

escrito, bem como ao modelo das operações textuais-discursivas.

Para delimitação dos segmentos textuais, com o intuito de identificar trechos a serem

postos em destaque, adotar-se-á a letra “L” (maiúscula) como nomenclatura para identificação

de cada linha dos textos. Quanto ao ponto de partida para a realização do processo de

retextualização, bem como para a obtenção dos dados dos textos-base, foram necessárias

gravações e transcrições – elementos-chave nesse processo, conforme Marcuschi (2010).

Ademais, no caso do trabalho proposto nesta dissertação, o método qualitativo objetivou

avaliar “o grau de consciência linguística e o domínio da noção das relações entre o texto oral

e o texto escrito” (MARCUSCHI, 2010, p. 99), dos informantes especificados acima.

3.1 Informante 1

Estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo masculino, 18 anos.

3.1.1 Texto-base

Texto oral/transcrito número 1.

3.1.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade

(1)bá noite meu nome é Eduardo:: ... terceiro ano estudo na escola:: ...Estela Borges

(2)Morados estamos falando hoje aqui sobre o assunto abordado de redes sociais

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(3)já se foi o tempo em que as redes sociais eram coisa de deso... desocupado de

(4)adolescentes que não tá querendo estudar e fica matando tempo na internet hoje elas

(5)são utilizados por pessoas de todas as idades classes sociais países etc mas a questão

(6)é até que ponto essas redes sociais são úteis e a partir de onde elas se torna um

(7)problema as redes sociais estão cada vez mais ganhano a atenção seja de usuários

(8)comuns até empresas interessadas em difundir sua marca ou interessadas em uma

(9)maior aproximação de seus clientes essas redes sociais são bastantes úteis se levando

(10)em conta as infinitas possibilidades de crescimento social profissional oportunidade

(11)de propagação de marcas em uma escala mundial a troca intensa de informações

(12)entre outras fornecidas por esse universo de opções criadas pelas redes sociais

(13)porém as redes sociais também tem seu lado negativo e como seus benefícios atinge

(14)todos os tipos de usuário levando em conta o usuário comum temos alguns males

(15)que são patrocinados pelas redes:: ...como indiferença a vida cotidiana amizade

(16)fictícias alienação depressão isolamento entre outras coisas já as empresas estão

(17)vulneráveis a perigos como:: ...o de críticas agressiva segurança difamação da

(18)marca uso inadequado da linguage radicalismo

(E.P.S.)

3.1.1.2 A referenciação no texto oral do informante 1

O informante mantém o referente textual e a tematização solicitados, considerando o

referente textual redes sociais e a tematização os malefícios e os benefícios para a sociedade.

A progressão semântica é expositiva. O informante explica o porquê de as redes sociais

causarem malefícios e benefícios para a sociedade. Expande cada um iniciando pelos

benefícios e, após, os malefícios. Apesar disso, verifica-se que o informante não constrói uma

opinião.

O informante inicia sua produção com assunto abordado de redes sociais. Dessa forma,

designa o referente textual redes sociais, focalizando os participantes da enunciação.

Cataforicamente, ocorre redes sociais; com essa nominalização sequenciada, o informante

constrói, pela coesão referencial, o primeiro passo da referenciação. Conforme mencionado

acima, o referente introduzido no texto – redes sociais – é retomado e repetido ao longo do

texto:

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L3 - “[...] redes sociais [...]”

L6 - “[...] redes sociais [...]”

L7 - “[...[ redes sociais [...]”

L9 - “[...] redes sociais [...]”

L12 - “[...] redes sociais [...] redes sociais [...]”

L14 - “[...] redes [...]”

Constatou-se que esse referente foi mencionado sete vezes ao longo do texto. Essas

retomadas, por sua vez, caracterizam uma progressão referencial. Considerando-se a repetição,

no caso dessa progressão, uma das estratégias utilizadas pelo informante é a chamada forma

nominal reiterada, quando a retomada do referente se dá unicamente pelo próprio nome inicial

do referente, de acordo com Koch e Elias (2010). Há ainda que considerar as retomadas de valor

pronominal, que por sua vez também colaboram para a sequenciação da referenciação textual

(cf. KOCH, 2015, p. 73):

L4 -“[...] hoje elas [...]”

L6 -“[...] elas se torna [...]”

Quanto ao tema – o que também depende da referenciação para mantê-lo em evidência –

, o informante reitera, no texto, palavras de mesmo valor (campo) lexical, em comparação com

redes sociais:

L4 -“internet”

Frases que remetem ao uso das redes sociais e da internet:

L11 -“[...] escala mundial a troca de informações [...]”

A fala do informante segue algumas estratégias, como a recorrência de termos ou

repetição para a produção de um efeito de insistência, com o intuito de enfatizar seu ato de

dizer, embora não haja elementos linguísticos suficientes que colaborem, sistematicamente,

para uma coesão sequencial bem planejada. Contudo, as repetições já acima mencionadas,

segundo Koch e Elias (2010), criam um efeito enfático, retórico.

No caso deste texto, não se encontram muitas dificuldades na comparação entre as duas

modalidades – a oral e a escrita –, porque parece que o informante se preocupou em manter o

mesmo desenvolvimento textual na escrita e na fala, conscientemente ou não. Por outro lado,

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ele mantém algumas características tipicamente orais quando passa o texto oral para o escrito,

conforme se mostrará mais adiante no texto transformado.

Para este texto, “portanto, (teríamos) [...] uma linguagem popular ou subpadrão, [...]

empregada nas situações coloquiais e de menor formalidade” (PRETI, 2003a, p. 30) – é o

dialeto social popular; consequentemente, de menor prestígio social – e é dele que o informante

se utiliza neste texto, pelo menos na maior parte de sua produção, embora não seja possível

mensurar se propositadamente ou não.

3.1.2 Texto transformado

A retextualização escrita final número 1.

3.1.2.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade

(1)Já se foi o tempo em que as redes sociais eram coisas de desocupado, de

(2)adolescentes que não tá querendo estudar e fica matando tempo na internet. Hoje

(3)elas são utilizadas por pessoas de todas as idades, classes sociais, países etc. Mas

(4)a questão é até que ponto essas redes são úteis e a partir de onde elas se tornam

(5)um problema. As redes sociais estão cada vez mais ganhando a atenção seja de

(6)usuários comuns até enpresas interessadas em difundir sua marca, ou interessadas

(7)em uma maior aproximação de seus clientes

(8)Essas redes sociais são bastante úteis levando em conta as infinitas possibilidades

(9)de crescimento social profissional oportunidade de propagação de marcas em

(10)escala mundial, a troca intensa de informação, entre outras fornecidas por esse

(11)universo de opções criado pelas redes. Porem as redes sociais também tem seu lado

(12)negativo e, como seus benefícios atingem todos os tipos de usuários. Levando em

(13)conta o usuários comum temos alguns males que são patrocinados pelas redes

(14)como indiferença, a vida cotidiana, amizades fictícias alienação, depressão

(15)isolamento, entre outras coisas. Já as empresas, estão vulneráveis e perigos

(15)como o de criticas agressivas, segurança, difamação da marca uso inadequado

(16)da linguagem, radicalismo etc.

(E.P.S.)

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3.1.2.2 A rerefenciação no texto escrito do informante 1

Por não haver diferenças significativas na comparação entre o texto oral e o escrito acerca

da referenciação, as mesmas considerações já feitas para o texto oral serão consideradas válidas

para o escrito (veja item 3.1.1.2). Sendo assim, o informante 1 mantém a mesma estratégia de

referenciação, bem como o referente redes sociais e sua tematização benefícios e malefícios

para a sociedade, tal qual sua produção textual oral.

3.1.2.3 A organização textual na produção escrita do informante 1

A organização textual é, aqui, entendida como a aplicação de um esquema textual

delineado pelo informante, conscientemente ou não. Embora o texto não esteja completo, pois

não há uma opinião construída textualmente, pode-se considerar, conforme Silveira (2012), que

o texto apresentado é organizado, dissertativamente, pela sequência textual explicativa. A

autora descreve o dissertativo explicativo pelas seguintes categorias textuais: texto reduzido,

texto expandido por explicações e uma conclusão.

Os textos, nas duas modalidades, produzidos pelo informante 1, não apresentam

conclusão, visto que não são textos considerados opinativos, embora essa fosse a proposta.

Logo, a progressão semântica por explicações dos “malefícios” e benefícios” vai até o final do

texto. Sendo assim, o texto apresenta-se, de acordo com o quadro a seguir:

Texto

reduzido

Já se foi o tempo em que as redes sociais eram coisas de desocupado, de

adolescentes que não tá querendo estudar e fica matando tempo na internet.

Hoje elas são utilizadas por pessoas de todas as idades, classes sociais, países

etc. Mas a questão é até que ponto essas redes são úteis e a partir de onde elas

se tornam um problema

Texto

expandido

Explicação

de

benefícios

As redes sociais estão cada vez mais ganhando a atenção seja de usuários

comuns até empresas interessadas em difundir sua marca, ou interessadas em

uma maior aproximação de seus clientes. Essas redes sociais são bastante úteis

levando em conta as infinitas possibilidades de crescimento social profissional

oportunidade de propagação de marcas em escala mundial, a troca intensa de

informação, entre outras fornecidas por esse universo de opções criado pelas

redes.

Explicação

de

malefícios

Porem as redes sociais também tem seu lado negativo e, como seus benefícios

atingem todos os tipos de usuários. Levando em conta os usuários comum temos

alguns males que são patrocinados pelas redes como indiferença, a vida

cotidiana, amizades fictícias alienação, depressão isolamento, entre outras

coisas. Já as empresas, estão vulneráveis e perigos como o de críticas agressivas,

segurança, difamação da marca uso inadequado da linguagem, radicalismo etc.

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Conclusão

opinativa

Não ocorre: texto interrompido

3.1.2.4 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral

para o escrito

Esta retextualização ainda apresenta algumas características típicas da fala, como

também, na maior parte de seu desenvolvimento, apresenta segmentos próprios da linguagem

em situações informais, conforme se verificará adiante nas análises das operações do modelo

adotado (cf. MARCUSCHI, 2010, p. 75). Para este caso, as operações verificadas foram as

seguintes:

(1ª operação): aplicada parcialmente. Os marcadores típicos da conversação como

hesitações, partes de palavras, reformulações etc., que aparecem no texto falado, são

eliminados no texto escrito (estratégia de eliminação baseada na idealização

linguística). Observe-se os trechos em L1 “bá noite meu nome é Eduardo:: ...

terceiro ano estudo na escola:: ...Estela Borges” e L2 “Morados estamos falando

hoje aqui” do texto falado, que revelam a contextualização da fala, são eliminados

no texto escrito. Contudo, marcas da fala espontânea, como partes de palavras, ainda

se notam na retextualização, veja-se, por exemplo: “adolescentes que não tá

querendo estudar” (L2 do texto escrito);

(2ª operação): também aplicada parcialmente. A inserção da pontuação é baseada na

entonação da fala, embora ela apareça de forma precária no texto escrito. Coincide,

na maioria das vezes, com as pausas (indicadas aqui com reticências), como em L3

“eram coisa de deso... desocupado” do texto falado, onde aparece uma pausa [...]

que, por sua vez, é substituída por uma vírgula, no texto escrito: “eram coisas de

desocupado,” (L1);

(3ª operação): repetições e redundâncias são eliminadas, conforme aparecem no texto

oral. A perspectiva egótica da fala (pronomes como eu, meu – que aparecem no texto

falado, como em L1: “meu nome é Eduardo:: ...”) desaparece aqui na

retextualização, visto que a escrita elimina o “eu”;

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(4ª operação): não é seguida, até mesmo porque não houve paragrafação e a ordem

geral do desenvolvimento permaneceu a mesma, exceto a aplicação da pontuação -

própria do texto escrito;

(5ª operação): esta operação - introdução de marcas metalinguísticas, objetivando

explicitude -, não foi observada nesta transformação, tendo em vista que não se notou

este recurso também no texto falado;

(6ª, 7ª e 8ª operações): operações que dizem respeito à estratégia de reconstrução em

função da norma escrita, à estratégia de substituição visando uma maior formalidade

e à estratégia de estruturação argumentativa, também, não aparecem aqui de modo

significativo; tampouco a operação número 9, que trata de condensação e

agrupamento de argumentos, visto que os mesmos argumentos são verificados em

ambos os textos. Em L3, do texto falado, por exemplo, o trecho “já se foi o tempo

em que as redes sociais eram coisa de deso... desocupado hoje elas” é corroborado

pelo segmento “são utilizados por pessoas de todas as idades classes sociais países

etc”, em L5. Semelhantemente, no texto escrito, as mesmas formas de argumentar

são percebidas: “Já se foi o tempo em que as redes sociais eram coisas de

desocupado [...] que não tá querendo estudar” (L1, L2) e “Hoje elas são utilizadas

por pessoas de todas as idades, classes sociais, países etc” (L3). Observe-se que o

segundo segmento, em L3, é uma justificativa para o que foi dito em L1, L2.

Quanto às concordâncias nominal e verbal, estratégia inclusa na 6ª operação do modelo,

notou-se haver mudança relevante:

Texto falado

L2 - “[...] as redes sociais eram coisa de deso... desocupado[...]”

L4 -“[...] adolescentes que não tá*(estão) querendo [...]e fica

[matando [...]””.

L4,5 -“[...] elas são utilizados”

L6 -“[...] elas se torna [...]”

L15 - “[...] amizade fictícias” [...]”

L16 -“[...] críticas agressiva [...]”

Texto escrito

L2 “[...] adolescentes que não tá(estão) querendo

[ [...]e fica matando [...]”.

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L11“[...]as redes sociais também tem seu lado [...]”

Como se pode observar, com exceção ao que se refere à concordância – no texto falado

há mais inadequações –, a retextualização apresenta grande semelhança com o texto falado,

embora, via de regra, a tendência é que haja mudanças mais drásticas quando o transformador

do texto for o mesmo retextualizador (cf. MARCUSCHI, 2010), pois o conhecimento prévio da

fala espontânea favorece maior liberdade de transformação significativa do texto.

Nesta transposição, a retextualização foi realizada apenas com um parágrafo. Sendo

assim, o informante não considerou a regra de mudança paragrafal quando ocorre mudança

semântica. Também não houve reordenação de conteúdos ou de pensamentos, ficando tudo

praticamente da mesma forma em que foi produzido o texto oral, com poucas exceções. A

mudança mais notável deu-se na eliminação dos marcadores conversacionais, como pausas e

alongamentos de vogais (prosódicos), encontrados principalmente no início do texto oral: “bá

noite meu nome é Eduardo:: ... terceiro ano estudo na escola:: ...” (L1).

