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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: TEORIA E PRÁTICA PEDAGÓGICA NA FORMAÇÃO DOCENTE JULIANA CAVASSIN CONTRIBUIÇÕES DOS SETE SABERES PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO TEATRO-EDUCADOR DO FUTURO CURITIBA 2006

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ …livros01.livrosgratis.com.br/cp034276.pdf · - Diagnosticar a situação do Teatro na educação geral e na educação brasileira

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: TEORIA E PRÁTICA PEDAGÓGICA NA

FORMAÇÃO DOCENTE

JULIANA CAVASSIN

CONTRIBUIÇÕES DOS SETE SABERES PARA A PRÁTICA

PEDAGÓGICA DO TEATRO-EDUCADOR DO FUTURO

CURITIBA

2006

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JULIANA CAVASSIN

CONTRIBUIÇÕES DOS SETE SABERES PARA A PRÁTICA

PEDAGÓGICA DO TEATRO-EDUCADOR DO FUTURO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação, Linha de Pesquisa: Teoria e Prática Pedagógica na Formação Doscente, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação. Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Orientadora: Profa. Dra. Zélia Milléo Pavão.

CURITIBA

2006

DEDICATÓRIA

A Deus, à vida. Para minha família, simplesmente por tudo.

Ao Colégio Medianeira, onde materializo a fé que tenho na educação pelo Teatro.

Meus alunos, que me ensinam constantemente e que amo sem palavras para dimensionar...

Aos amigos, pela força de sempre. Querida Professora Zélia, orientadora e Mestra.

AGRADECIMENTOS

... à minha querida mãe, Suely Achy Cavassin, pelo apoio e compreensão dessa alma de artista...;

... ao meu Pai, Luiz Aurélio Cavassin e aos irmãos Carolina do Rocio

Cavassin e Luiz Francisco Cavassin que completam a vida com o amor familiar, fonte que nutre todos projetos e sonhos;

... aos Professores Ênio Carvalho, Ricardo Tescarollo e Zélia Milléo Pavão,

pelas orientações acadêmicas e de vida;

... ao Colégio Medianeira, pelo apoio profissional e acadêmico, desde minha formação inicial até hoje;

Para todos que de alguma forma contribuíram nessa etapa, a qual seria impossível sem o apoio e carinho. Muito obrigada!

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim é todo mundo outra parte é ninguém.

Fundo sem fundo.

Uma parte de mim é multidão, outra parte, estranheza e solidão.

Uma parte de mim pesa, pondera,

outra parte delira.

Uma parte de mim almoça e janta. outra parte se espanta.

Uma parte de mim é permanente,

outra parte se sabe de repente.

Uma parte de mim é só vertigem, outra parte é linguagem.

Traduzir uma parte noutra parte

que é uma questão de vida ou morte.

Será Arte?

(Ferreira Gullar)

Considero que o conhecimento não deva incitar a prudência, ele incita a aventura. O objetivo do conhecimento não é encontrar a fórmula única e definitiva do universo.

(Edgar Morin)

RESUMO O presente trabalho é resultado da pesquisa iniciada na Especialização em Fundamentos do Ensino da Arte, em 2002, pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP) e completada pela prática pedagógica iniciada em 2003 no Colégio Nossa Senhora Medianeira. Trata-se de uma descrição de teoria e prática do ensino do Teatro com foco na Educação do Futuro proposta pelo pensador francês Edgar Morin que procura analisar como a Teoria da Complexidade pode contribuir na formação docente. O Filósofo apresenta, através da Teoria, a necessidade de um novo paradigma de pensamento tendo em vista as insuficiências do Paradigma da Modernidade e as crises da atualidade geradas pelo mesmo em decorrência da exaltação ao racionalismo operacional. Dessa forma, a base epistemológica da pesquisa é a teoria da complexidade, essa, por sua vez, em interface com o teatro. Nessa perspectiva, apresenta-se como um caminho para a nova concepção de Educação, da mesma forma que essa apresenta fundamentos para uma também nova perspectiva de ensino do teatro. O método utilizado na pesquisa tipo qualitativa foi o Estudo Exploratório tendo a coleta de dados sido realizada pela Técnica de Análise de Conteúdo. Esse representa o centro da discussão teórica que visa fazer um paralelo entre os Sete Saberes e o Ensino de Teatro, ancorados na experiência de prática pedagógica, correspondente a Análise e Interpretação dos Dados da pesquisa. Tem-se, assim, o trabalho final que sistematiza uma proposta metodológica e aponta direcionamentos para constatações e reflexões acerca do Teatro na educação, no sentido de prosseguimento de continuadas pesquisas a partir de sugestões e recomendações aqui apontadas.

Palavras – chave: Paradigma da Complexidade, Teatro, Educação do Futuro.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós- Graduação em Artes Cênicas

Art. – Artigo

FAP – Faculdade de Artes do Paraná

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MEC – Ministério de Educação e Cultura

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais

PUCPR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

SESC - Serviço Social do Comércio

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES .......................................................................4

RESUMO...................................................................................................................14

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................9

2 UMA NOVA CIÊNCIA, UM NOVO PARADIGMA .................................................21

2.1 Matrizes emergentes do conhecimento científico ....................................... 21

2.1.1 Os pilares da certeza ............................................................................... 25

2.1.2 A crise da certeza ................................................................................... 28

2.2 Ciência com Consciência: a Complexidade ................................................. 32

2.2.1 O Método e os sete princípios da complexidade.....................................35

2.2.2 Principios fundamentais.......................................................................... 40

2.2.1 A Inteligência ........................................................................................... 41

3 UMA NOVA EDUCAÇÃO .....................................................................................44

3.1 Os Sete Saberes da educação ....................................................................... 48

3.1.1 As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão .................................... 48

3.1.2 O conhecimento pertinente..................................................................... 52

3.1.3 Ensinar a condição humana ................................................................... 54

3.1.4 Ensinar a identidade terrena................................................................... 58

3.1.5 Enfrentar as incertezas ........................................................................... 62

3.1.6 Ensinar a compreensão .......................................................................... 66

3.1.7 A ética do gênero humano...................................................................... 70

4 O TEATRO NA EDUCAÇÃO DO FUTURO .........................................................76

4.1 Arte e Conhecimento ...................................................................................... 76

4.2 O Teatro como Conhecimento ....................................................................... 79

4.3 O Teatro na Educação do novo Paradigma .................................................. 83

4.4 Relação entre o Teatro e os Sete Saberes .................................................... 89

5 PRÁTICA PEDAGÓGICA DO TEATRO NUMA NOVA EDUCAÇÃO ................106

5.1 TeM – Teatro Medianeira: Um Exemplo de Ensino do T eatro na escola .106

5.1.1 Jogos teatrais ....................................................................................... 109

5.1.2 Improvisação ........................................................................................ 110

5.1.3 Questionamento histórico-crítico-reflexivo ............................................ 112

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................116 REFERÊNCIAS...............................................................................................121 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .....................................................................124 DOCUMENTAÇÃO OFICIAL ..........................................................................125 ANEXOS..........................................................................................................126

1 INTRODUÇÃO

Os paradigmas do pensamento moderno como a filosofia de Descartes,

o racionalismo empírico, o determinismo newtoniano e a lógica clássica exerceram

influência profunda na sociedade ocidental. No entanto tais conceitos, resultantes

do modelo de organização sócio-econômica dominante no planeta, tornaram-se

frágeis e insuficientes para explicar alguns dos contraditórios fenômenos humanos e

sociais como o gritante estado de violência, a miséria, o desequilibrio ecológico e a

injustiça social.

Um novo período de renovação e contestação do conhecimento vem

sendo construído para tentar explicar o fracasso do velho modelo diante de tantas

contradições. São as teorias das novas ciências que minam as bases da ciência

clássica e propõem uma esperança de mudanças reais.

Dentre essas, destaca-se a Teoria da Complexidade, o surgimento de

um novo paradigma científico ancorado na possibilidade de se encontrar caminhos

para o desenvolvimento da humanidade de forma mais sustentável, justa e solidária.

Esses estudos integram as recentes teorias do conhecimento e aprendizagem e vêm

sendo crescentemente aplicados às diversas áreas da educação. Nessa, Edgard

Morin – principal expoente da teoria – propõe Sete Saberes fundamentais para a

educação do futuro que devem abraçar todas as áreas do conhecimento.

O que não se vê, no entanto, são referencias ao Teatro1. O contrário

também ocorre; importantes autores e universidades que produzem pesquisas em

Teatro e Teatro Educação enfatizam diversas abordagens teóricas e metodológicas,

1 Teatro, nesta grafia, refere-se a uma área de conhecimento sistematizado, ou ainda, a uma disciplina escolar específica; já escrita em outra grafia, como teatro, designa o termo de modo genérico.

mas não apresentam referências aos sete saberes e à Complexidade, quando há

muitas congruências.

Por esse motivo, a relevância da presente pesquisa é a

correspondência entre os fundamentos da Complexidade e do Teatro Educação

tendo em vista que esse pode contribuir com todos os princípios dos Sete Saberes

necessários para uma prática pedagógica ligada à educação do futuro. Assim, se

pretende responder a seguinte Questão Problema : Como o Teatro pode contribuir

na Educação do Futuro?

Para respondê-la, se tem como:

a) Objetivo geral:

- Apontar correspondências entre o Teatro e os Sete Saberes numa

teoria e prática pedagógica voltada para a formação de professores com foco na

Educação do Futuro

b) Objetivo específico:

- Apresentar a Epistemologia da Complexidade;

- Descrever os Sete Saberes da Educação do Futuro;

- Relacionar o Teatro com o Novo Paradigma;

- Apontar as contribuições do Teatro nos Sete Saberes;

- Propor uma teoria e prática pedagógica do ensino do Teatro

- Diagnosticar a situação do Teatro na educação geral e na educação

brasileira.

Tendo em vista que a área que se pretende estudar é a Educação,

como metodologia optou-se por:

- Pesquisa do Tipo Qualitativa : se afina melhor com fenômenos

sociais das Ciências Humanas em detrimento a Pesquisa Quantitativa. A pesquisa

qualitativa advém de um sentido mais humano, aproximado do objeto que permite

um contato direto com o pesquisado, pois considera todos os dados importantes da

realidade.

- Tipo de Estudo Exploratório : permite o aumento da experiência em

torno do problema levantado a partir de pesquisa preliminar que corresponde a um

mapeamento da realidade (TRIVIÑOS, 1987, p. 109).

A realidade que está concebida enquanto ponto de partida de estudo e

se apresenta como marco teórico é a da mudança de paradigma científico, dentro

da visão da Epistemologia da Complexidade. As etapas seqüentes selecionam e

aprofundam o estudo dos temas nos limites dessa realidade estão em torno de:

Ciência, Educação, Arte e Teatro.

- Coleta de Dados : feita pela Técnica de Análise de Conteúdo. O

emprego desse método presta-se ao estudo de tendências, desvendamento de

ideologias que podem existir em dispositivos legais, princípios e diretrizes que a

primeira vista não se apresenta com clareza (TRIVIÑOS, 1987, p. 160). A força e o

vigor dessa técnica apoiaram-se no referencial teórico pesquisado, definido pelos

campos da Complexidade, Teatro e Educação. Além da ênfase do conteúdo das

mensagens, os conceitos delimitados foram analisados por inferência de

informações e premissas levantadas a partir da técnica.

- Análise e Interpretação dos Dados : essa etapa é a final e

corresponde aos resultados da pesquisa. Foram consideradas as condições que

validam o caráter cientifico e o caráter interno e externo de verdade; a coerência,

consistência, originalidade, objetivação e intersubjetivação (TRIVIÑOS, 1987, p.

170). Para tanto, a pesquisa se apoiou nos três pontos fundamentais levantados por

TRIVIÑOS (1987, p.173); a) resultados alcançados nos estudos; b) fundamentação

teórica; c) experiência pessoal do investigador. Esse último descrito como teoria e

prática pedagógica.

É importante destacar que, como afirma TRIVIÑOS (1987, p.137), os

métodos e técnicas da pesquisa qualitativa não admitem visões isoladas, parceladas

ou estaques, mas sim, desenvolvem-se em interação dinâmica e de retro

alimentação que se reformulam constantemente tornando o processo unitário e

integral, como o conceito de conhecimento apresentado na própria complexidade,

que será descrito com maiores detalhes no presente trabalho e que segue com os

seguintes capítulos;

No Capítulo 2 , apresentam-se os paradigmas da Ciência Moderna, os

fundamentos e a crise que levou à busca do novo, da Complexidade. A origem está

no período inicial da filosofia grega com Aristóteles, que sistematizou e organizou o

conhecimento científico da Antigüidade e criou o esquema base do pensamento

ocidental. As teorias do filósofo foram preservadas e utilizadas durante o predomínio

da Igreja na Idade Média (CAPRA,1975, p.24). Com o Renascimento, a ciência

libertou-se um pouco da profunda influência da Igreja e de Aristóteles, ocorrendo

interesse maior pela Natureza. Surgiu o espírito científico, isso é, experiência como

forma de validação das idéias especulativas. Houve também crescente

desenvolvimento pela matemática e a partir do século XVII, nascimento e ascensão

do paradigma moderno, que influenciou de forma significativa o pensamento

ocidental.

A grande característica desse paradigma foi o desenvolvimento do

pensamento filosófico que originou o dualismo extremo entre espírito e matéria. O

matemático René Descartes - principal responsável pelas bases do paradigma da

modernidade - apresentava a natureza com uma divisão fundamental entre os reinos

separados da mente e da matéria. Essa era vista como algo morto, apartado em si,

uma vasta quantidade de objetos reunidos em uma máquina de grandes proporções.

Tratava-se de uma visão mecanicista do mundo, alicerçada também na física

clássica de Isaac Newton. A visão determinista/atomista de um universo – máquina

constituído por bases isoláveis passou a dominar a ciência (MORIN, 1991, p.168).

Conhecimento, ciência, experiências, fatos e objetos do ambiente

cotidiano foram racionalizados. O paradigma derivava e pertencia exclusivamente ao

reino do intelecto; as principais funções eram discriminar, dividir, comparar, medir e

categorizar. Um sistema de símbolos e conceitos abstratos, caracterizados pela

estrutura seqüencial e linear (CAPRA, 1975, p. 29).

A conseqüência dessa forma de pensar foi que durante todo o século

XIX buscou-se intensamente apenas o desenvolvimento técnico e científico,

valorizando-se a especialização como único caminho para o progresso. Daí resultou

um saber parcelado, mutilado e disperso; um saber simplificado.

“Penso, logo existo” (DESCARTES, 1637) foi a máxima desse modelo.

Não só o conhecimento, mas também os homens tiveram sua identidade igualada

apenas à mente e não ao organismo como um todo; a visão de si um como ego

isolado dentro do corpo controlado pela mente. Da mesma forma, os indivíduos, o

ambiente natural e a sociedade também foram separados em compartimentos

incomunicáveis de acordo com funções, gostos, atividades, religiões, nações.

(CAPRA, 1975, p. 26). Essa diversidade de tão isolada e fragmentada tornou-se

conflituosa, incapaz de ser descrita ou apreendida integralmente pela estrutura do

pensamento, tal qual o mundo natural. Assim, a lógica racional tornou-se somente

de inteligibilidade utilitária, pois produzia respostas claras, precisas, sem equívocos,

mas incapazes de explicar o universo complexo, incerto e ambíguo. A racionalidade

Clássica (que repele a confusão e o caos) por si só tornou-se incapaz de explicar os

fenômenos complexos de modo que, junto com as crises inexplicáveis pelo modelo,

vieram as crises do próprio paradigma.

No modelo de pensamento da modernidade, considerado redutor,

único e simplificante, ocultaram-se as solidariedades, as inter-retroações, os

sistemas, as emergências e as totalidades. A geração de uma concepção

unidimensional, parcelar e mutilada do real levou à incapacidade de se explicar

problemas racionalmente (MORIN, 1991, p.168), pois o pensamento foi apropriado

pelo poder de uma cultura na qual o homem perdeu o sentido de globalidade e de si

mesmo por estar atrelado ao modelo binário e linear, cujo padrão privilegiava o

conhecimento tecno-científico e deixava em segundo plano a vertente humanística

(MARIOTTI, 2002, p. 04).

A conseqüência da divisão cartesiana na separação entre corpo e

mente, relegou a essa a inútil tarefa de controlar aquele devido ao conflito entre a

vontade consciente e os instintos involuntários. A divisão em compartimentos

isolados de indivíduos de acordo com as atividades que exercem, talentos,

sentimentos, crenças e da sociedade em nações, raças, grupos políticos e religiosos

tornou-os engajados em constantes conflitos metafísicos e frustrações (CAPRA,

1975, p. 25).

O ambiente natural, constituído de partes separadas, passou a ser

explorado por diferentes grupos de interesse. O homem ficou alienado da natureza

e dos demais seres humanos, gerou uma distribuição absurdamente injusta de

recursos naturais, uma explícita desordem econômica e política, violência

(espontânea e institucionalizada), meio ambiente degradado, enfim, um padrão de

vida – física e mental – insalubre. Teve como conseqüência, o estímulo à

competitividade, a desvalorização do cotidiano, a dificuldade da prática da

tolerância, da serenidade e da compaixão (MARIOTTI, 2002, p. 7)

Tal “desequilíbrio Cultural” (CAPRA, 1975, p.17) favoreceu a auto-

afirmação em vez da integração, a análise em vez da síntese, o conhecimento

racional em vez da sabedoria intuitiva, a ciência em vez da religião, a competição

em vez da cooperação, a expansão em vez da conservação, a desvalorização da

arte, pois o pensamento simplificador possui limites e insuficiências que não

exprimem as idéias de unidade e diversidade presente no todo, sendo impossível

compreender racionalmente os problemas decorrentes dele.

Diante desse contexto, fez-se necessária a busca por novos

paradigmas, como a Complexidade. Essa visão não pretende defender uma

dimensão em detrimento da outra como o todo ou a parte, ou a negar

completamente os paradigmas da racionalidade. O que se propõe é a união entre as

diferenças, pois a renuncia completa do racionalismo também “mergulharia o ser

humano em alucinações e loucuras” (FÁVERO, 2004, p. 03).

O que se defende é a complementaridade; o entrelaçamento entre os

dois modelos mentais, sendo por isso, também chamado de “Pensamento do

Abraço” (MARIOTTI, 2002), o abraço entre as partes de um sistema que integram o

todo, sem perder as características individuais e específicas.

Para tal questão, o que Edgar Morin propõe é uma teoria que consiste

na sistematização da crítica aos princípios, objetivos, hipóteses e conclusões de um

saber fragmentado, ligando o que está disjunto para melhor compreendê-lo

(PETRAGLIA, 1995, p. 40). Complexo também pode ser entendido como tudo

aquilo que é tecido junto; é o fenômeno unitas multiplex, ou, unidade na

multiplicidade. Trata-se de uma retomada da Pluri-sensorialidade, na qual há uma

religação; a reaproximação de saberes posta em prática na concretude dos sistemas

da natureza em detrimento do pensamento baseado exclusivamente no raciocínio

fragmentador, no modelo binário (ou/ou; amigo /inimigo; bem/mal...) da ciência

clássica. A proposta da complexidade é de não atuar a partir de ações individuais e

isoladas, mas sim em ações integradas e dependentes. Tampouco propõe a visão

utópica de um pensamento totalizante (o que seria também reducionista) ou a

exclusão do pensamento racional. É uma efetiva participação na dinâmica dos

ciclos do mundo natural, uma interdependência espontânea que produz

autoprodução e autonomia (MARIOTTI, 2002, p 19).

Na sociedade atual - cujas características são o estático e o

movimento, a especificidade e a totalidade, a ordem e a desordem, a auto-

organização, a relatividade tempo/espaço, as possibilidades de um eterno “vir- a-

ser” e a globalização (parcelas que se relacionam e não apenas se somam) - Morin

fala do princípio da incerteza como norteador da humanidade. Atribui à ciência e a

toda ação política esse princípio, não pela sua eliminação. Sugere que se busque

compreender a contradição e o imprevisível na convivência entre eles que decorre

da integração das aptidões naturais inatas com a existência da cultura, fundamental

para a humanidade. Dessa complementaridade – evolução biológica e evolução

cultural – é possível refletir sobre a ciência do homem enquanto conhecimento do

ser, ao nível da espécie e do indivíduo, já que a complexidade está intrínseca em

cada aspecto da vida. Cabe ao ser humano, através da produção do conhecimento,

interpretar os aspectos da ambigüidade, sem, contudo, desconsiderar a

multidimensionalidade do real, os diversos caracteres do fenômeno, tendo em vista

que o pensamento complexo é responsável pela ampliação do saber. Se o

pensamento for fragmentado, reducionista e mutilador, as ações terão o mesmo

rumo, tornando o conhecimento cada vez mais simplista e simplificador, já que

ambos são inseparáveis (PETRAGLIA, 1995, p. 50). As ações são decorrentes de

um processo organizador de autoconhecimento que não é estático, pois o

movimento de ir e vir que permite a criação que o indivíduo-sujeito transforma e

constrói sua identidade e aprende sempre, coloca o aprendizado em função de seu

meio ambiente.

Para a transformação da crise planetária em toda sua obra Edgar Morin

fala do paradigma da complexidade, que influi, sobretudo, na educação já que essa

abrange todas as áreas do conhecimento. Como é a escola a principal responsável

pelo conhecimento, Morin defende que a reforma do pensamento necessita passar

pela reforma da educação, e vice-versa, já que se trata de um processo complexo

de retro alimentação. Assim, um caminho para a concepção de Educação do Futuro

é apontado pelo filósofo a partir de Sete Saberes fundamentais (MORIN, 2002) : “A

cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão”; “Ensinar o Conhecimento Pertinente”;

“Ensinar a Condição Humana”; “Ensinar a Identidade Terrena”; “Enfrentar as

Incertezas”; “Ensinar a Compreensão” e; “Ensinar a Ética do Gênero Humano”. Tais

princípios serão descritos no Capítulo 3 .

Há muitas semelhanças entre os princípios do Teatro, a Complexidade

e os Sete Saberes. Dessa forma, a prática pedagógica do Teatro pode trazer

contribuições para o aprendizado do futuro. No entanto não há referencias

metodológicas sobre essa relação. O Capítulo 4 aponta possibilidades de

correspondência entre as teorias e busca apontar contribuições que o Teatro pode

trazer ao Novo Paradigma e aos Sete Saberes tendo em vista que esse envolve

produção de conhecimento e cultura já que é fonte de formação, comunicação,

produção coletiva, apreciação e produto histórico cultural nas instituições educativas

ou organizações comunitárias.

Já no Capítulo 5 , demonstra-se um pouco de histórico do Teatro

Educação, a realidade desse no Brasil e apresenta um exemplo de prática

pedagógica que pode contribuir na formação de professores de Teatro com foco na

Educação do Futuro.

Na literatura que fundamenta o Teatro Educação aparecem

abordagens de aspectos da formação global do sujeito muito próximos dos

defendidos pela complexidade. No entanto, não envolvem a Epistemologia da

Complexidade de Morin como uma sistemática. Olga Reverbel (1979) diz que o

Teatro é a arte de manipular os problemas humanos, apresentando-os e

equacionando-os. A autora defende a função eminentemente educativa, destacando

que a instrução ocorre através da diversão com o desenvolvimento emocional,

intelectual e moral da criança, que correspondem aos desejos e anseios e à

proporção de uma marcha gradativa das próprias experiências e descobertas. O

Teatro na educação possui uma concepção totalizante, isso é, implica e compromete

todas as potencialidades do indivíduo, permitindo o alcance da plenitude da

dimensão social com o desenvolvimento da auto-expressão. Também mobiliza todas

as capacidades criadoras e o aprimora a relação vital do indivíduo com o mundo

contingente, pois as atividades dramáticas liberam a criatividade e humanização,

pois se aplica e integra o conhecimento adquirido nas demais disciplinas da escola e

principalmente, na vida, o que significa o desenvolvimento na área cognitiva e

também afetiva do ser humano. É a possibilidade do abraço entre saberes diversos

e também dos Sete Saberes propostos por Morin.

MARTINS (2003), apresenta o Teatro Educação como um caminho

para o aperfeiçoamento do ser em processo de auto-conhecimento e conhecimento

do mundo, levantando um aspecto no que se refere ao atual contexto histórico e

social. Fala-se da contribuição que o Teatro pode dar para uma compreensão mais

abrangente da sociedade capitalista imersa em todos os tipos de desigualdade e,

principalmente, nas problemáticas decorrentes da cultura de massa. Pelo Teatro é

possível uma compreensão concreta da realidade, da qual decorre o homem

participante de forma ativa no mundo. Os exercícios teatrais requisitam a utilização e

desenvolvimento da capacidade de resolução de problemas e conflitos, resultando

na ampliação da habilidade de se fazer opções conscientes através do

desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo.

