187
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO DANIEL CASTANHA DE FREITAS DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO: ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PODER JUDICIÁRIO CURITIBA 2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ … mestrado em direito econÔmico e desenvolvimento daniel castanha de freitas direito fundamental À saÚde e medicamentos de alto custo:

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO ECONÔMICO E

DESENVOLVIMENTO

DANIEL CASTANHA DE FREITAS

DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E MEDICAMENTOS DE

ALTO CUSTO: ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PODER

JUDICIÁRIO

CURITIBA

2016

II

DANIEL CASTANHA DE FREITAS

DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E MEDICAMENTOS DE ALTO

CUSTO: ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PODER JUDICIÁRIO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia

Universidade Católica do Paraná na área de

concentração Direito Econômico e

Desenvolvimento e linha de pesquisa Direitos

Sociais, Desenvolvimento e Globalização.

Orientador: Prof. Dr. Daniel Wunder Hachem.

CURITIBA

2016

III

Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central

Freitas, Daniel Castanha de

F866d Direito fundamental à saúde e medicamentos de alto custo : entre 2016 administração pública e Poder Judiciário / Daniel Castanha de Freitas ; orientador: Daniel Wunder Hachem. – 2016.

175 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná,

Curitiba, 2016

Bibliografia: f. 154-175

1. Direito à saúde. 2. Direitos civis. 3. Política farmacêutica. 4. Política de

saúde. 5. Poder Judiciário. I. Hachem, Daniel Wunder. II. Pontifícia

Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito.

III. Título.

Doris 4. ed. – 341.27

IV

TERMO DE APROVAÇÃO

DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E MEDICAMENTOS DE ALTO

CUSTO: ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PODER JUDICIÁRIO

por

DANIEL CASTANHA DE FREITAS

Dissertação de conclusão de curso aprovada como requisito parcial à obtenção do grau

de Mestre em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito pela Pontifícia

Universidade Católica, pela seguinte banca examinadora:

Orientador: ________________________________________

Professor Doutor Daniel Wunder Hachem

Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica

do Paraná

Membros: ________________________________________

Professor Titular Doutor Josep Ramón Fuentes Gasó

Departamento de Direito Público da Universitat Rovira i Virgili –

Tarragona, Catalunha, Espanha

________________________________________

Professora Doutora Mônia Clarissa Hennig Leal

Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do

Sul – Rio Grande do Sul

________________________________________

Professora Doutora Adriana da Costa Ricardo Schier

Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário Autônomo

do Brasil – Curitiba, Paraná

Curitiba, 25 de novembro de 2016.

V

A minha filha Alice e esposa Gisele, pela

ausência sentida, pela compreensão velada,

pelo estímulo necessário, pela superação de

obstáculos que só o amor é capaz de realizar.

VI

AGRADECIMENTOS

Com o término da dissertação de mestrado, chega ao fim um importante

ciclo. É tempo, pois, de agradecer e recompensar, mesmo com singelas palavras,

aqueles que bem intercederam por mim e pela causa que me move. Suas ações

tornaram-se dádivas divinas e, por estas breves linhas, são para sempre reconhecidas.

Principio pelas mulheres da minha vida, a quem já dediquei o trabalho.

Gisele, esposa, companheira e colega de profissão, cujas atitudes indeléveis conseguem

reunir, com candura, três lições sublimes: exemplo de mulher, esposa e mãe. Sua

dedicação à família foi crucial para que fosse possível concluir o mestrado. Foram suas

palavras de incentivo e seus conselhos que me permitiram não esmorecer diante dos

obstáculos. Minha vitória é a sua também. A ela todo meu amor, minha gratidão e meu

respeito.

Para a doce Alice, não há palavras suficientes para expressar o amor filial.

Quando cansado em casa chegava, à noite ou mesmo pela manhã, depois de uma noite

inteira de estudos, a Pequena sempre me recepcionava com a alegria e a pureza que só

uma criança de dois anos pode oferecer. Como que perdoando o pai pela ausência, seus

beijos e abraços eram para mim a redenção, acalentando um coração aflito pela ausência

forçada, em prol de um bem maior. Obrigado filha.

Um cálido agradecimento a minha avó, Leoni da Luz Bieda de Freitas, a

“Vó Nena”, que não hesitou em ceder sua casa para o neto e nela deixou que fosse

montada uma sala de estudos permanente, sem se preocupar com os livros espalhados e

com as noites em claro lá passadas. A dissertação certamente não estaria acabada sem o

seu apoio e seus incríveis dotes culinários.

Meus pais sempre farão parte de toda e qualquer conquista por mim

alcançada. Agradeço pelo constante incentivo e por sempre me fazerem enxergar para

além do desconsolo imediato, insistindo que mais um passo fosse dado em direção aos

meus sonhos, um de cada vez. Minha mãe, minha amiga, minha conselheira, minha

professora. Meu pai, meu amigo, meu mentor, meu exemplo de hombridade. Anjos da

guarda que me guiaram tantas vezes pelos caminhos da vida e cujos exemplos para

sempre guiarão.

VII

Rendo homenagens ao meu orientador, Professor Doutor Daniel Wunder

Hachem, que me convenceu ser possível alcançar este objetivo através de muito foco,

esforço e dedicação. Tendo sido seu orientando desde a especialização em direito

administrativo no Instituto Romeu Felipe Bacellar, tive o privilégio de contar com suas

valiosas observações, sempre precisas e apuradas. Seus ensinamentos transcendem as

linhas do presente trabalho, tornando-se referências de vida, capazes de influenciar

minha formação enquanto pesquisador e docente.

Agradeço a honrosa presença dos integrantes da banca de avaliação da

presente pesquisa, Professor Titular Doutor Josep Ramon Fuentes Gasó, da Universitat

Rovira i Virgili, de Tarragona, Catalunha, Espanha; e Professora Doutora Mônia

Clarissa Hennig Leal, da Universidade de Santa Cruz do Sul, por se disporem a

contribuir para que o trabalho desenvolvido alcance seu objetivo de enriquecer, ainda

que minimamente, o debate acerca dos medicamentos de alto custo.

Ainda em relação à banca avaliadora, um agradecimento especial à

Professora Doutora Adriana da Costa Ricardo Schier, exímia jurista e docente, que

muito me honra com sua participação na conclusão do trabalho.

Um sincero agradecimento aos professores do Programa de Pós-Graduação

em Direito da PUCPR, pelo aprendizado em cada uma das disciplinas. Em especial,

exalto o conhecimento obtido com o Professor Doutor Luiz Alberto Blanchet, exemplo

de erudição, quanto ao correto emprego de diversas expressões jurídicas utilizadas na

redação da dissertação, bem como reconheço a grande honra de seu convite para

desenvolver artigo científico em coautoria. Igualmente agradeço as preciosas lições da

Professora Doutora Flávia Piovesan, expoente dos direitos humanos no Brasil e uma das

maiores docentes que já tive oportunidade de assistir. Sua sensibilidade para mediar os

debates de sua disciplina revelou-se fundamental para a apreensão do conhecimento e

para a confecção de artigo também em também coautoria, pelo que lhe presto

deferência. Por fim, os agradecimentos se estendem à Professora Doutora Heline Sivini

Ferreira, pelo exemplo de dedicação e engajamento com que exerce seus misteres e, em

especial, pela receptividade com que se dispôs a me orientar em um momento de grande

conflito interno, em um sinal de altruísmo reservado apenas aos grandes mestres.

Paciência foi a lição a ser assimilada. Mais uma vez, obrigado professora.

VIII

Dentre as muitas amizades surgidas durante o mestrado, faço menção

àquelas que influenciaram diretamente no desenvolvimento do trabalho. Agradeço a

Fábio Rezende Braga, parceiro de todas as horas e constante debatedor das ideias

lançadas no trabalho, bem como a Edson Cruz Pinto, pela parceria exercida em

trabalhos acadêmicos e artigo científico publicado em obra coletiva.

Ao amigo Professor Rodrigo Augusto Lazzari Lahoz, mestre em direito pela

PUCPR, agradeço os conselhos acadêmicos e a insistência para redigir, em coautoria,

um dos artigos científicos que culminaram por franquear a apresentação da dissertação

antes do prazo final.

IX

SUMÁRIO

RESUMO ..................................................................................................................... XI

ABSTRACT ............................................................................................................... XII

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 1

CAPÍTULO 1 – DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E FORNECIMENTO DE

MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO .................................................................... 10

1.1. O conteúdo jurídico do direito fundamental à saúde na Constituição de 1988 10

1.1.1. O direito à saúde como direito fundamental: consequências jurídicas............... 11

1.1.2. Núcleo essencial do direito fundamental à saúde e seus desdobramentos: o

mínimo existencial ......................................................................................................... 22

1.1.3. O Sistema Único de Saúde e suas diretrizes constitucionais .............................. 36

1.2. A regulamentação legislativa e administrativa do direito fundamental à saúde

e o fornecimento de medicamentos de alto custo ...................................................... 40

1.2.1. A evolução social que estabeleceu o Sistema Único de Saúde – SUS e suas

premissas vinculativas ................................................................................................... 41

1.2.2. A competência comum dos entes federativos para a dispensação de

medicamentos de alto custo: necessidade de reconhecimento para a perpetuação do

sistema de saúde ............................................................................................................ 50

1.2.3. Noção conceitual relativa de medicamento de alto custo: balizas para a

edificação de um conceito que permita o seu reconhecimento nos casos concretos, para

além do critério objetivo das listagens oficiais ............................................................. 59

CAPÍTULO 2 – TUTELA ADMINISTRATIVA DO DIREITO À SAÚDE

MEDIANTE O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO 68

2.1. Organização administrativa para a tutela do direito à saúde e para o

fornecimento de medicamentos de alto custo ............................................................ 68

2.1.1. A estruturação da Política Nacional de Medicamentos ...................................... 69

2.1.2. Os medicamentos excepcionais garantidos judicialmente: os riscos de ingerência

indevida nos desígnios da Administração ..................................................................... 73

2.1.3. A falta de cooperação entre os Poderes Executivo e Judiciário para o

estabelecimento de critérios que promovam a efetivação do direito à saúde ............... 81

2.2. Judicialização e desjudicialização da saúde: adoção de medidas eficientes no

âmbito do Executivo e Legislativo capazes de minorar a atuação do Judiciário 84

2.2.1. O protagonismo do Poder Judiciário brasileiro em decorrência da crise

institucional: o ativismo judicial ................................................................................... 85

X

2.2.2. O fenômeno da judicialização da política pós-Constituição da República de 1988

e seu crescente impacto nos tribunais brasileiros ......................................................... 91

2.2.3. A desjudicialização ocorrida em Portugal no contexto da Constituição de 1976: o

enfraquecimento do Judiciário em razão da politização da justiça e as medidas

extrajudiciais colocadas em prática .............................................................................. 94

CAPÍTULO 3 – TUTELA JUDICIAL DO DIREITO À SAÚDE MEDIANTE O

FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO ........................ 103

3.1. Panorama geral do tratamento conferido ao direito à saúde para a obtenção de

medicamentos excepcionais pela via do Judiciário ................................................. 103

3.1.1. (A falta de) Parâmetros estabelecidos pelo Judiciário na concessão de

medicamentos de alto custo ......................................................................................... 104

3.1.2. O Recurso Extraordinário com repercussão geral – RE 566.471/RN e outros

recursos relevantes para o sistema de saúde .............................................................. 115

3.1.3. A teoria da “reserva do possível”: definição, alcance e atual utilização na

jurisprudência brasileira ............................................................................................. 122

3.2. Proposições que objetivem a melhora – e a racionalização – da judicialização

da saúde quanto aos medicamentos de alto custo ................................................... 129

3.2.1. A perícia como elemento imprescindível para a obtenção de medicamentos

excepcionais ................................................................................................................. 129

3.2.2. O deslocamento da judicialização de pedidos de medicamentos excepcionais para

a Justiça Federal: procedimento ideal para sanear o SUS e promover a

sustentabilidade do sistema ......................................................................................... 134

3.2.3. A promoção de ações coletivas para a melhora do sistema de saúde .............. 142

CONCLUSÃO ............................................................................................................ 147

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 154

XI

RESUMO

O direito à saúde ocupa posição de destaque no ordenamento constitucional brasileiro.

Inserido no catálogo dos direitos sociais, suas diferentes posições jusfundamentais – de

respeito, proteção e promoção – são invocadas com frequência para defender pleitos

variados perante os Poderes Executivo e Legislativo, conforme a situação fática

apresentada. Com o expressivo alargamento do âmbito de atuação do Judiciário,

chamado cada vez mais a decidir questões antes circunscritas ao plano político, tornou-

se comum a judicialização de pleitos individuais de medicamentos de alto valor

unitário, por vezes não previstos nas listagens oficiais disponíveis, comumente

classificados de “excepcionais” ou “de alto custo”. Para compreender em que medida o

direito à assistência farmacêutica legitima a pretensão de obter medicamentos

considerados vultosos, o trabalho inicialmente situa o direito à saúde no espaço jurídico,

analisando os preceitos normativos que tipificam o direito à saúde no artigo 196 da

Constituição. Identificada a relação entre as pretensões de saúde de alto custo e o

mínimo existencial, apresenta-se o Sistema Único de Saúde (SUS), conjunto de ações

de saúde coletiva, conduzido sob as diretrizes constitucionais da descentralização,

hierarquização, regionalização, financiamento e controle social. Apesar de a própria

Constituição Federal e a legislação ordinária delimitarem o campo de atuação de cada

ente federativo para a subsistência da política pública, dados obtidos em levantamentos

oficiais exprimem o preocupante cenário de desequilíbrio nas contas de Estados e

Municípios, compelidos judicialmente a obter medicamentos de responsabilidade da

União. Dado o afluxo de ações que pleiteiam fármacos não previstos nas listagens

oficiais, foi preciso encontrar noção jurídica aceitável, sob o prisma subjetivo, para o

que são medicamentos excepcionais, além do aspecto objetivo. Na sequência, analisou-

se a Política Nacional de Medicamentos enquanto conjunto de ações apto a selecionar,

prescrever e dispensar remédios incorporados por meio de rotinas tecnológicas,

observados os princípios da equidade e justiça social, garantindo a segurança, eficácia e

a qualidade dos medicamentos em circulação. No entanto, o protagonismo judicial

experimentado nas últimas décadas induz à judicialização excessiva, mitigando a

política pública existente e criando outras anômalas, diferentemente de outros países

que optaram pelo caminho inverso da desjudicialização. No capítulo final, foram

analisados argumentos cotidianamente utilizados pelos magistrados para a concessão de

medicamentos de alto custo, exemplificando a proatividade judicial tratada

anteriormente. Especificou-se a importância do julgamento do Recurso Extraordinário

com repercussão geral nº 566.471/RN pelo Supremo Tribunal Federal, relatando os

votos até então proferidos, discorrendo-se acerca dos cenários possíveis a partir de

decisão favorável ou contrária ao dever do Estado de fornecer gratuitamente fármacos

excepcionais. A reserva do possível foi objeto de estudo verticalizado, destinado a situá-

la como antagonista do mínimo existencial. Por fim, foram deduzidas proposições

objetivas para a racionalização do direito à assistência farmacêutica de alto custo,

conferindo maior efetividade ao acesso a medicamentos excepcionais.

Palavras-chave: direito fundamental à saúde; medicamentos de alto custo;

judicialização da saúde; Administração Pública; Poder Judiciário.

XII

ABSTRACT

The right to health occupies a prominent position in the brazilian constitutional order.

Inserted in the catalog of social rights, their different positions jusfundamentais –

respect, protection and promotion – are often invoked to defend various claims towards

the Executive and Legislative branches, as the factual situation presented. With the

significant extension of the Judiciary acting scope, called to decide issues before

confined to the political level, it has become common the filing of individual claims of

high unit value drugs, sometimes not covered by the available official listings,

commonly rated “exceptional” or “expensive”. To understand how the right to

pharmaceutical assistance legitimate the claim to get drugs considered expensive, the

text initially located the right to health in the legal space, analyzing the legislative

provisions that form the right to health in article 196 of the Constitution. Identified the

relationship between high cost and minimum existential health claims, shows the Health

Unic System (SUS), a set of public health actions conducted under the constitutional

guidelines of decentralization, hierarchy, regionalization , financing and social control.

Although the Federal Constitution and ordinary legislation delimiting the field of action

of each federative entity for the maintenance of policy, data from official surveys

express the disturbing imbalance scenario in the State and Municipal accounts, which

are compelled in Court to obtain drugs whose responsability it is from Union.

Considering the influx of actions that require drugs not provided in the official listings,

it was necessary to find acceptable legal concept under the subjective point of view, for

what they are special drugs, beyond the objective aspect. Following, the text analyzed

the National Drugs Policy as a set of actions able to select, prescribe and dispense

medicines incorporated through technological routines, observed the principles of

equity and social justice, ensuring the safety, efficacy and quality of medicines.

However, the judicial protagonism occurred since recent decades induces to a excessive

judicialization, mitigating the current public policy and creating other anomalous,

unlike other countries that have opted for the opposite way of desjudicialização. In the

final chapter, routinely arguments used by judges for granting high cost drugs were

analyzed, exemplifying judicial proactivity treated previously. It was specified the

importance of the Extraordinary Appeal with general repercussion nº 566.471/RN, on

trial by Supreme Court, reporting the votes pronounced and discussing possible

scenarios about the duty of the State to provide freely exceptional drugs. The reserve of

possible was object of verticalized study, intended to situate it as an antagonist of the

existential minimum. Finally, objective propositions were suggested to racionalize the

right to high cost pharmaceutical assistance, providing more effective access to

exceptional drugs.

Keywords: fundamental right of health; high cost drugs; judicialization of health;

Public Administration; Judiciary.

1

INTRODUÇÃO

“Não há solução juridicamente simples, nem moralmente barata aqui”.1 A

frase, de autoria do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em

voto-vista proferido durante o julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão

geral nº 566.471/RN,2 que trata do dever do Estado quanto ao fornecimento de

medicamentos de alto custo, bem reflete o período caótico experimentado pela

sociedade brasileira nas duas últimas décadas.

Em um contexto socioeconômico de gradativo retraimento estatal, no qual

as políticas públicas não priorizadas pelo Estado deixam de cumprir seu papel

constitucional de proporcionar uma salutar redução das desigualdades sociais e

oportunizar igualdade de posições entre os cidadãos, importa ressaltar a problemática

inserida no âmbito dos direitos sociais, os quais, embora expressamente elevados à

condição de direitos fundamentais e dotados de aplicação imediata – art. 5º, § 1º, da

Constituição da República3 – são cotidianamente vilipendiados pelo descaso dos

poderes instituídos.

Detentor de um sistema público de saúde concebido sob fortes premissas

jurídicas que determinam a plenitude de atendimento – desde a atenção básica até

procedimentos de alta complexidade – e a abrangência nacional, o Estado brasileiro

enfrenta desafios de todo gênero para materializar na sociedade os preceitos jurídicos

insculpidos no ordenamento constitucional e infraconstitucional. Trata-se de tarefa

complexa cujo escopo certamente pode ser vinculado ao atendimento da própria noção

de dignidade humana.4

Estabelecidos os contornos gerais da problemática, propõe-se a reflexão

sobre um aspecto específico do direito fundamental à saúde, qual seja, o direito à

assistência farmacêutica de “alto custo”, invocado quando, diante de determinada

enfermidade, o tratamento se revela dispendioso e incomum, eis que os fármacos

1 BARROSO, Luís Roberto. Medicamentos de alto custo. Disponível em:

<http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2016/10/RE-566471-Medicamentos-de-alto-

custo-vers%C3%A3o-final.pdf>. Acesso em: 17 out. 2016. 2 Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 566.471/RN. Tribunal Pleno. Relator Des. Marco

Aurélio Mello. Julgamento iniciado em 28.09.2016, ainda pendente de acórdão. 3 “Art. 5º (...) § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” 4 LEAL, Rogério Gesta. A quem compete o dever de saúde no direito brasileiro? Esgotamento de um

modelo institucional. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 50-69, mar./jun. 2008.

2

necessários à convalescença, via de regra, não constam das listagens oficiais

disponibilizadas pelos entes federativos.

Afinal, é certo que, dos termos do artigo 196 da Constituição da República,5

não se extrai qualquer mandamento no sentido de haver um limite objetivo para o custo

das prestações afetas à saúde, tanto mais aos medicamentos suficientes ao tratamento da

convalescença dos que deles necessitam.

Fala-se, portanto, de um direito de todos indistintamente, capaz de impingir

ao Poder Público o dever de garanti-lo na maior extensão possível, por meio das

medidas que se fizerem necessárias, não só no âmbito da saúde curativa, como também

em outras frentes de efetivação do desenvolvimento da sociedade, a exemplo das ações

e serviços de promoção e proteção contra endemias e moléstias de todo gênero, seja por

meio de campanhas de vacinação, saúde alimentar, prática de atividades físicas, ou

através de serviços públicos de saneamento básico.

Ademais, se analisada sob o prisma da teoria contemporânea dos direitos

fundamentais de Robert Alexy,6 a simples menção ao teor do artigo constitucional

supramencionado é suficiente para evidenciar a natureza multifuncional do direito

fundamental social à saúde, voltada à prática de condutas positivas e negativas por parte

do Estado, todas elas tendentes à consagração do direito à saúde em prol de todos os

cidadãos.

No entanto, ainda que munido de uma forte blindagem jurídica, o direito à

saúde carece de efetividade, em parte graças às mazelas da seara política.7-8 Tendo seus

efeitos fragmentados e enfraquecidos por decisões político-administrativas

desencontradas, pautadas em critérios nem sempre condizentes com o Estado de Direito

5 “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e

igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” 6 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. 7 CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. Desmonte do SUS: mito ou verdade? Disponível em:

<http://cebes.org.br/2016/07/desmonte-do-sus-mito-ou-verdade/>. Acesso em: 31 out. 2016. 8 “O Plenário do Conselho Nacional de Saúde - CNS (...) considerando que os recursos públicos da

Seguridade Social têm sido constantemente retirados por medidas como isenções fiscais aos serviços e

planos privados de saúde e pela desvinculação de Receitas da União, o que tem sucateado o SUS e

fortalecido o sistema financeiro; considerando que os recursos para o financiamento do SUS são

insuficientes e há previsão de perdas ainda mais elevadas por meio da PEC 241, que trata da

desvinculação de receitas e estabelecimento de tetos orçamentários; (...) RESOLVE: 1) Posicionar-se

contrário à PEC 241 e demais medidas que visem reduzir os investimentos públicos em saúde; (...)”

(BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde: Resolução nº 534, de 19 de agosto de

2016. Disponível em: <http://www.conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso534.pdf>. Acesso em 31

out. 2016.).

3

e sem controle de resultados, o direito à saúde padece diante da promessa idealizada

pelo Constituinte, mas deficitariamente concretizada no cotidiano de administrações

eleitas para o trato da coisa pública.

A consequência obtida a partir da falta de perspectiva de confirmação, pelas

forças políticas, de mandamento constitucional dotado de aplicabilidade imediata, é

fomentar, previsivelmente, a função contramajoritária do Poder Judiciário, instado a se

manifestar em um número cada vez maior de processos que buscam satisfazer

pretensões de saúde, dando azo ao que se convencionou intitular de “judicialização da

saúde”.9

Tal fato decorre do crescente e contínuo processo de constitucionalização

experimentado pelos direitos sociais desde os idos anos de 1980, época em que foi

suficientemente desenvolvida a compreensão de que “a educação, a saúde, o trabalho, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados”10 eram imprescindíveis para o aprimoramento do Estado.

Notadamente em relação ao direito à saúde, múltiplos são os pedidos

deduzidos frente ao órgãos jurisdicionais. Medicamentos, exames, alimentos especiais,

tratamentos experimentais ou decorrentes de substâncias proibidas pelo ordenamento

são alguns exemplos dos pleitos submetidos ao crivo dos magistrados.

O resultado inescapável desta marcha ao Judiciário não poderia ser outro

que não o soerguimento deste Poder à condição de protagonista do sistema tripartite

vigente, tomando para si o mister de fazer políticas públicas para além de sua atribuição

definida na Constituição, qual seja, a de aferir a conformação jurídico-constitucional de

atos praticados pelos demais ramos do poder.

Em razão da miríade de pleitos requeridos pelos cidadãos ao Poder

Judiciário, a presente pesquisa propõe um recorte temático que visa a concentrar

esforços especificamente em relação aos medicamentos de alto custo, cujo impacto

financeiro pode ser tormentoso para os entes federativos. Transitará, assim, entre os

procedimentos administrativos engendrados para a dispensação de fármacos de custo

9 Nesse sentido, cf.: ASENSI, Felipe Dutra; PINHEIRO, Roseni (Coord.). Judicialização da saúde no

Brasil: dados e experiência. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. 10 Redação original do art. 6º da Constituição da República, ao qual foram posteriormente incorporados,

por Emenda Constitucional, a moradia (EC nº 26/2000), a alimentação (EC nº 64/2010) e o transporte

(EC nº 90/2015).

4

excepcional e, em momento ulterior, procurará situar o direito a medicamentos vultosos

no âmbito do Judiciário, aclarando o tratamento conferido à problemática.

A escolha do tema encontra razão de ser a partir da constatação daquilo que

pode ser considerado o principal problema da atualidade que obsta a efetivação do

direito à saúde no âmbito nacional: a questão orçamentária, relacionada às escolhas

alocativas do Estado e ao subfinanciamento do SUS historicamente comprovado,11-12

culmina com intervenções cada vez mais recorrentes do Poder Judiciário nas políticas

públicas de saúde, consolidando a judicialização excessiva e contribuindo para o

desequilíbrio das contas públicas, situação comprovada pela divulgação de inúmeros

levantamentos, dentre os quais os produzidos pelo Conselho Nacional de Justiça13 e pelo

Tribunal de Contas da União.14 A saúde é, portanto, um problema real e premente.

O impacto financeiro havido em decorrência do abarrotamento de ações no

Judiciário tem tido crescimento considerável e ininterrupto a cada levantamento

realizado, sendo possível prognosticar o colapso do sistema público de saúde acaso não

sejam estabelecidos requisitos que racionalizem a concessão judicial de medicamentos.

O aumento dos gastos com aquisições de fármacos e outros insumos em

decorrência de ordens judiciais pode ser ilustrado a partir de estudo feito pela

Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde – CONJUR/MS,15 o qual revela que, no ano

11 Sobre o assunto: “A sucessiva falta de prioridade na implantação do SUS e a desarticulação em sua

defesa foram de tal intensidade que avanços foram de tal intensidade que avanços foram sendo perdidos e

os patamares das demandas por financiamento, se reduzindo.” (GOMES, Fábio de Barros Correia.

Impasses no financiamento da saúde no Brasil: da Constituinte à regulamentação da Emenda 29/00.

Saúde em debate, Rio de Janeiro, v. 38, n. 100, p. 6-17, jan./mar. 2014). 12 “O perfil dos gastos em saúde não deu conta de atender aos ditames do sonho da reforma sanitária dos

anos 1980. Implantado, em grande medida, do ponto de vista legal, não se materializou do ponto de vista

prático. Os números revelam e explicam, em parte, as dificuldades e tensões do SUS.” (SOARES,

Adilson; SANTOS, Nelson Rodrigues dos. Financiamento do Sistema Único de Saúde nos governos

FHC, Lula e Dilma. Saúde em debate, Rio de Janeiro, v. 38, n. 100, p. 18-25, jan./mar. 2014. 13 “O aumento da quantidade de ações judiciais propostas em face do Poder Público com o fito de obter o

fornecimento de medicamentos ou a realização de cirurgias e procedimentos tem preocupado os gestores

da saúde nas três esferas. Os referidos gestores, muitas vezes, alegam que essa interferência despreza

fluxos e protocolos existentes, impõe a realização de tratamentos extremamente onerosos e resulta numa

inversão de prioridades nos gastos com medicamentos no âmbito das políticas públicas, o que gera um

grave impacto na programação anual de saúde” (ASENSI, Felipe Dutra; PINHEIRO, Roseni (Coord.).

Judicialização da saúde no Brasil: dados e experiência. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. p.

107.). 14 BRASIL. Relatório Sistêmico de Fiscalização: saúde. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2014. p.

107-110; 200-201. 15 BRASIL. Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde. Intervenção judicial na saúde pública:

panorama no âmbito da Justiça Federal e apontamentos na seara das justiças estaduais. Disponível em:

<http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/conjur/leia-mais-conjur/376-l2-

conjur/13007-panorama-da-judicializacao>. Acesso em: 2 nov. 2016.

5

de 2005, o valor despendido para o atendimento de determinações da Justiça era de R$

2.557.546,49, somadas as compras diretas pelo Ministério da Saúde e depósitos

judiciais para garantir a aquisição pelo paciente. Este valor, no ano de 2008, foi

majorado para a quantia de R$ 54.509.705,43, alcançando, em 2012, vultosos R$

355.825.334,93. No ano de 2014, cerca de R$ 838 milhões de reais foram gastos para

satisfazer mandados judiciais, cujo valor, somado aos quatro anos anteriores, alcançou a

cifra de R$ 2,1 bilhões.16 Diante de tais dados, não há dúvidas de que o resultado da

falta de efetividade na via administrativa foi a judicialização.

Tal cenário de inadimplemento administrativo da Constituição quanto ao

direito à saúde, do qual a judicialização excessiva é resultado direto, despertou o

interesse do meio acadêmico. Inúmeras obras de relevo concentraram estudos nessa

seara, optando pela apresentação do estado da arte do direito à saúde, seus limites e

garantias, o impacto das decisões do Judiciário no orçamento público, dentre outras

questões que vislumbram o problema de forma extensa e abrangente.17 Entretanto, uma

das questões que ainda não foi objeto de estudo específico e aprofundado é, justamente,

a tutela dos medicamentos de alto custo, cuja importância está estampada inclusive no

Supremo Tribunal Federal, o qual foi instado a decidir especificamente, em sede de

repercussão geral,18 em relação à obrigatoriedade de a Administração Pública fornecer

tais tipos de medicamentos, estando o julgamento em curso após votos proferidos pelos

Ministros Marco Aurélio Mello (relator), Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso,

cada qual com interpretação singular sobre o tema.19

16 COSTA, Amanda. Em cinco anos, mais de R$ 2,1 bilhões foram gastos com ações judiciais.

Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/20195-em-

cinco-anos-mais-de-r-2-1-bilhoes-foram-gastos-com-acoes-judiciais>. Acesso em: 2 nov. 2016. 17 Sobre o tema, cf. ANDRADE, Ricardo Barretto de. Direito a medicamentos: o direito fundamental à

saúde na jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014; LIMA, Fernando Rister de Sousa.

Saúde e Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2015; ASENSI, Felipe Dutra. Direito à saúde:

práticas sociais reivindicatórias e sua efetivação. Curitiba: Juruá, 2013; SILVA, Denise dos Santos

Vasconcelos. Direito à saúde: ativismo judicial, políticas públicas e reserva do possível. Curitiba: Juruá,

2015; LEITE, Carlos Alexandre Amorim. Direito fundamental à saúde: efetividade, reserva do possível

e o mínimo existencial. Curitiba: Juruá, 2014; MENEZES, Vitor Hugo Mota de. Direito à saúde e

reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2015; OLIVEIRA, Heletícia Leão de. Direito fundamental à

saúde, ativismo judicial e os impactos no orçamento público. Curitiba: Juruá, 2015; PIVETTA, Saulo

Lindorfer. Direito fundamental à saúde: regime jurídico, políticas públicas e controle judicial. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2014; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde:

parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007 et seq. 18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 566.471/RN. Tribunal Pleno. Relator

Des. Marco Aurélio Mello. Unânime. Julgado em 15.11.2007. 19 Os votos-vista dos Ministros serão objeto de estudo específico no subitem “3.1.2” da presente pesquisa.

6

O assunto é, sem dúvidas, deveras polêmico. Afinal, quais os critérios para

classificar medicamentos como sendo de alto custo? De que forma a Política Nacional

de Medicamentos prevê a incorporação de novos fármacos e os classifica como de alto

custo? Em quais casos deve o Poder Judiciário determinar o fornecimento de

medicamentos de alto custo a determinado paciente? Esta atuação contribui para a

efetiva solução do problema administrativo relacionado à efetivação do direito à saúde?

Quais parâmetros devem ser estabelecidos para que sejam fornecidos tais fármacos

vultosos? Há possibilidade de estabelecer critérios judiciais para racionalizar a

concessão de medicamentos excepcionais, tornando-a mais eficiente, produtiva e menos

invasiva do âmbito administrativo? Há indiscutível omissão da doutrina brasileira no

trato aprofundado e sistematizado da questão dos medicamentos de alto custo, o que

reforça a importância da pesquisa levada a efeito.

Delineado o objeto do trabalho, a metodologia empregada para desenvolver

as premissas teóricas sobre as quais as conclusões estão fundamentadas compõe-se de

três capítulos formadores.

De início, capítulo inaugural procura estabelecer um compêndio sobre o

atual estágio de atendimento do direito à saúde, enquanto norma dotada de regime

jurídico idêntico aos demais direitos fundamentais previstos pela Constituição Federal.

Situando-o brevemente no contexto histórico do desenvolvimento dos direitos humanos,

assenta-se sua característica de aplicabilidade imediata para, depois, promover uma

espécie de dissecção do art. 196 “termo a termo”, edificando, com isso, os pilares

fundamentais que sustentarão as impressões teóricas ao longo do trabalho (1.1.1).

Ato contínuo à exposição anatômica do direito à saúde e à associação de

seus critérios formadores à gênese do Estado Social, o trabalho percorre, em seguida,

trilha conducente à identificação do vetor que legitima as ações que garantem o acesso e

a proteção da saúde pública: o mínimo existencial (1.1.2).

O objetivo primeiro, neste ponto, é o de conjugar posições doutrinárias

diversas, a ponto de identificar um núcleo essencial do direito fundamental à saúde e,

tão importante quanto, nele incluir a sindicabilidade também do direito à assistência

farmacêutica de alto custo, por ser uma de suas dimensões mais sensíveis.

Prosseguindo, a pesquisa procura exprimir as diretrizes constitucionais do

Sistema Único de Saúde (1.1.3), cadeia procedimental erigida pelo constituinte

7

originário com o fito de concretizar as ações e serviços de saúde a partir dos institutos

da descentralização, hierarquização, regionalização, financiamento e controle social.

Aspectos históricos são tratados na sequência do capítulo (1.2.1),

sintetizando os fatos que deram azo à criação do Sistema Único de Saúde e contribuíram

sobejamente para o estabelecimento do direito fundamental social à saúde. Fala-se

também da Lei Orgânica do SUS e suas premissas de observação obrigatória, tais como

a integralidade de assistência, direito à informação, descentralização político-

administrativa, dentre outras.

Determinada a tornar compreensível o funcionamento do SUS sob o aspecto

das obrigações pré-definidas na Constituição quanto à dispensação de medicamentos

por cada ente federativo, a pesquisa se dedica, na sequência, a analisar a questão da

divisão de competências federativas em matéria de atendimento à saúde, verificando se

a ideia de solidariedade amplamente aceita no âmbito do Judiciário é efetivamente

compatível com a Constituição (1.2.2), valendo-se de levantamento oficial realizado

pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná durante os anos de 2010 a 2014.

Na parte final do primeiro capítulo, procura-se desenvolver um conceito

adequado para a expressão “medicamento de alto custo” para além do critério objetivo

representado pelas listagens oficiais elaboradas pelo Ministério da Saúde, concentrando

esforços no sujeito da obrigação de entrega de medicamento pelo Estado (1.2.3).

Findo o capítulo destinado à aproximação ao tema, a investigação se

desdobra em dois eixos temáticos – capítulos 2 e 3 –, os quais se prestam a retratar o

horizonte do direito à saúde sob duas perspectivas: a tutela administrativa e a judicial

para o fornecimento de medicamentos excepcionais.

Assim sendo, no capítulo 2, discorre-se, inicialmente, acerca da Política

Nacional de Medicamentos (2.1.1) e a gama de procedimentos administrativos que

objetivam unicamente organizar o acesso à saúde pelos usuários do SUS, cujo intento é

o de implementar direitos previstos por meio das escolhas alocativas do Estado.

O escopo da seção seguinte (2.1.2) é evidenciar a tensão havida entre

diversas determinações judiciais, por sua vez despreocupadas com regras de

competência ou de responsabilidade sobre determinada metodologia profilática regulada

pela Administração; e o orçamento público construído a partir de estudos que, em

conjunto, formam a “Relação Nacional de Medicamentos do Componente Especializado

8

da Assistência Farmacêutica”, evidenciando os riscos advindos de eventual ingerência

advinda do órgão jurisdicional.

Ato contínuo, após realizar um apanhado do quadro fático-jurídico

demonstrado nos itens precedentes, sinaliza-se a necessidade de convívio harmônico

institucional, com a inafastável observância, pelo Poder Judiciário, dos Protocolos

Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT e lista RENAME, sendo o único caminho

para a racionalização do sistema de saúde (2.1.3).

A parte final do segundo capítulo levanta outros aspectos que denotam a

relação intrincada e conflituosa havida entre Executivo – formador das políticas de

saúde – e Judiciário – o qual constantemente se imiscui nas atribuições do

administrador. Com isso, são enunciados brevemente os fenômenos do “ativismo

judicial” e o consequente protagonismo do Poder Judiciário na experiência brasileira

(2.2.1), além da “judicialização da política” no contexto pós-Constituição de 1988, cujo

notório perfil analítico incrementa o potencial de justiciabilidade dos direitos (2.2.2).

Por derradeiro, o trabalho se volta, ainda que en passant, pelo Direito comparado,

especificamente o português, com o fito de lançar luzes a um sistema que, não obstante

adepto da tradição do civil law e, de certa forma, semelhante ao Judiciário brasileiro,

enveredou por caminho oposto ao protagonismo brasileiro, em um processo inverso

conhecido por “desjudicialização”. Por meio da atividade comparativa, tem-se por

escopo fomentar a análise de avanços e retrocessos na discussão acerca da

justicialização dos direitos sociais, notadamente a saúde (2.2.3).

Enfim, o capítulo 3 dedica-se à tutela judicial do direito à saúde para o

fornecimento de medicamentos de alto custo, inaugurando com considerações acerca do

tratamento conferido pelo Poder Judiciário às ações que pleiteiam medicamentos de

valor elevado (3.1.1). São destacadas, assim, algumas posturas habituais que auxiliam

na identificação do perfil ativista das determinações judiciais, tais como: conclusão pela

solidariedade dos entes federativos; inexistência de conceituação do mínimo existencial

nos casos concretos; presunção absoluta de laudo médico individual capaz de afastar a

incidência da política pública respectiva; preferência pela realização de microjustiça;

entre outras atitudes objeto de pormenorização.

A exposição prossegue trazendo a lume questão processual de extrema

importância para a temática escolhida, qual seja, a existência do Recurso Extraordinário

9

com repercussão geral nº 566.471/RN, ainda pendente de acórdão, cuja temática trata

especificamente sobre a obrigatoriedade de o Poder Público dispensar fármacos de alto

custo (3.1.2). Aqui, para além de relatar a conjuntura fático-jurídica em que se deu o

aludido recurso, conjectura-se sobre os seus possíveis desdobramentos para o cenário de

sobrecarga de processos sobre saúde, bem como as possíveis maneiras de empregar

efetividade à decisão, sem olvidar da natural dificuldade de padronizar condutas

genuinamente complexas e peculiares.

Em seguida, é a vez de envidar esforços para anatomizar o conteúdo da

famigerada “reserva do possível”, teoria de origem alemã e que tanto é invocada a título

de justificativa para o inadimplemento estatal (3.1.3). Neste ponto, com vistas a

proporcionar uma melhor percepção da categoria, foi preciso entender em que termos

este foi invocado pelos magistrados do Tribunal Constitucional Federal Alemão, na

tentativa de identificar seus domínios, bem como se o sistema jurídico pátrio o acolhe

devidamente, como um contraponto do “mínimo existencial”.

A última parte do trabalho pretende oferecer contribuições, ainda que

pontuais, que visam à otimização do agir jurisdicional, podendo servir ao propósito de

cooperar para que o SUS e seus mecanismos de atendimento à população sejam

inculcados de efetividade. Nesse passo, são expostos aportes teóricos que dizem

respeito (i) à necessidade de perícia para a obtenção de medicamentos excepcionais

(3.2.1), (ii) ao estabelecimento da União como único ente federativo capaz de absorver

as demandas por medicamentos vultosos (3.2.2) e (iii) à quebra do paradigma da visão

individualista do processo, para que seja possível incutir, tanto no Judiciário, quanto nos

demais atores responsáveis pela promoção de demandas de saúde, uma cultura de

ajuizamento de ações coletivas relacionadas às questões de medicamentos de alto custo

(3.2.3).

Com a exposição dos pontos antes nominados, coloca-se o direito à saúde

sob a perspectiva dos que dele precisam se valer para a obtenção de medicamentos de

alto custo, buscando-se, assim, uma maior compreensão sobre quando e como seus

pleitos encontrarão lugar no Estado de Direito brasileiro.

10

CAPÍTULO 1 – DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E FORNECIMENTO DE

MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO

A gama de pesquisas acadêmicas, investigações jornalísticas e tantas outras

espécies de estudos que envolvem alguma vertente do direito fundamental à saúde, não

raro, deixam de situá-lo na plêiade de normas constitucionais e infraconstitucionais que

estruturam o sistema de saúde brasileiro, incorrendo em erros de premissa e equívocos

de toda ordem.

No trato específico do direito a medicamentos de alto custo, não há

consenso sequer sobre o que são, quem está obrigado a fornecê-los ou se estão

abrangidos por um piso mínimo de direitos. As incertezas conceituais e semânticas

justificam a necessidade de um olhar apurado sobre o ordenamento jurídico, bem como

sobre algumas construções teóricas que auxiliem na busca pela sua correta identificação.

1.1. O conteúdo jurídico do direito fundamental à saúde na Constituição de 1988

Compreender o direito à saúde em toda a sua extensão: essa é a mensagem

precípua contida nas primeiras linhas do presente trabalho. Para tanto, é preciso

contextualizá-lo, identificando sua incorporação nos sistemas jurídicos contemporâneos,

surgida a partir da consolidação dos primados dos direitos humanos, quando então

ordenamentos constitucionais do segundo pós-guerra passaram a revestir os direitos

sociais com o “gatilho” da justiciabilidade imediata.

Assim sendo, os itens a seguir servirão ao propósito de, num primeiro

momento (1.1.1), decompor os termos que formam o mandamento constitucional que

alberga especificamente o direito à saúde, qual seja, o comando constante do art. 196,

para o fim de compreender a exata medida de proteção pretendida pelo constituinte

originário. Depois (1.1.2), procura-se identificar o conteúdo do mínimo existencial por

meio da conjugação de posições doutrinárias diversas, identificando um núcleo

essencial do direito à saúde, inclusive quanto à assistência farmacêutica de alto custo,

consignando-se, desde já, o rechaço à questão do custo enquanto critério único para

receber, ou não, medicamentos, sem olvidar da forte carga emocional que tais escolhas

trágicas trazem consigo. Em seguida (1.1.3), o SUS e suas diretrizes constitucionais da

11

descentralização, hierarquização, regionalização, financiamento e controle social são

apresentados e pormenorizados.

1.1.1. O direito à saúde como direito fundamental: consequências jurídicas

A primeira questão a ser analisada consiste na conformação constitucional

do direito fundamental à saúde e as consequências jurídicas daí advindas. Antes,

contudo, é preciso situá-lo, ainda que brevemente, no contexto histórico da formação

dos Estados ocidentais.

Resultado da luta política por direitos complementares àqueles de índole

individual (vida, liberdade, propriedade, igualdade), denominados “sociais”, o direito à

saúde deve ser entendido sob um viés de atuação estatal positiva, vez que

consubstanciado em uma prestação positiva por parte do Estado, o qual está obrigado a

atuar para garantir igualdade entre seus cidadãos.20

Apesar da discussão sobre a necessidade de implementação dos direitos

sociais ter tido início ainda no século XIX, quando então se verificou a insuficiência dos

direitos tão somente de proteção contra o Estado, pode-se reconhecer como importante

marco normativo para o reconhecimento de tais garantias complementares a redação da

Constituição mexicana de 1917 e da Constituição alemã de Weimar de 1919, as quais

integraram a questão social à agenda política do Estado.21

Entretanto, a institucionalização definitiva da saúde enquanto política

governamental prioritária se deu após a Segunda Grande Guerra, quando a necessidade

de reconstrução de diversos Estados europeus consolidou a ideia de que a boa saúde do

trabalhador era diretamente proporcional à capacidade produtiva de determinada

sociedade, devendo, por isso, ser resguardada.22 Surgem, aqui, as diretrizes relacionadas

à previdência social e, posteriormente, no Brasil, o estabelecimento de normas relativas

à assistência social, previdência e saúde públicas – hodiernamente reunidas na

Constituição da República sob a expressão “seguridade social”.23-24

20 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 388. 21 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos

fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010. p. 20. 22 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e

efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 79. 23 PIVETTA, Saulo Lindorfer. Direito fundamental à saúde: regime jurídico, políticas públicas e

controle judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 31.

12

Tal evolução normativa decorre, em grande medida, do desenvolvimento da

temática internacional dos direitos humanos, tendo como um de seus pilares fundantes a

Declaração Universal dos Direitos do Homem de 194825 e, posteriormente, o Pacto

Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966.26

Sucintamente explicitada a relação umbilical entre a conjuntura política e o

caráter jurídico dos direitos sociais, é preciso avançar neste contexto, a fim de legitimar

as propostas encerradas no decorrer do trabalho.

A despeito das discussões relacionadas à efetiva jusfundamentalidade dos

direitos sociais, partir-se-á do posicionamento defendido, entre outros, por Ingo

Wolfgang Sarlet,27 Daniel Wunder Hachem28 e Jorge Reis Novais, 29 no sentido de que,

no Brasil, o reconhecimento expresso dos direitos sociais como fundamentais (Título II

da Constituição/88) desloca a discussão para momento ulterior, relacionado à forma de

sua efetivação.

O direito à saúde, consagrado pelo artigo 6º da Constituição Federal,30 foi

elevado ao status de direito fundamental e, por essa razão, na esteira do entendimento

jurisprudencial atual, liderado pelo Supremo Tribunal Federal, tem sido suficiente para

embasar pretensões individuais deduzidas nos últimos anos por todo o país.

Além da cláusula acima referida, necessário destacar que o direito à saúde é

igualmente tratado no artigo 196 da Constituição da República, o qual preceitua que “A

saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso

universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.31

24 Vide: art. 194 e seguintes da Constituição da República Federativa do Brasil. 25 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas

regionais europeu, interamericano e africano. 5. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 47. 26 Idem. 27 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 280-

281. 28 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por

uma implementação espontânea, integral e igualitária. Curitiba, 2014. 614 f. Tese (Doutorado) –

Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná. p. 66. 29 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais..., op. cit., p. 32. 30 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na

forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010) 31 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 4 abr.

2016.