Quanto ao universo total de palavras, o texto falado possuía 229 palavras; já o texto

escrito apresenta um total de 199 – 16 a menos –, o que representa uma redução de 7,44% do

original. Esta proporção ainda pode ser considerada muitíssimo baixa, visto que, conforme

postula Marcuschi (2010, p. 101), as reduções, neste tipo de transformação (do oral ao escrito),

em geral, são bastante significativas.

Assim sendo, após o confronto feito entre as duas modalidades, verificou-se não haver

mudanças significativas nesta transposição.

3.2 Informante 2

Estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo feminino, 17 anos.

3.2.1 Texto-base

Texto oral/transcrito número 2.

3.2.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade

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92

(1)as redes sociais como o Orkut Facebook MSN Twitter entre outros são os

(2)sites de relacionamento que muitas pessoas utilizam para se distrair criar novas

(3)amizades ou até mesmo motivos profissionais nessas redes são trocadas

(4)informações amigos que moram longe se reaproximam não têm a necessidade do

(5)deslocamento físico e até mesmo empresas se relacionam com o público consumidor

(6)mas essa ferramenta não apresenta apenas benefícios muitos se aproveita para

(7)fazer roubos pedofilia difamação discriminação e até mesmo bullying as crianças não

(8)sabem mais o que é brincar na rua pois preferem jogos eletrônicos os adolescentes

(9)deixam de lado o passeio com os amigos e acabam se isolando no mundo da

(10)internet...virando então um vício como tudo que é tudo do mundo existe seu lado

(11)bom e ruim das redes sociais não é diferente os internautas devem ter controle do

(12)uso desse meio de comunicação para não se transformar em grandes problemas

(C.M.S.)

3.2.1.2 A referenciação no texto oral da informante 2

A informante se preocupa em manter o referente textual e a tematização solicitados. Para

tanto, a informação inicial desta produção (“redes sociais”) é mantida em saliência por meio

de operações de retomada ou da criação de novos referentes ligados à tematização: “benefícios

e malefícios para a sociedade”. Assim, o primeiro referente, que indica o assunto a ser

abordado durante a produção do texto, é construído e reconstruído ao longo dessa produção,

conforme assinala Koch e Elias (2010):

L1 -“As redes sociais [...]”

L3 -“[...] nessas redes [...]”

L11 -“[...] redes sociais [...]”

Constatou-se, nesses fragmentos, a retomada desse referente no modelo textual como

forma nominal reiterada. Entretanto, essa forma não é muito utilizada pela informante, que

introduz outros referentes no texto, utilizando-se de outras formas de progressão referencial:

L1 -“as redes sociais como o Orkut Facebook MSN Twitter [...]”

L2 -“[...] são os sites de relacionamento que muitas pessoas utilizam para se

[distrair criar novas amizades [...]”

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L6 -“[...] essa ferramenta [...]”

L12 -“ [...] desse meio de comunicação [...]”

Nessa produção, além da forma nominal reiterada (L1, L3 e L11), conforme assinalado

acima, as outras formas de progressão referencial que a informante mais utiliza são as formas

elíptica/pronominal (L6, L12) ou pronominalização (anafórica ou catafórica), de acordo com

Koch (2015), e nomes genéricos (também em L6 e L12). Dessa forma, as cadeias anafóricas ou

referenciais estão substanciadas no texto por “esse movimento de retroação a elementos já

presentes no texto – ou passíveis de serem ativados a partir deles” (KOCH e ELIAS, p. 144,

2010).

A forma de inserção do referente inicial, neste texto, consiste na introdução não ancorada,

visto que o referente é representado por expressão nominal e que expressa uma primeira

categorização, como se nota:

L1 -“ as redes sociais como o Orkut Facebook MSN Twitter entre outros são os [...]”

L2 –[ [...] sites de relacionamento que muitas pessoas utilizam para se distrair [...]”

L3 -“[...] criar novas amizades nessas redes são trocadas

L4 -[ [...] informações amigos que moram longe se reaproximam não tem a

[necessidade do

L5 -[ [...] deslocamento físico [...]”

A informante ainda se utiliza da referenciação implícita para corroborar seu ato de dizer,

concomitantemente com seu objetivo de progredir semanticamente, de modo que elementos

textuais ou modelos mentais são ativados, por meio de anáforas indiretas, conforme postula

Koch e Elias (2010):

L3 -“[...] são trocadas [...]”

L4 -“[...] informações amigos que moram longe se reaproximam não tem

[a necessidade do [...]”

L5 -“[...] deslocamento físico [...]”

L7 -“[...] as crianças não [...]”

L8 -“[...]sabem mais o que é brincar na rua pois preferem jogos eletrônicos [...]”

L8 -“[...] os adolescentes [...]”

L9 -“[...] deixam de lado o passeio com os amigos e acabam se isolando

[no mundo da [...]”

L10 -“[...] internet [...]”

Verificou-se, portanto, que a informante recorre, principalmente, a anáforas indiretas,

desempenhando a progressão e a coerência do texto, levando o leitor a inferir elementos

antecedentes com base em âncoras textuais. Essas retomadas não são explícitas, mas têm base

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94

em modelos cognitivos, pois nos fragmentos em destaque não se veem referência nominal ou

explícita concernente ao tema abordado, mas são introduzidos elementos linguísticos ou

expressões que têm, de certa forma, algum vínculo com o contexto já estabelecido, como se vê:

“amigos [...] se reaproximam não têm a necessidade do deslocamento físico [...]”; “[...]

preferem jogos eletrônicos [...]”; “[...] deixam de lado o passeio com os amigos e acabam se

isolando no mundo da internet [...]”.

De modo que a seleção de palavras relacionadas com o mesmo campo lexical e mesmo

grupo de conhecimento de mundo, conforme constatou-se nos fragmentos acima, asseguraram

a manutenção do tema neste texto. Alguns elementos linguísticos de modelo de mundo, neste

caso o mundo das redes sociais, foram ativados pela informante, “avançando, assim,

perspectivas sobre o que (o leitor) vai encontrar no texto” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 177).

3.2.3 Texto transformado

A retextualização escrita final número 2.

3.2.3.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade

(1) As redes sociais, como twitter,my space, orkut, facebook, e MSN são

(2)sites de relacionamentos que se instalaram definitivamente na vida da sociedade

(3)moderna.

(4) Esses meios de comunicação são utilizados por um grande número de

(5)pessoas crianças, jovens, idosos em todo o mundo, seja por diversão, amizade ou

(6)motivos profissionais.

(7) O fato é que esses tipos de sites tiveram um crescimento enorme na

(8)última década, com a divulgação do orkut as pessoas passaram a possuir um

(9)perfil e começou ali um tipo de hábito que se expandiu em uma escala incrível.

(10) Cerca de 70% da população possui algum tipo de perfil onde as

(11)informações circulam em tempo real, amigos distantes se reaproximam, os

(12)relacionamentos se multiplicam, não há necessidade de deslocamentos físicos

(13)para que se possa usufruir momentos de lazer e empresas passam a ter, uma

(15)nova forma de se relacionar com o público consumidor.

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(16) No entanto, nem só benefícios promove esse tipo de ferramenta. Muitos

(17)se aproveitam para fins ilícitos. Roubos, pedofilia, difamação, discriminação,

(18)são exemplos de crimes praticados através da internet, aproveitando-se da

(19)privacidade e da intimidade expostas nas comunicações pelas redes. Crianças

(20)substituem os brinquedos pelos jogos eletrônicos, jovens deixam de sair com os

(21)amigos e o isolamento é frequente aos que fazem da internet o seu “mundo”,

(22)tornando isto um “vício eletrônico”.

(23) Portanto os usuários devem exercer um controle permanente do uso desta

(24)comunicação, que com certeza é um universo fascinante, mas se não forem

(25)bem utilizados podem se transformar num grande problema para o internauta

(26)ingênuo.

(C.M.S.)

3.2.3.2 A referenciação no texto escrito da informante 2

Nesta retextualização, verificam-se poucas diferenças significativas comparando-se ao

texto falado, no que concerne à referenciação, visto que a informante usa quase os mesmos

elementos linguísticos na duas produções (escrita e oral), operando “uma seleção, dentre as

diversas propriedades de um referente – reais, co(n)textualmente determinadas ou

intencionalmente atribuídas” (KOCH, 2015, p. 73). Dessa forma, ela mantém o referente redes

sociais em saliência por meio de operações de retomada ou da introdução de novos referentes

concernentes à tematização:

L1 -“As redes sociais, como twitter, my space, orkut, facebook, e MSN

[são[...]”

L2 -“[...] sites de relacionamentos [...]”

L4 – “[...] Esses meios de comunicação [...]”

L7 -“[...] esses tipos de sites [...]”

L16 -“[...] esse tipo de ferramenta [...]”

L19 -“[...] nas comunicações pelas redes [...]”

L23 -“[...] desta

L24-[ [...] comunicação [...]”

L24 -“[...] forem

L25 -[ [...] bem utilizados [...]”

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96

O que se constatou, inicialmente, quanto ao referente redes sociais, introduzido em L1,

é que ele não é retomado de forma nominal reiterada ao longo de todo o desenvolvimento do

texto (o que se verificou no texto falado), ou seja, não se verificou em nenhuma outra parte

dessa produção o termo redes sociais, o que nos é forçoso dizer que, para esta produção, a forma

de introdução desse referente no modelo textual foi por ativação não ancorada.

Entretanto, outras formas de progredir seu texto foram, pela informante, utilizadas por

operações de retomadas ou remissões, conforme assinala Koch e Elias (2010): forma nominal

hiperonímica, como em L1; forma nominal sinônima ou quase sinônima, como em L2, L4;

nomes genéricos, como em L4, L7, L16, L23 e L24; forma elíptica/pronominal como em L24

(elas forem).

Como no texto falado, a informante ainda se utiliza da referenciação implícita para

afirmar seu ato de dizer concomitantemente com seu objetivo de progredir semanticamente, de

modo que elementos textuais ou modelos mentais são ativados por meio de anáforas indiretas:

L8 -“[...]as pessoas passaram a possuir um

L9 -[ [...] perfil [...]”

L2 -“[...] sites de relacionamentos [...]”

L10 -“[...] onde as

L11 -[ [...] informações circulam em tempo real [...]”

L11 -“[...]amigos distantes se reaproximam [...]”

L12 -“[...] não há necessidade de deslocamentos físicos

L13 -[ [...] para que se possa usufruir momentos de lazer [...]”

L19 -“[...] Crianças

L20 -[ [...] substituem os brinquedos pelos jogos eletrônicos [...]”

L20 -“[...] jovens deixam de sair com os

L21 -[ [...] amigos e o isolamento é frequente aos que fazem da internet o

[‘seu mundo’ [...]”

Verificou-se que no texto falado foram encontrados 5 segmentos com anáforas indiretas

por referenciação implícita, estratégia esta que a informante aplica, também, no texto escrito,

mas de forma mais contundente, pois, neste caso, são sete segmentos direcionados a este tipo

de progressão semântica, conforme trechos acima destacados.

Outra estratégia que a informante também se utiliza para a garantia da sequenciação

referencial desta retextualização está na manutenção temática com o uso de termos que fazem

parte de um mesmo campo lexical ou pertencem a um mesmo grupo de conhecimento de

mundo. Veja-se:

L1 -“[...] As redes sociais, como twitter, my space, orkut, facebook, e MSN

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[[...]”

L4 -“[...] Esses meios de comunicação [...]”

L8 -“[...] com a divulgação do Orkut [...]”

L11 -“[...] informações circulam em tempo real [...]”

L12 -“[...] não há necessidade de deslocamentos físicos [...]”

L18 -“[...] internet [...]”

L22 -“[...] ‘vício eletrônico’ [...]”

L25 -“[...] internauta [...]”

Como se vê, a informante faz remissões a elementos apresentados anteriormente no texto

ou sugeridos pelo contexto precedente (cf. KOCH, 2015, p. 75), favorecendo, assim, a sua

reativação na memória do leitor/interlocutor.

3.2.3.3 A organização textual na produção escrita da informante 2

A organização textual, nesta transposição, segue o esquema defendido por Silveira

(2012), ou seja, dissertativo de uma tese. Sendo assim, o texto completa-se com três categorias

distintas, conforme elencadas pela autora, a saber: texto reduzido (apresentação), texto

expandido - justificativa (explicação) – e a conclusão que, por sua vez, contém expressões de

um sujeito enunciador – é a opinião pessoal do produtor encadeada com a justificativa e o texto

reduzido.

Portanto, pode-se considerar, conforme Silveira (2012), que o texto apresentado é

organizado dissertativamente pela sequência textual explicativa de uma tese. Dessa forma, o

texto escrito produzido pela informante 2 é organizado por um texto reduzido, seguido de uma

justificativa (explicação) e termina com uma conclusão. Logo, a progressão semântica da

tematização “malefícios e benefícios para a sociedade” é explicada no texto, concatenando-se

com o texto reduzido. A conclusão, por sua vez, contém uma opinião defendida pela produtora.

Sendo assim, o texto apresenta-se com:

Texto

reduzido

(apresentação) As redes sociais, como twitter, my space, orkut, facebook, e MSN são sites

de relacionamentos que se instalaram definitivamente na vida da sociedade

moderna.

Texto

expandido

Explicação de

benefícios

Esses meios de comunicação são utilizados por um grande número de pessoas

crianças, jovens, idosos em todo o mundo, seja por diversão, amizade ou

motivos profissionais. [...]

Cerca de 70% da população possui algum tipo de perfil onde as informações

circulam em tempo real, amigos distantes se reaproximam, os

relacionamentos se multiplicam, não há necessidade de deslocamentos físicos

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98

para que se possa usufruir momentos de lazer e empresas passam a ter, uma

nova forma de se relacionar com o público consumidor.