Assim, o que se vê em diferentes autores é que há contribuições do

Teatro para a educação de um Novo Paradigma (em termos de métodos, por

exemplo, há o Teatro do Oprimido de Augusto Boal e o Teatro Didático de Brecht),

no entanto, que não foram relacionados diretamente com a Complexidade e a

Educação do Futuro de maneira sistemática, apontando para uma prática

pedagógica e a formação de professores. A problemática pesquisada visa suprimir

esse vácuo propondo-se a apontar novos caminhos a partir da pesquisa que aqui se

inicia, afinal, envolve uma perspectiva de análise teórico-histórica com ênfase no

“processo” (verificar o problema na sua circunstância, de forma prolongada e direta)

e base na Ação: detectar o problema e propor transformá-lo. Tais resultados serão

analisados nas “Considerações Finais” , não como uma conclusão, mas ao

contrário, como a abertura para um amplo caminho a ser investigado.

2 UMA NOVA CIÊNCIA, UM NOVO PARADIGMA

“Estamos numa época de mudança de paradigmas. Os paradigmas

são os princípios dos princípios, algumas noções que controlam os espíritos, que

comandam as teorias, sem que estejamos conscientes de nós mesmos.”

(MORIN, 2000, p. 41).

O puro saber operacional (sem consciência) tem manipulado bombas

nucleares. É preciso explicações que justifiquem o que antes se argumentava

apenas pela ciência que hoje produz bombas; busca-se um novo paradigma para a

contemporaneidade. O fim dos grandes discursos, a má utilização da ciência, as

novas tecnologias são as realidades presentes do atual mundo complexo, que só

pode ser entendido com complexidade também. O ponto de partida é entender a

Inteligência humana, ou seja, como foi construído o paradigma do pensamento que

trouxe tantas contradições.

2.1 Matrizes Emergentes do Conhecimento Científico

Morin entende Paradigma como todos os discursos, conceitos

fundamentais e categorias dominantes da inteligibilidade contidos no império cujas

relações lógicas são de atração e repulsão entre eles. O paradigma que domina a

cultura ocidental e que produziu os saberes que conduziram a humanidade aos dias

atuais é o Paradigma Científico ou da Modernidade.

Surgiu na Renascença, com a Ciência Moderna e a visão da cultura

humanista 2, na qual existia uma relação com a consciência no sentido ético e moral.

No entanto, em atitude contra o poder inibidor da igreja, o desenvolvimento do

conhecimento científico tornou-se o princípio fundamental, o que gerou uma

disjunção absoluta do julgamento de valor e do dever moral. Esse conhecimento

tinha como prioridade “ser tornado público e pesquisado quaisquer que sejam as

conseqüências morais”. (MORIN, 2000, p. 27).

A disjunção entre ciência e moral se acirrou com René Descartes que

determinou dois separados campos do conhecimento: o Sujeito (Ego Cogitans), o

homem que reflete por si mesmo, filosófico; e o Objeto (Res Extensa), objetos que

se encontram no espaço por serem extensões dele e que podem ser compreendidos

pelo conhecimento científico.

O desenvolvimento separado da ciência e filosofia passou a considerar

o sujeito como um parasito na pesquisa; o homem era visto como interventor

subjetivo. Só o Método Experimental (observação de diferentes olhares em torno de

uma experiência objetiva) extraia, detectava e isolava a objetividade dos fatos para

torná-los conhecimentos que refletiam a realidade.

A conseqüência foi uma especialização, fragmentação e

“desintegração das realidades molares com as quais são confrontadas nossas vidas

e reflexões como o indivíduo, a subjetividade, o homem, a sociedade, a vida”

(MORIN, 2000, p.28) que levaram as ciências eliminaram esses cinco elementos, ao

contrário do pensamento humanista. Esse tem como características: a organização

de informações muito diversas “que são acessíveis, em princípio àquilo que nós

2 A cultura humanista desenvolve-se nos séculos XVII e XVIII tendo como principais representantes: Montaigne, Voltaire, Rousseau e Diderot. Fundamenta-se em questionamentos sobre o homem, o destino, a sociedade, a vida e a morte.

chamamos de homem honesto, aquele que pode ter acesso à cultura” (MORIN,

2000, p. 30); a reflexão e meditação; a permanência num nível de problemas em que

o conhecimento estava ligado à vida de cada um e à vontade de situar - se no

universo; o trato do conhecimento de maneira geral.

Já a cultura científica se fundamentava cada vez mais em uma enorme

quantidade de informações e conhecimentos que nenhum espírito humano saberia;

passou ser impossível ter uma visão sobre homem, natureza, universo, sociedade,

pois o material tornou-se fechado, compartimentado, especializado; um

conhecimento que não se pode discutir ou refletir. A conseqüência desse paradigma

é que “hoje em dia, na conjunção dos saberes fragmentados e das idéias gerais,

vazias, o direito à reflexão é colocado em causa e até mesmo condenado”. (MORIN,

2000, p 31).

O desenvolvimento da ciência levou a mesma ao centro da sociedade;

ela passou a ser um fenômeno central que estimulou o desenvolvimento técnico,

esse, por sua vez, reestimulou o conhecimento científico.

... mas esse desenvolvimento científico também permitiu a criação da bomba atômica, etc. estamos num circulo vicioso, num circulo de intersolidariedade em que é justo distinguir aquilo que é científico, técnico, sociológico, político... mas é preciso distingui-los, não dissocia-los. E sempre a cegueira, a incapacidade de ver a conexão onde existe conexão, a incapacidade de olhar-se a si próprio. (MORIN,2000, p.34)

Acentuou-se, assim, a distância entre ciência e humanidade na ação

irresponsável do sujeito, aquele que percebe, reflete sobre si mesmo, discute e

contesta a própria ação. “O conceito de sujeito não tem nenhum lugar justamente

nos princípios do conhecimento científico: ser cientista é ser literalmente

irresponsável por profissão!” (MORIN, 2000, p.35).

EDGAR MORIN (2000, p. 31) considera tal essa realidade como um

“neo – obscurantismo generalizado”, pois o princípio dinamizante do conhecimento

científico passou a ser o da simplificação; uma renuncia submissa e fatalista à

ignorância e a capacidade de saber dado a enorme quantidade de conhecimento

que continua a ser produzido e que vai se acumulando para ser estocado por

computadores apenas pela demanda de empresas ou do estado.

A filosofia (que tinha como um de seus fundamentos o pensar e refletir

sobre os saberes adquiridos pelas diferentes ciências para uma reflexão global) foi

separada da ciência e consagrada “a morder sua própria substância”. (MORIN,

2000, p.94).

Sob a influência renascentista do inicio da ciência moderna (com o

Racionalismo de Descartes, o empirismo de Bacon, o Absolutismo de Hobes), a

razão, a experiência, o homem como senhor de si mesmo (pressupostos filosóficos

que culminaram com o iluminismo, no qual o culto a razão chegam ao seu auge;

retirou-se Deus e endeusou-se a razão) até as artes tornaram-se subordinadas ao

racionalismo. Na música, por exemplo, destacou-se o classicismo, a Música Pura,

cuja única significação era a de ser música, que comovia com alegria e tristeza.

Clássico significava ser essencialmente de primeira classe, perfeito em forma e

conteúdo, apresentar a idéia de corretamente excepcional, como fizeram Mozart,

Beethoven, Schubert; passavam por cima dos estados e sentimentos em que se

encontravam para serem fiéis à construção musical estabelecida com a razão em

detrimento da emoção.

... a música das luzes devia ir ao encontro do ouvinte, e não obrigá-lo a fazer um esforço para entender a estrutura. Devia cativar (através de sons agradáveis e de uma estrutura racional) e comover (através da imitação de sentimentos), mas não surpreender em demasia (através de uma

excessiva elaboração) e ainda menos causar perplexidade (através de um excesso de complexidade). (GROUT, in MESSAGI, 1997, p.41).

No Teatro, o filósofo Denis Diderot (1713-1784), idealizou o drama

francês da burguesia. Na história da arte dramática, os períodos anteriores

priorizavam a comédia e a tragédia enquanto nesse, o enciclopedismo, a nova

ideologia moral e social eram refletidas na arte dramática. Diderot acreditava que o

Teatro, os atores no palco, eram instrumentos de propaganda capazes de substituir

o púlpito e os pregadores. A estética proposta no Discurso do Paradoxo destaca

quatro argumentos centrais para o ator: a importância da falta absoluta de

sensibilidade (os sentimentos deviam ser usados racionalmente pelos atores);

conformidade técnica; construção lúcida e técnica da emoção; a condição social do

ator como inferior.

Diderot, que teve publicado postumamente, em 1830, o seu Paradoxo sobre o comediante, representa o Iluminismo do século XVIII com a assumida revolta da razão contra os mitos e misticismos, advindos do período medieval e enfeitados pela retomada alegórica do Barroco renascentista. Para ele, o ator deve ser consciente de seus recursos técnicos, pois não deve sentir, mas fazer sentir. (CARVALHO, 1992, p. 47)

Assim, o que se viu foi que mesmo as mais humanas áreas do

conhecimento também passaram a se basear nos quatro pilares da certeza

moderna, os princípios de: ordem; separação; redução e da lógica indutiva-dedutiva

– identitária.

2.1.1 Os pilares da certeza

No capítulo “Complexidade: os desafios do método”, da “Epistemologia da

Complexidade” (MORIN, 2000, p. 90), o autor apresenta os fundamentos dos quatro

pilares do pensamento científico que determinaram o Paradigma da Modernidade.

São eles: Pilar da Ordem ; Pilar da Separabilidade; Pilar da Redução; Pilar da Lógica

indutiva – dedutiva-identitária.

Até Isaac Newton, seguia a idéia de que as coisas eram regidas

imperativamente, absolutamente, (em função da monarquia absolutista), com leis

humanas e de caráter divino (a perfeição divina garante as leis da natureza). Depois

de Newton, a idéia predominante é que a ordem fundamenta-se por ela mesma, o

mundo é concebido como uma máquina perfeita que adquire o absolutismo

arrancado por Deus. Essa é a Idéia chave do Pilar da Ordem.

Na Separabilidade prevalece a idéia de que para se resolver um

problema é preciso decompô-lo em elementos simples. Baseia-se no princípio

analítico do “Discurso do Método” de René de Descartes; “dividir cada uma das

dificuldades que eu examinaria igualmente em partes que pudessem e fossem

convenientes para melhor resolvê – las”. (DESCARTES in MORIN, 2000, p. 95). Tal

princípio se colocou no domínio científico pela especialização, hiperespecialização,

compartimentação e incomunicabilidade das disciplinas e revelou a dificuldade de se

ver o conjunto como um todo. Foi determinado pela separação das grandes ciências

(ciência, filosofia e cultura humanista) e das disciplinas fechadas em si no interior

delas. Também gerou o isolamento e a auto-suficiência do objeto em relação ao

meio, a separação dele do conhecimento do conhecimento, que espelha a realidade

subjetiva (eliminação do sujeito observador e conceituador).

O Pilar da Redução segue o princípio de que o conhecimento dos

elementos de base do mundo físico e biológico é fundamental e o dos conjuntos,

mudanças e diversidades são secundários. Tenta reduzir o conhecimento ao que é

mensurável, quantificável, formalizável, eliminando qualquer conceito que não se

traduza por nenhuma medida.

O princípio da redução anima todos os empreendimentos destinados a dissolver o espírito no cérebro, a reenviar o cérebro ao neurônio, a explicar o humano pelo biológico, o biológico pelo químico ou pelo mecânico. Ele anima todos os empreendimentos que tratam da história e da sociedade humana, fazendo a economia dos indivíduos, da consciência, dos acontecimentos. (MORIN, 2000, p. 97).

No Pilar da Lógica indutiva-dedutiva – identitária o princípio da razão se

baseia nos três axiomas identitários aristotélicos3 (identidade, contradição e terceiro

excluído) e na indução e dedução que asseguram a validade formal dos raciocínios.

Essa lógica é extremamente aditiva e não pode conceber as transformações

qualitativas ou as emergências das interações organizacionais. Por isso fortalece o

pensamento linear (causa e efeito), pois não considera a inteligência da retroação do

efeito sobre a causa.

Os quatro pilares são interdependentes e se reforçam e reforçam a

hegemonia da disjunção, redução e cálculo já que só concebem objetos simples e

que obedecem a leis gerais. Por isso produzem um saber anônimo, cego sobre o

contexto e o todo complexo. Ignoram as singularidades, o concreto, a existência, o

sujeito, a afetividade, o sofrimento, o gozo, o desejo, as finalidades, o espírito e a

consciência. É simplificante por que em suma, acaba por selecionar como

verdadeira as explicações mais simples, de forma que as concepções, crenças,

mitos e delírios não acidentais são considerados erros e superstições.

No entanto, não pode - se ignorar a inteligência oriunda desses quatro

pilares; se não fosse de extrema eficácia, não determinaria um paradigma. Foi ela

3 Os Axiomas Aristotélicos seguem os princípios de identidade, contradição e terceiro excluído que estabelecem ao mesmo tempo uma mesma relação e são definidos como;

1- IDENTIDADE: A é A. É impossível o mesmo existir ao mesmo tempo e com a mesma relação; 2- CONTRADIÇÃO: É impossível um mesmo atributo pertencer e não pertencer a um mesmo sujeito ao mesmo tempo e sob a mesma relação; 3- TERCEIRO-EXCLUIDO: Em duas preposições contraditórias uma deve, necessariamente, ser falsa e outra verdadeira.

que permitiu a manipulação de inúmeras vitórias técnicas, mesmo ignorando os

efeitos perversos que trouxeram a humanidade ao ponto em que esta.

Essa manipulação tinha como mito a conquista da natureza e do

domínio do homem sobre o universo. Um princípio de persuasão que conduziu a

dominação e ao desprezo por tomar a abstração por realidade e desprezar o que

não participasse do projeto. No entanto, foi da busca incessante pela certeza que

trouxe a incerteza, colocando em xeque a própria ciência.

2.1.2 A crise da certeza

A simplificação científica falhou na sua própria vitória: na sua pesquisa obsessiva da pedra angular elementar e da lei suprema do universo, reencontrou nos seus últimos avanços e sem poder reabsorvê-la, a complexidade que ela havia eliminado no princípio. (MORIN, 2000, p. 102)

Os quatro pilares da certeza sofreram um abalo no século XX em

função da ocorrência de duas revoluções científicas. A primeira, por volta de 1900 –

inacabada - é da física e opera a crise da ordem, da separabilidade e da redução

lógica. A segunda, nos seus primórdios, aponta para a emergência das ciências

sistêmicas, do reagrupamento de disciplinas diversas em torno de um complexo de

interações e/ou de um objeto que constitui um sistema que afeta na base a

separabilidade e a redução. Surgiram daí conceitos como a desordem, a não -

separabilidade, a não – redutibilidade e a incerteza lógica, bases para o Pensamento

Complexo.

Na física apareceram os estudos de termodinâmica (que demonstram

ser o calor uma agitação de moléculas desordenadas); a noção de expansão

universal, explosões de galáxias, buracos negros; o quantum de energia. A

desordem da termodinâmica, a microfisica e a cosmologia, apontaram, assim, que a

desordem surge da ordem, ou seja, são princípios que não se excluem, mas se

complementam. A noção de caos apontou um principio rico, energético, de

indistinção e confusão entre um poder criativo e destrutivo que leva consigo a

potencialidade genésica do universo, ou seja, o potencial de “desintegrar se

organizando” (MORIN, 2000, p. 104).

Os estudos atômicos concluíram ser a partícula não uma noção de

base, mas sim de fronteira e que o sujeito sempre está atrás do observador.

Percebeu-se que mesmo a noção do mundo físico é intermediada por

representações, conceitos e sistemas de idéias. Também trouxe o principio da

incerteza, que no novo paradigma vem justamente fazer comunicar as instâncias

separadas do conhecimento para fechar o circuito. Ou seja, a considerada mais

exata das ciências trouxe à tona a incerteza cientifica e colocou a incerteza como

uma necessidade para a própria ciência.

A crise da redução apontou o surgimento da inseparabilidade na

separabilidade, contraditoriamente. A pesquisa obsessiva da menor parte de um

elemento químico (daí a molécula, o átomo, a partícula e o quark) desembocou no

complexo. Viu-se que a partícula é uma entidade equívoca, incerta e composta e

que o quark não poderia ser isolado materialmente, apenas postulado pelo cálculo.

Os estudos atômicos demonstraram que a partícula não possui apenas duas

propriedades complementares; revelou também duas identidades que se excluem

logicamente.

O principio da redução foi também utilizado na área biológica; a partir

da tentativa de redução da célula chegou ao gene. Esse, por sua vez, não pode ser

isolado dos outros genes (genoma); é um sistema não-fixo que comporta as suas

próprias organizações. Progrediu assim, na última metade do século, a idéia

sistêmica que questionou a validade do conhecimento reducionista.

Essa noção foi fortalecida também pela teoria geral dos sistemas, pelos

estudos cibernéticos, pela ecologia, pelas ciências da terra e pela cosmologia. Na

primeira, viu-se que é o conjunto das partes diversas que constituem um todo

organizado, ou seja, que o todo é mais do que o conjunto das partes que o compõe.

A cibernética apresentou programas informacionais e dispositivos de regulagem que

mostraram o conhecimento não poder ser reduzido às suas partes constitutivas. Daí,

as emergências, (de onde surgem as retroações), ou seja, a noção de que “a

organização em sistemas produz qualidades ou propriedades desconhecidas das

partes concebidas isoladamente” (MORIN, 2000, p. 108).

Na segunda metade do século, a segunda revolução científica fez

surgir certo número de disciplinas e remembrou as que eram usualmente

compartimentadas e frequentemente separadas pela disjunção das ciências naturais

e humanas. Desenvolveram-se as ciências sistêmicas, com o objetivo de interar e

não separar os elementos. Ressuscitou, assim, a natureza, o cosmo e as noções do

senso comum eliminadas pela ciência clássica.

Nos anos 60, o desenvolvimento da ecologia inseriu a idéia de

sistemas a partir das noções de ecossistemas. Trata-se do conjunto de interações

de uma geofísica que contém diversas populações vivas que constituem uma

unidade complexa de caráter organizado. Elas englobam constituintes

interdependentes (assimilam separadamente a zoologia, botânica, microbiologia,

geografia...) e concebem a biosfera como um sistema auto-regulador influenciado

pelo desenvolvimento técnico industrial.

Os estudos tectônicos das ciências da terra mostraram que o planeta é

um sistema complexo, que se auto-produz e organiza, de modo que as monções da

Ásia provocam tremores na Grécia e na Itália, por exemplo. Pela cosmologia

cientifica percebeu-se que o homem é delineado por um cosmo singular em devir. A

astrofísica associada à microfisica e toda a situação humana diante desses infinitos

passou a introduzir a possibilidade da vida e da consciência no cosmo, ou seja, o

princípio antrópico.

A contradição que passou a ser aceita pela racionalidade cientifica,

veio demonstrar que não havia um ilogismo no pensamento, mas sim na realidade.

Possibilitou a consideração das antinomias como contínuo/descontínuo; espécie e

indivíduo; sociedade/indivíduo, ou seja, idéias contrárias podem ser também

complementares. Também o conceito de Auto-eco – organização; “O ecossistema

está no interior do ser vivo que está no interior de seu ecossistema. O ser vivo é, ao

mesmo tempo, operador e operado da organização viva” (MORIN, 2000, p. 118).

Assim, a sociedade teve que repensar a tecnologia e a ciência, pois

todos os projetos tecnológicos foram incapazes de contextualizar e multidimensionar

os problemas existentes. Ao contrário, a promessa de soluções desembocou em

dimensões catastróficas nunca antes concebidas, como as guerras mundiais e a

bomba atômica.

Paralelamente ao fantástico desenvolvimento do conhecimento científico, houve um extraordinário desenvolvimento do poder oriundo do conhecimento científico. Vemos hoje que a física, em particular a física nuclear, apresenta um enorme poder de destruição, que o conhecimento em biologia molecular e em genética permite entrever as manipulações genéticas, uma nova indústria genética, onde não se pode distinguir muito bem se é a indústria que vai se biologizar ou se é vida que vai ser industrializada. (MORIN, 2000, p. 32)

2.2 Ciência com consciência: a Complexidade

Tendo em vista as conseqüências decorrentes do Paradigma da

Modernidade, Morin aponta a necessidade de uma Reforma Paradigmática que ligue

e unifique as culturas disjuntas.

A primeira cultura (genérica, que valoriza a filosofia, o ensaio e o

romance, alimenta a inteligência geral e favorece a integração pessoal do

conhecimento) deve abraçar a segunda (que separa os campos do conhecimento,

suscita admiráveis descobertas e teorias gerais - mas não sobre o destino humano e

o vir a ser dela própria enquanto ciência priva-se da reflexibilidade sobre problemas

gerais e globais) para evitar o erro do Paradigma Moderno, evitar qualquer forma de

reducionismo e determinismo.

Mesclar ciências humanas, físico-biológicas, com as da vida e as artes

promove uma Ética da Compreensão: a conscientização do conhecimento que se

pode transmitir pelo exercício da Inteligência. Afinal, do ponto de vista cognitivo, é no

problema do conhecimento que se centram as reflexões da Complexidade: um

conhecimento disjunto, partido, compartimentado entre disciplinas quando a

realidade e os problemas são cada vez mais polidisciplinares, transversais,

multidimensionais, transnacionais, globais, planetários, enfim, complexos.

É por isso que se tornam invisíveis os conjuntos, as inter-relações, as

retroações entre parte e todo, entidades multidimensionais e problemas essenciais

num entendimento que não é complexo; não há reflexão dos problemas do homem e

do mundo contemporâneo, a formação cidadãos mais planetários, solidários e

éticos.

Essa reflexão é a idéia de Ciência com Consciência; a consciência do

homem em relação ao mundo, o questionamento epistemológico e a interrogação

sobre a legitimidade de um discurso científico (que levou à incultura científica de

moralistas e políticos). É a proposta de Paradigmatologia, ou seja, a mudança do

nosso próprio olhar sobre o entendimento (a Inteligência), um caminho a ser

construído religando deliberada e exigentemente a ciência e a consciência

complexa.

No coração do problema da complexidade existe um problema do princípio do pensamento, ou, paradigma, e no coração do paradigma da complexidade existe o problema da insuficiência e da necessidade da lógica, do afrontamento ´dialético´da contradição (MORIN, 2000, p. 62).

Por ser uma proposta paradigmática, a Complexidade possui uma

Epistemologia subjacente, baseada na Bioantropologia do conhecimento. Entende-

se que não existe mais a instância soberana do Epistemólogo que controla de

maneira irredutível e irremediável todo o saber, mas sim uma pluralidade de

instâncias, cada uma decisiva, insuficiente e comportando seu princípio de incerteza.

As incertezas são consideradas a partir do ponto de vista da sociologia

do conhecimento, ou seja, a produção social de idéias ou ideologia, mas não a

condição de veracidade ou falsidade. O principio da incerteza tem como prática a

junção de sistemas de idéias, a intercomunicação das instâncias separadas, de

áreas disjuntas, pois “não existem mais privilégios, tronos ou soberanias

epistemológicas”. (MORIN, 2000, p. 69)

Em essência, o que propõe a Epistemologia da Complexidade é que as

ciências do cérebro, do espírito, sociais e das idéias retroajam aos estudos dos

princípios que determinam os resultados. Elas não devem perder sua competência,

mas sim articulá-las com as outras competências, ligar-se em cadeia, formar um

circulo completo e dinâmico, um anel de conhecimento. Trata-se de formar uma

policompetência, ir além da especialização e da hiperespecialização.

Na prática, a proposta epistemológica se traduz pelo conceito de

Ecologia da Ação, entendendo que toda a ação existe num jogo de interações que

escapam muito rapidamente do seu autor. As ações são aleatórias, suscetíveis de

erros e falhas, desencadeiam processos inesperados e contraditórios. A eficácia de

uma ação pode ser forte no início e pode diminuir com o tempo, mas não se pode

prever impedir ou temer as conseqüências, apenas estudar melhor o jogo das inter-

relações. E estar consciente de que a ação não caminha na direção em que foi

lançada, pois o acaso e a diversidade modificam-na.

O acaso faz parte dessa nova concepção de ciência que utiliza o

princípio da Dialógica, ou seja, os fenômenos contraditórios que se completam e

envolvem uma ordem, desordem e organização. Essas idéias vieram da matemática,

como a teoria dos jogos, que demonstra a importância de um modo de componentes

aleatórios.

No entanto, no novo paradigma, só a matemática não basta. Morin

defende a necessidade do desenvolvimento de estratégias cognitivas de todas as

áreas do conhecimento capazes de tratar as incertezas. Essas, por sua vez,

permitiriam prognósticos nos domínios físicos biológicos e sociológicos. “O

tratamento estatístico não é suficiente para o conhecimento das interações no

interior de um fenômeno organizado. É necessário, portanto, recorrer a uma

concepção das interações e das inter – relações organizacionais” (MORIN, 2000,

p.106).