13

Da redação do artigo supramencionado, é possível inferir que o legislador

não se limitou a assegurar abstratamente o direito à saúde, determinando a imediata

implementação de políticas públicas, diretrizes estatais por sua vez materializadas pelo

encadeamento de atos administrativos, cuja finalidade é a satisfação de direitos

assegurados pela Constituição. Nesse contexto, a prestação de serviços públicos é, na

maioria dos casos, a via eleita para satisfazer a população.32

Não será objeto do presente trabalho a discussão acerca da natureza jurídica

das normas constitucionais, se operativas ou programáticas, partindo-se da premissa

lastreada no próprio texto constitucional33 e em setores da doutrina,34 de que os

comandos insertos na Constituição da República constituem “verdadeira garantia dos

cidadãos e não pode servir de argumento para que se negue eficácia ao direito à

saúde”.35

Ato contínuo, por conter em sua redação comandos diversificados e

interdependentes, voltados à consagração do direito à saúde enquanto fundamental

social, proceder-se-á a uma análise fragmentada das expressões que compõem o art.

196, a exemplo da análise levada a efeito pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes,

quando da análise da Suspensão de Tutela Antecipada nº 175/CE,36 com a ressalva de

que se relacionam simbioticamente, de maneira a destacar a intenção humanitária do

legislador constituinte ao editar a Constituição Federal de 1988.

O direito à saúde pode ser exigido tanto pela via coletiva, quanto pela

individual. É o que se conclui da expressão “direito de todos”, na parte inicial do caput

do art. 196 da Constituição.

Tenha-se em conta que, por sua natureza, o direito à saúde pode ser

satisfeito em maior ou menor medida, de maneira diversa para cada indivíduo dele

32 ARRUDA NETO, Pedro Thomé de. Direito das políticas públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p.

66. 33 Constituição da República, art. 5º (...) § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais

têm aplicação imediata. 34 Por todos: SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2007. p. 57; PIVETTA, Saulo Lindorfer. Op. cit., p. 46; CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para

uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 20-21. 35 ANDRADE, Ricardo Barretto. Direito a medicamentos: o direito fundamental à saúde na

jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 54. 36 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175.

Relator Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. Julgado em 17.03.2010. DJe 30.04.2010.

14

necessitado. Trata-se de um direito subjetivo passível de controle pelo órgão

jurisdicional em caso de descumprimento pelos demais poderes instituídos.37

Este direito subjetivo, por sua vez, não pode ser ilimitadamente exigido, no

sentido de abranger absolutamente todos os procedimentos suficientes à promoção da

saúde, eis que a garantia, aqui, está umbilicalmente relacionada às “políticas

econômicas e sociais”, adiante retratadas.

A respeito da imperativa conjugação entre as prerrogativas do cidadão

destinatário do direito à saúde e as necessárias escolhas alocativas realizadas pelo

Estado, faz-se imprescindível acentuar que devem se fazer presentes de maneira

cumulativa, sob pena de deslegitimar a pretensão.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45,38 contribuiu sobremaneira para o

amadurecimento da discussão do direito à saúde, ressaltando sua complexidade e

sugerindo hipóteses para sua incidência, desenvolvendo construção teórica consistente

em um binômio para aferir a legitimidade de pedidos relacionados à assistência

farmacêutica, qual seja, a “razoabilidade da pretensão/disponibilidade financeira do

Estado”, assentando entendimento de que ambas as situações “devem configurar-se de

modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses

elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais

direitos”.39

Estabelecida a premissa de que o direito à saúde se consubstancia em um

direito de todos indistintamente, o art. 196 da Constituição da República também prevê

ser este um “dever do Estado”.

Frise-se que o constituinte originário propositadamente fez constar

expressão-gênero, apta a abranger todos os entes federados, União, Estados-membros,

Municípios e Distrito Federal. Para tanto, estabeleceu a competência comum entre os

entes federativos para promover a saúde pública.40 Tal assertiva encontra abrigo

normativo no art. 23, II, da Constituição brasileira, o qual dispõe que: “É competência

37 MAURICIO JR., Alceu. A revisão judicial das escolhas orçamentárias: a intervenção judicial em

políticas públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 264-279. 38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45.

Relator Min. Celso de Mello. Decisão monocrática. Julgado em 29.04.2004. DJU 04.05.2004. 39 Idem. 40 BARBOSA, Jeferson Ferreira. Direito à saúde e solidariedade na constituição brasileira. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 31-48.

15

comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da

saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de

deficiência; (...)”.41

Neste ponto, em que pese haver certo consenso doutrinário-jurisprudencial

acerca da solidariedade entre as instâncias federativas quanto à realização de medidas

tendentes à melhora da saúde pública,42 há que se manifestar entendimento em sentido

diverso, a ser pormenorizado em momento oportuno, consistente na reafirmação da

competência comum dos entes federados, no sentido de estabelecimento de

hierarquização e isolamento dos atos de promoção da saúde por cada instância de poder,

com base, dentre outros, no critério da predominância do interesse.43

Por este critério, apregoa-se que a definição de competência passa,

necessariamente, pela análise do caso concreto, identificando qual interesse exsurge de

forma mais acentuada para a determinação do ente responsável pelo ato de assistência a

ser praticado, se Município, Estado ou União. Busca-se, a partir disso, alcançar

cooperação salutar e eficiente entre as três esferas do Poder Executivo, em vista da

incumbência perene do Estado como um todo na promoção da saúde.44

É bem de ver que as ações relacionadas à concretização da saúde detêm

notória relevância para os fins estatais, integrando uma rede regionalizada e organizada

hierarquicamente sob a forma de um Sistema Único de Saúde,45 cujas diretrizes foram

plasmadas no próprio corpo constitucional, por meio do art. 198.46

Com relação aos meios de subvenção de tal macrossistema, a Constituição

Federal, cujo texto original sofreu gradativas alterações das Emendas Constitucionais n.

20/1998, 42/2003 e 47/2005, garantiu o financiamento público por meio de prescrição

inserida no art. 195,47 o qual apresenta uma miríade de fontes de recursos, advinda tanto

41 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 4 abr.

2016. 42 Dentre outros: SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2007; MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002. 43 BARBOSA, Jeferson Ferreira. Op. cit., p. 33. 44 Idem. 45 MARTINS, Wal. Direito à saúde: compêndio. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 67-88. 46 “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e

constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com

direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades

preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. (...)” 47 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos

termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal

16

dos entes públicos que compõem a Federação, quanto da iniciativa privada,

compulsoriamente solidária com a destinação de parte de tributos recolhidos.

Ainda sobre a temática relacionada à metodologia aplicada para a

manutenção do sistema público de saúde, cumpre ressaltar as importantes alterações

promovidas no art. 198 da Constituição brasileira pela Emenda Constitucional n.

29/2000,48 a qual foi responsável pela garantia de estabilidade dos repasses financeiros

destinados à promoção de prestações positivas pela Administração, engendrando novo

e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela

equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho

pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo

empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da

previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral

de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do

importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 1º - As receitas dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos

orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2º A proposta de orçamento da seguridade social

será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência

social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a

cada área a gestão de seus recursos. § 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social,

como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou

incentivos fiscais ou creditícios. § 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a

manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. § 5º Nenhum benefício

ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de

custeio total. § 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos

noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o

disposto no art. 150, III, "b". § 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades

beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. § 8º O produtor, o

parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que

exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão

para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da

produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I

do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade

econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do

mercado de trabalho. § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de

saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos

Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. § 11. É vedada a concessão

de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para

débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. § 12. A lei definirá os setores de atividade

econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-

cumulativas. § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou

parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento. 48 BRASIL. Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000: Altera os arts. 34, 35, 156, 160,

167 e 198 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, para assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de

saúde. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc29.htm#art6>. Acesso em: 4 abr.

2016.

17

constructo para o cofinanciamento da saúde entre os atores políticos da República, com

a fixação, inclusive, de percentuais mínimos.49

Por fim, breve menção merece ser feita quanto ao conteúdo normativo do

art. 200 da Constituição da República, uma vez que fixa as competências do Sistema

Único de Saúde e prevê a regulação do sistema pela via infraconstitucional, o que se

consubstanciou na edição das Leis Federais n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 e n.

8.142, de 28 de dezembro de 1990, aplicáveis, a toda evidência, a todos os componentes

da Federação.

Prosseguindo-se na análise detida dos elementos que compõem o enunciado

do art. 196 da Constituição, há justa menção à garantia de eficácia do direito à saúde por

meio das “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de

outros agravos”. Nesse particular, faz-se alusão, ainda que apressadamente, aos

parágrafos que deram início à presente pesquisa, quando se descreveu a busca, por meio

da sistematização de atos administrativos, pela consecução de direitos garantidos pelo

arcabouço normativo vigente.50

Porém, é pela descrição do modus operandi das políticas escolhidas pelos

entes federativos que é possível vislumbrar as necessárias escolhas alocativas do Estado,

49 Art. 198. (...) § 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do

orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de

outras fontes. § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em

ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados

sobre: I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser

inferior a 15% (quinze por cento); II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da

arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso

I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III – no

caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art.

156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. § 3º Lei complementar, que

será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I - os percentuais de que tratam os incisos II

e III do § 2º; II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados,

ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando

a progressiva redução das disparidades regionais; III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das

despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; IV - (revogado). § 4º Os gestores

locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às

endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas

atribuições e requisitos específicos para sua atuação. § 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o

piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das

atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos

termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial. § 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do

art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de

agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de

descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício. 50 ARRUDA NETO, Pedro Thomé de. Direito das políticas..., op. cit., p. 66.

18

frente ao sem-número de situações não abarcadas e/ou sequer previstas em seus

instrumentos de materialização do direito à saúde. As políticas públicas de saúde

coletiva desenhadas para atender à população se fundam na definição, pelo Poder

Público, de estratégias de maximização do acesso ao serviço e o incremento de sua

qualidade. Denise dos Santos Vasconcelos Silva,51 ao discorrer sobre a formação das

políticas públicas, explicita que o trâmite teria início a partir da compreensão da

realidade fática que circunda a sociedade, passando necessariamente pela definição de

estratégias, ocasião em que são pré-estabelecidas as finalidades do programa estatal.

Nessa senda, digna de nota a interessante contribuição advinda das ciências

sociais pela economista Ana Luiza Viana, a qual capitulou diversos estudos sobre as

fases que compõem o processo de formação das políticas públicas, enfatizando as fases

de construção da agenda, formulação, implementação e avaliação das políticas,

demonstrando a complexidade e a relação intrínseca entre os anseios sociais, a

juridicidade e a legitimidade das escolhas estatais.52

Assim sendo, resta clara a importância de o enunciado constitucional do art.

196 expressamente consignar que a materialização do direito à saúde se dará por meio

de políticas sociais e econômicas, vez que estas se revelam um caminho seguro e

legítimo na busca pela adequada medida de justiça, bem como do necessário

desenvolvimento econômico e social,53 restando demonstrado o jaez preventivo das

ações políticas executadas pelo Estado, também consignado no inciso II do art. 198 da

Constituição.

Avançando na análise textual do art. 196 da Constituição, verifica-se que

este enuncia que as tais políticas sociais e econômicas visam igualmente ao “acesso

universal e igualitário”.

Por se revelar um direito subjetivo do cidadão em face do Estado, satisfeito

de maneira diversa para cada um de seus destinatários, o “acesso universal” pode ser

entendido como a busca pela efetivação do direito à saúde em sua maior amplitude

possível, visando abranger a totalidade da população.

51 SILVA, Denise dos Santos Vasconcelos Silva. Direito à saúde: ativismo judicial, políticas públicas e

reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2015. p. 50-51. 52 VIANA, Ana Luiza. Abordagens metodológicas em políticas públicas. Revista de Administração

Pública – RAP, Rio de Janeiro, v. 30, n. 2, p. 5-43, mar./abr. 1996. 53 GARCIA, Maria da Glória. Direito das políticas públicas. Coimbra: Almedina, 2009. p. 129-130.

19

Para além de significar a implementação de políticas sociais e econômicas

destinadas ao maior número possível de pessoas delas necessitadas, o termo “acesso

universal” permite concluir que a Constituição da República assentou diretiva no

sentido de que não só as políticas mais abrangentes e padronizadas sejam

desenvolvidas, como também aquelas voltadas a situações específicas, ainda que

individuais, podendo demandar até mesmo a criação de política pontual ou a

incorporação de outras situações àquelas diretrizes já existentes.54 Dessa forma, é lícito

deduzir que a conformação da universalidade para com as balizas constitucionais já

assentadas permite que o titular do direito exija, ao menos a priori, a consecução da

política pública a seu favor, por meio de serviços públicos.55

Ingo Wolfgang Sarlet, nesse sentido, assevera parecer clara a compreensão

de que o direito à saúde – e outros tantos direitos fundamentais – não pode sequer ter o

seu exercício e a sua titularidade restringidos aos nacionais em detrimento de

estrangeiros por simples opção do formulador das políticas respectivas, o que implicaria

grave violação a direitos de índole humanitária.56

De outro lado, o tratamento isonômico complementa o item anterior, para o

fim de não excluir do crivo da política pública prestações individuais e que refogem aos

padrões estabelecidos em diretrizes terapêuticas.57 Neste ponto, porém, importante

ressalva deve ser sinalada. Afinal, não se pode jamais descurar do fato de que, dado o

contexto de desigualdade existente em países como o Brasil, o alcance da expressão

“isonômico” deve sempre ser cotejado para com o aspecto substancial do princípio da

isonomia e da proporcionalidade. Isso implica dizer que, a despeito da expressividade

54 ANDRADE, Ricardo Barretto. Op. cit., p. 55. 55 Rememore-se que, por opção do constituinte originário, tais políticas públicas, quando específicas e

destinadas à prestação individualizada do direito à saúde, são concretizadas mediante a prestação de

serviços públicos, os quais, revestidos dos princípios da generalidade, modicidade, continuidade,

regularidade, eficiência, segurança, atualidade e cortesia (art. 6º, § 1º, da Lei n. 8.987/95), podem ser

definidos como a “atividade prestacional de oferecimento de comodidades materiais à coletividade,

titularizada pelo Estado e prestada por ele ou por quem lhe faça as vezes (...) que visa prover necessidades

reconhecidas pela sociedade como imprescindíveis à concretização da dignidade”. (SCHIER, Adriana da

Costa Ricardo. Serviço público: garantia fundamental e cláusula de proibição de retrocesso social.

Curitiba: Íthala, 2016. p. 63-64.) 56 SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao artigo 196. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;

MENDES, Gilmar Ferreira; _____; STRECK, Lenio Luiz (Coords.). Comentários à Constituição do

Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1931-1937. 57 PIOLA, Sérgio Francisco; VIANNA, Solon Magalhães (org.). Saúde no Brasil: algumas questões

sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: CEPAL/IPEA, 2009. Disponível em:

<www.eclac.org/brasil/publicaciones/sinsigla/xml/4/35734/LCBRSR200SaudenoBrasil.pdf>. Acesso em:

4 abr. 2016.

20

que o direito à saúde detém na Constituição Federal, a sua efetivação não está

necessariamente relacionada com a promoção de medidas idênticas para todos,

indistintamente.58 Ao contrário. O sucesso da política pública depende justamente do

reconhecimento, por parte do ente estatal, da situação peculiar experimentada pelo

enfermo para bem alocar recursos que trarão resultados mais eficazes no cenário

macrossocial.

Por último, mas não menos importante, está o comando normativo do art.

196 que complementa o sentido do acesso universal e igualitário, aludindo à sua

consecução por meio de “ações e serviços para promoção, proteção e recuperação”, os

quais fazem clara menção aos expedientes de saúde preventiva, para além da curativa.

As políticas sociais e econômicas a que faz alusão a parte inicial do caput

do artigo 196 da Constituição são aqui materializadas sob a forma de medidas

específicas, voltadas ao desenvolvimento da saúde pública como um todo, para

proporcionar aos cidadãos o mais elevado padrão de saúde física e mental.59

É certo que as ações e serviços aludidos representam, em verdade, uma das

faces do princípio da integralidade afeto às ações de saúde, previsto no art. 198, II, da

Constituição da República, na medida em que associam a dimensão abstrata do direito

em questão com sua natureza prestacional, essencialmente pragmática e imperativa,

com a maior amplitude possível, evidenciando um conjunto harmônico que torna todo o

sistema uno. 60

Como forma de exemplificar a expressão em debate, pode-se mencionar

breve noção desenvolvida por Paulo Marchiori Buss, para quem “A clássica divisão

entre as três principais estratégias para intervir no processo saúde-doença inclui a

promoção da saúde, a prevenção das doenças, acidentes e violências e seus fatores de

risco, e o tratamento/reabilitação das mesmas”.61

Assim, são exemplos de medidas complementares e relacionadas entre si

aquelas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, por meio do atual “Estratégia Saúde da

58 SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário..., p. 1936. 59 UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Special Rapporteur on the right of everyone to the

enjoyment of the highest attainable standard of physical and mental health. Disponível em:

<http://www.ohchr.org/EN/Issues/Health/Pages/SRRightHealthIndex.aspx>. Acesso em: 23 abr. 2016. 60 SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao artigo 198. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;

MENDES, Gilmar Ferreira; _____; STRECK, Lenio Luiz (Coords.). Comentários à Constituição do

Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1938-1941. 61 BUSS, Paulo Marchiori. Promoção da saúde da família. Revista Brasileira de Saúde da Família,

Brasília, v. 2, n. 6, p. 50-63, dez. 2002.

21

Família”,62 que tem por escopo avaliar a condição das famílias brasileiras sob um prisma

multidisciplinar, considerando não só a anamnese clínica, como também a existência de

fatores de risco decorrentes da falta de atividade física, existência de saneamento básico

na região, alimentação saudável, dentre outras medidas tendentes à promoção da saúde.

Noutro diapasão, cabe ressaltar o trabalho desenvolvido pela Agência

Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA nas ações de proteção da saúde, por meio

de campanhas de âmbito nacional e caráter contínuo, as quais visam, por exemplo,

desestimular o tabagismo, difundir o uso de preservativos e também as imunizações.63

E ainda, quanto às políticas sociais e econômicas voltadas à recuperação da

saúde coletiva, dada sua relação intrínseca com a construção do aparato físico e de

pessoal necessário à convalescença dos necessitados, tomem-se como exemplos o

“Programa Mais Médicos”64 e as “Equipes de Saúde Bucal na Estratégia Saúde da

Família”,65 ambos destinados à obtenção de índices de melhora da qualidade de vida

daqueles que se valem dos serviços de saúde no país.

De todo o exposto, é possível vislumbrar que o direito fundamental à saúde,

da forma como revelado na Constituição, encontra-se imbuído de legitimação

constitucional originária, fazendo exsurgir, para seus titulares, direitos subjetivos a

prestações diversas – concretizadas por meio dos serviços públicos –, ainda que situadas

em possíveis lacunas existentes nas políticas públicas que o exteriorizam.

O fato de encerrar titularidade universal alça o direito à saúde à condição de

corolário do princípio da dignidade humana previsto no artigo 1º, III, da Lei

Fundamental de 1988, pedra angular dos regimes democráticos de direito baseados nos

62 Evolução do outrora “Programa da Saúde da Família”, implementado ainda em 1994 para assegurar a

chamada “atenção básica” ou “atenção primária” em saúde, atendimento inicial que objetiva orientar

sobre a prevenção de doenças, solução de casos e encaminhamento de agravos para atendimentos aptos a

lidar com a complexidade de determinadas enfermidades. A esse respeito, confira-se: BRASIL.

Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Disponível em:

<http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_esf.php>. Acesso em: 23 abr. 2016; FUNDAÇÃO OSWALDO

CRUZ. PenseSUS. Disponível em: <http://pensesus.fiocruz.br/atencao-basica>. Acesso em: 23 abr. 2016. 63 OLIVEIRA, Neilton Araújo de. Ações de vigilância sanitária são ações concretas de proteção à

saúde e são ações importantes e integrantes do SUS. Disponível em:

<http://blogs.bvsalud.org/ds/2013/12/06/acoes-de-vigilancia-sanitaria-sao-acoes-concretas-de-protecao-a-

saude-e-sao-acoes-importantes-e-integrantes-do-sus/>. Acesso em: 23 abr. 2016. 64 BRASIL. Programa mais médicos. Disponível em: <http://maismedicos.gov.br/conheca-programa>.

Acesso em: 23 abr. 2016. 65 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.

Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_brasil_sorridente.php?conteudo=equipes>. Acesso

em: 23 abr. 2016.

22

valores pós-segunda Guerra, o que induz à inafastabilidade do atendimento e execução

de ações na maior amplitude possível.

Como consequência de tal panorama jurídico, é possível concluir que,

justamente por não haver previsão legal ou razão para discrímen, idêntica disciplina

deve ser conferida àqueles que necessitam de prestações de saúde que impliquem na

obtenção de fármacos de alto custo, eis que também fazem jus à proteção constitucional

conferida pelo Estado de Direito, assunto a ser pormenorizado no decorrer do presente

trabalho.

1.1.2. Núcleo essencial do direito fundamental à saúde e seus desdobramentos: o

mínimo existencial

Ultrapassada a questão inicial relacionada ao enquadramento do direito à

saúde como premissa de fundamental importância para o sistema normativo brasileiro,

dotado de imediata exigibilidade e imprescindível para o bem-estar e o aperfeiçoamento

da sociedade, é preciso explicitar o elemento principal que compõe sua raiz axiológica,

aqui plasmado em uma expressão: “mínimo existencial”.

Ressalte-se que, para além de enunciar as distintas posições doutrinárias que

permeiam a expressão supramencionada, demonstrar-se-á, ao final da seção, qual a linha

de entendimento que melhor se coaduna para fundamentar a incumbência estatal pela

melhora da qualidade de vida dos que se encontram acometidos por enfermidades, cujos

tratamentos são considerados custosos.

A discussão sobre o mínimo existencial, embora revestida de atualidade,

encontra sua gênese ainda em tempos remotos, quando de discussões sobre o estado de

miserabilidade das pessoas no período liberal,66 alicerçadas em tratativas que remontam

até mesmo a construções platônicas67 que debatiam a temática da justiça.

É cediço que o modelo engendrado pelo mínimo existencial não está imune

a críticas, especialmente quanto ao seu alcance e limitação de efeitos.68 Entretanto,

66 GINER, Salvador. Historia del pensamiento social: una visión crítica y de conjunto que traza la

historia de las ideias económicas, políticas, históricas y sociológicas desde la época clásica hasta nuestros

días. 3. ed. amp. e rev. Barcelona: Ariel S. A., 1982. p. 188-191. 67 PLATÃO. A república. São Paulo: Martin Claret, 2000. 68 Por todos: SARMENTO, Daniel. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-

jurídicos. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; _____ (Org.). Direitos sociais: fundamentos,

judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 578.

23

igualmente notória é sua capacidade de se consubstanciar em um modelo apto à garantia

da efetividade dos direitos sociais em geral e, por consequência, do direito fundamental

à saúde.69

Defendê-lo, portanto, significa escudar um direito a prestações positivas

válido e inafastável, apto a proporcionar dignidade ao ser humano por meio da

intervenção estatal impositiva,70 a qual pode se dizer imbuída de um viés notadamente

altruísta e solidário.

Não se descura que, dentre as concepções doutrinárias que tratam do núcleo

essencial de direitos, há divergência quanto à forma como tal instituto é materializado

no mundo jurídico, isto é: se o mínimo existencial traduz (i) uma garantia absoluta,

composta por uma gama de direitos indeléveis e delimitados in abstracto, sem

necessidade de perquirição em um dado caso concreto (teoria absoluta); ou (ii) seu

conteúdo é permeável e passível de reconhecimento em maior ou menor medida, em

diferentes situações, a depender do exercício de ponderação de interesses

necessariamente realizado em casos concretos (teoria relativa).71

Segundo a teoria absoluta do mínimo existencial, não obstante o

reconhecimento de uma natural variabilidade relacionada aos critérios de tempo (lapso

histórico determinado) e espaço (peculiaridades de cada país),72 tem-se que “o seu

conteúdo pode ser previamente tracejado a partir de um elenco preferencial”,73 de sorte

que um “núcleo duro” é formado, imune à atuação reformadora do Legislativo e dotado

de exigibilidade imediata, contra a qual não pode subsistir barreira que impeça o seu

cumprimento.74

Por outro lado, a teoria relativa prevê que o conteúdo do mínimo existencial

não consta de um rol acabado e definitivo. A sua identificação, assim, decorre da

69 LEITE, Carlos Alexandre Amorim. Direito fundamental à saúde: efetividade, reserva do possível e o

mínimo existencial. Curitiba: Juruá, 2014. p. 76-77. 70 Ibidem, p. 76-77. 71 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa

anotada. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 395. 72 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial

e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Coord.).

Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2013. p. 13-50. 73 HACHEM, Daniel Wunder. Mínimo existencial e direitos fundamentais econômicos e sociais:

distorções e pontos de contato à luz da doutrina e jurisprudência brasileiras. In: BACELLAR FILHO,

Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder (Coord.). Direito público no Mercosul: intervenção estatal,

direitos fundamentais e sustentabilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 205-240. 74 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Op. Cit., p. 206.

24

colisão de princípios apurada em cada caso concreto, resolvida pela técnica da

ponderação.75 Trata-se de consequência lógica da teoria dos princípios, 76 pela qual as

decisões devem conter fundamentação forte, gerando segurança jurídica.

A teoria relativa – adotada no presente trabalho – parece melhor se coadunar

para com o sistema jurídico regido pela Constituição Federal, na medida em que o uso

da ponderação (com seus critérios de análise de adequação, necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito da pretensão),77 pelo magistrado ou pela própria

Administração Pública em processos administrativos, é capaz de demarcar com maior

clareza quando determinadas prestações estão circunscritas ao campo de atuação do

mínimo existencial.

Pois bem. Em relação às construções dogmáticas sobre o mínimo

existencial, ganha destaque aquela delineada por Eurico Bitencourt Neto,78 o qual

dedicou frutífera obra específica sobre a questão.

A partir do estabelecimento de três premissas fundamentais – dignidade da

pessoa humana, igualdade material e solidariedade social – o autor atenta para o fato de

que o mínimo existencial não é, por si só, o garante de uma existência integralmente

digna, mas tão somente um mínimo de recursos materiais aptos a conservar a qualidade

que torna a pessoa, de fato, humana.79

Nesse contexto, sem descurar da multidimensionalidade de sentidos da

expressão, Eurico Bitencourt Neto toma o mínimo existencial como uma gama de

direitos específicos e singulares, que variam segundo as necessidades do indivíduo em

cada caso concreto, conforme as características da sociedade em que está inserido, tudo

para a concretização de uma existência digna.80

Tal conceituação amolda-se perfeitamente à situação do direito à saúde para

o fornecimento de medicamentos de alto custo. Afinal, nestes casos, a necessidade de

determinado indivíduo por um fármaco específico, que possui custo elevado, não

representa, via de regra, a demanda de outras parcelas significativas da população, de

75 Ibidem, p. 207. 76 BOROWSKI, Martin. La estrutura de los derechos fundamentales. Bogotá: Universidad Externado

de Colombia, 2003. p. 99. 77 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 288. 78 BITENCOURT NETO, Eurico. Direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2010. 79 Ibidem, p. 99-113. 80 Ibidem, p. 121.

25

sorte que não haverá sentido formular uma dada política para abastecer os locais de

dispensação na tentativa de maximizar o acesso àquele produto, mas sim robustecer os

meios públicos para identificar tais demandas e conceder, caso a caso, a prestação

devida. Entretanto, como essa questão passa necessariamente pela construção do

conceito de medicamentos de alto custo, deixa-se, por ora, de aprofundar a celeuma,

retomando-a em subitem subsequente.

Para muitos, o desenvolvimento das construções contemporâneas sobre o

direito fundamental ao mínimo existencial passa necessariamente pela influência do

direito constitucional alemão.

Robert Alexy advoga que o regular exercício dos direitos fundamentais

pelos seus titulares acarreta, a um só tempo, a adoção de posturas negativas por parte do

Estado, bem como a prática de condutas positivas, ambas tendentes à implementação de

prerrogativas inerentes à condição de dignidade humana.81

Com relação ao dever de omissão estatal, entende-se que, ao ente público, é

vedado embaraçar ou impedir, por qualquer meio, a efetivação de direitos

fundamentais.82 Para fins metodológicos, impedir a prática de uma ação correlaciona-se

com impossibilidade absoluta de o titular exercer dado direito, ao passo que o embaraço

representa dificultar esta garantia constitucionalmente conferida ao cidadão, sem

impossibilitar que este, contudo, experimente vivenciar tal direito fundamental.83

São exemplos da situação de impedimento antes mencionada a expropriação

injusta ou a proibição de realização de pesquisas sobre determinado assunto em

universidades. Ilustrando casos de embaraço, tem-se o rigor processual que impede o

próprio acesso à justiça e o estabelecimento de critérios subjetivos e, por vezes, parciais,

para exercer determinadas atividades, como o excessivo número de consentimentos

estatais em procedimentos burocráticos para realizar determinado empreendimento.

Nessa toada, o jurista alemão discorre ainda sobre outras espécies de

impedimentos e obstruções a direitos fundamentais, associadas à intensidade da barreira

fático-jurídica aposta pelo ente estatal e ações tornadas juridicamente impossíveis pela

omissão normativa.84

81 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 193-217 e

p. 433 et seq. 82 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 196-197. 83 Ibidem, p. 197. 84 Ibidem, p. 197-198.

26

E ainda, de maneira sucinta, convém elencar outras formas de direitos a

ações estatais negativas propaladas por Robert Alexy, consistentes (i) no direito do

titular em não se ver tolhido de seus próprios “bens da vida”, suas características

intrínsecas, sua situação enquanto ser vivo, saúde, liberdade, brio;85 e (ii) direitos que

imponham abstenção estatal no que diz respeito a determinadas posições jurídicas do

titular do direito fundamental, quando o Poder Público resolve derrogar/eliminar

determinada norma86 que, em conjunto com um feixe de posições jurídicas, compõe um

direito fundamental completo87 (quando, por exemplo, elimina-se do direito

fundamental à saúde a prerrogativa do cidadão de escolher tratamento médico que lhe

cause menos efeitos colaterais).88

Sob outra perspectiva, há que se destacar que a teoria alexyana sobre os

direitos fundamentais abarca outra dimensão que não aquela relacionada à garantia de

postura negativa por parte do Poder Público, qual seja: a realização, pelo Estado, de

ações positivas suficientes à promoção, implementação e satisfação dos direitos

considerados capitais pelo texto constitucional.89

Nessa altura, é possível extrair do texto de Alexy dois conjuntos de práticas

positivas imputáveis à Administração: as ações fáticas e as normativas para a efetivação

dos direitos fundamentais.

Os direitos a ações positivas fáticas a cargo do Estado, também

denominados de “direitos a prestações em sentido estrito”, concretizam mudanças no

plano material, no “mundo dos fatos”, sendo capazes de efetivar mudanças concretas

para os titulares de direitos. Não há preocupação quanto à maneira utilizada para

exteriorizar a ação estatal, mas tão somente em relação ao resultado final por ela

pretendido, assegurando o direito fundamental em questão.90 É o que ocorre v. g. com a

construção de hospitais, escolas ou a instituição de programas de combate à miséria ou

que incentivem a educação.

De outra banda, há os direitos a ações positivas normativas, vinculados

intrinsecamente à atividade legiferante do Estado. Comumente intitulados de “direitos a

85 Ibidem, p. 199. 86 Sobre a distinção entre norma e enunciado normativo, cf. ALEXY, Robert. Teoria..., p. 53-58. 87 Sobre a existência do “direito fundamental completo”, composto pelo feixe de “posições jurídicas

fundamentais”, cf. ALEXY, Robert. Teoria..., p. 249-253. 88 Ibidem, p. 199-201. 89 Ibidem, p. 201-203. 90 Ibidem, p. 202.

27

prestações em sentido amplo”, tal função estatal positiva pode corresponder a um dever

normativo de: (i) proteção de direitos fundamentais contra investidas do próprio Estado

ou mesmo de outros particulares – o que ocorre, por exemplo, com o artigo 240 do

Estatuto da Criança e do Adolescente,91 que responsabiliza criminalmente aquele que

registrar, por qualquer meio, cenas de sexo com crianças ou adolescentes, preservando a

integridade física e psicológica de vulneráveis; e de (ii) organização e procedimento

para a tutela de direitos fundamentais – quando edificam normas estruturantes e

procedimentais que franqueiem acesso efetivo ao bem fundamental garantido pela

Constituição,92 cujo exemplo emblemático é a Lei nº 8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde,

responsável pela operacionalização do sistema de saúde coletiva brasileiro, a qual será

objeto de análise pormenorizada em etapa vindoura, e o controle social como diretriz

formadora do SUS, também vista em momento ulterior.

As funções de abstenção e intervenção que permeiam as condutas do

Estado, sucintamente delineadas nos parágrafos anteriores, servem de aporte teórico

para concluir pela multifuncionalidade dos direitos fundamentais, os quais, segundo

Robert Alexy, detêm “um feixe de posições de direitos fundamentais”93 que o tornam

completo e aplicável a uma profusão de situações distintas.

Correlacionando cada uma das funções estatais conducentes à entrega de um

adequado direito à saúde aos seus destinatários, inclusive quanto à dispensação de

medicamentos de alto custo, é possível formatar um rol exemplificativo de ações que

demonstram como se dá o entrelaçamento das dimensões subjetiva e objetiva94 da norma

de direito fundamental a ser tutelada.

A partir de previsões normativas estabelecidas em distintas partes do texto

constitucional, obtém-se do direito à saúde um conjunto de posições jusfundamentais, as

quais reúnem diferentes funções.

Tendo em vista as explanações de Alexy condensadas até o momento, é

possível extrair do direito à saúde a função de defesa da pretensão jurídica

jusfundamental quando, por exemplo, veda-se à Administração qualquer tipo de

91 Ibidem, p. 202-203. 92 Idem. 93 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 249. 94 Para análise pormenorizada sobre a dupla dimensão das normas de direitos fundamentais e sua

abrangência, v. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos

direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p.

141-155.

28

ingerência sobre o método profilático a ser escolhido pelo indivíduo para tratar dada

enfermidade, seja em relação à espécie de tratamento médico, sujeição a exames para

diagnosticar moléstias ou tipo de fármaco para tratar a doença identificada. Frise-se que

o direito de defesa protagonizado pelo indivíduo contra o Estado é dotado de tamanha

representatividade, a ponto de, no Estado de São Paulo, ter sido editada lei95 que faculta

aos pacientes portadores de doenças terminais, após devidamente informados sobre a

gravidade da patologia e sua profilaxia por vezes dolorosa ou paliativa, conscientemente

optar pela rejeição de tais protolocos disponibilizados no âmbito público, optando por

não prolongar sofrivelmente a vida.96

Concomitante ao dever de defesa antes exposto, o direito à saúde reclama

também função positiva do Estado, materializada sob a forma de prestações fáticas.

Aqui, podem ser compreendidas as ações positivas97 por parte do ente público na efetiva

prestação do serviço de atendimento clínico-ambulatorial por médicos e demais

profissionais da rede pública de saúde,98 sem olvidar do fornecimento gratuito de

medicamentos relacionados a certos agravos.99

Ultimando a análise segundo a teoria de Robert Alexy, impende destacar a

função de prestação normativa vinculada ao direito fundamental à saúde. Para tanto,

convém distinguir o objetivo da atuação estatal em cada situação,100 que se desdobra em

deveres normativos de proteção: quando são traçadas diretivas legais ou infralegais que

objetivam regulamentar casos de saúde pública, em prol da segurança dos próprios

indivíduos (instrumentos normativos confeccionados pela Agência Nacional de

95 SÃO PAULO. Lei nº 10.241, de 17 de março de 1999. Dispõe sobre os direitos dos usuários dos

serviços e das ações de saúde no Estado. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/norma/?id=7653>.

Acesso em: 1 mai. 2016. 96 Sobre o assunto, cf. VENTURA, Miriam. Aspectos jurídicos da não-ressuscitação do paciente em

medicina paliativa. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, v. 53, n. 2, p. 251-257,

Abr./Mai. 2007. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/rbc/n_53/v02/pdf/secao_especial7.pdf>. Acesso

em: 1 mai. 2016; OSELKA, Gabriel. Direitos dos pacientes e legislação. Revista da Associação Médica

Brasileira, São Paulo, v. 47, n. 2, p. 104-105, Jun. 2001. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302001000200024>. Acesso em: 1 mai. 2016. 97 Breve descrição acerca do sistema público de saúde e suas características é apresentada por: SOUZA,

Renilson Rehem de. O Sistema Público de Saúde Brasileiro. Seminário Internacional: tendências e

desafios dos sistemas de saúde nas Américas. São Paulo, 11 a 14 de agosto de 2002, p. 32-33. 98 Relação contendo os programas e ações afirmativas governamentais, os quais evidenciam o dever de

prestação fática aludido, pode ser encontrado em: BRASIL. Ministério da Saúde. Portal da saúde – SUS

ações e programas. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/acoes-e-

programas>. Acesso em: 1 mai. 2016. 99 Nesse sentido, cite-se o programa do governo federal HIPERDIA, destinado ao tratamento de diabetes

e hipertensão. BRASIL. Legislação federal da saúde: Diabetes e hipertensão. Disponível em:

<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/legislacao/diabetes.php>. Acesso em: 1 mai. 2016. 100 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela..., p. 33.

29

Vigilância Sanitária – ANVISA para autorizar a comercialização de medicamentos no

país, por exemplo);101 de organização: a atuação estatal deve pôr em prática expedientes

concretos para aparelhar a saúde pública, dotando-os de pessoas jurídicas com atuação

exclusiva e especializada na área, capazes de suprir desde provisões básicas, materiais,

contratação de pessoal qualificado, até a montagem das próprias estruturas de

atendimento, desde unidades de pronto atendimento (UPA) até complexos médicos

multiespecializados e hospitais de referência;102 de procedimento: tal função normativa

do Estado pode ser explicitada por meio de regramentos que visam, como o próprio

nome sugere, procedimentalizar o acesso à prestação de saúde, estabelecendo critérios

regulamentares para que o cidadão realize seu direito subjetivo à saúde. A edição dos

Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT’s pelos órgãos administrativos,

listagens responsáveis por padronizar o acesso aos fármacos distribuídos pela

Administração, servem para ilustrar a mencionada função estatal.

Note-se que esta função normativa de procedimento, subespécie da função

prestacional do Estado, pode sugerir identidade para com a prestação fática antes

mencionada, mas com ela não se confunde. O aparente conflito deixa de existir a partir

da leitura de breve excerto contido na obra de Alexy, para quem as prestações fáticas

prescindem de determinada forma jurídica para serem cumpridas, reivindicando tão

somente a satisfação do bem material, pois “É indiferente para a satisfação do direito de

que forma ela ocorre. Decisivo é apenas o fato de que, após a realização da ação (...) os

necessitados disponham do mínimo para sua existência”,103 ao passo que prestações

normativas com função de procedimento, por óbvio, reclamam um rito jurídico

específico, ou seja, uma conduta estatal positiva relacionada ao exercício do direito à

saúde, sendo que “a irrelevância da forma jurídica na realização da ação para a

satisfação do direito é o critério para a distinção entre direitos a ações positivas fáticas e

direitos a ações positivas normativas”.104

101 Para fins metodológicos, note-se que o dever normativo de proteção estatal aqui retratado diferencia-se

sobremaneira da função de defesa, por sua vez abordada quando explicitada a postura negativa da

Administração ao garantir a plêiade de posições jusfundamentais do direito à saúde. 102 BRASIL. Portal Brasil: conheça alguns dos principais hospitais de referência do país. Disponível em:

<http://www.brasil.gov.br/saude/2012/04/conheca-alguns-dos-principais-hospitais-de-referencia-do-

pais>. Acesso em: 1 mai. 2016. 103 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 202. 104 Idem.

30

Conjugando-se a teoria de Robert Alexy com a construção teórica proposta

por Eurico Bitencourt Neto, tem-se que o mínimo existencial está indiscutivelmente

vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo detentor da

jusfundamentalidade própria dos direitos fundamentais, a qual é descrita por Canotilho

como sendo a “especial dignidade de protecção dos direitos”.105

Nos dizeres de Ana Paula de Barcellos, o mínimo existencial reflete o

“núcleo da dignidade da pessoa humana a que se reconhece eficácia jurídica positiva e,

a fortiori, o status de direito subjetivo exigível diante do Poder Judiciário”.106

Para Adriana da Costa Ricardo Schier e Paulo Schier, “identifica-se o

mínimo existencial como as condições básicas exigidas para que as mulheres, os

homens e as crianças possam usufruir do catálogo de direitos fundamentais que,

positivados nas cartas constitucionais do pós-guerra, indicam os valores que norteiam

cada nação social e politicamente organizada”.107

Ricardo Lobo Torres, com fulcro nas lições de Alexy, afirma que o mínimo

existencial é “direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode

ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas”.108

Mariana Filchtiner Figueiredo, partilhando de tal entendimento, preleciona que “há um

núcleo mínimo em cada direito social, estabelecido in concreto, segundo as

características do próprio direito e em atenção à preservação da dignidade humana, que

não pode jamais ser ultrapassado”.109

Sob tal enfoque, considerando o arquétipo teórico que corporifica a

existência de um direito fundamental ao mínimo existencial e aplicando-o à temática da

saúde e o fornecimento de medicamentos de alto custo, é possível extrair uma primeira

conclusão no sentido de que, a exemplo das demais prestações de saúde (atendimento

básico, exames, internamentos), também a dispensação de fármacos excepcionais pelo

Estado (e, conforme será abordado em momento ulterior, mais precisamente, pela União

105 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed.

Coimbra: Almedina, 2003. p. 378. 106 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da

dignidade da pessoa humana. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 288. 107 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo; SCHIER, Paulo Ricardo. O serviço público adequado e a

cláusula de proibição de retrocesso social. In: CONPEDI/UFS. (Org.). VITA, Jonathan Barros; CARDIN,

Valéria Silva Galdino; SILVA, Lucas Gonçalves da. (Coords.). Direitos fundamentais. Florianópolis:

CONPEDI, 2015. p. 532-555. 108 TORRES, Ricardo Logo. A cidadania multidimensional da era dos direitos. In: _____ (Org.). Teoria

dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 262-263. 109 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. cit., p. 200.

31

Federal, exclusivamente) se caracteriza como um corolário de justiça social e, acima

disso, uma medida que invoca cláusulas de direitos humanos,110 imbuída de empatia,

intenção altruísta e solidariedade social.111 Todavia, resta perscrutar se o fornecimento

de medicamentos de alto custo se encontra inserido no âmbito do mínimo existencial.

Entretanto, importante adendo deve ser feito nesta altura. Para encontrar o

significado do mínimo existencial adotado pelo sistema jurídico pátrio e, com isso,

delimitar sua margem de incidência, é preciso reconhecê-lo presente na Constituição

Federal.

A Constituição da República Federativa do Brasil, embora analítica, é

composta por enunciados normativos que, por vezes, não denotam sindicabilidade

manifesta de determinadas faculdades jurídicas, sendo imprescindível empregar

exercício de hermenêutica sistemático.112

No entanto, no que concerne aos direitos sociais, tal complexidade torna-se

menos intrincada, de maneira que o conteúdo do mínimo existencial consegue ser

extraído a partir do cotejo de alguns dispositivos constitucionais – in casu,

especialmente os artigos 23, II, 30, VII, 196, 198, 200, 227, entre tantos outros.

Ana Paula de Barcellos, ao examinar concretamente o alcance do mínimo

existencial, afirma que a saúde básica, a exemplo da educação e da assistência aos

desamparados, constitui dimensão indissociável da dignidade da pessoa humana e, por

isso, alcança a condição de direito subjetivo passível de exigibilidade imediata perante o

Poder Judiciário, assumindo a natureza de regra113 e demandando prestações positivas

por parte do Estado.114 Suas ideias serão retomadas adiante, para justificar o

posicionamento adotado na presente pesquisa.

Todavia, ainda que identificada genericamente a saúde como inserta no

núcleo do mínimo existencial, cuja exigibilidade decorre diretamente da Constituição da

República, é preciso distinguir aquilo que, de fato, compõe o instituto em análise,

diferenciando os diversos tipos de prestações que, mesmo reconhecidamente essenciais

110 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. cit., p. 189. 111 Sobre o princípio da solidariedade social, cf. BITENCOURT NETO, Eurico. Op. cit., p. 107-113. 112 BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit., p. 175-180. 113 O sentido de “regra” empregado é aquele definido por Ronald Dworkin, para quem “As regras são

aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e

neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para

a decisão.” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 39. 114 BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit., p. 175-217.

32

ao bem-estar, não integram o conceito apresentado em seu viés mais estrito. Para tanto,

em que medida a saúde deve ser protegida pelo Estado quando se trata da dispensação

de fármacos de custo elevado? Estão os medicamentos de alto custo inseridos no

mínimo existencial?

Antes de responder às indagações, uma importante observação deve ser

realizada, no sentido de que o custo dos medicamentos excepcionais não pode, por si só,

servir de argumento para negar a condição de mínimo existencial a determinada

pretensão. A própria Corte Suprema brasileira assim já entendeu, por ocasião do

julgamento da Suspensão de Segurança n. 4.304/CE, na qual foi relator o Min. Cezar

Peluso.115

Afinal, em havendo o preenchimento de critérios específicos, capazes de

evidenciar a imprescindibilidade de determinado tratamento médico custoso, instruindo-

se o pedido com elementos técnicos convincentes que indiquem o fármaco como sendo

determinante para a convalescença, esgotadas outras técnicas previstas pelas políticas

públicas respectivas e demonstrada a legalidade e licitude de sua existência e

comercialização em solo nacional, superado estará o argumento econômico-financeiro,

este por sua vez estritamente vinculado a um critério utilitarista,116 o que não pode ser

admitido em termos de defesa à saúde, pois não há distinção aceitável sobre a dignidade

e a saúde da população para determinar quem deverá ser sacrificado em prol de um

benefício para a maioria.

Prosseguindo, a questão do enquadramento da prestação de saúde requerida

ao mínimo existencial deve se ater a outra faceta, esta relacionada a questões de política

institucional e circunscrita à discricionariedade da Administração: a prestação requerida

em um caso individual tem o condão de ser maximizada para os demais cidadãos dela

postulantes? É o que preceitua Ana Paula de Barcellos: “Ora, a prestação de saúde

concedida por um magistrado a determinado indivíduo, deveria ser concedida também a

todas as demais pessoas na mesma situação. E é difícil imaginar que a sociedade

115 “Ademais, o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo suficiente para caracterizar a

ocorrência de grave lesão à economia e à saúde públicas, visto que a Política Pública de Dispensação de

Medicamentos excepcionais tem por objetivo contemplar o acesso da população acometida por

enfermidades raras aos tratamentos disponíveis.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de

segurança 4304/CE. Rel. Min. Cezar Pelluso. Julgado em 19 abr. 2011. DJe 2 mai. 2011.) 116 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Lisboa: Editorial Presença, 1993. p. 40.