Explicação de

malefícios

No entanto, nem só benefícios promove esse tipo de ferramenta. Muitos se

aproveitam para fins ilícitos. Roubos, pedofilia, difamação, discriminação,

são exemplos de crimes praticados através da internet, aproveitando-se da

privacidade e da intimidade expostas nas comunicações pelas redes. Crianças

substituem os brinquedos pelos jogos eletrônicos, jovens deixam de sair com

os amigos e o isolamento é frequente aos que fazem da internet o seu

“mundo”, tornando isto um “vício eletrônico”

Conclusão

opinativa

Portanto os usuários devem exercer um controle permanente do uso desta

comunicação, que com certeza é um universo fascinante, mas se não forem

bem utilizados podem se transformar num grande problema para o internauta

ingênuo

3.2.3.4 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral

para o escrito

Esta retextualização apresenta diferença significativa se comparada com o texto oral. O

que fica patente aqui, se seguirmos as diversas fases da produção da transposição

(retextualização) dessa informante, é que ela já possui um domínio da escrita considerável. Isso

se explica pela aplicação da paragrafação bem ordenada, a citação de conteúdo e a substituição

do conjunto do léxico (na maior parte) que foram bem reordenadas na retextualização para

atender as exigências da escrita, com exceção de poucas deficiências na pontuação – o que será

detalhado adiante na especificação da aplicação das operações, conforme elenca Marcuschi:

(1ª operação): não houve mudança significativa no que concerne à interação face a

face, por se tratar de um monólogo, embora isso não seja único fator determinante.

Significativamente, não houve também eliminação de hesitações e partes de palavras

(truncamentos), com exceção do que aparece em L10 do texto oral e que foi

eliminado no escrito – “estratégia de eliminação baseada na idealização linguística”

(MARCUSCHI, 2010, p. 75);

(2ª e 4ª operações): a introdução da pontuação (fornecida, na maior parte, deste tipo

de transposição, pela entonação da fala), bem como da paragrafação, não teve aqui

relevância, com exceção da pausa que aparece em L10 (“se isolando no mundo da

internet...”), do texto falado, substituída por uma vírgula no texto escrito em L21

(“aos que fazem da internet o ‘seu mundo, [...]”), dado que as pausas e

alongamentos, via de regra, são substituídos pela pontuação no texto escrito. Há uma

pequena reordenação dos tópicos discursivos: o que aparece no início do texto oral –

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L3 e L4, por exemplo, “nessas redes são trocadas informações, amigos que moram

longe se reaproximam, não tem a necessidade do deslocamento físico”, no texto

escrito só vai aparecer no 4º parágrafo. De igual modo, parte dos segmentos em L5 e

L6, do texto falado - “mas essa ferramenta não apresenta apenas benefícios, muitos

se aproveita para fazer roubos, pedofilia, difamação, discriminação e até mesmo

bullying” -, só aparecerão no 5º parágrafo do texto escrito;

(3ª operação): esta operação não aparece de forma significativa aqui, visto que, no

texto falado, quase não se encontram repetições, reduplicações (não há), paráfrases

(no sentido de explicação prolixa) etc. Os pronomes egóticos (eu, meu) também não

aparecem no texto falado. Portanto, nesse sentido, a estratégia de eliminação para

uma condensação linguística – base desta operação -, bem como de atividades de

idealização, não foram observadas nesta retextualização;

(5ª, 6ª e 7ª operações): aparecem aqui de modo significativo. A introdução de marcas

metalinguísticas, para referenciação, estão evidentes nesta transposição. Isso é

evidente no texto por meio de verbalização de contextos manifestos por dêiticos e,

conforme assinala Koch e Elias (2010), por meio de um desenvolvimento que

mantém o foco em operações de retomada, com o intuito de reformulação

objetivando explicitude, como nas linhas (1,2,4,7,8,16,19,23,24): “as redes sociais”

(1), “são sites de relacionamentos” (2), “esses meios de comunicação” (4), “esses

tipos de site” (7), “divulgação do Orkut” (8), “esse tipo de ferramenta” (16),

“comunicações pelas redes” (19), “uso desta comunicação” (23,24), “mas se não

forem bem utilizados” (24) etc. Há, também, de modo acentuado, outras escolhas

léxicas no texto escrito visando uma maior formalidade: “como tudo que é... tudo...

do mundo existe seu lado bom e ruim, das redes sociais não é diferente” – L10 do

texto falado, é simplesmente substituído por “no entanto, nem só benefícios promove

esse tipo de ferramenta” – L16 do texto escrito.

(8ª e 9ª operações): estas operações, por tratarem da parte argumentativa do texto,

foram aplicadas com mais afinco, visto que, na retextualização, os argumentos estão

mais convincentes e mais bem ordenados. Observe-se, por exemplo, em L6, L7, do

texto oral, que esse segmento introduz uma afirmação: “mas essa ferramenta não

apresenta apenas benefícios”, que é em seguida corroborada por outra afirmação

“muitos se aproveita para fazer roubos pedofilia difamação discriminação e até

mesmo bullying”. Já na retextualização, os segmentos que correspondem a essas

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afirmações, aparecem de maneira mais contundente em L17, L18 e L19: “No entanto,

nem só benefícios promove esse tipo de ferramenta”, “Muitos se aproveitam para

fins ilícitos”, “Roubos, pedofilia, difamação, discriminação, são exemplos de crimes

praticados através da internet”, “aproveitando-se da privacidade e da intimidade

expostas nas comunicações pelas redes”. Observe-se que a informante precisou

reorganizar seus argumentos no texto escrito e, consequentemente, para este caso, os

segmentos ficaram mais extensos. Isso, talvez, explique o aumento no volume do

texto final, mas isso não é costumeiro neste tipo de transposição – o que, geralmente,

ocorre é exatamente o contrário. Todavia, aqui, se produziu um texto mais robusto,

de maneira que a informante precisou distribuir melhor seus argumentos para atingir

seus objetivos textuais-discursivos, portanto.

Em se tratando do grau de formalidade nas duas produções, notou-se não haver diferenças

significativas, excetuando-se, obviamente, o conjunto do léxico que no texto escrito se mostrou

com maior grau de formalidade. Assim, pode-se afirmar que a linguagem empregada por esta

informante nas duas produções faz parte do universo do dialeto social culto (PRETI, 2003a, p.

31), embora tenha sido encontrado um trecho com inadequação na concordância verbal em cada

produção. Veja-se:

Texto Falado:

L6 -“[...] muitos se aproveita [...]”

Texto escrito:

L16 - No entanto, nem só benefícios promove [...]”

Conclui-se, portanto, que as duas produções se mostraram praticamente igualadas em

relação ao grau de formalidade.

Quanto ao universo total de palavras, o texto falado tinha 153, já o texto escrito apresenta

um número de 252 palavras, o que contraria a ordem natural deste tipo de transposição que,

conforme assinalado anteriormente, tende a apresentar exatamente o contrário. Mas como “as

relações entre fala e escrita não são óbvias nem lineares, pois elas refletem um constante

dinamismo fundado no continuum que se manifesta entre essas duas modalidades de uso da

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língua” (MARCUSCHI, p. 34, 2010), é possível que ocorram esses fenômenos ainda não

totalmente esclarecidos.

Assim, foram acrescidas 99 palavras no texto escrito, um percentual de aumento de

60,71%, em comparação com o texto falado. Mesmo assim, neste caso, não se pode falar em

falseamento ou interpretação - o que poderia modificar totalmente (ou até certo ponto) o

conteúdo e comprometer a transposição. De qualquer modo, o aumento de conteúdo e palavras,

em vez da redução, mostrou-se evidente.

3.3 Informante 3

Estudante do 3º ano do ensino médio – do sexo masculino, 17 anos.

3.3.1 Texto-base

Texto oral/transcrito número 3

3.3.1.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade

(1)fala pessoal meu nome é Lucas e hoje eu vou falar um sobre as redes sociais vou

(2)falar sobre as suas vantagens e desvantagens...e falar um pouco sobre a sua influência

(3)na sociedade primeiramente o fato é que as redes sociais têm se espalhado com a

(4)grande velocidade no...no nosso país é...porque...grande parte da população tem

(5)acesso às redes sociais e até mesmo em seu celular é... eu acho que... sim ela

(6)pode...trazer benefícios pra...pra qualquer um de nós basta você saber...limitar esse

(7)tempo de uso dela não fazer...não usá-la com o tempo tão...muito excessivo pois

(8)assim ela se tornará a sua... sua grande inimiga acho que o principal fator

(9)positivo das redes sociais é fato de que...o compartilhamento de informação é muito

(10)rápido acho que em um clique você já pode compartilhar o que você::...é...está

(11)sentindo ou deseja... compartilhar com alguma pessoa ou parente distante é...eu

(12)acho que eu já me utilizei muitas vezes das...das redes sociais de uma forma

(13)positiva porque...eu sou aluno de Informática eu faço técnico e...muitas vezes

(14)quando eu estou com alguma dificuldade em exercícios ou...alguma lição

(15)mesmo eu apenas tiro uma foto do exercício e envio para algum grupo de...de

(16)pessoas da ETEC mesmo onde faço curso técnico e meio que em conjunto

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(17)nessas redes sociais a gente procura uma resolução pra esses problemas então

(18)hoje em dia tá muito mais fácil de... você se comunicar com quem está distante

(19)e o fator negativo das redes sociais também está justamente nisso porque se

(20)você se aproxima de quem está longe automaticamente você se afasta de quem

(21)está perto então...as redes sociais tem esse poder de te...prender naquele mundo

(22)e te...é... não deixar com que você se comunique com quem está ao seu lado basta

(23)você sair por aí em algum restaurante ou até mesmo nas praças de alimentação de

(24)shoppings você pode se deparar com muitos casais é...as vezes juntos mas...nem se

(25)conversam nem se fala estão apenas...teclando no seu celular e um dia desses eu vi

(26)uma...placa...uma placa no restaurante muito interessante, que dizia não peça a

(27)senha do Wi-Fi conversem entre si eu acho que essa mensagem é muito

(28)interessante pra:: pra deixar claro que...é...mais importante você ter a...conversar

(29)com quem está perto do que se prender nesse mundo das redes sociais porque

(30)se ela for usada com...em bastante excesso você vai estar desperdiçando um tempo

(31)que poderia ser gasto em alguma...de alguma outra forma outra coisa

(32)positiva...negativa da...das redes sociais é o fato que nas redes sociais você tenta ser

(33)o que você não é na vida real daí que... eu acho que partiu daí essa ideia do

(34)cyberbullying porque lá você acaba se sentindo um pouco mais do que o que que

(35)você é na vida real e as vezes você acaba sendo um pouco mais arrogante com

(36)quem você não...com quem você não tem coragem de falar pessoalmente e eu acho

(37)que acaba sendo um abuso de poder... e... de outra pessoa é...basicamente o

(38)principal ponto negativo dela é o afastamento mesmo da...do resto das pessoas que

(39)estão presentes outro fato...ruim é que se você compartilhar algum...algum vídeo

(40)que... que denigra a imagem de outra pessoa esse vídeo...ou vídeo ou imagem esse

(41)arquivo vai ser compartilhado muito rapidamente e acho que uma vez publicado na

(42)Web não tem como mais ser retirado porque...ele vai se espalhar muito rápido

(43)no geral eu acho que as redes sociais podem ser sim ser grande aliadas basta você

(44)saber a forma certa de utilizar e o tempo certo valeu

(L.B.S.)

3.3.1.2 A referenciação no texto oral do informante 3

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103

O produtor do texto mantém o referente textual e a tematização solicitados. Para tanto, o

informante faz referência inicial ao assunto que será abordado ao longo da produção por meio

da introdução do referente redes sociais, bem como à tematização os benefícios e os malefícios

para a sociedade, que é mantida em destaque por meio de operações de retomada ou da criação

de novos referentes a eles associados.

Assim, o referente que indica o assunto a ser abordado durante a produção do texto,

reocupa, ao longo desta produção, seu lugar no ato de dizer do produtor:

L1 -“[...] as redes sociais [...]”

L3 -“[...] redes sociais [...]”

L5 -“[...] redes sociais [...]”

L9 -“[...] das redes sociais [...]”

L12 -“[...] redes sociais [...]”

L17 -“[...] nessas redes sociais [...]”

L19 -“[...] das redes sociais [...]”

L21 -“[...] as redes sociais [...]”

L29 -“[...] das redes sociais [...]”

L32 -“[...] das redes sociais [...] nas redes sociais [...]”

L43 -“[...] que as redes sociais [...]”

Como se nota nesses fragmentos, há número significativo da retomada desse referente no

modelo textual como forma nominal reiterada, visto que as retomadas ocorrem

nominalmente: o referente se repete por sua forma primária, introduzida originalmente no texto

em L1. Assim, o informante opera parte da progressão referencial (ou semântica) desse texto

de “forma retrospectiva ou anaforicamente” (KOCH & ELIAS, 2010, p. 132). O texto ainda

traz outras formas de progressão referencial, como as elencadas a seguir:

L2 -“[...] as suas vantagens e desvantagens [...]”

L2 -“[...] a sua influência

L3 -[ [...] na sociedade [...]”

L5 -“[...] sim ela

L6 -[ [...] pode...trazer benefícios [...]”

L7 -“[...] tempo de uso dela não fazer...não usá-la [...]”

L8 -“[...] assim ela se tornará a sua... sua grande inimiga[...]”

L9 -“[...] compartilhamento de informação [...]”

L30 -“[...] se ela for usada com...em bastante excesso [...]”

L38 -“[...]principal ponto negativo dela [...]”

Para esta produção, além da forma nominal reiterada, conforme se verificou, a outra

forma de progressão referencial de que o informante mais se vale consiste na forma de valor

pronominal, de acordo com o que mostram os fragmentos acima referidos. Alguns segmentos

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104

deste texto ainda trouxeram uma outra forma de referenciação com o intuito de fazer o texto

progredir na sucessão dos enunciados: a forma com certos advérbios locativos, conforme se

nota nos fragmentos abaixo:

L32 -“[...] o fato que nas redes sociais você tenta ser

L33 -[ [...] o que você não é na vida real daí que... eu acho que partiu daí

[essa ideia do

L34 -[ [...] cyberbullying [...]”

L34-“[...] porque lá você acaba se sentindo um pouco mais do que o que que

L35-[ [...] você é na vida [...]”

De maneira que as cadeias anafóricas ou referenciais, conforme apontam os fragmentos

em destaque, reforçam esse movimento de retomada de componentes já ditos no texto – ou que

podem ser ativados a partir desses componentes -, caracterizando-se em modelos de progressão

semântica. Por exemplo, o advérbio “daí” em L33 faz referência ao fato de os usuários das

redes sociais demonstrarem ser o que, de fato, não o são; e o advérbio “lá”, por sua vez, em

L34, faz referência a cyberbullyng.

Dessa forma, o informante vai formando a coerência no texto com enunciados que

garantem a progressão referencial, bem como segmentos textuais que corroboram o tema em

desenvolvimento favorecendo sua manutenção:

L9 -“[...] o compartilhamento de informação é muito

L10-[ [...] rápido [...]”

L10-“[...]rápido acho que em um clique você já pode compartilhar o que

[você...é... [...]”

L11-“[...] compartilhar com alguma pessoa ou parente distante [...]”