Assim, a possibilidade de ultrapassar uma incerteza ou contradição

evocou a criação de metassismas4; resolver um problema implica muitas vezes na

criação de outros sistemas, que levam ao infinito, tal qual é o conhecimento;

inacabado, mas que pode – e deve – ser perseguido. Trata-se da idéia complexa de

Progresso do Conhecimento.

Com todos esses conceitos, Morin demonstra que a Complexidade é

um infinito “mais ela se desenvolve, mais o pensamento encontra o complexo”.

(MORIN, 2000, p. 132).

Os desafios para o pensar complexo é reunir, tratar as incertezas e

realçar a lógica. Para isso, é necessário um Método como “uma ajuda à estratégia

de pensamento e não uma metodologia: ou seja, um programa a ser aplicado”

(MORIN, 2000, p 136), considerando-se que o Pensamento Complexo leva a

consciência do inacabado.

2.2.1 O método e os Sete Princípios da Complexidade

O método persegue o jogo dialético entre aspectos bons e maus da

ciência na sociedade. “O drama é que temos pensamentos compartimentados

enquanto os problemas são solidários. Um problema científico é também um

problema político, e ele próprio reconduz à ciência”. (MORIN, 2000, p. 154).

Também reintroduz a incerteza no pensamento considerando a polivalência, a

transdisciplinaridade, os acontecimentos, a desordem, as bifurcações.

4 Metassistema é um conceito que surgiu da matemática e é definido por; 1- abranger o sistema (teoria); 2- ser ao mesmo tempo mais rico em número de variáveis que o sistema; 3- inclui necessariamente os termos da problemática lógica que oferece a definição da verdade para o sistema /objeto/ teoria considerada.

A questão-chave do método envolve a relação entre incerteza e

complexidade; se no cartesianismo tinha-se a dificuldade de tratar as incertezas ou

os problemas eram tratados um a um (conhecimento mutilado), na complexidade, o

conhecimento das partes só tem sentido se ligado ao todo. “O problema da

complexidade é antes de tudo afrontar uma incerteza conceitual com relação aos

nossos hábitos de pensamento que supõe que para todos os problemas pode

apresentar uma resposta clara e distinta” (MORIN, 2000, p. 169).

Assim, para superar o problema do método, é preciso ter uma visão

hologramática, ou seja, cada uma das perspectivas que contém a outra em si. Por

exemplo, é de importância fundamental as interações entre indivíduos que geram e

suportam a sociedade, já que esses retroagem sobre ela.

Entender a diferença entre a inseparabilidade e a distinção também é

fundamental na busca do método. Distinguir é uma operação necessária a todo o

pensamento, enquanto isolar é uma operação de simplificação que não estabelece

relação entre o que separa e o que distingue. Mas, como defende Morin, o encanto e

a riqueza do pensamento é a capacidade de estabelecer as distinções e as relações

para jogar com os dois registros contraditórios. Afinal, o conhecimento é

caracterizado pelo movimento de vai-e-vem, um círculo que se faz em espiral, no

qual o ponto de retorno nunca é o mesmo da partida.

O vai-e-vem do todo em direção às partes requer um pensamento

recursivo. Não há nele continuidades e linearidades, mas sim saltos, patamares e

escalas que demandam mais de um observador. É por isso que o pensamento não

pode ser homogeneizado, é preciso considerar a relação entre o todo, mas também

entre as partes, pois só o holismo também seria uma forma de redução. Daí o

caráter epistemológico importante da totalidade: o conhecimento de um ponto de

vista deve ser o menos mutilante possível; deve ser multidimensional.

Há, na totalidade, buracos e zonas de sombra. Na complexidade eles

aparecem, pois é feita de interações que retroagem organizando comportamentos. A

soma das partes nunca é, portanto, igual ao todo. “A parte enquanto parte não deva

ser considerada irreversivelmente como subordinada ao todo enquanto todo.”

(MORIN, 2000, p. 179). A heterogeneidade reflete a dificuldade de pensar o universo

uno e múltiplo, unitas multiplex, a unidade na heterogeneidade e a heterogeneidade

na unidade. Heterogeneidade que não suprime, mas supõe a articulação das partes

- que nunca são iguais- e que compõe o todo.

Apenas identificar, homogeneizar e unificar foi o erro do método

moderno. “Frequentemente, as aproximações reducionistas se contentam em

acreditar que a lei ou o princípio da unidade, o algoritmo, constituem o ponto final do

conhecimento.” (MORIN, 2000, p. 181). É preciso agora saber do que se faz o

heterogêneo, o problema da unidade e de seu contrário. A complexidade obriga o

abandono do sonho de uma fórmula única; haverá sempre uma brecha, dualidade,

pluralidade.

Por isso, é fundamental na Complexidade a especificidade

antropossocial da ciência; a necessidade de um observador, da preparação, da

leitura, do método, do sujeito, sendo o que observa a si mesmo, carrega uma

subjetividade coletiva, um ser humano ego-etnocêntrico (tendência natural de se

colocar no centro do mundo, mas ir além de), com pesquisa permanente para se

conhecer como limitado, particular e situado, que possua um auto-exame capital.

As regras do jogo científico se aplicam muito mais dificilmente no domínio antropossocial, não somente por causa da complexidade dos objetos, mas

também por causa da relação sujeito-objeto, em que o objeto é também sujeito, e a grande dificuldade é auto-objetivar-nos (MORIN , 2000, p. 185).

Assim, o pesquisador é sujeito implicado, que permanece no centro da

pesquisa, é produtor e produto do conhecimento e possui uma forma de pensamento

paradoxal que permite uma melhor intuição, fundamental para o método que se

busca. Para esse, todo o problema é paradoxal, e só pode ser formulado

paradoxalmente, sendo a intuição parte de uma concepção mais abrangente de

homem, que envolve o biológico, o racional e o imaginário. “Não se trata somente da

consciência e do espírito, mas dos fantasmas, dos sonhos, das utopias, dos

projetos”. (MORIN, 2000, p. 190).

Embora, “A complexidade não se opera como uma metodologia. É uma

maneira de ver o mundo, de pensá-lo, de repensar a si próprio” (MORIN, 2000, p.

192), é no método que se busca a solução para a questão da complexidade: como

se conduzir num universo onde a ordem não é absoluta, a separabilidade limitada e

a lógica comporta buracos e a incerteza é uma constante.

As teorias da informação, dos sistemas e a cibernética (surgidas nos

anos 40 e que se fecundaram simultaneamente) auxiliam nessas questões. A

primeira é uma ferramenta para o tratamento da incerteza, da surpresa e do

inesperado. Entra no mundo da ordem (redundância) e da desordem (bruto) para

extrair o novo, a informação que, no seio de uma máquina cibernética, assume

forma organizadora/programadora e controla a energia, dando autonomia à

máquina. A cibernética baseia-se nas teorias das máquinas autônomas e envolve o

conceito de retroação: rompe o principio de causalidade linear e introduz o de círculo

causal, a regulação que gera autonomia no sistema a partir do feedback negativo. E

a teoria dos sistemas apresenta a idéia de que o todo é mais do que a soma das

partes, e que as qualidades emergentes que nascem da organização de um todo

podem retroagir às partes do sistema, pois a organização é feita ao mesmo tempo

com e contra a desordem.

Também complementam o método da complexidade a teoria da auto –

organização e elementos suplementares: noção hologramática, recursão

organizacional e dialógica. Essa última compartilhando da idéia de Pascal de que o

contrário de uma verdade não é um erro, mas uma verdade ao contrário. Já a

recursão organizacional vai além da retroação e regulação: é a auto-produção e auto

– organização que se apóia num círculo gerador no qual os produtos são

causadores do que produzem num ir e vir entre certezas/incertezas,

elementar/global, separável/inseparável.

O Pensamento Complexo é, pois, essencialmente o pensamento que trata com a incerteza e que é capaz de reunir (complexus: aquilo que é tecido conjuntamente), de contextualizar, de globalizar, mas ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o individual, o concreto (MORIN, 2000, p. 207).

A necessidade do método para o desenvolvimento do Pensamento

Complexo pretende, assim, a intercomunicação entre o todo e as partes para a

compreensão multidimensional de um fenômeno, seguindo sete princípios são

fundamentais.

2.2.2 Princípios Fundamentais

Edgard Morin, em “O Pensamento Complexo, um pensamento que

Pensa” (2000, p. 197), descreve os princípios complementares e independentes

para o pensar no Paradigma proposto. São eles: Sistêmico ou organizacional;

Hologramático; Circulo Retroativo; Circulo Recursivo; Auto-eco-organização;

Dialógico; Reintrodução do conhecimento em todo conhecimento.

O “Princípio sistêmico ou organizacional” é a ligação do conhecimento

das partes com o todo, de onde aparecem as Emergências: a organização de um

todo que produz qualidades ou propriedades novas em relação às partes

consideradas isoladas. Em função das qualidades (inibidas pela organização do

conjunto), o todo pode ser maior, menor e igual à soma das partes, o que

complementa o “Princípio Hologramático”; a evidencia dos paradoxos do sistema

complexo correspondente a inserção da parte no todo e do todo na parte.

O terceiro princípio (“Circulo Retroativo”) envolve os processos de

autonomia, auto – regulação e feedback positivo e negativo do sistema. O feedback

positivo reduz os desvios para a estabilização e o negativo trabalha como um

mecanismo amplificador. “Inflacionados ou estabilizados, as retroações são legiões

de fenômenos econômicos, sociais, políticos ou psicológicos.” (MORIN, 2000, p.

210). É diferente do “Circulo Recursivo” que envolve a auto-produção e auto-

organização do sistema, ou seja, os produtos e efeitos que são produtores e

causadores do que os produz.

“Auto-eco-organização” corresponde ao quinto princípio, à idéia de

autonomia e dependência em sistemas que se auto-organizam e auto-produzem

ininterruptamente, mas que guardam energias para salvaguardarem-se.

No “Dialógico”, unem-se dois princípios ou noções que deveriam se

excluir, mas que são indissociáveis numa mesma realidade fazendo o caminho da

ordem/desordem/organização. Daí é permitido assumir racionalmente a associação

de fenômenos contraditórios para concebê-los como um imenso fenômeno

complexo.

Por fim, o sétimo princípio, a “Reintrodução do conhecimento em todo

conhecimento” é onde o sujeito é restaurado, dentro da problemática cognitiva

central: todo o conhecimento é uma reconstrução/tradução de um espírito/ cérebro

em cultura e tempos determinados. A lógica desse pensamento elimina a lógica pela

transgressão que advém de um ir e vir incessante entre antagônicos e

complementares.

Com esses sete princípios, opera-se a essência da complexidade:

transformar o ininteligível percebido pelo potencialmente inteligível concebido, ou

seja, o desenvolvimento da Inteligência. Essa entendida como a ação de:

compreender mutuamente o resultado da própria ação; refletir (compreender a si

mesmo); representar uma situação; conhecer; ajustar a representação em seus

resultados, hipóteses e estratégias que possibilitam escolhas.

2.2.1 A inteligência

Uma tentativa de definição para a complexidade é a de que complexo é

o que se faz ou o que se torna ou a possibilidade de fazer e se tornar. Daí vem a

idéia de Inteligência da Ação, que é exercitada pela organização. Num fenômeno, a

Inteligência da Ação manifesta-se na capacidade de reconhecer os atos, ações,

funcionamentos, comportamentos. São índices que permitem o acesso aos

enunciados que descrevem o fenômeno e estabelecem referências aos verbos

indicadores da ação. Envolvem: processos, processadores, funcionamentos,

movimentos, transformação e evolução. Com esses domínios, é possível propor um

modelo reproduzível e programado conhecendo o contexto do projeto da ação. “Um

outro olhar, um outro modo de representação que privilegia o ato e não mais o ser, o

movimento e não mais a substância imóvel” (MOIGNE, 2000, p. 228).

Assim, a Inteligência da Ação é a concepção da percepção da ação de

perceber e modelizar os fenômenos complexos e a inteligência dos mesmos numa

tentativa de apreensão através da sua ação e não do seu estado. A organização das

ações necessita das inter-ações, trans-ações (passagem da causalidade linear para

a circular), retro-ações e re-ações que formam a organização ativa (organizaction).

Ação é qualquer forma de articulação inteligível, de jogo, intermediação

que suscita a ocorrência de comportamentos imprevisíveis e inteligíveis, formando a

organização (fenômeno organizado adicionado ao produto da organização e o

organizante). Vai mediar a relação entre matéria e energia, a informação e a

organização que mantém, reúne e produz (transforma) a ação e seu resultado. “A

organização é a ação de, ao mesmo tempo, manter e se manter, reunir e se reunir,

produzir e se reproduzir” (MOIGNE, 2000, p. 236). Na prática, ocorre através da

articulação das funções de fazer, regular, informar, memorizar, decidir, coordenar,

imaginar, finalizar, onde a complexidade aparece como um instrumento modelizador.

Aí aparece a Ética da Compreensão como a produção e uso dos

conhecimentos que se constroem na interação permanente da ação e da pesquisa.

Corresponde a idéia apresentada por LE MOIGNE (2000) de que é preciso trabalhar

para “pensar bem” na pragmática (inteligência da ação humana e da práxis) e ética

na compreensão. Pensar bem é pensar projetos e atos na complexidade, contexto,

intenções, reciprocidade e reversibilidade para um novo entendimento; reunir sem

parar a elaboração dos fins e inventar ou escolher os meios, sem separá-los,

ativando a inteligência.

A Inteligência ativa está atuante no jogo de complementaridade

presente na relação com a complexidade: a inteligência ergue e descobre as faces

escondidas da complexidade e a complexidade busca ativar a inteligência. Por esse

motivo que a reforma do pensamento proposta por Edgar Morin deve processar-se

pela reforma do ensino e vice-versa. Pensar o novo Paradigma, portanto, implica em

pensar uma nova educação.

3 UMA NOVA EDUCAÇÃO

A reforma do Pensamento de Morin propõe prima pela reunião entre a

Ciência e a Filosofia no emprego da Inteligência (entendimento) num ensino que

ligue as duas culturas (a humanista e a científica) disjuntas pelo paradigma da

modernidade. Só é possível concretizá-la a partir da reforma da educação, pois

essa, ao mesmo tempo em que estabelece relações de dominação é também

semente de transformação.

Para Morin, a reforma do pensamento vem das bases. Deve começar

no nível de ensino elementar, já que as crianças fazem funcionar espontaneamente

as percepções sintéticas e analíticas e espontaneamente sentem as ligações e

solidariedades entre as coisas. A escola deve compreender e viver a solidariedade

em diversas dimensões e sob os mais variados e múltiplos aspectos, como superar

o currículo mínimo e fragmentado das disciplinas que pecam quantitativamente e

qualitativamente por não oferecer a visão do todo, do curso, do conhecimento uno,

da comunicação e do diálogo entre os saberes; não integram, complementam ou

favorecem a perspectiva de conjunto e globalização.

As crianças aprendem a história, geografia, a química e a física dentro de categorias isoladas sem saber, ao mesmo tempo, que a história sempre se situa dentro de espaços geográficos e que cada paisagem geográfica é fruto de uma história terrestre; sem saber que a química e a microfisica tem um mesmo objeto, porém, em escalas diferentes. As crianças aprendem a conhecer os objetos isolando-os, quando seria preciso também, recolocá-los em seu meio ambiente para melhor conhecê-los, sabendo que todo ser vivo só pode ser conhecido na sua relação com o meio que o cerca, onde vai buscar energia e organização. (MORIN, in PETRAGLIA, 1995, p. 68).

O conhecimento que liga as disciplinas ocorre através do que Morin

chama de transdisciplinaridade. A prática transdisciplinar (colaboração e

comunicação entre as disciplinas, guardadas as especificidades de cada uma) em

detrimento da usual interdisciplinar faz o intercâmbio e a articulação que supera e

desmorona toda e qualquer fronteira inibidora e repressora de redução e

fragmentação do saber, ou seja, o isolamento do conhecimento em territórios

delimitados pelas disciplinas. Na transdisciplinaridade não há espaço para conceitos

fechados e pensamentos estanques, enclausurados em gavetas disciplinares;

buscam-se todas as relações que possam existir em todo conhecimento, nas

interligações de Sujeito-Objeto-Ambiente.

A proposta envolve a reflexão e ampliação das discussões das

relações entre os conteúdos entre as disciplinas e também delas com o curso e com

a vida. Para Morin, o conhecimento está ligado à vida e faz parte da natureza

humana, das ações cerebrais, biológicas, espirituais, culturais, lingüísticas, sociais,

políticas e históricas. Abrange características individuais, existenciais, subjetivas e

objetivas norteadas pela razão, paixão, prazer e dor. O ser condiciona o conhecer e

vice-versa a partir do processo auto-eco-organizador de autoconhecimento, no qual

o indivíduo – sujeito- transforma-se, constrói sua identidade, aprende sempre e

coloca o aprendizado em função do meio ambiente.

Associada a capacidade de aprender está o desenvolvimento das

competências inatas do indivíduo em adquirir conhecimentos, as influências e

estímulos externos, da cultura. É uma cognição denominada de inato-adquirido-

construído, que envolve a união do conhecimento ao desconhecido no ato de

aprender. Trata-se do Heteroautodidadismo, isso é, a idéia de que o único

conhecimento verdadeiro é o adquirido por si mesmo (devido às apostas investidas

pelo sujeito) somado à presença do outro e dos sistemas educacionais.

O desenvolvimento das competências inatas anda a par do desenvolvimento das aptidões para adquirir, memorizar e tratar o conhecimento. É pois, esse movimento espiral que nos permite compreender a possibilidade de aprender. Aprender não é apenas reconhecer o que, de maneira virtual, já era conhecido. Não é apenas transformar desconhecido em conhecimento. É a conjunção do reconhecimento e da descoberta. Aprender comporta a união do conhecido e do desconhecido. (MORIN in PETRAGLIA, 1986, p.61)

Tal caminho representa a mudança de mentalidade e compreensão do

mundo que propõe a Complexidade: renovar e renovar-se sempre numa concepção

multidimensional e globalizante na qual a pessoa (mais que o indivíduo) é sujeito

planetário. É uma proposta de educação que parte da escola, mas vai além dela,

afinal, “A educação, como aquisição humana, se dá informalmente através da

relação que o indivíduo estabelece com o seu meio, e sistematicamente, dentro da

escola. Ela não está isenta da influência do contexto social” (MESSAGI, 1997, p.

12).

Dessa forma, os sistemas e a prática pedagógica precisam ser

repensados; nas condições em que reproduzem os saberes, são máquinas para

matar a curiosidade e a inteligência, canalizando-as em pequenos domínios e não a

colocando ativa.

Para promover uma educação complexa os educadores e a escola

devem considerar que a construção da identidade escolar passa pela construção

individual da identidade de seus membros (sujeitos do processo) e do processo de

conhecimento desenvolvido pela instituição. Devem compreender a teia de relações

existente entre todas as coisas para pensar, ao mesmo tempo, a ciência una e

múltipla.

Na escola também é preciso distinguir e não separar algumas práticas

pedagógicas cotidianas para evitar a elaboração de conhecimentos parcelados

advindos do pensamento linear e construir um saber com visão conjunta do todo sob

muitos aspectos. “É necessário que no processo de construção de conhecimento

que ocorre na escola fiquem claras para alunos e professores todas as relações que,

de forma ou de outra, se fazem presentes na prática pedagógica.” (PETRAGLIA,

1995, p.7).

Morin fala sobre o desenvolvimento de uma “imunologia de si mesmo”

(PETRAGLIA, 1995, p. 70) dos membros escolares. É a auto-afirmação e o

autoconhecimento de cada indivíduo que o coloca a serviço da construção da

identidade, que determina a identidade do si, de todo o ser enquanto indivíduo. A

partir dessa identidade se pode conceber o conhecimento /reconhecimento de si

relativamente ao não si, pois se o organismo não se conhece a si próprio, não pode

detectar a presença do outro.

Educar, nessa perspectiva, passa necessariamente pela noção de

sujeito inserido em um contexto de “Cidadãos atentos ao sentido de suas ações”

(MORIN, 2000, p. 22) e pela cultura tomada no seu conjunto, de acordo com a LDB

(BRASIL, 1996) ao afirmar que a educação tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando, o preparo para o exercício da cidadania e a

qualificação para o trabalho.

Assim, novas políticas pedagógicas precisam ser pensadas em todos

os níveis. Como afirma Célio da Cunha, assessor da UNESCO, na contracapa de

“Os sete saberes necessários à Educação do Futuro” (MORIN, 1999);

... a política pedagógica precisa converter-se em um instrumento que conduza o estudante a um diálogo criativo com as dúvidas e interrogações

do nosso tempo, condições necessárias para uma formação cidadã. Não se pode mais ignorar a urgência de universalização da cidadania, que, por sua vez, requer uma nova ética e, por conseguinte, uma escola de educação e cidadania para todos (CÉLIO DA CUNHA, in MORIN, 1999).

Essa obra trata-se de um relatório solicitado a Edgard Morin para

apontar alternativas na educação do século XXI, tendo em vista o caminho que a

humanidade percorreu desde a modernidade até o século XX na formação humana

e no desenvolvimento e organização do conhecimento, como será apresentado a

seguir.

3.1 Os sete saberes da educação

Na perspectiva da complexidade, a educação do futuro deve

preocupar-se em ensinar sete saberes fundamentais. São eles: 1- “As cegueiras do

conhecimento: o erro e a ilusão”; 2-“O conhecimento pertinente”; 3- “A condição

humana”; 4- “A identidade terrena”; 5- “Enfrentar as incertezas”; 6 - “A

compreensão” e; 7- “A ética do gênero humano”. Cada um deles se apresenta

resumidamente a seguir;

3.1.1 As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilus ão

Trata-se da importância de fazer conhecer o que é conhecer, ou seja,

examinar a natureza do conhecimento e integrar o conhecedor em seu

conhecimento. Para isso, é preciso evitar o maior erro (subestimar o problema do

erro) e a maior ilusão (não reconhecer a ilusão).

É um processo complexo porque, em essência, erro e ilusão não se

reconhecem como tais. O papel da educação, portanto, deve ser o de identificar a

origem desses erros e ilusões. Elas podem ser mentais (self –deception),

intelectuais (doutrinas, teorias, ideologias) ou da razão (diferença entre ser racional

e racionalizador).

A necessidade de reconhecer no futuro um princípio de incerteza racional: a racionalidade corre risco constante, caso não mantenha vigilante a autocrítica quanto a cair na ilusão racionalizadora. Isso significa que a verdadeira racionalidade não é apenas teórica, apenas crítica, mas também autocrítica (MORIN, 1999, p. 24).

O jogo entre a verdade e o erro acontece profundamente na zona

invisível dos paradigmas: os indivíduos pensam e agem segundo os paradigmas

inscritos culturalmente neles, pois são os promovedores/selecionadores de

conceitos mestres da inteligibilidade. É onde as idéias se integram no discurso ou na

teoria (ou ao contrário, são colocadas de lado ou rejeitadas). Paradigma também é o

que determina as operações lógicas-mestras, isso é, privilegia determinadas

operações lógicas em detrimento de outras, atribuindo à elas a validade e

universalidade que a lógica elegeu. Assim, o paradigma é responsável por:

selecionar e determinar as conceptualizações e operações lógicas; designar as

categorias fundamentais da inteligibilidade; operar o controle dessas categorias;

desempenhar um papel subterrâneo e soberano nas teorias, doutrinas e ideologias;

ser inconsciente, mas irrigar o pensamento consciente controlando-o supra

conscientemente; instaurar relações primordiais que constituem axiomas,

determinam conceitos e comandam discursos e/ou teorias; organizar a organização

deles e gerá-los ou regenerá - los.

A relação lógica prescrita pelo grande paradigma do ocidente

(cartesiano), é a disjunção. Essa aparece no determinismo dos paradigmas e

modelos explicativos da ciência, como ocorre em todo paradigma, já que envolve:

... o determinismo de convicções e crenças que reinam na sociedade e impõem a todos e a cada um a força imperativa do sagrado, a força normalizadora do dogma, a força proibitiva do tabu. As doutrinas e ideologias dominantes dispõem, igualmente, da força imperativa que traz a evidência aos convencidos e da força coercitiva que suscita o medo inibidor nos outros. O poder imperativo e proibitivo conjunto dos paradigmas, das crenças oficiais, das doutrinas reinantes e das verdades estabelecidas determina os estereótipos cognitivos, as idéias recebidas sem exames, as crenças estúpidas não contestadas, os absurdos triunfantes, a rejeição de evidências em nome da evidência, e faz reinar em toda parte os conformismos cognitivos e intelectuais (MORIN, 1999, p.27).

Tal conformismo aparece como Imprinting Cultural, ou seja, a marca

matricial que inscreve o conformismo a fundo e a normalização que elimina o que

poderia contestá-lo. É o primeiro selo da cultura familiar, seguido da escolar,

universitária e profissional. Também traz a necessidade do desenvolvimento de uma

Noologia flexível.