33

brasileira seja capaz de custear (ou deseje fazê-lo) toda e qualquer prestação de saúde

disponível no mercado para todos os seus membros.”117

Logo, seja na seara judicial ou no âmbito administrativo, devem ser

identificados quais os pilares sob os quais se assenta o pedido de fornecimento de

remédio de alto custo, evitando-se, com isso, tão somente a busca por situações que

excedem a mens legis constitucional de universalidade e integralidade do SUS, como é

o caso daquele que pretende adquirir da Administração medicamento de referência em

detrimento de seu correspondente genérico, constante das listagens oficiais do SUS

(salvo casos excepcionais em que não é possível a intercambialidade118), o paciente que

recuse internação em hospital capacitado para o trato de sua enfermidade, por

simplesmente preferir outra instituição hospitalar ou o pleito de fornecimento de cadeira

de rodas motorizada em detrimento da convencional já dispensada.

Contudo, é preciso frisar que os exemplos descritos desbordam da

concepção de mínimo existencial adotada porque pressupõem uma prestação positiva já

engendrada pelo Poder Público, adequada e suficiente para o cumprimento dos preceitos

normativos insculpidos na Constituição Federal, em especial o art. 196, que assegura a

universalidade e a igualdade das prestações de saúde, remetendo-se a leitura para o

subitem inaugural do trabalho, que melhor especificou tais premissas. Para os casos de

omissão ou prestação deficiente atribuíveis ao ente estatal, remanesce a condição

apriorística de direito subjetivo à obtenção de medidas assecuratórias do bem-estar

físico e mental.

Não se olvide que o direito à saúde traz consigo uma inderrogável carga

emocional, de maneira que, qualquer tentativa de delimitar o mínimo suficiente para

uma existência digna perpassa necessariamente por escolhas alocativas trágicas119 que se

prestam a atingir o escopo da política pública institucional, qual seja, o de resguardar

efetividade em um amplo leque de prestações positivas, e não suprir absolutamente

todas as necessidades decorrentes da complexidade humana.

117 BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit., p. 306. 118 “VI - Critérios para prescrição e dispensação de medicamentos genéricos (...) 1.3. No caso de o

profissional prescritor decidir pela não-intercambialidade de sua prescrição, a manifestação deverá ser

efetuada por item prescrito, de forma clara, legível e inequívoca, devendo ser feita de próprio punho, não

sendo permitidas outras formas de impressão.” (BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária:

Resolução RDC nº 16, de 2 de março de 2007. Disponível em: <http://crf-

rj.org.br/arquivos/estagio/RDC16_2007MODIFICADA.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2016.) 119 Sobre o assunto: CALABRESI, Guido; BOBBIT, Philip. Tragic choices: the conflicts society

confronts in the allocation of tragically scarce resource. New York: W. W. Norton & Company, 1978.

34

Por conta desse raciocínio, a despeito de questões de ordem humanitária ou

religiosa porventura suscitadas, infelizmente não há lugar – ao menos no núcleo do

mínimo existencial – para critérios finalísticos, tais como a “preservação vida” ou a

“diminuição da dor”, já que praticamente todas as querelas de saúde se prestam a tais

desideratos.120

As escolhas orçamentárias, dessa forma, não devem ser encaradas e julgadas

somente em relação àquilo que deixam de realizar. O exame de sua efetividade deve

considerar se, dentro da área abrangida, as múltiplas rotinas procedimentais são

disponibilizadas a contento nos diversos setores que compõem a macropolítica pública

da saúde, desde prestações básicas de saneamento básico,121 unidades de pronto

atendimento, consultas de pré-natal, plenitude de partos assistidos por médicos,

aplicação de vacinas obrigatórias, combate e medicamentos para dengue e outras

moléstias endêmicas, até as mais complexas que se encontrem inseridas no mínimo

existencial por expressa previsão legal ou atos administrativos que estabeleçam

programas específicos em Portarias do Ministério da Saúde122 – v. g. medicamentos para

câncer, AIDS, transplantes, etc. Assim, constatado o descumprimento de ações como as

mencionadas, a judicialização torna-se medida legítima para corrigir as deficiências

havidas.

Congregando as ideias lançadas, chega-se ao entendimento de que o mínimo

existencial das prestações de saúde é, repise-se, uma importante dimensão da dignidade

humana, devendo a Administração Pública priorizar práticas essenciais e comuns à

maioria da população.

A conclusão acima lançada vai ao encontro, inclusive, do posicionamento

adotado pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações

Unidas,123 o qual compreende o mínimo existencial em saúde como sendo o livre acesso

aos centros de saúde sem discriminação de qualquer ordem, além de alimentação

120 BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit., p. 308. 121 Sobre a indispensabilidade do saneamento básico para a promoção da saúde pública e sua condição de

direito fundamental, cf. LAHOZ, Rodrigo Augusto Lazzari. Serviços públicos de saneamento básico e

saúde pública no Brasil. São Paulo: Almedina, 2016; MORAES, Luiz Roberto Santos; BORJA, Patrícia

Campos. Revisitando o conceito de saneamento básico no Brasil e em Portugal. Disponível em:

<http://www.saneamentobasico.com.br/portal/index.php/acervo_tecnico/>. Acesso em: 17 jul. 2016. 122 HACHEM, Daniel Wunder. Mínimo…, p. 205-240. 123 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/onu-proteccao-dh/orgaos-onu-dir-econ-soc-

culturais-novo.html>. Acesso em: 2 nov. 2016.

35

essencial e nutritiva, moradia, condições sanitárias e água potável, obtenção de

medicamentos essenciais e existência de centros de saúde distribuídos pelo território

nacional.124

Ana Paula de Barcellos, com precisão cirúrgica – e com a qual se

compactua – sugere balizas para reconhecer quais prestações estão englobadas pelo

mínimo existencial, identificando-o nas práticas de saúde das quais todos, um dia,

tiveram necessidade (assistência no parto e consultas pós-natal), além de outras que

possam necessitar no presente (saneamento básico e atendimento médico preventivo),

sem olvidar daquelas vindouras, cuja necessidade se fará provável (doenças da velhice,

v. g. hipertensão, enfermidades cardiovasculares, diabetes).125 Por fim, conclui a autora,

com perspicácia, que “A lógica desse critério é assegurar que todos tenham direito

subjetivo a esse conjunto comum e básico de prestações de saúde como corolário

imediato do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, podendo exigi-lo

caso ele não seja prestado voluntariamente pelo Poder Público”.126

Porém, imprescindível esclarecer que a adoção do posicionamento antes

mencionado não implica, necessariamente, na negativa de justiciabilidade de pretensões

de saúde porventura não abrangidas pelo mínimo existencial.

Adotando-se o entendimento manifestado por Daniel Wunder Hachem,127

afigura-se possível considerar o mínimo existencial como piso mínimo de direitos, de

maneira que eventuais pretensões não abarcadas no conceito possam igualmente ser

submetidas ao crivo do Judiciário, ao qual é facultado aplicar o princípio da

proporcionalidade e seus critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade em

sentido estrito, quando da análise da colisão de direitos fundamentais em cada caso

concreto128 – em uma clara aplicação da teoria relativa do mínimo existencial.129

Do exposto até aqui, tem-se que a conformação de mínimo existencial ora

retratada tem por finalidade primeira a conjugação de construções doutrinárias que,

aglutinadas, apresentem, a um só tempo, uma visão sensível à solidariedade social, ao

124 ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. 2.

ed. Madrid: Trotta, 2004. p. 89-90. 125 BARCELLOS, Ana Paula de. Op. Cit., p. 312. 126 Idem. 127 HACHEM, Daniel Wunder. Mínimo…, p. 226. 128 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. In: BACELLAR FILHO;

HACHEM (Coord.). Globalização, direitos fundamentais e direito administrativo: novas perspectivas

para o desenvolvimento econômico e socioambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 106-107 129 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Op. Cit., p. 208.

36

tempo em que deitam uma visão racional sobre os limites da capacidade provedora do

Estado de Direito.

1.1.3. O Sistema Único de Saúde e suas diretrizes constitucionais

Para compreender o sistema público de saúde brasileiro, optou-se

metodologicamente pela investigação de suas balizas constitucionais, as quais serviram

para desenvolver a política nacional de saúde, qual seja, o Sistema Único de Saúde –

SUS.

Inicialmente, cabe destacar que as cláusulas fundamentais que dizem

respeito à saúde são encontradas principalmente nos artigos 6º, 194, 196 e 198 da

Constituição da República. Tais normas informam e entrelaçam anseios e princípios,

transformando ideais sociais em direitos concretos.

Especificamente em relação ao Sistema Único de Saúde, o constituinte

originário fez a opção consciente de imbricar no texto constitucional tanto os princípios

fundamentais, quanto as diretrizes de funcionamento do SUS, certamente por entender

que sua coexistência e obediência são essenciais para a sobrevivência do sistema, até

mesmo em razão das diferentes naturezas de suas ações positivas, negativas,

prestacionais, de abstenção.

Metodologicamente analisados, os princípios atinentes ao SUS, previstos no

artigo 194130 da Constituição, têm o condão de impor aos entes estatais uma série de

objetivos para nortear as políticas públicas aplicadas e reduzem a discricionariedade do

administrador – universalização da cobertura e atendimento, multiplicidade de fontes de

custeio, gestão administrativa quadripartite, etc.

130 “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes

Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência

social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com

base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e

equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade

na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - eqüidade na

forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e

descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos

empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.”

37

As diretrizes do sistema, por sua vez constantes do artigo 198,131 evidenciam

parâmetros de obediência obrigatória pelo Estado quando do cumprimento de

obrigações – descentralização político-administrativa, integralidade de atendimento e

participação ativa da comunidade.

A título complementar, adotando-se a classificação relacionada ao grau de

fundamentalidade da norma capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello,132 tem-

se que os princípios são mandamentos nucleares de um dado sistema, “disposição

fundamental que se irradia sobre diferentes normas (...) servindo de critério para exata

compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade

do sistema normativo”; já as diretrizes seriam nortes procedimentais de observância

obrigatória para a implementação das políticas delineadas nos termos dos princípios.

Em suma: as diretrizes concretizam o SUS na prática, com base abstrata nos padrões de

conduta estabelecidos pelos princípios. Ambos os conjuntos devem ser igualmente

respeitados, mesmo em razão de se encontrarem previstos na Constituição de 1988.

Da análise da moldura constitucional existente, depreende-se que cinco são

as diretrizes que municiam o Sistema Único de Saúde – SUS, conferindo-lhe o status de

política garantidora do direito fundamental social à saúde e ponto fulcral para a análise

da legitimidade das ações estatais. Logo, sem maiores digressões, passa-se ao exame

pormenorizado de cada uma delas.

A primeira diretriz encontra dupla roupagem constitucional, quais sejam os

artigos 194, VII e 198, I e III, e concerne à descentralização. Sua observância importa

na distribuição igualitária de atribuições pelas ações voltadas à promoção e prevenção

da saúde entre as três esferas federativas previstas pela Constituição. Dessa forma,

União, Estados e Municípios têm deveres de reciprocidade e complementaridade pela

edição e manutenção de programas destinados ao atendimento da população. Devem

conjugar esforços coordenados, observando a realidade local de cada comunidade, para

o fim de, entendendo suas mazelas, encontrar soluções adequadas e eficazes para uma

dada situação.

131 “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e

constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com

direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades

preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. (...)” 132 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros,

2009. p. 53.

38

Importante mencionar que a diretriz supradescrita importa em uma

setorização das práticas estatais, as quais culminam por orientar e informar o SUS

quanto às necessidades prementes do lugar. Nessa senda, a descentralização é o fator

observado para a delimitação do raio de ação de cada um dos entes estatais, fazendo

com que os esforços havidos no combate de determinada situação abranjam desde

serviços ambulatoriais até outras ações preventivas aptas a erradicar, ou ao menos

minimizar, dada carência na política institucional.

Há, por outro lado, a diretriz da hierarquização. A complexidade do SUS

exige que a coordenação das ações descentralizadas se dê de maneira otimizada,

compartimentada geograficamente e de acordo com o grau de complicação exigido pela

moléstia. Pela hierarquia, entende-se que o cidadão acometido por enfermidade deve

seguir, na medida do possível, o rito destinado à promoção da cura pelas instituições de

saúde. Seu atendimento deve ocorrer primeiramente em ambientes locais, para a

realização da anamnese necessária à constatação de sua moléstia para, em sendo

necessário, ser determinada a sua remoção ou encaminhamento para outra unidade

pertencente ao sistema.

A terceira diretriz, intrinsecamente vinculada às premissas anteriores, é a da

regionalização do SUS. Por tal premissa, entende-se que o universo de atendimentos

deve ser contingenciado segundo o tipo de acolhimento necessário para a superação do

problema de saúde. Assim, para o suporte a enfermidades de fácil tratamento, devem ser

destacadas as unidades de atendimento básico, normalmente atribuídas aos Municípios,

à medida que doenças complexas ou agressivas, de difícil recuperação, ou mesmo

situações de traumas oriundas de acidentes prescindem de encaminhamento aos

complexos médicos que abarquem várias especialidades da medicina, usualmente

patrocinados pelos Estados ou pela União.

Não se olvide que, para além da repartição de competências, a política

pública deve ser capaz de municiar todos os centros médicos, desde o atendimento

básico até a mais alta complexidade, com pessoal e equipamento suficientes para

empregar eficiência no atendimento, tudo para cumprir o mandamento constitucional.133

Prosseguindo, o financiamento é a quarta diretriz que vigora no Sistema

Único de Saúde. Neste ponto, dúvidas não remanescem quanto à origem orçamentária

133 CARVALHO, Guido Ivan; SANTOS, Lenir. Sistema único de saúde. 2. ed. São Paulo: Hucitec,

1995. p. 130.

39

de todo o SUS, prevista pelo artigo 198, § 1º da CR,134 cuja subvenção provém (i) da

seguridade social de todos os entes federados, (ii) além de outras fontes, o que remonta

à ideia de liberdade de instituição de impostos por lei complementar prevista pelo artigo

154, I, da Constituição Federal, em conjunto com o parágrafo 4º do artigo 195, tudo

para garantir a existência de divisas aptas ao cumprimento do disposto no caput do

artigo 196, já estudado.

Por fim, tem-se o controle social enquanto última diretriz formadora do

SUS. O constituinte originário imbuiu o cidadão de importante prerrogativa para a

construção permanente do sistema de saúde coletiva brasileiro, conferindo-lhe a

faculdade de efetuar o controle das políticas públicas de saúde. A participação da

comunidade, que pode se dar de maneira direta ou indireta, ocorre desde o nascedouro

da medida, no plano abstrato, até a aferição factual de sua eficiência.

É por meio do controle das práticas engendradas pela Administração que se

desenvolve um importante vetor para o desenvolvimento – evolução – da saúde pública.

A atuação cidadã ocorre, neste passo, por intermédio de representantes nas Conferências

de Saúde, as quais foram criadas com o escopo de tecer propostas que alavanquem o

sistema em todas as suas instâncias – municipal, estadual e federal. Há também os

Conselhos de Saúde, órgãos administrativos que atuam no planejamento e controle do

SUS, sem olvidar das agências reguladoras com atuação destacada na saúde – Agência

Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Agência Nacional de Saúde Suplementar

(ANS), entre outras.

Reputa-se válido relembrar que a forma de exercício do direito acima

destacado reflete uma das características da multifuncionalidade do direito fundamental

à saúde, concernente ao direito à ação positiva normativa de participação na

organização e no procedimento da política de saúde.135

De outro lado, é certo que a participação direta encontra limitações de

ordem concreta para sua completa realização dentro do Sistema Único. Entretanto, não

se pode olvidar que o fato de a Constituição da República fazer constar dispositivo

expresso que autorize a presença direta de membros da sociedade civil no processo de

escolha e balizamento das políticas públicas de saúde, representa um significativo 134 “Art. 198. (...) § 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do

orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de

outras fontes.” 135 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 202-203.

40

avanço no jogo democrático, pois empodera a coletividade e a torna protagonista, em

conjunto com o próprio Poder, para as escolhas das prioridades estatais vinculadas à

saúde.

Ainda que o estudo sobre a miríade de ações engendradas no âmbito do

SUS, sua estrutura organizacional e a materialização das ações positivas e negativas seja

objeto de tópico vindouro, é possível consignar, desde já, a completude do aludido

sistema, bem como sua importância para a administração da sociedade.

1.2. A regulamentação legislativa e administrativa do direito fundamental à saúde

e o fornecimento de medicamentos de alto custo

Os subitens adiante especificados objetivam trazer a lume os esforços

engendrados pela sociedade organizada pré-Constituinte de 1988 na área da saúde, os

quais foram posteriormente recompensados sob a forma de garantias legislativas, com

especial ênfase à lei de criação do Sistema Único de Saúde. Desta feita, pretende-se

(1.2.1) elencar as matrizes histórico-jurídicas sobre as quais restou edificado o SUS

atual, bem como particularizar suas diretivas ordinárias, constantes da Lei n. 8.080/90,

as quais são responsáveis pelo modo de operação cotidiano do sistema público de saúde.

Em seguida, (1.2.2) aborda-se a divisão de competências estabelecida na

legislação infraconstitucional, desenvolvendo argumentos que reforçam a competência

comum dos entes federativos e que vão de encontro ao – equivocado – consenso

jurisprudencial que apregoa a solidariedade passiva, tudo com base em dados oficiais

disponibilizados pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, em dado lapso temporal

(2010/2014).

O subitem que arremata o capítulo inaugural (1.2.3), por sua vez, encara a

complexidade metodológica de se conceituar o “alto custo” de um medicamento,

recorrendo a uma série de critérios que, conjugados às peculiaridades do caso concreto,

são capazes de sinalizar a excepcionalidade de um dado tratamento, independente de

seu valor pecuniário extrínseco.

41

1.2.1. A evolução social que estabeleceu o Sistema Único de Saúde – SUS e suas

premissas vinculativas

É cediço que, no Brasil, o Sistema Único de Saúde encontra legitimidade

em praticamente todas as espécies de diplomas normativos concebidos pelo

ordenamento, desde a Constituição da República e suas normas de eficácia imediata,

passando por leis complementares e ordinárias promulgadas para conceder efetivo

acesso ao direito à saúde em todas as suas vertentes, até a edição de decretos

regulamentares e instruções normativas de natureza infralegal que franqueiam acesso

efetivo às prateleiras de fármacos distribuídos nas secretarias de saúde.

Porém, a fecunda atividade legiferante hoje existente, por sua vez, somente

foi possível ser construída em razão do estabelecimento de importante marco de

desenvolvimento, o qual se revelou o alicerce para a edificação do complexo de normas

e diretivas que formam o sistema da saúde hodierno.

O contexto acima exposto alude ao Movimento da Reforma Sanitária –

MRS surgido durante a década de 1970, idealizador do atual sistema de saúde e seu

heterogêneo complexo jurídico. Naquela época, foram realizadas as primeiras

experiências concretas por meio de projetos institucionais dedicados à atenção primária

da população rural, os quais foram elaborados por uma pequena parcela de intelectuais

da área da saúde. A título exemplificativo, cita-se o Programa de Interiorização das

Ações e Serviços de Saúde – PIASS, originalmente concebido para ampliar a rede

ambulatorial pública no país, com ênfase na Região Nordeste, historicamente detentora

de maus índices de desenvolvimento humano.136

Em 1976, deu-se a criação do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde –

CEBES, com vistas a congregar parcela significativa dos profissionais de tinham por

objeto de estudo a temática sanitária e expoentes do meio político, fazendo a ponte

necessária entre a academia, composta basicamente por pesquisadores, e a política, nas

figuras de líderes sindicais, parlamentares, associações e outros movimentos populares

que batalhavam por avanços sociais na saúde.

Um fato contribuiu decisivamente para o fortalecimento da pauta

reivindicatória da saúde, no ano de 1978. Trata-se da Conferência Mundial de Saúde de

136 FIGUEIREDO, Herberth Costa. Op. Cit., p. 115-116.

42

Alma-Ata, a qual teve lugar no Cazaquistão e foi promovida pela Organização Mundial

da Saúde – OMS. O foco da reunião de líderes em saúde estava centrado na assistência

médica básica às populações excluídas, as quais, no Brasil, ocupavam zonas periféricas

de cidades e também zonas rurais.137 A repercussão interna foi imediata, o que

fortaleceu o movimento brasileiro e propiciou novas medidas que franqueavam o acesso

à saúde.

Já nos idos de 1980, assolado pela crise na previdência social, agravada pelo

contexto político relacionado às turbulências da transição do regime militar para a

democracia, crise econômica, estagnação do crescimento, hiperinflação, entre outros

problemas, o Movimento da Reforma Sanitária ganhou adeptos, uma vez que a

implementação dos direitos sociais se traduzira em um avanço imprescindível para a

correção democrático-social que se pretendia.

Neste cenário institucional, os contornos de um sistema único de saúde,

fundamentalmente estatal, começou a ser delineado quando os militantes do Movimento

da Reforma Sanitária passaram a ocupar postos estratégicos no Ministério da Saúde e do

Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS. Tal

ocupação se revelaria de suma importância para a consolidação de propostas de viés

democrático em relação à saúde, em vista da realização da VIII Conferência Nacional

da Saúde.138

Concebida durante os dias 17 e 21 de março de 1986 em Brasília, esta

Conferência revelou-se providencial para os avanços na área da saúde. Herberth Costa

Figueiredo139 a considera uma “pré-constituinte”, pois ocorrida quase que

concomitantemente à eleição da Assembleia Nacional Constituinte de 15 de novembro

daquele ano.140

Por certo que a VIII Conferência Nacional da Saúde se constitui em um dos

eventos político-sanitários mais importantes na história da saúde coletiva brasileira,

momento em que os debates foram intensificados em todas as searas político-

137 CURY, Ieda Tatiana. Direito fundamental à saúde: evolução, normatização e efetividade. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 43. 138 CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. O SUS entre a tradição dos sistemas nacionais e o modo liberal-

privado para organizar o cuidado À saúde. Revista do Centro Brasileiro de Estudo em Saúde,

Campinas, v. 35, n. 69, p. 1865-1874, ago. 2007. 139 FIGUEIREDO, Herberth Costa. Op. cit., p. 116. 140 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/comunicacao/

institucional/noticias-institucionais/ha-25-anos-era-eleita-a-assembleia-nacional-constituinte>. Acesso em

22 mai. 2016.

43

institucionais e em todas as classes da sociedade civil organizada.141 Após profícuos

debates, o encontro nacional resultou em importantes contribuições para a consolidação

do direito à saúde. Dentre os avanços, destacam-se, para os fins metodológicos

propostos, o consenso sobre o estabelecimento de um conceito abrangente de saúde,

bem como a premissa de que esta se consubstancia em um direito inerente à cidadania

plena e em um dever estatal, além da necessidade de instituir um sistema de saúde uno e

único para todo o território nacional.142

As conclusões obtidas na VIII Conferência Nacional de Saúde promoveram

contribuições incomensuráveis para o país. Isso porque o projeto ali debatido e

consolidado foi recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, concretizando as expectativas de estabelecimento de um direito fundamental, em

atendimento às prescrições advindas dos direitos humanos.143 No contexto de

incorporação de disposições de uma saúde estatal, de índole coletiva, descentralizado e

regionalizado, objetivando o atendimento integral e a participação social, é que surgiu a

Constituição Federal.

De outro lado, pode-se concluir que, dentre as vantagens decorrentes da

inserção das premissas suscitadas pelo MRS – e aperfeiçoadas durante a VIII

Conferência Nacional de Saúde – no contexto constitucional, destaque-se que a

descentralização racionalizou o sistema de saúde, valorizando novos espaços

institucionais para abarcar a participação da sociedade nos atos de gestão e fiscalização,

maximizando a condição de legitimidade do Estado democrático de direito.

Foi a partir da concretização da reforma sanitária ideada que a saúde foi

transfigurada em direito social universal, destacado da condição de ramificação do

Direito Previdenciário, onde estava antes inserido, para compor, ao lado da previdência

e da assistência social, o instituto da “Seguridade Social”.144

141 FIGUEIREDO, Herberth Costa. Op. cit., p. 116. 142 ALMEIDA, Eurivaldo; CHIORO, Arthur; ZIONI, Fabíola. 2001. p. 31. 143 PAIVA, Carlos Henrique Assunção; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Reforma sanitária e a criação do

Sistema Único de Saúde: notas sobre contextos e autores. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio

de Janeiro, v.21, n.1, p. 15-35, jan./mar. 2014. 144 “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos

termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal

e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...)” BRASIL. Constituição da República

Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/

constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 22 mai. 2016.

44

Tal mudança normativa evidencia, a bem da verdade, nítida evolução para a

efetividade do direito à saúde, na medida em que o acesso aos serviços respectivos é

agora universal e não depende de qualquer condição subjetiva prévia do cidadão, a

exemplo da condição de segurado da previdência pública, bastando a mera condição de

ser humano para servir-se do aparato estatal.

No cenário apresentado, em que a Constituição da República de 1988 fez

constar as diretivas originalmente esculpidas no projeto de reforma sanitária, cuja

gênese remonta ao Movimento da Reforma Sanitária, dá-se um passo adiante no ano de

1990. Em 19 de setembro de 1990, tem início nova etapa de municiamento do sistema

jurídico do SUS para garantir prestações satisfatórias de saúde: editada sob o n. 8.080, é

publicada a Lei Orgânica da Saúde – LOS, a qual “Dispõe sobre as condições para a

promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos

serviços correspondentes e dá outras providências.”145 Tal diploma legal contribui

sobremaneira para enlaçar definitivamente sociedade e Estado na busca por melhorias

na área da saúde, pois sistematiza didaticamente os direitos e obrigações tanto do

Estado, quanto dos usuários dos serviços.

Rememore-se, ilustrativamente, o conteúdo normativo do caput de seu

artigo 2º, in verbis: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o

Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. A menção a um

direito fundamental “do ser humano” evidencia a opção do legislador por um conceito

de direito à saúde que transcende a justificativa constitucional e busca sua raiz

axiológica muito além do Direito Positivo, enveredando de forma salutar pela dignidade

humana que deu azo à concepção contemporânea dos direitos humanos no Século

XX.146

Demais disso, tem-se que a Lei Orgânica da Saúde, complementando o rol

de diretrizes constitucionais previstas no artigo 198 e objeto de pormenorização no

tópico anterior (1.1.3), aumentou o leque garantidor da higidez do SUS e, com isso,

contribuiu sobejamente para o bom desempenho de suas previsões. A título elucidativo,

são destacados alguns mandamentos presentes na legislação objeto de enfoque,

145 BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em 21 mai. 2016. 146 PIOVESAN, Flávia. Op. cit., p. 47.

45

previstos em seu artigo 7º,147 os quais demonstram o amplo alcance das garantias

conferidas ao cidadão brasileiro.

O acesso universal previsto no inciso I do artigo em tela possui sentido

autoexplicativo, além de reproduzir mandamento já constante do artigo 196 da

Constituição Federal. Porém, reveste-se de caráter complementar ao dispor que o

acesso, além de livre a todos, deve ocorrer em todas as acepções afetas ao direito à

saúde, a saber: no atendimento básico ou complexo, em caráter curativo ou preventivo,

para tratar de moléstia individual ou coletivamente.

O mesmo ocorre para a situação descrita no inciso II, relacionada à

integralidade de assistência, que garante ao cidadão uma miríade de ações que têm por

escopo desencadear tudo o que for necessário para restabelecer sua saúde, repetindo o

comando constitucional do art. 198, II, da Constituição.

O inciso III, relacionado à autonomia das pessoas quanto à sua integridade

física e moral, possui sentidos variados, sendo interessante sobressaltar para a pesquisa

a característica do respeito à dignidade da pessoa e o respeito à sua vontade

conscientemente manifestada, conciliando métodos profiláticos avançados para com a

prerrogativa de o paciente escolher determinada ação diversa, ou mesmo de recusar a

assistência médica em casos terminais.148

A igualdade de assistência referida no inciso IV preceitua a necessária

isonomia de gênero, raça, poder econômico ou qualquer outro critério de discrímen que

147 “Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que

integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no

art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso

aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como

conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,

exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia

das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem

preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua

saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo

usuário; VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e

a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-

administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços

para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X - integração em

nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI - conjugação dos recursos

financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; XII - capacidade de resolução

dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII - organização dos serviços públicos de modo a

evitar duplicidade de meios para fins idênticos.” 148 SÃO PAULO. Lei nº 10.241, de 17 de março de 1999. Dispõe sobre os direitos dos usuários dos

serviços e das ações de saúde no Estado. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/norma/?id=7653>.

Acesso em: 1 mai. 2016.

46

vá de encontro com os postulados de direitos humanos. Afinal, a saúde está ao alcance

de todos, como expressão máxima dos postulados sociais existentes em nossa

Constituição.149

Ato contínuo, pelo direito à informação a respeito da própria saúde, previsto

no inciso V do artigo 7º, trata-se de diretriz extraída diretamente do princípio da

transparência de todos os atos estatais. Nessa senda, o cumprimento de dada diretriz

possui ainda mais razão de ser quando impõe ao Estado a obrigação de dizer ao próprio

interessado sobre seu estado de saúde, fornecendo-lhe, inclusive, todo o acervo

documental suficiente ao aclaramento da situação, consistente de exames, prontuários e

quaisquer outras avaliações, inclusive o indeferimento, por escrito, de pedidos de

assistência farmacêutica.150

A diretriz acima exposta comporta outra dimensão, de natureza sistêmica,

prevista no inciso VI do artigo 7º e consistente no direito de o usuário receber

informações sobre o potencial dos serviços de saúde e sua utilização. Tal previsão pode

ser interpretada na forma de uma prerrogativa do cidadão frente ao SUS, que lhe

franqueia acesso a informações aptas a cientificá-lo acerca do prisma de competências

administrativas à sua disposição. As potencialidades do sistema imbuem o paciente do

direito de, conscientemente, escolher a qual procedimentos se sujeitar, além de deixá-lo

a par do alcance, da metodologia dos tratamentos existentes na seara pública, para

decidir como proceder.

Pelo inciso VII, o SUS deixa claro quais são as prioridades para a

destinação dos recursos angariados pela tributação, bem como quais são os projetos de

desenvolvimento dos setores abarcados pelo sistema, tudo baseado na epidemiologia.

Essencial para um sistema voltado à promoção da saúde, a epidemiologia é a

responsável primeira pela elaboração de estratégias nas diversas áreas de sua

aplicação,151 o que é de suma importância para o desenvolvimento da saúde coletiva. É

149 O preâmbulo da Constituição da República evidencia os valores do Estado Social, a exemplo da

garantia, v. g., “dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e

sem preconceitos, fundada na harmonia social (...)”. 150 PARANÁ. Ministério Público do Estado do Paraná: princípio da informação. Disponível em:

<http://www.planejamento.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2544>. Acesso em:

22 mai. 2016. 151 Sobre a classificação usual da epidemiologia aplicada, tem-se as seguintes macroáreas: 1) vigilância

em Saúde Pública (ou epidemiológica); 2) análise da situação de saúde; 3) identificação de perfis e fatores

de risco; e 4) avaliação epidemiológica de serviços. (OLIVEIRA, Maria Regina Fernandes de. Editorial:

47

por meio desta ciência que ocorre o aprimoramento da gestão do SUS, de maneira a

contemplar número cada vez maior de cidadãos adequadamente atendidos.

Em seguida, o inciso VIII traz como diretriz do SUS a participação da

comunidade. A exemplo dos dois primeiros incisos, a referida participação reproduz

comando constitucional, aqui insculpido no inciso III do artigo 198 da Constituição

Federal. Tal participação, vinculada ao controle social já estudado por ocasião do item

precedente, revela a vontade do legislador de estimular a organização do Sistema Único

conforme decisões que envolvam, além do corpo técnico responsável, os anseios da

comunidade abrangida pela política, do início (formulação) ao fim (controle pela

aferição de eficiência). A partir dessa ideia, a decisão ideal passaria pela discussão

conjunta entre, por exemplo, os Conselhos de Saúde, as Comissões Intergestoras, a

Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, etc.,

com a estrita finalidade de encontrar soluções possíveis e capazes de promover

melhorias na saúde coletiva.

O inciso IX, a seu turno, dispõe sobre a descentralização político-

administrativa enquanto diretriz do Sistema Único de Saúde, igualmente investigada

por conta de sua matriz constitucional literal (artigos 194, VII e 198, I e III).

Conjugando esforços para o funcionamento do SUS, União, Estados e Municípios

dividem atribuições por serem igualmente responsáveis pelo bem-estar da população.

Subdividindo-se em duas subespécies,152 a descentralização prestigia os municípios para

gestão dos serviços locais, pela proximidade com a região geográfica e com as

peculiaridades do ambiente dos usuários, além de definir como se darão os níveis de

complexidade de cada setor, filtrando atendimentos corriqueiros para unidades básicas e

procedimentos custosos e difíceis para centros especializados em alta complexidade.

Por fim, importante ressalva deve ser considerada em relação à autonomia

proporcionada pela diretriz da descentralização, qual seja, a de fomentar a

independência dos entes federados para a adoção de rotinas que melhor atendam à

população, conforme a prática intermunicipal do consórcio de saúde.153

áreas de aplicação da epidemiologia nos serviços de saúde. Epidemiologia e Serviços de Saúde. Brasília,

v. 18, n. 2, p. 105-106, abr./jun. 2009.) 152 “(...) a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização

da rede de serviços de saúde; (...)”. BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 22 mai. 2016. 153 “O consórcio intermunicipal na área da saúde é vista como uma associação entre municípios para a

realização de atividades conjuntas referentes à promoção, proteção e recuperação da saúde de suas

48

Integração é a palavra de ordem que sinaliza a diretriz insculpida no inciso

X do artigo 7º da LOS. Trata-se de diretiva fulcral para a subsistência do Sistema

Único. Como outrora abordado, a saúde deve ser entendida sob a óptica integral, capaz

de enxergar o ser humano como dotado de uma profusão de múltiplas perspectivas de

ordem biológica, psicológica e social, todas sujeitas às intempéries do meio em que

vivem.154 Por isso, o conjunto planificado e contínuo de ações e serviços preventivos,

curativos, individuais e coletivos, representa um amálgama de prerrogativas indeléveis e

indissociáveis aptas a garantir a capacidade plena do indivíduo, seja na saúde, no meio

ambiente e no saneamento básico.155

Um exemplo capaz de bem representar a integração aqui tratada é o

“Programa de Apoio à Conservação Ambiental como Instrumento de Transformação

Socioambiental”, ou tão somente “Bolsa Verde”, criado pela Lei nº 12.512, de 14 de

outubro de 2011, o qual premia o desenvolvimento de famílias que preservam o meio

ambiente, por meio de incentivos diretos e projetos sustentáveis que melhorem a

qualidade de vida da população local no aspecto sanitário, social e ambiental.156

Adiante, o inciso XI traz a baliza da conjugação dos recursos financeiros,

tecnológicos, materiais e humanos de todos os entes políticos, os quais, diante do

quadro até aqui exposto, não carecem de maiores digressões. É vital para a manutenção

e retroalimentação de toda a política pública do SUS, que os aportes de recursos de todo

gênero detenham, a exemplo das características da integralidade, da descentralização e,

em decorrência desta, da autonomia, a mesma característica em relação ao suporte

financeiro. Afinal, voltados à consecução de finalidade una, União, Estados-membros e

Municípios devem compartilhar estruturas físicas, conhecimentos adquiridos e

expertises diversas, sendo este o único caminho apto a proporcionar a efetivação do

sistema.

O inciso XII prevê a capacidade do SUS de resolução dos serviços em todos

os níveis de assistência. Igualmente balizada pela universalidade e integralidade da

populações. Como iniciativa eminentemente municipal, reforça o exercício da gestão conferida

constitucionalmente aos municípios no âmbito do Sistema Único de Saúde.” (BRASIL. O consórcio e a

gestão municipal em saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 1997. p. 8. 154 FIGUEIREDO, Herberth Costa. Op. cit., p. 128. 155 Idem. 156 Sobre o assunto: BRAGA, Fábio Rezende; BERTOLDI, Márcia Rodrigues. O Programa Bolsa Verde

como instrumento de transformação socioambiental. In: CONPEDI/UFS. (Org.). YOSHIDA, Consuelo

Yatsuda Moromizato; SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli

(Coords.). Direito e sustentabilidade. Florianópolis: CONPEDI, 2015. p. 543-563.

49

saúde brasileira, tal diretriz apenas reforça o viés autossuficiente do Sistema de Saúde,

no qual prepondera a busca por um atendimento bastante em qualquer dos âmbitos da

política institucional, seja no atendimento de baixa complexidade, junto às unidades de

saúde básica, seja nos setores que demandem a presença de diversas especialidades para

o tratamento de determinada enfermidade.

Ao final do extenso rol de diretrizes afetas ao Sistema Único de Saúde,

traduz-se a ambição do legislador em organizar os serviços de saúde de modo a evitar

duplicidade de meios para fins idênticos, presente no inciso XIII. Reunindo o

conhecimento adquirido por meio do catálogo de diretrizes dantes exposto, chega-se à

conclusão de que o SUS, enquanto sistema único em todo o território nacional, deve

fragmentar-se em sua maior extensão possível para dar conta de um sem-número de

demandas de saúde.

No entanto, tal fragmentação deve se dar em observância ao todo sistêmico,

evitando-se a coexistência de metodologias similares porventura preexistentes, mas que

não são de todo eficazes no trato das moléstias e situações outras. É dizer: estabelecido

um dado expediente administrativo destinado à profilaxia de determinada enfermidade,

é certo que este representa a metodologia que melhor atende àquela situação objeto da

padronização de condutas.

Dessa forma, até mesmo em virtude do alto grau de repetição e incidência

deste encadeamento de atos, aqui consideradas as dimensões continentais do país,

devem quaisquer outras padronizações ser extirpadas do sistema, pois não

representariam a opção viável para a solução dos casos a ela submetidos.

Exposta a evolução social que culminou na criação do Sistema Único de

Saúde, bem como quais as diretrizes que ajustam e conformam a saúde pública à

realidade brasileira, cabe ainda uma última observação de índole normativa. A Lei n.

8.080/90, embora represente um divisor de águas para a saúde coletiva, foi

aprioristicamente tolhida de alguns de seus dispositivos que, acaso não restabelecidos,

implicariam a total inoperabilidade do SUS. À época, o então Presidente Fernando

Collor de Mello vetou os artigos da lei que garantiam o repasse direto e automático das

50

verbas para a alimentação do sistema, além de outros dispositivos relacionados à

participação e controle sociais na gestão do sistema.157

Não seria exagero afirmar que, acaso mantidos, os vetos ocasionariam a

ruína do SUS, pois estariam prejudicadas, a um só tempo, as diretrizes da

descentralização e do controle social. Para alívio de toda a população, negociações entre

as lideranças políticas da época resultaram na edição da Lei n. 8.142, de 28 de dezembro

de 1990,158 a qual restabeleceu, in totum, aquelas diretivas que haviam sido

indevidamente excluídas da redação original.

Desvendado o processo de criação e concretização do Sistema Único de

Saúde, pode-se asseverar que sua legitimidade é constituída por uma sólida raiz

constitucional, germinada a partir de preceitos dignificantes dos direitos humanos e

dotada de tronco legal, representado pelas Leis n. 8.080/90 e n. 8.142/90, das quais

nascem ramificações de natureza regulamentadora e administrativa que servirão de

substrato para a alimentação do sistema coletivo de saúde.

1.2.2. A competência comum dos entes federativos para a dispensação de

medicamentos de alto custo: necessidade de reconhecimento para a perpetuação do

sistema de saúde159

Conforme abordado nas seções que precedem a divisão que ora se inicia, a

política pública consistente no Sistema Único de Saúde, voltada à efetivação do direito

fundamental à saúde previsto nos artigos 6º e 196 da Constituição da República, foi

regulamentada, no âmbito infraconstitucional, pela Lei nº 8.080/90, denominada de “Lei

157 As razões dos vetos, constantes da Mensagem nº 680 da Presidência da República, podem ser

consultadas no seguinte endereço: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_

98/Vep680-L8080-90.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2016. 158 BRASIL. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm>. Acesso em 22 mai. 2016. 159 O presente subitem é fruto de pesquisa do autor desenvolvida no curso do Programa de Mestrado e

publicada inicialmente sob a forma de resumo apresentado na sessão de comunicados científicos do

“Seminário Internacional: eficiência e ética na administração pública”, realizado em Curitiba-PR, cf.

FREITAS, Daniel Castanha de. A equivocada “solidariedade” dos entes federados para a concretização

das políticas públicas de saúde: divisão de competências da Lei nº 8.080/90, responsabilidade subsidiária

e alternativas administrativas para o acesso universal. In: BLANCHET, Luiz Alberto; HACHEM, Daniel

Wunder; SANTANO, Ana Cláudia (Coord.). Eficiência e ética na administração pública: anais do

Seminário Internacional realizado no Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade

Católica do Paraná. Curitiba: 2015, p. 369-370.

51

Orgânica da Saúde” – LOS. Referido diploma legal delineou, em seu artigo 15,160 a

competência comum dos entes federados, imbuindo as três esferas do Poder Executivo

(municipal, estadual e federal) de atribuições destinadas à promoção eficaz da saúde

pública.

Nada obstante o compromisso constitucional de desempenharem ações

concomitantes e complementares, nos termos do art. 23, II,161 da Constituição, é certo

que, da leitura de qualquer dos textos normativos que tratam do assunto, não se extrai

conclusão no sentido de haver solidariedade entre Município, Estado e União, quanto à

obrigação de fornecer medicamentos e tratamentos postulados em ações ajuizadas por

pacientes, cujos pedidos administrativos foram rejeitados em razão de haver delegação

legal ou administrativa que indique a competência exclusiva de algum dos agentes

políticos.

160 “Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito

administrativo, as seguintes atribuições: I - definição das instâncias e mecanismos de controle, avaliação e

de fiscalização das ações e serviços de saúde; II - administração dos recursos orçamentários e financeiros

destinados, em cada ano, à saúde; III - acompanhamento, avaliação e divulgação do nível de saúde da

população e das condições ambientais; IV - organização e coordenação do sistema de informação de

saúde; V - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de padrões de qualidade e parâmetros de

custos que caracterizam a assistência à saúde; VI - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de

padrões de qualidade para promoção da saúde do trabalhador; VII - participação de formulação da política

e da execução das ações de saneamento básico e colaboração na proteção e recuperação do meio

ambiente; VIII - elaboração e atualização periódica do plano de saúde; IX - participação na formulação e

na execução da política de formação e desenvolvimento de recursos humanos para a saúde; X -

elaboração da proposta orçamentária do Sistema Único de Saúde (SUS), de conformidade com o plano de

saúde; XI - elaboração de normas para regular as atividades de serviços privados de saúde, tendo em vista

a sua relevância pública; XII - realização de operações externas de natureza financeira de interesse da

saúde, autorizadas pelo Senado Federal; XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e

transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de

epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e

serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização; XIV -

implementar o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados; XV - propor a celebração de

convênios, acordos e protocolos internacionais relativos à saúde, saneamento e meio ambiente; XVI -

elaborar normas técnico-científicas de promoção, proteção e recuperação da saúde; XVII - promover

articulação com os órgãos de fiscalização do exercício profissional e outras entidades representativas da

sociedade civil para a definição e controle dos padrões éticos para pesquisa, ações e serviços de saúde;

XVIII - promover a articulação da política e dos planos de saúde; XIX - realizar pesquisas e estudos na

área de saúde; XX - definir as instâncias e mecanismos de controle e fiscalização inerentes ao poder de

polícia sanitária; XXI - fomentar, coordenar e executar programas e projetos estratégicos e de

atendimento emergencial.” 161 “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II -

cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”

52

Contudo, ainda que equivocado, o argumento da solidariedade se encontra

amplamente difundido na jurisprudência, sendo encontrados precedentes até mesmo no

âmbito do Supremo Tribunal Federal.162

Nesse contexto, defende-se neste trabalho que deve o Poder Judiciário

identificar e chamar ao processo o ente público especificamente indicado, por meio da

análise acurada tanto da legislação infraconstitucional, quanto da infralegal, uma vez

que o Ministério da Saúde frequentemente determina a inclusão de novas drogas e

técnicas terapêuticas em seus Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT e

na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME, procedendo até mesmo

à remessa dos autos a outra seara da Justiça, assegurada a concessão de liminares para a

garantia de direitos.

Afinal, o reconhecimento, pelo julgador, do verdadeiro ente público

destinatário de eventual ordem judicial, atribuído por meio de expressa distribuição de

competência, para além de harmonizar a legislação vigente, confere segurança jurídica

ao sistema e economia ao erário, impedindo que verbas federais, estaduais e municipais

sejam destinadas a um mesmo fim, ocasionando, com isso, ineficiência na destinação

dos gastos públicos.

Ademais, no cenário apresentado, seria prudente assinalar que, em

detrimento da solidariedade propalada pela jurisprudência, a responsabilidade estatal

deve ser considerada subsidiária entre os entes federados, o que, de um lado, atende ao

requisito da garantia dos direitos fundamentais e, de outro respeita a distribuição

federativa de responsabilidades.

A este respeito, inclusive, merecem destaque os esforços administrativos

empreendidos pelos entes que compõem o Poder Executivo instituído, no sentido de

dialogar acerca do alcance e metodologia das prestações positivas da saúde preventiva e

curativa, a exemplo das Comissões Intergestores e Conselhos Nacionais de Saúde

162 Por todos, considerando ser o tema da solidariedade em ações da saúde matéria unânime no âmbito da

Corte Constitucional, cf.: “EMENTA: Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública.

Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde -

SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução

judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da

Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado

na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas.

Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STA 175

AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe

30-04-2010)

53

previstos nos artigos 14-A163 e 14-B164 da LOS, as quais representam alternativas

salutares para a consagração do direito social em debate.

Assim sendo, a pesquisa tem por objetivo, na presente seção, evidenciar que

a atuação jurisdicional apressada, ao aplicar a solidariedade aos entes públicos em ações

de saúde, mitiga e enfraquece, como um todo, os esforços envidados pelos entes

federados para o acesso universal e igualitário à saúde, atingindo o próprio pacto

federativo.165

Como forma de proporcionar contornos empíricos ao posicionamento aqui

declinado, imprescindível a transcrição dos dados obtidos pela Secretaria de Estado da

Saúde do Paraná166 após minucioso estudo que considerou o número total de demandas

que envolvem medicamentos e tratamentos médicos no Estado do Paraná.167

Os resultados encontrados pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná

(SESA/PR) foram compilados da seguinte forma:

DADOS DAS DEMANDAS JUDICIAIS DO PARANÁ

Número de pacientes com demandas judiciais por medicamentos atendidos na

SESA PR desde 1999: 15.585

Número de pacientes ativos em 11/03/2015: 7.914

Recursos da SESA PR para aquisição de medicamentos para cumprimento das

demandas judiciais no período de 2010 a 2014: R$ 333.648.768,07

1ª ANÁLISE: referente à responsabilidade pelo financiamento

Do total de R$ 333.648.768,07 destinados à aquisição de medicamentos para

cumprimento de ordens judiciais no período compreendido entre 2010 a 2014, R$

225.051.933,73 (67,5%) estão relacionados à compra de medicamentos cuja

responsabilidade de financiamento são do Ministério da Saúde, explicitadas nas

Portarias dos Componentes da Assistência Farmacêutica (Grupos 1 A e 1 B do

Componente Especializado da Assistência Farmacêutica - CEAF e Componente

163 “Art. 14-A. As Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite são reconhecidas como foros de

negociação e pactuação entre gestores, quanto aos aspectos operacionais do Sistema Único de Saúde

(SUS). (...)” 164 “Art. 14-B. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de

Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) são reconhecidos como entidades representativas dos entes

estaduais e municipais para tratar de matérias referentes à saúde e declarados de utilidade pública e de

relevante função social, na forma do regulamento. (...)” 165 FREITAS, Daniel Castanha de. A equivocada... Op. Cit., p. 369-370. 166 PARANÁ. Governo do Estado discute judicialização da saúde em fórum do TJ. Disponível em:

<http://www.saude.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=4127>. Acesso em: 21 mai. 2016. 167 Palestra ministrada pelo assessor jurídico da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, Carlos

Alexandre Lorga, intitulada “Dados das demandas judiciais do paraná”, apresentada no 1º Fórum de

judicialização da saúde do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, realizado durante os dias 20 e

23 de maio de 2015, em Curitiba-PR. Disponível em: <https://www.tjpr.jus.br/destaques/-

/asset_publisher/1lKI/content/tjpr-sedia-1-forum-de-judicializacao-da-saude/18319?inheritRedirect=

false>. Acesso em 21 mai. 2016.