L20-“[...] você se aproxima de quem está longe automaticamente você se

[afasta de quem

L21-[ [...] está perto [...]”

L32-“[...] você tenta ser

L33-[ [...] o que você não é na vida real [...]”

L33-“[...]daí essa ideia do

L34-[ [...] cyberbullying [...]”

L39-“[...] se você compartilhar algum...algum vídeo [...]”

Conforme assinalado nos fragmentos em destaque, o uso de termos que pertencem a um

mesmo campo lexical, bem como a alusão a elementos que fazem parte de um mesmo grupo de

conhecimento de mundo, neste caso “redes sociais”, são bastante acionados pelo informante

nesta produção, garantindo a manutenção temática.

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3.3.2 Texto transformado

A retextualização escrita final número 3.

3.3.2.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade

(1) Na realidade, as redes sociais vêm ganhando um grande espaço na vida de

(2)todos nós pois grande parte da sociedade tem acesso a diversos tipos de redes sociais

(3)de uma maneira muito fácil, até mesmo acessando pelo celular.

(4) Compreende-se que, se ela for usada corretamente, pode trazer grandes

(5)vantagens para o nosso cotidiano, pois ela faz com que possamos compartilhar a

(6)informação de uma maneira prática e rápida, nos aproximando de quem está longe.

(7) O fator negativo está nessa mesma questão, porque se você se aproxima de

(8)quem está longe, automaticamente você se afasta de quem está perto. Você fica

(9)“preso” nesse mundo das redes sociais, dificultando seu relacionamento com as

(10)pessoas que estão ao seu redor.

(11) De uma maneira geral, se soubermos dosar o tempo de uso, e não exceder

(12) uma grande quantidade de tempo, ela certamente será nossa aliada.

(L.B.S.)

3.3.2.2 A Referenciação no texto escrito do informante 3

Semelhantemente ao texto falado, o produtor introduz um referente relacionado ao tema

a ser abordado logo no início da produção – “redes sociais” -, encadeando-o a “benefícios e

malefícios para a sociedade”, opinando acerca de seus benefícios a partir de L4, até L6; e acerca

de seus malefícios a partir de L7, até L10. Ademais, o que se verifica, ao se comparar os

fragmentos iniciais nos dois textos, é que os itens de apresentação pessoal, que foram inseridos

no texto falado, já não aparecem no texto escrito. Veja-se:

L1 -“[...] Na realidade, as redes sociais vêm ganhando um grande espaço

[na vida de

L2 -[ [...]todos [...]”

L4 -“[...] se ela for usada corretamente, pode trazer grandes

L5 -[ [...] vantagens para o nosso cotidiano [...]”

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Embora a introdução do referente, inicialmente, no texto falado, coincida com o referente

do texto escrito, há grande desigualdade nas operações de retomada da referenciação. Enquanto

no texto falado a retomada desse referente, pela forma nominal reiterada, aparece em oito

enunciados por toda a extensão do texto; na produção retextualizada, isso se dá em apenas três:

L1 -“[...] Na realidade, as redes sociais vêm ganhando um grande [...]”

L2 -“[...] parte da sociedade tem acesso a diversos tipos de redes sociais

[[...]”

L9 -“[...] “preso” nesse mundo das redes sociais [...]”

A progressão referencial desse texto ocorre, conforme se verificou nos fragmentos

anteriores e se verá nos posteriores, de maneira retrospectiva ou anafórica, portanto, nesse

sentido, não há qualquer dissemelhança com o texto falado:

L1 -“[...] Na realidade, as redes sociais vêm ganhando um grande [...]”

L4 -“[...] Compreende-se que, se ela for usada corretamente [...]”

L5 -“[...] vantagens para o nosso cotidiano, pois ela faz com que possamos

[compartilhar [...]”

L12 -“[...] ela certamente será nossa aliada [...]”

A forma de introdução do referente redes sociais, neste texto, é operada de forma não

ancorada, “quando representado por uma expressão nominal” (KOCH e ELIAS, 2010, p. 134)

e, como se nota em L1, não ocorreu qualquer divergência em comparação com o texto falado.

Outra forma de progressão referencial que o informante apresenta, neste texto, é a de valor

pronominal, segundo mostram estes fragmentos:

L4 -“[...] Compreende-se que, se ela for usada corretamente [...]”

L5 -“[...] vantagens para o nosso cotidiano, pois ela faz com que possamos

[compartilhar [...]”

L12 -“[...] ela certamente será nossa aliada [...]”

O que se nota, no cotejo entre as duas modalidades, no caso deste informante, é que na

retextualização não aparecem, como no texto falado, as formas de progressão referencial

elípticas, por nomes genéricos ou por advérbios locativos – o que já se pode falar em uma

condensação, visto que há redução de elementos linguísticos, conforme assinala Marcuschi

(2010).

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Da mesma forma que no texto falado, o informante vai produzindo a coesão e a coerência

no texto escrito com enunciados que garantem a progressão referencial, bem como favorecem

sua manutenção temática:

L5 -“[...] compartilhar a

L6 -[ [...] informação de uma maneira prática e rápida, nos

[aproximando de quem está longe [..]”

L7 –“[...] porque se você se aproxima de

L8 -[ [...] quem está longe [...]”

L9 -“[...] dificultando seu relacionamento com as

L10-[ [...] pessoas que estão ao seu redor [...]”

Nos trechos em destaque, o informante se vale de termos e expressões que pertencem ao

mesmo domínio e conhecimento de mundo (ou modelo cognitivo) relacionados ao universo das

redes sociais e como seus usuários se comportam na sociedade ao utilizarem essa ferramenta.

Por exemplo, palavras e expressões como compartilhar, informação rápida, aproximação

de quem está longe, afastamento de quem está perto são termos que estão no cotidiano de

pessoas que usam essas redes com frequência.

3.3.2.3 A organização textual na produção escrita do informante 3

A organização textual, nesta transposição, segue, de igual modo, o esquema defendido

por Silveira (2012), ou seja, dissertativo de uma tese com progressão semântica explicativa.

Sendo assim, o texto é organizado com três categorias distintas, conforme elencadas pela

autora: texto reduzido (apresentação), texto expandido (justificativa/explicativa) e a conclusão.

Pode-se considerar, por conseguinte, que o texto apresentado é organizado, dissertativamente,

pela sequência textual explicativa de uma tese.

Logo, o texto escrito produzido pelo informante 3 é caracterizado como um texto

opinativo. Sendo assim, o texto apresenta-se com:

Texto

reduzido

(apresentação) Na realidade, as redes sociais vêm ganhando um grande espaço na vida de

todos nós pois grande parte da sociedade tem acesso a diversos tipos de redes

sociais de uma maneira muito fácil, até mesmo acessando pelo celular.

Texto

expandido

Explicação de

benefícios

Compreende-se que, se ela for usada corretamente, pode trazer grandes

vantagens para o nosso cotidiano, pois ela faz com que possamos

compartilhar a informação de uma maneira prática e rápida, nos aproximando

de quem está longe.

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Explicação de

malefícios

O fator negativo está nessa mesma questão, porque se você se aproxima de

quem está longe, automaticamente você se afasta de quem está perto. Você

fica “preso” nesse mundo das redes sociais, dificultando seu relacionamento

com as pessoas que estão ao seu redor.

Conclusão

opinativa

De uma maneira geral, se soubermos dosar o tempo de uso, e não exceder

uma grande quantidade de tempo, ela certamente será nossa aliada.

3.3.3 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral

para o escrito

Nesta retextualização, há várias questões para se observar, além das já realizadas acima.

A primeira situação, claramente constatada, reside numa redução significativa na extensão do

texto, visto que “a transformação da fala para a escrita prima por uma redução elevada de

elementos linguísticos que vão além das hesitações e dos marcadores” (MARCUSCHI, 2010,

p. 105). A seguir seguem mais detalhes acerca desta transposição, bem como das operações

mais aplicadas e as nuances encontradas no texto falado e ausentes no texto escrito:

(1ª operação): claramente aplicada, com exceção de alguns trechos que aparecem no

texto escrito e que são característicos da conversação, como é o caso do pronome

“você” quando usado como termo genérico, marcando uma interação em tempo real,

característico da oralidade, como se vê em L5 do texto escrito: “porque se você se

aproxima”; em L8 e L9 “Você fica ´preso´”. A eliminação de marcas interacionais,

partes de palavras, cortes sintáticos, hesitações, alongamentos – típicos da

conversação – é um recurso utilizado nesta retextualização como estratégia de

mudança baseada na idealização linguística, como em L1 do texto falado “fala

pessoal meu nome é Lucas” – interação em tempo real – o que, naturalmente, não

aparece no texto escrito. Ou hesitações, causadas por pausas ou cortes sintáticos: L2

– “falar sobre as suas vantagens e desvantagens...”; “já pode compartilhar o que

você::...é...” em L10, e L28 “interessante pra:: pra deixar claro que...é...mais” –

hesitações e alongamentos. Em L33 “o que você não é na vida real daí que...”, e L44

“saber a forma certa de utilizar e o tempo certo valeu” - interações típicas da

conversação, embora, nesta pesquisa, trate-se de um texto em monólogo. De todo

modo, ainda que o texto não seja “a quatro mãos” ou “a duas vozes” [...], que se

desenvolve durante o tempo em que dois ou mais interlocutores voltam sua atenção

para [...] trocar ideias sobre determinado assunto” (Rodrigues ,2003, p. 21), ainda,

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109

assim, há características de uma conversação, visto que a interação face a face e em

tempo real não são condições imprescindíveis para que haja uma conversação, de

acordo com Rodrigues. Há que se observar, também, que, na retextualização,

desaparecem alguns marcadores típicos da conversação, conforme verificado no

texto falado “eu acho que” ou “acho que”: L5, L8, L10, L11;12, L27, L33, L41,

L43;

(2ª operação): claramente aplicada. A entonação do texto falado pode ser um auxílio

para a introdução da pontuação na retextualização escrita. Para Marcuschi (2010), a

pontuação coincide no geral com as pausas, indicadas no texto falado com “...”

(reticências). Veja-se, por exemplo que a palavra “celular” em L5, do texto falado,

antecede uma pausa e esta mesma palavra (celular) encerra um parágrafo no texto

escrito – L3. Em L21, do texto falado, a palavra “perto” antecede uma pausa; no texto

escrito, essa mesma palavra encerra um ponto-final – L8;

(3ª operação): claramente aplicada. A retirada de repetições, redundâncias, excesso

de paráfrases e, principalmente, pronomes egóticos (eu, meu) ocorre também nesta

transposição. Essa “estratégia de eliminação para uma condensação linguística”

(MARCUSCHI, 2010, p. 75) são observadas, principalmente, em L1 do texto falado:

“fala pessoal meu nome é Lucas e hoje eu vou falar” (uso de pronomes egóticos).

Em L4: “grande velocidade no...no nosso”; L32: “positiva...negativa da...das redes

sociais”(reduplicações). Todos esses fragmentos que aparecem no texto falado não

se verificam no texto escrito;

(4ª operação): esta operação tem semelhança com a 2ª operação, a principal

diferença, entretanto, está na reorganização da ordem dos tópicos discursivos –

entendido, aqui, como aquilo sobre o que se está falando, conforme postula Fávero

(2003). No texto falado, por exemplo, em L2 “falar sobre as suas vantagens e

desvantagens...” revela um tópico; na mesma linha “e falar um pouco sobre a sua

influência” é outro tópico ou, no mínimo, um subtópico e estão, exatamente, no início

do texto. Por outro lado, exposições relacionadas aos mesmos tópicos no texto escrito

aparecem em fragmentos redistribuídos ao longo dele: L4, L5 “pode trazer grandes

vantagens para o nosso cotidiano”. Em L19, do texto falado, o tópico acerca do que

é negativo no uso das redes sociais: “o fator negativo das redes sociais”, portanto

quase no meio do texto, vai aparecer no texto escrito em L7: “O fator negativo está

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nessa mesma questão”. Portanto, quer por condensação quer por reordenação, os

tópicos são claramente redistribuídos e reformulados no texto escrito;

(5ª operação): esta operação não é claramente aplicada aqui, visto que os dêiticos

operados por advérbios locativos e pronomes demonstrativos ocorrem com mais

intensidade no texto falado. A introdução de marcas de metalinguagem é um fator

que não se observou nesta transposição, pois ela aparece, também, e com mais

intensidade no texto falado;

(6ª e 7ª operações): claramente seguidas, com exceção de algumas categorias. A

reconstrução de estruturas truncadas - por não ser o truncamento típico da língua

escrita -, é operada objetivamente. As inadequações nas concordâncias verbal e

nominal não operam mudanças, visto que elas não aparecem nem no texto falado,

nem no escrito. Ainda acerca da 7ª operação, em particular, os pronomes egóticos

desaparecem na produção retextualizada, inclusive são sistematicamente substituídos

por nós: “pois ela faz com que possamos compartilhar” – L5 e “se soubermos dosar

o tempo de uso”– L11, “note-se que a escrita elimina o eu” (MARCUSCHI, 2010, p.

101).

Para essas operações, a mudança mais significativa, nesta transposição, foi a reordenação

sintática, por exemplo: enquanto no texto falado verificaram-se 6 conjunções (acrescidas das

encontradas nas expressões “eu acho que” ou “acho que”); no escrito, apenas três. Ademais, a

substituição do léxico, visando uma maior formalidade, evidenciou-se, em L1 do texto escrito,

por exemplo: “Na realidade, as redes sociais vêm ganhando”; L4: “Compreende-se que, se

ela for usada”; L11: “De uma maneira geral, se soubermos”, constatando-se, portanto, que

esses termos (grifados) foram introduzidos no texto escrito para dar lugar às expressões

coloquiais e típicas da fala para introduzir comentários “eu acho que” ou “acho que”,

encontradas no texto falado: L5, L8, L10, L11;12, L27, L33, L41, L43 e, como se verifica,

eliminadas no escrito.

(8ª e 9ª operações): estas operações dão aspectos mais condensados em se tratando

das ideias e da estratégia da argumentação. Entretanto, não foram notadas mudanças

significativas que dizem respeito a esses detalhes nesta retextualização.

Nota-se, após acurada análise, que a mudança geral mais significativa, desta transposição,

foi o enxugamento geral do texto, consequência da adaptação ou adequação à escrita. Quanto a

isso, o texto original oral tinha 625 palavras, incluindo aí todas as classes gramaticais; na versão

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final escrita, porém, o texto possui um número bastante reduzido: 142 palavras, o que, como já

visto, é tendência natural neste tipo de transposição (do texto oral para o texto escrito). O

número encontrado representa uma redução da ordem de 77, 28%, portanto.