A Noologia é entendida como possessão; as crenças e as idéias são

produtos da mente, mas também são seres mentais que tem vida própria e poder;

podem nos possuir. A noosfera (a esfera das coisas do espírito) produz mitos que

enriquecem, mas também massacram a cultura humana. Por isso a necessidade de

conhecê-los e flexibilizá-los.

As sociedades domesticam os indivíduos por meio de mitos e idéias, que, por sua vez, domesticam as sociedades e os indivíduos, mas os indivíduos poderiam, reciprocamente, domesticar as idéias, ao mesmo tempo em que poderiam controlar a sociedade que os controla. No jogo tão complexo (complementar-antagônico-incerto) de escravidão – exploração- parasitismos mútuos entre as três instâncias (indivíduo/sociedade/noosfera) talvez possa haver lugar para uma pesquisa simbiótica (MORIN, 1999, p. 29).

O conceito de noosfera aplicado a uma idéia ou teoria entende que

essa não deveria ser instrumentalizada nem impor seu veredicto de modo

autoritário, mas sim ser relativizada e domesticada, pois deve ajudar e orientar

estratégias cognitivas que não são dirigidas pelos sujeitos humanos.

No conhecimento, para evitar o erro e a ilusão é fundamental estar

preparado para trabalhar com o inesperado, afinal, o novo brota sem parar e não é

possível prever como se apresentará. O que deve ser feito é saber esperar a

chegada, pois quando o inesperado se manifesta, é preciso ser capaz de rever as

teorias e idéias e deixar o fato novo entrar à força na teoria incapaz de percebê-lo.

Reforçam-se assim, a certeza da incerteza do conhecimento e a

necessidade de destacar, em qualquer educação, o conhecimento do conhecimento

e as grandes interrogações sobre as possibilidades de conhecer. O conhecimento

permanece como aventura para qual a educação deve fornecer o apoio

indispensável.

Existem condições bioantropológicas (cérebro/mente), socioculturais

(cultura aberta: troca de idéias) e noológicas (teorias abertas) que permitem

verdadeiras interrogações: fundamentos sobre o princípio do mundo, do homem e

do próprio conhecimento. Elas vêm da busca da elaboração de metapontos de vista,

que permitem reflexividade e comportam especialmente a integração

observador/conceptualizador na observação-concepção e a ecologização da

observação-concepção no contexto cultural e mental do sujeito/objeto. O problema

chave é instaurar a convivialidade com as idéias e mitos, que demanda o

intercâmbio entre diferentes zonas da mente, bem como civilizar as teorias,

desenvolvê-las abertamente, racionais, críticas, reflexivas, autocríticas e aptas para

se auto-reformar.

Para que haja um progresso de base no século XXI, os homens e as mulheres não podem mais ser brinquedos inconscientes não só de suas idéias, mas das próprias mentiras. O dever principal da educação é de armar cada um para o combate vital da lucidez. (MORIN, 1999, p.33)

3.1.2 Os princípios do conhecimento pertinente

São os princípios que buscam promover o conhecimento capaz de

apreender problemas globais e fundamentais para neles inserir os conhecimentos

parciais e locais, ou seja, apreender os objetos em seu contexto, totalidade e

conjunto. Para tanto, é necessário que se ensinem métodos que permitam

estabelecer as relações mútuas e influências recíprocas entre o todo e as partes.

Deve-se, partir do pressuposto da imperfeição cognitiva: o contexto é o

próprio mundo do sujeito/objeto. A era planetária precisa situar tudo no contexto e no

complexo planetário a partir de uma reforma paradigmática e não programática,

afinal, a questão fundamental da educação refere-se à aptidão de organizar o

conhecimento. Na inadequação desse tornam-se invisíveis o contexto, o global, o

multidimensional e o complexo.

Assim, objetiva-se situar as informações e os dados em seu contexto

para que adquiram sentido. No global, o conjunto das diversas partes liga-se ao

contexto de modo inter-retroativo ou organizacional. “Assim como cada ponto

singular de um holograma contém a totalidade da informação do que representa,

cada célula singular, cada indivíduo singular contém de maneira ‘hologrâmica’ o todo

do qual faz parte e que ao mesmo tempo faz parte dele” (MORIN, 1999, p.38).

No multidimensional, todas as unidades são complexas. Por exemplo,

o ser humano é biológico, afetivo, psíquico, racional e afetivo e a sociedade é

histórica, econômica, sociológica... Trata-se de uma dimensão que está em

permanente retroação com todas as outras dimensões, como é o princípio

hologrâmico.

Compreender contexto é a essência do complexo. São elementos

diferentes e inseparáveis que constituem o todo (econômico, político, sociológico,

psicológico, afetivo, mitológico), interdependente, interativo e inter-retroativo entre o

objeto do conhecimento e seu contexto, a parte e o todo, o todo e as partes, as

partes entre si. É a união entre multiplicidade e unidade que promove a Inteligência

Geral e trabalha com a antinomia de contextualizar os saberes e integrá-los nos

seus conjuntos naturais (e cujas mentes formadas pelas disciplinas perdem suas

aptidões). Dessa forma, quanto mais poderosa a inteligência geral, mais apta esta a

mente para tratar dificuldades específicas.

A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Esse uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que com freqüência a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar (MORIN, 1999, p. 39).

A disjunção e especialização fechada, a redução e a falsa

racionalidade são problemas essenciais que impedem o desenvolvimento da

Inteligência Geral. Na disjunção e especialização fechada, a hiperespecialização

(especialização que se fecha sobre si mesma, sem permitir a integração na

problemática global ou na concepção de conjunto do objeto do qual ela só considera

um aspecto ou parte) impede a concepção do global e do essencial: o primeiro

fragmenta em parcelas e o segundo dissolve. A redução leva naturalmente a

restringir o complexo ao simples, aplicar às complexidades vivas e humanas a lógica

mecânica e determinista da máquina artificial, cega e conduz a exclusão o que não é

quantificável e mensurável, “eliminando, dessa forma, o elemento humano do

humano, isto é, as paixões, emoções, dores e alegrias. Da mesma forma, quando

obedece estritamente ao postulado determinista, o princípio de redução oculta o

imprevisto, o novo e a invenção” (MORIN, 1999, p.42). Esse exercício é

fundamental na educação, pois a “incapacidade de organizar o saber disperso e

compartimentado conduz à atrofia da disposição mental natural de contextualizar e

de globalizar” (MORIN, 1999, p.43).

A falsa racionalidade subordina-se às Inteligências Artificiais que se

instalam nas mentes em profundidade sob forma de tecnocracia através de um

pensamento incapaz de compreender o vivo e o humano por só acreditar no

operacional.

O século XX viveu sob o domínio da pseudoracionalidade que presumia ser a única racionalidade, mas atrofiou a compreensão, a reflexão e a visão em longo prazo. Sua insuficiência para lidar com problemas mais graves constituiu um dos mais graves problemas para a humanidade (MORIN, 1999, p.45).

3.1.3 Ensinar a condição humana

Esse é o objeto essencial de todo o ensino. A condição humana é

comum a todos os humanos e envolve as dimensões física, biológicas, psíquica,

social e histórica do ser. Deve ser tomada pela consciência como a identidade

complexa; reconhecer a humanidade comum e ao mesmo tempo culturalmente

diversa. Por isso, é fundamental situar o humano no universo (ou seja, não separá-lo

do humano) e questionar sua posição no mundo. Nessa perspectiva, o ser esta

dentro e fora (enraizamento/desenraizamento) do cosmos e da natureza, pois toda

esfera viva passa pelas condições cósmica, física, terrestre e humana.

A condição cósmica é o abandono da idéia de universo ordenado,

perfeito para concebê-lo como um universo nascido pela irradiação, que vive o devir,

é disperso e que nele atuam: complementar, antagônico, concorrente, ordem,

desordem, organização e uma auto-organização viva. A condição física é a

compreensão de que o ser vivo é um elemento da diáspora cósmica, migalhas da

existência solar, diminuto broto da existência terrena; e a condição terrestre entende

que o planeta erra no cosmo e o ser humano deve assumir as conseqüências da

situação periférica e marginal: como ser vivo da terra, depende da biosfera e deve

reconhecer a identidade terrena física e biológica. A condição humana preza que;

Somos originários do cosmos, da natureza, da vida, mas, devido à própria humanidade, à nossa cultura, à nossa mente, à nossa consciência, tornamo-nos estranhos a este cosmos, que nos parece secretamente íntimo. Nosso pensamento e nossa consciência fazem-nos conhecer o mundo físico e distanciam-nos dele. O próprio fato de considerar racional e cientificamente o universo separa-nos dele. Devolvemo-nos além do mundo físico e vivo. É neste “além” que tem lugar a plenitude da humanidade. (MORIN, 1999. p.51).

Nesta plenitude, considera-se o humano do humano, isso é, a

unidualidade originária que nos faz ao mesmo tempo biológico e cultural. A cultura

acumula em si o que é conservado, transmitido, aprendido, e comporta normas e

princípios de aquisição.

O circuito cérebro/mente/cultura é a tríade que se baseia no princípio

de que a mente humana é uma criação que emerge e se afirma na relação cérebro-

cultura: intervém no funcionamento cerebral e retroage sobre ele. O biológico, ou

melhor, bioantropológico, aparece no circuito razão/afeto/pulsão, a tríade que

concebe o cérebro triúnico paleocéfalo (reptiliano), mesocéfalo (mamíferos) e o

córtex (com neocórtex nos humanos).

Assim, emerge outra face da complexidade humana, que integra a animalidade (mamífero e réptil) na humanidade e a humanidade na animalidade. As relações entre as três instâncias são não apenas complementares, mas também antagônicas comportando conflitos bem conhecidos entre a pulsão, o coração e a razão (...) a racionalidade não dispõe, portanto, de poder supremo. É uma instância concorrente e antagônica às outras instancias de uma tríade inseparável, e é frágil: pode ser dominada, submersa ou mesmo escravizada pela afetividade ou pela pulsão. (MORIN, 1999, p.53).

Também há o circuito indivíduo/sociedade/espécie, que se relaciona

com as interações que os indivíduos produzem na sociedade, testemunha o

surgimento da cultura e por meio dela e retroage sobre os indivíduos. Essa cultura

carrega em si a unidade e diversidade humana (unitas multiplex) e é à educação que

cabe divulgar tal idéia. Unidade/diversidade deve ser ilustrado pela educação em

todas as esferas: individual, social, cultural e das pluralidades (do indivíduo, do

homo sapiens/demens e do homo complexus).

Na esfera individual existe a unidade/diversidade genética, cerebral,

mental, afetiva, intelectual e subjetiva. Na social, a das línguas/linguagem e na

cultural a relação entre cultura e culturas, já que a “cultura existe apenas por meio

das culturas” (MORIN, 1999, p.36).

(...) o duplo fenômeno da unidade e da diversidade das culturas é crucial. A cultura mantém a identidade humana naquilo que tem de específico; as culturas mantêm as identidades sociais naquilo que têm de específicas. Culturas são aparentemente fechadas em si mesmas para salvaguardar sua identidade singular. Mas, na realidade, são também abertas: integram nelas não somente os saberes e técnicas, mas também idéias, costumes, alimentos, indivíduos vindos de fora. As assimilações de uma cultura a outra são enriquecedoras. (MORIN, 1999, p.57).

O homem na concepção complexa de cultura traz em si, de modo

bipolarizado, caracteres antagonistas: sapiens/demens (sábio e louco); faber e

ludens (trabalhador e lúdico); empiricus e imaginarius (empírico e imaginário);

economicus e consumans (econômico e consumista); prosaicus e poéticus (prosaico

e poético). Quer dizer que ele não vive só de técnica, mas também se desgasta,

entrega, se dedica a danças, transes, mitos, magias, ritos, crenças, sacrifícios,

preocupa-se com a morte em vida.

Nessas dimensões, conceber o Homo complexus é ver o ser humano

em sua circunstância infantil, neurótica, delirante e racional, simultaneamente. Elas

coexistem; a confusão entre o objetivo e o subjetivo, real e imaginário torna-se

explícita na ruptura dos controles (racionais, culturais, materiais), havendo a

“hegemonia de ilusões, o excesso de desencadeado” (MORIN, 1999, p.60). É

quando se diz que o Homo demens submete ao Homo sapiens e subordina a

inteligência racional para o alívio dos medos humanos.

O desenvolvimento técnico e científico que produziu a ciência que

dominou a terra ocorreu em função dos progressos da complexidade. Esses, por sua

vez, só se fazem apesar e a partir da loucura humana.

A possibilidade do gênio decorre de que o ser humano não é completamente prisioneiro do real, da lógica (neocórtex), do código genético, da cultura, da sociedade. A pesquisa, as descobertas avançam no vácuo da incerteza e da incapacidade de decidir. O gênio brota na brecha do incontrolável, justamente onde a loucura ronda. A criação brota da união entre as profundezas obscuras psicoafetivas e a chama viva da consciência (MORIN, 1999, p. 62).

3.1.4 Ensinar a identidade terrena

Trata-se de ensinar a história da era planetária que se inicia com o

estabelecimento da comunicação entre todos os continentes no século XVI e que

solidarizou as partes do mundo na fase da planetarização ou mundialização (final do

século XX), mas também desencadeou as opressões e a dominação. Essa

complexa crise planetária sufoca e é sufocada pelas possibilidades de inteligibilidade

humana.

Tal contexto traz em si o problema vital da intersolidariedade complexa

dos problemas, antagonismos, crises, processos descontrolados. Aparece o

agravamento da dificuldade de conhecer o mundo, pois o modo de pensar que

atrofiou o ser humano não desenvolveu a aptidão de contextualizar e de globalizar -

conceito, aliás, que não se aplica totalmente ao planeta, pois, como afirma MORIN,

(1999, p. 64) esse não é apenas um sistema global, e sim “um turbilhão em

movimento, desprovido de centro organizador”. Daí a necessidade de um

pensamento complexo e policêntrico capaz de apontar o universalismo. Esse

pensamento não é abstrato e sim consciente da unidade/diversidade, da condição

humana; é nutrido das culturas do mundo.

Na era planetária, a diáspora da humanidade levou à riqueza de

diversidade em todos os domínios: línguas, culturas, destinos, fontes de inovação e

de criação (cuja unidade geradora é a própria humanidade). Mas a dominação do

ocidente europeu sobre o resto do mundo também provocou catástrofes de

civilização, destruição irremediável e conduziu à escravidão. A era planetária abriu-

se e desenvolveu-se na e pela violência, pela destruição, pela exploração feroz, pelo

aporte da civilização européia aos continentes, com armas, técnicas, concepções

em todos os seus entrepostos, pedágios e zonas de penetração. Provocou duas

guerras mundiais, duas crises econômicas mundiais e a generalização da economia

liberal.

Nesse contraditório desenvolvimento, cada parte do mundo faz parte

do mundo e o mundo como um todo, está cada vez mais presente em cada uma de

suas partes e da mesma forma que essa noção se verifica nas nações e povos, se

verifica também nos indivíduos. A mundialização é ao mesmo tempo evidente,

subconsciente e onipresente, unificadora e conflituosa, pois criou e dividiu um tecido

planetário único cujos fragmentos ficaram isolados, eriçados e intercombatentes. O

desenvolvimento foi concebido unicamente de modo técnico –econômico que

chegou a um ponto insustentável. Daí a necessidade de “uma noção mais rica e

complexa do desenvolvimento que seja não somente material, mas também

intelectual, afetiva, moral... “(MORIN, 1999, p. 70).

Nessa contextualização, Morin demonstra que o legado do século foi a

aliança entre duas barbáries: a da profundeza dos tempos (da guerra, massacre,

deportação e fanatismo) e a da racionalização (só conhece o cálculo e ignora o

indivíduo, o corpo, os sentimentos, a alma). As barbáries são duplas: geram morte e

nascimento, como se evidenciou nas armas nucleares e na ecologia em função da

dominação desenfreada da natureza pela técnica.

No entanto, se a dialógica humana cérebro/mente não está encerrada,

é possível encontrar recursos criativos inesgotáveis para vislumbrar um terceiro

milênio de nova criação, baseado na cidadania terrestre. E à educação -

responsável pela transmissão do antigo e abertura da mente para o novo – também

cabe essa missão, já iniciada com algumas contracorrentes que deixaram

contribuição para o século XX. São elas: ecológica; qualitativa; resistência à vida

prosaica puramente utilitária; resistência à primazia do consumo; emancipação em

relação à tirania onipresente do dinheiro; reação ao desencadeamento da violência.

Essas correntes intensificar-se-ão e ampliar-se-ão ao longo do século XXI para

constituir múltiplos focos de transformação, embora a verdadeira transformação só

ocorra com a “intertransformação de todos, o que opera uma transformação global,

que por sua vez retroage sobre as transformações individuais” (MORIN, 1999,

p.74).

Poder-se-ia esperar, igualmente, que a necessidade de volta às raízes, que mobiliza hoje fragmentos dispersos da humanidade e provoca a vontade de assumir identidades étnicas ou nacionais, pudesse aprofundar-se e ampliar-se sem negar-se a si mesmas, nesta volta às raízes, ao seio da identidade humana de cidadãos da Terra-pátria (MORIN, 1999, p.73).

Assim, nesse jogo contraditório dos possíveis, podemos - e devemos -

também contar com as inesgotáveis fontes do amor humano, afinal, as

possibilidades oferecidas pelo desenvolvimento podem ser igualmente prodigiosas

para o bem e o mal, em todos os domínios da produção humana, inclusive na

própria noção de amor;

Certamente o século XX sofreu terrivelmente de carência afetiva, de indiferença, de dureza e de crueldade. Mas produziu também o excesso de amor consagrado a mitos enganosos, ilusões, falsas divindades ou que se petrifica em fetichismos menores como uma coleção de selos (MORIN, 1999, p.75)

Tendo em vista a experiência que conduziu à Era Planetária, cabe

somente ao homem mudar o futuro do século XXI. E a mudança está no uso da

mente, nas possibilidades cerebrais ainda em grande parte inexploradas, afinal, ela

pode desenvolver aptidões ainda desconhecidas pela inteligência, pela

compreensão e pela criatividade, das quais pode advir o progresso nas relações

entre humanos, indivíduos, grupos, etnias, nações. São as possibilidades

antropológicas, sociológicas, culturais e espirituais que restauram as possibilidades

de esperança estão relacionadas com as cerebrais.

A diferença do que foi construído até então está no fim da certeza

científica, da promessa histórica. Agora fala-se de possibilidade incerta que depende

muito da tomada de consciência, da vontade, da coragem e da oportunidade,

princípios urgentes e primordiais. “Aquilo que porta o pior perigo traz também as

melhores esperanças: é a própria mente humana, e é por isso que o problema da

reforma do pensamento tornou-se vital.” (MORIN, 1999, p.75).

Essa reforma acontece, portanto, pela consciência da identidade e a

consciência terrena; é um sentimento de pertencimento mútuo que une o ser à terra,

considerada como primeira e última pátria, identidade comum, filiação afetiva e

comunidade de destino humano. Trata-se de aprender a estar aqui no planeta;

aprender a dividir, comunicar, comungar, ser, viver como humanos do planeta terra e

não apenas de uma cultura. E só é possível nas e por meio das culturas singulares,

compreendendo a consciência antropológica (unidade na diversidade), ecológica

(sonho prometeico do domínio do universo para nutrir a aspiração de conviabilidade

sobre a terra), cívica terrena (responsabilidade e solidariedade), espiritual (crítica,

autocrítica e compreensão mútua).

Por isso é fundamental o encontro com passado; o encontro da energia

para enfrentar o presente e preparar o futuro, melhor e complementar, não mais

antagônico ao reencontro com o passado, mas sim, de afirmação de identidade, de

projeção das aspirações e esforços.

É o fim da era da fecundidade dos Estados-Nações dotados de poder,

o que não significa, contudo, desintegrá-los, mas sim respeitá-los, integrá-los em

conjuntos e fazê-los respeitar o conjunto do qual fazem parte. “O mundo

confederado deve ser policêntrico e acêntrico, não apenas política, mas também

culturalmente” (MORIN, 1999, p. 77). É uma religação que substitui a disjunção e

apela à simbiosofia; a sabedoria de viver junto, considerando a unidade, mestiçagem

e a diversidade (produto e produtor) contra a homogeneização e o fechamento.

Essa religação e unidade vão ao âmago da identidade mestiça (cultural e racial),

cultiva a poliidentidade, integra a identidade familiar, regional, étnica, nacional,

religiosa ou filosófica, continental e terrena. “O duplo imperativo antropológico

impõe-se: salvar a unidade humana e salvar a diversidade humana. Desenvolver

nossas identidades a um só tempo concêntricas e plurais: a de nossa etnia, a de

nossa pátria, a de nossa comunidade e de civilização, enfim, a de cidadãos

terrestres”. (MORIN, 1999, p.78).

3.1.5 Enfrentar as incertezas

“É preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a

um arquipélago de certezas”. (MORIN, 2000, p. 16). Nesse principio, busca-se incluir

o ensino das incertezas surgidas nas ciências físicas, biológicas e históricas e

desenvolver as estratégias para enfrentar os imprevistos e o inesperado.

Isso porque ainda não estamos prontos para o inesperado, mesmo

com a descoberta da perda do futuro e da imprevisibilidade, no século XX. O que

precisa é a tomada dessa consciência, de que a história é uma aventura

desconhecida e o progresso é possível, mas incerto. “Grande conquista da

inteligência seria poder enfim se libertar da ilusão de prever o destino humano. O

futuro permanece aberto e imprevisível”. (MORIN, 1999, p.79).

A única certeza, dessa forma, é a incerteza histórica de que o “futuro

chama-se incerteza”. Quer dizer, a história é criadora e destruidora, avança não de

modo frontal, “ mas por desvios que decorrem de inovações ou de criações internas,

de acontecimentos ou acidentes externos”. (MORIN, 1999, p.81). De acordo com

essa idéia, a evolução é fruto do desvio bem – sucedido que transforma o sistema

gerador, desorganiza e reorganiza - o. As grandes transformações são

morfogêneses: criam formas novas que podem constituir metamorfoses.

Além das inovações e criações existem também destruições que

podem trazer novos desenvolvimentos, firmando o caráter não – linear da história.

Há turbulências, bifurcações, desvios, fases imóveis, êxtases, períodos de latência e

virulências, sobreposição de devenires que se entrechocam com imprevistos,

incertezas, evoluções, involuções, progressões, regressões e rupturas. A história

também é um complexo de ordem, desordem e organização e obedece ao mesmo

tempo determinismos e acasos. É um mundo incerto e agonizante que passa por

um violento estado de enfrentamento das forças de morte e vida.

As incertezas ligadas ao conhecimento que enfrentam é papel da

educação do futuro. São elas: cérebro-mental (tradução e reconstrução própria e de

todo conhecimento); lógica (contradição e não contradição); racional (racionalidade

autocrítica e vigilante para evitar a racionalização) e psicológica (sempre há, na

mente, algo fundamentalmente inconsciente).

Na incerteza do real, a realidade não é facilmente legível; é uma noção

em que não importa não ser realista (adaptar-se ao imediato) nem irrealista (subtrair-

se às limitações da realidade) no sentido trivial, mas sim no complexo (compreender

a incerteza do real, as possibilidades invisíveis no real). “É preciso saber interpretar

a realidade antes de reconhecer onde está o realismo” (MORIN, 1999, p.85). Assim,

a vida compreende espaços sem definição, com falsas definições e principalmente

com a falta de um quadro geral fechado, única idéia capaz de comportar um quadro

para o tratamento de elementos classificáveis. Aparecem assim, as incertezas da

Ecologia da Ação: a idéia de que ação é decisão, escolha e aposta, e claro,

incerteza.

É impossível apresentar um algoritmo de otimização para os problema humanos: a busca de otimização ultrapassa qualquer capacidade de busca disponível e torna finalmente não- ótima, quiçá péssima, a procura do optimum. Somos conduzidos a nova incerteza entre a busca do bem maior e do mal menor (MORIN, 1999, p. 87).

Nesse princípio, a ecologia da ação compreende três circuitos:

risco/precaução, fins/meios e ação/contexto. O circuito risco /precaução afirma que

“para toda ação empreendida em meio incerto, existe contradição entre o princípio

do risco e o princípio da precaução, sendo um e outro necessários; trata-se de poder

uni-los a despeito de sua oposição” (MORIN, 1999, p.88).

No circuito fins/meios tem-se o princípio da incerteza do fim e dos

meios que se inter-retro-agem uns sobre os outros, e deixam quase inevitávelmente

os meios sórdidos a serviço de fins nobres que os pervertem e os substituem. Da

mesma forma são meios de dominação que utilizados para um fim libertador podem

não apenas contaminar esse fim, mas também se auto-extinguir, pois ações

perversas também conduzem à resultados felizes. “Então, não é absolutamente

certo que a pureza dos meios conduza aos fins desejados, nem que sua impureza

seja totalmente nefasta”. (MORIN, 1999, p.88)

O circuito ação/contexto é a própria Ecologia da ação, ou seja, a idéias

de que toda ação escapa à vontade do autor dentro do jogo das inter-retroações do

meio. A ação corre o risco do fracasso, desvio e perversão do sentido inicial, até

retornar ao iniciador e possui três tipos de conseqüências insuspeitas: efeito

perverso (o efeito nefasto sendo mais importante do que o esperado); a inanição da

inovação (mais se muda, mais tudo permanece igual) e a colocação da conquista

em perigo (perde-se algo importante na tentativa de melhorar uma situação). Outra

importante consciência é a da imprevisibilidade em longo prazo, isso é, a

possibilidade de “considerar ou calcular os efeitos em curto prazo de uma ação, mas

que em longo prazo tornam-se imprevisíveis. Nenhuma ação está segura de ocorrer

no sentido de sua intenção” (MORIN, 1999, p.90).