54

Estratégico da Assistência Farmacêutica - CESAF), na Política Nacional de

Oncologia e na Política Nacional de Oftalmologia.

A SESA PR vem registrando, a partir de meados de 2012, no Sismedex (sistema

de informação gerencial), todas as dispensações dos medicamentos destinados ao

atendimento das demandas judiciais. Dentro desta composição de R$

225.051.933,73, R$ 147.205.663,83 estão registrados neste sistema e

correspondem à dispensação daqueles classificados como de responsabilidade do

Ministério da Saúde, conforme anteriormente explicitado. Dos R$

147.205.663,83:

a) R$ 37.440.781,92 estão relacionados aos processos onde a ordem judicial

determina o ressarcimento pelo MS;

b) R$ 109.764.881,91 estão relacionados aos processos onde não há determinação

judicial para ressarcimento pelo MS.

2ª ANÁLISE – DA ROTINA DE PEDIDOS DE RESSARCIMENTO DOS

VALORES RELACIONADOS AOS MEDICAMENTOS ONDE HÁ

DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA QUE O MINISTÉRIO DA SÁUDE

PROCEDA A RESTITUIÇÃO AO ESTADO DO PARANÁ

A SESA PR tem encaminhado rotineiramente às áreas técnicas do Ministério da

Saúde (SAS e SCTIE) processos solicitando ressarcimento dos valores referentes

às despesas com medicamentos para atendimento das demandas judiciais, nos

casos onde há determinação expressa do juízo para que isto ocorra.

Do levantamento feito por esta Secretaria, a partir de 2010 foram encaminhados

595 processos de solicitação de ressarcimento, no valor total de R$ 42.194.884,86.

Identificamos transferência de recursos da ordem de R$ 20.726.622,88, até o final

do mês de fevereiro de 2015, para contas específicas destinadas a este fim

(FUNSAUDE A MED – 8969-9 e FUNSAUDE A – MAC – 9164-2).

Assim, presumimos que a diferença de R$ 21.468.261,98 entre os valores

solicitados e ressarcidos encontra-se em processo de análise. No entanto,

identificamos que há processos encaminhados em 2010 (7), 2012 (58) e 2014

(262) para os quais não temos resposta até o momento.

Dispomos de planilha de acompanhamento do envio dos processos e dos valores

ressarcidos, a qual poderá ser prontamente disponibilizada para conferência.

Nesse sentido, temos a sugerir:

1) Prazo de 60 dias para a avaliação do processo e retorno à SESA PR informando

se há falta de qualquer documentação;

2) Prazo de 60 dias adicionais para conclusão da análise e resposta à SESA PR

sobre o resultado da mesma;

3) Identificação no SIPAR do número de ofício e do protocolo da SESA/PR para

efeitos de acompanhamento da tramitação do processo;

4) Possibilidade de envio de arquivos digitalizados e contato por email

institucional para a tramitação de documentos.

DEAF, 11 março de 2015.

_*_*_*_

55

DEMANDAS JUDICIAIS POR MEDICAMENTOS NO ESTADO DO

PARANÁ

De 1999 até 2014, 14.562 novos pacientes foram cadastrados junto a SESA/PR

para recebimento de medicamentos por demanda judicial. Destes, 7.364 se

encontravam em situação ativa no final de 2014. O número de novos pacientes

cadastrados, ano a ano, pode ser observado no Quadro 1 e no Gráfico 1 abaixo.

QUADRO 1 - Número de pacientes novos e sua situação cadastral por ano (1999 a

2014).

Ano Novos pacientes

(1-Ativos)

Novos pacientes

(2-Inativo, Pendente e Óbito)

Total de novos pacientes

(1 + 2)

1999 0 1 1

2000 1 14 15

2001 1 32 33

2002 1 34 35

2003 0 27 27

2004 7 168 175

2005 18 402 420

2006 23 475 498

2007 181 766 947

2008 109 570 679

2009 141 730 871

2010 328 656 984

2011 670 667 1.337

2012 977 863 1.840

2013 1.944 1.110 3.054

2014 2.963 683 3.646

Total 7.364 7.198 14.562

Fonte: Sysmedex – relatório emitido em 06/01/15 às 8:29

GRÁFICO 1 - Pacientes novos (ativo; inativo, pendente, óbito; total) recebendo

medicamentos por demanda judicial por ano (1999 a 2014).

56

O número de unidades de medicamentos distribuídas pelo Centro de

Medicamentos do Paraná – CEMEPAR, para atendimento às demandas judiciais

no período de 2002 a 2014, com o respectivo valor financeiro, são apresentados

no Quadro 2 e no Gráfico 2.

QUADRO 2– Distribuição de medicamentos para atendimento às demandas judiciais no

período de 2002 a 2014.

Ano Unidades Distribuídas Valor em R$

2002 73.731 R$ 239.815,36

2003 73.606 R$ 705.641,65

2004 137.615 R$ 3.385.598,95

2005 251.107 R$ 6.949.488,24

2006 322.557 R$ 12.427.245,35

2007 477.863 R$ 15.869.402,89

2008 459.117 R$ 19.336.580,60

2009 632.406 R$ 35.004.454,92

2010 571.267 R$ 35.718.740,24

2011 649.344 R$ 45.073.802,93

2012 945.632 R$ 60.168.910,82

2013 1.587.105 R$ 85.009.327,63

2014 2.363.822 R$ 90.395.273,10

57

GRÁFICO 2 - Distribuição de medicamentos para atendimento às demandas judiciais

no período de 2002 a 2014.

Para o cumprimento das demandas judiciais por medicamentos se fez necessário o

estabelecimento de um rito processual interno, com tempos de fluxo documental

rigorosamente acordado e controlado entre as unidades (PGE, AJU, CEMEPAR e

Regionais de Saúde), o qual permite orientação das áreas jurídicas (AJU e PGE)

ao CEMEPAR quanto ao correto cumprimento das ordens judiciais; promove o

repasse de subsídios técnicos farmacêuticos pelo CEMEPAR à AJU e PGE para a

instrução dos processos e subsidia a programação de compras pelo CEMEPAR e

monitoramento dos pacientes pelas Regionais de Saúde (...).

Compulsando os dados obtidos pela SESA/PR, depreende-se que o impacto

ocasionado pelas decisões judiciais que concederam medicamentos durante os quatro

anos pesquisados, na ordem de R$ 333.648.768,07 (trezentos e trinta e três milhões

seiscentos e quarenta e oito mil setecentos e sessenta e oito reais e sete centavos), é

perigosamente elevado para o orçamento público, materializando verdadeira

insegurança jurídica em relação ao cumprimento de todas as demandas exigidas pelo

setor de saúde estadual.

E mais. A pesquisa produzida impressiona quando revela que, de todo o

vultoso montante apresentado, de mais de 333 milhões de reais, 67,45% (sessenta e sete

vírgula quarenta e cinco por cento) diz respeito à compra, pelo Estado do Paraná, de

58

medicamentos que não são de sua responsabilidade, mas sim da União, conforme a

regulamentação administrativa oriunda de regramentos do SUS.

Outro dado de suma importância diz respeito às compensações

administrativas não ocorridas. Da exorbitante parcela gasta – indevidamente, diga-se –

pelo Estado do Paraná na aquisição de fármacos cuja responsabilidade

indiscutivelmente era da União, pouco mais de 37 milhões contavam com “ordem

judicial” para determinar o ressarcimento pelo Ministério da Saúde.

Não há dúvidas de que a solidariedade reconhecida na esfera judicial, aliada

ao mau proceder dos entes federativos, conforme apontado na pesquisa obtida, esfacela

o Sistema de Saúde e seu regramento administrativo. Impõe-se, assim, a necessidade de

ressignificação da competência comum e subsidiária que deve prevalecer no âmbito do

SUS.168

A proposta aqui encerrada, portanto, ainda que vá de encontro ao consenso

doutrinário-jurisprudencial que pontua ser solidária a obrigação dos entes federados

para a aquisição e dispensação de medicamentos, dá-se no sentido de que a repartição

de competências estabelecida em decorrência das premissas legais (v. g. portarias do

Ministério da Saúde, resoluções federais e estaduais, decisões das Comissões

Intergestores do SUS, instruções normativas específicas da saúde) deve ser aplicada

com absoluto rigor, cabendo ao Poder Judiciário – e ao próprio jurisdicionado, em

muitos casos assistido por procuradores ou entidades de assistência diversas – uma

168 “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA C/C TUTELA ANTECIPADA. SAÚDE PÚBLICA.

OBESIDADE MÓRBIDA E DIABETES. LASIX 40MG, FLAVONID 500MG, OMEPRAZOL 20MG,

PARACETAMOL 500MG, ACCU-CHEK ADVANTAGE KIT, LANTUS 100UI, NOVOLIN,

VENALOT E CEBRALAT. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO

ESTADO. EXTINÇÃO DO FEITO COM RELAÇÃO A OMEPRAZOL 20MG E PARACETAMOL

500MG. Tratando-se a pretensão de fornecimento de fármaco que não está arrolado nas listas de

medicamentos básicos e essenciais, de responsabilidade dos Municípios, excepcionais e especiais, de

responsabilidade do Estado, necessária se faz prova inconteste do risco à vida do paciente, eficácia do

tratamento ministrado e possibilidade de substituição dos fármacos por similares, dispensados

gratuitamente pelo Estado e Município. Sentença desconstituída para oportunizar a dilação probatória.

Inteligência do art. 130 do CPC. Julgaram prejudicado o apelo do autor e, de ofício, desconstituíram a

sentença. Unânime. (...) No caso, os medicamentos reclamados pelo autor OMEPRAZOL 20MG e

PARACETAMOL 500MG, não constam na lista de medicamentos especiais e excepcionais, arrolados nas

Portarias 2.577/06, do Ministério da Saúde, e 238/06, da Secretaria de Saúde do Estado, cuja

responsabilidade pela entrega toca ao Estado do Rio Grande do Sul, estando na listagem de medicamentos

fornecidos pelo Município. Nesta contingência, mostra-se indevido e equivocado impor ao Estado o

fornecimento de fármacos que não são de sua responsabilidade. (...)” (BRASIL. Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70025138892. 4ª Câmara Cível. Relator Des. Alexandre

Mussoi Moreira. Julgado em 11.03.2009.)

59

investigação mais apurada dos regramentos que dispõem sobre as competências

funcionais dos entes federados.

É o que pontua Lenir Santos, quando assevera que não há lugar para aplicar

a responsabilidade solidária no âmbito do SUS, eis que se trata de um “sistema que

obrigatoriamente deve integrar serviços de saúde de entes federativos assimétricos,

social, econômica e demograficamente falando, além de a sua organização observar

níveis de complexidade tecnológica de serviços”, de tal sorte que se torna impossível

igualar suas atribuições e responsabilidades.169

Dessa forma, a conjugação de esforços entre Estado e sociedade se revela

imprescindível para que seja preservada a saúde do próprio sistema de saúde, não se

olvidando que enveredar pelo caminho da responsabilidade comum e segmentada dos

entes federativos pode se revelar medida salutar para sanear o já combalido SUS.

Afinal, “O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da

sociedade”.170

1.2.3. Noção conceitual relativa de medicamento de alto custo: balizas para a

edificação de um conceito que permita o seu reconhecimento nos casos concretos, para

além do critério objetivo das listagens oficiais

A maneira encontrada para pavimentar a tentativa de construção de um

conceito relacionado aos medicamentos de alto custo e, consequentemente, ao direito de

recebimento gratuito de tais fármacos pelos cidadãos, passa pela ideia dos custos dos

direitos desenvolvida nos escritos de Stephen Holmes e Cass Sunstein,171 ainda que a ela

não permaneça adstrita.

Norberto Bobbio, ao discorrer sobre a efetivação dos direitos humanos,

assevera que, hodiernamente, há dificuldade preponderante relacionada à sua proteção,

já que dependente do contexto político. Segundo seus ensinamentos, o cerne da questão

169 SANTOS, Lenir. Decisão parcial do STF quanto ao fornecimento de medicamento de alto custo

sem registro no país. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/lenir-

santos/decisao-parcial-do-stf-quanto-ao-fornecimento-de-medicamento-de-alto-custo-sem-registro-no-

pais>. Acesso em: 17 out. 2016. 170 BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Art. 2º, § 2º. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 30 jul. 2016. 171 Cf. HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New

York: W. W. Norton & Company, 1999.

60

está em averiguar qual a metodologia mais adequada para garantir os direitos, a qual se

revela mais importante para a pacificação de conflitos do que até mesmo debater sua

natureza e seu fundamento, tampouco se são “direitos naturais ou históricos, absolutos

ou relativos,”172 “(...) para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam

continuamente violados”.173

Neste contexto, impende reforçar o argumento de que é o direito à saúde

inegavelmente identificado como sendo de índole humanitária, seja pelo sistema

jurídico pátrio ou pelos pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário. E, para

além disso, tem-se que a sua concretização ocorre imprescindivelmente por meio de

prestações estatais positivas, seja por serviços públicos, seja por políticas públicas.

O Conselho Nacional de Justiça – CNJ publicou pesquisa realizada durante

o ano de 2011, segundo a qual foram identificados, somente naqueles quatro primeiros

meses, aproximadamente 241 mil processos cuja temática principal era a saúde. Ainda

conforme o levantamento, a maioria dos casos estava relacionada a pleitos de

medicamentos e tratamentos médicos em geral.174

Retrocedendo historicamente, as ações judiciais relativas ao fornecimento

de medicamentos se limitavam a antirretrovirais destinados a portadores do vírus

HIV/AIDS.175 Mesmo diante do elevado valor unitário de tais fármacos, a atuação

judicial maximizou o âmbito de sua atuação, abrangendo várias outras medidas e

terapias.

O aumento exponencial do número de decisões judiciais, ainda que, em

muitos casos, contribua para a afirmação da cidadania e do direito fundamental à saúde,

impacta financeiramente no orçamento de todos os entes políticos, por vezes

172 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25. 173 Idem. 174 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Brasil tem mais de 240 mil processos na área de Saúde.

Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/56636-brasil-tem-mais-de-240-mil-processos-na-area-

de-saude>. Acesso em: 22 mai. 2016. 175 Muitos foram as decisões da Suprema Corte a respeito do assunto. Por todas: “EMENTA:

ADMINISTRATIVO. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DOENTE PORTADORA DO VÍRUS

HIV, CARENTE DE RECURSOS INDISPENSÁVEIS À AQUISIÇÃO DOS MEDICAMENTOS DE

QUE NECESSITA PARA SEU TRATAMENTO. OBRIGAÇÃO IMPOSTA PELO ACÓRDÃO AO

ESTADO. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 5º, I, E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Decisão

que teve por fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/93) por meio da qual o próprio

Estado do Rio Grande do Sul, regulamentando a norma do art. 196 da Constituição Federal, vinculou-se a

um programa de distribuição de medicamentos a pessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em

ofensa aos dispositivos constitucionais apontados. Recurso não conhecido. (RE 242859, Relator: Min.

ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 29/06/1999, DJ 17-09-1999)”

61

comprometendo políticas públicas previamente planejadas e implementadas com a

finalidade de atender toda a coletividade, o que foi objeto de análise no tópico

precedente.

A respeito do assunto, Luís Roberto Barroso faz importante ressalva, no

sentido de que, eleger o Poder Judiciário como mais um legitimado a dispensar

medicamentos poderia ocasionar distorção incontornável, uma vez que os provimentos

judiciais raramente abrangeriam os que vivem em situação de miserabilidade,

aprofundando o abismo social instaurado há décadas, agora sob a chancela do Estado, o

qual culminaria por “transferir os recursos que lhes dispensaria, em programas

institucionalizados, para o cumprimento de decisões judiciais, proferidas, em sua

maioria, em benefício da classe média”.176 Portanto, na esteira do entendimento

doutrinário até aqui exposto, conclui-se que o exercício dos direitos sociais, prestações

positivas por natureza, está sujeito invariavelmente à captação de receitas. E, tendo em

vista a limitação orçamentária existente, bem como a miríade de prestações legítimas e

igualmente importantes, é certo que as alternativas estatais havidas possuem a pecha de

“escolhas trágicas” pois, embora calcadas em medidas de macrojustiça,177 acabam por

excluir pretensões genuinamente lícitas e que atingem parcela da sociedade.178 Por tal

razão é que Cass Sustein e Stephen Homes prelecionam que, para levar os direitos a

sério, é preciso igualmente considerar a escassez.179 Dentro desse panorama, é preciso

analisar o contexto da saúde de alto custo no Brasil.

O programa de dispensação de medicamentos de alto custo se encontra

atualmente dividido em três grupos, segundo as regras gerais de competência comum

estabelecidas no artigo 23 da Constituição da República, posteriormente fixadas pela

Lei n. 8.080/90 (LOS) e regulamentadas pela Portaria n. 1.554, de 30 de julho de 2013,

do Gabinete do Ministro do Ministério da Saúde.

176 BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,

fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista da Procuradoria-

Geral do Estado – RPGE, Porto Alegre, v. 31, n. 66, p. 89-114, jul./dez. 2007. 177 Nesse contexto, tem-se decisão do STF, verbis: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo

Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175. Relator Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno.

Julgado em 17.03.2010. DJe 30.04.2010. 178 ALCÂNTARA, Gisele Chaves Sampaio. Judicialização da saúde: uma reflexão à luz da teoria dos

jogos. Revista CEJ, Brasília, v. 16, n. 57, p. 88-94. mai./ago. 2012. 179 HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. Op. cit., p. 94.

62

Além de especificar a forma de aquisição dos fármacos (se pelo próprio

Ministério da Saúde ou pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde180), a Portaria

em questão identifica quais requisitos são suficientes para considerar determinado

tratamento como sendo de alto custo: observa-se (i) a complexidade do tratamento da

doença; (ii) a garantia da integralidade do tratamento da doença no âmbito da linha de

cuidado; e (iii) a manutenção do equilíbrio financeiro entre as esferas de gestão do

SUS – municipal, estadual e federal.

Estas são as diretrizes para o enquadramento dos medicamentos no

Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, sem olvidar de processos

identificadores específicos para cada grupo (refratariedade ou intolerância à primeira

linha de tratamento, elevado impacto financeiro para o próprio Componente

Especializado, etc.), os quais, por constarem expressamente nos artigos 4º a 7º da

Portaria GM-MS n. 1.554/2013, deixam de ser pormenorizados.

O trabalho de divisão e classificação dos medicamentos acima exposto tem

como consequência a edição dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT),

os quais vincularão os fármacos aos tratamentos médicos disponibilizados no âmbito do

Sistema Único de Saúde, o que se revela mais um ponto de tensão em potencial, quando

o profissional de saúde prescreve um medicamento para tratar enfermidade diversa

daquela que está prevista pelo PCDT, prática comum nos hospitais, porém ainda não

alcançada pela legislação (v.g. o medicamento “Propranolol”, indicado para problemas 180 “Art. 3º Os medicamentos que fazem parte das linhas de cuidado para as doenças contempladas neste

Componente estão divididos em três grupos conforme características, responsabilidades e formas de

organização distintas: I - Grupo 1: medicamentos sob responsabilidade de financiamento pelo Ministério

da Saúde, sendo dividido em: a) Grupo 1A: medicamentos com aquisição centralizada pelo Ministério da

Saúde e fornecidos às Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal, sendo delas a responsabilidade

pela programação, armazenamento, distribuição e dispensação para tratamento das doenças contempladas

no âmbito do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; e b) Grupo 1B: medicamentos

financiados pelo Ministério da Saúde mediante transferência de recursos financeiros para aquisição pelas

Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal sendo delas a responsabilidade pela programação,

armazenamento, distribuição e dispensação para tratamento das doenças contempladas no âmbito do

Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; (Alterado pela PRT nº 1996/GM/MS de

11.09.2013) II - Grupo 2: medicamentos sob responsabilidade das Secretarias de Saúde dos Estados e do

Distrito Federal pelo financiamento, aquisição, programação, armazenamento, distribuição e dispensação

para tratamento das doenças contempladas no âmbito do Componente Especializado da Assistência

Farmacêutica; e III - Grupo 3: medicamentos sob responsabilidade das Secretarias de Saúde do Distrito

Federal e dos Municípios para aquisição, programação, armazenamento, distribuição e dispensação e que

está estabelecida em ato normativo específico que regulamenta o Componente Básico da Assistência

Farmacêutica.” (MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n. 1.554, de 30 de julho de 2013: dispõe sobre as

regras de financiamento e execução do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica no

âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em:

<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt1554_30_07_2013.html>. Acesso em: 17 out.

2016.

63

cardíacos, reduz consideravelmente tumores vasculares conhecidos como

“hemangiomas”, causando espécie de efeito colateral benéfico181).

Assim sendo, é correto afirmar que, dentro da esfera de atuação do

Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, os medicamentos excepcionais

serão dispensados aos pacientes que se enquadrarem nos quesitos previstos pelos

respectivos PCDT, os quais estabelecem “os critérios de diagnóstico de doenças, o

algoritmo de tratamento com os medicamentos e suas respectivas doses adequadas, os

mecanismos para o monitoramento clínico quanto à efetividade do tratamento, a

supervisão de possíveis efeitos adversos e a criação de mecanismos para a garantia da

prescrição segura e eficaz”.182

Todo o aparato normativo exposto, desde as diretrizes da Constituição,

passando pela Lei Orgânica do SUS e diversos instrumentos regulamentadores dos

casos concretos – Portarias, 183 resoluções e PCDT – trazem a lume uma primeira noção

conceitual do que vem a ser um medicamento de alto custo, aqui entendido sob uma

perspectiva absoluta, no formato de uma relação/lista confeccionada pelo Estado,

baseada em critérios erigidos pelo corpo técnico formador da política pública,

responsável por abarcar o maior número de beneficiados com atos de gestão,184

Entretanto, tendo em vista a complexidade dos procedimentos técnicos de

inclusão de medicamentos no rol dos excepcionais, evidencia-se a falta de critérios para,

efetivamente, definir um dado remédio não constante das listagens oficiais ou atrelado

em outro grupo que não o componente especializado da assistência farmacêutica, como

sendo de alto custo.

Paulo Dornelles Picon, médico pesquisador junto à Universidade Federal do

Rio Grande do Sul (Brasil), empreendeu esforço hermenêutico em busca da definição

do que seria considerado um medicamento excepcional, asseverando que

“medicamentos de alto custo são aqueles cujo valor unitário mensal esteja acima de um

181 BONINI, Flavia Kakiuti; BELLODI, Fernanda Silva; SOUZA, Elemir Macedo. Hemangioma infantil

tratado com propranolol. Anais Brasileiros de Dermatologia, v. 86, n. 4, p. 763-766, jul./ago. 2011. 182 BRASIL. Protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas: volume 2. Brasília: Ministério da Saúde,

2010. p. 10. 183 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n. 1.554, de 30 de julho de 2013: anexo I. disponível em:

<http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/julho/05/ANEXO-I--05-07-2016--2-.pdf>. Acesso em:

17 out. 2016. 184 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos:

Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Disponível em:

<portalsaude.saude.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11635&Itemid=702>.

Acesso em: 17 out. 2016.

64

salário mínimo, ou medicamentos de uso crônico indicado para doenças muito

prevalentes (acima de 1% da população) cujo custo mensal seja superior a um terço de

um salário mínimo”.185

Para Renilson Rehem de Souza, ex-Secretário de Assistência à Saúde, órgão

pertencente ao Ministério da Saúde, “medicamentos excepcionais ou são aqueles ‘de

elevado valor unitário’, ou que ‘pela cronicidade do tratamento, se tornam

excessivamente caros para serem suportados pela população. Utilizados em nível

ambulatorial, a maioria deles é de uso crônico e parte deles integra tratamentos que

duram por toda a vida”.186

Contribuindo para o debate, a Portaria GM-MS n. 3.916, de 30 de outubro

de 1998, do Ministério da Saúde, responsável pela implantação da Política Nacional de

Medicamentos e objeto de estudo no próximo capítulo (2.1.1), consignou definição

sobre o que seriam “Medicamentos de dispensação em caráter excepcional” no item

“7.31”, nos seguintes termos: “medicamentos utilizados em doenças raras, geralmente

de custo elevado, cuja dispensação atende a casos específicos”.187

Analisando-se os conceitos de medicamentos excepcionais, depreende-se

que o custo está presente em todas as construções, nada obstante tal fator, notoriamente

subjetivo, não contar com qualquer explicação adicional para bem delimitar a ideia,

esvaziando sua utilidade e tornando-os inservíveis para lançar luzes sobre o tema.

Enveredando por um caminho semântico para determinar o que se pode

considerar como “alto custo”, também é possível averiguar o significado da expressão

“excepcional”,188 extraindo-se da palavra o sentido gramatical de algo oposto ao

cotidiano, revelando-se, por isso, uma exceção, correlacionada a parcela diminuta da

população.

Nesse diapasão, justamente em razão de o termo “excepcional” referir-se

àqueles medicamentos que devem ser ministrados apenas para uma pequena fração da

185 PICON, Paulo Dornelles; BELTRAME, Alberto (Orgs.). Protocolos Clínicos e Diretrizes

Terapêuticas: Medicamentos Excepcionais. Porto Alegre: Gráfica Pallotti, 2002. 186 SOUZA, Renilson Rehem de. O Programa de Medicamentos Excepcionais: protocolos clínicos e

diretrizes terapêuticas: medicamentos excepcionais. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. 187 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM-MS n. 3.916/1998: Política Nacional de Medicamentos.

Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html>. Acesso

em: 17 out. 2016. 188 “Excepcional: 1. Em que há exceção. 2. Relativo a exceção. 3. Excêntrico, anormal” (DICIONÁRIO

PRIBERAM DA LÍNGUA PORTUGUESA. “Excepcional”. Disponível em:

<http://www.priberam.pt/dlpo/excepcional>. Acesso em: 17 out. 2016.).

65

sociedade, seria adequado empregar, mesmo superficialmente, analogia para com o

suporte teórico oferecido pela “lei da oferta e procura” de Adam Smith,189 concluindo-se

que, uma vez produzido em menor escala, seu valor agregado aumenta, o que culmina

com a majoração de seu preço final.

O fato é que, em sendo as políticas públicas instrumentos voltados à

concretização de direitos garantidos pelo Estado aos cidadãos, estes devem constituir o

parâmetro para aferir quando um dado tratamento médico é considerado de alto custo.

Afinal, a subjetividade da interpretação da expressão “alto custo” ou “excepcional” ora

em análise dá azo a questionamentos de toda ordem, na medida em que são incapazes de

ser aplicados indiscriminadamente a todas as situações peculiares surgidas.

Tomem-se como exemplo dois relatórios oficiais que justificam a adoção de

outros paradigmas, que não o valor pecuniário do medicamento:

(i) produzido pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação – SAGI,

órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, os

Relatórios de Informações Sociais190 reúnem dados socioeconômicos de grupos

familiares brasileiros considerados de baixa renda.191 Segundo tal levantamento, há, no

Brasil, cerca de 20 milhões de famílias cuja renda mensal per capita não ultrapassa meio

salário mínimo.

Com base em tais dados, o conceito formulado por Dornelles, descrito nos

parágrafos antecedentes, não resiste enquanto critério idôneo para identificar o alto

custo de um medicamento qualquer. Afinal, é certo que, mesmo uma quantia deveras

inferior a um salário mínimo, já é o bastante para comprometer devastadoramente a

capacidade de subsistência de uma família de baixa renda que necessite de um fármaco

específico.

(ii) o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD

publicou o “Relatório do Desenvolvimento Humano 2015: o trabalho como motor do

189 ALVES, Waldon Volpiceli. Uma breve história das crises econômicas. São Paulo: Fdigital, 2012. 190 BRASIL. Ministério do desenvolvimento social e combate à fome – Secretaria de avaliação e

gestão da informação: relatórios de informações sociais. Disponível em:

<http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio.php#>. Acesso em 17 out. 2016. 191 “Art. 4º Para fins deste Decreto, adotam-se as seguintes definições: (...) II - família de baixa renda:

sem prejuízo do disposto no inciso I: a) aquela com renda familiar mensal per capita de até meio salário

mínimo; ou b) a que possua renda familiar mensal de até três salários mínimos; (BRASIL. Decreto n.

6.135, de 26 de junho de 2007. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-

2010/2007/decreto/d6135.htm>. Acesso em 17 out. 2016).

66

desenvolvimento humano”,192 estudo que objetiva apurar os progressos dos países

pertencentes à ONU, em relação à promoção da dignidade humana em seus múltiplos

aspectos.

Perscrutando-se os dados da pesquisa, verifica-se que o Brasil figura,

atualmente, na 75ª posição em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH,

atrás de países como Cazaquistão, Trinidad e Tobago e Venezuela. E ainda, sopesado o

alto grau de desigualdade social, o qual considera no cálculo a diferença de renda entre

as camadas sociais, bem como expectativa de vida e bagagem educacional, há uma

perda de 26,3% no IDH, o que retrata o alto grau de injustiça social experimentado no

país e que, por vias transversas, atinge a saúde pública e desemboca no próprio

Judiciário, conforme será abordado no terceiro capítulo.

Nesse cenário discrepante, reduzir o conceito de medicamento de alto custo

meramente à perspectiva objetiva, embora tenha o escopo salutar de operacionalizar a

política pública, mostra-se incompleto. Isso porque, conforme já abordado, para

determinadas classes da sociedade, mesmo um medicamento de valor unitário inferior

ao salário mínimo vigente pode tornar-se inalcançável, tornando-se excepcional naquele

caso concreto.

Ademais, apesar da edição e constante atualização do Componente

Especializado da Assistência Farmacêutica, fato é que o dinamismo e a urgência dos

casos relacionados à saúde exigem novos parâmetros de aquisição e dispensação pelo

Poder Público, dotados de fluidez ao invés de imobilidade, flexibilidade em oposição à

unicidade, no que se refere ao alcance dos benefícios de drogas capazes de promover

cura ou melhora na sobrevida de pacientes acometidos de enfermidades diversas.

São justamente tais embaraços que, nos casos concretos envolvendo

medicamentos de alto custo, dão azo à promoção de medidas judiciais, instância que se

revela – ao menos teria que se revelar – a última ratio para a concretização de direitos

tidos por fundamentais.

Assim, é preciso deslocar o cerne da discussão sobre o que vem a ser um

medicamento de alto custo. Nesse sentido, considerando a impropriedade das tentativas

de conceituação antes mencionadas, todas voltadas somente para o aspecto do custo do

medicamento, bem como a necessidade de se colocar o paciente sob os holofotes da

192 UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Human development report 2015: work

for human development. Disponível em: <http://report.hdr.undp.org/>. Acesso em: 17 out. 2016.

67

política pública, propõe-se a adoção de um critério relativo complementar para, em

conjunto com as listagens oficiais de medicamentos excepcionais, identificar com mais

precisão quando se está diante de um fármaco de alto custo.

Possivelmente, a noção conceitual capaz de conferir a amplitude devida ao

significado das expressões “medicamento de alto custo” ou “medicamento

excepcional”, abarcando suas dimensões absoluta e relativa, possa ser explicitada da

seguinte forma: medicamentos de alto custo são aqueles expressamente constantes das

listagens oficiais confeccionadas pelo Poder Executivo segundo diretivas de

macrojustiça, bem como os que representam dispêndio suficiente para inviabilizar sua

aquisição sem que, para isso, restem comprometidas necessidades básicas do grupo

familiar do enfermo.

Por último, frise-se que o viés relativo do alto custo, por sua natureza

condicionada à situação socioeconômica do postulante, deve ser aferido no caso

concreto, à vista das peculiaridades apresentadas pelo demandante, cabendo à

autoridade administrativa ou ao magistrado perscrutar detidamente sobre a real

necessidade e pertinência da disponibilização do fármaco, a relação custo benefício e

eventuais alternativas à postulação, conforme as diretrizes oriundas das políticas

públicas de saúde.

68

CAPÍTULO 2 – TUTELA ADMINISTRATIVA DO DIREITO À SAÚDE

MEDIANTE O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO

Assentado o alicerce fundamental para o entendimento do tema estudado, o

segundo capítulo é responsável por apresentar a maneira encontrada pela Administração

Pública para materializar o direito fundamental à saúde a medicamentos de alto custo,

além de evidenciar os efeitos complicadores oriundos de intercorrências pelos demais

Poderes instituídos.

Além disso, a pesquisa enfoca especificamente o protagonismo judicial

experimentado pela sociedade e o aumento exponencial do volume de ações que têm

como pano de fundo o debate acerca das escolhas orçamentárias exercidas pelo Poder

Executivo, conjecturando, ao final, sobre avanços e retrocessos ocorridos em país que

optou pela desjudicialização das políticas públicas.

2.1. Organização administrativa para a tutela do direito à saúde e para o

fornecimento de medicamentos de alto custo

Nos subitens que se seguem, traz-se à colação (2.1.1) a Política Nacional de

Medicamentos, estruturada conforme os desígnios do Estado, dando-se ênfase, dentre as

suas atribuições, ao aparato tecnológico para a incorporação de novos fármacos à

Relação Nacional de Medicamentos do Componente Especializado da Assistência

Farmacêutica – RENAME-CEAF.

O subitem seguinte (2.1.2) trata da zona de tensão criada por decisões

judiciais concessivas de medicamentos vultosos, sem que haja previsão nos Protocolos

Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT’s, dando azo à necessidade premente de

ressignificação do princípio da separação dos poderes.

Ao final (2.1.3), faz-se nota conclusiva sobre as premissas apresentadas, no

sentido de amadurecer a cooperação entre os ramos do Poder instituído e, com isso,

reduzir arestas surgidas por meio da adequação dos referidos Protocolos e da

RENAME.

69

2.1.1. A estruturação da Política Nacional de Medicamentos

A crise institucional experimentada pelo Brasil nos últimos anos,

envolvendo principalmente os Poderes Executivo e Legislativo,193 somada ao ideal de

bem-estar insculpido na Constituição da República de 1988, por sua vez “amplamente

influenciada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos”194 e, por isso, composta

por um amplo leque de direitos prestacionais, deu azo à busca cada vez maior pela

efetivação de direitos sociais junto ao órgão jurisdicional.

Embora seja indiscutível e indelével o livre acesso ao Judiciário, é certo

que, especificamente em relação às ações que objetivam o fornecimento de

medicamentos denominados “de alto custo” ou excepcionais, a judicialização alcança

grandes proporções, de maneira a despertar questionamentos em relação ao acerto das

decisões judiciais que tratam de tais celeumas.

Isso porque o impacto dessas determinações pode ocasionar desequilíbrio

nas contas públicas, seja porque não foram previstas pelo Executivo em orçamento

público prévio, seja porque reduzem o montante destinado à aquisição de outros

fármacos, minorando, com isso, o alcance das políticas públicas engendradas com o

objetivo de atender o maior número possível de cidadãos.

Com o crescimento exponencial das ações que pleiteiam medicamentos

custosos, houve uma verdadeira transformação na Administração Pública. Somado a

isso, a majoração do índice de envelhecimento populacional, muitas vezes associado ao

desenvolvimento do país, por exemplo, pode ser apontado como uma das causas do

aumento da procura por medicamentos contínuos, os quais são frequentemente

associados a patologias que demandam remédios excepcionais.195

Tal fato, somado a tantas outras celeumas que acometem a população

agravada, culminou com o esgotamento de recursos estatais sem o atendimento

adequado de milhares de pacientes, os quais se viram compelidos a reclamar suas

193 A respeito do assunto, cf.: SALGADO, Eneida Desiree; GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel

Wunder. Política para quem não quer só comida. Disponível em:

<http://www.osconstitucionalistas.com.br/politica-para-quem-nao-quer-so-comida>. Acesso em: 16 out.

2016. 194 ALVES, Roberta Emanuelle Rosa. A Corte Interamericana de Direitos Humanos na defesa das

liberdades fundamentais. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 4. n. 2, p. 107-

128, jul./dez. 2013. 195 PORTELA, Margareth Crisóstomo. Avaliação da qualidade em saúde. In: ROZENFELD, Suely

(Org.). Fundamentos da vigilância sanitária. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2000. p. 259-270.

70

pretensões junto ao Poder Judiciário, em busca da efetivação de seu direito fundamental

à saúde.

Por outro lado, em que pesem os esforços oficiais para incentivar a

produção farmacêutica por meio de laboratórios nacionais, os recursos estão aquém da

necessidade experimentada pelo contingente de enfermos, sendo recomendado ao

julgador considerar tal argumentação, sem olvidar de outras construções

argumentativas, quando da prolação de decisões em assuntos de saúde.

Nesse contexto, relevante mencionar que, no domínio do Poder Público, o

processo de decisão em matéria de saúde passa necessariamente pela Relação Nacional

de Medicamentos Essenciais (RENAME), cujas diretivas encontram-se especificadas na

Resolução GM-CIT nº 1, de 17 de janeiro de 2012, do Ministério da Saúde, a qual é

considerada o “instrumento oficial que norteia a definição das políticas públicas para o

acesso aos medicamentos no âmbito do Sistema de Saúde brasileiro”.196

Atualmente, a Relação é composta por cinco seções, divididas segundo a

natureza das enfermidades que acometem os indivíduos e sua repercussão na sociedade:

A Relação Nacional de Medicamentos do Componente Básico da

Assistência Farmacêutica abrange os agravos e programas de saúde específicos,

destinando-se ao tratamento das enfermidades mais comuns à sociedade. A Relação

Nacional de Medicamentos do Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica,

por sua vez, dirige-se ao cuidado das doenças endêmicas e retrovirais, de abrangência

regional ou nacional. Há também a Relação Nacional de Medicamentos do Componente

Especializado da Assistência Farmacêutica, cujo objeto é o tratamento de enfermidades

que demandam medicamentos de alto custo, chamados de excepcionais, adquiridos sob

demanda específica após o estabelecimento de determinados critérios, o que será adiante

tratado. Tem-se ainda a Relação Nacional de Insumos Farmacêuticos, consistente em

uma série de produtos que, embora não sejam medicamentos, exercem função

complementar a estes, identificando as doenças investigadas por meio de reagentes e

materiais diversos que informam e direcionam o tipo de atendimento.197 Por fim, a

Relação Nacional de Medicamentos de Uso Hospitalar, codificado de maneira a

196 BRASIL. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename 2013. 8. ed. Brasília: Ministério

da Saúde, 2013. p. 27. 197 CENTRO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Produtos para saúde. Disponível em:

<http://www.cvs.saude.sp.gov.br/apresentacao.asp?te_codigo=3>. Acesso em 29 ago. 2015.

71

referenciar a edição dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT),

regulando o tratamento ocorrido dentro dos ambulatórios e unidades de internamento.

A título de curiosidade, a primeira lista contendo fármacos expedida pelo

Ministério da Saúde data de 1971198 e foi rotulada de “Central de Medicamentos”

(CEME), antes mesmo das diretrizes fixadas posteriormente pela Organização Mundial

da Saúde – OMS, em 1978, na Declaração de Alma-Ata.199 Em 1975, a relação recebe a

denominação atual de RENAME, acima transcrita. 200

Mesmo com o advento de profundas modificações legislativas, inclusive a

promulgação da Constituição da República de 1988 e a edição da Lei Orgânica do SUS

– Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, as listas de medicamentos permaneceram

ativas, por bem representarem as práticas estabelecidas pela Administração Pública.

Novo marco regulatório para a saúde pública surgiu com a edição da

Portaria GM-MS n. 3.916, de 30 de outubro de 1998, do Ministério da Saúde, a qual

instituiu a Política Nacional de Medicamentos e viabilizou, posteriormente, a criação da

Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), por meio da Resolução CNS n.

338, de 6 de maio de 2004, do Conselho Nacional de Saúde, a qual respeitou os

entendimentos firmados nas deliberações da 12ª Conferência Nacional de Saúde e da 1ª

Conferência Nacional de Medicamentos e de Assistência Farmacêutica, acentuando o

caráter técnico e democrático das decisões relativas à saúde pública.

Em termos sucintos, é por meio da PNAF que são encetadas ações voltadas

à promoção da saúde no âmbito do SUS. A ela cabe o acompanhamento da lista

RENAME e a atualidade de seus termos, postulando sua revisão periódica aos órgãos

competentes, adiante tratados, de maneira a viabilizar o acesso, pelo cidadão

necessitado, ao medicamento já devidamente investigado e cuja eficácia restou

comprovada por meio de análise técnica.

A revisão da RENAME, por sua vez, ocorre através da inclusão ou exclusão

de medicamentos e procedimentos pelo Ministério da Saúde, observadas as diretrizes

impostas pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), instituição formada a partir do

advento da Lei n. 12.466, de 24 de agosto de 2011, a qual incluiu os artigos 14-A e 14-

198 BRASIL. Decreto n. 68.806, de 25 de junho de 1971. Brasília: Diário Oficial da União, 1971. 199 BRASIL. As cartas da promoção da saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. p. 33. 200 BRASIL. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename 2014. 9. ed. Brasília: Ministério

da Saúde, 2013. p. 7.

72

B na Lei n. 8.080/90 – Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (LOS), que instituiu o

Sistema Único de Saúde e é composta por gestores federais, estaduais e municipais.201

Igualmente importante consignar que, desde a entrada em vigor da Lei n.

12.401, de 28 de outubro de 2011, a qual alterou a LOS, fomenta-se especificamente a

incorporação de novas tecnologias em saúde, para garantir a atualidade e a prática de

atos que contem com consenso médico. Trata-se da Comissão Nacional de Incorporação

de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), órgão de assessoria do

Ministério da Saúde e que pondera acerca das evidências científicas relacionadas à

eficácia, acurácia, efetividade e segurança do medicamento, produto ou procedimento,

sem descurar dos objetivos precípuos do Sistema Único de Saúde, que são a

universalidade e a integralidade das ações afetas à saúde pública nacional.

Além disso, há outra ferramenta, intitulada Protocolo Clínico e Diretrizes

Terapêuticas (PDCT), que fixa os critérios de diagnóstico da doença e correlaciona o

tratamento respectivo, coletando, inclusive, dados acerca dos resultados terapêuticos

obtidos. Na prática, RENAME e PCDT são listagens complementares e aplicadas aos

casos concretos de maneira simultânea, ao passo que o CONITEC assessora o

Ministério da Saúde quando necessária a inclusão ou exclusão dos fármacos utilizados

nos centros de saúde e que comporão as listas supramencionadas.

E ainda, cumpre ressaltar que, nos termos do artigo 21 do Decreto n.

7.508/2011, “todas as ações e serviços que o SUS oferece ao usuário para atendimento

da integralidade da assistência à saúde”202, aqui contempladas as ações e listagens já

delineadas, compõem a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES),

sob a supervisão do Ministério da Saúde e que supervisiona as normas da saúde pública,

sempre com a observância das decisões da Comissão Intergestores Tripartite (CTI).

Pois bem. Explicitada, ainda que em linhas gerais, a evolução normativa da

Política Nacional de Medicamentos e dos órgãos responsáveis pela manutenção das

políticas públicas de fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos no Brasil,

bem como o alto grau de tecnicidade e complexidade da estruturação dos programas de

201 Especificamente, a representação da CIT conta com as três instâncias do SUS, quais sejam: União,

representada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); Estados, por meio

do Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência Social (Fonseas); e Municípios, pelo

Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas). Fonte: MINISTÉRIO DO

DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/acesso-a-

informacao/orgaoscolegiados/orgaos-em-destaque/cit> Acesso em 28 ago. 2015. 202 BRASIL. Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011. Diário Oficial da União. Brasília, 29 jun. 2011.

73

saúde coletiva, faz-se imprescindível focar o presente estudo em um dos

desdobramentos específicos da lista RENAME, qual seja, a “Relação Nacional de

Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica”, para

alcançar a finalidade de expressar contribuições para o estabelecimento de critérios

quando da prolação de decisões judiciais em ações que versam sobre tais tipos de

fármacos.

2.1.2. Os medicamentos excepcionais garantidos judicialmente: os riscos de ingerência

indevida nos desígnios da Administração

A delicada fronteira existente entre a atuação da Administração Pública

brasileira, imbuída de suas prerrogativas e sujeições, e a intervenção do Poder Judiciário

na efetivação de políticas públicas voltadas à saúde é tema polêmico e recorrente nos

debates promovidos pelos atores políticos e jurídicos contemporâneos.

A razão para tal espécie de confronto entre os Poderes constituídos advém

do modelo de Estado adotado no país desde o advento da Constituição da República de

1988, de perfil notadamente social e fulcrado na democracia, segundo o qual deve haver

independência e harmonia entre os Poderes da União, sem que haja, contudo,

sobreposição de um em detrimento do outro.203

Nessa senda, cabe ressaltar que o Estado brasileiro assumiu feições sociais

já na “Era Vargas”, experimentando seu primeiro período democrático entre os anos de

1945 e 1964, quando então fora suplantado pela ditadura militar, retomando

concretamente o caminho das liberdades civis apenas com a promulgação da

Constituição da República de 1988.204

O aumento exponencial do volume de processos em que se discutem

pretensões relacionadas ao direito à saúde – a judicialização da saúde – não é um

fenômeno exclusivo do Brasil. Ricardo Perlingeiro atenta para o fato de que outros

países, ocupantes de posições distintas em relatórios de desenvolvimento humano,

enfrentam situações semelhantes. De seu preciso relato, destaca-se o seguinte trecho: “A

203 SILVA, Marcelo Rodrigues da; SANTINHO, Guilherme Sampieri. Políticas públicas e efetivação dos

direitos sociais. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 13, n. 144, p. 50-56, fev. 2013. 204 OPUSZKA, Paulo Ricardo; FRÁGUAS, Silvia. Elementos da teoria keynesiana para uma reflexão

sobre a intervenção jurídica estatal. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 3, n.

2, p. 465-489, jul./dez. 2012.

74

judicialização da política de saúde não é exclusiva do Brasil. É também encontrada em

um grau limitado nos Estados Unidos e na mesma medida do Brasil em outros países

latino-americanos como Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai, Colômbia, Equador,

Venezuela, Bolívia, Peru e México”.205

O direito fundamental à saúde, previsto no ordenamento constitucional no

artigo 6º,206 foi alçado à condição de mandamento nuclear do sistema e, assim sendo,

conforme reiterados precedentes oriundos de Tribunais espalhados por todo o país,

inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal, servem de supedâneo para a

judicialização de pedidos de índole individual que abarcam uma miríade de prestações

estatais.