Em síntese, os resultados obtidos das análises de retextualização produzidas pelos

informantes alunos de uma escola da rede estadual, em São Paulo, indicam que todos os alunos

informantes mantiveram a tematização proposta pelo pesquisador, ou seja, “benefícios e

malefícios para a sociedade” das redes sociais, bem como o referente norteador “redes sociais”.

Esse resultado indica que os informantes desconhecem como recategorizar o referente a partir

de um ponto de vista novo e, simplesmente, seguem a categorização proposta.

As operações utilizadas pelos informantes para transposição dos textos orais para os

escritos apresentam diferenças pertinentes, a exceção ficou com o informante 1. De forma geral,

eles mantêm, durante a construção referencial do texto escrito, os substantivos selecionados

para o texto oral, com poucas exceções.

Todavia, dois informantes – o 1 e o 3 – apresentam, na retextualização, a operação de

redução de número de palavras e, consequentemente, desses substantivos; um deles, no entanto,

construiu sua retextualização com um maior número de palavras do que no texto oral – o

informante 2.

A organização textual de todos os informantes foi realizada com a sequência explicativa.

Apenas o informante 1 constrói seus textos – oral e escrito – sem a emissão de uma opinião,

produzindo um texto interrompido, pois a produção contém, apenas, na progressão semântica,

explicações de “benefícios e malefícios para a sociedade” das redes sociais.

Os informantes 2 e 3 constroem textos opinativos de uma tese, seguindo o esquema

textual dissertativo explicativo (cf. SILVEIRA, 2012, p. 99-100).

É interessante observar que o informante 2 e o informante 3 constroem semelhante

opinião em seus textos “oral e escrito”. Esse resultado indica que a opinião emitida por eles já

era de conhecimento mútuo ou, pelo menos, os produtores compartilhavam das mesmas

cognições sociais e, por essa razão, esses dois informantes, também, não construíram uma

opinião individual, pois aderem a um saber pré-construído, portanto.

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Capítulo 4

A teoria respaldando a prática – informante: professor

Similarmente ao capítulo 3, este capítulo apresenta os resultados obtidos das análises

referentes às produções textuais, de gênero opinativo, de um professor do ensino médio da rede

pública estadual, na cidade de São Paulo, docente na mesma escola dos informantes do capítulo

anterior. O critério escolhido consistiu no confronto do texto oral com o escrito do mesmo

produtor, e as categorias a serem analisadas limitaram-se:

à referenciação;

à organização do texto escrito; e

ao fluxo das ações que sistematizam o processo de retextualização, do texto oral para

o escrito, bem como ao modelo das operações textuais-discursivas.

Para delimitação dos segmentos textuais, com o intuito de identificar trechos a serem

postos em destaque, adotar-se-á a letra “L” (maiúscula) como nomenclatura para identificação

de cada linha do texto. Semelhantemente ao capítulo anterior, quanto ao ponto de partida para

a realização do processo de retextualização, bem como para a obtenção dos dados do texto-

base, necessitou-se de gravação e transcrição da produção oral referida neste capítulo –

elemento-chave nesse processo.

Da mesma forma que no capítulo 3, no caso do trabalho proposto nesta dissertação, o

método qualitativo teve o objetivo de avaliar “o grau de consciência linguística e o domínio da

noção das relações entre o texto oral e o texto escrito” (MARCUSCHI, 2010, p. 99), do

informante acima especificado.

4.2 Informante 4

Professor de Língua Portuguesa do ensino médio – do sexo masculino, 30 anos -,

docente na mesma escola em que estudavam os informantes do capítulo III.

4.2.1 Texto-base

Texto oral/transcrito número 4.

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4.2.1.1 Redes sociais, benefícios e malefícios para a sociedade

(1)pensar até que ponto isso é saudável até que ponto vale a pena trocar as

(2)relações humanas pelas relações virtuais...e até que ponto...ahn:: deve-se levar isso...

(3)deve se levar isso tão a sério...é:: pensar que isso pode estragar(um amor) por uma

(4)foto...enfim as pessoas tem que...tem que... tomar cuidado com o que elas dizem

(5)fazem...ou acessam... é isso aí

(6)bom...é::...é impossível imaginar o mundo sem alguns avanços sem algumas

(7)ferramentas que se mostram essenciais pra vida em sociedade hoje em dia e

(8)talvez a ferramenta mais indispensável de todas seja a internet...por conta de toda

(9)facilidade...comodidade agilidade... que ela oferece...compartilhar informação...ou

(10)trocar informações em questão de segundo conhecer alguém falar com essa pessoa

(11)que está do outro lado do mundo como se estivesse aqui são coisas incríveis

(12)né?...e as redes sociais obviamente tem um papel fundamental nesses processos

(13)todos...tão fundamental que empresas...usam as redes...como um canal de

(14)comunicação e divulgação de sua marca produtos ou serviços... inclusive algumas

(15)empresas até...enfim...ahn:: ahn:: incentivam que seus funcionários e colaboradores

(16)usem as redes no trabalho éh:: pensando numa teoria nova sei lá... numa...chamada

(17)teoria da copre...copresença virtual teoria da copresença virtual ou seja tentando

(18)estimular nos...nos funcionários a capacidade de se comunicar com outras pessoas e

(19)colaborar com elas né? mesmo que elas estejam longe geograficamente falando né? e

(20)obviamente em tarefas bem curtas éh:: segundo as empresas as empresas que

(21)estimulam esse tipo de prática isso faz com que...os funcionários...os...os...

(22)empregados consigam resolver problemas de maneira rápida e eficaz enfim...é uma

(23)teoria... mas é preciso tomar cuidado também com a...com um processo e...sei lá o

(24)esfriamento das relações humanas as pessoas estão deixando

(25)de...(oferecer)pessoalmente pra conversarem virtualmente mesmo quando estão bem

(26)próximas...uma pesquisa interessante da McAfee uma empresa de tecnologia enfim

(27)é que quarenta e quatro por cento dos jovens que que namoram reclamam das

(28)redes sociais dizem que elas podem sim prejudicar um namoro por conta do

(29)parceiro ah:: curtir ou comentar uma foto de alguém que o outro éh::...vê como...

(30)como um concorrente ou...curtir comentar a foto de um ex-namorado ou

(31)namorada éh::... pra Adriano Leon...De Leon aliás que é professor e antropólogo da

(32)Universidade Federal da Paraíba as redes sociais na verdade são apenas mal

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(33)utilizadas por esses jovens ou por qualquer um que ache que elas podem...ah:: ...

(34)atrapalhar ou enfim...acabar com relacionamento ah:: diz ele diz que...hoje em dia

(35)tudo é muito...é tudo muito exagerado e que as pessoas acabam publicando a vida

(36)toda na internet né?...como se isso fosse um diário como se fosse...sei lá tivesse lá

(37)pra todo mundo vê e acaba abrindo a privacidade e isso faz com que elas se torne

(38)vítimas de todo esse movimento ah::... isso causa sei lá faz com que as pessoas se

(39)sintam traídas virtualmente né? porque o outro acessou enfim é um balaio de

(40)gato mas realmente é necessário que se tome cuidado que se... que se pense o quão

(41)saudável é gastar tanto tempo ou se dedicar muito a a essas ferramentas né? né? em

(42)detrimento...das relações pessoais físicas Mário Sérgio Cortella fala uma coisa

(43)muito interessante né? que as pessoas deveriam fazer mais pamonha né? Por

(44)conta do trabalho coletivo que era divisão de funções e cada um fazendo junto

(45)isso...era ou ainda é em alguns lugares do pa do país é...um evento familiar

(46)com a televisão com a popularização da televisão as pessoas deixaram

(47)de...de...de...enfim de... de participar uma das vidas das outras né?:: e foi nesse

(48)momento que o Mário Sérgio Cortella disse isso...com a internet então a coisa

(49)é pior porque...eu nã:: ninguém precisa estar preso a um cômodo da casa com um

(50)tubo gigante na cara...para se desligar do mundo hoje em dia um aparelhozinho

(51)com conexão inter... éh:: à internet...é como todo mundo tem...éh:: qualquer

(52)lugar você pode acessar Facebook Twitter enfim...seu e-mail e você não precisa

(53)tá em casa e isso talvez tenha feito com que as...relações interpessoais se

(54)esfriem tenham se esfriado ainda mais...ah:: ...então é necessário pensar até que

(55)ponto isso é saudável até que ponto

(56)vale a pena trocar

(F.S.S.C.)

4.2.1.2 A referenciação no texto falado do informante 4

O informante, já na introdução de sua produção oral, faz referência aos tópicos temáticos

que serão discutidos ao longo do texto por meio de dois pontos de vista para o referente redes

sociais. Os dois tópicos são: relações humanas e relações virtuais; sendo assim, há dois pontos

de vista para o tratamento de redes sociais:

L2 -“[...] relações humanas pelas relações virtuais...e até que ponto...ahn::

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[deve-se levar isso...[...]”

Essas tematizações, embora diferentes, são mantidas em destaque para explicar os

“benefícios e malefícios” das redes sociais; este referente, por sua vez, é mantido em destaque

por meio das operações de retomada, por outros referentes a ele associados e introduzidos no

texto. Essas construções temáticas operam, num primeiro momento, e passam a preencher uma

lacuna na rede conceitual do modelo de mundo textual (cf. KOCH, 2015, p. 68), de tal maneira

que as expressões linguísticas que as representam são colocadas em saliência na memória do

interlocutor-leitor:

L2 -“[...] pelas relações virtuais[...]”

L16 -“[...]pensando numa teoria nova sei lá... numa...chamada teoria da

L17 -[[...] copre...copresença virtual [...]”

L25 -“[...] pessoalmente pra conversarem virtualmente mesmo quando estão

[bem próximas...[...]

L38-“[...] as pessoas se

L39 -[ [...] sintam traídas virtualmente né? [...]”

Como se nota, nesses fragmentos, a retomada ou introdução das expressões em destaque,

no modelo textual, ocorre como forma de insistência para realçar o segundo ponto de vista:

“relações virtuais”. Essa reativação faz que a associação desse ponto de vista com o referente

“redes sociais” seja realizada “de tal forma que esse ‘objeto’ fica saliente no modelo” (KOCH,

2015, p. 68).

Entretanto, muitas vezes, esses objetos de discurso são desfocalizados ou desativados,

momentaneamente, para ceder lugar a outros temas, referentes ou pontos de vista com o

objetivo de progredir referencialmente, podendo ser outra vez ativados ou não, como ocorre

neste texto:

L1 -“[...] trocar as

L2 -[ [...] relações humanas [...]”

L24-“[...] esfriamento das relações humanas [...]”

Verifica-se, nos trechos acima, que a tematização “relações humanas” aparece pela

primeira vez em L2, saindo de evidência e voltando apenas em L24, quando desaparece

totalmente do texto. Ainda, acerca dessa tematização, nota-se uma reconstrução que é

“responsável pela manutenção em foco, no modelo de discurso, de objetos previamente

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introduzidos, dando origem às cadeias referenciais coesivas, responsáveis pela progressão

referencial do texto” (KOCH, 2015, p. 72).

A título de exemplificação, observe-se que, em L28, a expressão “um namoro” faz alusão

à “relações humanas” em concomitância com o referente “redes sociais”. Em L34, aparece a

palavra “relacionamento”, e em L53 ocorre a expressão “as...relações interpessoais”. Assim,

todas essas expressões têm o objetivo de lembrar ao interlocutor-leitor acerca do que o produtor

intenta que ele associe e memorize do texto, por meio de reconstruções ou reintroduções, no

texto, de outras formas lexicais.

Ainda sobre a expressão “relações virtuais”, conforme os trechos a seguir, ela reaparece

em algumas outras partes do texto, mas também cede lugar a outras formas de reativação a ela

associadas. Dessa forma, o informante utiliza-se de uma referenciação implícita, associada a

essas coesões lexicais para reforçar seu ato de dizer e progredir, semanticamente, seu texto:

L7 -“[...] ferramentas que se mostram essenciais pra vida em sociedade [...]”

L9-“[...] compartilhar informação...ou [...]”

L10-“[...] trocar informações sem questão de segundos[...]”

L10-“[...] falar com essa pessoa

L11-[ [...] que está do outro lado do mundo como se estivesse aqui [...]”

L12-“[...] as redes sociais obviamente têm um papel fundamental nesses [...]

[processos todos [...]”

L15-“[...] colaboradores usem as

L16-[ [...] redes no trabalho éh:: [...]”

L21-“[...] isso faz com que...os funcionários...os...os... [...]”

L22-“[...]empregados consigam resolver problemas de maneira rápida e [...]”

[eficaz enfim [...]”

L27-“[...] jovens que que namoram reclamam das redes

L28-[ [...] sociais [...]”

L32-“[...] as redes sociais na verdade são apenas mal

L33-[ [...] utilizadas por esses jovens [...]”

L35-“[...] publicando a vida

L36-[ [...] toda na internet né? [...]”

L50-“[...] para se desligar do mundo hoje em dia um aparelhozinho

L51-[ [...] com conexão inter... éh:: à internet [...]”

L52-“[...] acessar Facebook Twitter enfim...seu e-mail [...]”

Verifica-se, nesses trechos, que, além da forma nominal reiterada, como é o caso em L12,

L15-16, L27-28, L32, inclusive pouco utilizada, o informante introduz novas formas de

referenciação lexical, concernentes às estratégias de referenciação textual num processo em que

ela aparece de forma implícita ou, ainda, por meio de anáforas indiretas. Essas anáforas foram

introduzidas no texto por constituírem modelos cognitivos, por inferências ancoradas no

contexto, mas com expressões semânticas associadas ao conhecimento de mundo

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117

compartilhado, como é o caso em L9 (compartilhar informação), L10 e L22 (rapidez na troca

de informação), L11 (a distância física e a presença virtual), entre outras.

Todas essas informações associadas a modelos mentais foram, propositadamente,

inseridas na exposição oral do informante, tendo em vista a preocupação com a manutenção

temática, operada pelos processos de referenciação exemplificados acima. Verificaram-se

ainda, nesta produção, outras inferências ancoradas que dizem respeito a “sintagmas nominais

definidos, particularmente as relações metonímicas (relações parte-todo)” (KOCH & ELIAS,

2010, p. 136), conforme trechos a seguir:

L8 -“[...] a ferramenta mais indispensável de todas seja a internet... [...]”

L12 -“[...] as redes sociais [...]”

L13-“[...] fundamental que empresas...usam as redes...como um canal [...]”

L16 -“[...] redes no trabalho éh:: [...]”

L32 -“[...] as redes sociais na verdade são apenas mal utilizadas [...]”