No entanto, a ecologia da ação não deve remeter à não-ação, mas sim

ao desafio que conhece riscos e necessita de estratégias que permitam modificar e

até mesmo anular, a ação empreendida.

Dessa forma, o desafio e a estratégia são fundamentais em qualquer

processo, até porque o cenário de uma situação modifica-se de acordo com as

informações recolhidas, pois envolve os acasos, contratempos e oportunidades do

percurso, sendo, portanto, necessário estar totalmente consciente da aposta contida

numa decisão e deixar que a estratégia prevaleça sobre o programa da ação.

O programa estabelece uma seqüência de ações a serem executadas

sem variações do ambiente estável, pois se existirem bloqueiam – no. Já a

estratégia estimula a prudência, audácia, estabelece compromissos, elabora um

cenário de ação que examina as certezas e incertezas, as probabilidades e as

improbabilidades da situação.

Há um risco, seja o da intransigência que conduz à derrota, seja o da transigência que conduz à abdicação. É na estratégia que se apresenta sempre de maneira singular, em função do contexto e em virtude do próprio desenvolvimento, o problema da dialógica entre fins e meios (MORIN, 1999, p.91).

Desse modo, a estratégia é tudo o que comporta a oportunidade e o

risco, o pensamento que deve reconhecer tanto as oportunidades de risco como os

riscos de oportunidade. É compreender e saber esperar o inesperado, trabalhar pelo

improvável e estar consciente de que a renúncia dos mundos não é a renúncia a um

mundo melhor.

Como o conhecimento, a estratégia é também “uma navegação em um

oceano de incertezas, entre arquipélagos de certezas” (MORIN, 1999, p.91).

3.1.6 Ensinar a compreensão

“Compreender é também aprender a reaprender incessantemente.”

(MORIN,1999, p.102). Sendo a compreensão “ao mesmo tempo meio e fim da

comunicação humana” (MORIN 1999, p.104), estudar a incompreensão a partir das

raízes e seus efeitos é de fundamental importância, afinal, a “incompreensão produz

tanto o embrutecimento quanto este produz a incompreensão” (MORIN, 1999, p. 98).

Na era da comunicação e informação, nenhuma técnica de

comunicação traz por si mesma a compreensão, ela não pode ser quantificada; não

se educa para compreender como para a uma disciplina determinada, como a

matemática. A informação e comunicação não garantem a compreensão porque ela

vai além da explicação. A compreensão humana é, assim, uma “missão

propriamente espiritual da educação: ensinar a compreensão entre pessoas como

condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade” (MORIN,

1999, p.93).

Obviamente não é uma tarefa fácil, até porque o problema da

compreensão é duplamente polarizado: o pólo planetário, da compreensão entre

humanos, dos encontros e relações que se multiplicam entre pessoas, culturas,

povos de diferentes origens culturais; e o pólo individual, das relações particulares

entre próximos.

Assim, a compreensão ocorre de duas formas: a intelectual objetiva e a

humana subjetiva. Abrange o conhecimento de sujeito a sujeito, onde o outro não é

apenas percebido objetivamente, mas como outro sujeito com o qual se identifica e

cujo ego alter se torna alter ego. Inclui, necessariamente, um processo de empatia,

de identificação e de projeção; é, portanto, intersubjetiva, pede abertura, simpatia e

generosidade. “Compreender significa intelectualmente apreender em conjunto,

comprehendere, abraçar junto (o texto e seu contexto, as partes e o todo, o múltiplo

e o uno). A compreensão intelectual passa pela inteligibilidade e pela explicação”.

(MORIN, 1999, p.94).

Daí a fundamental importância da educação para os obstáculos da

compreensão. Estes são: ruído (transmissão da informação que cria mal entendido

ou o não-entendido); polissemia (noção anunciada num sentido e entendido no

outro); ignorância (dos ritos e costumes do outro); incompreensão de valores,

imperativos éticos, outras visões de mundo e de uma estrutura mental em relação a

outra; indiferença; egocentrismo e sociocentrismo.

Os três últimos são obstáculos intrínsecos, sendo fundamental estar

atendo à eles. O egocentrismo (self-dececption) é a tapeação de si mesmo, a

autojustificação, autoglorificação e a tendência a jogar sobre outrem a causa dos

males. Envolve o jogo rotativo complexo de mentiras, sinceridades, convicção,

duplicidade e leva a perceber de modo pejorativo as palavras ou atos alheios, a

selecionar o que é desfavorável e eliminar o que é favorável, selecionar as

lembranças gratificantes e a eliminar ou transformar o desonroso.

A incompreensão de si é fonte muito importante da incompreensão do outro. Mascaram-se as próprias carências e fraquezas, o que nos torna implacáveis com as carências e fraquezas dos outros. O egocentrismo amplia-se com o afrouxamento da disciplina e das obrigações que anteriormente levaram à renuncia aos desejos individuais, quando se opunha às vontades dos pais ou cônjuges (MORIN, 1999, p.97).

O etnocentrismo e sociocentrismo envolvem as xenofobias e o racismo.

De acordo com Morin, a verdadeira luta contra o racismo se opera contra as suas

raízes ego-etnocêntricas mais do que nos sintomas que advém das idéias pré-

concebidas, as racionalizações com base em premissas arbitrárias, autojustificações

frenéticas, incapacidade de autocritica, raciocínios paranóicos, arrogância, recusa,

desprezo, fabricação e a condenação de culpados. Na compreensão elimina-se o

espírito redutor a um único de seus traços, positivo ou negativo, da personalidade,

que é múltipla por natureza.

(...) lembremo-nos de que a possessão por uma idéia, uma fé, que dá a convicção absoluta de sua verdade, aniquila qualquer possibilidade de compreensão de outra idéia, de outra fé, de outra pessoa. Assim, os obstáculos à compreensão são múltiplos e multiformes: os mais graves são constituídos pela cadeia egocentrismo/autojustificação/self-deception, pelas progressões e reduções, assim como pelo talião e pela vingança - estruturas arraigadas de modo indelével no espírito humano, que ele não pode arrancar, mas que ele pode e deve superar (MORIN, 1999, p.99).

Desenvolver a ética da compreensão pede que se compreenda a

incompreensão, que se argumente, que se refute em vez de excomungar e

anatematizar. A compreensão não desculpa nem acusa, ocorre de “modo

desinteressado, não se pode esperar nenhuma reciprocidade. (...) Se soubermos

compreender antes de condenar, estaremos no caminho da humanização das

relações humanas” (MORIN, 1999, p.100).

O que favorece a compreensão, é o bem pensar (aprender em conjunto

texto e contexto, ser e seu meio ambiente, local e global, multidimensional, as

condições – objetivas e subjetivas - do comportamento humano, o complexo) e a

introspecção (auto-exame, compreensão das fraquezas ou faltas de si é a

compreensão e falta dos outros) para perceber que todos os seres são falíveis,

frágeis, insuficientes, carentes e por isso mesmo necessitam de mútua

compreensão. A descentralização de si mesmo permite que se reconheça e julgue o

egocentrismo.

Essa consciência da complexidade humana - que não reduz o ser à

menor parte dele próprio, nem mesmo ao pior fragmento de seu passado - pode ser

buscada nas artes, como na literatura ou no cinema;

Enquanto, na vida comum, nos apressamos em encerrar na noção de criminoso aquele que cometeu um crime, reduzindo os demais aspectos de sua vida e de sua pessoa a este traço único, descobrimos em seus múltiplos aspectos os reis gângsters de Shaksespeare e os gângsters reais dos filmes policiais. (...) Podemos, enfim, aprender com eles as maiores lições de vida, a compaixão do sofrimento dos humilhados e a verdadeira compreensão. (MORIN, 1999, p101).

No cinema, Morin mostra que ao favorecer o pleno uso da

subjetividade pela projeção e identificação, simpatiza-se e compreende-se o que

seria estranho ou antipático na realidade, utilizando o exemplo do Vagabundo de

Charlie Chaplin; ele causa uma compaixão e comiseração, quando, muitas vezes, o

telespectador sente indiferença às misérias físicas e morais na vida cotidiana.

A interiorização da tolerância é, portanto, uma covicção, fé, escolha,

ética, aceitação da expressão das idéias, escolhas contrárias, sofrimento ao suportar

a expressão de idéias negativas ou nefastas e a vontade de assumir este

sofrimento. Manifesta-se em quatro graus: o respeito ao direito de proferir um

propósito; a nutrição de opiniões diversas e antagônicas (democracia); a noção de

que o contrário de uma idéia profunda é outra idéia profunda e; a consciência das

possessões humanas pelos mitos, ideologias, idéias e deuses.

Na cultura planetária, compreensão ética evolve a relação das pessoas

com a ética da era planetária, ou seja, a mundialização da compreensão. A cultura

oriental, por exemplo, tem muito a ensinar à ocidental, que se colocou por tanto

tempo como mestra. O oriente tem para ensinar, por exemplo, a valorização à paz

interior e a relação harmoniosa com o corpo, isolados do ocidente em função do

ativismo, produtivismo, eficácia, divertimento, pragmatismo, quantitativismo e

consumismo desenfreado.

Esse intercâmbio cultural constitui uma fonte viva para a alma só

ocorre por via de mentalidades abertas, curiosas, não-ortodoxas, desviantes e da

mestiçagem (frutos de casamentos mistos, pontes naturais entre as culturas). Aí,

novamente o papel das artes;

Muitas vezes os desviantes são escritores ou poetas, cujas mensagens podem se irradiar tanto no próprio país quanto no mundo exterior. Quando se trata de arte, da música, de literatura, de pensamento, a mundialização cultural não é homogênea. Formam-se grandes ondas transnacionais, que favorecem ao mesmo tempo a expressão das originalidades nacionais em seu seio. (MORIN, 1999, p.103).

3.1.7 A ética do gênero humano

O sétimo princípio é a condução à antropo-ética que considera o

caráter ternário (indivíduo/sociedade/espécie) da condição humana. Nessa

concepção, a ética é um processo que não se ensina por lições de moral e sim pela

consciência através da relação de controle mútuo entre a sociedade e indivíduos e

pela democracia tida como comunidade planetária.

Mais uma vez, Morin demonstra que Indivíduo/sociedade/espécie não

são apenas inseparáveis, mas são também co-produtores mútuos; cada um é, ao

mesmo tempo, meio e fim, nenhum é absoluto: o fim é a própria tríade, rotativa, em

cujo seio emerge a consciência e o espírito propriamente humano. “Toda concepção

do gênero humano implica no desenvolvimento do conjunto das autonomias

individuais, participações comunitárias e do sentimento de pertencer à humanidade”.

(MORIN,1999, p.106).

Daí a ética humana, a antropo-ética; “a esperança na completude da

humanidade, como consciência e cidadania planetária” (MORIN, 1999, p. 106). É a

base para ensinar a ética do futuro que em suas antinomias e plenitudes instrui o ser

humano à: humanização; obedecer e guiar a vida; alcançar a unidade planetária na

diversidade; respeitar nos outros as diferenças e identidades; desenvolver a ética da

solidariedade e compreensão e do gênero.

Aspiração, vontade, aposta no incerto, consciência individual além da

individualidade também são características dessa Antropo-ética, em cujo circuito

indivíduo/sociedade ensina-se a democracia. Nessa, “o indivíduo é cidadão, pessoa

jurídica e responsável; por um lado exprime seus desejos e interesses, por outro, é

responsável e solidário com sua cidade”. (MORIN, 1999, p.107).

Para existir democracia, entendida como a autolimitação do poder do

Estado pela separação dos poderes, a garantia dos direitos individuais e a proteção

da vida privada (MORIN, 1999, p. 107) é preciso haver consenso, diversidade e

antagonismos. A diversidade de interesses e idéias, como caráter-chave, comporta o

direito das minorias e dos contestadores e as idéias heréticas e desviantes.

Do mesmo modo que é preciso proteger a diversidade das espécies para salvaguardar a biosfera, é preciso proteger a diversidade de idéias, opiniões, bem como a diversidade de fontes de informação e dos meios de informação (imprensa, mídia), para salvaguardar a vida democrática. (...). A vitalidade e a produtividade dos conflitos só podem se expandir em obediência às regras democráticas que regulam os antagonismos, substituindo as lutas físicas por lutas de idéias, e que determinam, por meio de debates e das eleições, o vencedor provisório das idéias em conflito, aquele que tem, em troca, a responsabilidade de prestar contas da aplicação de suas idéias. (MORIN, 1999, p.108).

Esse sistema político complexo de pluralidades, concorrências e

antagonismos, onde há de união entre a união e a desunião, é o que deve

permanecer como comunidade. A sua dialógica possui um caráter que une de modo

complementar termos antagônicos como: consenso/conflito,

liberdade/igualdade/fraternidade, comunidade nacional/antagonismo social e

ideológico.

Deve porque ainda não existe; as “democracias” atuais não estão

concluídas. Morin as considera incompletas ou inacabadas, algumas até em

processos de regressão democrática, no qual os indivíduos estão à margem das

grandes decisões políticas, tomadas pelos tecnocratas. Tal procedimento atrofia

competências, ameaça e degrada a diversidade e o civismo, gera a despolitização

ou a política fragmentada que se autodissolve na administração, na técnica

(especialização), na economia e no pensamento quantificante (sondagens e

estatísticas).

Sob essa questão, o futuro da democracia é o confronto cada vez

maior com o problema resultante do desenvolvimento da ciência, da técnica e da

burocracia. A hiperespecialização tornou o saber esotérico (acessível apenas aos

especialistas) e anônimo (concentrado nos bancos de dados e utilizado por

instâncias anônimas, a começar pelo estado) o que afeta a política e a vida

cotidiana.

A tecnoburocracia exalta os peritos em áreas que dependiam de

discussões e decisões políticas (como a manipulações biológicas da paternidade,

questões sobre a maternidade, o nascimento, a morte) e suplanta os cidadãos das

decisões e domínios abertos aos problemas. Cresce, assim, o fosso entre a

tecnociência esotérica, hiperespecializada, e os cidadãos, além de criar a dualidade

entre os que conhecem (um conhecimento parcelado, incapaz de textualizar e

globalizar) e os considerados ignorantes, isto é, os cidadãos. Trata-se de uma

fratura social entre esses e uma nova classe. (Tal fratura também parece estar

ocorrendo no acesso às novas tecnologias de comunicação entre os países ricos e

os países pobres), sendo urgente a regeneração democrática, que supõe também a

regeneração do civismo, da solidariedade e da responsabilidade.

Um caminho para essa regeneração é justamente o circuito

indivíduo/espécie, o ensino da cidadania terrestre e da humanidade como destino

planetário. È a idéia de que a espécie humana não deixa a instância biológica-

reprodutora, mas é também plenamente reconhecida em sua inclusão indissociável

na biosfera, tem raízes em uma Pátria (em perigo) que é a Terra. Nessa concepção,

a Humanidade deixa de constituir uma noção abstrata e passa ser realidade vital e

ideal, pois está ameaçada de morte e não é mais só uma noção, é uma comunidade

de destino. Somente essa consciência pode conduzi-la a uma comunidade de vida,

com a ética, concretizada por todos e por cada um para salvá-la, realizando-a.

Daí o problema antropo-histórico fundamental, para o qual não há

solução a priori, mas melhoras possíveis; a política do homem e da civilização, a

reforma do pensamento, a antropo-ética, o verdadeiro humanismo, a consciência da

Terra-pátria tratadas de modo multidimensional. A expansão e livre expressão dos

indivíduos constituem o propósito ético e político do planeta e representam a real

relação democrática de indivíduo/sociedade/espécie, cuja finalidade é a busca da

cidadania terrena por uma comunidade planetária organizada.

A melhora não é um processo fácil, mas necessário. Apesar da

proposta complexa da Educação do Futuro e da existência de abordagens

inovadoras na educação5, das revoluções científicas do século XX, do

envelhecimento de algumas autonomias e de alguns princípios do paradigma

moderno ter cedido, a essência desses permanece escondida e age soberanamente

sobre os espíritos, reproduzindo e reforçando tal modelo.

Em termos de escola, as atuais condições ainda parecem

desfavoráveis para a reforma do pensamento. Mas, como defende Morin, uma vez

lançadas, as idéias começam a se movimentar, não apenas na educação, mas em

todas as áreas da ciência.

Se tratando dessa área, especificamente, o pensador levanta a

questão sobre quem educará os educadores. Como a complexidade tem

demonstrado, a vida é mais forte do que a lógica e “nós nos conscientizamos que os

processos impossíveis acontecem primeiramente a partir de um caminho alternativo”

5 As abordagens conhecidas como Educação Progressista, Holista e Ensino com Pesquisa são propostas de um Paradigma Inovador na educação brasileira em oposição às correntes conhecidas como Pedagogia Tradicional, Escola Nova e a Escola Tecnicista, que reproduzem o modelo de um Paradigma Tradicional (BEHRENS, 2000).

(MORIN, in PETRAGLIA, 1998, p.87), que muitas vezes nascem de experiências

individuais, pois a primeira mudança de pensamento vem da consciência da

necessidade de mudá-lo.

Todo o processo então se torna um contágio, como se vê na história

das idéias; algumas ficaram bloqueadas por muito tempo, mas irromperam em

momentos epidêmicos quando nas condições favoráveis. E mesmo quando as

condições parecem não ser, é preciso criá-las.

... hoje, me parece importante – que essa reforma do pensamento precisa de uma reforma de princípio, uma reforma epistemológica que é muito longa, muito longa, e que ainda não começou. Eu creio – sem querer me gabar – que sou um dos elementos desta tentativa que diferentes espíritos, cada um ao seu modo, procuram realizar. Eu não sou totalmente isolado, eu não me sinto solitário, portanto tenho a impressão de que não sou louco. Eu vejo que outras pessoas encontram as mesmas idéias, os mesmos conceitos por seus próprios caminhos e a partir de disciplinas diferentes... é como se existisse uma constelação.” (MORIN in PETRAGLIA, 1998, p. 97)

Assim, em toda a disciplina pode ocorrer a reforma do pensamento

quando o professor compartilha das idéias da Educação do Futuro. O Teatro pode

também dar contribuição a esse novo horizonte, porque a arte e seus valores são

condições necessárias no novo paradigma. Não é preciso supervalorizá-la e nem

tampouco excluí-la, mas sim tê-la como um instrumental mediador entre as duas

culturas e entre diferentes saberes, afinal “A ciência e a tecnologia estão entre nós,

é preciso que aprendamos a conviver com elas, mas ao mesmo tempo é preciso

reintegrar esses valores intuitivos, imaginativos, criativos, que foram considerados

ultrapassados. A razão pura leva ao enxugamento; a irracioalidade pura, à loucura”

(REEVES, in MORIN e MOIGNE, 2000, p. 156).

4 O TEATRO NA EDUCAÇÃO DO FUTURO

O Teatro na educação envolve arte e ciência e em ambos os campos

há ricas fontes que se relacionam com os princípios do paradigma emergente. No

presente capítulo essa relação aparece a partir das concepções de arte e

conhecimento e teatro e conhecimento.

4.1 Arte e Conhecimento

O crescimento de pesquisas cientificas desenvolvidas na área de artes

torna notória presença dessas na sociedade como produção de conhecimento que

influencia e transforma as condições humanas, históricas e culturais, ressaltando o

que THOMAS KHUN (1995, p.20) denomina por ciência: fatos, teorias e métodos

reunidos em textos atuais pela contribuição de cientistas, pessoas empenhadas na

constelação específica da ciência.

Tanto a arte como a ciência respondem sempre às condições histórico-concretas da vida da sociedade. Estão determinadas pelo Estado e o caráter das relações de produção (...) Isto determina a existência de uma estreita relação entre o reflexo artístico que se traduz em imagens artísticas, e o pensamento científico, que o faz em conceitos, categorias e leis. Tanto o pensamento artístico como o científico refletem o mundo objetivo e se desenvolvem com a prática social. (DURÀN in CARREIRA e CABRAL, p. 12, 1996)

Arte é forma de conhecimento, pois envolve a história, a sociedade, a

vida. Não está apenas ligada a idéia de prazer estético, contemplação passiva, mas

ao contrário, é dinâmica e representa trabalho já que possui forças materiais e

produtivas que impulsionam as relações históricas e sociais e levam o homem à

compreensão de si mesmo e da sociedade.

A Teoria Crítica fornece uma das bases dessa idéia, pois procura

analisar a formação social revelando as raízes não acidentais para descobrir as

condições e interferir no movimento histórico. Nesse aspecto, a arte é um caminho

de resistência aos estragos sociais, culturais e políticos já que estimula a

capacidade do indivíduo de “selecionar as informações que sejam relevantes para a

sua construção enquanto cidadão emergente, na avalanche de informações que

soterram e soterram o mundo numa velocidade cada vez mais acelerada”.

(SAMWAYS, 2002, p. 66).

A arte proporciona prática criadora à luz das relações sociais, culturais

e estéticas levando em conta as transformações nas novas configurações de tempo

e espaço. Compreendê-la como processo social, é, portanto, chamá-la de produção

cultural, conhecimento humano. As transformações históricas que se operam nas

estruturas artísticas e suportes físicos e materiais possibilitam atualização e

construção do conhecimento artístico, já que a arte é um produto social que utiliza

recursos técnicos e forças produtivas que contribuem para determinar o grau de

desenvolvimento da produção artística da sociedade e impulsiona as relações de

distribuição e consumo da produção estética.

O processo representa uma teia de relações humanas baseadas em

produções simbólicas e presentificações estéticas, estésicas e críticas que

interferem no tempo e espaço humano. As interferências promovem transformações

qualitativas de significados, por isso também promovem uma educação para a

contradição e para a resistência. É emancipatória, com ânsia em transformar, de

converter a potência repressora, pensar e fazer na sociedade, tal como propõe a

educação do futuro.

A essência da arte está projetada no significado da ação de historicizar e contextualizar os fatos artísticos pelo estudo aprofundado da composição e das transformações das estruturas artísticas por meio do ensino de arte aliado à sensibilidade e à capacidade inventiva humana no movimento das transições sociais. Sintetizando, a compreensão da arte, como produção e experiência criadora, poderá colaborar para uma criação verdadeiramente revolucionária, isto é, aquela que nega dialeticamente o passado, para concretiza-lo numa antecipação de futuro. (SAMWAY, 2002, p. 72)

Nesse foco, arte é autonomia; protesta contra a realidade que quer

abarcar, “critica a sociedade pela sua simples existência. Tudo nela denuncia

implicitamente a sociedade na qual está inserida”. (ZUIN, PUCCI, OLIVEIRA In

SAMWAYS, 2002, p.104). Compreender uma obra, por exemplo, significa dar conta

dos sistemas de relações sociais, políticas, estésicas, estéticas e culturais contidas e

da subjetividade do interpretante, ou seja, a construção do eu. Recriar-se a si

mesmo pela arte significa ser sujeito protagonista da história social que se vive e

constrói; o cidadão que vivencia a experiência estésica das artes no processo de

formação humano e social pode interferir na realidade.

Assim, a arte como conhecimento é uma interpretação crítica dos

mundos aplicada ao olhar estésico e estético da realidade como mediação de

conhecimento e produção de significado para transformação por caminhos

alternativos. Como o próprio EDGAR MORIN (2000, 156) afirma, “existem

dimensões humanas que fogem a visão científica, outros modos de conhecimento. A

poesia existe também, não é pura fumaça”. Essa idéia não se aplica só à poesia,

mas a todas as manifestações artísticas, inclusive ao teatro.

4.2 O Teatro como Conhecimento

Tal como as artes, o conhecimento no teatro é amplo e complexo, pois

envolve saberes diversos dessa e de outras áreas artísticas e promove a

aprendizagem. É conseqüência das trocas que participam artistas, espectadores e

estudiosos e retorna para a sociedade como cultura.

De acordo com o Grupo de Trabalho de Teatro Educação do IV

congresso da ABRACE6, essa área desenvolve-se na perspectiva da escola e

também na ação cultural, o que vai de encontro aos princípios da LDB (1996) de que

a educação abrange os processos formativos que aparecem também nas

manifestações culturais.