Afora sua nítida relevância para o desenvolvimento da sociedade, o direito

social à saúde se encontra no epicentro da atuação jurisdicional também em razão de se

consubstanciar em norma jusfundamental de dupla dimensão, sendo a primeira delas

relacionada à postura negativa do Estado, vedadas quaisquer intervenções prejudiciais à

sua fruição; e, uma outra face, positiva, que lhe confere a prerrogativa de receber do

Poder Público medidas de proteção e promoção de sua saúde.207

Impende ressaltar que a previsão constitucional não se limita ao artigo antes

mencionado. O artigo 196, já pormenorizado em itens precedentes, vai além da mera

descrição normativa, para assentar que a saúde deve ser objeto de proteção massiva por

parte de todas as esferas de poder estatal, reclamando o estabelecimento de ações

positivas que objetivem a melhora indistinta das condições da população.

Tal dispositivo se revela, na concepção de vários expoentes do Direito

brasileiro, um verdadeiro sinônimo de justiça social e igualdade, eis que, a um só

tempo, dignifica a existência dos cidadãos brasileiros e exterioriza a retidão de um

Estado preocupado com a probidade de seus atos, algo sempre almejado pela sociedade.

A esse respeito, José Afonso da Silva aduz que a mens legis contida no

artigo 196 da Constituição da República é capaz de, a um só tempo, associar

205 PERLINGEIRO, Ricardo. Recognizing the public right to healthcare: the approach of Brazilian courts.

Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 1, n. 1, p. 19-37, jan./abr. 2014. 206 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na

forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010) 207 ASENSI, Felipe; AIDAR, Adriana; DIAS, Daniela; FERREIRA, Arnaldo; BARCELOS, João;

SALLUM, Renata; CATTLEY, Luiza; SZKLARZ, Patrick; MAÇULLO, Vanderson. O judicial e o

extrajudicial: Ministério Público e direito à saúde no Brasil. A&C – Revista de direito administrativo e

constitucional, Belo Horizonte, v. 15, n. 60, p. 179-205, abr./jun. 2015.

75

perfeitamente direitos e obrigações, vinculando todos os destinatários da norma, ativos e

passivos, exprimindo todas as possibilidades para o cumprimento do dever

constitucional de promoção da saúde, o que demonstra a sua jusfundamentalidade.208

Portanto, para os que comungam de tal entendimento, de acordo com a

previsão constitucional, se, de um lado, a Administração Pública recebeu a incumbência

de criar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente

delineados, de outro, incumbe ao Poder Judiciário fiscalizar e velar pelo fiel

cumprimento dos direitos sociais garantidos, sob pena de o descumprimento estatal

injustificado em implementar e viabilizar políticas públicas acarretar a desarmonia da

ordem jurídica. Por isso, mereceriam, oportunamente, correção judicial, sob pena de

transformar em letra morta os direitos fundamentais sociais.

De outra banda, conquanto a Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de

1990, em conjunto com Decretos e Portarias respectivas, regule, em todo o território

nacional, as ações e serviços relacionados à promoção de políticas públicas voltadas à

garantia do direito fundamental social à saúde, é certo que não se pode falar em

eficiência plena de tal microssistema, sobretudo diante das diversas decisões judiciais,

proferidas pelas Cortes de todo o país, que concedem medicamentos e tratamentos

médicos em favor de pacientes negligenciados pela Administração, personificando a

judicialização da saúde.209

Não há dúvidas quanto à legitimidade do Poder judiciário de, pontualmente,

determinar o cumprimento, pela Administração, de medidas que tenham por escopo a

efetivação de direitos fundamentais. Mônia Clarissa Hennig Leal explica que tal

possibilidade, consubstanciada em orientações e determinações destinadas aos demais

Poderes, prestigia a máxima efetividade dos direitos fundamentais, podendo haver,

inclusive, a responsabilização do ordenador da despesa por eventual descumprimento.210

208 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

p. 768. 209 Nesse sentido: BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à

saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: MOREIRA,

Eduardo Ribeiro; PUGLIESI, Marcio. (Org.). 20 anos da Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva,

2009. p. 163-193. 210 LEAL, Mônia Clarissa Hennig; Kohls, Cleize Carmelinda. Boa administração pública e fundamentos

constitucionais das políticas públicas na perspectiva do Supremo Tribunal Federal. Revista de Estudos

Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, Santa Cruz do Sul, v. 7, n. 2, p. 188-196, mai./ago.

2015.

76

Tais decisões invocam preceitos normativos, insculpidos principalmente nos

artigos 6º, 196 e 198 da Constituição Federal, que remontam à noção do “feixe de

posições de direitos fundamentais” de Robert Alexy.211 Isso sem olvidar do “mínimo

existencial”, antes abordado, em um verdadeiro exercício de hermenêutica cujo escopo

é a promoção, nos casos concretos examinados, do acesso universal ao direito

fundamental social à saúde, ocasionando verdadeiro embate para com os

administradores públicos, responsáveis pela transmutação dos mesmos conceitos

abstratos em políticas públicas abrangentes e universais, mas nem sempre eficazes.212

Frente às inúmeras decisões recentes proferidas por Cortes de Justiça

situadas em todo o país, no sentido de que deve a Administração Pública, diante da

necessidade de cidadãos portadores de enfermidades diversas, fornecer medicamentos

de alto custo e tratamentos médicos igualmente vultosos, não previstos na Relação

Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), tampouco pelos Protocolos Clínicos

e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), o Estado aduz ser impossível atender a totalidade da

população e suas infinitas necessidades, valendo-se da teoria da “reserva do possível”.213

Evidenciando o caráter atuante e complementar do Judiciário na questão

suscitada, traz-se à colação o posicionamento manifestado pelo Plenário do Supremo

Tribunal Federal, no sentido de que o Poder Público tem o dever de subsidiar

medicamentos e tratamentos de alto custo a portadores de doenças graves, em casos não

abrangidos pelas políticas públicas estabelecidas. Trata-se do processo de Suspensão de

Tutela Antecipada n. 175, que teve como Relator o Ministro Gilmar Ferreira Mendes,

julgado em 17 de março de 2010.

Cumpre destacar que o entendimento exarado no voto condutor, além de

apoiado em acervo doutrinário de renome, levou em conta as considerações de gestores

públicos, membros da magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia

da União, Estados, Municípios, estudantes e entidades que compõem a sociedade civil,

211 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 249. 212 A respeito do assunto: STF: RE 642536 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, j. 05.02.2013,

DJe 27.02.2013. 213 A respeito do assunto: STF: ARE 727864, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 09.09.2014, DJe

17.09.2014.

77

os quais foram reunidos em audiência pública juntamente com o Ministro, ocorrida

durante o ano de 2009.214

Tal reunião foi considerada, pelo próprio Ministro relator, de suma

importância para a confecção da decisão posteriormente acompanhada pelos demais

componentes da Suprema Corte, na medida em que extrapolou a seara jurídica para

buscar respostas a partir de posicionamentos de grupos organizados da sociedade, o que

se assemelha, ao menos em sua gênese, com o democrático processo de modificação das

listas de medicamentos pelos órgãos vinculados ao Ministério da Saúde.

O voto condutor do Ministro contou com os seguintes dizeres: “Após ouvir

os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, ficou

constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do direito à

saúde no Brasil. (...)”.215

De outra banda, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental –

ADPF nº 45-9,216 anteriormente julgada por decisão monocrática da Corte

Constitucional, igualmente estabeleceu importante marco regulatório no tocante ao

controle judicial de políticas públicas voltadas aos direitos sociais, ao consignar que o

Poder Judiciário somente poderá determinar a implementação de política pública para

garantir o mínimo existencial, desde que haja disponibilidade financeira do Estado, bem

diante da razoabilidade da pretensão deduzida.

Essa hipótese de controle judicial de políticas públicas vai ao encontro do

escólio de Felipe de Melo Fonte, para quem a saúde se traduz em política constitucional

essencial, apta a promover direitos essencialíssimos por natureza, relacionadas ao

mínimo vital.217 A análise do aresto supramencionado, por sua vez, traz à colação a

tentativa de conceituação das expressões “mínimo existencial” e “reserva do possível”.

É cediço que as necessidades da sociedade ultrapassam consideravelmente o

valor destinado pelo Poder Público para a promoção da justiça social. Em que pese a

Constituição da República determinar a realização de medidas consideradas “mínimas”

214 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Audiência Pública de 5 de março de 2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciapublicaSaude> Acesso 28

ago. 2014. 215 Idem. 216 BRASIL. Supremo Tribunal Federal: ADPF 45 MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 29.04.2004, DJ

04.05.2004. 217 FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação

do controle jurisdicional de políticas públicas no Estado Democrático de Direito. São Paulo: Saraiva,

2013. p. 208.

78

e “imprescindíveis” ao desenvolvimento da população, promovendo-lhes vida digna –

fala-se, aqui, do “mínimo existencial” – os recursos estatais não conseguem contemplar

tal leque de garantias sociais, optando por ações consideradas pelos agentes políticos

como prioritárias, relegando ao limbo outros tipos de políticas públicas, eis que os

recursos são limitados, ao passo que as necessidades são intermináveis – eis a noção

empregada para a “reserva do possível”.

Em relação aos fundamentos jurídicos que representam o sustentáculo do

mínimo existencial, Daniel Wunder Hachem enuncia que há corrente doutrinária

majoritária no sentido de que aquele sequer necessita de expressa previsão

constitucional ou legal, estando “implícito no tecido constitucional, derivado, segundo a

maior parte dos autores, do princípio da dignidade da pessoa humana”.218

Assim, tem-se que, tal concepção, somada à força normativa e efetividade

da Constituição da República, desencadeou aumento significativo nas já volumosas

ações individuais e coletivas que objetivam a aquisição de fármacos e diversas espécies

de tratamento, gerando despesas vultosas ao Estado. Nesse sentido, juristas como

Octávio Luiz Motta Ferraz defendem a tese de que a judicialização da saúde, em sentido

contrário à concretização de direitos fundamentais, contribui, em verdade, para a

perpetuação da desigualdade social, havendo a necessidade imperiosa de se rever a

distribuição de recursos considerados relativamente escassos.219

O posicionamento antes mencionado encontra eco em diversos estudos, os

quais objetivam ampliar a busca por soluções viáveis e adequadas para o turbulento

sistema de saúde brasileiro.

Igualmente há que se ressaltar o incessante debate entre autores que se

posicionam pela postura da “autocontenção” do Judiciário nos casos de saúde, devendo

este atuar somente nas lacunas existentes entre os mandamentos da Constituição e a

ausência do Poder Público, não lhe sendo concebido, em nenhuma hipótese, criar novas

políticas públicas, sob pena de malferimento ao princípio da separação dos poderes

(entre outros, Clênio Jair Shulze e João Pedro Gebran Neto220) e o dever do Estado em

218 HACHEM, Daniel Wunder. Mínimo…, p. 205-240. 219 FERRAZ, Octávio Luiz Motta. Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da

interpretação judicial dominante. DADOS Revista de ciências sociais, Rio de Janeiro, v. 52, n. 1, p. 223-

251, 2009. 220 SHULZE, Clênio Jair; GEBRAN NETO, João Pedro. Direito à saúde: análise à luz da judicialização.

Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

79

conceder aos cidadãos a vida com dignidade, e não somente a mera sobrevivência,

como forma de materialização do direito fundamental social à saúde, sendo papel do

Poder Judiciário intervir de maneira proativa, quando necessário.221

Para atender os postulados relacionados ao direito à saúde, os entes

federados envidaram esforços para a concepção de estrutura governamental dirigida por

políticas públicas222 específicas, as quais seriam capazes de promover a saúde da

população, aqui elevada à condição de direito fundamental.

O fruto da construção intelectual levada a termo pelo Estado, conforme

previsto pelo artigo 198 da Constituição Federal, consubstanciou-se no Sistema Único

de Saúde – SUS, o qual tem como premissa maior traduzir-se em política minimizadora

das desigualdades em saúde e das iniquidades sociais.223 Porém, é certo que há

desproporcionalidade entre os preceitos constitucionais e a estrutura real da saúde

pública no Brasil, sendo certo que o modelo de gestão atual do Estado não suporta a

demanda apresentada pela população.224

Inquestionável, nessa senda, o conflito experimentado pela Administração,

dividida pela escolha da melhor destinação dos recursos financeiros insuficientes para o

atendimento da demanda, os quais sabidamente não abrangerão todos os serviços

necessários.225 Isso sem olvidar do mau gerenciamento dos parcos recursos, aplicados

em muitas ocasiões sem a necessária reflexão e conhecimento técnico imprescindíveis à

redução das necessidades da população usuária da saúde pública. Como visto, as

necessidades da população são desproporcionais à estrutura que o Estado tem para

oferecer no que tange aos serviços de saúde. Isso ocorre muito em função do

investimento em uma saúde curativa, e não em uma saúde preventiva, conforme aponta

Ricardo Lobo Torres.226

221 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

p. 768. 222 FREITAS, Daniel Castanha de. Controle de políticas públicas de saúde pelos Tribunais de Contas:

auditoria operacional como mecanismo de análise de eficiência. In: BONAT, Alan Luiz; NASCIMENTO

NETO, José Osório; QUETES, Regeane Bransin (Org.). Políticas Públicas e desenvolvimento. Curitiba:

Íthala, 2016, p. 135-154. 223 FERRAZ, Octávio Luiz Motta. Ibidem, p. 247. 224 LUCENA, Cíntia. Direito à saúde no constitucionalismo contemporâneo. In: ROCHA, Cármen Lúcia

Antunes (Coord.). O direito à vida digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 246. 225 Sobre o assunto: TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In:

______. (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.

287-288. 226 TORRES, op. cit., p. 287.

80

Diante do exposto, resta claro que o direito fundamental à saúde clama por

novas e sustentáveis políticas públicas capazes de imprimir, a um só tempo, eficiência

ao modelo de gestão adotado pelo Estado brasileiro, construindo, desta forma, estruturas

capazes de promover a efetiva recuperação da saúde dos indivíduos227, oportunizando-

lhes desfrutar da igualdade de posições inerente a um verdadeiro Estado Democrático de

Direito,228 que tem por escopo precípuo a igualdade substancial dos membros da

sociedade.229

Traçado o presente quadro fático, faz-se imprescindível posicionar-se de

maneira crítica à forma atual e subjetiva de obtenção de fármacos e tratamentos médicos

junto ao Judiciário, eis que há necessidade premente de reafirmação das políticas

públicas hoje existentes a tal respeito, adequando e otimizando trâmites junto aos órgãos

responsáveis pela aquisição e liberação de medicamentos, em especial os excepcionais.

Some-se a isso a complexidade que envolve as decisões judiciais, no sentido

de que o Poder Judiciário, ao realizar os julgamentos dos processos de medicamentos,

culmina proferindo sentenças ou votos imbuídos de elementos políticos e econômicos,

revelando-se, em muitos casos, “perigosa ampliação da inserção do Poder Judiciário nos

sistemas político e econômico, o que exige uma maior legitimidade democrática da

tomada de decisão”.230

A esse respeito, os dados empíricos obtidos junto à Secretaria de Estado da

Saúde do Paraná e transcritos em item precedente servem para corroborar a impressão

trazida no parágrafo anterior, no sentido de que o impacto negativo de decisões

proferidas no âmbito jurisdicional, além de não apontarem para uma solução definitiva

do problema, contribuem para a promoção da desigualdade da população, pois

engessam o sistema e ocasionam ineficiência em relação aos demais cidadãos carentes

de saúde.

227 MÂNICA, Fernando Borges. O setor privado nos serviços públicos de saúde. Belo Horizonte:

Fórum, 2010. p. 108. 228 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela..., p. 116. 229 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e direito

administrativo. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, v. 1, n. 2, p. 247-

254, jul./dic. 2014. 230 FERREIRA, Maria Gorete; BASSETTO, Maria do Carmo Lopes Toffanetto Rossitto. Ação Civil

Pública para tutela de direitos individuais homogêneos de natureza assistencial: a Teoria dos Sistemas de

Luhmann e o paradoxo da decisão jurídica. A&C – Revista de Direito Administrativo &

Constitucional, Belo Horizonte, v. 14, n. 58, p. 211-237, out./dez. 2014.

81

A tensão estabelecida pelo desequilíbrio entre as diversas determinações

judiciais junto ao orçamento destinado à promoção igualitária da saúde da população,

não obstante concretizem os princípios constitucionais, estremecem as políticas públicas

engendradas pela Administração Pública. Basta analisar os resultados da pesquisa antes

colacionada.

É possível que uma das possíveis razões para a postura tão atuante do

Judiciário esteja relacionada à necessidade (até mesmo institucional) de fornecer

respostas aos anseios da população, por sua vez já combalida pelo vilipêndio costumeiro

de seus direitos essenciais, mesmo que, para isso, não sejam detidamente observadas as

diretrizes orçamentárias e outros desdobramentos de suas decisões nos esforços

expendidos pelo Estado, traduzindo-se, em casos extremos, em verdadeira formulação

de política pública anômala.231

2.1.3. A falta de cooperação entre os Poderes Executivo e Judiciário para o

estabelecimento de critérios que promovam a efetivação do direito à saúde

A presente seção procurou discorrer acerca da Política Nacional de

Medicamentos atualmente vigente no Brasil, tendo traçado um breve histórico como

forma de evidenciar que as listagens elaboradas no âmbito do Ministério da Saúde

começaram a circular antes mesmo da própria Convenção de Alma-Ata da Organização

Mundial da Saúde voltada para a saúde coletiva mundial.

Elucidou-se que a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais

(RENAME), é a materialização de um processo minucioso de escolha dos fármacos que

a formarão, sopesadas análises de setores distintos que exercem suas atribuições no

âmbito do Ministério da Saúde. Sua legitimidade está assentada na Portaria GM-MS n.

3.916, de 30 de outubro de 1998, do Ministério da Saúde, a qual instituiu a Política

Nacional de Medicamentos e viabilizou, posteriormente, a criação da Política Nacional

de Assistência Farmacêutica (PNAF), por meio da Resolução CNS n. 338, de 6 de maio

de 2004, do Conselho Nacional de Saúde, a qual fora ratificada por ocasião da 12ª

Conferência Nacional de Saúde e da 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e de

231 VALLE, Vanice Regina Lírio do. Políticas públicas, direitos fundamentais e controle judicial. Belo

Horizonte: Fórum, 2009. p. 117.

82

Assistência Farmacêutica, revelando método democrático na tomada de decisões no

âmbito da saúde pública.

Em relação ao permanente estado de revisão da RENAME, são consideradas

as assertivas da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), criada pela Lei n. 12.466/2011,

além de contar o Ministério da Saúde com a assessoria especializada da Comissão

Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) no Sistema Único de Saúde.

Ato contínuo, houve a descrição da Política Nacional de Assistência

Farmacêutica (PNAF), por sua vez agregadora dos procedimentos já delineados, sendo

responsável pela promoção de ações voltadas à efetivação da saúde no âmbito do SUS.

A ela cabe o acompanhamento da lista RENAME e a atualidade de seus

termos, postulando sua revisão periódica aos órgãos competentes, de maneira a

viabilizar o acesso, pelo cidadão necessitado, aos medicamentos já devidamente

investigados e cuja eficácia restou comprovada por meio de análise técnica.

Na prática, RENAME e PCDT são listagens complementares e aplicadas

aos casos concretos de maneira simultânea, diferenciadas apenas pelo fato de aquela

conter tão somente a listagem de todos os fármacos existentes no âmbito do SUS, ao

passo que este é utilizado como diretriz de rotinas médico-terapêuticas, relacionando

medicação a internamento, passando pela posologia.

Em seguida, o estudo volta-se especificamente ao Componente

Especializado da RENAME, destinado à aquisição e dispensação dos chamados

medicamentos excepcionais no Brasil. Nesse ponto, foram apontadas as premissas que

definem um dado tratamento médico como sendo de alto custo. Para tanto, cumpre

averiguar a complexidade do tratamento da doença, a garantia da integralidade do

tratamento da doença no âmbito da linha de cuidado e a manutenção do equilíbrio

financeiro entre as esferas de gestão do SUS em suas três esferas de atuação. Tais

referências estão expressamente previstas pela Portaria GM-MS n. 1.554/2013.

Após, foram trazidos conceitos do que se entende por “medicamento

excepcional” para, depois, abordar as peculiaridades da judicialização da saúde. Nessa

senda, conclui-se que, embora tenha o Judiciário brasileiro o dever de fazer cumprir

políticas públicas eventualmente deficitárias ou inoperantes, é certo que suas decisões

precisam, necessariamente, considerar detidamente as prescrições contidas nos

Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas e as relações de medicamentos previstas

83

no Componente Especializado da RENAME, já que o procedimento técnico de escolha

dos fármacos envolve várias etapas e profissionais, o que não pode ser ignorado quando

da prolação de decisões por vezes atécnicas e displicentes para com todo o enredamento

administrativo construído por meio de conquistas sociais.

Na fala do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin, ao

proferir voto-vista no Recurso Extraordinário com repercussão geral n. 566.471/RN:

“Fixar limites e parâmetros, ao contrário de negar direitos em situações peculiares,

estará o Judiciário conferindo efetividade ao direito à saúde e seus princípios, na justa

medida da particularidade aferida por meio de filtros ou parâmetros ou critérios

probatórios.”232

Prova das reentrâncias indevidas do Judiciário estão representadas na

pesquisa levada a efeito pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, que comprova o

efeito impactante no orçamento público, em decorrência de ações que nem sempre tem

seu arcabouço probatório corretamente averiguado. E ainda, ao se deparar com situação

de efetiva violação do direito fundamental à saúde, deve o magistrado lastrear seu

entendimento somente após a determinação de ampla dilação probatória, suficiente para

infirmar as listagens padronizadas, para que todo o projeto e a implantação da Política

Nacional de Medicamentos e seu Componente Especializado não tenham representado

tão somente desperdício de verba pública.233

É certo que o direito à percepção de medicamentos é corolário do direito

fundamental à saúde. Entretanto, deve-se atentar para uma possível crise de identidade

do Poder Judiciário, acaso determine modificações e quiçá implementações de políticas

públicas, sem a correspondente legitimidade, de mesma natureza dos demais Poderes

instituídos.

Por esse motivo, é preciso maior reflexão quando da judicialização dos

feitos que tratam da saúde. Se, de um lado, tem-se que os direitos fundamentais sociais

detêm aplicabilidade imediata, ratificada pelo Estado Democrático de Direito, de outro,

igualmente vigoram princípios fundantes da República, a exemplo da segurança

232 YOUTUBE. Pleno - novo pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto

custo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y5HRYLyd1cU>. Acesso em: 17 out. 2016. 233 ALMEIDA, Luiz Antônio Freitas de. Direitos fundamentais sociais e sua aplicação pelo Judiciário:

hidrólise judicial de políticas públicas ou tutela efetiva? Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre,

v. 5, n. 14, jan./mar. 2011.

84

jurídica, economicidade dos atos administrativos e, por que não, a própria dignidade

humana, no sentido de maior alcance possível das metas da saúde pública.

Faz-se imprescindível que a postura do Judiciário seja criteriosa, como

forma de ampliar e legitimar o embate no âmago das ações desse tipo, seja por meio de

provas periciais ou outros meios idôneos que aumentem a participação da sociedade no

processo. Assim, a realização de audiência pública e outros atos que, além de

proporcionar maior densidade argumentativa, legitimam a conduta do julgador, devem

ser estimuladas, em busca da necessária medida de justiça diante de vários direitos

tutelados.

Afinal, o caminho para a efetivação do direito fundamental à saúde no

Brasil passa, necessariamente, pelo estabelecimento de um diálogo produtivo entre os

Poderes Judiciário e Executivo, com a instituição de balizas jurisprudenciais sólidas e

apropriadas aos casos que envolvam medicamentos de alto custo, de um lado, bem

como pela ágil adequação da RENAME e dos Protocolos Clínicos e Diretrizes

Terapêuticas às novas realidades enfrentadas, de outro.

2.2. Judicialização e desjudicialização da saúde: adoção de medidas eficientes no

âmbito do Executivo e Legislativo capazes de minorar a atuação do Judiciário

Após corporificar a política de medicamentos engendrada pela

Administração para atender a população e demonstrar a instabilidade sofrida pelo

sistema quando atingida por decisões que deixam de observar suas diretrizes de

incorporação de fármacos, a segunda parte do capítulo em apreço apresenta alguns dos

institutos que contribuem fundamentalmente para a atualidade do tema – e igualmente

para a sua volubilidade.

É tempo, portanto, de pôr em evidência dois fenômenos: (2.1.1) o “ativismo

judicial”, atributo já marcante da proativa judicatura brasileira; e (2.2.2) a

“judicialização da política” decorrente, em grande parte, da gama de direitos subjetivos

conferidos pela Constituição Federal.

O item último (2.2.3) dá conta de expor brevemente a experiência

portuguesa de “desjudicialização” da política, listando as principais características –

positivas e negativas – de um sistema que enveredou rota oposta ao protagonismo

judicial.

85

2.2.1. O protagonismo do Poder Judiciário brasileiro em decorrência da crise

institucional: o ativismo judicial

A vigorosa judicialização dos feitos atinentes à saúde e, em especial, à

aquisição de medicamentos de alto custo, decorre de um processo de legitimação

ocorrido, nos dizeres de Felipe Dutra Asensi, “em função de uma série de circunstâncias

e fatores sociais, políticos e culturais no século XX, que culminaram na intensificação

da judicialização dos conflitos e dos próprios direitos”.234

O mesmo autor, ao discorrer sobre o protagonismo judicial que vigora na

sociedade brasileira, observa que essa espécie de legitimação extraordinária conferida

aos magistrados foi classificada sob a forma de uma “profecia que se cumpre por si

mesma”,235 onde as decisões cada vez mais alcançam searas antes intocáveis pelo Poder

Judiciário.236

Não obstante a expressão “ativismo judicial” aparentemente ter sido

cunhada por Arthur Schlesinger em 1947,237 a celeuma relacionada ao instituto em

questão possui gênese ainda no século XIX, quando do julgamento, pela Corte Suprema

dos Estados Unidos da América, do emblemático caso Marbury versus Madison, em

1803.238 Considerado a pedra angular do judicial review, instituto que confere

legitimidade ao Poder Judiciário para revisitar decisões emanadas do Legislativo, o caso

supramencionado, decidido à época pelo Chief Justice John Marshall, abriu caminho

para um sem número de decisões que objetivam, cada vez mais, empreender o controle

de atos praticados pelas demais esferas de poder.239

234 ASENSI, Felipe Dutra. Direito à saúde: práticas sociais reivindicatórias e sua efetivação. Curitiba:

Juruá, 2013. p. 192. 235 Conceito criado por MERTON, Robert. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970. p.

515. 236 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 194. 237 KMIEC, Keenan Douglas. The origin and current meaning of “judicial activism”. California Law

Review, Berkeley, v. 92, n. 5, p. 1441-1478, out. 2004. 238 PAMPLONA, Danielle Anne. O Supremo Tribunal Federal e a decisão de questões políticas: a

postura do juiz. Curitiba: Juruá, 2011. p. 98. 239 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Jurisdição constitucional: entre constitucionalismo e

democracia. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 90.

86

É comum relacionar ao ativismo judicial, além do precedente acima

descrito, a teoria da separação tripartite dos poderes de Montesquieu.240 Entretanto, não

se pode olvidar que tal construção teórica foi edificada à época em que ainda reinavam

Estados absolutistas e, por isso, não mais se sustentam.241 Ademais, não são incomuns

estudos que apontem equívocos em relação à compreensão dessa teoria, a qual não seria

clara em relação à separação dos poderes, motivo pelo qual teria havido, em certos

momentos históricos, a apropriação inadequada do discurso.242

Uma justificativa para a atuação do Poder Judiciário na prolação de decisões

em casos que envolvam os demais Poderes instituídos, sem olvidar de outros registros,

pode ser encontrada em Norberto Bobbio,243 quando este enuncia a teoria da

incompletude do ordenamento jurídico por meio da escola do direito livre, em que são

admitidas lacunas a serem preenchidas segundo a criatividade do juiz, em contraposição

ao positivismo de estrita observância em vigor desde a modernidade.

No Brasil, a exemplo de muitas outras nações, o controle de

constitucionalidade de diplomas legais foi incorporado ao ordenamento jurídico ainda

durante o século XIX. Já em 1891, com a promulgação da Constituição Republicana,

estava prevista a fiscalização constitucional difusa.244 Entretanto, é certo que o marco

ideológico que potencializou as manifestações proativas pelo Judiciário nas searas

legislativa e executiva ocorreu, inegavelmente, com a promulgação da Constituição da

República de 1988. Afinal, foi por meio de referida Constituição que os chamados

direitos fundamentais sociais e os direitos difusos e coletivos foram garantidos aos

cidadãos brasileiros.245

Trata-se de abordagem denominada de “pós-positivista”, cuja teorização

leva em consideração uma relação intrínseca entre Direito e Moral na prolação de

240 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Barão de. O espírito das leis. 9. ed. São Paulo: Saraiva,

2008. 241 ANDREASSA JUNIOR, Gilberto. Ativismo judicial & teoria dos precedentes: integração dos

poderes e coerência nas decisões do judiciário. Curitiba: Juruá, 2015. p. 31. 242 VIDIGAL, Erick José Travassos. Protagonismo político dos juízes: risco ou oportunidade? Prefácio à

magistratura da pós modernidade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 66-67. 243 BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 278. 244 OLIVEIRA, Emerson Ademir Borges de. Ativismo judicial e controle de constitucionalidade.

Curitiba: Juruá, 2015. p. 131. 245 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da; BARBOSA, Claudia Maria. O papel dos precedentes para o

controle do ativismo judicial no contexto pós-positivista. Revista Brasileira de Políticas Públicas,

Brasília, v. 5, n. especial, p. 115-133, 2015.

87

decisões judiciais,246 em contraposição ao positivismo que vigorou preponderantemente

durante os séculos XVIII e XIX. Não mais prevalece, desta forma, o entendimento

rígido propalado, entre outros, por Hans Kelsen,247 no sentido de que moral ou justiça

não são partes imprescindíveis e passíveis de valoração na decisão judicial, mormente

se considerado o alto número de normas principiológicas. Sucede-se, assim, uma

hermenêutica constitucional que exige do magistrado a conjugação de valores para além

dos preceitos insculpidos na letra fria da lei.248

Como forma de explicitar um contraponto ao fenômeno do ativismo judicial

experimentado pela sociedade brasileira nas últimas décadas, convém destacar que

Carlos Santiago Nino,249 partidário da chamada democracia deliberativa, propõe que,

pela sua teoria, calcada no valor epistemológico do procedimento democrático, sejam

definidos princípios morais válidos por meio de uma discussão moral promovida de

maneira intersubjetiva, alcançando-se a cooperação e, com isso, a solução de conflitos.

Prosseguindo, o aludido autor pondera que, nesse contexto de concepção

deliberativa de democracia, há somente três momentos em que se deve permitir o

exercício de controle de constitucionalidade pelo Judiciário, a saber: (i) quando se busca

assegurar as condições suficientes ao exercício do próprio processo democrático de

tomada de decisões; (ii) quando o diploma normativo contiver elementos que traduzem

convicções ou posicionamentos pessoais reprováveis; e (iii) quando os atos perpetrados

pelos demais Poderes ofendem frontalmente o texto constitucional – a “constituição

histórica”, ainda que sejam proferidos com amplo apoio democrático.250

Concebido, pois, como um fenômeno sócio-jurídico, o ativismo judicial no

Brasil deve ser entendido em suas múltiplas vertentes, eis que se assenta entre a tênue

linha situada entre a política e o direito.251 Nesse contexto, em que pese o breve escorço

histórico traçado sobre o instituto que dá nome à seção, mister se faz ressaltar que,

atualmente, não há unicidade conceitual acerca do ativismo judicial. Ao contrário. A

246 ROSSI, Amélia do C. S.; BARBOSA, Claudia Maria. A cidadania emergente no constitucionalismo

latino-americano. In: TAVARES NETO, José Querino; SILVA, Juvêncio Borges da (coords.). Ações

coletivas e construção da cidadania. Curitiba: Juruá, 2013. p. 61-80. 247 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 47. 248 ROSSI, Amélia do C. S.; BARBOSA, Claudia Maria. Op. Cit., p. 63. 249 NINO, Carlos Santiago. La constitución de la democracia deliberativa. Barcelona: Gedisa, 1997. p.

298. 250 Ibidem, 273-282. 251 KOERNER, Andrei. Ativismo judicial? Jurisprudência constitucional e política no STF pós-88. Novos

Estudos CEBRAP, v. 6, n. 96, p. 69-85, jul. 2013.

88

pluralidade de conceitos a ele vinculados, por vezes diametralmente opostos,

demonstram quão espinhoso é o caminho percorrido pelos que se dedicam a lançar luzes

sobre o assunto.

É o que sinaliza Douglas Henrique Marin dos Santos, quando preleciona

que “o ativismo judicial enfrenta, no entanto, uma marcante indefinição terminológica.

Não há conceituação unânime, tampouco uma estruturação doutrinária que permita

defini-lo de modo uníssono”.252 Para os fins a que se destina o presente estudo, é preciso

trazer a lume os conceitos sedimentados na doutrina especializada no assunto,

acentuando-se suas distinções, de forma a evidenciar, em momento ulterior, qual a

perspectiva que se coaduna para com a atuação jurisdicional.

Inicialmente, dada a solidez e profundidade de seus argumentos, traz-se à

colação abordagem construída por Elival da Silva Ramos,253 jurista por vezes

considerado um “positivista moderado”,254 para quem o ativismo judicial desvela uma

atuação jurisdicional que desborda os limites estabelecidos pelo ordenamento

legitimamente estabelecido. Assim, o Judiciário toma para si uma responsabilidade para

além do julgamento dos litígios de cunho subjetivo (conflitos de interesse) e de natureza

objetiva (conflitos jurídicos). Ele prossegue com os seguintes dizeres: “Há, como visto,

uma sinalização claramente negativa no tocante à práticas ativistas, por importarem na

desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais

Poderes.”255

A eloquência da formulação supramencionada não deixa dúvidas quanto à

discordância do autor em relação às decisões do Judiciário que se imiscuem em matérias

previamente tratadas pelas demais esferas do Poder institucionalizado, o qual brada pela

imediata restrição do Poder Judiciário à pacificação de questões relacionadas tão

somente aos conflitos havidos entre diplomas normativos e de interesse dos litigantes.

Nessa mesma linha conceitual desfavorável ao fenômeno do ativismo

judicial, faz-se imprescindível destacar a formulação teórica contida na obra de Lenio

252 SANTOS, Douglas Henrique Marin dos. Judicialização da política: desafios contemporâneos à teoria

da decisão judicial. Curitiba: Juruá, 2014 (coleção Biblioteca de Filosofia, Sociologia e Teoria dos

Direitos). p. 44. 253 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. p.

129. 254 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da; BARBOSA, Claudia Maria. Op. Cit., p. 121. 255 RAMOS, Elival da Silva. Op. Cit., p. 129.

89

Streck,256 que pode ser considerada até mesmo extremada, em razão de sua contundência

ao enunciar, a seu ver, problemas de comportamento judicial.257

A aludida obra, em verdade, reverbera o pensamento exprimido pelo autor

em vários de seus ensaios, podendo ser sintetizado a partir de um de seus

pronunciamentos, onde afirmou que o ativismo judicial ocorre quando “os juízes

substituem os juízos do legislador e da Constituição por seus juízos próprios, subjetivos

ou, mais que subjetivos, subjetivistas (solipsistas)”.258

Ato contínuo ao pensamento crítico ao ativismo judicial exposto nas linhas

anteriores, é preciso apresentar vozes que advogam em corrente oposta, voltada à defesa

da proatividade dos magistrados em questões políticas submetidas ao crivo do

judiciário.

Nesse passo, esclarecedora e didática é a lição contida nos escritos de

Suzanna Sherry,259 docente da Vanderbilt Law School da Universidade de Berkeley-

Califórnia (EUA), no seguinte sentido: “A revisão judicial simplesmente garante que o

Judiciário detenha a mesma oportunidade que os outros dois Poderes para impedir o

governo de agir inconstitucionalmente260”.

A visão aqui externada, ao contrário dos detratores do ativismo, enaltece os

esforços hermenêuticos realizados pelos magistrados e legitima o mecanismo a eles

conferido por Constituições dirigentes, impregnadas com princípios e normas abertas

passíveis de aplicação a casos a priori decididos pelos demais Poderes dos Estados

256 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4. ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2013. 257 FERRAZ, Leonardo de Araújo; MARCHESANI, Juliana Mara; ARAÚJO, Silvia Costa Pinto Ribeiro

de. Entrevista: professor Lenio Luiz Streck. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas

Gerais, Belo Horizonte, v. 29, n. 4, p. 13-21, out./dez. 2011. 258 ZARDO, Claudia. OAB entrevista: dr. Lenio Luiz Streck. OAB in foco, Uberlândia, v. 4, n. 20, p. 14-

18, ago./set. 2009. 259 SHERRY, Suzanna. Why we need more judicial activism. Disponível em:

<http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2213372>. Acesso em 12 jul. 2016. 260 Tradução livre da parte final do seguinte excerto: “The branches are co-equal when it comes to

constitutional interpretation, but all three branches must agree that a law (or other government action) is

constitutionally permissible for it to be valid. If Congress believes that a proposed law is unconstitutional

it will choose not to enact that law, and no other branch can override Congress’s decision. If the President

believes that a proposed law is unconstitutional he will veto it, and his view can be overridden only with

difficulty (and only by the legislative branch). Judicial review simply ensures that the judiciary has the

same opportunity as the other two branches to prevent the government from acting unconstitutionally.”

90

Democráticos de Direito, reconhecido o aspecto contramajoritário garantidor da medida

de justiça.261

Um dos expoentes da corrente doutrinária que defende o ativismo judicial

no Brasil é Luís Roberto Barroso. Em seu arrazoado, aduz o autor que “A idéia de

ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário

na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço

de atuação dos outros dois Poderes262”.

Em suma, intencionam os que advogam a favor do ativismo que “o caráter

político do Judiciário, essencial ao jogo democrático, à defesa dos valores da

democracia e à sua adaptação à evolução histórica, é incompatível com a afirmativa de

Montesquieu, segundo a qual os juízes não são senão ‘a boca que pronuncia as palavras

da lei; seres inanimados que não lhe podem moderar nem a força nem o rigor’263”.

A menção a Montesquieu, por sua vez, conduz a uma terceira compreensão

sobre o fenômeno ora em comento, sintetizado na lição de José Joaquim Gomes

Canotilho, para quem “os juízes devem autolimitar-se à decisão de questões

jurisdicionais e negar a justiciabilidade das questões políticas264”. Sob a perspectiva ora

apresentada, desenvolvida sob a teoria da autorrestrição judicial, seria crível entender o

ativismo judicial como uma função complementar do judiciário para as questões não

resolvidas, ou ainda, solvidas de maneira deficiente, pelos demais Poderes do Estado. O

problema, a seu ver, não se trata da recusa injustificada, pelo Judiciário, em realizar o

controle de constitucionalidade das ações governamentais, mas sim em buscar

parâmetros para corretamente aferir a constitucionalidade da própria política por

critérios, os quais, não raramente, refogem àqueles instrumentos normativos previstos

na própria Constituição.265

Enfim, da análise detida das diversas concepções trazidas nos parágrafos

anteriores, depreende-se que a única noção precisa e adequada em relação ao ativismo

261 SANTOS, Douglas Henrique Marin dos. Judicialização da política: desafios contemporâneos à teoria

da decisão judicial. Curitiba: Juruá, 2014 (coleção Biblioteca de Filosofia, Sociologia e Teoria dos

Direitos). 262 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. [Syn]Thesis,

Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 23-32, 2012. 263 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalismo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1999. p. 46. 264 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed.

Coimbra: Almedina, 2000. p. 1224. 265 Idem.

91

judicial se dá justamente no sentido de que padece o fenômeno de conceituação única e

conformada em limites jurídicos estreitos. Por tal motivo, deve ser inexoravelmente

conjugado com os vieses ideológicos dos agentes que dele fazem uso – diga-se, os

membros do Judiciário, quando da prolação de decisões judiciais acerca do assunto.

Por fim, em que pese não ser possível precisar, abstratamente, qual a

filiação ideológica dos julgadores a respeito do alcance do ativismo judicial, fato é que

este se fortifica e se consolida por meio do fenômeno da “judicialização da política”. É

o que se pretende abordar nos parágrafos que se seguem.

2.2.2. O fenômeno da judicialização da política pós-Constituição da República de 1988

e seu crescente impacto nos tribunais brasileiros

Tal qual aventado no tópico precedente, o ativismo judicial encontrou

campo profícuo com a judicialização da política. Pode-se dizer, inclusive, que aquele é,

de certa maneira, uma consequência desta.266 No entanto, torna-se imperioso situar este

conceito no contexto político-jurídico brasileiro, de maneira a distinguir adequadamente

ambos os acontecimentos e, num momento posterior, identificar em que proporção

atingem o Poder Judiciário.

É certo que, no período ocorrido após a promulgação da Constituição de

1988, o Brasil assistiu à maximização de garantias nunca antes concedidas à população,

mormente se comparadas aos idos do período ditatorial antes experimentado.267 Não por

acaso, Gisele Cittadino268 observa a relação diretamente proporcional entre a democracia

dos Estados e a consolidação do ativismo judicial.

Consequentemente, viu-se um considerável incremento em relação ao

número de ações judiciais, cujos temas passaram a tratar, para além de assuntos

rotineiros, das questões advindas das outras esferas de Poder. Para Mônia Clarissa

Hennig Leal, o fenômeno da judicialização resulta de um processo histórico comum do

constitucionalismo democrático, alicerçado em “múltiplos fatores, tais como a

centralidade da Constituição e sua força normativa, associada a aspectos como o caráter

266 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da; BARBOSA, Claudia Maria. Op. Cit., p. 127. 267 ARANTES, Rogério Bastos. Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos.

Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 14, n. 39, p. 83-102, fev. 1999. 268 CITTADINO, Gisele. Poder judiciário, ativismo judiciário e democracia. Revista ALCEU, Rio de

Janeiro, v. 5, n. 9, p. 105-113, jul./dez. 2004.

92

principiológico, a supremacia e a dimensão objetiva dos direitos fundamentais (...) que,

somados, conduzem a uma ampliação e a uma transformação da natureza da atuação da

jurisdição constitucional”.269 Ilustrativamente, citam-se os casos de fidelidade partidária,

impeachment presidencial, aborto, políticas afirmativas de cotas em universidades e em

concursos públicos, pesquisas a partir de células-tronco, fornecimento de

medicamentos, dentre outras questões antes reguladas primordialmente pelo Legislativo

e Executivo.270 A tendência, dessa forma, é valer-se o Judiciário de preceitos cada vez

mais abertos e indeterminados constantes da Constituição da República, para o fim de

decidir um amplo rol de assuntos, avocando para si a titularidade de decisões políticas

que antes pertenciam ao Parlamento ou ao governo.271

Ainda que careça de amadurecimento por parte das instituições de poder, a

judicialização da política não deixa de representar um avanço para a sociedade, a qual

se vê capaz de exigir prerrogativas constitucionalmente garantidas pelo Estado,

sepultando um passado autoritário e, com isso, representando o consenso havido para o

estabelecimento de princípios jurídicos universais.272

Assim sendo, estabelecida a relação umbilical entre judicialização da

política e ativismo judicial, traz-se à colação o entendimento manifestado por Luís

Roberto Barroso, o qual aduz que: “A judicialização e o ativismo judicial são primos.

Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as

mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas273”.

A metáfora utilizada pelo jurista citado bem delineia os contornos

imbricados dos institutos em questão. A seu ver, a judicialização deve ser encarada

como uma consequência do arquétipo constitucional escolhido por ocasião da

elaboração da Constituição, em detrimento daqueles que a entendem como um exercício

da vontade política por si só. O ativismo judicial seria, então, uma postura proativa do

magistrado, o qual imbui-se do direito de estender a abrangência e o sentido da norma

constitucional para, ao final, amoldá-la ao caso concreto, em decorrência de um

269 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Corte Interamericana de Direitos Humanos e jurisdição constitucional:

judicialização e ativismo judicial em face da proteção dos direitos humanos e fundamentais? Revista de

Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 1, n. 3, p. 123-140, set./dez. 2014. 270 OLIVEIRA, Heletícia Leão de. Direito fundamental à saúde, ativismo judicial e os impactos no

orçamento público. Curitiba: Juruá, 2015. p. 80. 271 VALLINDER, Torbjörn. When the Courts go marching in. In: C. Neal Tate; Torbjörn Vallinder. (Ed).

The Global Expansion of Judicial Power. Nova York: New York University Press, 1995. p. 13. 272 CITTADINO, Gisele. Op. Cit., p. 110. 273 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização... p. 25.

93

contexto político em que o Legislativo se encontra aquém de suas prerrogativas

institucionais, insulado das demais esferas de poder e da própria sociedade, o que

contribui para o perecimento das reivindicações sociais.274

De todo o exposto, ainda que brevemente, resta evidenciado o verdadeiro

protagonismo judicial em relação à decisão de questões originalmente afetas aos demais

poderes instituídos, seja em razão do aumento exponencial de litígios submetidos ao

crivo do Judiciário a cada ano,275 seja pelo seu papel fundante de intérprete da

Constituição e dos éditos ora em vigor.276

Assim, explicitados os conceitos relacionados ao ativismo judicial (subitem

“2.2.1”), bem como situado seu campo de atuação, por sua vez inserido no tema da

judicialização da política (subitem “2.2.2”), a pesquisa volta-se brevemente ao Direito

Comparado, tão somente com o fito de lançar luzes a um sistema que, não obstante

guarde certa semelhança com o Judiciário brasileiro, enveredou por caminho diferente

do protagonismo judicial experimentado no Brasil, em um processo inverso conhecido

por “desjudicialização”.

Propõe-se, com isso, uma reflexão sobre as peculiaridades ocorridas em

Portugal, as quais poderão, quiçá, servir de balizas para congregar ao menos algumas

ideias gerais relacionadas à resolução extrajudicial de conflitos, redimensionando,

assim, o status do Judiciário brasileiro, cuja proeminência atual se assemelha à teoria

social de Robert Menton,277 revelando-se uma “profecia autorrealizadora”, onde a

pressuposição aparente – e amplamente aceita – de que a prática judicial é o único

espaço privilegiado para a efetivação dos direitos ocasiona desdobramentos reais,

mitigando a legitimidade dos demais Poderes instituídos.278

274 Idem. 275 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Número de processos baixados no Poder Judiciário

cresce pelo 4º ano seguido. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80431-numero-de-

processos-baixados-no-poder-judiciario-cresce-pelo-4-ano-seguido>. Acesso em 13 jul. 2016. 276 BLASI, Vincent. A corte suprema, instrumento de mudança. Revista de Direito Público, São Paulo,

v. 19, n. 79, p. 5-12, jul./set. 1986. 277 MERTON, Robert King. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970. 278 Ibidem, p. 513-531.