L52-“[...] lugar você pode acessar Facebook Twitter enfim...[...]”

Nesses fragmentos, observam-se algumas expressões nominais que se relacionam com o

referente “internet” (L8) como “redes sociais” ou “redes” (L12, L13, L16, L32) que, por sua

vez, se relacionam com “Facebook” e “Twitter” (L52). Nesse caso, o informante se valeu,

mais uma vez, de anáforas indiretas para progredir, semanticamente, sua produção textual, uma

vez que os elementos, posteriormente introduzidos no texto, servem de âncora para manter

referência a elementos anteriormente postos, visto que esses componentes formam expressões

que mantêm algum tipo de relação com a retomada do referente “redes sociais” com “internet”;

e com “redes sociais” ou “redes” para “Facebook” e “Twitter”.

Outra estratégia de referenciação textual, utilizada pelo informante deste texto, reside na

“referenciação por intermédio de formas pronominais” (KOCH, 2015, p. 73), em consonância

com o que se constatou nos trechos em destaque:

L1 -“[...]pensar até que ponto isso é saudável até que ponto vale a pena trocar as [...]”

L2 -“[...]relações humanas pelas relações virtuais...e até que ponto...ahn::

[deve-se levar isso...[...]”

L3 -“[...] deve se levar isso tão a sério...é:: pensar que isso pode estragar

[(um amor) por uma[...]”

L4 -“[...] foto...enfim as pessoas têm que...têm que... tomar cuidado com o

[que elas dizem [...]”

L5 -“[...]fazem...ou acessam... é isso aí [...]”

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118

Como se vê, o pronome demonstrativo “isso”, que aparece em L1, opera uma progressão

referencial catafórica; “isso” significa, no ato de sequenciar semanticamente o texto, “até que

ponto vale a pena trocar as relações humanas pelas relações virtuais”, ao passo que, em L2,

L3 e L5, esse mesmo pronome opera uma progressão anafórica dos elementos contextuais

anteriormente relacionados a ele.

Esse tipo de progressão referencial que, também, consiste em “operação responsável pela

manutenção em foco, no modelo de discurso, [...] dando origem a cadeias referenciais ou

coesivas” (KOCH, 2015, p. 72), ainda aparece, no texto, em outros enunciados como os

elencados a seguir:

L8 -“[...] a ferramenta mais indispensável de todas seja a internet...[...]”

L9 -“[...] facilidade...comodidade agilidade... que ela oferece [...]”

L18-“[...] capacidade de se comunicar com outras pessoas e colaborar

L19-[ [...] com elas né? mesmo que elas estejam longe [...] né? [...]”

L35-“[...] tudo é muito...é tudomuito exagerado e que as pessoas

[acabam publicando a vida [...]”

L36-“[...] toda na internet né?...como se isso fosse um diário [...]”

L37-“[...] pra todo mundo vê e acaba abrindo a privacidade e isso faz com

[que elas se torne [...]”

L42-“[...]...das relações pessoais físicas Mário Sérgio Cortella fala uma

[coisa [...]”

L43-“[...] muito interessante né? que as pessoas deveriam fazer mais

[pamonha né? [...]”

L48-“[...]momento que o Mário Sérgio Cortella disse isso [...]”.

Verificou-se, portanto, nos enunciados acima destacados, que ocorreu uma progressão

referencial, por meio de elementos contextuais explícitos, como se pode notar em L9 – ela –

que retoma internet em L8; em L19 – elas/elas – retomam pessoas em L18; em L36 – isso –

retoma internet na mesma linha; e em L48 – isso – retoma “que as pessoas deveriam fazer mais

pamonha”, em L43.

Como se nota, o informante mantém a abordagem temática por meio de uma

referenciação diversificada, considerando que as coesões referenciais por ele introduzidas no

texto são retomadas, ou reconstruídas, ao longo de sua produção com objetivos de viabilizar

seu ato de dizer.

A seguir será tratada a retextualização para o escrito do mesmo informante.

4.2.2 Texto transformado

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119

A retextualização escrita final número 4.

4.2.2.1 Redes sociais, os benefícios e os malefícios para a sociedade

(1) É impossível imaginar o mundo de hoje sem algumas ferramentas que se

(2)mostram essenciais para vida em sociedade, e a internet, com toda a facilidade,

(3)comodidade e agilidade que oferece, talvez seja a mais indispensável. Compartilhar e

(4)trocar informações com alguém que está do outro lado do planeta, como se estivesse

(5)bem ao lado, em questão de segundos, são coisas incríveis. Na comissão de frente

(6)desses processos todos estão as redes sociais. Elas se mostram tão fundamentais que

(7)empresas fazem uso dessas mídias, transformando-as em canais de comunicação e

(8)divulgação de sua marca, produtos e serviços. Algumas chegam até a incentivar o

(9)uso de tais ferramentas de comunicação por seus funcionários, estimulando-os a

(10)interagir e colaborar, à distância, na resolução de pequenos problemas, o que

(11)alguns especialistas chamam de teoria da copresença virtual.

(12) Apesar de todo avanço tecnológico e comercial proporcionado pelas redes

(13)sociais, é preciso tomar cuidado com os efeitos delas em outro aspecto mais

(14)importante e mais frágil que os negócios: as relações interpessoais. Uma

(15)pesquisa feita pela McAfee, a maior empresa do mundo dedicada à tecnologia de

(16)segurança, revela que 44 por cento dos jovens brasileiros que namoram veem as

(17)redes sociais como ferramentas ambíguas: devido ao seu caráter expositivo, elas

(18)tanto ajudam a começar um relacionamento como podem empurrá-lo ladeira abaixo.

(19) Segundo Adriano de León, professor e antropólogo da Universidade Federal da

(20)Paraíba, as mídias sociais representam tais riscos porque são mal utilizadas pelos

(21)jovens, na medida em que eles publicam toda sua vida nelas, encarando-as

(22)como um diário e abrindo mão da privacidade, tornando-se vítimas de suas

(23)próprias publicações. É necessário que se pense o quão saudável é se dedicar tanto a

(24)alimentar esses sites em detrimento das relações físicas, pessoais, não virtualizadas.

(25) Fazer pamonha, como diz Cortella ao advogar o resgate das relações familiares,

(26)ajuda a estabelecer novamente o contato real entre as pessoas. Mas a questão não é

(27)meramente uma disputa entre o virtual e real, e sim a tentativa de encontrar e

(28)promover um equilíbrio entre eles, permitindo que se aproveite ao máximo o

(29)que os dois mundos têm a oferecer.

(F.S.S.C.)

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120

4.3 A Referenciação no texto escrito do informante 4

O informante 4 recategoriza a tematização solicitada “Redes sociais, benefícios e

malefícios para a sociedade” por “relações humanas” e “relações virtuais”, mantendo, no

texto escrito, a mesma retematização do texto oral. Semelhantemente à produção oral, já na

introdução da produção escrita, o produtor faz referência a um dos tópicos que nortearão sua

exposição ao longo do texto por meio de um referente estratégico: internet. Veja-se:

L1 -“[...] É impossível imaginar o mundo de hoje sem algumas ferramentas

[que se [...]”

L2 -“[...] mostram essenciais para vida em sociedade, e a internet, com toda

[a facilidade [...]”

L3 -[“[...] talvez seja a mais indispensável [...]”

Já em L4, o texto começa a dar sinais da mudança de referente, mas ainda concernente

ao conhecimento de mundo do primeiro referente observado em L2:

L4 -“[...] trocar informações com alguém que está do outro lado do planeta [...]”

A informação introduzida nesse fragmento engloba o que será apontado posteriormente

como associado ao referente internet, numa consonância que será relevante para que o

informante opere a referenciação necessária para a progressão do texto; é o que se verifica em:

L5 -“[...] Na comissão de frente

L6 -[ [...] desses processos todos estão as redes sociais” [...]”

Dessa maneira, essas formas lexicais de referenciação são mantidas no texto por meio

das operações de retomada ou por outros referentes ligados a eles. Observe-se, por exemplo,

que a expressão a internet (L2) aparece apenas uma vez neste texto e, ao longo da produção,

cede lugar, entre outras formas, a um processo de referenciação implícita, principalmente às

anáforas indiretas. Todavia, constata-se também, embora com menor frequência, um processo

de progressão referencial por formas nominais reiteradas e por expressões nominais definidas,

conforme assinalam Koch e Elias (2010) e Koch (2015):

L6 -“[...] desses processos todos estão as redes sociais [...]”

L12-“[...] pelas redes[...]”

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L13-[“[...] sociais [...]”

L16-“[...] as

L17-[ [...] redes sociais[...]”

L20-“[...] Paraíba, as mídias sociais [...]”

A escolha de determinadas expressões definidas, por este informante, teve também o

objetivo de familiarizar o interlocutor/leitor com crenças e atitudes subjetivas de sua produção;

além, obviamente, de ter o intuito de “dar a conhecer ao interlocutor, com os mais variados

propósitos, propriedades ou fatos relativos ao referente que acredita desconhecidos do parceiro”

(KOCH, 2015, p. 74), como nos enunciados destacados a seguir, nos quais o informante

esclarece as atividades pertinentes à empresa citada e a importância disso em seu objetivo

referencial:

L14-“Uma [...]”

L15-[“[...] pesquisa feita pela McAfee, a maior empresa do mundo

[dedicada à tecnologia de

L16-[ [...] segurança [...]”

L16-“[...] revela que 44 por cento dos jovens brasileiros que namoram

[veem as

L17-[ [...] redes sociais como ferramentas ambíguas [...]”

Também observada no texto falado, outra estratégia de progressão referencial utilizada

por este informante, no texto escrito, reside naquela em que essa progressão ocorre por

intermédio de formas pronominais, de acordo com o que se constatou nos fragmentos em

destaque:

L6 -“[...] processos todos estão as redes sociais. Elas se mostram [...]”

L7 -“[...] empresas fazem uso dessas mídias, transformando-as em canais de

[comunicação [...]”

L12-“[...] redes

L13-[ [...] sociais, é preciso tomar cuidado com os efeitos delas em outro

[aspecto [...]”

L21-“[...] jovens, na medida em que eles publicam toda sua vida nelas

[encarando-as [...]”

L24-“[...] alimentar esses sites em detrimento das relações físicas [...]”

Dessa forma, as cadeias coesivas, elencadas pelos trechos em destaque, mostram como

os pronomes foram relevantes no objetivo do informante de progredir seu texto. Remetendo-se,

continuamente, a formas referenciais que já haviam sido apresentadas, fazendo substituições e

lhes acrescentando novas informações.

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Por exemplo, em L6, o pronome “Elas” retoma “redes sociais”, em L7 o pronome “as”

retoma “empresas”, em L12, L13, a expressão “redes sociais” é retomada por “delas”, e assim

sucessivamente. Observe-se que, quando ocorrem essas remissões, há sempre novas

informações a serem compartilhadas na relação locutor-escritor/interlocutor-leitor – o que,

também, passarão a constituir suportes para outras informações (cf. KOCH & Elias, 2010),

conforme se verificou naqueles e nestes fragmentos:

L20-“[...] Paraíba, as mídias sociais representam tais riscos porque são mal

[utilizadas pelos

L21-[ [...] jovens, na medida em que eles publicam toda sua vida nelas

[encarando-as

L22-[ [...] como um diário e abrindo mão da privacidade, tornando-se

[vítimas de suas [...]”

Note-se que em L20, para o referente “as mídias sociais”, desenvolve-se uma predicação

ou informação que o informante julga necessária (o risco que elas representam para os jovens,

se mal utilizadas); entretanto, para este mesmo referente, retomado e mantido em saliência por

meio do pronome “as” em L21, são acrescentadas novas informações (as mídias sociais agora

são como um diário, no qual os jovens publicam toda a sua vida).

Logo, como se verifica, e consideradas as características peculiares de cada modalidade

de produção textual, constatou-se não haver diferenças significativas no que diz respeito à

referenciação no cotejo entre os dois textos. Neles, observam-se formas de progressão

referencial semelhantes entre si, com exceção da forma por relações metonímicas (parte-todo),

que aparece no texto falado, mas não se encontra no texto escrito.

4.3.1 A organização textual na produção escrita do informante 4

Esta transposição, similarmente às produções vistas no capítulo anterior, segue o

esquema da organização textual defendido por Silveira (2012), relativo ao texto dissertativo

explicativo de uma tese. O texto é organizado com três categorias, conforme as especificadas

pela autora: texto reduzido (apresentação), texto expandido (justificativa) e a conclusão. Dessa

forma, pode-se considerar que o texto apresentado se organiza, dissertativamente, pela

sequência textual explicativa de uma tese.

Portanto, o texto escrito, produzido pelo informante 4, é um texto completo, caracterizado

como um texto opinativo, atendendo à solicitação do investigador. Logo, a progressão

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semântica da tematização relações humanas e relações virtuais vai sendo explicitada ao longo

do texto, construída com valores negativos malefícios e valores positivos benefícios; dessa

forma, o produtor mantém os valores propostos na tematização do referente redes sociais.

Sendo assim, o texto apresenta-se com:

Texto

reduzido

(apresentação) É impossível imaginar o mundo de hoje sem algumas ferramentas que se

mostram essenciais para vida em sociedade, e a internet, com toda a

facilidade, comodidade e agilidade que oferece, talvez seja a mais

indispensável. Compartilhar e trocar informações com alguém que está do

outro lado do planeta, como se estivesse bem ao lado, em questão de

segundos, são coisas incríveis. Na comissão de frente desses processos

todos estão as redes sociais.

Texto

expandido

Explicação de

benefícios

[...] compartilhar e trocar informações com alguém que está do outro lado

do planeta, como se estivesse bem ao lado, em questão de segundos, são

coisas incríveis. Na comissão de frente desses processos todos estão as

redes sociais. Elas se mostram tão fundamentais que empresas fazem uso

dessas mídias, transformando-as em canais de comunicação e divulgação

de sua marca, produtos e serviços. Algumas chegam até a incentivar o uso

de tais ferramentas de comunicação por seus funcionários, estimulando-os

a interagir e colaborar, à distância, na resolução de pequenos problemas, o

que alguns especialistas chamam de teoria da copresença virtual”

Explicação de

malefícios

Apesar de todo avanço tecnológico e comercial proporcionado pelas redes

sociais, é preciso tomar cuidado com os efeitos delas em outro aspecto mais

importante e mais frágil que os negócios: as relações interpessoais. Uma

pesquisa feita pela McAfee, a maior empresa do mundo dedicada à

tecnologia de segurança, revela que 44 por cento dos jovens brasileiros que

namoram veem as redes sociais como ferramentas ambíguas: devido ao seu

caráter expositivo, elas tanto ajudam a começar um relacionamento como

podem empurrá-lo ladeira abaixo.