A variedade de saberes do teatro pode ser ilustrada pelos processos

de construção de uma personagem e encenação, nos quais se fazem necessárias

inúmeras fontes de conhecimento, informação e linguagens. O primeiro envolve o

conhecimento da obra, do autor, do personagem, dos recursos expressivos, domínio

físico e vocal, a busca de referências filmográficas, fotográficas, musicais, pictóricas,

experiências de vida, atualizações temáticas. No segundo, é necessária a

articulação de diferentes linguagens: a arte do ator, música, sonoplastia, cenário,

figurinos, adereços, iluminação. (MACHADO, M. A, 1996).

6 A ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas é a mais jovem das sociedades científicas da área de artes no Brasil. Segue o exemplo das congêneres de música e artes visuais, com publicações especificas e disposição para o diálogo com todas as áreas de conhecimento (consolidadas e emergentes), “que configuram o momento atual no país e anunciam o incremento do intercâmbio mundial e da transdisciplinaridade que, provavelmente, caracterizarão o terceiro milênio”. (ABRACE, 2006)

O corpo/voz são os suportes básicos da arte para o ator. Só o corpo

porta um próprio saber e linguagem, resultado da contínua comunicação e interação

corpo/mente/mundo e das habilidades perceptivas e expressivas. “Ter domínio sobre

corpo/voz implica em reconhecer como o corpo conhece, para ensinar-lhe o que é

necessário aprender e a fim de que ele responda e corresponda, sobretudo com

organicidade (princípio da eficiência técnica), à expressão desejada”. (MACHADO,

M. A, 1996, p. 95)

O conhecimento necessário para a construção de um personagem é

amplo e vem de tudo o que se manifesta humano ou socialmente. STANISLAVSKI

(2000, p.25) fala que a o indivíduo tira a caracterização exterior de um personagem

a partir de si mesmo e dos outros, bem como da vida real ou imaginária. Para isso

utiliza imaginação, intuição, experiência e referências de variadas linguagens como

quadros, gravuras, livros, desenhos, e até mesmo incidentes. No teatro, tudo pode

ser fonte de conhecimento e aprendizagem quando, fundamentalmente, não se

perde o Eu.

Por isso, o conhecimento nessa área inclui também sentimentos,

sensações, percepções e compreensões (da narrativa ou do personagem). Um ator

é entendido como pesquisador ao entrar em contato com um texto, personagem ou

com um projeto de encenação, pois se vê em face de algo novo, que desafia,

desperta, interrompe ou faz interromper alguma idéia, o envolvimento necessário

para uma pesquisa. Essa disponibilidade está vinculada à capacidade cognitiva e

expressiva, adquirida com a experiência teatral, estudos e técnicas. “Trata-se,

portanto, de um processo de aprendizagem”. (MACHADO, M. A., 2006, p. 100).

MACHADO (2006) demonstra por meio da filosofia de Peirce, que se

pode encontrar uma das possibilidades de entendimento dessa diversidade ao se

compreender que o conhecimento artístico está mergulhado em um campo

hipotético;

por um lado o objeto da arte é mera possibilidade de ser, por outro, a metodologia desse fazer organiza-se na própria construção do objeto (Ibri, 1992). Como campo de natureza hipotética, a linguagem teatral permite uma maleabilidade de métodos e recursos, e o objeto de representação se constrói no momento da própria criação. O processo lógico (semiose) engendrado por essas construções constitui também a especificidade da composição da linguagem artística que orienta, baliza e delimita o processo de criação. (MACHADO, M. A. D, 2006, p. 92).

Do ponto de vista da semiótica, o que está em jogo na experimentação

teatral é a lógica da ação do signo que faz gerar outros pelo movimento

sucessivamente. Na prática da construção de um personagem, exemplifica-se da

seguinte forma:

Compete ao ator habilitar-se para o livre fluxo desse jogo, permitindo que ele se realize e reconhecendo em si mesmo quais gestos, entonações e expressões podem compor melhor o seu personagem para aquele contexto de encenação da pesquisa. A cada gesto escolhido, segue-se outra infinidade de possibilidades... Nova escolha... novo movimento... Nova imagem... Novas possibilidades... Nova escolha... Tudo isso em um fluxo contínuo. Em cada escolha abre-se uma nova cadeia de possibilidades e fecham-se outras. (MACHADO, M. A., 2006, p. 101)

È a concepção de conhecimento infinito de Morin, que se complementa com a idéia que;

Da mesma forma que Peirce nos diz que conhecemos aquilo que os esquemas mentais estão equipados para interpretar (Santaella, 1998), expressamos aquilo que os esquemas físicos e mentais estão equipados para expressar. Nesse mapa geral do trabalho do ator, é possível identificar um ponto comum aos processos de criação: a questão da experimentação prática como elemento gerador da organicidade – ou seja, o próprio exercício das concepções físicas, mentais, afetivas e emotivas do personagem, jogo e ação. (MACHADO, M. A. D, 2006, p. 95).

Mas como arte e produção de conhecimento, o teatro vai além da

linguagem teatral do ator ou da encenação; é também relação e mediação entre

outras áreas do conhecimento, envolve e desenvolve a cultura, enfim significa ação

cultural na sociedade. CARREIRA E CABRAL, (1996, p.13) afirmam que é “elemento

fundamental nos processos de construção cultural; não é apenas uma forma de arte

que reflete diferentes circunstâncias da experiência humana, mas também um

elemento formador e instrumento de interferência na vida social”.

Exemplos são as abordagens metodológicas e conceituais que tem

explicitamente uma função político-educacional com o Ensino do Teatro. No Brasil é

muito difundida a proposta de Brecht (teoria da Peça Didática ou Lehrstück) e O

Teatro do Oprimido de Augusto Boal. A Proposta dramática brechtiniana se insere

na filosofia marxista e busca uma solução reintegradora para a sociedade e para a

alienação artística através do Teatro Épico e Dialético que rompe a atitude passiva

do espectador. O Teatro do Oprimido- que surgiu da necessidade de reação às

relações ditatoriais na América Latina na década de 1960 - conclui uma total

desativação do papel do espectador, tendo em vista a libertação do papel de mero

observador para a “libertação do povo da passividade e impotência”. (KOUDELA e

ARÃO, 2006, p.71). Em outras pesquisas apontadas pela ABRACE (2006),

indiferente da Metodologia empregada, o teatro como ação cultural age diretamente

sobre problemas sociais contemporâneos como as drogas, o meio ambiente e a

violência.

Dessa forma, essa arte possui amplas dimensões na realidade

humana, social e/ou cultural, de modo que, considerando os princípios apontados

por Morin para a educação do futuro, é possível estabelecer uma relação entre o

teatro e os sete saberes para que na educação também possa contribuir na

construção de um novo paradigma.

4.3 O teatro na Educação do novo Paradigma

No saber ensinar a Compreensão, Morin sugere a mescla das ciências

humanas físicas, biológicas e a arte. Nessa, está inserido o teatro como um meio

para a Ciência com Consciência (a consciência do homem em relação ao mundo, o

questionamento epistemológico e a interrogação sobre a legitimidade do discurso

científico), já que o Teatro como arte traz a tona o questionamento subjetivo sobre o

humano e objetivo sobre a legitimidade do próprio discurso científico.

Sendo a Paradigmatologia a mudança do olhar sobre o entendimento

(inteligência) e a ligação entre ciência e consciência complexa, o Teatro aparece

justamente como mudança; essa arte sempre esteve às margens da ciência

clássica, mas possui ligação com a concepção de ciência emergente. Na

Bioantropologia do conhecimento não existe a instância soberana do Epistemólogo

que controla irredutivelmente todo o saber mas sim a pluralidade de instâncias,

decisivas, insuficientes, que comportam incertezas. Assim ocorre com o teatro - que

é também um saber - cujas ações se desenvolvem muito mais a partir das incertezas

do que das certezas.

A concepção de paradigmatologia afirma que a Inteligência da

Complexidade é um caminho a ser feito, deve ser construída. É a abertura que

propõe o Teatro como caminho; o exercício da ciência com consciência através da

união entre arte e ciência já que a consciência do homem em relação a si e ao

mundo é o princípio para qualquer ação teatral. Assim, Inteligência no Paradigma

da Complexidade relaciona-se diretamente com princípios do Teatro. Essa é

entendida como transformação do ininteligível percebido pelo potencialmente

inteligível concebido, é a ação de compreender mutuamente o resultado da própria

ação, refletir (compreensão de si mesmo), representar uma situação, conhecer,

ajustar a representação dos resultados em estratégias que possibilitam escolhas.

Isso aparece claramente na prática do jogo teatral, onde:

A expressividade da criança é uma manifestação sensível da inteligência simbólica egocêntrica. Pela revolução coperniciana que se opera no sujeito ao passar de uma concepção de mundo centrada no eu para uma concepção descentrada, as operações concretas iniciam o processo de reversibilidade do pensamento. Esse princípio irá operar uma transformação interna na noção de símbolo da criança. Integrada ao pensamento, a assimilação egocêntrica do jogo simbólico cede lugar à imaginação criadora. (KOUDELA E ARÃO, 2006, p. 68).

A criatividade também ilustra a relação entre teatro e complexidade,

pois é premissa para ambos. MORIN (2000, p.97) fala que “Restringindo unicamente

à dedução e a indução, a lógica clássica põe fora da lógica àquilo que opera a

invenção e a criação”. A criatividade é vital não apenas para ciência, mas para todas

as relações sociais; hoje se exige cada vez mais o relacionamento do cidadão e seu

trabalho com as diferentes áreas do conhecimento, o que só é possível com a

criatividade que rompe a incomunicabilidade do saber parcelado.

Os Cientistas e os técnicos dos próximos anos, vivendo rupturas em suas áreas, terão sentimentos que vem da prática das artes, no entendimento mais amplo que vem dos seus conhecimentos de filosofia e no compromisso ético e político com o seu trabalho. (BUARQUE, In SAMWAYS, 2002, p. 64)

A Criatividade, dessa forma, contribui também para outro problema-

chave apontado pela complexidade que é o de instaurar a convivialidade entre

ciência, idéias e mitos. Para isso, é necessário o intercâmbio entre diferentes zonas

da mente, bem como civilizar teorias, desenvolvê-las abertamente, racionais,

críticas, reflexivas, autocríticas e aptas para se auto-reformar. A criatividade aparece

como uma possibilidade para esse intercâmbio, não só para a mente, mas também

para diferentes saberes da cultura humana, pois é ponte de comunicação

(intercomunicação), possibilidade para o incerto ou considerado impossível pela

razão clássica.

Assim, a intercomunicação via criatividade auxilia na união das ciências

do cérebro, do espírito, sociais e das idéias que retroagem nos estudos dos

princípios que determinam os resultados, sem perder a competência. É a articulação

com as outras competências, a ligação em cadeia formadora do circulo completo e

dinâmico, do anel de conhecimento, da policompetência que vai além da

especialização e da hiperespecialização, pois necessita da subjetividade, essa que

está tão presente na arte que leva ao questionamento da própria condição: Traduzir

uma parte noutra parte que é uma questão de vida ou de morte. Será Arte?

(GULLAR, 1991, p. 209).

Essa subjetividade é fundamental para o ser humano, pois a

consciência dela é passo inicial para a expressão objetiva das idéias. E nessa, o

Teatro, através do jogo teatral, por exemplo, contribui profundamente, pois;

Traduzimos a tradução da subjetividade em objetividade no trabalho do ator quando ele compreende a diferença entre história e ação dramática. Ao “fiscalizar” (mostrar) o objeto (emoção ou personagem), ele abandona quadros de referência estáticos e se relaciona com os acontecimentos, em função da percepção objetiva do ambiente e das relações no jogo. O ajustamento da realidade a suposições pessoais é superado a partir do momento em que o jogador abandona a história de vida (psicodrama) e interioriza a função do Foco, deixando de fazer imposições artificiais a si mesmo e permitindo que as ações surjam da relação com o parceiro. (KOUDELA in SPOLIN, p. 13, 1985)

O processo de criatividade estimulado e desenvolvido se aplicado ao

problema epistemológico pode contribuir dessa forma para a conexão entre as

diversas partes, as competências do anel de conhecimento; traduzir e ressignificar o

que é incompreendido apenas pela lógica formal e auxiliar na problemática do

Método apontada por Morin.

Na prática, por exemplo, uma questão proposta por um jogo teatral

recorre explicitamente à criação de Metassistemas (a comunicação entre sistemas,

com o principio da incerteza) para solucionar o problema proposto. O ponto de

partida de um jogo teatral é sempre um conflito que deve ser resolvido através de

peripécias que mudam as situações do momento em que se joga (BRITO, 2006, p

56); é um jogo lúdico de regras, porém não de certezas; as estratégias da ação

presente é que conduzem à solução final.

A incerteza do jogo improvisacional recorre assim à Ecologia da ação,

entendendo que toda a ação existe num jogo de interações que escapam muito

rapidamente do seu autor, sendo aleatórias, suscetíveis de erros e falhas,

desencadeiam processos inesperados e contraditórios, tal como ocorre na

improvisação. Improvisar é ensinar a arriscar sem medo com o exercício imaginativo

e a consciência da ação, já que essa prática é “a melhor maneira de desenvolver a

imaginação”. (MACHADO, p.33, 1998).

E a imaginação juntamente com a intuição, segundo MORIN (2000, p.

149), são os motores da ciência quando o controle da racionalidade no sentido mais

aberto é orientado mais para a eficácia do que sobre a lógica, afinal a própria ciência

é feita por sujeitos que possuem subjetividade; “o mito da neutralidade da ciência é

uma maneira de inocentar a consciência” (REEVES, in MORIN e MOIGNE, 2000, p.

155). Assim, a intuição é parte do processo de conhecimento da educação

complexa, na qual educadores e escola constroem as identidades de seus

membros, os sujeitos do processo. E ambas são o cerne do jogo teatral.

No jogo teatral, pelo processo de construção da forma estética, a criança estabelece com seus pares uma relação de trabalho em que a fonte da imaginação criadora – o jogo simbólico- é combinada com a prática e a consciência da regra do jogo, a qual interfere no exercício artístico coletivo. (KOUDELA E ARÃO, 2006, p. 68).

Maria Claro Machado (1998) atribui à Imaginação a maravilha da vida,

por ser possível viajar por toda parte, resolver problemas, enriquecer a vida criar

soluções novas para o que não se sabia resolver. Num paralelo com a

complexidade, a prática da imaginação é um exercício para a Inteligência moriniana.

“Com ela o menino pobre anda nos lugares muito longe sem gastar um centavo.

Com ela os artistas inventam histórias, com ela todo mundo descansa um pouco da

realidade para passear por todos os recantos da vida” (MACHADO, p.24, 1998).

Além da criatividade, imaginação e intuição (atributos fundamentais do

teatro e necessidades para o Paradigma da Complexidade), outra contribuição do

teatro à nova concepção de ciência é o desenvolvimento da sensibilidade. Maria

Clara Machado mostra que alunos e atores fazem exercícios para educar a

sensibilidade, pois essa, nada mais é do que “sentir as coisas” (MACHADO, 1998, p.

20):

É ver uma coisa bonita e se emocionar. É ouvir uma história e ficar triste ou alegre. É sentir amor, raiva, pena, inveja, vontade de abraçar, de ser abraçado, de chorar. Somente sentindo as coisas a gente aprende a ser feliz. E a vida está aí convidando todo mundo a descobri-la. Para descobrir as coisas da vida a gente tem que ter sensibilidade. Tem que perceber as coisas. (MACHADO, 1998, p.21)

A importância de educar a sensibilidade representa uma mudança

profunda de paradigma, pois essa é renegada no Paradigma da Modernidade

quando na verdade, “todo mundo tem sensibilidade. O que acontece quase sempre

é que ela é mal educada. Ou então não está desenvolvida” (MACHADO, 1998,

p.22). É como a Percepção, outra fonte do conhecimento em Teatro e necessidade

na ciência complexa.

O desenvolvimento da Percepção pelo Teatro aparece na

transformação dos hábitos, na mudança física do corpo, no estado de presença e

também nos esquemas mentais de interpretação e de expressão de um aluno/ator.

São organizações habituais das redes de conexão do conhecimento, corpo/mente,

que geram novos saberes que por sua vez, não cabem na expressão também

habitual; exigem a expressão teatral e sua linguagem, pois percepção envolve a

linguagem e está inevitavelmente relacionada com ela. Os aspectos mais humanos

de cada personagem devem ser descobertos, ampliados e dilatados no suporte da

arte (corpo/voz) e traduzidos para a ação física em contornos próprios de cada uma

das linguagens para o encontro orgânico entre ator e personagem (MACHADO, M.

A., 2006)

Adiciona-se aos aspectos apresentados a concepção Essencialista de

arte (KOUDELA, 1984) que vê nessa a contribuição única para a experiência

individual e cultural humana que não há em nenhum outro grupo de estudo e por

isso não necessita de justificativas psicológicas ou sociais. De acordo com essa

visão, a arte não precisa de argumentos que justifiquem a presença no currículo

escolar ou métodos de ensino estranhos à natureza intrínseca. A concepção

defende o valor educacional intrínseco na arte, sem a necessidade de justificativas

instrumentais; a contribuição é única para a experiência individual e a cultura

humana diferente dos outros grupos de estudos. Essa visão complementa a idéia

de Morin que a reforma do pensamento que vem das bases deve começar no nível

de ensino elementar, já que as crianças fazem funcionar espontaneamente as

percepções sintéticas e analíticas e espontaneamente sentem as ligações e

solidariedades entre as coisas. Isso é o que envolve a experiência teatral e artística

em geral.

Dessa forma, uma relação mais profunda entre o Teatro e o

conhecimento complexo a partir da Educação do Futuro pode ser estabelecida com

os Sete Saberes.

4.4 Relação entre Teatro e os Sete Saberes

Dentre os sete Saberes, em ensinar a Compreensão, Morin

explicitamente recorre às artes como um caminho. Demonstra que a consciência da

complexidade humana pode ser buscada na literatura ou no cinema, donde se

aprende lições de vida como a compaixão pelo sofrimento dos humilhados em

função do pleno uso da subjetividade, da projeção ou identificação que possibilitam

a simpatia com o que seria estranho ou antipático na realidade. Nesse saber, ainda,

Morin afirma a importância do intercâmbio cultural como fonte viva para a alma; ele

se processa por mentalidades abertas, curiosas, não-ortodoxas e desviantes, como

a dos artistas, escritores ou poetas. Tais aspectos estão presentes no Teatro, da

mesma forma que todos os outros saberes também se relacionam com ele, já que a

Complexidade abraça e não exclui. O que se demonstra a seguir é a contribuição

que especificamente essa arte pode trazer para cada um dos saberes.

No primeiro, Morin mostra que as Cegueiras do conhecimento (erro e

ilusão) podem ser mentais (self –deception), intelectuais (doutrinas, teorias,

ideologias) ou da razão (diferença entre ser racional e racionalizador). É possível

conscientizar-se delas a partir do Teatro porque esse promove um conhecimento

maior de si mesmo (o que desperta para a self-deception) e do contexto (desperta

para as cegueiras intelectuais e da razão).

Ator é o hipócrita (do grego hypokrités), o respondedor, simulador, que

experencia todos os papéis. É o ser destinado à metamorfose dos sentimentos a

partir de um fingimento perfeito, quase imperceptível (CARVALHO, p. 11, 1992).

Essa capacidade cênica utilizada na construção de um personagem só é possível a

partir do que STANISLAVSKI (1970) chama de Memória Emotiva, ou seja, buscar as

emoções para a personagem em situações vivenciadas na realidade. Tal processo

inevitavelmente promove um auto-conhecimento, que trabalhado pode auxiliar na

relação com a self- deception, pois a proposta Stanislavskiana procura o trabalho do

ator sobre si mesmo e sobre a personagem; faz atuar a consciência sobre o

inconsciente (sede da inspiração) e utiliza a imaginação na busca de elementos que

a peça não oferece bem como faz da observação um exercício diário e ininterrupto.

A observação que propõe Stanislaviski vai além do conhecimento

individual, envolve cultura, sociedade e contexto e por isso aproxima-se dos

princípios de incerteza racional e questionamento, afinal, despertar o “instinto de

teatralidade” inerente ao homem necessita de “inesgotável vitalidade para

transfiguração de imagens recebidas de fora” (CARVALHO, 1992, p.12), o que

requer uma racionalidade vigilante a autocrítica para tais imagens, para a realidade.

Por isso, o Teatro também abre possibilidades de reflexão a respeito

do Imprinting cultural; para criar ou imitar realidades na elaboração de uma cena é

preciso conhecê-las, e quem conhece e recria, questiona e transforma. Daí também

a contribuição da arte para o questionamento sobre o jogo entre a verdade e o erro

que acontece na zona dos paradigmas e para o desenvolvimento de uma noologia

flexível.

Em relação a estar preparado para trabalhar com o inesperado, Morin

fala que saber esperar a chegada do imprevisível e ser capaz de rever as teorias

que envolvem o novo que brota sem parar é fundamental. O processo de criação

nas artes e no teatro é exatamente esse, pois uma idéia inicial se desenvolve e

modifica muito até o resultado final. Ao construir um personagem, por exemplo,

muitas vezes o aluno ou o ator se vê tomado pelo “entusiasmo e fervor artístico”

(MACHADO, M. A., 2006), mas na medida em que o jogo semiótico de objetos,

signos e interpretantes são amplamente suscitados a pessoa se acalma. Às vezes

ocorre o contrário; o aluno/ator é tomado pelo desânimo frente a um personagem e,

ao final de uma montagem está completamente envolvido pelo prazer de estar em

cena naquele personagem. “Está em jogo, nessa questão, tanto a disponibilidade do

ator como a capacidade do texto, do personagem, da encenação e da pesquisa

promoverem o desenvolvimento dessa relação de conhecimento” (MACHADO, M.

A., 2006, p.98).

A construção de um personagem é um processo de conhecimento que

além de envolver pesquisa teórica, intelectual, histórica e social, envolve aspectos

físicos, psicológicos, humanos. Assim, nesse primeiro saber vê-se que o teatro

contribui para as condições bioantropológicas (cérebro/mente), socioculturais

(cultura aberta: troca de idéias) e noológicas (teorias abertas), que promovem as

fundamentais questões da educação: o princípio do mundo, homem e do próprio

conhecimento; a elaboração de metapontos de vista; reflexividade; integração

observador/conceptualizador na observação-concepção; e a ecologização da

observação-concepção no contexto cultural e mental do sujeito/objeto.

O segundo saber, o Conhecimento pertinente, destaca a importância

de apreender os objetos em seu contexto, totalidade e conjunto. Esse é um princípio

básico do teatro que envolve, dessa forma, o estabelecimento de relações mútuas e

influências recíprocas entre o todo e as partes. Nesse saber, Morin aponta a

necessidade de se ensinar métodos que permitam estabelecer essas relações, para

qual o teatro pode contribuir.

A relação do sujeito com o contexto da criação dramática afina-se com

o pressuposto da imperfeição cognitiva desse saber já que o contexto é o próprio

mundo do sujeito/objeto. Para criar um personagem, por exemplo, se estabelece

uma relação de conhecimento com ele a partir do texto e dos objetos relacionados a

esse conhecimento. Do ponto de vista da Semiótica, eles geram signos que por sua

vez geram interpretantes – idéias, imagens, possibilidade de atuação, referências

implícitas ou explícitas, metáforas, relações, religações.

A partir dos signos gerados no primeiro contato entre ator e personagem, vão se configurando outros, que se relacionam, integram e geram outros, em um jogo amplo e criativo entre interpretante, signo e objeto. Uma rede de relações permanente, resultado desse processo semiótico, que vai buscar sua síntese, sempre provisória, na composição do personagem por meio da linguagem teatral. O entendimento do processo semiótico da criação artística permite uma visão mais ampla do diálogo instaurado entre a capacidade de texto, o personagem, a pesquisa e a encenação gerarem conhecimento e as capacidades cognitivas simultâneas às habilidades expressivas do ator. (MACHADO, M. A., 2006, p. 99).

Um personagem também envolve elementos diferentes e inseparáveis

que constituem o seu todo (econômico, político, sociológico, psicológico, afetivo,

mitológico) interdependente, interativo e inter-retroativo, como o conhecimento

complexo. Dessa forma, pelo teatro - seja no exercício de improvisação dramática ou

na construção do personagem - é possível a ampliação da Inteligência Geral,

aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais.

Morin defende que essa inteligência é desenvolvida pelo livre exercício

da curiosidade, da faculdade mais expandida e mais viva durante a infância e a

adolescência e por isso a necessidade de estimulá-la ou despertá-la. Crianças e

Adolescentes que fazem Teatro desenvolvem-na espontaneamente, pois, mesmo

sendo “uma arte que necessita de muito esforço, muita dedicação e muito trabalho”

(MACHADO, 1998, p. 07) as pessoas procuram fazê-lo pela concepção essencialista

da arte. E como, “brincando é que a gente descobre que quer transformar aquela

brincadeira em coisa séria” (MACHADO, 1998, p. 13) percebe-se que, “mesmo numa

brincadeira de teatro é preciso disciplina, senão ninguém conseguirá fazer nada”

(MACHADO, 1998, p.27).