94

2.2.3. A desjudicialização ocorrida em Portugal no contexto da Constituição de 1976: o

enfraquecimento do Judiciário em razão da politização da justiça e as medidas

extrajudiciais colocadas em prática

Apesar de o aparato institucional de Brasil e Portugal guardar certa

semelhança entre si, conforme se depreende do sistema judiciário e recursal de ambas as

nações, são nítidas as diferenças entre os Estados, em especial no que concerne ao

agigantamento do Poder Judiciário brasileiro frente à diminuição da influência das

Cortes portuguesas nos assuntos daquela Administração.279

Desde os idos da década de 1960, antes mesmo da promulgação da

Constituição da República Portuguesa (1976), o Estado lusitano, ao tempo em que vivia

a transição de um Estado liberal autoritário para um Estado-providência garantidor de

direitos sociais, por si só mais dispendioso, fora abalado pela crise econômica de

abrangência global decorrente da crise do petróleo.280 Tais fatos contribuíram

sobremaneira para o aumento exponencial da litigiosidade de conflitos para a garantia

de serviços que haviam deixado de ser providos pela Administração Pública.281

Tal incremento no número de casos judicializados ocasionou, por lógica, o

alargamento insustentável do âmbito de atuação do Judiciário português, o qual, em

detrimento da convocação feita pelos jurisdicionados para remediar as faltas de um

Poder Executivo ineficiente, culminou por maximizar a situação caótica que permeava

as ações da Administração Pública e, assim, perpetuar a condição agourenta de não

realização de direitos estabelecida.

Nesse cenário, torna-se importante a constatação de que a ineficiência do

Judiciário refletia, em verdade, problema exógeno e apriorístico, resultante da própria

crise do Estado português como um todo, naquela conjuntura político-econômica

apresentada. Sobre o assunto, Boaventura de Sousa Santos pontua que a crise financeira

de Portugal “se foi manifestando nas mais diversas áreas de actividade estatal e que, por

isso, se repercutiu também na incapacidade do Estado para expandir os serviços de

279 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 215-216. 280 FERREIRA, José Medeiros. História de Portugal: Portugal em transe. Direcção de José Mattoso. v.

8. Lisboa: Editorial Estampa, 1997-2001. p. 114-120. 281 SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. Revista Crítica

de Ciências Sociais, Coimbra, v. 9, n. 21, p. 11-37, nov. 1986.

95

administração da justiça de modo a criar uma oferta de justiça compatível com a procura

entretanto verificada”.282

Denota-se, assim, a necessidade de idear uma nova dinâmica para o

gerenciamento institucional do Poder Judiciário, com a participação conjunta dos

demais Poderes, sob a batuta, porém, do Executivo, tudo para conduzir a uma nova

política organizacional que pudesse atender aos reclamos da população.283 Afinal, o

Judiciário português, ao largo de se tornar parte da solução dos problemas sociais

daquela época por meio da judicialização de direitos, padeceu da pecha de conivente

com a situação inconstitucional de desamparo praticada pelo Executivo, pois a erupção

de processos morosos nos tribunais manifestava, acima de tudo, a incapacidade de a

justiça prover a sociedade em suas necessidades.284

Desse processo dual de visibilidade social e política, em vista de sua

natureza dúplice e antagônica de suposto realizador de direitos e perpetuador de

injustiças, exsurgiram, a partir da década de 1970, estudos voltados à reforma judicial,

cujo foco dividiu-se em três frentes de trabalho: acesso à justiça, administração da

justiça e, por último, mas não menos importante, a desjudicialização.285

Por certo que o debate, em muitos casos conduzido a partir de estudos

desenvolvidos pelo célebre Observatório Permanente da Justiça Portuguesa,286 bem

como pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra,287 não amadureceu

rapidamente, tendo sido gestado durante as décadas de 1970 a 1990, sob um viés

marcadamente teórico, desprovido de dados empíricos aptos a promover mudanças

efetivas no sistema judiciário português.

O fruto das conferências resultou, a priori, em propostas doutrinárias de

menor expressividade, relacionadas a pontos específicos ou limitados a descrever a

(falta de) funcionalidade do sistema. Aqui, podem ser trazidos como exemplos trabalhos

282 Idem. 283 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 216. 284 SANTOS, Boaventura de Sousa. Direito e democracia: a reforma global da justiça. In: PUREZA, José

Manuel; FERREIRA, António Casimiro (Org.). A teia global: movimentos sociais e instituições. Porto:

Edições Afrontamento, 2002. p. 125-176. 285 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 217. 286 UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Disponível

em: <http://opj.ces.uc.pt/site/>. Acesso em 18 jul. 2016. 287 UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/>. Acesso em 18 jul. 2016.

96

que ilustram a metodologia fiscalizatória aplicada ao Judiciário e a infraestrutura do

Ministério Público.288

Não obstante, após perscrutar o intento dos pesquisadores do fenômeno da

judicialização dos conflitos, a hipótese aventada pelos estudiosos portugueses é de que o

debate se bifurcou em dois caminhos: um relacionado à efetivação dos direitos por

parte da sociedade civil, outro focado na relação do Judiciário para com os demais

Poderes.289

Acerca da realização de direitos sociais previstos no ordenamento jurídico,

pesquisas realizadas têm por escopo evidenciar a disparidade entre a previsão normativa

inserida no diploma constitucional e as práticas efetivamente conduzidas pela

Administração Pública para sua concretização.

Em suma, o resultado obtido com os trabalhos pôde servir de fundamento

para conclusão no sentido de que a ampla gama de direitos garantidos pela concepção

social do Estado português pós-Constituição de 1976 deu azo à edição de diversas

legislações infraconstitucionais, cujo intento era o de harmonizar interesses de

categorias ativas politicamente, a exemplo da classe dos trabalhadores e a classe média,

preocupada com a segurança e a preservação da qualidade de vida. Mas, frise-se, a

opinião dos juristas capitaneados por Boaventura de Sousa Santos é no sentido de que,

ainda que equalizado o ordenamento, este tão somente estaria a “igualizar os

mecanismos de reprodução da desigualdade”, já que a “desigualdade da protecção dos

interesses sociais dos diferentes grupos sociais está cristalizada no próprio direitos

substantivo”. 290

A maximização da atividade legiferante em Portugal, portanto, é entendida

como uma medida inócua em muitos casos, sendo considerada despicienda e carente de

efeito concretizador. Nem mesmo alguns excertos da Constituição portuguesa

escaparam da análise cética de Boaventura de Sousa Santos, o qual a considera, em

muitos casos, letra morta, ao lado de alguns diplomas erigidos com a novel legislação

ordinária garantista. O autor arremeda ainda o seguinte pensamento: “Pode mesmo

avançar-se como hipótese de lei sociológica que quanto mais caracterizadamente uma

288 DIAS, João Paulo; ALMEIDA, Jorge. A influência das condições organizativas para a independência

do poder judicial em Portugal. Oficina do CES, Lisboa, v. 20, n. 281, p. 1-31, ago. 2007. Disponível em:

<http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/index.php>. Acesso em: 18 jul. 2016. 289 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 218. 290 SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução... p. 29.

97

lei protege os interesses populares e emergentes maior é a probabilidade de que ela não

seja aplicada”.291

Na relação do Poder Judiciário com os demais ramos do Poder, por outro

lado, reside a principal dessemelhança do contexto português para o brasileiro: enquanto

neste há constante debate sobre a possibilidade de judicialização de cada vez mais

direitos havidos das relações sociais, quiçá em decorrência da liberdade sistêmica

conferida aos magistrados em geral pelo presidencialismo de coalização,292 o governo

parlamentarista lusitano conseguiu mitigar a influência do Poder Judiciário, em vista da

atuação concentrada do Executivo e Legislativo nas questões políticas.293

O empoderamento do Judiciário, a partir da década de 1970, ocorreu

justamente em razão da proliferação de direitos sociais em detrimento da pujança

econômica suficiente para abarcar tais avanços. Chamado a dirimir conflitos de ordem

social e econômica, foi possível observar uma espécie de transferência de legitimidade

oriunda dos demais Poderes, desgastados pelo próprio sistema, para o Judiciário, tido

como um protagonista acidental que, com o passar do tempo, viu-se imbuído de

legitimidade para imiscuir-se em questões tradicionalmente afetas à discricionariedade

estatal, fiscalizando os atos de governo.294

Isso se deve, inclusive, à diminuição da confiança depositada nos membros

do Executivo e Legislativo, os quais marcadamente detêm como característica a adoção

de “estratégias eleitoralistas de curto prazo em detrimento de políticas coerentes de

médio e longo prazo, dada a dependência de resultados eleitorais e a dificuldade de

conceptualização de alternativas aos actuais modelos de governação”.295

Porém, a delegação da condição de responsável pelo bem-estar dos que

tinham efetivo acesso à justiça causou desconforto aos representantes dos outros

Poderes, já que o espaço judicial tornou-se uma conveniente maneira de reivindicação

291 Idem. 292 Sobre o assunto, importantes considerações foram tecidas sobre a suposta independência do Judiciário

em relação ao Executivo brasileiro em: ARAÚJO, Mateus Morais. O poder judiciário no

presidencialismo de coalizão: introdução para uma análise institucional do poder judiciário no Brasil.

Belo Horizonte, 2012. 133 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política,

Universidade Federal de Minas Gerais. p. 58-60. 293 DIAS, João Paulo. As faces ocultas dos “poderes” dos magistrados: práticas, corporativismos e

resistências. Oficina do CES, Lisboa, v. 17, n. 215, p. 1-15, out. 2004. Disponível em:

<http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/index.php>. Acesso em: 18 jul. 2016. 294 DIAS, João Paulo. Op. Cit., p. 3. 295 DIAS, João Paulo; ALMEIDA, Jorge. Op. Cit., p. 4.

98

política.296 Felipe Dutra Asensi bem descreve a ruptura havida entre os Poderes

instituídos em Portugal, quando assevera que teve como resultado “um verdadeiro

‘abalo’ na relação entre os três Poderes, sobretudo quando se considera que, em

Portugal, vige o sistema parlamentarista”.297

Ato contínuo, o que houve então foi uma reação institucional por parte dos

Poderes Executivo e Legislativo, os quais intentaram medidas de cunho legal para

enfraquecer o protagonismo judicial português, reduzindo seu campo de ação. Assim

sendo, a “Direcção-Geral de Administração da Justiça”298 e o “Gabinete de Resolução

Alternativa de Conflitos”299 são exemplos do esforço realizado pelo Parlamento

português para refrear decisões judiciais que interfiram no âmbito político, seja através

da concessão de dada prestação de saúde ou pelo uso político das Cortes para prejudicar

adversários políticos.300

João Paulo Dias ressalta que a série de reformas introduzidas no âmbito

judicial “têm reduzido o papel dos magistrados de julgar e interpretar as leis, salvo

algumas excepções, a meros aplicadores da legislação, retirando-lhes a criatividade e a

autonomia”.301 Dessa forma, a defasagem remuneratória dos que pretendem seguir na

magistratura; a cumplicidade e complementaridade do Ministério Público em relação ao

Judiciário português que serve de barganha política por vantagens; a influência da mídia

que induz à prolação de decisões causadoras de desprestígio entre os políticos; estes são

alguns fatores que reforçam o argumento no sentido de que, “quanto mais próximo da

política e das questões políticas, mais distante o Judiciário português tornou-se da

sociedade, ou melhor, da sociedade-providência”,302 sendo a falta de acesso à justiça

pelo custo elevado, inclusive, uma característica marcante da celeuma enfrentada pela

sociedade portuguesa.303

296 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 219. 297 Idem. 298 PORTUGAL. Ministério da Justiça: Direção-Geral da Administração da Justiça. Disponível em:

<http://www.dgaj.mj.pt/DGAJ/sections/home>. Acesso em: 18 jul. 2016. 299 PORTUGAL. Ministério da Justiça: Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios. Disponível em:

<http://www.dgpj.mj.pt/sections/gral>. Acesso em: 18 jul. 2016. 300 SANTOS, Boaventura de Sousa. A judicialização da política. Disponível em:

<http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/078.php>. Acesso em: 18 jul. 2016. 301 DIAS, João Paulo. Op. Cit., p. 4. 302 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 220-226. 303 “A crise é exactamente definida à luz daquilo que chega aos tribunais. Eu penso que neste momento a

crise mais importante do sistema judiciário, é o que não chega aos tribunais, é o que lá não está e,

portanto, temos que fazer aqui, aquilo que costumo designar por uma sociologia das ausências, isto é,

aquilo que o sistema judiciário não trata.” (SANTOS, Boaventura de Sousa. A crise (interna ou externa)

99

Ademais disso, novos instrumentos foram desenvolvidos para sedimentar a

desjudicialização, relacionados ao fortalecimento da atuação extrajudicial, os quais

demonstram algum valor. Centros de arbitragem e mediação, delegação de função

jurisdicional a cartorários para divórcio consensual (também adotado no Brasil – art.

733 do Código de Processo Civil304), os “julgados de paz”,305 são alguns dos exemplos

empregados. Há também as interessantes figuras do “solicitador de execução” e do

“agente de execução”, verdadeiros facilitadores de negócios jurídicos e execuções

extrajudiciais, tudo com vistas ao emprego de celeridade aos feitos de suas

competências.306

Com efeito, é mister destacar a louvável iniciativa portuguesa de

implementar um novo modelo de administração da justiça. A partir do desenvolvimento

de um sistema integrado de resolução de conflitos, Portugal prestigia o pluralismo

jurídico e judicial, apresentando metodologias que, apesar de não se constituírem o foco

central da pesquisa, são dignos de menção por se coadunar, ainda que brevemente, com

as tentativas brasileiras de aperfeiçoamento do sistema.

Facultando ao jurisdicionado valer-se alternativamente entre as opções de

resolução judicial ou extrajudicial, conforme o caso concreto, é concebido um novo

modelo de justiça, legitimado pelas partes envolvidas, o que garante o bom

funcionamento das engrenagens da sociedade. Da maneira como fora estruturado o

modelo de resolução de litígios português, é possível compor as alternativas

pacificadoras de conduta sob a forma de uma pirâmide, a qual possui, “na base, os

mecanismos de autocomposição, no seu vértice, os tribunais e na zona intermédia a

panóplia de meios de RAL[307] que o Estado e a sociedade conseguem gerar”.308 Eis o

diagrama, extraído do trabalho de João Pedroso:309-310

dos tribunais? Disponível em: <http://www.ces.pt/download/580/ColJusticaPort.pdf>. Acesso em: 18

jul. 2016. 304 “Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não

havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por

escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.” (BRASIL. Lei n. 13.105, de

16 de março 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-

2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 18 jul. 2016.) 305 Os “Julgados de Paz” são órgãos de atuação similares aos Juizados Especiais brasileiros, cf.

PORTUGAL. Ministério da Justiça: como funcionam os Julgados de Paz? Disponível em:

<http://www.dgpj.mj.pt/sections/gral/julgados-de-paz/anexos-julgados-paz/como-funcionam-os/>.

Acesso em: 18 jul. 2016. 306 PORTUGAL. Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Disponível em:

<http://osae.pt>. Acesso em: 18 jul. 2016. 307 Resolução Alternativa de Litígios.

100

Diferentemente da estrutura judicial portuguesa acima retratada, Felipe

Asensi assinala que, no Brasil, o lugar ocupado pelo Judiciário seria a base da pirâmide,

em vista da tradição de inafastabilidade de acesso à justiça consagrado na

Constituição.311

De todo o exposto, é possível observar que, em verdade, o tratamento

conferido ao Poder Judiciário de Portugal ocorreu em sentido diametralmente oposto ao

horizonte brasileiro. Enquanto no Brasil o Poder Judiciário sofreu um sistemático

agigantamento do número de áreas em que intervém (até os dias atuais, diga-se), em

Portugal, o fenômeno deu-se contrario sensu. Fato é que, sabidamente, o Judiciário

possui sua gênese na formação do próprio Estado, de maneira que, não obstante seus

misteres institucionais corretamente apregoarem independência absoluta em seus atos

308 PEDROSO, João. Percurso(s) da(s) reforma(s) da administração da justiça: uma nova relação entre o

judicial e o não judicial. Oficina do CES, Lisboa, v. 15, n. 171, p. 1-43, abr. 2002. Disponível em:

<http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/index.php>. Acesso em: 18 jul. 2016. 309 Idem. 310 Para melhor compreensão dos institutos mencionados no diagrama transposto, recomenda-se a leitura

do artigo científico de João Pedroso, mencionado nas duas notas de rodapé antecedentes. 311 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 234.

101

decisórios, seus recursos advêm dos demais Poderes, pelo que necessariamente incidem,

ainda que obliquamente, questões políticas que podem profanar a atitude jurisdicional.312

Nessa senda, é possível concluir que, na mesma via por onde trafega a

judicialização da política, há, em sentido contrário, a politização da justiça. É dizer:

quando o Judiciário, em sua atuação cotidiana, afeta de alguma maneira as relações

havidas entre agentes políticos (v. g. questões partidárias relacionadas à conquista do

poder submetidas ao crivo do Judiciário) ou entre estes e o ordenamento vigente (v. g.

investigações por corrupção), experimenta uma situação de stress institucional, em que

é desafiado a manter sua credibilidade por meio de decisões imparciais e indiferentes às

tentativas de pressão ou manipulação.313

Constata-se a politização da justiça em Portugal, inclusive, a partir das

manobras engendradas pelos Poderes Executivo e Legislativo, tendentes a minimizar a

independência conquistada pelo Judiciário no decorrer de décadas passadas,314 sem

olvidar do jogo midiático direcionado à desestabilização do próprio due process of Law

e a prolação de decisões apressadas,315 com o fito nefasto de anunciar a imprestabilidade

do Poder Judiciário.316

A despeito da similitude de algumas das medidas já consagradas no

ordenamento jurídico, constata-se que o Poder Judiciário brasileiro dispõe de

incomensurável independência institucional quando comparado com o sistema

português, inclusive com a garantia de autonomia financeira. Os repasses

constitucionais, por sua vez inexistentes no arcabouço jurídico de Portugal,317 além da

total independência funcional do Ministério Público, servem para ilustrar o avanço do

Brasil frente a Portugal.

No entanto, não se olvide que os avanços conquistados em solo brasileiro

devem estar sob vigilância perene, a fim de que não sejam esboçadas quaisquer

312 DIAS, João Paulo; ALMEIDA, Jorge. Op. Cit., p. 4. 313 SANTOS, Boaventura de Sousa. A judicialização... Op. Cit., p. 1. 314 ASENSI, Felipe Dutra. Direito..., p. 221. 315 SANTOS, Boaventura de Sousa. A judicialização... Op. Cit., p. 1. 316 SUANNES, Adauto. Judicialização da política e politização da justiça. Disponível em:

<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI2009,51045-Judicializacao+da+politica+e+politizacao+da+

justica>. Acesso em: 18 jul. 2016. 317 THE UNITED NATIONS OFFICE AT GENEVA. Portugal must ensure justice is accessible to all,

united nations rights expert warns. Disponível em:

<http://www.unog.ch/80256EDD006B9C2E/(httpNewsByYear_en)/62C7541C95F17C34C1257DE10050

859A?OpenDocument>. Acesso em: 18 jul. 2016.

102

tentativas de tolhimento das garantias constitucionalmente estabelecidas em 1988 pelos

demais Poderes estatais.

Embora a preocupação exprimida no presente trabalho seja, dentre outras, a

de propugnar por uma atividade jurisdicional calcada em critérios mais robustos,

determinada a identificar o mínimo existencial das pretensões de saúde judicializadas

após o emprego de técnicas doutrinárias e periciais e, quando possível, racionalizar as

demandas repetitivas por meio de decisões proferidas em ações coletivas (ideias

desenvolvidas no capítulo 3), ratifica-se vigorosamente o posicionamento em prol da

absoluta soberania do Judiciário, tomando-se por base experiências como a até aqui

retratada, das quais é possível inferir que, apesar das mazelas do sistema judicial

brasileiro, está-se em um bom caminho, que pode apenas ser incrementado com

algumas das boas técnicas de resolução extrajudicial implementadas em solo lusitano.

103

CAPÍTULO 3 – TUTELA JUDICIAL DO DIREITO À SAÚDE MEDIANTE O

FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO

Investigado o caminho percorrido pela Administração Pública para a criação

e manutenção da política de medicamentos de alto custo, o enfoque do terceiro capítulo

é o de fornecer um retrato do direito à saúde sob a perspectiva do Poder Judiciário, com

ênfase em aspectos processuais que podem influenciar decisivamente a capacidade

estatal de atendimento das demandas de saúde vindouras.

Por fim, não se furta ao dever de colaborar para a progressiva racionalização

das ações que tratam dos medicamentos excepcionais, propondo-se sugestões de cunho

processual aptas a cooperar para um cenário mais justo de efetivação do direito

fundamental à saúde.

3.1. Panorama geral do tratamento conferido ao direito à saúde para a obtenção de

medicamentos excepcionais pela via do Judiciário

O capítulo final, reservado ao estudo do modo como o direito à saúde a

medicamentos excepcionais é tratado na esfera judicial, principia (3.1.1) com a

explicitação de alguns argumentos atualmente lançados por magistrados em todo o país

para justificar a concessão de determinados fármacos não previstos em Protocolos

Clínicos, o que revela o ativismo judicial já abordado no capítulo precedente.

Em item subsequente (3.1.2), a pesquisa examina importante caso ainda

pendente de análise definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, o Recurso

Extraordinário n. 566.471/RN, cuja repercussão geral fora reconhecida em relação à

“obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamentos de alto custo”, discorrendo

sobre suas peculiaridades e possíveis cenários para a saúde coletiva.

O terceiro ponto (3.1.3), por sua vez, é o responsável por estudar a teoria da

“reserva do possível” e demonstrar sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro,

recorrendo à sua origem estrangeira para identificar o contexto de sua utilização

originária, bem como sua condição atual de antagonista ao “mínimo existencial”.

104

3.1.1. (A falta de) Parâmetros estabelecidos pelo Judiciário na concessão de

medicamentos de alto custo

Fruto de profícua e intensa produção acadêmica e jurisprudencial, o tema do

tratamento judicial conferido ao direito à saúde para o fornecimento de medicamentos

de alto custo ganha status de discussão perene, que se faz sempre presente no seio de

discussões contemporâneas no âmbito do Direito Constitucional, Administrativo, ou

mesmo de outras searas, a exemplo da sociologia e economia.

Inicialmente, convém sinalar dado facilmente aferível pelas consultas de

jurisprudência, consistente no fato de que, da ampla gama de decisões proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal e demais Cortes de Justiça, a intervenção do Poder Judiciário

dá-se preponderantemente em sede de ações individuais que objetivam o mero

cumprimento das políticas públicas de saúde previamente estabelecidas.318 Com isso,

conclui-se que, aos demais Poderes da República, não foram lançados quaisquer

ditames que impusessem deveres relacionados à criação de novas alternativas ou

otimização de rotinas públicas já existentes, o que culmina por não estimular o

desenvolvimento da situação experimentada na saúde.319

Efetuada a primeira digressão, a qual deixa transparecer certa falta de

assertividade no que concerne à necessidade de diálogo entre os Poderes estabelecidos,

traz-se à colação o estado da arte do direito à saúde para o fornecimento de

medicamentos de alto custo nos tribunais pátrios.

Os estudos empíricos realizados no país, muitos deles pontuais, são

ilustrados pelo já mencionado trabalho de Luzardo Faria,320 sem olvidar de pesquisa

levada a efeito por Daniel Wei Wang321 no Município de São Paulo e de levantamentos

realizados pelo próprio Conselho Nacional de Justiça – CNJ,322 demonstram o impacto

318 Sobre o assunto, cf. FARIA, Luzardo. Da judicialização dos direitos sociais à necessidade de respeito

administrativo aos precedentes judiciais: uma análise empírica da jurisprudência do TRF4 sobre direito à

saúde. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 341-366, dec. 2014. 319 ANDRADE, Ricardo Barretto. Op. Cit., p. 106-107. 320 FARIA, Luzardo. Op. Cit., p. 341-366. 321 WANG, Daniel Wei L. et al. Os impactos da judicialização da saúde no município de São Paulo: gasto

público e organização federativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 5, p.

1191-1206, Oct. 2014. 322 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Judicialização da saúde no Brasil: dados e experiências.

Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/6781486daef02bc6ec8c

1e491a565006.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2016.

105

descomunal da judicialização da saúde no orçamento público de todos os entes da

Federação.

E, para além de evidenciar o aumento da procura do Judiciário para a

resolução de políticas públicas incompletas, os dados apresentados quase sempre

revelam uma tendência, de certa forma, “benevolente” por parte das Cortes de Justiça,

as quais praticamente pacificaram a questão da possibilidade de recebimento de

medicamentos de todo gênero, da atenção básica ao componente especializado da

assistência farmacêutica, onde se situam os medicamentos de alto custo.

Dessa forma, são reunidos no presente item os argumentos comumente

utilizados pela Justiça para rechaçar – ainda que apressadamente, por vezes – as

justificativas estatais relacionadas à impossibilidade de arcar com os custos de dada

medicação excepcional, pela ausência de previsão nos Protocolos Clínicos e Diretrizes

Terapêuticas – PCDT’s, inexistência de comprovação de eficácia ou mesmo de registro

dos fármacos pleiteados na ANVISA, existência de medicamentos outros capazes de

atender adequadamente à enfermidade, não comprovação de ineficiência da medicação

constante da política pública SUS, insubmissão do paciente ao médico público, dentre

outras construções teóricas.

Assim sendo, tendo em vista que o objetivo, por ora, é o de demonstrar a

postura proativa que predomina nos tribunais, os argumentos desenvolvidos pelo

judiciário podem ser sistematizados no seguinte rol exemplificativo: (i) Competência

solidária dos entes federativos; (ii) Concepção vaga e alargada do mínimo existencial e

da dignidade humana; (iii) presunção juris et de jure do laudo médico individual que

acompanha a petição inicial; (iv) preferência pela realização de microjustiça; (v)

inaplicabilidade absoluta da teoria da reserva do possível; e (vi) possibilidade de

prescrição por profissional médico não inscrito nos quadros do SUS.

Para efeitos metodológicos, diga-se que a compilação realizada tomou por

base os julgados emblemáticos levados ao cabo pelo Supremo Tribunal Federal,

conforme exposto no item inaugural da pesquisa, além de posicionamentos consagrados

pelas Câmaras de Direito Público (4ª e 5ª Câmaras Cíveis) do Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná, robustecidos por decisões provenientes do Superior Tribunal de

Justiça e diversas outras Cortes de Justiça do país, todas referenciadas em momento

oportuno, por ocasião da pormenorização dos itens elencados.

106

Por conseguinte, passa-se, sem delongas, a uma breve especificação de cada

uma das premissas usualmente empregadas pelo Poder Judiciário.

(i) Competência solidária dos entes federativos:323 talvez o argumento mais

comumente utilizado pelo Judiciário para justificar a possibilidade de se demandar

qualquer dos entes políticos do Estado – União, Estados e Municípios – para pleito

relacionado à dispensação de medicamento de alto custo.324 Seus efeitos deletérios para

a consistência e eficiência do SUS, aliado à formulação de um contraponto, já foram

objeto de estudo em momento precedente (subitem “1.2.2”).

Considerando que, no decorrer da pesquisa, várias foram as digressões

acerca da solidariedade reconhecida para os três entes da Federação, em especial

aquelas relacionadas à necessidade premente de observância da competência

administrativa outorgada a cada um deles isoladamente (item “1.2.2”) e o contributo no

sentido de que deve haver deslocamento da judicialização para a Justiça Federal (item

“3.2.2”) deixa-se de teorizar novamente a questão, fazendo-se necessário apenas tecer

breves comentários sobre a tendência jurisprudencial concessiva hoje dominante no

ordenamento pátrio.

A faculdade de litigar despreocupadamente contra uma ou outra entidade

estatal, de forma isolada ou em litisconsórcio facultativo, no âmbito da justiça estadual

ou federal, no primeiro ou no segundo grau da jurisdição, foi construída a partir de um

processo hermenêutico peculiar, de viés supostamente teleológico, possivelmente a

partir do teor do artigo 198 da Constituição da República, já exaustivamente transcrito

em outras passagens, o qual proclama a matriz constitucional da descentralização, já

minudenciada no curso da pesquisa expendida.325

Entende o Judiciário que, devido ao SUS ser financiado por recursos

advindos dos três entes federativos, os quais, em conjunto, concebem o orçamento da

seguridade social – saúde, previdência e assistência social – o dever de assistência à

saúde pode ser exercido de forma “genérica”, como se se tratassem tão somente de três

323 O quesito enunciado compõe um dos vértices de sustentam a proposição desenvolvida no item “3.2.2”

do trabalho, com o fito de proporcionar efetividade às demandas de medicamentos excepcionais e

diminuir a judicialização. 324 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº 797349/SC. Primeira Turma. Relatora

Min. Cármen Lúcia. Julgado em 26.04.2011; 325 A descentralização enquanto baliza constitucional do SUS foi averiguada no item “1.1.3” da presente

pesquisa.

107

“portas de entrada” que conduzem ao mesmo lugar, as quais aguardam pacientemente

pela passagem do cidadão, conforme sua vontade e conveniência.

Tal pensamento encerra interpretação no mínimo apressada, já que

evidencia certa dose de descaso para com a organização político-administrativa do

Estado por meio de um falso silogismo: em um primeiro momento, elege-se o direito

fundamental à vida como premissa maior para, depois, descredibilizar o conteúdo de

toda e qualquer norma jurídica, de gênese constitucional ou não, que objetive

racionalizar, disciplinar o acesso, garantir os primados – igualmente constitucionais,

diga-se – da universalização e da isonomia, tomando isso como premissa menor. Afinal,

sustentam os defensores dessa posição que não há postulado maior que o direito à

vida.326

Posta a situação nestes termos, outra conclusão não há, que não o

esvaziamento da necessidade de observância de políticas públicas, das divisões

necessárias para o funcionamento do sistema coletivo de saúde e, por que não, do direito

daqueles não abrangidos pela pequena parcela da população privilegiada que se socorre

do Poder Judiciário,327 ao passo que camadas menos favorecidas padecem por falta de

medicamentos da atenção básica,328 de saneamento básico,329 cuidados facilmente

remediáveis a partir de decisões jurídicas frutos de detida ponderação, que abandonam a

“zona de conforto” da determinação de concessão irrestrita de medicamentos para se

imbuírem da salutar missão de perscrutar a eficiência e a efetividade das políticas

públicas existentes, em decisões capazes de abranger um sem-número de pessoas em

sede de ações coletivas.330

Em última análise, a decisão de conceder ou não medicamento de custo

considerável para o sistema de saúde sopesa, em verdade, desdobramentos específicos

do direito à vida, o qual, por sua vez, sempre está situado na posição mais elementar do

catálogo de direitos constitucionais. Isso implica dizer: entendem os defensores dessa

ideia que todos os direitos, de índole fundamental, social, civil, remontam à ideia de

preservação, respeito ou consagração da vida.

326 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível nº 1482548-6. 4ª Câmara Cível.

Relator Rafael Marins Schwartz. Unânime. Julgado em 05.07.2016. 327 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia..., p. 323-324. 328 Idem. 329 LAHOZ, Rodrigo Augusto Lazzari. Op. Cit., p. 37-43. 330 O que será desenvolvido por ocasião do item “3.2.3” da pesquisa.

108

Por isso, a justificativa apresentada em muitos julgados, no sentido de que a

decisão que atende um indivíduo específico, com base em apenas um laudo médico

particular, sem relatórios específicos, tampouco submetido a junta médica ou ampla

dilação probatória, não impacta no orçamento e garante o “direito à vida”, pouco

importando qual o ente federativo responsável,331 não se sustenta.

A incidência da teorização proposta por Alexy, já estudada anteriormente,332

deve considerar para sopesamento, de um lado, o direito fundamental à assistência

farmacêutica versus o princípio da descentralização político-administrativa e da

integralidade de atendimento, entre outros princípios, o que obrigatoriamente agrega

complexidade e atrai institutos jurídicos que visem ao esclarecimento do caso concreto.

Por último, uma nota importante sobre a ausência de previsão expressa de

solidariedade para as prestações de saúde. Tal instituto jurídico conta com noção

conceitual prescrita no artigo 264 do Código Civil.333 Entretanto, ainda que se destine a

tutelar de relações de direito privado, o artigo 265 é claro ao prelecionar que “A

solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.

Nesse contexto, com muito mais razão a solidariedade não deve ser

livremente transposta para o âmbito do Direito Público, em que vige o rigor do princípio

da legalidade estrita,334 segundo o qual à Administração somente é lícito fazer aquilo

que a lei permite.

Entretanto, apesar das críticas apresentadas, a solidariedade entre os entes

políticos para a dispensação de fármacos excepcionais tem sido sistematicamente

reconhecida pelos tribunais pátrios, o que contribui, de certa forma, para o colapso do

SUS.335

331 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Agravo de Instrumento nº 1363374-2. 4ª Câmara

Cível. Relatora Des. Lélia Samardã Giacomet. Unânime. Julgado em 21.07.2015. 332 V. item “1.1.2” da pesquisa. 333 “Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um

devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.” (BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de

2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 30 jul.

2016.). 334 “Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-

somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. (...) a função administrativa se subordina à legislativa

não apenas porque a lei pode estabelecer proibições e vedações à Administração, mas também porque

esta só pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriza.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de.

Curso..., p. 101.) 335 Sobre o assunto, destaque-se que, recentemente, o STF reafirmou sua jurisprudência em sede de

repercussão geral, cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 855.178/PE.

Tribunal Pleno. Relator Min. Luiz Fux. Maioria. Julgado em 05.03.2015.

109

(ii) Concepção vaga e alargada do mínimo existencial e da dignidade

humana:336 não obstante o Judiciário empregue cotidianamente diferentes expressões

para aludir ao “mínimo existencial”, o instituto é, em verdade, utilizado como um

verdadeiro “argumento-coringa”337 para embasar o deferimento de pedidos de

medicamentos excepcionais e prestações de saúde de todo gênero, ampliando

significativamente a noção de direito à saúde.338

Isso porque, em sentido diametralmente oposto à necessidade inafastável de

se perquirir o sentido do mínimo exigível do Estado e se este abrange determinado caso

concreto, magistrados invocam a expressão sem, contudo, empreender a subsunção fato-

norma,339 contribuindo para o estabelecimento de um vazio dogmático a respeito do

conceito de mínimo existencial.

É o caso, v. g., do enunciado n. 29 das Câmaras de Direito Público (4ª e 5ª

Câmaras Cíveis) do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná,340 formado após

deliberação da Seção Cível da Corte, cujo mandamento bem representa a inexistência de

aprofundamento teórico sobre qual o real alcance do instituto em questão, limitando-se

unicamente a ter o mínimo existencial como um núcleo intangível para a aplicação da

teoria da reserva do possível, sem, contudo, especificá-lo.

No entanto, ao deixar de conceituar o instituto e arbitrar critérios – objetivos

ou subjetivos – para a sua aferição, o Judiciário se aproxima daquilo que Canotilho

denominou de “metodologia fuzzy”,341 ou seja, a decisão é marcada por vagueza e

indeterminismo das definições empregadas nas decisões, sendo possível encaixá-los em

qualquer tipo de deliberação do Juízo.

O problema surgido com a falta de especificidade traz sérias consequências

para a judicialização da saúde. É que, não identificado o mínimo existencial no caso

concreto, a tendência jurisprudencial é evoluir perigosamente rumo a um horizonte cada

336 O quesito enunciado foi objeto de análise crítica por ocasião do item “1.1.2” do presente trabalho. 337 PIVETTA, Saulo Lindorfer. Op. Cit., p. 78. 338 LIMA, Fernando Rister de Sousa. Saúde e Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2015. p. 100-

101. 339 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 148863-9/SE, 2ª Turma, Relator Herman

Benjamin. Unânime. Julgado em 20.11.2014. 340 “Enunciado n. 29. A teoria da reserva do possível não prevalece em relação ao direito à vida, à

dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial, não constituindo óbice para que o Poder Judiciário

determine ao ente político o fornecimento gratuito de medicamentos.” 341 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Metodologia Fuzzy e Camaleões normativos na problemática

atual dos direitos econômicos, sociais e culturais. In: _____. Estudos Sobre Direitos Fundamentais. 2.

ed. Coimbra: Almedina, 2008.

110

vez mais abrangente, em que absolutamente todas as pretensões de saúde estariam

contempladas pelo instituto e, por isso, não poderiam ser negadas aos postulantes,

ocasionando, sem exageros, a implosão do sistema público de saúde, já engessado e

cambaleante nos dias atuais.

Enfim, o atual uso retórico da expressão “mínimo existencial” deve ser

substituído pelo estabelecimento de critérios objetivos e universais, capazes de bem

subsidiar o posicionamento do Judiciário nos casos em que, após análise detida e ampla

dilação probatória, amolda-se (ou não) dada pretensão àquele mínimo.342

(iii) presunção juris et de jure do laudo médico individual que acompanha a

petição inicial: outra postura rotineira constatada do órgão jurisdicional está relacionada

ao aceite irrestrito de laudos médicos que atestam, em muitos casos, de maneira sucinta

e desprovida de documentos comprobatórios das informações, a necessidade de

determinado medicamento de alto custo.343

Neste ponto, cabe apenas o relato de tal prática, assentida pelo Poder

Judiciário sem maior reflexão, a qual pode ocasionar dispêndio desnecessário pelo

Poder Público diante de laudo inconsistente ou desatualizado, sem olvidar da nefasta

possibilidade de fraude344 para obtenção de fármacos onerosos de maneira gratuita para

posterior revenda no mercado ilegal.345

Por ocasião do item “2.1.1” do presente trabalho, foi dissecada a Política

Nacional de Medicamentos desenvolvida pelo Governo Federal, consistente em uma

miríade de procedimentos tendentes à incorporação contínua de novas drogas nas

listagens representadas pela RENAME e pelos PCDT’s para posterior dispensação aos

pacientes enfermos. Sabe-se que o processo de estudo, avaliação, aquisição e

342 SARLET, Ingo Wolfgang; ZOCKUN, Carolina Zancaner. Notas sobre o mínimo existencial e sua

interpretação pelo STF no âmbito do controle judicial das políticas públicas com base nos direitos sociais.

Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 115-141, mai./ago. 2016. DOI:

http://dx.doi.org/10.5380/rinc.v3i2.46594. 343 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1489209-

2. 4ª Câmara Cível. Relator Des. Rogério Ribas. Unânime. Julgado em 03.05.2016. 344 CORDEIRO, Quirino; MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Falseamento de diagnóstico médico para

que paciente obtenha medicação de alto custo pelo SUS. Psychiatry on line Brasil, v. 19, n. 11, nov.

2014. 345 SEGATTO, Cristiane. “Não suspeitei de fraude. Penso no lado humano”, diz juiz sobre caso de

falsos doentes. Disponível em: <http://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/06/nao-suspeitei-de-fraude-

penso-no-lado-humano-diz-juiz-sobre-caso-de-falsos-doentes.html>. Acesso em: 31 jul. 2016.

111

dispensação de medicamentos especiais necessita de montantes superiores à casa do

bilhão de reais.346

De outro lado, Tribunais em todo o país aceitam com tranquilidade que

pretensões individuais de medicamentos caros sejam apoiadas em simples requisição

subscrita por médico que vai de encontro com a política pública consolidada por meio

de estudos técnicos cada vez mais sintonizados com os avanços da medicina – caso da

Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias – CONITEC. Em muitos casos,

diga-se, o juiz profere decisão sem sequer determinar a realização de instrução

probatória – perícia, complementação documental por relatório médico detalhado, etc. –

em sede de mandado de segurança ou ação submetida a rito processual mais célere.

Tal postura incauta, embora contumaz no âmbito jurisdicional, culmina por

fragilizar deveras as políticas públicas de saúde. Como forma de combater a prolação de

decisões precipitadas, lastreadas em um único indício documental, o item “3.2.1”

contém proposição no sentido de se evitar a via mandamental para a satisfação de

direito a medicamento de alto custo, justamente para subsidiar adequadamente a

comprovação da necessidade do fármaco pretendido.

Por ora, pretende-se apenas deixar evidenciada a rotina das decisões

judiciais quanto à aceitação de documento médico por vezes singelo e incapaz de

demonstrar, exaustivamente, a necessidade de dado fármaco oneroso e diverso dos

previstos no extenso catálogo dos PCDT’s.

(iv) preferência pela realização de microjustiça: objeto de estudos

específicos,347 a postura da magistratura tem se inclinado à realização da microjustiça,

em razão de uma série de fatores que tornam a decisão concessiva de medicamentos

excepcionais mais “aceitável” e mesmo “humana”.348

346 BRASIL. Ministério da Saúde. Componente Especializado da Assistência Farmacêutica: inovação

para a garantia do acesso a medicamentos no SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. p. 21. Disponível

em: <http://www.farmacia.pe.gov.br/sites/farmacia.saude.pe.gov.br/files/componente_especializado_da_

assistencia_farmaceutica.pdf>. Acesso em 31 jul. 2016. 347 Cf. MOTTA, Carolina Elisabete P. M. de Senna; Sonagli, Joseliane. A liberação de medicamentos em

demandas judiciais às custas do sistema único de saúde e o lobby da indústria farmacêutica. Revista da

AJURIS, Porto Alegre, v. 42, n. 137, p. 115-140, mar. 2015; FARIA, Luzardo. Op. Cit., p. 347. 348 Ana Paula de Barcellos bem discorre sobre a dificuldade de o magistrado aplicar, com imparcialidade,

todo o arcabouço normativo pertinente em ações de saúde, in verbis: “A primeira dificuldade diz respeito

à atuação do juiz e a suas impressões psicológicas e sociais, que não podem ser desconsideradas. Um

doente com rosto, identidade, presença física e história pessoal (...) é percebido de forma inteiramente

diversa da abstração etérea do orçamento e das necessidades do restante da população (...)”

(BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia..., p. 322.)

112

Por vezes aplicada sob a égide do princípio da proporcionalidade, a

principal motivação para o deferimento de prestações individuais, em detrimento das

coletivas, está relacionada à suposta higidez do sistema de saúde e a inexistência de

risco de colapso diante da concessão “caso a caso” de medicamento em uma situação

concreta.349

O raciocínio encontra obstáculo na proliferação de decisões individuais por

todo o país, o que certamente influi negativamente no orçamento, quiçá de maneira mais

contundente que as notáveis ações coletivas,350 proferidas após estudo de viabilidade e

comprovação de deficiência de toda a política pública.

Resta claro que a postura do Judiciário de atuar majoritariamente em termos

de microjustiça não é mera faculdade, na medida em que também necessita agir segundo

o princípio do impulso oficial para com a esmagadora maioria de ações ajuizadas

individualmente. Isso sem olvidar da ausência de aparelhamento do juiz, munido,

quando muito, de algum núcleo de apoio técnico,351 o qual não é capaz, ainda assim, de

fazer frente aos órgãos competentes dos demais Poderes, acostumados a realizar

escolhas difíceis, segundo o aconselhamento de secretarias e órgãos técnicos.352

Demonstram-se, assim, as razões que induzem o Poder Judiciário a emitir

pronunciamentos pela aquisição de medicamentos em casos singulares, bem como a sua

tendência de se recusar a interferir de maneira mais incisiva na política pública.353 Como

bem pontou Ana Paula de Barcellos, “ainda que superadas as críticas anteriores, o fato é

que nem o jurista, e muito menos o juiz, dispõem de elementos ou condições de avaliar,

sobretudo em demandas individuais, a realidade da ação estatal como um todo”.354

(v) inaplicabilidade absoluta da teoria da reserva do possível: quanto a este

quesito, para além da sua desconsideração pelo Judiciário por considerá-lo mera

349 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia..., p. 324. 350 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia..., p. 332. 351 BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Saúde firma parceria com CNJ para apoio técnico a

juízes. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/23970

-ministerio-da-saude-firma-parceria-com-cnj-para-apoio-tecnico-a-juizes>. Acesso em: 31 jul. 2016. 352 GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões legislativas. Rio de Janeiro: Forense,

2003. p. 22-23. 353 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento nº 5021220-

97.2012.404.0000. 3ª Turma. Rel. Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Julgado em 18.12.2012. 354 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos

fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In: SARLET, Ingo

Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2.

ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 101-132.

113

retórica, é preciso adotar referencial diverso do lugar-comum revisitado pela doutrina

nacional.

Tal qual o “mínimo existencial” se consubstancia em fundamento “coringa”,

amplamente disseminado por julgadores em diferentes gradações, ainda que sem o

aprofundamento exigido pelo caso concreto, assim também o é a reserva do possível,

por sua vez tratada sem o devido vagar pelos julgadores, bem como sendo reduzida à

condição de “vilã” dos direitos sociais, por supostamente apregoar a total

insustentabilidade de custeio das pretensões requestadas judicialmente.355

Por constituir objeto de subitem específico constante do presente capítulo

(“3.1.3”), deixa-se de minuciar sua configuração estrutural e a forma como vem sendo

sistematicamente rechaçada pelo órgão jurisdicional, em alguns casos de maneira um

tanto quanto despreocupada.

Faz-se ressalva, porém, no sentido de que a reserva do possível, a exemplo

de outros argumentos, é vista sob a mesma perspectiva do falso silogismo abordado nos

parágrafos anteriores. Afinal, posicionar a teoria em questão, desenvolvida na doutrina

alemã para debater política pública educacional e importada pelo Direito brasileiro

como uma “razão de Estado”, frente a frente com o direito fundamental à vida, conduz à

sua preterição quase automática por juízes e tribunais, o que nem sempre se revela a

medida mais adequada à solução do litígio.

(vi) possibilidade de prescrição por profissional médico não inscrito nos

quadros do SUS: do rol ilustrativo apresentado, a presente hipótese seja talvez a menos

comum na rotina do Judiciário. Porém, sua inclusão se justifica para fins expositivos,

em especial pelo fato da edição do enunciado nº 30 das Câmaras de Direito Público – 4ª

e 5ª Câmaras Cíveis – do Tribunal de Justiça do Paraná, o qual conta com a seguinte

redação: “Para fins de fornecimento gratuito de medicamentos por ente federado

mostra-se irrelevante o fato de o relatório médico não ter sido elaborado por profissional

integrante do SUS (Sistema Único de Saúde)”.356

355 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1488639/SE. 2ª Turma. Relator Min.

Herman Benjamin, Unânime. Julgado em 20.11.2014. 356 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível nº 1163004-1. 5ª Câmara Cível.

Relator: Des. Leonel Cunha. Unânime. Julgado em 11.03.2014; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado

do Paraná. Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1319333-0. 4ª Câmara Cível. Relatora Des. Maria

Aparecida Blanco de Lima. Unânime. Julgado em 31.03.2015.

114

Trata-se de hipótese um tanto arriscada, eis que, na prática, faz com que o

médico particular, por vezes não familiarizado com as relações de medicamentos

elaboradas e rotinas estabelecidas no SUS, prescreva medicamentos que não estejam

abrangidos pela política, por desconhecimento ou mesmo por discordar do

posicionamento adotado pelos órgãos públicos.

Visto sob outra perspectiva, o aludido enunciado não representa, por si só,

grave ameaça ao sistema público de saúde. Isso se deve ao fato de que, não obstante o

SUS trate de materializar política pública em âmbito nacional, por se tratar o Brasil de

país de proporções continentais, há rincões nos quais sua atuação pode ser deficitária,

ou mesmo nula.357 Nesses casos, torna-se imperativo aceitar que profissionais não

inscritos na seara pública possam contribuir para a convalescença de habitantes

desprovidos de médicos públicos.