Justificativa-

explicação

informativa

Segundo Adriano de León, professor e antropólogo da Universidade

Federal da Paraíba, as mídias sociais representam tais riscos porque são mal

utilizadas pelos jovens, na medida em que eles publicam toda sua vida

nelas, encarando-as como um diário e abrindo mão da privacidade,

tornando-se vítimas de suas próprias publicações. É necessário que se pense

o quão saudável é se dedicar tanto a alimentar esses sites em detrimento das

relações físicas, pessoais, não virtualizadas

Justificativa-

explicação

Necessidade

de resgates

Fazer pamonha, como diz Cortella ao advogar o resgate das relações

familiares, ajuda a estabelecer novamente o contato real entre as pessoas.

Mas a questão não é meramente uma disputa entre o virtual e real, e sim a

tentativa de encontrar e promover um equilíbrio entre eles, permitindo que

se aproveite ao máximo o que os dois mundos têm a oferecer.

Conclusão

opinativa

Mas a questão não é meramente uma disputa entre o virtual e real, e sim a

tentativa de encontrar e promover um equilíbrio entre eles, permitindo que

se aproveite ao máximo o que os dois mundos têm a oferecer.

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124

As justificativas explicitadas de “malefícios” e “benefícios” são apresentadas como

argumentos de legitimidade e provas, recorrendo a dois autores de reconhecido saber com suas

publicações.

4.3.2 Aplicação do modelo das operações textuais-discursivas do texto oral para o escrito

Nesta retextualização, serão feitas observações que objetivam mostrar, além das

diferenças peculiares de cada modalidade da língua nos dois textos do informante 4, as

principais estratégias realizadas na passagem do texto oral para o texto escrito. Observe-se que

tanto o texto oral como o escrito foram produzidos por usuário experiente em lidar com a língua

portuguesa.

Por um lado, nota-se um texto oral bastante elaborado, com grande preocupação de ser

claro por parte do informante, além de uma intenção de se aproximar de um dialeto social culto,

apesar de aparecerem, em alguns trechos, expressões típicas da fala coloquial, mais próprias de

alguns dialetos populares, notando-se uma mescla entre eles – “a superposição dos dialetos, a

contínua troca de um pelo outro” (PRETI, 2003a, p. 30). Embora, como já dito, o informante

se utilize de uma linguagem de maior prestígio social, ainda que produzida em situação de fala

espontânea. Por outro lado, o texto retextualizado apresenta um nível de linguagem um tanto

mais elaborado, considerando nível e padronização apropriados para um texto escrito e para o

gênero em questão.

A seguir, veremos com mais detalhes cada passo das operações no processo de

retextualização:

(1ª operação): claramente aplicada. Observe-se que são eliminadas marcas

interacionais características da conversação. Para citar como exemplo, em L11, o

trecho do texto falado a seguir: “são coisas incríveis né?” e, em L18, 19: “e

colaborar com elas né?”, são trechos que mostram uma interação em tempo real,

eliminados, portanto no texto escrito. Ainda se nota esta operação quando da

eliminação de hesitações e partes de palavras, como em L2 “e até que ponto...ahn::

deve-se levar isso...”, em L3 “deve se levar isso tão a sério...é::”; percebe-se,

portanto, nesses dois segmentos, que as reticências (...) após “isso” indicam uma

interrupção na fala devido a uma má seleção futura, resultando em um enunciado

ainda por concluir (cf. Fávero; Andrade; Aquino, 2012, p. 60) – o que ocorreu no

segundo segmento, ou seja, “isso tão a sério...é::”. Da mesma forma, hesitação,

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125

decorrente de reformulação, ocorre também em L38 “vítimas de todo esse movimento

ah::... isso causa sei lá” e, assim, em outras partes do texto falado. Para esta

operação, ainda foram notadas interrupções e partes de palavras, como em L51 “com

conexão inter... éh:: à internet...é”. Todos esses tipos de segmentos não apareceram

no texto escrito: foram estrategicamente eliminados na retextualização com base na

idealização linguística da modalidade escrita.

(2ª operação): claramente aplicada. A entonação e, na maioria das vezes, as pausas

(indicadas pelas reticências) no texto falado, constituem-se, de certo modo, numa

base para a introdução da pontuação na retextualização escrita. Veja-se, por exemplo,

que o fragmento, em L11, “são coisas incríveis né?...”, no texto falado, serviu de

base para um ponto-final no texto escrito “são coisas incríveis.” (veja L5 do texto

escrito). Ainda sobre esta operação, observe-se que, em L35, L36, o trecho “acabam

publicando a vida toda na internet né?...”, no texto falado, que corresponde ao

mesmo tópico no texto escrito em L21, coincide com uma vírgula no texto escrito,

no lugar de uma pausa no texto falado: “jovens, na medida em que eles publicam

toda sua vida nelas,” (, - vírgula). Esses fragmentos, em destaque foram, aqui, postos

apenas a título de exemplificação, mas numa análise completa dos dois textos (oral e

escrito) aferir-se-ão vários segmentos em que há substituição de alongamentos,

hesitações (também por reticências), no texto oral, pela pontuação no texto escrito,

em adequação à escrita;

(3ª operação): aplicada em parte. A aplicação em parte desta operação deve-se,

principalmente, porque, apesar de o texto falado ser monologado, o informante não

se utiliza de pronomes egóticos (eu, meu). Contudo, a eliminação de repetições,

redundâncias, excesso de paráfrases aparecem, de forma contundente, nesta

retextualização. Para citar apenas alguns exemplos, note-se que em L1, L2, do texto

oral, aparecem 3 trechos iguais “pensar até que ponto isso é saudável até que ponto

vale a pena trocar” e “e até que ponto...ahn::”, revelando repetições no ato de dizer

do informante. Ainda em L16, L17, do texto oral, verificam-se, por sua vez, trechos

nos quais as paráfrases estão evidentes: “pensando numa teoria nova sei lá...

numa...chamada teoria da copre...copresença virtual”, assim como em L17, L18

“teoria da copresença virtual ou seja tentando estimular nos...nos funcionários a

capacidade”. Note-se que as expressões “sei lá” e “ou seja” introduzem

pensamento novo para explicar melhor o anterior, reformulando enunciados já ditos,

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126

mas que não foram bem explicitados no entender do informante (cf. Fávero, Andrade

& Aquino, 2012, p. 62). Notam-se paráfrases ainda em L23, 24: “com um processo

e...sei lá o esfriamento das relações humanas”; de modo que a palavra processo é

melhor explicada a seguir “o esfriamento das relações humanas”. Portanto, mesmo

sem algum conector explícito, essas paráfrases vão fazendo do texto falado uma

grande conexão de significados e sentidos, como entre outros vários exemplos em

que elas aparecem no texto falado, como intrinsecamente ligadas a ele;

(4ª operação): aplicação evidente. A paragrafação, estratégia de inserção do texto oral

para o escrito, segue sem modificação relevante na ordem dos tópicos discursivos

nesta restextualização, salvo raras exceções. Observe-se que o tópico “relações

interpessoais”, no início do texto oral (L1-L5), evidentes pelas expressões “relações

humanas/relações virtuais”, que voltam em L24, L25, vai aparecer no 2º parágrafo

do texto escrito, a partir de L14, até L18, de modo mais contundente. Em L13 do

texto oral, o trecho “fundamental que empresas...usam as redes...como um canal de

comunicação” cujo tópico é o uso das redes sociais no mundo empresarial, por

exemplo, aparece ainda no 1º parágrafo no texto escrito: “empresas fazem uso dessas

mídias, transformando-as em canais de comunicação” (veja L7). Assim, seja por

condensação ou por reordenação, os tópicos são redistribuídos nos quatro parágrafos

do texto escrito, mas, como se vê, não houve grandes modificações na ordem das

posições de uma modalidade para a outra;

(5ª operação): operação ligada estritamente à metalinguagem, geralmente operada

por dêiticos (MARCUSCHI, 2010, p. 75). Operação não muito aplicada nesta

transposição, visto que essas estratégias, operadas, principalmente, por pronomes

demonstrativos, ocorrem tanto no texto falado quanto no escrito. Veja-se, por

exemplo, em L1, L2 do texto falado “pensar até que ponto isso é saudável até que

ponto vale a pena trocar as relações humanas pelas relações virtuais” que a

expressão “isso é saudável” é explicada no enunciado a seguir. De igual modo, em

L38, L39, em que aparece a expressão “isso causa” no segmento “vítimas de todo

esse movimento ah::... isso causa sei lá faz com que as pessoas se sintam traídas

virtualmente né?” é explicitada no enunciado seguinte. No entanto, essa estratégia,

a metalinguagem com intuito de explicitude, não ocorre, pois, embora verificada no

texto falado, ela não aparece no texto escrito.

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(6ª e 7ª operações): claramente realizadas, com poucas exceções. A eliminação de

estruturas truncadas (o truncamento é típico da língua falada). As inadequações nas

concordâncias verbal e nominal não operam mudanças, visto que elas não aparecem,

com destaque, em nenhuma das duas produções, exceto neste trecho em L37, L38 do

texto falado “que elas se torne vítimas”.

No caso destas operações, a mudança mais significativa, nesta transposição, residiu em

novas estruturas sintáticas e nova seleção do léxico visando maior formalidade para adequação

à escrita. Por exemplo, em L5, do texto falado, em que aparece “fazem...ou acessam... é isso

aí” e, no segmento seguinte, L6 aparece “bom...é::...é impossível”; nesses dois segmentos,

notam-se expressões informais e típicas da fala: “é isso aí” e “bom...é::...é impossível

imaginar”. Em L16, a expressão “sei lá...”e “você não precisa tá em casa” em L52, L53, do

texto falado, foram objetivamente substituídas por expressões mais formais. Observe-se que o

segmento “É impossível imaginar” em L1 do texto escrito aparece como substituto do

segmento “bom...é::...é impossível imaginar”, em L6 do texto oral.

(8ª e 9ª operações): Operações estrategicamente aplicadas, principalmente no que diz

respeito à condensação das ideias argumentativas, no sentido de sintetizá-las. A título

de exemplificação, observe-se as expressões no texto falado: “até que ponto vale a

pena trocar as relações humanas pelas relações virtuais...” (L1, L2); “é:: pensar

que isso pode estragar (um amor)” (L3); “tudo é muito...é tudo muito exagerado e

que as pessoas acabam publicando a vida” (L35)“toda na internet né?...como se

isso fosse um diário” (L36). Ainda em L1, L2, o informante dá sinais de que seus

argumentos serão guiados no sentido de reprovar os exageros do uso das redes

sociais, conforme se nota, em L3, no trecho “[...] que isso pode estragar (um amor)”;

em L35 e L36, a relação entre as redes sociais e um diário pessoal (onde as

informações ficam restritas a quem escreve) também corroboram seu ato de dizer. Já

na retextualização, como era de se esperar, verificam-se segmentos mais

condensados para expressar a mesma informação: “devido ao seu caráter

expositivo” (L17). Seguindo, ainda, acerca da argumentação, veja-se que em L21,

L22, L23, o trecho “encarando-as como um diário e abrindo mão da privacidade,

tornando-se vítimas de suas próprias publicações” encerra, nele mesmo,

informações precisas acerca do perigo de se expor nas redes sociais; enquanto no

texto falado essas informações são introduzidas e retomadas ao longo da produção.

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Logo, constatou-se que a transformação mais notável, nesta retextualização, se

apresentou no enxugamento geral do texto, consequência da adaptação à escrita. Quanto a isso,

o texto original oral possuía 676 palavras, de todas as classes gramaticais; na produção escrita,

porém, o texto tem um número bastante reduzido: 352 palavras. O número encontrado

representa uma redução de - (menos) 47,93%.

Em síntese, os resultados obtidos das análises da retextualização produzida pelo

informante 4 indicam que:

O informante retematiza o tema proposto na solicitação feita pelo investigador, ou

seja, “Redes sociais: benefícios e malefícios para a sociedade” é retematizada em

“relações humanas e relações virtuais”, embora mantenha explicações para os

valores positivos “os benefícios” das redes sociais e valores negativos para “os

malefícios” das redes sociais”;

As operações utilizadas para transposição do texto oral para o escrito, conforme

elencadas por Marcuschi, são rigorosamente aplicadas nesta retextualização, com

exceção da 5ª operação – não muito notada –, de acordo com as análises já acima

relatadas. De forma geral, o produtor preocupa-se, durante a construção referencial

do texto escrito, em manter as formas referenciais lexicais do texto oral substituindo-

as, às vezes, por outras, e por vezes eliminando-as, na progressão semântica. Em

razão disso, a diminuição do número de palavras no texto escrito tornou-se evidente;

A organização textual deste informante foi realizada com a sequência textual

explicativa, de forma a explicar “relações pessoais” e “relações virtuais”,

atribuindo à primeira expressão valores positivos e, à segunda, valores positivos e

negativos.

Assim, o informante 4 produz, na retextualização, um texto opinativo de uma tese,

seguindo o esquema textual dissertativo-opinativo explicativo.

É interessante observar que o informante 4 constrói, no sentido do uso das redes

sociais, praticamente a mesma opinião em seus textos – oral e escrito – dos

informantes 2 e 3, ou seja, “saber usar adequadamente as redes sociais”,

resguardadas, apenas, as particularidades de estilo e escolhas lexicais de cada

produtor.

Conforme já visto no capítulo anterior, os resultados obtidos dos informantes alunos, bem

como os resultados obtidos neste capítulo, indicam que a opinião emitida pelos informantes já

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era de conhecimento mútuo e participava de suas cognições sociais e, por essa razão, os

informantes alunos 2 e 3 e o informante 4 – professor -, apesar de opinarem, também não

construíram uma opinião individual, pois aderiram a um saber pré-construído, e seus textos são

paráfrases da mesma opinião, levando em consideração o saber socialmente compartilhado

acerca do referente e da tematização abordados.

Como se sabe, o discurso didático-pedagógico constrói-se tanto por manuais didáticos

quanto em sala de aula pela sequência explicativa. Pode-se concluir daí o porquê de as

sequências explicativas aparecerem, majoritariamente, nas produções dos informantes aqui

trabalhadas.

Dessa forma, as condições de produção discursiva requerem explicações, na medida em

que o papel do professor é investido de autoridade por ter a posse de um “saber” e o papel dos

alunos é representado pelo “não-saber”. Sendo assim, é necessário “fazer conhecer” ou “fazer

saber”, para quem desconhece as questões tratadas nas explicitações de conhecimento do saber

social compartilhado ou do conhecimento científico, dado que, em sua maioria, os alunos ainda

não são capazes de fazer as inferências necessárias para a questão tratada no ensino.