Desenvolve-se espontaneamente, desse modo, aptidões para o

problema da disjunção e especialização fechada, hiperespecialização, redução e

falsa racionalidade que eliminam “o elemento humano do humano, isto é, as

paixões, emoções, dores e alegrias. Da mesma forma, quando obedece estritamente

ao postulado determinista, o princípio de redução oculta o imprevisto, o novo e a

invenção”. (MORIN, 1999, p.42). O teatro é um resgate aos valores e princípios

humanos, pois ele é feito de emoções. As pessoas o fazem ou freqüentam “para se

emocionar, sentir alegria e tristeza, para ver e sentir a vida”. (MACHADO, 1998,

p.11). Exercitar as emoções e desenvolver a sensibilidade promove um combate a

falsa racionalidade subordinada às Inteligências Artificiais, a tecnocracia, ao

pensamento incapaz de compreender o vivo e o humano por só acreditar no

operacional, ou seja, é um combate ao domínio da pseudoracionalidade do século

XX que acreditou ser a única racionalidade e atrofiou a compreensão, a reflexão e a

visão em longo prazo e gerou a insuficiência para lidar com problemas mais graves.

Sob esse ponto de vista, considera-se que outras formas de

racionalidades existem e a emoção é fundamental para essa compreensão. Essa

está dentre os muitos valores do jogo dramático que fornece uma válvula de escape,

uma catarse emocional (KOUDELA E ARÃO, 2006, p. 66), enfim, o reconhecimento

de que o homem não é apenas razão operacional.

E se teatro é puramente humano, no saber ensinar a Condição

Humana, essas e outras características se evidenciam e fortalecem as paridades

entre a arte e os Sete Saberes. Tal condição é comum a todos os humanos e

envolve as dimensões física, biológicas, psíquica, social e histórica do ser, ou seja, a

identidade complexa de reconhecer a humanidade comum e ao mesmo tempo

culturalmente diversa, como preza o teatro.

A questão fundamental desse princípio é situar o humano no universo,

não separá-lo do humano e questionar sua posição no mundo. Aproxima-se da

proposta Brechitiana, por exemplo. O dramaturgo rompeu com o método de

Stanislavski e propôs um teatro pedagógico de conteúdo e forma que apresenta à

platéia atores que estudaram e conheceram os personagens de forma descritiva,

consciente e sugestiva. Ao contrario do naturalismo psicológico de Stanislavski, o

ator e o espectador não se envolvem emocionalmente. O ator mostra e não

interpreta, distancia-se, expõe lúcida e didaticamente suscitando opções de

comportamento mais que emoções.

Mas tanto para viver como para expor uma personagem, é necessário

conhecimento. E esse é transformador para quem faz ou assiste o teatro. Assim, os

métodos de Stanislavski e Brecht possuem propostas distintas em estética, mas

numa perspectiva de ensino do teatro voltada para a Educação do Futuro, que é

ancorada pelo princípio da não -disjunção, essas propostas são complementares,

pois não encerram-se na concepção estética e sim na perspectiva mais ampla, de

um Novo Paradigma. E para ambas é necessário conhecer o contexto para que o

Teatro ensine a Condição humana para atores e platéia, afinal, representar

desenvolve um processo de conhecimento e autonomia onde;

O desenvolvimento progressivo do sentido de cooperação leva à autonomia da consciência, realizando a “revolução coperniciana” que se processa no indivíduo, ao passar da relação de dependência para a independência. A mesma revolução que ocorre com a criança em desenvolvimento pode ser acompanhada de crescimento do indivíduo no palco.( KOUDELA in SPOLIN, 1985, p. 13)

Esse conhecimento envolve o enraizamento/desenraizamento do ser

humano em relação ao cosmos e a natureza, pois o teatro passa pelas condições

cósmicas, físicas, terrestres e humanas. Se essa arte envolve essencialmente o que

é humano, a condição humana é resgatada: no teatro vai-se a fundo na vida, rompe-

se com a visão racional e cientifica, o que possibilita uma visão diferente de universo

e do cosmos, colocando a tona o que usualmente está secreto e íntimo. O exercício

de auto conhecimento do ator e conhecimento da realidade que o cerca une o

individuo ao universo, devolve o “além” do mundo físico e vivo no qual está “a

plenitude da humanidade”. (MORIN, 1999, p. 51) que contribui, nesse saber, para a

busca do humano no humano (a unidualidade originária que nos faz ao mesmo

tempo biológico e cultural).

No circuito cérebro/mente/cultura a mente humana é uma criação que

emerge e se afirma na relação cérebro-cultura onde aparece o bioantropológico com

o circuito razão/afeto/pulsão. A tríade que concebe o cérebro paleocéfalo e integra a

animalidade (mamífero e réptil) na humanidade e a humanidade na animalidade é

exercitada no Teatro porque esse resgata os instintos humanos como matéria prima

para o ator ao buscar e trazer à tona as emoções e sensações, por exemplo. O

exercício das relações complementares e antagônicas, dos conflitos entre a pulsão,

o coração e a razão do ser humano que permite maior conhecimento e convívio

entre emoções e razão e evita a relação frágil que usualmente domina ou escraviza

uma sobre a outra. Trata-se do encontro com o instinto de teatralidade inerente a

todos e que evidencia os aspectos não racionais do homem.

No Circuito indivíduo/sociedade/espécie, relacionam-se as interações

que os indivíduos produzem na sociedade com a pesquisa individual (do

autoconhecimento), a social e a cultural que são fundamentais para a criação teatral

na montagem de um texto. A cultura é matéria prima para o ator e a montagem de

um espetáculo, esse por sua vez, retroage sobre os indivíduos e a sociedade,

modificando a própria cultura. Ela carrega em si a unidade e diversidade humana

(unitas multiplex) e na Educação do Futuro reflete - se em todas as esferas

(individual, social e das pluralidades) por ser objeto de pesquisa do teatro e

estimular a consciência e respeito pelas diferenças que exalta a esfera individual; a

unidade/diversidade genética, cerebral, mental, afetiva, intelectual e subjetiva; a

social; a unidade das línguas/linguagem; e a cultural a relação entre cultura e

culturas, como preza Morin.

Ele ainda diz nesse saber que o homem traz em si, de modo

bipolarizado, os caracteres antagonicos: sapiens/demens (sábio e louco), faber e

ludens (trabalhador e lúdico), empiricus e imaginarius (empírico e imaginário),

economicus e consumans (econômico e consumista), prosaicus e poéticus (prosaico

e poético). Esses são, por sua vez, os caracteres matéria prima do teatro, tanto na

pesquisa do ator como na função intrínseca da arte.

A Condição humana é explicita na relação com o teatro ao afirmar que

o homem não vive só de técnica, mas também se desgasta, entrega, se dedica a

danças, transes, mitos, magias, ritos, crenças, sacrifícios, preocupa-se com a morte

em vida na realidade do Homo Complexus que confunde o objetivo e o subjetivo, o

real e imaginário e rompe os controles (racionais, culturais, materiais) para alívio dos

medos humanos. O teatro envolve todas essas manifestações desde sua origem.

Morin destaca a importância da criatividade ao afirmar que a

possibilidade do gênio decorre de que o ser humano não é completamente

prisioneiro do real, (lógica, código genético, cultura e sociedade), e sim da brecha do

incontrolável onde a loucura e a criação (fruto da profundeza obscura da

psicoafetividade e da consciência). O teatro, como foi apresentado em relação ao

novo paradigma, é um exercício de estímulo à criatividade, um caminho à essa

profunda zona da mente.

O saber ensinar a Identidade Terrena preza pelo pensamento não

abstrato e consciente da unidade/diversidade, da condição humana. No teatro é

fundamental que se esteja consciente das diferenças e da diversidade humana, pois

é essa a matéria prima do ator. Como preza esse saber, o Teatro também é nutrido

das culturas do mundo.

Essa consciência pode evitar o preconceito e gerar uma postura crítica.

No teatro de Brecht, por exemplo, ator e espectador são conscientes e agentes de

transformação social e histórica pelo efeito do distanciamento, o estranhamento para

que se acompanhe o que assiste de forma critica e não envolvente e

responsabilidade moral e ideológica. Essas, por sua vez, advém da consciência da

realidade exposta.

A mundialização dos indivíduos priorizada na Identidade terrena como

resposta para o desenvolvimento concebido unicamente de modo técnico–

econômico que chegou a um ponto insustentável aparece também na relação com o

Teatro. Morin afirma que tal consciência vai além do material; passa pelo intelectual,

afetivo e moral, ou seja, os valores intrínsecos a arte. Em algumas metodologias

como Brecht, chega a ter a prática social por ideologia. No Brasil, um exemplo é o

trabalho de Augusto Boal, voltado para “qualquer pessoa que desentorpeça o corpo

comprometido pelo cotidiano da sociedade capitalista”. (CARVALHO, 1992, p.76).

Assim, na relação com os Sete Saberes, o Teatro é também um

antídoto contra o legado do século, a aliança entre as duas barbáries (a da

profundeza dos tempos; da guerra, massacre, deportação e fanatismo e a da

racionalização, que só conhece o cálculo e ignora o indivíduo, o corpo, os

sentimentos, a alma). A dominação desenfreada da natureza pela técnica que gerou

tal cenário pode encontrar, segundo Morin, recursos criativos inesgotáveis para

vislumbrar um terceiro milênio de nova criação, baseado na cidadania terrestre. Ele

cita algumas contracorrentes que já deixaram uma contribuição (ecológica,

qualitativa, de resistência à vida prosaica puramente utilitária, de resistência à

primazia do consumo, de emancipação em relação à tirania onipresente do dinheiro,

de reação ao desencadeamento da violência). A arte – e o teatro – também é uma

delas, afinal, têm a sensibilização como uma de suas principais características.

E se a intertransformação que fala Morin se opera numa transformação

global que retroage sobre as transformações individuais, o contrário também ocorre.

Aí o teatro é agente contribuinte, pois quem faz (e assiste) teatro vivencia situações

que tocam no eu, promovem a intertransformação, a reconstrução de posturas,

ideologias, pensamentos e sentimentos.

A mudança que preza o saber Ensinar a identidade terrena também

aposta no uso da das possibilidades cerebrais ainda em grande parte inexploradas

da mente. As aptidões desconhecidas pela inteligência que podem ser

desenvolvidas pela compreensão e pela criatividade, profundamente praticadas no

teatro e das quais, segundo Morin, advém o progresso nas relações entre humanos,

indivíduos, grupos, etnias e nações.

As possibilidades antropológicas, sociológicas, culturais e espirituais:

restauram as possibilidades de esperança que estão relacionadas com as cerebrais,

com a vontade, coragem, oportunidade e tomada de consciência de estar na terra.

Essa consciência vem da responsabilidade e solidariedade, da crítica, autocritíca e

compreensão mútua que podem ser desenvolvidas no Teatro. A Religação que

substitui a disjunção e apela à simbiosofia (a sabedoria de viver junto, considerando

a unidade, mestiçagem e a diversidade) contra a homogeneização e o fechamento é

exercitada no Teatro já que nesse aprende-se a lidar com as diferenças, a conviver

junto, trabalhar em grupo, compartilhar.

O saber Enfrentar as incertezas, prioriza o ensino das incertezas

surgidas nas ciências físicas, biológicas e históricas. No teatro a incerteza sempre foi

um pressuposto, como foi apresentado na relação entre Ecologia da ação e Jogo

teatral na educação do novo paradigma. Assim, nesse princípio, vê-se a contribuição

do Teatro para o desenvolvimento de estratégias para enfrentar os imprevistos e o

inesperado para a tomada da consciência de que a história é uma aventura

desconhecida e o progresso é incerto.

Nesse saber, diz-se que as grandes transformações são

morfogêneses: criam formas e expressa-las novas que podem constituir

metamorfoses. Criar formas é uma das funções da arte, da estética, e logicamente,

do teatro também. É o exercício pleno da criatividade.

O processo de enfrentar as incertezas passa pelo conhecimento

cérebro-mental (tradução e reconstrução própria a todo conhecimento); lógica

(contradição e não contradição); racional (racionalidade autocrítica e vigilante para

evitar a racionalização) e psicológica (sempre há, na mente, algo fundamentalmente

inconsciente). Diz-se que a realidade não é facilmente legível; é uma noção em que

não importa não ser realista (adaptar-se ao imediato) nem irrealista (subtrair-se às

limitações da realidade) no sentido trivial, mas sim no complexo (compreender a

incerteza do real, as possibilidades invisíveis no real). Por isso Morin afirma que é

“preciso saber interpretar a realidade antes de reconhecer onde está o realismo”.

(MORIN, 1999, p.85). No Teatro, interpretar um texto ou construir uma cena implica

na interpretação da realidade e vice-versa. O desenvolvimento de um tema de

improvisação também significa criar ou recriar uma realidade num exercício de

percepção, observação e criatividade, além do que;

A estrutura dramática, a dramaturgia, as características e as ações dos personagens estão de tal forma interrelacionadas e articulados que a narrativa, o personagem e as ações vão além de si mesmas. Provocam uma apreciação estética incomparável, uma contemplação. Um texto clássico considerado uma obra de arte geralmente nos faz mergulhar no fundo fictício como se fosse nossa própria realidade. A razão desse fenômeno não reside apenas em uma questão de gosto pessoal, mas também na capacidade de comunicação desse tipo de texto dramático, dada pelo seu poder de síntese e pela condição de inteligibilidade dessa síntese. Uma ação inteligente gera ações inteligentes. “A inteligência só é possível pelo inteligível” (Ibri, 1992:57) (MACHADO, M. A., 2006, p. 100)

A Ecologia da ação, como já foi apresentada, é o próprio jogo teatral e

a improvisação: se operam a partir da ação incerta, mas necessária que reflete uma

decisão, escolha ou aposta. “Nenhuma ação está segura de ocorrer no sentido de

sua intenção” (MORIN, 1999, p.90). Por isso, o desenvolvimento de estratégias

também é fundamental no jogo de Teatro por que esse também não se remete à

não-ação, mas sim ao desafio que conhece riscos da ação empreendida que se

modifica constantemente no desenvolvimento, com acasos, contratempos e

oportunidades no percurso. E quando exercitada no teatro a aptidão de criar

estratégias estende-se para a vida.

Assim, a improvisação e o jogo teatral são exemplos práticos da

utilização da estratégia, pois estimulam a prudência, audácia, estabelecem

compromissos, elaboram cenários de ação, examinam e executam na base de

certezas e incertezas, probabilidades e improbabilidades do desenrolar de uma

situação. Um jogador atento, no Teatro, reconhece as oportunidades de risco e

os riscos de oportunidade da proposta cênica. E no improviso, vê-se que quando se

mantém a calma (principio fundamental de qualquer ação cênica), compreende-se e

sabe-se esperar o inesperado, trabalha-se o improvável e obtém-se um resultado

satisfatório na ação dramática.

O princípio de ensinar a Compreensão, como já foi citado na referência

que Morin faz ao papel das artes e dos artistas, relaciona-se diretamente com o

Teatro. Esse saber preza a condição e garantia da solidariedade intelectual e moral

da humanidade.

O problema duplamente polarizado desse saber (do pólo planetário e

do pólo individual) é trabalhado no Teatro da mesma maneira como no saber as

Cegueiras do conhecimento contribuem na questão dos erros e ilusões mentais,

intelectuais e da razão humana, ou seja, a partir do auto-conhecimento, o

conhecimento do outro e da cultura, da história e sociedade que a arte promove.

Esse saber abrange o conhecimento de sujeito a sujeito, onde o outro

não é apenas é percebido objetivamente, mas como outro sujeito com o qual se

identifica e cujo ego alter se torna alter ego. No Teatro isso é exercitado pelo

trabalho em grupo, já que “passa necessariamente pelo estabelecimento de acordo

de grupo, por meio de regras livremente consentidas entre os parceiros (...) Na

prática, com o jogo teatral, o jogo de regras é o princípio organizador do grupo de

jogadores para a atividade teatral. O trabalho com a linguagem desempenha a

função de construção de conteúdos, por intermédio da forma estética”. (KOUDELA E

ARÃO, 2006, p.69).

Ensinar a Compreensão inclui um processo de empatia, identificação,

projeção. È intersubjetivo e necessita de abertura, simpatia e generosidade, como o

Teatro, que assim pode contribuir para a diminuição das indiferenças, do

egocentrismo e do sociocentrismo.

O egocentrismo (a self-dececption, tapeação de si mesmo pela

autojustificação, autoglorificação e a tendência a jogar sobre outrem a causa dos

males) é trabalhado no Teatro pelos exercícios de interiorização, autoconhecimento,

construção de uma personagem (quando recorre à memória emotiva do Eu, como já

foi apresentado). O Etnocentrismo e sociocentrismo (que envolvem as xenofobias e

o racismo) são trabalhados no Teatro a partir da pesquisa que leva ao conhecimento

de outras culturas e na relação com o outro, com o grupo, o que diminui o pré-

conceito que reduz a um único traço o ser humano múltiplo por natureza, afinal;

O jogo teatral visa efetivar a passagem do teatro concebido como ilusão para o teatro concebido como realidade cênica. A passagem do Jogo Dramático ou Brincadeira de Faz-de-Conta para o Jogo Teatral representa a transformação do egocentrismo em jogo socializado. (KOUDELA in SPOLIN, p. 13, 1985).

Dessa forma, o Teatro, através do jogo teatral e outras práticas,

contribui para diminuir a possessão por uma idéia ou fé que dá convicção absoluta

de verdade e aniquila as possibilidades de compreensão de outras idéias, pois

também favorece o bem pensar pois ensina em conjunto o texto e contexto, o ser e

o meio ambiente, o local e o global, o multidimensional, as condições – objetivas e

subjetivas - do comportamento humano, a descentralização de si mesmo, o

complexo e a introspecção a partir do auto-exame (que revela a falibilidade,

fragilidade, insuficiência e carência de todos os seres que necessitam de mútua

compreensão). O Teatro é uma atividade ao mesmo tempo de auto-conhecimento

relação com o outro, com o grupo, promove a interiorização da tolerância, a

convicção, fé, escolha, ética, aceitação da expressão das idéias, escolhas

contrárias, sofrimento ao suportar a expressão de idéias negativas ou nefastas e a

vontade de assumir este sofrimento.

Ensinar a compreensão através do Teatro busca a manifestação do

respeito ao direito de proferir um propósito; a nutrição de opiniões diversas e

antagônicas (democracia); a noção de que o contrário de uma idéia profunda é outra

idéia profunda, a consciência das possessões humanas pelos mitos, ideologias,

idéias e deuses, a relação das pessoas com a ética da era planetária, enfim, a

mundialização da compreensão.

Tal como a cultura oriental valoriza a paz interior e a relação

harmoniosa com o corpo (isolados do ocidente em função do ativismo, produtivismo,

eficácia, divertimento, pragmatismo, quantitativismo e consumismo desenfreado,

como foi apresentado em capítulos anteriores) o Teatro também o faz. Além do

desenvolvimento humano, intelectual, cultural e social, como já foi apontado, a arte

também promove a consciência do corpo e voz, tendo esses como parte integrante

de um ser humano que não é apenas racional, como faz visão cartesiana que

disjunta corpo e mente.

O último Saber, por fim, denominado de Ética do gênero humano,

evidentemente também possui relações com o Teatro. Esse saber é o processo que

não se ensina por lições de moral e sim pela consciência através da relação de

controle mútuo entre a sociedade e indivíduos e pela democracia tida como

comunidade planetária.

Afirma-se que o circuito indivíduo/sociedade/espécie ocorre

mutuamente, cada um é, ao mesmo tempo, meio e fim, nenhum é absoluto: o fim é a

própria tríade, rotativa, em cujo seio emerge a consciência e o espírito propriamente

humano. O saber procura instruir o ser humano à humanização, obedecer e guiar a

vida, alcançar a unidade planetária na diversidade, respeitar as diferenças e

identidades, desenvolver a ética da solidariedade e compreensão do gênero através

da antropo-ética, características que se desenvolvem no trabalho em grupo que

exige o Teatro.

Na busca pela democracia que preza o saber, o Teatro também está

presente. Essa prática visa substituir as lutas físicas por lutas de idéias. O Teatro

envolve a expressão e discussão de idéias, um verdadeiro exercício político. O

desenvolvimento da ciência, da técnica e da burocracia, a hiperespecialização que

tornou o saber esotérico e anônimo e que afeta a política e a vida cotidiana pode ser

combatido pelo o Teatro já que essa arte envolve conhecimento, humanização e

sensibilização como prioridades.

Morin fala que a tecnoburocracia e o acesso às novas tecnologias

criam a dualidade entre os que conhecem e os considerados ignorantes na

sociedade; é uma fratura social, a criação da nova classe, que faz urgente a

regeneração democrática, que supõe a regeneração do civismo, da solidariedade e

da responsabilidade. O contrário ocorre com o Teatro; é um exercício humano e de

trabalho em grupo, que dessa forma representa um combate à exaltação tecnocrata.

Nesse saber é fundamental o ensino da cidadania terrestre e da

humanidade como destino planetário. Tal consciência pode ser desperta pelo

Teatro, já que esse preza a humanidade não como uma noção abstrata, mas sim

como realidade vital e ideal, uma comunidade de destino que precisa ser realizada.

A necessidade da política do homem e da civilização, a reforma do pensamento, a

antropo-ética, o verdadeiro humanismo, a consciência da Terra-pátria tratadas de

modo multidimensional, a expansão e livre expressão dos indivíduos para a real

relação democrática de indivíduo/sociedade/espécie no Teatro são desenvolvidos na

prática, com a relação do grupo. Na teoria vê-se em autores como Brecht e Boal e

também em textos dramáticos que despertam a consciência cultural e histórica. Na

prática do jogo teatral, por exemplo, VIOLA SPOLIN (1985, p. 11) é explícita na

relação entre o teatro e a democracia que preza ensinar a Ética do gênero humano;

Na relação autoritária, a regra é percebida como lei. Na instituição lúdica, a regra do jogo pressupõe o processo de interação. O sentido de cooperação leva ao declínio do misticismo da regra quando ela não aparece como lei exterior, mas como resultado de uma decisão livre porque mutuamente consentida. Cooperação e respeito mútuo são formas de equilíbrio ideais que só se realizam através do conflito e exercício da democracia.

Assim, vê-se que, teoricamente, há inúmeras relações entre o Teatro e os

Sete Saberes da Educação do Futuro. Essas são ilustradas na prática a partir da

proposta pedagógica que será descrita no capítulo a seguir.

5 PRÁTICA PEDAGÓGICA DO TEATRO NUMA NOVA EDUCAÇÃO

No paradigma antigo a ciência é a única forma de validação do

conhecimento. Um paradigma emergente propõe a valorização de outras formas de

conhecer. A arte é uma delas, pois além ser forma de conhecimento é

manifestação humana que trabalha em prol da criatividade e revela a produção e

ação social. Por isso é possível e necessária uma educação através dela, capaz de

influenciar e de transformar a sociedade com vistas nos sete princípios da Educação

do Futuro e de um pensamento humano Complexo.

O presente capítulo descreve o exemplo de uma prática pedagógica de

ensino do Teatro que tem foco a formação do aluno dentro desse ideal. Como foi

explanada teoricamente no capítulo anterior, a proposta busca os princípios da

Complexidade que abraçam e não excluem, e por isso recorre-se a diversos e até

contraditórias metodologias do Teatro e Teatro educação.

5.1 TeM - Teatro Medianeira: um exemplo do ensino de teatro na escola

Na Escola, entre outras áreas do conhecimento, cabe ao Ensino da Arte a Responsabilidade maior de construir e desenvolver a produção criadora humana, pelo menos no que se refere ao pensamento estético. (SAMWAYS, 2002, p. 05)

Não apenas os valores estéticos da arte ou do Teatro estão em foco na

presente proposta de prática pedagógica. O objetivo é apontar, através de

referências de Teatro na educação, caminhos para a formação de sujeitos dentro da

visão de complexidade e contribuir para a Educação do Futuro e construção do

Novo Paradigma. Trata-se, portanto, também de uma metodologia complexa, não

fechada, com a preocupação em que;

não somente na esfera do teatro como em qualquer área do conhecimento, os pressupostos metodológicos de uma metodologia de ensino necessitam proporcionar o conhecimento da estrutura teórico-prático dos procedimentos que levam à aprendizagem, ensejando a incorporação do pólo instrucional ao pólo sócio-cultural. Nessa trajetória, o que se convencionou denominar de metodologia do ensino adquire um valor relativo que se configura no enlace entre educador e educando, em meio às condições objetivas (matéria, situação escolar, ambiente etc.) e subjetivas (pessoas, comunidades, etc.). (KOUDELA E ARÃO, 2006, p. 63)

A prática pedagógica descrita no presente capítulo é resultado do

trabalho denominado TeM – Teatro Medianeira (Anexo 01) e desenvolvido desde o

ano de 2003 no Colégio Nossa Senhora Medianeira, em Curitiba. Teatro é uma

atividade optativa de quatro horas-aulas semanais, oferecida pela escola no contra -

turno das aulas normais para alunos de todas as séries, separados em turmas de

acordo com a seguinte faixa etária:

- alunos de primeira à terceira série do ensino fundamental;

- alunos de quarta e quinta série

- alunos de sexta e sétima série

- alunos de oitava série e ensino médio

O número de alunos por turma vária de 06 a 30, o que não influencia

na essência da proposta que tem como prioridades (decorrentes dos princípios

apresentados na relação com os Sete Saberes) desenvolver;

- auto-conhecimento

- conhecimento geral (social, cultural, histórico)

- conhecimento do outro

- criatividade

- sensibilidade

- consciência crítica-reflexiva

- cultura artística

- interpretação e reconstrução da realidade

- consciência corporal e vocal

- debate e exposição de idéias

Para tanto, o embasamento metodológico que se faz apóia-se nas

práticas de jogos teatrais, improvisação, questionamentos histórico-crítico-reflexivo,

técnicas de consciência corporal e vocal, montagem e encenação de espetáculos.