Porém, o fato de não integrar o corpo médico do SUS não é suficiente para

despir o profissional de toda e qualquer obrigação de observância da política pública

estabelecida. É preciso que o fármaco escolhido para tratar a moléstia esteja inserido

nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, de sorte a não comprometer a saúde

pública com receituários dispendiosos e, em muitos casos, desprovidos de estudos

relacionados à eficácia do tratamento.

Assim, não se descura da possibilidade de uma harmonização de

procedimentos, conglobando os esforços para permitir o acesso aos medicamentos de

alto custo. Contudo, é preciso que o médico particular, nestes casos, prescreva o método

profilático em conformidade com as premissas do Sistema de Saúde, além de justificar

exaustivamente a sua necessidade.

Exposto, ainda que sucintamente, o conjunto de argumentos frequentemente

utilizados pelos atores da justiça para fundamentar a concessão de medicamentos, desde

a atenção básica até os de dispensação extraordinária, bem como tecendo críticas

pontuais a cada um dos critérios, é possível compreender a premência com que deve ser

encarada a busca por mudanças nas fórmulas judiciais hodiernas, para amplificar, de

maneira sustentável, contundente e eficiente, o alcance das prestações de saúde aos que

dela necessitam.

357 BONIS, Gabriel. A saúde não chega aqui: no semiárido baiano, a falta de médicos impõe um

verdadeiro suplício à população em busca de assistência. Disponível em:

<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-saude-nao-chega-aqui-5937.html>. Acesso em 31 jul. 2016.

115

Porém, para que tal expansão ocorra e, com isso, as prestações de saúde que

digam respeito a fármacos de valores vultosos sejam garantidas de maneira mais efetiva,

privilegiando necessitados e prestigiando a igualdade de posições358 também nessa seara

do direito fundamental social à saúde, é preciso buscar a evolução dos parâmetros hoje

aplicados pelo Judiciário, adequando-os à realidade da Administração Pública, a partir

da obediência dos critérios constitucionais elencados. É o que se espera com as

contribuições inseridas na pesquisa, constantes inclusive da segunda parte do presente

capítulo. É preciso, sobremaneira, evoluir rumo à racionalização do sistema.

3.1.2. O Recurso Extraordinário com repercussão geral – RE 566.471/RN e outros

recursos relevantes para o sistema de saúde

O recurso extraordinário que dá nome à seção seguramente detém

importância singular para o debate acerca da possibilidade de fornecimento de

medicamentos de alto custo.

Para fins metodológicos, cumpre transcrever a ementa do aludido julgado,

in verbis: “SAÚDE. ASSISTÊNCIA. MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO.

FORNECIMENTO. Possui repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de

o Poder Público fornecer medicamento de alto custo.”359

Sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, o recurso em questão

possui como pano de fundo o agravo na saúde de pessoa idosa portadora de doença

cardíaca que, para convalescer, necessita de medicamento considerado de alto custo.

Trata-se de medicação cujo princípio ativo é o “citrato de sildenafila”, medicação

comumente utilizada para distúrbios relacionados à disfunção erétil, capaz de obter

resultados para uma série de outras enfermidades. 360

358 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela..., p. 121. 359 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 566.471/RN. Tribunal Pleno. Relator

Des. Marco Aurélio Mello. Unânime. Julgado em 15.11.2007. 360 Para entender o assunto, recomenda-se a leitura dos seguintes artigos científicos: GUIMARÃES,

Armênio Costa et al. Uso do sildenafil em pacientes com doença cardiovascular. Arq. Bras. Cardiol.,

São Paulo, v. 73, n. 6, p. 515-520, dez. 1999; BENTLIN Maria Regina et al. Sildenafil no tratamento da

hipertensão pulmonar após cirurgia cardíaca. Jornal de Pediatria, Porto Alegre, v. 81, n. 2, p. 175-178,

mar./abr. 2005; ATHANAZIO, Rodrigo Abensur et al. Resposta pressórica de pacientes com

miocardiopatia chagásica ante o uso do sildenafil. Arq. Bras. Cardiol., São Paulo, v. 88, n. 3, p. 367-

370, mar. 2007.

116

O processo, originariamente concebido sob a forma de ação ordinária de

obrigação de fazer, seguiu seu curso natural, tendo sido proferida sentença de

procedência do pedido inicial, decisão esta confirmada em sede de recurso de apelação

cível pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.361

Interposto recurso extraordinário, os autos chegaram à Corte Suprema, onde

foram sobrestados após o Ministro entender, dentre outros argumentos, que devido ao

elevado número de processos com temas idênticos àquele em estudo – obrigatoriedade

de fornecimento de medicamento excepcional pelo Estado –, era dever do STF dirimir a

questão por meio do aclaramento do papel da Administração, notadamente em relação

ao custeio de fármacos de custo elevado para certos indivíduos enfermos, sem perder de

vista o critério objetivo dos limites orçamentários impostos às políticas públicas de

saúde, de cunho coletivo.

A decisão de reconhecimento da repercussão geral do tema, portanto,

direcionou a discussão jurídica, conduzindo-a sob a perspectiva do custo das prestações

de saúde. E, tendo em vista tais dilemas se consubstanciarem o dia-a-dia administrativo

tanto de Municípios com pouquíssima densidade demográfica até as grandes

metrópoles, a celeuma ganhou tamanha notoriedade que quase a totalidade dos Estados-

membros e diversas outras entidades – v. g. associações de portadores de determinadas

moléstias, Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Municípios de todos os

tamanhos e recantos do país – solicitaram admissão ao processo como terceiros

interessados e dispostos a colaborar com o processo decisório, por meio do mecanismo

dialógico do amicus curiae.362

No dia 15 de setembro de 2016, o julgamento teve início no Plenário do

Supremo Tribunal Federal, de maneira conjunta a outro recurso extraordinário com

repercussão geral, autuado sob o n. 657.718,363 o qual trata de matéria similar,

361 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Apelação Cível nº 2007.003192-7. 2ª

Câmara Cível. Relator Des. Aderson Silvino. Unânime. Julgado em 10.07.2007. 362 “Descrição do Verbete: ‘Amigo da Corte’. Intervenção assistencial em processos de controle de

constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos

autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos;

atuam apenas como interessados na causa. Plural: Amici curiae (amigos da Corte).” (BRASIL. Supremo

Tribunal Federal. Glossário jurídico: Amicus Curiae. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=533>. Acesso em 1 ago. 2016. 363 “SAÚDE – MEDICAMENTO – FALTA DE REGISTRO NA AGÊNCIA NACIONAL DE

VIGILÂNCIA SANITÁRIA – AUSÊNCIA DO DIREITO ASSENTADA NA ORIGEM – RECURSO

EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL – CONFIGURAÇÃO. Possui repercussão geral a

controvérsia acerca da obrigatoriedade, ou não, de o Estado, ante o direito à saúde constitucionalmente

117

relacionada ao dever do Estado em adquirir medicamentos que ainda não contam com

registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Designado Relator, o Ministro Marco Aurélio Mello declarou seu voto,364-365

o qual foi aditado posteriormente, na sessão do dia 28 de setembro.366-367 Seu

entendimento foi pela negativa de provimento ao recurso interposto pelo Estado do Rio

Grande do Norte, assentando entendimento pela obrigação estatal de fornecimento de

fármacos vultosos. A fundamentação teórica utilizada para edificar seu voto, dado com

notório viés de amplitude máxima dos direitos sociais, pode ser sistematizada da

seguinte forma:

(i) é preciso delimitar em que termos o mínimo existencial se dá nos pleitos

que envolvem o direito à saúde;

(ii) a aferição do mínimo existencial ocorre em duas dimensões, uma

objetiva, relacionada a imprescindibilidade do medicamento para materializar o direito à

saúde, e uma subjetiva, ligada à incapacidade financeira para a compra do fármaco;

(iii) a imprescindibilidade – aspecto objetivo – diz com a prescrição médica

obtida licitamente, sinalizando a necessidade de medicamento de alto custo ausente das

listagens oficiais, indicado para procedimento necessário à sobrevida ou melhora da

qualidade de vida do paciente, cabendo ao Estado demonstrar a inadequação ou

prescindibilidade do fármaco em questão, sob pena de responsabilidade;

(iv) a incapacidade financeira requer construção mais sofisticada, na medida

em que se volta aos familiares do postulante e à necessária comprovação da ausência de

condições, figurando o Estado como responsável subsidiário nos casos de

impossibilidade do cônjuge ou companheiro, ascendente e descendente, estes em

qualquer grau, em uma analogia realizada para com o instituto civil da prestação de

alimentos do Código Civil;

garantido, fornecer medicamento não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária –

ANVISA.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 657.718/MG. Tribunal

Pleno. Relator Min. Marco Aurélio Mello. Unânime. Julgado em 17.11.2011). 364 BRASIL. Supremo Tribunal Federal: suspenso julgamento sobre acesso a medicamentos de alto

custo por decisão judicial. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325411>. Acesso em: 17 out. 2016. 365 YOUTUBE. Pleno - suspenso julgamento sobre acesso a medicamentos de alto custo por decisão

judicial. Disponível em: <https://youtu.be/2h8Km_errFg>. Acesso em: 17 out. 2016. 366 BRASIL. Supremo Tribunal Federal: pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos

de alto custo por via judicial. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326275>. Acesso em: 17 out. 2016. 367 YOUTUBE. Pleno - novo pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto

custo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y5HRYLyd1cU>. Acesso em: 17 out. 2016.

118

(v) identificadas ambas as dimensões, o direito a medicamento, de alto custo

ou não, está assegurado por imposição constitucional.

Proferido o voto do Relator, o Ministro Luís Roberto Barroso, após deduzir

pedido de vista antecipada regimental na sessão anterior, apresentou, em 28.09.2016,

suas ponderações sobre o tema.368-369 Sua declaração de voto se deu no sentido de

desprover o recurso, porém por fundamento diverso de seu predecessor, pois sobrelevou

que houve a incorporação do fármaco ao SUS no curso do processo.

Compilados seus argumentos, é possível constatar sua divergência de

posicionamento em relação à legitimidade dos pedidos de dispensação de medicamentos

de alto custo. Assim, o voto pode ser estruturado segundo as seguintes premissas:

(i) via de regra, independentemente do custo, o Estado não pode ser

obrigado judicialmente a fornecer medicamento de alto custo que não conste do SUS,

salvo em situações excepcionais cumulativas, adiante especificadas;

(ii) demonstração de incapacidade financeira para adquirir o fármaco;

(iii) inexistência de decisão administrativa contrária à inclusão do

medicamento nas listagens oficiais;

(iv) inexistência de produto capaz de substituir aquele objeto do pleito

judicial;

(v) comprovação da eficácia de acordo com os procedimentos da medicina

baseada em evidências; e

(vi) ocupação do polo passivo da demanda pela União, único ente federativo

capaz de realizar a incorporação de novos medicamentos no SUS.

Ato contínuo, declarou seu voto o Ministro Luiz Edson Fachin,370 o qual deu

parcial provimento à insurgência, por entender que o Estado do Rio Grande do Norte

tem razão ao sustentar a necessidade de inclusão da União no polo passivo da demanda,

por se tratar de medicamento já incorporado ao SUS e financiado pela União. Quanto ao

mérito do recurso, porém, aduziu o Ministro que não se sustenta a tese da

Administração, eis que restou comprovada a excepcionalidade do medicamento à luz

368 BARROSO, Luís Roberto. Medicamentos de alto custo. Disponível em:

<http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2016/10/RE-566471-Medicamentos-de-alto-

custo-vers%C3%A3o-final.pdf>. Acesso em: 17 out. 2016. 369 YOUTUBE. Pleno - novo pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto

custo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y5HRYLyd1cU>. Acesso em: 17 out. 2016. 370 YOUTUBE. Pleno - novo pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto

custo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y5HRYLyd1cU>. Acesso em: 17 out. 2016.

119

das circunstâncias do tempo da prestação. A seu ver, devem concorrer as seguintes

situações para franquear o acesso aos medicamentos excepcionais:

(i) prévio requerimento administrativo que pode ser suprido pela oitiva de

ofício do agente público por parte do julgador;

(ii) subscrição realizada por médico da rede pública ou justificada a

impossibilidade;

(iii) indicação do medicamento por meio da denominação comum brasileira

ou a denominação internacional;

(iv) justificativa da inadequação da inexistência de medicamento ou

tratamento dispensado na rede pública;

(v) e ainda, laudo, formulário ou documento subscrito pelo médico

responsável pela prescrição em que indique a necessidade do tratamento, seus efeitos e

os estudos da medicina baseada em evidências, além das vantagens para o paciente,

comparando, se houver, com eventuais fármacos ou tratamentos fornecidos pelo SUS

para a mesma moléstia;

(v) quanto à eficácia prospectiva, em obediência ao princípio da segurança

jurídica, sejam preservados os efeitos das decisões judiciais que, versando sobre a

questão constitucional submetida à repercussão geral, tenham esgotadas as instâncias

ordinárias, inclusive as que se encontram sobrestadas até a data deste julgamento.

Considerando que, até a conclusão da presente pesquisa, os únicos três votos

proferidos foram os acima compilados, carecendo o processo de acórdão definitivo,

algumas conjecturas são formuladas, com o fito de incrementar o debate acerca do

fornecimento de medicamentos de alto custo.

Interessante indagação diz com a efetiva utilidade da repercussão geral

reconhecida, ante a dificuldade de se padronizar condutas nessa seara e garantir um

modus operandi para a obtenção de drogas de alto valor agregado.

Ao tecer breve comentário acerca da sessão do dia 28 de setembro e sobre a

miríade de critérios distintos dos Ministros votantes, Eduardo Jordão bem discorreu

sobre a necessidade de decisões claras e diretas em casos como o presente, que

enfrentam a problemática da judicialização da saúde. Disse o jurista que “Testes

judiciais muito complicados costumam ser mal entendidos ou mal aplicados. Eles

120

potencializam os conflitos, já que cada um dos parâmetros do teste polifásico é uma

oportunidade para dúvidas operacionais – e, com isso, para mais discussões judiciais”.371

A preocupação é razoável e, inclusive, chegou a ser objeto de reflexão

quando da participação do Colegiado no julgamento da célebre Suspensão de Tutela

Antecipada – STA nº 175/CE, já dissecada no item primeiro da presente pesquisa. Isso

porque a então Ministra Ellen Gracie, atentando à complexidade inerente às ações de

saúde, questionou a repercussão geral daquela STA, aduzindo, para tanto, ser

impossível um julgamento servir de muro de arrimo para um sem-fim de situações

fáticas relacionadas à obtenção de medicamentos de alto custo, a menos que fossem

identificadas “categorias gerais”, que padecem de uma mesma mazela.372

Afinal, diferentemente de outro caso semelhante submetido ao Supremo

Tribunal Federal,373 de relatoria da mesma Ministra, o RE nº 566.471/RN teve

repercussão geral reconhecida em relação à questão de mérito propriamente

considerada, “pretendendo-se obter do Tribunal entendimento genérico sobre se a

assistência farmacêutica de alto custo constitui obrigação do Estado e corresponde a

equivalente direito subjetivo individual”.374

De outro lado, a patente dificuldade de se estabelecer marcos teóricos

seguros para a concretização “genérica” do direito fundamental social à saúde ao

fornecimento de medicamentos de alto custo traz a lume nova indagação: tendo o STF

jurisprudência consideravelmente inclusiva no tocante ao reconhecimento da

legitimidade dos pleitos relacionados à concessão de medicamentos para

restabelecimento da saúde, haveria necessidade de repercussão geral da matéria?

Tal questionamento se legitima pelo fato de as prestações de saúde contarem

com incrível grau de complexidade, variando vertiginosamente conforme a necessidade

de cada postulante. Dessa forma, acaso procedente a repercussão geral nº 566.471/RN

no mérito, correr-se-ia o risco de, em detrimento da necessária instrução do processo

judicial, com a realização de perícia e esgotamento das alternativas terapêuticas

previstas nos Protocolos Clínicos – hipóteses defendidas no presente trabalho –,

371 JORDÃO, Eduardo. Menos é mais: o Supremo, o Judiciário e os medicamentos. Disponível em:

<http://jota.info/menos-e-mais-o-supremo-o-judiciario-e-os-medicamentos>. Acesso em 17 out. 2016. 372 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada nº 175/CE. Tribunal Pleno.

Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes. Julgado em 17.03.2010. 373 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 607.582/RS. Plenário Eletrônico.

Relatora Min. Ellen Gracie. Julgado em 13.08.2010. 374 ANDRADE, Ricardo Barreto de. Op. Cit., p. 143.

121

processos seriam cada vez mais julgados antecipadamente, em uma demanda

pseudopermeada de matéria exclusiva de direito, sepultando definitivamente a política

pública do SUS sob pilhas de decisões judiciais concessivas dos mais variados

medicamentos, sem se importar com a vitalidade do sistema.

Tendo em conta o solo fértil proporcionado pela repercussão geral em

questão, é possível relacionar nova inquietação ao cenário estabelecido. Se, decidido o

mérito do recurso extraordinário nº 566.471/RN, a Corte Suprema pronunciar-se no

sentido de não haver um direito subjetivo do cidadão frente ao Estado para a aquisição

de fármacos excepcionais, qual a consequência para a enorme torrente de processos em

trâmite?

Embora seja possível teorizar no sentido de que, em razão da hierarquia

constitucional estabelecida, os processos em trâmite deveriam obrigatoriamente seguir o

precedente formado, nesse caso hipotético houve inequívoco tolhimento do direito de

milhares de cidadãos ao acesso a medicamentos cujo custo não poderiam, em tese,

arcar. Como lidar com tal situação?

E mais. Imaginando-se o quadro inverso, ou seja, sobrevindo decisão

expressa da Corte no sentido de que há direito subjetivo do cidadão frente ao Estado no

tocante aos medicamentos de alto custo, a discussão sobre a legitimidade da pretensão a

um medicamento oneroso se tornaria despicienda, já que estaria pressuposta na

Constituição e amparada pelo Poder Judiciário.

Nessa toada, desponta novo cenário cujo desfecho não é mais animador do

que o anteriormente descrito. Isso porque o efeito nefasto da decisão constitucional seria

o de alargar insustentavelmente o leque de acesso aos medicamentos e outras

prestações, sem que, para isso, fossem realizados exames complementares com vistas à

aferição da real necessidade.

Logo, com base em repercussão geral favorável a todos os pleitos de

fármacos excepcionais, restaria prejudicada a finalidade do próprio processo, na medida

em que transformaria o Poder Judiciário em um mero balcão de farmácia em busca de

dado medicamento.

É com base nesse cenário que o Poder Judiciário deve ponderar e

pavimentar um meio seguro para o desfecho do Recurso Extraordinário nº 566.471/RN,

a fim de que sejam atendidos, de um lado, os anseios da população, costumeiramente

122

achacada por enfermidades e constante usurpação de prerrogativas e, de outro, o Estado-

garantidor constitucionalmente previsto.

3.1.3. A teoria da “reserva do possível”: definição, alcance e atual utilização na

jurisprudência brasileira

Discorrer sobre a reserva do possível tornou-se, para aqueles que se

propõem a debater, direta ou indiretamente, as políticas públicas em sua roupagem

contemporânea, rota obrigatória para a construção de novas propostas. Afinal, tal teoria

compõe a outra face de uma mesma moeda, sendo tratada pela jurisprudência como

antítese ao mínimo existencial, frequentemente invocado para justificar a necessidade

de prestações positivas pelo Estado.

Entre o extenso acervo doutrinário que trata do tema-título da seção, Ingo

Wolfgang Sarlet possui papel de destaque, em razão de sua significativa produção

bibliográfica acerca dos direitos fundamentais e, consequentemente, da reserva do

possível. Em artigo científico que compõe obra coletiva,375 referido autor, em coautoria

com Mariana Filchtiner Figueiredo376 explica sobre a gênese da teoria alemã que veio a

se tornar, nos dias atuais, o principal argumento estatal para negar acesso ao

fornecimento de medicamentos de alto custo.

Segundo os autores, foi a partir da expressão “Der Vorbehalt des

Möglichen”, cunhada no julgado “BVerfGE 33, 303”,377 proveniente do Tribunal

375 SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do

possível”. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 376 Cf. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e

efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007; _____; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner.

Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: _____; TIMM,

Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2013. p. 13-50; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. O direito à saúde em perspectiva

comparada: o uso compassivo de medicamentos experimentais. Publicações da Escola da AGU: Direito,

Gestão e Democracia, v. 2, p. 153-176, 2014; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito à Saúde: Leis

8.080/90 e 8.142/90, arts. 6º e 196 a 200 da Constituição Federal. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2014. 377 Sobre o assunto, v. SCHWABE, Jürgen; MARTINS, Leonardo. Cinqüenta anos de jurisprudência

do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevideo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005. p. 656-

667; PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 4ª REGIÃO. Projeto de pesquisa: o

Ministério Público e a promoção dos direitos fundamentais sociais. Disponível em:

<http://www.prr4.mpf.gov.br/pesquisaPauloLeivas/index.php?pagina=jurisprudencia_internacional>.

Acesso em: 5 ago. 2016; BUNDESVERFASSUNGSGERICHT. BVerfGE 33, 303. Disponível em:

<http://www.bundesverfassungsgericht.de/DE/Homepage/homepage_node.html>. Acesso em: 5 ago.

2016; HOCHSCHULREKTORENKONFERENZ. BVerfGE 33, 303 – numerus clausus I.

123

Constitucional Federal da Alemanha, que teve início a edificação de teorias que

objetivam relacionar – ou mesmo condicionar – as prestações materiais advindas dos

direitos sociais para com a capacidade financeira do Estado, os quais estariam sujeitos

às escolhas alocativas realizadas pelos Poderes Legislativo e Executivo, por sua vez

materializadas no orçamento público.378

O caso paradigmático diz respeito à oferta insuficiente de vagas nas

faculdades de medicina de Hamburgo e Baviera, as quais editaram regulamentos que

objetivavam selecionar o ingresso às cátedras segundo critérios que envolviam

desempenho e idade, com a finalidade de manter a capacidade sustentável de promoção

do ensino superior.379

A limitação, de índole absoluta – daí a expressão “numerus clausus” –,

demandou do Tribunal Constitucional Federal interpretação no sentido de,

primeiramente, assentar a dupla função dos direitos sociais, dotados de posições

jusfundamentais negativas e positivas,380 para depois concluir que, em se tratando de

“benefícios estatais” – políticas públicas afirmativas – há uma barreira natural imposta

pelo Estado que culmina por limitar o leque de escolhas do indivíduo, vez que “os

direitos sociais de participação em benefícios estatais não são desde o início restringidos

àquilo existente em cada caso, eles se encontram sob a reserva do possível, no sentido

de estabelecer o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da coletividade.”381

Entretanto, o entendimento da Corte alemã ponderou, acertadamente, que

imposições absolutas, como aquelas em questão, somente atenderiam ao arcabouço

constitucional em casos dotados de justificativa forte, em que (i) os recursos públicos já

tivessem sido empregados adequadamente, (ii) por meio de critérios racionais que

colocassem os postulantes a cargos no ensino superior naquelas localidades em

condição de igualdade.382

Assentada estava a premissa, assim, de que “os direitos sociais a prestações

materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do

<https://www.hrk.de/fileadmin/redaktion/hrk/02-Dokumente/02-03-Studium/02-03-04-

Hochschulzulassung/bverfg_nc-urteil_18071972.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2016. 378 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. Cit., p. 29. 379 SCHWABE, Jürgen; MARTINS, Leonardo. Op. Cit., p. 657-658. 380 Cf. item “1.1.2” da pesquisa. 381 SCHWABE, Jürgen; MARTINS, Leonardo. Op. Cit., p. 663. 382 Ibidem, p. 666-667.

124

Estado”,383 a qual serviu de viga-mestra para, no Brasil e em tantos outros lugares, a

edificação de constructos teórico-jurisprudenciais que permitem a sua aplicabilidade no

ordenamento pátrio.

No entanto, é preciso consignar importante posicionamento defendido por

parcela da doutrina384 com o qual se compactua, no sentido de que, para se tornar

aplicável – e oponível – no contexto jurídico brasileiro, a teoria da reserva do possível

não pode ser simplesmente adquirida, tal qual vigente no direito alemão, sem que sejam

consideradas as peculiaridades inerentes à realidade social experimentada no Brasil.385

Afinal, tendo sido desenvolvida no âmbito de país desenvolvido e dotado de sistema

jurídico consideravelmente distinto, suas premissas divergem do contexto

socioeconômico brasileiro, onde sequer demandas elementares, a exemplo do

saneamento básico,386 são suficientemente atendidas.

Além disso, há outro argumento contrário à utilização da reserva do

possível, qual seja, a forma como foram concebidos os direitos sociais na Alemanha e

no Brasil.

Aduzem os detratores da teoria que, enquanto no Brasil os direitos sociais

constam expressamente do catálogo de direitos constitucionais, sendo inclusive

considerados direitos fundamentais e por isso estão sujeitos ao seu regime jurídico,

municiados com cláusula de exigibilidade imediata (parágrafo 1º do art. 5º da CR) e

vinculação orçamentária, de maneira que normas infraconstitucionais estariam

impossibilitadas de obstaculizar sua realização; não há nada parecido na Constituição

alemã, sendo possível extrair do seu artigo primeiro somente o abstrato princípio do

Estado Social, norma que, isolada, não tem o condão de vincular o Poder Público à

realização de prestações positivas.387 Por isso, dada a intransponível diferença estrutural

383 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. Cit., p. 29. 384 Dentre tantos cf. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988:

estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 176-

177; KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os

(des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p.

51. 385 MOREIRA, Alinie da Matta. As restrições em torno da reserva do possível: uma análise crítica.

Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 55. 386 LAHOZ, Rodrigo Augusto Lazzari. Saneamento básico e direito à saúde: considerações a partir do

princípio da universalização dos serviços públicos. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica

e Teoria do Direito, São Leopoldo, v. 7, n. 1, p. 62-69, jan./abr. 2015. 387 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Op. Cit., p. 179.

125

entre os sistemas jurídicos, restaria incompatibilizada a utilização da teoria da reserva

do possível.

Ocorre que, embora a menção ao regime jurídico-constitucional dos direitos

sociais no Brasil reafirme o dever estatal de implementação das políticas públicas

inclusivas, tal situação, em verdade, não consiste em motivo suficiente para incitar a

incompatibilidade absoluta do ordenamento brasileiro com a teoria da reserva do

possível, cabendo tão somente a sua equalização ao sistema jurídico pátrio.388

É dizer: configura-se dever inarredável do Estado a implementação dos

direitos sociais previstos na Constituição da República, dando estrito cumprimento às

vinculações constitucionais e demais normas de aplicabilidade imediata. Porém,

igualmente imperativa – e mesmo constitucional – é a eleição discricionária de

prioridades frente à escassez de recursos que, por sua vez, compromete direitos de todo

gênero, fundamentais ou não, vinculados ou não.389

Nesse passo, tem-se que, devidamente sopesadas as diferenças concernentes

ao Direito positivo e às características históricas, culturais, políticas e econômicas de

exportador (Alemanha) e importador (Brasil), é possível pensar no aperfeiçoamento da

teoria que, em última análise, retrata uma das faces da complexa questão do

atendimento das demandas provenientes dos que se encontram carentes de alguma

prestação vinculada aos direitos sociais, sendo leviano afirmar a impossibilidade

absoluta de incorporação da referida teoria.

Pode-se afirmar que a reserva do possível detém, a exemplo do mínimo

existencial, um “núcleo essencial” no qual está inserida premissa de índole universal,

aplicável aos Estados de Direito contemporâneos. Isso porque, desde a sua criação na

jurisprudência alemã, faz-se presente o binômio “capacidade financeira estatal” versus

“prestações sociais exigidas pela sociedade”. Cabe a cada ordenamento, a partir de tal

premissa, teorizar sobre o seu alcance e aplicabilidade.

Disso resulta que a reserva do possível funciona como espécie de limite

fático-jurídico390-391 que incide sobre os direitos fundamentais, segundo a realidade

388 MOREIRA, Alinie da Matta. Op. Cit., p. 57. 389 Idem. 390 ALEXY, Robert. Teoria..., p. 301-340. 391 Sobre o assunto, Virgílio Afonso da Silva possui obra específica na qual discorre sobre o conceito de

suporte fático e sua capacidade de restringir direitos fundamentais, cuja leitura pode ser feita em: SILVA,

Virgílio Afonso. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros,

2009.

126

socioeconômica do país. Sua atuação, para além de estabelecer a linha fronteiriça entre

a concretização e o inadimplemento de direitos de primeira e segunda gerações, também

serve de garante destes mesmos direitos fundamentais quando, valendo-se dos critérios

da proporcionalidade e da garantia do mínimo para uma existência digna, opta por

salvaguardar o núcleo de outro direito elementar garantido constitucionalmente.392

De todo modo, o mote principal da teoria será sempre o processo decisório

relacionado à destinação de recursos materiais para a concretização de políticas públicas

que tratam de direitos indisponíveis, tendo em conta a asserção de que a Constituição

Federal, além de não propiciar critérios claros quanto à melhor forma de cumprimento

de suas diretrizes (e nem poderia, diga-se, frente ao emaranhado de situações complexas

impossíveis de sistematização), está sujeita às intempéries do contexto socioeconômico

global.393

Nesse sentido, ganha relevo o argumento de que a promoção de direitos

sociais perpassa pela própria noção de separação de poderes e a divisão de

competências dela advinda, na medida em que não basta ao legislador estabelecer um

infindável rol de direitos prestacionais se se descurar do planejamento econômico

decorrente do orçamento elaborado pelo administrador.394

Legítima, por consequência, a problemática relacionada aos custos dos

direitos,395 ideia intrínseca à concepção de reserva do possível porque clarifica a

urgência de se buscar eficiência e racionalidade no âmbito da administração dos

recursos, o que pode se dar por meio do aperfeiçoamento da gestão orçamentária

segundo os primados de uma gestão democrática, conforme defendido por Fernando

Facury Scaff,396 e do processo de gerenciamento e controle de resultados das políticas

públicas.397

De igual modo, ao Judiciário cabe igualmente tutelar os direitos

fundamentais sociais, ainda que subsidiariamente, por meio de intervenções pontuais e

392 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. Cit., p. 30. 393 Idem. 394 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra:

Coimbra, 1982. p. 369. 395 HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York:

W. W. Norton & Company, 1999. 396 SCAFF, Fernando Facury. Controle público e social da atividade econômica. In: FRANCO FILHO,

Georgenor de Sousa (Coord.). Presente e futuro das relações de trabalho: estudos em homenagem a

Roberto Araújo de Oliveira Santos. São Paulo: LTr, 2000. p. 415-434. 397 LEAL, Rogério Gesta. Administração pública e sociedade. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2006. p. 57.

127

com vistas à efetivação do regime estabelecido, com a preocupação de não se imiscuir

na seara dos demais poderes e suas opções orçamentárias,398 tampouco desestruturar o

já instável cenário de efetivação de direitos fundamentais sociais.

Ainda que na saúde seu dever institucional seja o de corrigir distorções e

agir onde a política pública não alcança ou se omite, restabelecendo a harmonia perdida

com o não atendimento segundo os ditames da universalidade, integralidade e outras

proposições nodulares do SUS, tal atuação deve sempre sopesar a questão da escassez,

de maneira a potencializar a eficácia dos programas governamentais e a melhor gestão

possível.399

Ademais, indubitável é a contribuição do Judiciário para o restabelecimento

de situações injustificadamente desiguais, possibilitando às ações da Administração

Pública certa previsibilidade quanto aos limites do razoável na feitura de políticas

públicas, além de tornar coesos os critérios para a confecção de decisões do próprio

corpo judiciário. Isso sem olvidar da segurança jurídica concedida aos cidadãos,

tornando-os cônscios de quais provimentos poderão ser demandados do Poder

Judiciário.400

Do quadro apresentado, é possível extrair que proporcionalidade,

razoabilidade,401 mínimo existencial e suporte fático-jurídico de recursos pecuniários e

humanos são os trilhos formadores da reserva do possível,402 funcionando como

verdadeiras chaves-mestras para a promoção da homogeneidade das políticas públicas.

A presença concomitante de todas elas configura-se conditio sine qua non para garantir

a máxima eficácia dos direitos prestacionais, limitando-os ou garantindo-os, conforme a

circunstância concreta apresentada.

Atente-se, no entanto, à advertência feita por Adriana da Costa Ricardo

Schier, no sentido de que, muito embora seja a reserva do possível argumento válido

para justificar o não cumprimento de dada pretensão jurídica, “não poderá jamais, nos

398 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Op. Cit., p. 31. 399 GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

p. 215-282. 400 WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na

jurisprudência do STF. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 539-568, jul./dez. 2008. 401 “Mas a natureza de direito prima facie vinculante implica que a cláusula de restrição desse direito – a

‘reserva do possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade’ – não

pode levar a um esvaziamento do direito. Essa cláusula expressa simplesmente a necessidade de

sopesamento desse direito.” (ALEXY, Robert. Teoria..., p. 515.) 402 Construção semelhante à presente pode ser encontrada em: SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO,

Mariana Filchtiner. Op. Cit., p. 30.

128

quadros de um Estado Democrático de Direito, desobrigar a Administração de

demonstrar a inexistência de recursos capazes de suportar os custos financeiros para

garantir, a todos, o mínimo existencial.”403

Nesse contexto de compatibilização do direito fundamental à saúde para

com as possíveis restrições advindas da reserva do possível, cabe destacar os aportes

teóricos deduzidos por Ingo Wolfgang Sarlet,404 para quem a reserva do possível se

manifesta em três dimensões distintas e peculiares, quais sejam:

(i) dimensão fática da reserva do possível: importa na efetiva provisão

econômico-financeira405 do Poder Executivo para propiciar a efetivação de direitos

fundamentais.406 Aqui, fala-se na limitação de recursos existente em toda e qualquer

Administração Pública, a qual tem como obrigação precípua o atendimento do mínimo

existencial e, em momento ulterior, alocar recursos em outras searas não essenciais, por

meio de juízo de razoabilidade.

(ii) dimensão jurídica da reserva do possível: vista sob este aspecto, a

reserva do juridicamente possível diz com obstáculos de ordem orçamentária,

relacionadas à captação de receitas propriamente dita, bem como a repartição de

competências tributárias, legislativas e administrativas,407 podendo igualmente ser

legitimamente invocadas como razão para a limitação de dado direito fundamental.

(iii) dimensão da razoabilidade e proporcionalidade da reserva do possível:

sob esta dimensão, as limitações oriundas da reserva do possível são concebidas

casuisticamente, mediante a intervenção do Poder Judiciário, o qual, por meio do

princípio da proporcionalidade, empregará análise quanto a eventuais excessos ou

deficiências no proceder estatal. Já o princípio da razoabilidade, também denominado

de “proporcionalidade em sentido estrito”, pondera o equilíbrio da decisão

administrativa que alocou recursos e o impacto de tal decisão na coletividade.408

Ainda que se reconheçam as hipóteses de restrição dos direitos

fundamentais pelas modalidades da reserva do possível, é preciso entendê-las não como

403 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Op. Cit., p. 209-235. 404 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia..., p. 284-365. 405 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia..., p. 351. 406 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia..., p. 287. 407 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia..., p. 360. 408 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia..., p. 396.

129

obstáculos à efetividade do direito à saúde, mas como instrumento de garantia de

realização dos direitos sociais de viés prestacional.

3.2. Proposições que objetivem a melhora – e a racionalização – da judicialização

da saúde quanto aos medicamentos de alto custo

Tendo discorrido sobre o quadro jurisdicional que comporta os pedidos de

fornecimento de medicamentos de alto custo, a pesquisa intenciona contribuir, ainda

que despretensiosamente, para racionalizar tais pretensões, com o fito de aumentar o

grau de eficiência do sistema de saúde vigente.

Assim sendo, em primeiro lugar (3.2.1), é erigida construção teórica que

sustenta a imprescindibilidade da realização de perícia técnica judicial para bem

fundamentar decisões que concedem tais fármacos, refutando-se, consequentemente, o

uso indiscriminado do mandado de segurança, em virtude de sua impossibilidade de

dilação probatória.

Em seguida (3.2.2), defende-se a seara federal como a única instância

apropriada para abarcar os processos que discutem fármacos de alto custo, por ser a

União a responsável constitucional pela salvaguarda do sistema público de saúde, sem

olvidar do próprio aparelhamento da Justiça Federal, seu orçamento e menor fluxo de

processos, quando comparada à Justiça Estadual.

Por último (3.2.3), revela-se uma visão otimista para com o manejo de ações

coletivas para medicamentos dispendiosos, na medida em que, ao contrário de pleitos

individuais que desestruturam o SUS, podem se consubstanciar importantes aliadas da

política de inclusão de medicamentos, por tratarem de direitos transindividuais de

grandes parcelas da coletividade.

3.2.1. A perícia como elemento imprescindível para a obtenção de medicamentos

excepcionais

Após discorrer, no item precedente, sobre o estado da arte de algumas

abordagens do direito à saúde para a obtenção de medicamentos excepcionais pela via

do Judiciário, destacando-se, inclusive, a tendência atual dos tribunais quanto à

130

concessão de compostos químicos de maneira por vezes inconsequente e despreocupada

para com a subsistência e o vigor do próprio sistema de saúde, a presente divisão encara

o desafio de propor mudanças no proceder judicial, as quais, embora pontuais, poderão

servir ao propósito de contribuir para a obtenção de maior efetividade do SUS e seus

mecanismos de atendimento à população.

A primeira proposta, embora aparente estar relacionada estritamente à forma

escolhida pelo jurisdicionado de provocar o Poder Judiciário, igualmente guarda

identidade com o Direito material e, além disso, revela-se um poderoso meio de

identificar demandas que efetivamente atendam aos requisitos de legitimidade para

exigir da política de saúde o cumprimento dos comandos constitucionalmente previstos.

A perícia médica, aqui entendida como sendo “todo e qualquer ato

propedêutico ou exame, feito por médico, com a finalidade de contribuir com as

autoridades administrativas, policiais ou judiciárias na formação de juízos a que estão

obrigadas”,409 deve ser encarada como ato compulsório quando a demanda versar sobre

o fornecimento de medicamentos de alto custo, por uma razão simples e eficaz: é por

meio de tal procedimento – e somente por ele – que se torna possível averiguar a

pertinência, a indispensabilidade e a impossibilidade de substituição de dado fármaco

anteriormente postulado à Administração e por ela negado, ensejando o processo

judicial.

Não pairam dúvidas acerca da complexidade cada vez maior das relações

sociais. O acesso à informação por meio da tecnologia transforma pacientes comuns em

experts para uma gama de assuntos antes restritos à seara acadêmica, por sua vez

construída segundo o pensamento crítico e a formulação de hipóteses e teorias.410

Nessa senda, a realidade não poderia ser diferente no âmbito da saúde e da

busca por medicamentos dispendiosos: frequentes são as situações em que médicos

generalistas ou especializados, valendo-se do controle fraco do sistema público de saúde

quanto à possibilidade de prescrição subscrita por profissionais não vinculados ao SUS

(hipótese abordada no subitem “3.1.1”) prescrevem medicamentos de altíssimo valor

agregado sem realmente conhecer seus efeitos, tão somente em razão de anúncios por

409 ALCÂNTARA, Hermes Rodrigues de. Perícia médica judicial. Rio de Janeiro: Guanabara Dois,

1982. p. 2. 410 GARBIN, Helena Beatriz da Rocha; PEREIRA NETO, André de Faria; GUILAM, Maria Cristina

Rodrigues. A internet, o paciente expert e a prática médica: uma análise bibliográfica. Interface,

Botucatu, v. 12, n. 26, p. 579-588, Set. 2008.

131

vezes desprovidos até mesmo de comprovação científica satisfatória, patrocinados pelo

lobby das indústrias farmacêuticas e disseminados por meio de um processo científico

contínuo, irrefreável e de riscos incontroláveis, conforme o alerta contido na clássica

formulação de Ulrich Beck.411

Assim, tal condição da sociedade atual impõe o estabelecimento de rígidos

contornos para a dispensação de medicamentos. Faz-se indispensável que a prova

pericial assuma condição de protagonista em ações que ultimem o recebimento de

determinados fármacos que não constem dos Protocolos Clínicos e Diretrizes

Terapêuticas – PCDT’s e cuja aquisição será impactante no orçamento.

Sem maiores digressões, defende-se que a adoção da perícia enquanto fase

obrigatória dos processos judiciais de medicamentos excepcionais encerra verdadeiro

círculo virtuoso para a progressiva otimização das rotinas administrativas em saúde, na

medida em que tem o condão de fortalecer inegavelmente o conteúdo da decisão

judicial, blindando-a com critérios científicos dificilmente refutáveis, além de fomentar

o diálogo entre as instituições envolvidas – Judiciário, Defensoria Pública, Ministério

Público, Ministério da Saúde e seus órgãos responsáveis pela inclusão de novos

remédios nas listas de dispensação, etc.

E ainda, importante ressalva deve ser destacada, no sentido de que o

posicionamento ora declinado vai ao encontro da previsão constitucional de promoção

da eficiência administrativa,412 eis que a realização de perícias certamente desvendaria

práticas imbuídas de má-fé ou inábeis, decorrentes da sanha de justiciabilidade que

toma conta da sociedade atual e culminam por ocasionar prejuízos aos cofres

públicos.413

Logo, exigir no processo judicial a feitura de laudo pericial por profissional

especializado é postura que torna a justiça mais precisa e consentânea com os avanços

411 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. 412 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)” (BRASIL. Constituição da República Federativa

do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.

htm>. Acesso em: 8 ago. 2016. 413 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Excesso de litigância é desafio para o Poder Judiciário,

diz ministro Joaquim Barbosa. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/60904-excesso-de-

litigancia-e-desafio-para-o-poder-judiciario-diz-ministro-joaquim-barbosa>. Acesso em: 8 ago. 2016.

132

tecnológicos disponíveis,414 além de promover a distribuição mais equânime de

recursos, alocando-os onde realmente surtirão efeitos.

De outro norte, resta claro que a adoção do critério descrito no presente

tópico impõe ao jurisdicionado uma consequência significativa: a necessidade de

descontinuar o uso –hoje indiscriminado – do instrumento do mandado de segurança

para obter tutela favorável ao uso de determinado medicamento.

Por se tratar de mecanismo jurídico que diz com um direito “líquido e certo”

e “prova pré-estabelecida”, o mandado de segurança não deveria nunca ser utilizado

pelos advogados que atuam em favor dos que precisam de medicamentos vultosos.

A receita médica que embasa uma ação, mesmo quando acompanhada de

relatório descritivo da situação experimentada, jamais poderia ser considerada prova

absoluta e definitiva da condição de saúde do indivíduo e da imprestabilidade da

política estatal, a ponto de reputar-se despicienda a dilação probatória. Tudo por um

motivo elementar até aqui exposto: falta-lhe o aprofundamento técnico e a isenção

necessária para confrontar a política existente.415

A exemplo das demais propostas declinadas na segunda parte do presente

capítulo, a temática ora abordada ainda caminha timidamente pelo emaranhado de

teorias presentes no arcabouço doutrinário pátrio, o que torna o esforço pelo seu

reconhecimento ainda mais instigante. Nesse contexto, cabe menção a recentíssimo

acórdão proferido no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina,416 o

qual fez constar que o pedido de realização de perícia deduzido em ação de

medicamento de alto custo, acaso não atendido, traduz-se em cerceamento de defesa e,

por isso, torna-se causa suficiente para motivar a revisão da sentença.

Carla Pittelli Paschoal D’Arbo igualmente partilha do argumento aqui

desenvolvido, asseverando que “é evidente que não basta uma singela receita médica,

principalmente sabendo-se que existem tantas e tão constantes divergências de

414 ALCÂNTARA, Hermes Rodrigues de. Op. Cit., p. 2. 415 GANDINI, João Agnaldo Donizeti; BARIONI, Samantha Ferreira; SOUZA, André Evangelista de. A

judicialização do direito à saúde: a obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos

terapêuticos por via judicial – critérios e experiências. Disponível em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=4182&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em: 8 ago. 2016. 416 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível nº 2015.0946850. 1ª

Câmara de Direito Público. Relator: Des. Carlos Adilson Silva. Unânime. Julgado em 29.03.2016.

133

diagnósticos e de indicação de tratamento de um médico para outro, levando-se em

conta o seu grau de conhecimento, a sua experiência, a sua linha de conduta etc.”.417

Sob outro aspecto, sobreleva ponderar que o mandado de segurança é, ainda

hoje, amplamente utilizado e aceito nos tribunais como instrumento de realização do

direito a medicamentos. Para os defensores do referido modelo jurídico enquanto

garante do acesso à política de saúde, a exemplo de José Menah Lourenço, as matrizes

constitucionais (art. 196) e seus desdobramentos legais (Lei nº 8.080/90) são

mandamentos que, reunidos, servem para afastar qualquer pretensão relacionada à

necessidade de perícia, porque “quem bate às portas dos fóruns e tribunais buscando

determinado medicamento é porque o mesmo, sem dúvida, tem alto valor, inacessível à

enorme parcela dos brasileiros, ou mesmo sequer existe no Brasil, sendo imprescindível

(portanto, absurdamente cara) sua importação”.418

Com a devida vênia, as normas em comento foram interpretadas superficial

e apressadamente pelo autor. Em seu texto, confundem-se os argumentos de

competência comum dos entes federativos (já estudados por ocasião do item “1.2.2”),

com as premissas constitucionais da descentralização e integralidade de atendimento do

SUS (item “1.2.1”). A construção não observa, assim, que os princípios em questão não

são, de forma alguma, incompatíveis com a exigência de realização de perícia nos

pleitos de medicamentos.

Posta a questão de maneira simplista, é preciso atentar ao fato de que o

exame pormenorizado, feito por quem detenha capacidade técnica para averiguar a

eficácia do medicamento, sua previsão nas listagens oficiais, a incompatibilidade de

outros fármacos e a impossibilidade de substituição por outro de idêntico efeito, é capaz

de salvar mais vidas do que a concessão irrefreada e sem parâmetros.

Isso porque tais medidas contribuem para sanear o processo de aquisição e

dispensação de medicamentos de alto custo, tornando-o mais eficiente, já que o

resultado obtido em processos alicerçados em pareceres de profissionais sabedores da

417 D’ARBO, Carla Pittelli Paschoal. O princípio da legalidade e o direito à saúde. Revista da Escola

Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 53-90, jan./dez.

2011. 418 LOURENÇO, José Menah. Prova pericial para fornecer medicamento é desumano. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2012-nov-10/jose-menah-prova-pericial-fornecimento-medicamento-

desumano>. Acesso em 4 ago. 2016.

134

condição e dos limites do sistema culminam com decisões judiciais sólidas, que atuam

pontualmente em regiões de inescapável tensão.

Não são raras as situações em que determinado postulante de medicamento

excepcional obtém a tutela jurisdicional com base em um único documento médico que

pleiteia determinada droga. Aceita-se o relatório médico como prova pré-constituída em

mandado de segurança e prolata-se sentença sem instrução probatória, tudo em razão de

suposta violação, pelo gestor público, do direito fundamental à saúde previsto nos arts.