Por conseguinte, esses resultados confirmam a proposta de Bazerman (2011), segundo a

qual o gênero textual é definido pelo seu uso em sociedade, nas interações soiocomunicativas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término desta dissertação, revemos os objetivos que orientaram esta investigação,

considerando o objetivo geral e os objetivos específicos.

1) Objetivo geral:

Contribuir com estudos de retextualização relacionados à produção textual escrita, tendo

como base produções textuais-discursivas na modalidade oral.

Acreditamos, com a pesquisa realizada, ter contribuído com a produção textual de alunos

no término do curso secundário, em vias de se tornarem candidatos ao vestibular.

A retextualização realizada pelos informantes alunos e pelo informante professor

possibilitou-nos oferecer um diagnóstico das produções textuais em sala de aula, ainda que

limitado, por se tratar de uma pesquisa sem pretensão na quantificação dos números de

produções textuais de alunos do 3º ano do ensino médio.

Ainda, assim, os resultados obtidos indicam que, embora parte do professorado busque

seguir as orientações contidas nos PCN, elas não são suficientes para serem aplicadas em sala

de aula, pois não propiciam o ensino de produção de textos opinativos individuais,

principalmente em se tratando do processo de retextualização discutido nesta pesquisa.

2) Objetivos específicos:

a) confrontar a produção oral com a produção escrita de três alunos do 3º ano do ensino

médio de uma escola pública estadual, em São Paulo.

Acreditamos que este objetivo tenha sido cumprido, pois foi realizado um confronto entre

o texto oral e sua retextualização, em texto escrito, por informantes alunos. Verificamos que a

avaliação feita pelos professores, e usada como critério de escolha para inclusão dos

informantes nesta pesquisa, classificando os alunos informantes 2 e 3 como bons redatores e o

aluno informante 1 como mau redator, considerando produções anteriores de suas redações, em

sala de aula, foi confirmada.

O informante 1, considerado mau redator, não apresenta diferença significativa entre seu

texto oral e seu texto escrito, exceto acerca do que é óbvio como, por exemplo, pausas e

alongamentos. Desconhece as operações de retextualização, seu texto escrito é organizado sem

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paragrafação, sem seleção lexical própria da modalidade; de igual modo, para este produtor, foi

verificado baixo grau de consciência linguística acerca da forma de operação de cada

modalidade da língua. Portanto, as operações de retextualização são muito pouco conhecidas

por parte deste produtor.

Os informantes alunos 2 e 3, considerados bons redatores por seus professores, tendo em

vista as produções de suas redações anteriores em sala de aula, apresentaram diferenças

significativas entre seus textos orais e escritos, pois houve, na retextualização, a introdução da

paragrafação, seleção gramatical mais adequada à escrita, reordenação dos tópicos, aplicação

diferenciada da referenciação na progressão semântica de seus textos, entre outras coisas.

b) confrontar a produção oral com a produção escrita de um professor do ensino médio

de uma escola pública estadual, em São Paulo.

Acreditamos que esse objetivo, também, tenha sido cumprido. Realizamos o confronto

do texto oral produzido pelo informante professor com seu texto escrito e constatamos que o

informante professor possui conhecimento acerca das aplicações das operações de

retextualização, conforme trabalhadas nesta pesquisa. Seu texto escrito apresenta

recategorização do referente, progressão semântica adequada e a expressão de uma opinião

clara com o uso adequado da norma padrão gramatical da língua portuguesa.

c) verificar, nesses textos, quais estratégias foram aplicadas na retextualização dos alunos

e do professor, levando em consideração a adequação à modalidade escrita da língua.

De igual modo, acreditamos ter cumprido esse objetivo. Os resultados obtidos indicam

que o informante 1 apresenta dificuldades quanto à aplicação das estratégias de retextualização,

pois seu texto escrito ficou, praticamente, da mesma forma de produção do oral, preservadas as

particularidades de cada modalidade.

Quanto aos informantes alunos 2 e 3, notou-se maior capacidade na aplicação das

estratégias de retextualização, como podem ser verificadas nas análises contidas no capítulo III.

Quanto ao informante 4, constatou-se, também, notável capacidade de aplicação das

operações de retextualização, como podem ser verificadas nas análises existentes no capítulo

IV.

Os resultados obtidos indicam, ainda, que, para o texto escrito, as sequências textuais

realizadas pelos informantes 2 e 3, e pelo professor, são as organizadas, dissertativamente, pela

sequência textual explicativa de uma tese, constatando-se que apenas o informante 1 produziu

seu texto escrito interrompido e, portanto, sem a conclusão de uma opinião. Dessa forma, nota-

se, que este último informante produziu um texto informativo e explicativo, não,

necessariamente, opinativo.

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Ademais, esta dissertação se propôs a responder as seguintes questões:

Questão 1 - como inserir a oralidade em sala de aula, deixando claro aos discentes a

grande variedade de possibilidades, situações e momentos de uso da língua?

Já nos dois primeiros capítulos desta dissertação, há argumentos que respondem a esta

pergunta, bem como propostas de inserção de ensino da modalidade oral da língua em sala de

aula, principalmente no primeiro capítulo, pois introduzir a oralidade na educação secundária

não consiste, apenas, em solicitar aos alunos que produzam um texto oral a respeito de um

referente ou que conversem entre si espontaneamente a respeito de determinado assunto.

O texto oral, embora tenha características específicas, por ser produzido face a face

locutor/interlocutor, salvo poucas exceções, requer uma série de passos com o objetivo de

sistematizar o ensino dessa modalidade, de modo a proporcionar aos alunos momentos de

aprendizagem individuais e grupais, levando em consideração, principalmente, as diversas

possibilidades dessas aprendizagens como, por exemplo, gravações das falas espontâneas dos

próprios alunos ou de outros indivíduos e grupos, gravações de áudios, com ou sem imagens,

de jornais televisivos, ou áudios em programas radiofônicos, gravações de conversas

telefônicas, entre outras.

Dessa forma, e com a clareza nos objetivos finais, é que o professorado pode construir

seu aparato didático-pedagógico no ensino da oralidade, sempre buscando melhorar a

capacidade discursiva do alunado – que deve ser o objetivo final –, a fim de lhes proporcionar

consciência discursiva para entender os diversos modos de manifestação dessa modalidade, em

determinados e específicos usos.

Questão 2 – Como anular o mito da superioridade da escrita e, de igual modo, o

preconceito de que a fala é lugar da desordem e da informalidade?

No segundo capítulo dessa dissertação, encontram-se discussões teóricas que objetivaram

responder esta pergunta. No referido capítulo, há uma série de postulações de vasto material

publicado por autores de reconhecido saber acerca da refutação do mito de que a escrita é

superior à fala e que esta é o lugar da desordem e do caos gramatical e aquela, por sua vez, é o

lugar da ordem e do bom uso da língua.

O que se deve considerar, no entanto, desde que se observem as variadas condições de

produção discursiva, é que há semelhantes atuações dessas duas formas de manifestação da

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língua e que ambas fazem parte de mesma complexidade linguística, diferenciando-se, apenas,

em duas modalidades distintas – a oral e a escrita –, adequando-se às condições de produção

discursiva em momentos específicos de suas manifestações.

Sendo assim, o texto oral diferencia-se, essencialmente, dentre outras coisas, do texto

escrito, devido à presença e à distância dos interlocutores/leitores no tempo e no espaço:

enquanto no texto oral há várias manifestações peculiares à fala, como as entonações,

reduplicações, autocorreções em tempo real, pausas, o caráter da imprevisibilidade,

principalmente em conversações espontâneas; no texto escrito, há outras formas de

procedimentos também peculiares a esta modalidade, como o tempo que o produtor dispõe para

efetuar correções, visto que ele pode escrever, apagar, reescrever seu texto antes da produção

final, a particularidade da grafação, a opção da copidescagem, em casos específicos na escrita,

a divisão do texto em parágrafos – uma das unidades de construção do texto escrito (cf. Fávero,

Andrade & Aquino, 2012, p. 27), entre várias outras.

Dessa forma, o professorado pode conduzir sua abordagem levando em consideração

todo esse conjunto de conhecimento, informando ao alunado que as duas modalidades da língua

podem, sim, ser praticadas em situações formais, informais, mais tensas ou menos tensas,

dependendo da situação de produção, mas nunca em dicotomias que elevem uma modalidade a

um status superior em detrimento da outra.

Questão 3 – Como inserir na prática pedagógica em sala de aula uma visão de ensino de

Língua Portuguesa na qual haja observação sobre o uso da modalidade oral da língua em

coexistência com a modalidade escrita?

No primeiro e segundo capítulos desta pesquisa, também se encontram, teoricamente

discutidas, nuances acerca do ensino da oralidade em consonância com a escrita, bem como nos

capítulos III e IV, nos quais se encontram discussões acerca de práticas pedagógicas

direcionadas no sentido de desenvolver princípios de ensino e de aprendizagem da produção

oral em comparação com a escrita.

Assim, uma prática pedagógica que una em sala de aula uma visão de ensino de Língua

Portuguesa observando o uso da modalidade oral da língua, em coexistência com a modalidade

escrita e suas variedades linguísticas, requer reconhecer, por parte do professorado, entre outras

coisas, a variedade oral utilizada pelo aluno e respeitá-la, dando-lhe a oportunidade de saber

que seu uso e aplicação dependerá de seus interlocutores/leitores, bem como do momento de

uso.

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Porém, deve ser dado a esse aluno o direito de aprender/conhecer, também, qual é a

variedade oral do padrão real, bem como a variedade conhecida “como língua-padrão, o dialeto

culto (que) serve diretamente às intenções do ensino, no sentido de padronizar a língua, criando

condições ideais de comunicação entre as várias áreas geográficas” (PRETI, 2003a, p. 31) usada

pelas pessoas de média e alta escolaridade e da qual o professorado se utiliza. O aluno, portanto,

precisa conhecê-la para saber usá-la adequadamente, quando as condições de produção

discursiva assim o requererem. Em outros termos, essa proposta também é expressa por Bechara

(2008) que postula que a educação linguística deve ter o propósito de tornar o aluno um

poliglota na sua própria língua.

Para finalizarmos, gostaríamos de dizer que a presente pesquisa não se quer conclusa,

nem foi sua pretensão. Em verdade, ela somente oferece um diagnóstico das condições de

produções textuais de retextualizações – do texto oral para o escrito -, de três alunos do 3º ano

do ensino médio e de um professor, também, do ensino médio, todos de uma mesma escola

pública estadual, em São Paulo. Todavia, os resultados apresentados abrem perspectivas para

novas pesquisas, fazendo-se necessário diagnosticar as diferentes dificuldades de nossa

clientela estudantil atual e realizar uma série de pesquisas em busca de encaminhamentos para

mudança e melhoria da atual situação.

Num país que, por meio de sua política educacional, principalmente na rede pública do

ensino secundário, não considera as reais dificuldades, em sala de aula, nas interações

professor-aluno e, de igual modo, não considera como formar sujeitos pensantes capazes de

construir opiniões individuais, não haverá brasileiros que possam mudar, pela escola, mentes

dominadas pelo poder, incapazes de julgamentos próprios e de decisões necessárias.

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ANEXOS

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ANEXO A – NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO DO PROJETO NURC2

Observações:

1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.).

2. Fáticos: ah, éh, ahn, ebn, tá (não porestá: tá? Você está brava?).

3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.

4. Números: por extenso.

5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa).

6. Não se anota ocadenciamento da frase.

7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh::...(alongamento e pausa).

Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula, ponto

final, dois-pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa.

2 PRETI (Org.), 2003, p. 14.

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ANEXO B – NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO

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ANEXO C – ANÁLISE DE TEXTOS ORAIS

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ANEXO D - TEXTO ESCRITO (INFORMANTE 1)

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ANEXO E - TEXTO ESCRITO (INFORMANTE 2)

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ANEXO F - TEXTO ESCRITO (INFORMANTE 3)

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ANEXO G - TEXTO ESCRITO (INFORMANTE 4)

Benefícios e malefícios das redes sociais

É impossível imaginar o mundo de hoje sem algumas ferramentas que se

mostram essenciais para vida em sociedade, e a internet, com toda a facilidade,

comodidade e agilidade que oferece, talvez seja a mais indispensável. Compartilhar e

trocar informações com alguém que está do outro lado do planeta, como se estivesse

bem ao lado, em questão de segundos, são coisas incríveis. Na comissão de frente

desses processos todos estão as redes sociais. Elas se mostram tão fundamentais

que empresas fazem uso dessas mídias, transformando-as em canais de

comunicação e divulgação de sua marca, produtos e serviços. Algumas chegam até

a incentivar o uso de tais ferramentas de comunicação por seus funcionários,

estimulando-os a interagir e colaborar, à distância, na resolução de pequenos

problemas, o que alguns especialistas chamam de teoria da copresença virtual.

Apesar de todo avanço tecnológico e comercial proporcionado pelas redes

sociais, é preciso tomar cuidado com os efeitos delas em outro aspecto mais

importante e mais frágil que os negócios: as relações interpessoais. Uma pesquisa

feita pela McAfee, a maior empresa do mundo dedicada à tecnologia de segurança,

revela que 44 por cento dos jovens brasileiros que namoram veem as redes sociais

como ferramentas ambíguas: devido ao seu caráter expositivo, elas tanto ajudam a

começar um relacionamento como podem empurrá-lo ladeira abaixo.

Segundo Adriano de León, professor e antropólogo da Universidade Federal da

Paraíba, as mídias sociais representam tais riscos porque são mal utilizadas pelos

jovens, na medida em que eles publicam toda sua vida nelas, encarando-as como um

diário e abrindo mão da privacidade, tornando-se vítimas de suas próprias

publicações. É necessário que se pense o quão saudável é se dedicar tanto a

alimentar esses sites em detrimento das relações físicas, pessoais, não virtualizadas.

Fazer pamonha, como diz Cortella ao advogar o resgate das relações

familiares, ajuda a estabelecer novamente o contato real entre as pessoas. Mas a

questão não é meramente uma disputa entre o virtual e real, e sim a tentativa de

encontrar e promover um equilíbrio entre eles, permitindo que se aproveite ao máximo

o que os dois mundos têm a oferecer

(F.S.S.C.)

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ANEXO H – MODELO DAS OPERAÇÕES TEXTUAIS-DISCURSIVAS NA

PASSAGEM DO TEXTO ORAL PARA O TEXTO ESCRITO