Embora experimental, a proposta de prática pedagógica enquanto

método tem-se desenvolvido com sucesso como demonstra a resposta dos pais,

alunos, professores e até da mídia (Anexo 02), sendo o Teatro-educação um

caminho (método, do grego, significa: meta, “pelo, através” e hodós, “caminho”) que

busca a “unidade entre teoria e prática que compreende o ambiente educativo em

face da realidade cultural na qual os atores estão inseridos”. (KOUDELA E ARÃO,

2006, p.64). Preocupa-se dessa forma, em ser “Uma atividade de natureza

complexa que se torna objetiva somente quando é convertida em procedimento

pedagógico voltado para a superação do apriorismo, do dogmatismo, e do

espontaneísmo” (KOUDELA e ARÃO, 2006, p.64).

Cada um dos objetivos da educação pelo Teatro aqui proposto

enquanto teoria e prática pedagógica serão explicados e exemplificados a seguir, de

acordo com o método de trabalho desenvolvido na escola.

5.1.1 - Jogos Teatrais

O objeto do jogo teatral é um problema que precisa ser solucionado. O

problema representa o foco dos jogadores que seguem as regras da estrutura

dramática (onde, quem, o que), no qual o professor/diretor orienta as instruções para

os jogadores.

A base dessa prática são os trabalhos da considerada grã-sacerdotisa

do Teatro Improvisacional, Viola Spolin (1906-1994) e a principal representante no

Brasil, Ingrind Dormien Koudela. O método promove envolvimento com o grupo,

desenvolvimento da liberdade pessoal dentro das regras estabelecidas e a

espontaneidade, além da contribuição para a aprendizagem cognitiva, psicoafetiva e

motora de acordo com o modelo piagetiano de desenvolvimento intelectual.

Esses aspectos são internalizadas e direcionadas para a educação dos

Sete Saberes, como foi apresentado. Somam-se aos Jogos aprendidos com essa e

outras literaturas experiências como cursos práticos e trocas com colegas da área (o

professor deve estar em constante aprendizagem e renovação) e ainda, de acordo

com a necessidade da turma ou direção de determinada cena ou espetáculo ou a

criação de algum jogo específico.

Por exemplo, em um esquete para introduzir uma aula de Geografia

(para oitavas séries) sobre a ditadura militar no Brasil o TeM fez um trabalho em

cima da música “Cálice” de Gilberto Gil e Chico Buarque. Uma das alunas deveria

representar corporalmente a tortura física como resposta às palavras humilhantes de

um ditador. A busca da memória emotiva de um contexto de humilhação foi feita a

partir de uma situação hipotética proposta para o grupo: imaginaram que a aluna

(que seria a torturada) era a garota Suzane von Richthofen que na vida real

assassinou os pais (estava em voga nos noticiários da época). Nessa situação, as

colegas que no teatro não conseguiam falar palavras agressivas para a amiga,

conseguiram auxiliá-la na construção da personagem através do encontro da

memória emotiva que a situação hipotética propiciou ao grupo.

Evidentemente, trabalhar memória emotiva, sobretudo em situações

dramáticas como essa, é um exercício delicado para adolescentes. Por esse motivo

é necessário ser um processo acompanhado de conversa com o grupo para

despertar a consciência da distância entre a pessoa e a personagem, a ilusão e a

realidade cênica bem como a realização posterior de jogos que despertam memórias

emotivas positivas para que os alunos saiam da aula de Teatro com uma sensação

catártica e positiva para a realidade.

5.1.2 – Improvisação

Na improvisação se vê que os alunos exercitam explicitamente a

criatividade. Essa proposta é o desenvolvimento de uma cena a partir de um tema

apresentado pelo professor.

A improvisação necessita de um olhar atento da realidade, pois para

recriar é preciso conhecer. E quem é capaz de criar a realidade cênica deve ser

capaz de transformar a realidade quando se a educação pelo Teatro orientar para

isso. Dessa forma, os temas de improvisção são fundamentais na perspectiva da

educação para o século XXI.

Um exemplo que marcou a história do TeM foi o espetáculo A

paznomundonapaz, apresentado em maio de 2005 no Teatro Fernanda Montenegro,

em Curitiba. (Anexo 03). A peça juntou todas as turmas de teatro em torno do tema

paz. Foi criado a partir de improvisos que cada turma fez diante do tema, que

revelou, de acordo com a faixa etária de cada grupo, a dimensão de mundo e paz

que cada idade possui.

Dessa forma, viu-se que os alunos pequenos estabeleceram relações

com os conflitos do universo familiar, vizinhos e colegas de sala de aula. Já os

alunos de 4º e 5º série ampliaram a visão para dimensão escolar e da natureza.

Alunos de 6º e 7º série que já possuíam a dimensão do país abordaram o tema dos

menino de rua. Foi um aprendizado muito significativo, pois os alunos não

conheciam direito essa realidade e para interpretar os personagens, recorreram a

artigos de jornais, revistas, documentários e observação da realidade. Na

apresentação do espetáculo um grupo grande de ex-meninos de rua foi assistir o

trabalho e meses depois, o grupo de Teatro foi até a comunidade deles,

(denominada Quatro Pinheiros7), para apresentação de outra peça e troca de

experiências. Os alunos desse grupo de Teatro passaram a enxergar os meninos de

rua e as questões envolvidas nessa realidade de outra maneira, da mesma forma

que, certamente, o Teatro também tocou na vida dos garotos de Quatro Pinheiros.

A dimensão de guerra e paz para os alunos de 8º e Ensino Médio foi

tratada no contexto mundial. Foram abordadas as Grandes Guerras e desenvolvidos

esquetes baseadas em poemas de Vinícios de Moraes a respeito do tema ( “A Rosa

de Hiroxima”, “A Bomba Atômica”, “Depois da Guerra”). Ao mesmo tempo em que os

alunos ampliaram as referências a cerca da questão, o fizeram de uma forma

poética e sensível, aprendendo sobre um importante poeta da literatura nacional.

Os temas de improvisações, assim, direta ou indiretamente levam os

alunos a perceberem o mundo e se perceberem no mundo; desenvolvem e ampliam

7 Os “Meninos de quatro pinheiros” são garotos que fazem parte de uma Fundação Educacional de mesmo nome. Essa ONG dá assistência educacional integral à crianças e adolescentes de classes menos favorecidas de Curirtiba e Região Metropolitana.

a consciência crítica, a postura de sujeitos da história, os Sete Princípios da

Educação do Futuro. Os exemplos apresentados procuraram mostrar a influência

que o Teatro tem no conhecer, reconhecer e atuar na realidade.

5.1.3 - Questionamento histórico-crítico-reflexivo

Do ponto de vista epistemológico, há algum tempo atrás os fundamentos do teatro educação eram pensados a partir de questões dirigidas ou formuladas pela psicologia e educação, indicando o caminho a orientar. Hoje a história e a estética do teatro fornecem conteúdos e metodologias norteadoras para a teoria e prática educacional. Podemos dizer que a situação se inverteu, sendo que especialistas de várias áreas e em vários níveis de ensino – da educação infantil ao ensino superior - buscam a contribuição única que a área de teatro pode trazer para a educação. (KOUDELA E ARÃO, p.65)

Um objetivo fundamental da proposta pedagógica do TeM é, através do

Teatro, despertar a consciência crítica reflexiva para que os alunos atuem como

agentes históricos, como transformadores e construtores de uma realidade. Essa é

uma das características que diferencia o TeM, e para isso também se apóia em

dramaturgos e teóricos como Brecht e Augusto Boal e procura recorrências ao

explícito papel do teatro na sociedade, como ocorreu, por exemplo, na década de

60, quando eclodiram diversos movimentos interessados na questão da cultura

(CPCS - Centros Populares de Cultura, MCPS – Movimentos de Cultura Popular,

MEB – Movimento de Educação de Base) cujo objetivo era “uma tentativa de suprir a

carência cultural das classes trabalhadoras. Os CPCs, vinculados à União dos

Estudantes (UNE), levavam por meio do teatro de rua a cultura, transformando em

palco as praças, sindicatos e universidades”. (SAMWAYS, 2002, p. 35). A mesma

consciência procura-se despertar nos alunos seja num contexto escolar ou social,

por isso a utilização de temas históricos, filosóficos, culturais e sociais.

O citado esquete de “Cálice” e o Espetáculo “Apaznomundonapaz são

exemplos. O TeM sempre procura, de alguma forma, analisar questões políticas,

culturais e sociais para o despertar da consciência crítica e desenvolver o que

entende por Teatro na educação não só em esquetes ou exercícios de aula, mas

também nas peças e espetáculos que muitas vezes brotam desses exercícios e

improvisações.

Essa proposta rendeu, por exemplo, em 2004, o prêmio de Destaque,

no II Festival de Esquetes do Sesc Paraná com a peça “A Caverna”. A montagem foi

feita a partir de improvisações dos alunos de 8º série e Ensino Médio baseadas na

alegoria “A Caverna”, de Platão. Dessa forma, em primeiro lugar, os alunos

precisaram conhecer o texto e o contexto da filosofia para a compreensão do conto

base. Depois, a partir de debates e outras referências construíram a idéia de o que

representa “A Caverna” nos dias atuais (os alunos concluíram ser a televisão, os

meios de comunicação de massa e a mídia em geral) e por fim, montaram as cenas

que foram amarradas e constituíram a peça de teatro (Anexo 04).

Além do festival e da escola (apresentações que se manifestaram para

o público do festival, colegas de série, parentes, amigos e professores) “A Caverna”

foi apresentada para os alunos do primeiro ano do curso de Filosofia da Pontifícia

Universidade Católica do Paraná, alguns alunos de Pedagogia e outras graduações

durante a Feira de Cursos da Universidade. Após a apresentação, os alunos/atores

se colocaram em debate com a platéia, o que rendeu uma rica experiência de

aprendizagem para ambos.

Nesse caso, os alunos montaram a própria história. Mas o objetivo do

TeM também recorre a textos teatrais já existentes e que também possam despertar

a consciência histórico – crítica – reflexiva nos alunos e platéia. Em 2005, os alunos

também de 8º e Ensino Médio montaram “As Bruxas de Salém”. Trata-se de um

texto dramático que conta a realidade de um período de inquisição nos EUA do

século XVII no qual, em função dos interesses de poder muitos inocentes foram

julgados e condenados a morte (Anexo 05).

Mais próximo do contexto Brasileiro foi a montagem de “Morte e vida

severina” (dezembro 2004) que abordou a questão da seca e dos retirantes

nordestinos (Anexo 06). Nessa experiência, além do conhecimento acerca da cultura

nordestina (para composição estética do espetáculo) e social (a questão da miséria

toda apresentada na obra) os alunos tiveram contato com uma referência literária

importantíssima da história brasileira. Essa peça foi apresentada durante a missa de

Natal da escola. O objetivo, tanto por parte do Teatro como dos organizadores da

missa, foi apresentar um Auto natalino não convencional para abordar questões

reais e sensibilizar para as mesmas. No ano anterior já havia ocorrido experiência

semelhante durante a celebração de natal; Os alunos de teatro fizeram uma

homenagem aos catadores de papel e à Efigênia Rolim8 (Anexo 07) e questionavam

o consumo exagerado que a época promove.

Dessa forma, além da experiência estética na confecção de cenários e

figurinos utilizando papeis de embalagem, como faz Efigênia (que assistiu a peça e

foi homenageada na missa), os alunos também aprenderam e de certa forma

vivenciaram um contexto diferente, questionaram os valores consumistas que a

sociedade mitifica durante as festas de fim de ano. Como afirma STANISLAVISKI

(2000, p.36) a respeito da vivência da personagem pelo ator: ”alegrava-me porque

8 Efigênia Rolim é considerada uma figura folclórica de Curitiba em função da habilidade como repentista e o talento de trabalhar com objetos e embalagens recolhidos na rua.

compreendia como viver a vida de outra pessoa e o que significava embeber-me

numa caracterização. “

Com essas experiências ficou perceptível que o despertar da

consciência histórica -critica – reflexiva pelo teatro se processa pelo conhecimento

intelectual (conhecer os textos e contextos como os exemplos das montagens) mas

também pelo físico e emocional e corporal, pois o aluno vai representar determinada

situação na qual, aprende que representar é viver através do seu corpo e de sua

história. Por esse motivo, a proposta do TeM também valoriza a aprendizagem

técnica que desperta a consciência de corpo e voz, afinal, tecnicamente, intelectual

ou emocionalmente, o Teatro também ensina que;

Aprender não é apenas reconhecer o que, de maneira virtual, já era conhecido. Não é apenas transformar desconhecido em conhecimento. É a conjunção do reconhecimento e da descoberta. Aprender comporta a união do conhecido e do desconhecido. (Morin in PETRAGLIA, 1995)

Dessa forma, para o continuo desenvolvimento da proposta, além da

recorrência à fontes (livros, apostilas, internet) referentes às técnicas teatrais,

procura - se sempre estar em atualização com participação em oficinas,

congressos, seminários, trocas de informações e experiências com pessoas da área,

afinal, mesmo para quem ensina, o conhecimento e aprendizagem são contínuos e

infinitos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em relação ao problema da pesquisa, percebe-se que a proposta

pedagógica apresentada tem se manifestado de maneira positiva (ainda que em

curto prazo) como podem ilustrar: o anexo 02; entrevista cedida a rede de Tv

Comunitária de Curitiba (setembro) de 2005; o prêmio recebido no Festival de

Esquetes do SESC-PR e a participação do grupo em outros festivais; o

agradecimento e reconhecimento de pais; a reação da comunidade escolar e das

platéias; e, sobretudo, a consciência e reposta dos alunos (Anexo 08). Em longo

prazo só o tempo apresentará outros resultados. No entanto, como foi aprendido

com a Ecologia da Ação; a aposta em longo prazo é incerta, mas é consciente.

Quanto aos objetivos traçados para a presente pesquisa, tanto nos

capítulos que se referem à teoria como na pratica pedagógica, percebe-se que os

mesmos foram cumpridos. Mas a pesquisa não se encerra aqui, ao contrário, está

apenas iniciando como uma proposta prática que pode ser ampliada no Colégio

Medianeira; onde se aplica, e em outras escolas. É até mesmo uma questão a ser

discutida em pesquisas referentes à Teatro Educação, como as propostas da

ABRACE e nos cursos de Licenciatura em Teatro já que há preocupação com a

formação de Teatro-educadores.

Por ser uma atividade extra -curricular, a proposta embora se trate de

uma Pedagogia do Teatro, que “incorpora tanto a investigação sobre a teoria e

prática da linguagem artística do teatro quanto sua inserção nos vários níveis e

modalidades de ensino”, (KOUDEDLA E ARÃO, 2006, p.73), na realidade da

educação ainda está muito distante do ideal de Teatro na escola, sendo essa a

maior limitação tanto para o desenvolvimento de pesquisas quanto para a prática

pedagógica.

O Teatro na escola aparece como parte da disciplina de Artes de

acordo com os PCN´s. No entanto, como atividade curricular a presença ainda é

muito pequena, como afirma CARVALHO, sobre a importância em despertar o

instinto de teatralidade no ser humano; “essa capacidade de representação cênica é

aproveitada pelo teatro na educação que a disciplina de Educação Artística das

escolas de primeiro e segundo graus ainda desenvolvem muito discretamente como

veículo auxiliar na aprendizagem e à reformulação do comportamento dos alunos”

(1992, p. 13). Tal discrição se deve a polivalência da disciplina que envolve todas as

linguagens artísticas e reserva pouquíssimo espaço para cada uma delas. Essa é

uma questão que precisa ser profundamente discutida na busca de soluções

práticas.

Embora a LDB de 20/12/1996 tenha substituído Educação Artística

pelo Ensino de Arte, e afirme ser esse um componente curricular obrigatório nos

diversos níveis de educação básica para promover o desenvolvimento cultural dos

alunos baseado na “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o

pensamento a arte e o saber” (LDB, 1996, p. 01), muitos problemas ainda envolvem

toda a disciplina, até mesmo por questões históricas.

No Brasil, a arte sempre foi vista como lazer e entretenimento dentro

da pedagogia, donde decorre a realidade precária da disciplina: a contradição entre

discursos teóricos e a prática; a escassez de recursos e espaço físico; a alienação; a

distância entre a Licenciatura e o Bacharelado; a desvalorização no currículo e na

Escola; as leituras apressadas das teorias sobre o assunto; o despreparo e baixa-

estima dos professores; a generalização do laissez – faire como prática de sala de

aula; o preconceito e a estereotipização, a fragilidade frente a Indústria Cultural; o

senso comum que contempla um conhecimento estanque e fragmentado em relação

à arte; o preconceito; a desvalorização do trabalho nacional e a dependência dos

valores estéticos internacionais; o surgimento da área como disciplina obrigatória na

ditadura; a trajetória de lutas para defender interesses dos grupos dominantes são

alguns apontados por SAMWAYS (2002). Alia-se a essa realidade, ainda, a

necessidade que têm os professores mais comprometidos para mudar a mesma,

pois:

O quadro atual da situação do Ensino de Arte e do Professor desta área é compreendido, ao longo da história do Brasil, pelas lutas para solucionar a problemática da valorização enquanto área do conhecimento e também o entendimento de arte como trabalho criador do homem. (SAMWAYS, 2002, p. 27)

Daí desdobra-se inúmeras outras questões que podem ser

pesquisadas. Para ilustrar: a inserção do Teatro na educação frente à hegemonia

da Indústria Cultural que transforma em atores apenas rostos bonitos e em arte

modismos para consumo; A desinformação e o significado atribuído à Arte na escola

que impedem a construção do pensamento crítico; a falta do conhecimento estético

por parte das escolas e dos meios de comunicação; a necessidade de políticas

educacionais e culturais para a ampliação do saber artístico já que esse é também

conhecimento, produção humana e criadora; a necessidade de um

reposicionamento quanto ao ensino de todas as artes em função do Novo

Paradigma que se apresenta; a investigação a respeito à formação de professores a

luz de um novo paradigma.

Especificamente em relação ao Teatro na educação do Novo

Paradigma, outras questões podem ser levantadas como: a relação entre a Poética

de Aristóteles e a Complexidade; Teatro além do trabalho da interpretação ou

direção, mas sim como acontecimento que envolve e educa a platéia; outras

propostas de ensino do Teatro que acompanhem as mudanças e reintegram-no

contexto do Novo Paradigma.

Apesar da amplitude a ser pesquisada e de tantos problemas acerca do

Teatro na Educação, a questão não deve ser vista com olhares apocalípticos, ao

contrário, deve ser vista com perspectiva de busca de soluções, como vem sendo

apontada pela ABRACE;

Nas últimas décadas, a presença da arte na educação brasileira alterou-se, fazendo emergir algumas conquistas bastante significativas, a saber: (i) a legislação curricular foi aperfeiçoada em todos os níveis da educação nacional; (ii) os cursos universitários atualizaram seu projeto pedagógico ou estão adotando essa estratégia; (iii); há entidades representativas da produção intelectual atuante em todas as linguagens e a atuação da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas/ABRACE é um dos exemplos mais significativos; (iv) mudou o panorama editorial em termos quantitativos e qualitativos, graças, sobretudo, à pesquisa desenvolvida nos cursos de Pós-graduação. (KOUDELA E ARÃO, p.64).

A presente pesquisa que tem prosseguimento prático com as

atividades do TeM coloca-se nesse quadro enquanto um contribuinte na defesa do

Teatro para a Educação do século XXI. Esse é, ainda, o 4º ano de trabalho no

Colégio Nossa Senhora Medianeira, há muito para ser feito e possivelmente

algumas idéias até serão reconstruídas e modificadas (como ocorre com o

conhecimento na concepção do Novo Paradigma). Mas certamente foco do trabalho

não perde a crença no Teatro como um transformador dos sujeitos e da sociedade,

produtor cultural e artístico de sentido no contexto da vida dos que se envolvem já

que permite a compreensão de mundos individuais, sociais e culturais a partir da

ressignificação, interpretação, e reconstrução desses mundos.

Para tanto, sugere-se algumas recomendações finais como o

desenvolvimento de pesquisas acerca das questões levantadas; o investimento na

formação de professores de teatro para o Novo Paradigma (afinal, se a mudança

vem das bases, da educação, é preciso que os educares estejam preparados),

Universidades e pesquisas na área; a busca de meios para que o Teatro – e a arte

em geral – tenham maior acesso às pessoas, já que é também fonte de

conhecimento.

REFERÊNCIAS

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ANEXOS ANEXO 1 – LOGOMARCA DO TEM.......................................................................135

ANEXO 2 – REPORTAGENS PUBLICADAS..........................................................127

ANEXO 3 – ESPETÁCULO “APAZNOMUNDONAPAZ"..........................................128

ANEXO 4 – “A CAVERNA” ......................................................................................129

ANEXO 5 – “AS BRUXAS DE SALÉM” ..................................................................130

ANEXO 6 – “MORTE E VIDA SEVERINA”..............................................................131

ANEXO 7 – “UM NATAL DIFERENTE”....................................................................132

ANEXO 8 - CARTA DE .UM ALUNO.............................. ........................................133

ANEXO 1 – LOGOMARCA DO TeM

Desenho de Juliana Cavassin

ANEXO 2 - REPORTAGENS PUBLICADAS

Gazeta do Povo, 24 de Novembro de 2004

Gazeta do Povo, 06 de junho de 2005

ANEXO 3 – ESPETÁCULO “APAZNOMUNDONAPAZ"

ANEXO 4 – “A CAVERNA”

ANEXO 5 – “AS BRUXAS DE SALÉM”

ANEXO 6 – “MORTE E VIDA SEVERINA”

ANEXO 7 – “UM NATAL DIFERENTE”

ANEXO 08 - CARTA DE UM ALUNO “Despedida.

Não serei aquele que cantará problemas futuros, nem aquele que se prenderá a

glórias passadas. Serei aquele que transformará o presente, para fazer do futuro tão

bom quanto o passado. Nesse fim de ano, quero dizer a todos vocês, sem exceção,

que com certeza, já ficaram marcados em mim. Tantos Elfos e mágicos, duendes e

cachorros, homens de lata e fadas; mulheres-bomba, homens-inseto; atores.

Transformadores dos sentimentos em realidade. Aqueles que fizeram chorar e rir.

Que alegraram e emocionaram platéias. Retratando cenas bíblicas, filosóficas,

acompanhando cada passo meu e nosso. Alguns vão sair do colégio; outros vão sair

do teatro. pode ser que nos encontremos no dia-dia, ou nos telefonemos, ou pode

ser que nunca mais estejamos juntos fisicamente. Mas o que quero que saibam é

que, de tal laço de amizade e afeto, admiração, de tal amor existente entre nós, não

há mar, terra, cidade ou pais que nos afaste o suficiente. Vocês já deixaram marcas

tão profundas em cada um dos corações aqui presentes que nós sempre vamos

estar juntos, por mais longe que estejamos. Estaremos sempre iluminando o passo

daqueles que passam por momentos de escuridão, afagando os corações em

momentos de solidão, estendendo a mão em momento de sofrimento, caminhando

lado a lado em momentos de provação. Afinal, o que quero dizer, é que vocês são

as pessoas mais importantes para mim e creio, para cada um que está aqui lado a

lado, compartilhando deste mesmo sentimento de amor, receio, amizade. Como diria

um tal Carlos Drumond de Andrade, em um de seus inúmeros poemas, “O presente

é tão grande, não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. ” Vamos de mãos

dadas. E, para finalizar, vou recitar um poema que traz a energia deste momento:

Eu queria

Eu queria poder tocar o céu,

Encontrar aquilo que está escondido,

Desenhar a face das estrelas,

Modelar as nuvens,

E aquecer o sol.

Eu queria poder fazer cada um sorrir,

Ver lágrimas de alegria rolando por suas faces,

Fazê-los lembrar de tempos remotos,

Ou felicidades recentes.

Eu queria poder transformá-los a todos

Em anjos, sem nenhuma exceção,

Viver a alegria de cada dia,

Brincar com as tenras gramas verdes dos mais belos campos,

Cantar a beleza do mundo.

Eu queria... Eu queria... Eu queria...”

Gustavo Glodes Blum

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