6º e 196 da Constituição da República.

Tal situação não pode subsistir. É preciso alterar o modo como são

encarados os processos de saúde. Núcleos de Apoio Técnico – NAT, Conselhos

Municipais de Saúde e mesmo a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no

SUS – CONITEC devem ser, de alguma maneira, ouvidos em tais ações. Adotar

medidas como a oitiva dos órgãos oficiais citados, sem olvidar de entidades não

governamentais reconhecidamente idôneas na área, devem ser ponderadas pelo Juízo da

causa.

Por outro lado, evidente que a assessoria técnica não deve ser motivo de

morosidade ao processo, cabendo ao Judiciário, por meio de diálogo estabelecido com

tais órgãos e seus representantes, disciplinar meios de conjugação de esforços, os quais

deverão sempre estar voltados à promoção do direito à saúde, pelo meio procedimental

correto.

Um exemplo a ser seguido pode ser aquele demonstrado por Felipe Dutra

Asensi e Roseni Pinheiro,419 cujo trabalho retrata a salutar interação entre a Defensoria

Pública do Distrito Federal e os órgãos públicos responsáveis pela dispensação de

fármacos, que culminou com a desjudicialização de feitos e fortaleceu o diálogo

institucional entre os atores envolvidos.

3.2.2. O deslocamento da judicialização de pedidos de medicamentos excepcionais para

a Justiça Federal: procedimento ideal para sanear o SUS e promover a

sustentabilidade do sistema

419 ASENSI, Felipe Dutra; PINHEIRO, Roseni. Defensoria pública e diálogo institucional em saúde: a

experiência de Brasília-DF. Direito & práxis, Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 11-36, jul.

135

Prosseguindo-se com o intento de erigir proposições objetivas de melhora

na saúde pública, consigna-se aqui proposta relacionada ao deslocamento da

judicialização para a seara federal, pelos motivos adiante alinhavados.

Em muitos casos, medicamentos de alto custo já aprovados pela Agência

Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e imprescindíveis à convalescença de

pacientes deixam de constar da RENAME, bem como dos PCDT’s específicos das

enfermidades. Diante desse quadro fático, a quem caberia responsabilizar-se pela

dispensação de tal fármaco? Diante do atual panorama estabelecido – o da solidariedade

– a resposta parece óbvia: a responsabilidade seria de todo e qualquer dos entes

federados, a critério do jurisdicionado.

Entretanto, tal solução não se afigura adequada, sendo imprescindível

posicionar-se criticamente à falta de critérios suficientes que melhor delineiem o modus

operandi de situações como a apresentada, em que o fármaco pretendido, de alto custo

e, não raro, capaz de inviabilizar temporariamente o orçamento público, seja pleiteado

judicialmente.

Por ocasião do trâmite processual da Suspensão de Tutela Antecipada –

STA n. 175/CE no Supremo Tribunal Federal,420 o Min. Rel. Gilmar Ferreira Mendes

lançou mão do salutar instituto da audiência pública,421 com vistas à compreensão

multidisciplinar das consequências da decisão judicial que seria elaborada.

Durante tal reunião, da qual participaram representantes da sociedade civil,

da Defensoria Pública, do Ministério da Saúde, dentre outras instituições técnicas e

sociais organizadas, o Ministério Público Federal, por meio de sua Procuradoria Geral

da República, lavrou parecer tecendo suas considerações a respeito.422

Naquela ocasião, o parecer, subscrito pelo então Procurador-Geral da

República Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, trouxe relevante contribuição no

que diz respeito ao estabelecimento de balizas procedimentais para a repartição de

competências prevista no ordenamento. Em seu arrazoado, sustentou o Procurador que,

420 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175.

Relator Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. Julgado em 17.03.2010. DJe 30.04.2010. 421 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Audiência pública nº 4, convocada em 05 de março de 2009.

Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaS

aude>. Acesso em: 14 jul. 2016. 422 SOUZA, Antônio Fernando Barros e Silva de. Supremo Tribunal Federal: Audiência pública nº 4,

convocada em 05 de março de 2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Dr._Antonio_Fernando_Barro

s_e_Silva_de_Souza___ProcuradorGeral_da_Republica_.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2016.

136

justamente em razão da clareza das normas que dizem respeito às atribuições de cada

ente federativo quanto à manutenção do SUS – competência comum às três esferas

federativas na atenção básica, exclusiva da União nos programas estratégicos de

controle de endemias, União e Estados responsáveis por medicamentos excepcionais

previstos na RENAME –, não é possível estabelecer solidariedade para todo e qualquer

fármaco, mas somente para os casos em que “não for possível identificar a divisão de

tarefas e o cumprimento delas423”, ou seja, quando os medicamentos excepcionais não

estiverem previstos nas listagens oficiais.

Tal posicionamento, partilhado por algumas vozes da doutrina,424 revela

avanço, em especial porque considera o respeito à ordem e à autonomia administrativas,

as quais decorrem da diretriz constitucional da descentralização prevista no art. 198, I,

da Constituição da República, já objeto de análise em tópico precedente (item “1.1.3”).

Entretanto, é preciso que o debate seja ampliado, a fim de proporcionar

contornos mais rígidos para balizar a dispensação de fármacos capazes de impactar

significativamente nas políticas públicas dos entes federados, em especial Estados e

Municípios.

Como anteriormente abordado, sabe-se que a divisão de competências

prevista no art. 23, II, da Constituição Federal efetivamente não sustenta a solidariedade

construída doutrinária e jurisprudencialmente, tendo anunciado taxativamente a

competência comum dos três entes da Federação para cuidar da saúde.

Noutro ponto, tendo em conta que o Estado brasileiro vive sob a égide do

federalismo,425 é certo que a arrecadação tributária encontra na União sua pedra angular,

a qual constitui a espinha dorsal para a sustentação do sistema, por meio da captação

concentrada de recursos e repasses posteriores constitucionalmente previstos para

Estados, Municípios e Distrito Federal, os quais são complementados por tributos outros

instituídos por estes entes.426

Em razão do fato de ser o Brasil considerado um Estado Fiscal, no qual os

tributos ocupam o eixo central para a aferição de receitas públicas,427 a capacidade

423 Idem. 424 OLHAND, Luciana. A responsabilidade solidária dos entes da Federação no fornecimento de

medicamentos. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 36, n. 1, p. 29-44, jan./jun. 2010. 425 BARBOSA, Jeferson Ferreira. Op. Cit., p. 17-30. 426 PARANÁ. Portal da transparência: repasses e transferências. Disponível em:

<http://www.transparencia.pr.gov.br/pte/ assunto/4/13?origem=4>. Acesso em: 15 jul. 2016. 427 MAURICIO JR., Alceu. Op. Cit., p. 82-86.

137

arrecadatória da esfera federal é notoriamente vultosa.428 Dados oficiais apontam que,

em 2014, a União era responsável por quase 70% da carga tributária nacional, captando

cifra superior a R$ 1,2 trilhão de reais, ao passo que todos os Estados e Municípios,

juntos, somaram pouco mais de R$ 582 bilhões.429

É certo que não se descura, sequer por um momento, das infindáveis e

infinitas necessidades de todos os setores abrangidos pelo Estado. Porém, o que se quer

evidenciar é tão somente a desproporção – diga-se, legítima e constitucional – entre os

orçamentos dos entes federativos.

Especificamente em relação ao financiamento do Sistema Único de Saúde, é

preciso apresentar as verbas que atualmente o compõem. Por expressa determinação do

art. 198, § 1º, combinado com o art. 195, ambos da Constituição Federal, tem-se que

todos os entes federativos são responsáveis pela conservação do SUS. A União, após a

promulgação da Emenda Constitucional nº 86/2015,430 a qual alterou a redação do art.

198, § 2º, I, tem obrigação constitucional de aplicar, no mínimo, o percentual de 13,2%

da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, o qual será majorado a

cada exercício financeiro, até o patamar limite de 15% (quinze por cento), no ano de

2020.431-432

428 BRASIL. Carga tributária no Brasil 2014: análise por tributos e bases de incidência. Brasília:

Ministério da Fazenda e Receita Federal, 2015. p. 4. Disponível em:

<http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisti

cas/carga-tributaria-no-brasil/29-10-2015-carga-tributaria-2014>. Acesso em: 15 jul. 2016. 429 Idem. 430 BRASIL. Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015: Altera os arts. 165, 166 e 198 da

Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc86.htm#art1>.

Acesso em: 15 jul. 2016. 431 Não obstante a redação constante do art. 198, § 2º, I, estabelecer expressamente que o índice devido à

saúde não pode “ser inferior a 15% (quinze por cento)”, a Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março

de 2015, publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, escalonou a majoração gradativa do

percentual da seguinte forma: “Art. 2º O disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal

será cumprido progressivamente, garantidos, no mínimo: I - 13,2% (treze inteiros e dois décimos por

cento) da receita corrente líquida no primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta

Emenda Constitucional; II - 13,7% (treze inteiros e sete décimos por cento) da receita corrente líquida no

segundo exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional; III - 14,1%

(quatorze inteiros e um décimo por cento) da receita corrente líquida no terceiro exercício financeiro

subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional; IV - 14,5% (quatorze inteiros e cinco

décimos por cento) da receita corrente líquida no quarto exercício financeiro subsequente ao da

promulgação desta Emenda Constitucional; V - 15% (quinze por cento) da receita corrente líquida no

quinto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional.”. 432 A EC nº 86/2015 terminou por derrogar o art. 5º da Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de

2012, editada nos termos do art. 198, § 3º, I, que até então determinava o quantum devido pela União por

meio de fórmula matemática, sem índice pré-estabelecido e com cláusula proibitiva de repasse nominal a

menor, se ocorrido recuo do PIB.

138

Importante observação deve ser ressalvada no sentido de que, das emendas

parlamentares individuais, cujas verbas podem representar até 1,2% da receita prevista

pelo Executivo e que são liberadas independentes do aval da Administração, metade

(0,6%) é contabilizada para o atingimento daquele percentual estabelecido no art. 198, §

2º, I, conforme prescreve o art. 166, §§ 9º e 10 da Constituição Federal,433 também fruto

da EC nº 86/2015.

Nesse particular, menciona-se a salutar Proposta de Emenda Constitucional

– PEC nº 01/2015,434 já aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados com

emenda que a torna mais vantajosa, majorando paulatinamente o percentual obrigatório

até o patamar de 19,4% (dezenove vírgula quatro por cento) em 2023, sem dedução das

emendas parlamentares individuais dos parágrafos 9º e 10 do art. 166 da CR. Tal

incremento na receita da saúde acenaria para um horizonte melhor e mais digno para os

usuários do SUS, cabendo o acompanhamento do projeto junto à Câmara dos

Deputados, paralisado desde julho de 2016.435

No entanto, com a recente promulgação da Proposta de Emenda

Constitucional – PEC nº 241/2016, transformada na Emenda Constitucional – EC nº

95/2016,436 torna-se incerto o avanço pretendido pela PEC nº 01/2015 já mencionada.

Afinal, a instituição de novo regime fiscal impedirá a majoração do percentual

destinado à saúde pública pelos próximos vinte exercícios financeiros,437 o que poderá

433 “Art. 166. (...) § 9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de

1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado

pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de

saúde. § 10. A execução do montante destinado a ações e serviços públicos de saúde previsto no § 9º,

inclusive custeio, será computada para fins do cumprimento do inciso I do § 2º do art. 198, vedada a

destinação para pagamento de pessoal ou encargos sociais. 434 Proposta de Emenda à Constituição nº 01-A, de 2015: “Altera o art. 198 da Constituição Federal, para

dispor sobre o valor mínimo a ser aplicado anualmente pela União em ações e serviços públicos de saúde,

de forma escalonada em sete exercícios: 14,8%, 15,5%, 16,2%, 16,9%, 17,6%, 18,3% e 19,4%, e dá

outras providências.” 435 BRASIL. Câmara dos Deputados: PEC 1/2015. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=945979>. Acesso em: 2

nov. 2016. 436 Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016: “Altera o Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.” 437 “Art. 110. Na vigência do Novo Regime Fiscal, as aplicações mínimas em ações e serviços públicos de

saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino equivalerão: I - no exercício de 2017, às aplicações

mínimas calculadas nos termos do inciso I do § 2º do art. 198 e do caput do art. 212, da Constituição

Federal; e II - nos exercícios posteriores, aos valores calculados para as aplicações mínimas do exercício

imediatamente anterior, corrigidos na forma estabelecida pelo inciso II do § 1º do art. 107 deste Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias.” (BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro

de 2016. Disponível em:

139

acarretar consequências desastrosas para as prestações de saúde em geral e, em especial,

para a dispensação de medicamentos de alto custo, em vista do contínuo aumento da

demanda.

Quanto aos Estados, sua contribuição para a saúde se dá no importe de 12%

(doze por cento), incidentes sobre a arrecadação dos impostos previstos nos arts. 155,

157 e 159, I e II, da Constituição. É o que se dessume da diretriz constitucional prevista

no art. 198, § 3º, I, que delegou à Lei Complementar nº 141/2012 (art. 6º) o

estabelecimento do percentual de financiamento da saúde pelos Estados-membros.

Por fim, cabe aos Municípios destinar à saúde o percentual de 15% (quinze

por cento) de sua arrecadação, igualmente coletado a partir dos impostos de sua

competência, a teor dos arts. 156, 158, 159, I, “b” e § 3º da Constituição Federal.

Situação sui generis retrata o Distrito Federal, o qual, em vista de sua

natureza bipartite que congrega características concomitantes de Estado e Município,

contribui segundo a base de incidência do tributo. Logo, se o imposto recolhido está

inserido na competência do Estado, 12% (doze por cento) será devido à saúde. Se,

porventura, a base do tributo for municipal, então 15% do produto da arrecadação direta

será destinado às ações e serviços de saúde. Enfim, para impostos cuja base não possa

ser segregada em estadual ou municipal, 12% é repassado para o SUS.

Expostos os percentuais devidos a cada um dos entes federativos para o

financiamento da saúde, a vultosa discrepância de capacidade contributiva da União

para os demais pode ser visualizada a partir de caso concreto, tendo sido escolhido o

Município de Curitiba/PR no ano de 2015 para embasar o argumento a ser formulado.

A título de esclarecimento, é preciso compreender que os recursos

financeiros destinados à execução das ações de saúde do SUS, in casu, provêm de

contas municipais, estaduais e federais (LC nº 141/2012), sendo depositados no Fundo

Municipal de Saúde – FMS,438 o qual é o responsável pela sua administração, conforme

o Plano Municipal da Saúde (PMS),439 por sua vez circunscrito às diretrizes nacionais da

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc95.htm#art1>. Acesso em: 15 dez.

2016.) 438 Art. 77, § 3º, da Constituição da República; Art. 71 da Lei nº 4.320/64; Art. 33 da Lei nº 8.080/90;

Portaria MS-GM nº 545/93 – Norma Operacional Básica do SUS, item “4.1.1.b.3”; art. 159 da Lei

Orgânica do Município de Curitiba. 439 Art. 4º da Lei nº 8.142/90.

140

Programação Anual da Saúde (PAS) 440 e da Lei Orçamentária Anual (LOA), que está

inserida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e no Plano Plurianual (PPA).441

Segundo o Relatório de Gestão elaborado pela Secretaria Municipal de

Saúde para o ano de 2015,442 o orçamento total de recursos destinado à saúde de Curitiba

foi de R$ 1.565.511.845,22. Dessa soma, denota-se que o Município arcou sozinho com

pouco mais de 51,3% de todas as despesas, o que totaliza a quantia de R$

803.445.021,84 (oitocentos e três milhões quatrocentos e quarenta e cinco mil e vinte e

um reais e oitenta e quatro centavos), montante extremamente comprometedor, mesmo

para Municípios abastados.443 Atente-se que tal meta somente foi passível de

cumprimento em vista da destinação, pelo Município, do percentual de 21,20% da

receita arrecadada com os impostos de sua competência, consideravelmente acima do

mínimo legal previsto pelo art. 7º da Lei Complementar nº 141/2012, que estabelece

piso de investimento de 15%, sem olvidar da contrapartida oriunda do Estado do

Paraná, o qual realizou aporte financeiro de R$ 13.071.989,69 para o período.444

Tais valores podem, à primeira vista, causar perplexidade aos que não estão

familiarizados com os repasses constitucionais que abrangem o território nacional.

Todavia, se considerado o orçamento total da União para o mesmo exercício financeiro

de 2015, é possível relativizar o impacto que os medicamentos de alto custo teriam em

sua estimativa de gastos, uma vez que, segundo o anexo da Lei nº 13.115/2015,445 o

valor destinado ao Ministério da Saúde foi de R$ 121.011.373.943,00.

Tal qual asseverado em linhas precedentes, é cediço que tal valor repassado

ao Ministério da Saúde e seu Fundo Nacional de Saúde deve contemplar Municípios de

todos os Estados da Federação. Porém, a magnitude dos números relativos à União

indica ser este ente tranquilamente capaz de suportar, com segurança, o impacto

advindo da aquisição dos medicamentos de alto custo a cargo dos Estados, como forma 440 Art. 17, § 2º, da Lei Complementar nº 141/2012. 441 Art. 165 da Constituição da República. 442 CURITIBA. Secretaria Municipal de Saúde: Relatório de Gestão – Período de janeiro a dezembro de

2015. Disponível em: <http://www.saude.curitiba.pr.gov.br/images/relatorio%20final%202015%20

vers%C3%A3o%2004.04.2016.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2016. 443 CURITIBA. Secretaria Municipal de Saúde: Relatório de Gestão – Período de janeiro a dezembro de

2015. p. 52-56. Disponível em: <http://www.saude.curitiba.pr.gov.br/images/relatorio%20final%202015

%20vers%C3%A3o%2004.04.2016.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2016. 444 CURITIBA. Secretaria Municipal de Saúde: Relatório de Gestão – Período de janeiro a dezembro de

2015. p. 57. Disponível em: <http://www.saude.curitiba.pr.gov.br/images/relatorio%20final%202015

%20vers%C3%A3o%2004.04.2016.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2016. 445 BRASIL. Lei nº 13.115, de 20 de abril de 2015. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13115.htm>. Acesso em: 18 jul. 2016.

141

de evitar, até mesmo, que os demais entes federados esgotem seus recursos com o

cumprimento de decisões judiciais e findem por inviabilizar prestações de saúde de toda

sorte, até mesmo no atendimento básico, até que, a duras penas, sobrevenha ulterior

compensação administrativa – ou judicial.446

A preocupação externada é compartilhada por Fernando Rister de Sousa

Lima, para quem “é preocupante a grande parte da ações em trâmite em desfavor de

municípios que, na maioria, não têm condições de assumir tal ônus, especialmente

porque recebem a menor fatia da verba orçamentária, ínfima se comparada à dos

respectivos estados e à da União.”447 Ademais, Lenir Santos posiciona-se na mesma

direção ora defendida, pontuando que o ajuizamento de ações perante a seara federal é

medida que se impõe, dado o financiamento dos medicamentos de alto custo – bem com

daqueles não incorporados às listagens oficiais – se dar pelo próprio Ministério da

Saúde, devendo ser afastado o argumento da solidariedade.448

É nesse sentido que se afigura prudente reconhecer que compete à União

Federal a aquisição dos fármacos que repercutem de maneira gravosa os orçamentos de

Municípios e Estados e que não estão previstos na Relação Nacional de Medicamentos

Essenciais e nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas.

Quanto à justificativa para o reconhecimento de que a competência recaia

sobre a União, ela pode fundar-se (i) no critério da competência comum disposto no art.

23 da Constituição Federal, o qual pressupõe igualdade de atribuições desde a

aquisição, passando pelo controle interno até a dispensação de tais medicamentos, bem

como (ii) em razão da inexistência de normatização infralegal que estabeleça, dentro da

descentralização que orienta o sistema de saúde, quem é o ente chamado a responder

por determinado fármaco.

À vista do exposto, ultima-se a presente seção com duas conclusões

extraídas da linha argumentativa utilizada:

(i) A observância de normas técnicas não importa, automaticamente, o

descumprimento do Direito material. Ao contrário. Prestigia a forma de organização

446 Conforme dados constantes da pesquisa “DADOS DAS DEMANDAS JUDICIAIS DO PARANÁ”,

apresentada no subitem “1.2.2” do capítulo 1 do presente trabalho. 447 LIMA, Fernando Rister de Sousa. Op. Cit., p. 96. 448 SANTOS, Lenir. Decisão parcial do STF quanto ao fornecimento de medicamento de alto custo

sem registro no país. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/lenir-

santos/decisao-parcial-do-stf-quanto-ao-fornecimento-de-medicamento-de-alto-custo-sem-registro-no-

pais>. Acesso em: 17 out. 2016.

142

estatal e confere segurança e celeridade às prestações de saúde, devendo as instruções

normativas, portarias regulamentadoras e diplomas normativos de todo gênero contar

com um exame acurado por parte dos atores jurídicos envolvidos; e

(ii) Nos casos em que se discute a obtenção de medicamentos de alto custo

não previstos pela RENAME e PCDT’s, é a União Federal quem deve responder

perante o Poder Judiciário, à vista de sua capacidade financeira para providenciar a

entrega de medicamento e diante da ausência de repartição de competência específica,

preenchidos os demais requisitos legais e processuais.

3.2.3. A promoção de ações coletivas para a melhora do sistema de saúde

A proposição derradeira que almeja contribuir para a racionalidade do

fenômeno da judicialização da saúde por medicamentos de alto custo concentra esforços

na tutela coletiva dos direitos fundamentais. A proliferação de ações individuais que

requerem toda sorte de prestação de saúde tornou-se, lamentavelmente, um dado

presente em várias vertentes das ciências sociais – questão abordada especificamente no

subitem “2.1.2” da pesquisa. O impacto devastador de milhares de pretensões

individuais culmina com a desestabilização dos planos orçamentários elaborados

minuciosamente pelo Executivo, com base nos postulados estabelecidos pelo

Legislativo.

Esclareça-se que o ajuizamento de ações individuais que buscam prestações

de saúde não são, por si só, maléficas para o sistema jurídico, consubstanciando-se, em

muitos casos, o único meio de alcançar a tutela estatal.449 Porém, igualmente notório é o

fato de que, quanto maior a judicialização, menores e menos organizadas serão as

políticas públicas, o que dá azo à situação de colapso experimentada no sistema público

de saúde, com a proliferação de decisões por vezes desiguais.

Nesse quadro, quando duas prestações de saúde de idêntica natureza – v. g.

pleiteiam o mesmo medicamento, para a mesma enfermidade – são judicializadas, mas

culminam em resultados diferentes (uma procedente e outra improcedente), situação

corriqueira no âmbito do direito à saúde, o Judiciário termina por ocasionar insegurança

449 PERLINGEIRO, Ricardo. A tutela judicial do direito público à saúde no Brasil. Direito, Estado e

Sociedade, Rio de Janeiro, n. 41, p. 184-203, jul./dez. 2012.

143

onde deveria haver previsibilidade, encerrando a ilegitimidade do próprio Estado de

Direito.450

A desigualdade, segundo a lição de Alberto Fernando Garay,451 jamais

poderá decorrer da interpretação judicial, mas tão somente do próprio texto legal.

Somente nestes casos é que se estará dando estrito cumprimento aos postulados da

segurança jurídica e da eficiência administrativa. É nesse contexto de combate à

desigualdade havida durante as ações de promoção da saúde pública, aliado à busca por

medidas que intentem sanear alguns dos gargalos enfrentados no âmbito do Poder

Judiciário, é que se fomenta o uso intensificado das ações coletivas.

Em razão da jusfundamentalidade que reveste o próprio direito envolvido,

muitos litígios relacionados à saúde detêm clara conotação coletiva, mesmo quando

objeto de ações individuais.452 O potencial efeito multiplicador presente em tais

discussões decorre do princípio da isonomia e da necessidade de garantir à sociedade

igualdade de oportunidades aos seus cidadãos.453

Porém, é possível projetar ganhos incomensuráveis para a sociedade – e

para o Judiciário – através do manuseio de ações tendentes a atingir a causa da

instabilidade do sistema de saúde, ao invés do mero combate aos efeitos deletérios de

políticas públicas ineficazes e incapazes de cumprir com os propósitos ideados.

Afinal, em um país guarnecido por sistema federativo e com proporções

continentais, há uma necessidade premente de otimização das decisões provindas do

Poder Judiciário, as quais, para além de criteriosas, devem fundamentalmente conferir

tratamento equânime para situações semelhantes.454 Com ainda mais razão se as

contendas submetidas à jurisdição representarem os interesses de milhares de cidadãos,

a exemplo das demandas justicializadas para a defesa de interesses massificados, como

a dispensação de medicamentos de alto custo.455

450 MORAES, Vânila Cardoso André de. Demandas repetitivas decorrentes de ações ou omissões da

administração pública: hipóteses de soluções e a necessidade de um direito processual público

fundamentado na Constituição. Brasília: CJF, 2012. p. 58. 451 GARAY, Alberto Fernando. La igualdad ante la ley: decisiones administrativas contradictorias,

decisiones judiciales contradictorias, desigualdad procesal. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1989. p. 83. 452 PERLINGEIRO, Ricardo. Op. Cit., p. 197. 453 Idem. 454 MORAES, Vânila Cardoso André de. Op. Cit., p. 60. 455 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 2. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

144

Nesse sentido manifesta-se o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz

Edson Fachin, o qual declarou o seguinte em seu voto-vista proferido no julgamento do

RE com repercussão geral n. 566.471/RN: “As tutelas coletivas são o meio judicial

adequado a demonstrar, p. ex., que determinado medicamento, não tendo similar no

sistema público, em termos de eficácia e relação custo-benefício, deve ser incorporado à

rede pública ou, no mínimo, dispensado a certo grupo de pessoas que ostentam o

mesmo diagnóstico”.456

Trata-se, pois, do dever inafastável de promover segurança jurídica, aqui

entendida como a certeza de aplicação do Direito capaz de pacificar condutas e

possibilitar a convivência em sociedade.457 Aliando-se a tutela coletiva de reivindicação

de direitos para com as estratégias voltadas à promoção da saúde quanto ao

fornecimento de fármacos de elevado valor unitário, torna-se possível atingir notável

efeito concretizador do mínimo existencial, ao menos na forma como fora teorizada no

trabalho,458 na medida em que o controle das políticas públicas passa a ser mais efetivo e

capaz de rapidamente sanear rotinas porventura inadequadas ou insuficientes.

É certo que os procedimentos administrativos de saúde dizem respeito a

direitos de índole difusa, vez que os destinatários das ações realizadas pela

Administração Pública compõem um número indeterminado de pessoas, por sua vez

vinculadas umas às outras pelas circunstâncias fáticas de se verem atendidas no âmbito

do SUS.

Esclareça-se, porém, que não se está a asseverar que o direito à saúde deva

ser classificado unicamente como direito difuso, na medida em que se trata

reconhecidamente de pretensão jurídica dotada de multifuncionalidade, amoldável em

qualquer das “fôrmas legais” da legislação processual.459

Nessa senda, para materializar a defesa e participação efetiva no

desenvolvimento das políticas públicas de saúde, devem os legitimados valer-se do

456 YOUTUBE. Pleno - novo pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto

custo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y5HRYLyd1cU>. Acesso em: 17 out. 2016. 457 MORAES, Vânila Cardoso André de. Op. Cit., p. 61. 458 Item “1.1.2” da pesquisa. 459 Sobre o assunto cf. HACHEM, Daniel Wunder. A dupla titularidade (individual e transindividual) dos

direitos fundamentais econômicos, sociais, culturais e ambientais. Revista de Direitos Fundamentais e

Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 618-688, jul./dez. 2013.

145

permissivo legal constante do art. 5º da Lei nº 7.347/85,460 o que gera indubitavelmente

a diminuição de demandas individuais que tenham o mesmo objeto.

Não obstante o caso adiante mencionado não tenha sido originado a partir

de demanda coletiva, pode-se tomar como exemplo a situação excepcional

experimentada pelo Supremo Tribunal Federal diante da audiência pública realizada

com o fito de instruir o processo de Suspensão de Tutela Antecipada nº 175,461 para

demonstrar o caminho salutar que pode ser originado a partir de provocação de ordem

coletiva, quiçá tornando-se prática cotidiana no seio do Judiciário.462

Acerca da importância das audiências públicas como forma de prestigiar a

pluralidade de fontes legítimas para a prolação de decisões judiciais, Mônia Clarissa

Hennig Leal entende que representam “uma possibilidade de aproximação entre Estado

e Sociedade, ao viabilizarem a democratização do debate constitucional, conferindo

maior legitimidade democrática às decisões” e, com isso, possibilitando “a formação de

um juízo mais esclarecido, completo e consciente acerca das matérias debatidas”.463

Sob outro aspecto, destaquem-se igualmente a Resolução nº 107/2010, que

instituiu o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas

de assistência à saúde,464 responsável aperfeiçoar a atuação dos magistrados, bem como

a Recomendação nº 31/2010, que estimula o convênio entre Tribunais de Justiça e

equipes de apoio médico e farmacêutico para assegurar a prolação de decisões seguras e

eficientes,465 ambas do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, órgão de controle externo

do Judiciário, editadas com o mesmo propósito de otimização da política social e que

denotam esforços do Judiciário para incrementar suas decisões com dados de entidades

460 “Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a

Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia,

empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a)

esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades

institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem

econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio

artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (...)” (BRASIL. Constituição da República

Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao

compilado.htm>. Acesso em: 9 ago. 2016. 461 Cf. item inaugural do presente trabalho. 462 ANDRADE, Ricardo Barretto de. Op. Cit., p. 151-182. 463 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. As audiências públicas no âmbito do Supremo Tribunal Federal

brasileiro: uma nova forma de participação? Revista Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, v. 19, n. 2, p. 327-

347, mai./ago. 2014. 464 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 107, de 6 de abril de 2010. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2831>. Acesso em: 2 nov. 2016. 465 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Recomendação nº 31, de 30 de março de 2010.

Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=877>. Acesso em: 2 nov. 2016.

146

de classes e outros representantes da sociedade, conferindo, com isso, maior

legitimidade às demandas por medicamentos de alto custo.

Trata-se de esforço louvável, mormente por se consubstanciar a

pavimentação de um constitucionalismo contemporâneo, resultante da necessária

evolução do protagonismo judicial expresso pelo modelo adotado pela Constituição da

República, de solução final pelo órgão jurisdicional.

Pelo exposto, é possível lançar nota conclusiva no sentido de que as ações

coletivas devem ocupar lugar destacado dentre as propostas de melhora da qualidade da

saúde pública pela via do Poder Judiciário466 e, especificamente, pelo incremento de seu

Componente Especializado da Assistência Farmacêutica – CEAF, porque são capazes

de discutir as mazelas do Sistema Único de Saúde a partir de uma perspectiva de

macrojustiça.

As ações coletivas são capazes de fornecer subsídios para o atendimento do

princípio da segurança jurídica e da isonomia, além de possibilitar a modificação da

própria política pública, em detrimento de mudanças pontuais insuficientes para

robustecer a política de medicamentos de alto custo e outras afins.

466 “o controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário não deve ser tido como uma exceção, mas antes

como uma regra” (ARENHART, Sérgio Cruz. As ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo

poder judiciário. Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, Brasília v. 1, n. 1, p. 2-20, 2009.

147

CONCLUSÃO

Apresentados os propósitos anunciados no trabalho presente, é chegado o

momento de exprimir, sinteticamente, as ideias cardeais por ele ambicionadas,

deixando-se transparecer o intento de contribuir para com o desenvolvimento do direito

fundamental à saúde, em sua dimensão específica relacionada ao fornecimento de

medicamentos de alto custo. E, para compendiá-las, seguir-se-á ordem idêntica à

apresentada nos capítulos.

Do primeiro capítulo, a mensagem precípua que se extrai é a necessidade de

se entender o direito à saúde no Brasil. A compreensão do sentido e do alcance do dever

do Estado em promover ações de assistência à saúde traduz-se em questão de primeira

ordem, item básico de sobrevivência para os que dependem do aparato estatal para

convalescer ou aplacar o sofrimento decorrente de moléstias de todo gênero. E, para

atingir este nobre desiderato, não há melhor maneira de reunir conhecimento do que o

estudo detido do artigo 196 da Constituição brasileira, abundante de significados

capazes de proporcionar revelações sobre a premissa fundamental de atendimento

universal e integral, sem olvidar de outras garantias inerentes ao Estado Social.

No caminho para a percepção do peso do direito à saúde e buscando um

alicerce seguro para demonstrar a incumbência do Estado na dispensação de fármacos

excepcionais, a pesquisa conduz a investigação para aquilo que considera ser o núcleo

jurídico do mandamento constitucional que preceitua o acesso às prestações positivas de

saúde: o mínimo existencial e seu âmbito de atuação.

Após apresentar explanações de setores abalizados da doutrina, exsurge

conclusão no sentido da relação umbilical entre o princípio da dignidade da pessoa

humana e o mínimo existencial, este tido como um leque de direitos específicos

voltados à concretização da situação de integridade material do indivíduo, alcançada por

meio de posturas proativas do Estado que visam incutir igualdade de oportunidade a

todos os seus cidadãos, consubstanciando-se em direitos plenamente exigíveis perante o

Judiciário.

Nesse contexto de reconhecimento do mínimo existencial enquanto direito

sindicável perante o Estado, conforme aduzido no decorrer da pesquisa, não pode o

custo dos medicamentos ser considerado um critério válido para que o cidadão seja

148

alcançado pelas prestações advindas das políticas estatais, pois, além de a Constituição

de 1988 nada dispor a respeito, a aquisição via Administração Pública por vezes se

torna a única esperança para os que dependem de fármacos cujo valor supera suas

provisões, estando a medicação excepcional, portanto, totalmente inserida no conceito

de mínimo para uma existência digna, condizente, inclusive, com o conceito de direito à

saúde contemporâneo concebido pela Organização das Nações Unidas.

Outra importante nota conclusiva se dá em relação à sistematização da teia

constitucional que forma o Sistema Único de Saúde. Desta feita, ao elencar as

características do conjunto, insculpidas no art. 7º da Lei nº 8.080/90 – denominada “Lei

Orgânica da Saúde” –, o trabalho procura destacar a importante evolução jurídica

causada por um sistema que, persuadido pelo momento histórico de estabelecimento de

um novo regramento constitucional – a Constituição da República de 1988 –, ratificou o

comando universalizante do art. 196 da CR e, para além disso, deu-lhe corpo e funções

concretizadoras, capazes de atender pleitos de saúde de todo gênero – inclusive pedidos

de medicamentos de alto custo.

Adiante, sem maiores digressões, evidenciou a pesquisa posicionamento no

contrafluxo do acervo doutrinário-jurisprudencial atual, no sentido de preservar a

competência delineada a cada um dos entes federativos, como única maneira de

preservar a produtividade do SUS e seu imenso universo de atendimentos. Longe de se

consubstanciar barreira ao acesso, pelo cidadão, ao sistema coletivo de saúde, a

repartição de competências evidencia uma salutar divisão de trabalhos, cuja fonte de

custeio advém de um orçamento uno, regulamentado, em sua maior proporção, pela

União Federal. Respeitá-lo, contudo, demanda acesso à informação, pelo usuário do

SUS, seus representantes administrativos ou judiciais, os quais também possuem, a

exemplo do Poder Público, deveres relacionados à subsistência do sistema de saúde.

Ao final do capítulo inaugural, a pesquisa elabora um conceito do que

seriam medicamentos de alto custo, para além do critério objetivo expresso pelas

listagens oficiais de medicamentos. Por meio do reconhecimento de seu caráter relativo

do alto custo, optou-se por atrelar a noção conceitual à condição socioeconômica do

postulante, momento em que são averiguadas as peculiaridades do caso concreto,

cabendo à autoridade administrativa ou ao magistrado investigar acerca da real

149

necessidade e pertinência da disponibilização do fármaco, relação custo benefício e

alternativas profiláticas segundo as diretrizes oriundas das políticas públicas de saúde.

O capítulo 2 foi incumbido de aclarar o tratamento administrativo conferido

ao direito à saúde para o fornecimento de medicamentos de alto custo. Inicialmente

descritivo, a proposta inicial encontrada foi a de pormenorizar a chamada “Política

Nacional de Medicamentos” para, assim, denunciar os conflitos e os pontos de tensão

entre Administração Pública e Poder Judiciário, sob o ponto de vista daquela. Chega-se

à conclusão de que a notória postura proativa do Poder Judiciário decorre, em muitos

casos, de uma grave omissão estatal, por sua vez já fatigada pela ingerência indevida do

Judiciário em questões legitimamente tratadas pelo Executivo, em um círculo vicioso

prejudicial a todo o sistema normativo.

Aventa-se que a suspeita para a atuação judicial desmesurada esteja

intrinsecamente relacionada à necessidade de se fornecer alguma resposta aos cidadãos,

já desacreditados por conta de direitos e garantias individuais conferidos pela

Constituição Federal. O problema colocado é que, via de regra, diretrizes orçamentárias

e outros desdobramentos surgidos a partir de decisões judiciais são solenemente

ignorados, o que igualmente não pode prevalecer, sob pena do estabelecimento de uma

anômala “política pública jurisdicional”.

Urge compreensão, portanto, no sentido de haver equilíbrio entre os Poderes

instituídos, para que, tanto protocolos contendo posturas médico-hospitalares, quanto

listas de medicamentos para males de todo gênero, sejam aperfeiçoados constantemente,

atendendo satisfatoriamente às demandas que constituem a realidade do sistema de

saúde e, com isso, permitindo a sua evolução.

Prosseguindo, traz o capítulo segundo as figuras do ativismo judicial e da

judicialização da política, fenômenos naturalmente interligados, mas que não se

confundem. O desenlace obtido com a exposição de tais fenômenos é claro: vive-se em

uma sociedade jurídica claramente protagonizada pelo Judiciário. Diante de tal

panorama, em que as definições de certo e errado são dadas pelo Poder Judiciário e não

há margem para o pensamento crítico, é preciso capitular sobre o contexto em que as

decisões judiciais que concedem medicamentos e tratamentos médicos custosos são

proferidas. Pois, ainda que não haja consenso sobre o significado e o alcance do

ativismo, formado por diferentes vieses ideológicos, seu impacto crescente nas políticas

150

públicas deve, ao menos, ser temperado com doses generosas de conhecimento do

aparato estatal e precisão quanto ao cumprimento de critérios que evidenciem a real

necessidade de fármacos que, não raro, representam o orçamento anual de certas

localidades. Somente dessa forma é que se racionalizará a judicialização da saúde,

relegando aos magistrados somente casos pontuais, específicos e situados na fronteira

fluida da ainda vigente separação tripartite dos Poderes.

Concluindo a segunda parte, a pesquisa enuncia a desjudicialização ocorrida

em Portugal. Da experiência lusitana, soerguem-se lições importantes de um sistema

político que trilhou caminho diametralmente oposto ao Brasil: se, de um lado, ter o

Judiciário como uma “profecia que se cumpre por si mesma” não contribui para o jogo

democrático, menor ainda é o aporte quando aquele Poder está submetido ao jogo

político, sofrendo reformas que o enfraquecem e o impedem de preencher o vazio

estatal.467

Entretanto, quando visto sob o viés da desjudicialização em si, enquanto

atividade fomentadora da resolução extrajudicial de conflitos, a experiência portuguesa

pode ser útil para prevenir conflitos atualmente submetidos ao Judiciário, como nos

casos dos medicamentos de alto custo já constantes das listagens oficiais, mas

indevidamente não fornecidos pelo ente público com lastro unicamente em disposições

orçamentárias. Ao menos para estes casos, métodos alternativos, a exemplo da

conciliação, mediação e arbitragem pública, poderiam ser fortalecidos, desafogando o

Poder Judiciário e permitindo que o Executivo planejasse melhor suas ações e serviços

de saúde, sem olvidar que o Legislativo teria bons subsídios fáticos para editar leis que

melhor balizassem o orçamento.

Coube ao capítulo 3 rematar o trabalho, apresentando o direito à saúde

quanto aos medicamentos de alto custo, agora sob a perspectiva dos tribunais. Afora o

necessário compêndio dos critérios comumente listados pelos julgadores em casos que

envolvem o direito à assistência farmacêutica de alto custo, relacionados à solidariedade

passiva, conceituação genérica e carente de especificidade do mínimo existencial,

desmonte da política pública concretizada por um único laudo pericial, entre outras

características, todas repelidas no momento adequado do desenvolvimento, a pesquisa

detém-se em questão concernente à existência do Recurso Extraordinário com

467 ASENSI, Felipe Dutra. Op. Cit., p. 191-235.

151

repercussão geral nº 566.471/RN, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, o qual

expõe a tentativa do próprio Poder Judiciário de determinar, do ponto de vista da

macrojustiça, se cabe ao Estado fornecer medicamentos de alto custo.

Conforme pontuado a respeito, o cerne da discussão se dá sob o prisma do

custo dos medicamentos. Porém, espera-se que a questão não seja enfrentada somente

sob tal perspectiva, considerando-se que a imprescindibilidade do fármaco, comprovada

irrefutavelmente, deve preponderar sobre o critério econômico puro.

Além disso, o cuidado com a repercussão geral ora mencionada deve ser

redobrado, diante do “efeito cascata” que pode acarretar ao sem número de processos

que tramitam em todas as instâncias, os quais têm obrigação de vincular as decisões ao

resultado do RE nº 566.471/RN, seja para asseverar que os jurisdicionados não têm

direito ao fármaco pleiteado, o que culmina por reunir pretensões legítimas e ilegítimas

no mesmo “cesto”, ou para alargar irremediavelmente o conceito de direito à saúde –

tornando ainda mais frágeis os quesitos atuais utilizados para a concessão de

medicamentos. Portanto, deposita-se grande expectativa no resultado de tal recurso

extraordinário, na medida em que de seu resultado depende o Sistema Único de Saúde.

A reserva do possível é o tema objeto da seção seguinte, eis que traduz

importantíssimo argumento utilizado pelos entes públicos, quando defendem a

impossibilidade de arcar com as pretensões medicamentosas que demandam recursos

consideráveis. Traçada a sua origem doutrinária, não há maiores dificuldades para

entendê-la como plenamente aplicável ao arcabouço normativo pátrio.

Porém, para além da mera retórica relacionada à limitação orçamentária,

sequer comprovada pelos demandantes públicos em muitas contendas judiciais, é

preciso mais. Isso porque, a reserva do possível diz com cada caso concreto e é,

inexoravelmente, pautada pelo mínimo existencial. Sua ocorrência certamente poderá

ser invocada diante de casos em que não haja proporcionalidade ou razoabilidade,

tampouco suportes fático-jurídico e humano, como nas situações de prescindibilidade

do medicamento pleiteado judicialmente pela existência de outro, cujo efeito seja

idêntico e conste das listas oficiais de medicamentos, ou ainda de fármacos não

aprovados pelo órgão de controle – ANVISA, além de pleitos que versem sobre direitos

outros que não componham a esfera mínima ofertada a todos universalmente, como o

152

fornecimento de próteses e órteses de última geração, por questões de preferência

pessoal.

Finalmente, a maneira encontrada pelo capítulo terceiro para promover o

desfecho da pesquisa é a enumeração de proposições que ultimam aperfeiçoar a

conjuntura atual, revestindo o SUS com expedientes que o tornem cada vez mais

efetivo. Nessa senda, a exigência indispensável de perícia em casos de fornecimento de

medicamentos não pode encontrar obstáculos de qualquer ordem, pois sua realização

tem por finalidade vital a preservação do próprio sistema único, não se olvidando de

eventual deferimento liminar em casos notadamente urgentes, cuja perícia, ainda que

realizada em momento posterior, servirá para aclarar tanto o caso concreto, como

também servirá de subsídio para futuros pedidos judiciais, em uma compilação de dados

que poderá beneficiar o Judiciário e, acima de tudo, os gestores do SUS, que

identificarão em tais julgados as suas maiores demandas.

Via de consequência, a pesquisa refuta o uso do mandado de segurança, tão

difundido na seara judicial, na medida em que entende não ser possível comprovar, de

plano, o direito a dado medicamento tão somente por indícios documentais, os quais

deverão necessariamente ser conjugados com o resultado de perícia técnica, além de

outros meios que objetivem o esclarecimento do pedido.

Nova proposta é engendrada, no sentido de reconhecer a União como única

pessoa jurídica de direito público que reúne condições para responder pelos pedidos

judiciais de fornecimento de fármacos de valor elevado. A partir de construção sucinta e

objetiva, a pesquisa elenca os motivos que entende suficientes para o apontamento da

União como responsável, a saber: a repartição infraconstitucional de competências

decorrente do art. 196 da Constituição e o orçamento dos entes federativos.

Ora, sabe-se que a solidariedade não pode ser presumida. Com maior razão

não deve esta subsistir frente aos postulados do Direito Administrativo, responsável

pelo proceder dos entes públicos, vinculados que estão ao princípio da legalidade

administrativa. Para além da questão principiológica, o regramento infraconstitucional –

Lei nº 8.080/90, estabeleceu os critérios para a divisão das atribuições entre União,

Estados e Municípios. Não há, assim, razão para prevalecer a solidariedade construída

jurisprudencialmente e hoje em vigor.

153

E mais. Conforme trazido no decorrer do trabalho, é acintosa a diferença

entre os orçamentos de Estados-membros e Municípios, quando comparados à

capacidade arrecadatória da União federal. Dados oficiais traduzem uma discrepância

que, apesar de inerente às federações estabelecidas, forçam interpretação no sentido de

que, diante de medicamentos que correspondem a valores avultantes, deve o ente mais

abastado responder pelo seu fornecimento – ou comprovar a sua irresponsabilidade.

Invoca-se, aqui, espécie de objeção de consciência para judicializar pleitos de saúde

perante a União, para uma necessária equalização do fluxo de processos judiciais.

Por último, uma contribuição de índole processual: o apelo para a promoção

de ações coletivas, quando possível, com vistas a padronizar situações fáticas idênticas

em que se encontram muitos enfermos. Afinal, são contumazes os casos em que, para

alcançar a cura, diversos cidadãos sejam submetidos aos mesmos protocolos médicos,

ainda que tais tratamentos se revelem de custo elevado. São os casos de carcinomas,

hepatites e doenças endêmicas, a exemplo da leishmaniose.

Logo, nos termos dos argumentos desenvolvidos, a obtenção de tutelas

coletivas servirá, ao mesmo tempo, para detectar a falha na política pública, justicializá-

la em foro competente para tanto, além de obter provimento capaz de agir na causa de

tal inconsistência, ao invés de atacar tão somente os seus efeitos.

Enfim. Proposto o desafio de estudar o direito à saúde para o fornecimento

de medicamentos de alto custo, espera-se que os argumentos desenvolvidos nas páginas

vencidas sejam suficientes para, de alguma maneira, contribuir para o avanço das

incessantes discussões que objetivam empregar efetividade ao sistema público de saúde

desenvolvido pelo Estado Social adotado pelo país desde a promulgação da

Constituição da República de 1988.

Pois, conforme já asseverado por Romeu Felipe Bacellar Filho,468 o bem-

estar é, nada menos, que a sensação de felicidade. E sem saúde, não há felicidade.

468 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Prefácio. In: PIVETTA, Saulo Lindorfer. Direito fundamental à

saúde: regime jurídico, políticas públicas e controle judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p.

13-14.

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