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Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1 PONTOS PARA REFLEXÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO REGIONAL SUSTENTÁVEL A PARTIR DOS PROJETOS AGRO-EXTRATIVISTAS (PAE’S) DO INCRA NO ESTADO DO PARÁ [email protected] APRESENTACAO ORAL-Evolução e estrutura da agropecuária no Brasil MÁRIO TITO BARROS ALMEIDA; MARIO MIGUEL AMIN GARCIA HERREROS. UNAMA, BELEM - PA - BRASIL. Pontos para reflexão sobre desenvolvimento regional sustentável a partir dos Projetos Agro-Extrativistas (PAE’s) do INCRA no Estado do Pará Grupo de Pesquisa: Evolução e estrutura da agropecuária no Brasil Resumo A preocupação com a questão ambiental, por sua urgência e por estar no foco das discussões na atualidade, tem direcionado a agenda das políticas públicas no Brasil. Com relação ao Programa de Reforma Agrária, em curso há 40 anos no país, esta problemática reveste-se de particular importância por associar questão agrária e desenvolvimento sustentável. A partir de 2004, o Incra passou a implementar na Amazônia (em especial no âmbito da jurisdição da Superintendência Regional do Pará – SR 01, com sede em Belém) uma ação específica de atendimento aos trabalhadores rurais denominado Projeto Agro- Extrativista (PAE). Destinado a realizar a inserção de populações tradicionais das ilhas do nordeste paraense no processo de desenvolvimento regional, esta nova forma de realizar a reforma agrária na Amazônia põe em foco a problemática da possibilidade de um desenvolvimento baseado no extrativismo e o questionamento sobre a própria viabilidade desta inserção de populações tradicionais. Se, por um lado, os PAE’s, efetivamente realizam um incremento considerável na qualidade de vida dos ilhéus e conseguem promover a reorganização fundiária por meio da quebra de relações semi-feudais na região, por outro, não conseguem isoladamente promover a inserção da região na dinâmica da hegemonia do sistema de mercado na contemporaneidade. Palavras-chave: Reforma agrária; Questão ambiental; Projeto Agro-extrativista; Desenvolvimento regional sustentável; Extrativismo. Issues for reflection about the regional sustainable development from the INCRA´s Agro-extractive Projects (PAE’s) in the State of Para Abstract The concern with environmental issues, by their urgency and for being the center of discussions today, have influenced the public policy agenda in Brazil. The Land Reform Program, in discussion for the last 40 years, has been an important issue by associating agrarian reform and sustainable development. The INCRA, since 2004, began to implement in the Amazon (especially within the jurisdiction of the Regional Office of the State of Para - SR 01, located in Belem) a specific program called the Agro-Extractive

PONTOS PARA REFLEXÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO … · “necessidades humanas ilimitadas e recursos naturais limitados”. ... quantidade de utilização está diretamente ligada às

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PONTOS PARA REFLEXÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO REGIONAL SUSTENTÁVEL A PARTIR DOS PROJETOS AGRO-EXTRATIVISTA S (PAE’S)

DO INCRA NO ESTADO DO PARÁ [email protected]

APRESENTACAO ORAL-Evolução e estrutura da agropecuária no Brasil

MÁRIO TITO BARROS ALMEIDA; MARIO MIGUEL AMIN GARCIA HERREROS. UNAMA, BELEM - PA - BRASIL.

Pontos para reflexão sobre desenvolvimento regional sustentável a partir dos

Projetos Agro-Extrativistas (PAE’s) do INCRA no Estado do Pará

Grupo de Pesquisa: Evolução e estrutura da agropecuária no Brasil Resumo A preocupação com a questão ambiental, por sua urgência e por estar no foco das discussões na atualidade, tem direcionado a agenda das políticas públicas no Brasil. Com relação ao Programa de Reforma Agrária, em curso há 40 anos no país, esta problemática reveste-se de particular importância por associar questão agrária e desenvolvimento sustentável. A partir de 2004, o Incra passou a implementar na Amazônia (em especial no âmbito da jurisdição da Superintendência Regional do Pará – SR 01, com sede em Belém) uma ação específica de atendimento aos trabalhadores rurais denominado Projeto Agro-Extrativista (PAE). Destinado a realizar a inserção de populações tradicionais das ilhas do nordeste paraense no processo de desenvolvimento regional, esta nova forma de realizar a reforma agrária na Amazônia põe em foco a problemática da possibilidade de um desenvolvimento baseado no extrativismo e o questionamento sobre a própria viabilidade desta inserção de populações tradicionais. Se, por um lado, os PAE’s, efetivamente realizam um incremento considerável na qualidade de vida dos ilhéus e conseguem promover a reorganização fundiária por meio da quebra de relações semi-feudais na região, por outro, não conseguem isoladamente promover a inserção da região na dinâmica da hegemonia do sistema de mercado na contemporaneidade. Palavras-chave: Reforma agrária; Questão ambiental; Projeto Agro-extrativista; Desenvolvimento regional sustentável; Extrativismo.

Issues for reflection about the regional sustainable development from the INCRA´s Agro-extractive Projects (PAE’s) in the State of Para

Abstract The concern with environmental issues, by their urgency and for being the center of discussions today, have influenced the public policy agenda in Brazil. The Land Reform Program, in discussion for the last 40 years, has been an important issue by associating agrarian reform and sustainable development. The INCRA, since 2004, began to implement in the Amazon (especially within the jurisdiction of the Regional Office of the State of Para - SR 01, located in Belem) a specific program called the Agro-Extractive

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Project (PAE) to attend farm workers. Designed to achieve the integration of traditional populations of the northeastern islands of te State of Pará in a regional development program, caracterized by a new way of carrying out land reform in the Amazon based on the alternative of extractive land development but raising, at the same time, questions on its economic viability for the participation of traditionals populations. If, on the one hand, the PAE's, actually helps to increase the populations quality of life and it promotes the reorganization of land by breaking the semi-feudal relations in the region, on the other hand, it can not promote alone the integration of the region in the dynamics of the market system hegemony in the present time. Key-words: Land reform; Environmental issues; Agro-Extractive Project; Sustainable Regional Development; Extractivism. 1. INTRODUÇÃO

A questão ambiental é um dos assuntos mais abordados na virada do milênio. As

preocupações com o futuro da humanidade a partir do ritmo de consumo dos recursos naturais à sua disposição vêm colocando em destaque a famosa expressão da economia: “necessidades humanas ilimitadas e recursos naturais limitados”.

Várias são as posições que se defrontam diante desta questão, desde as mais extremadas (“crescimento zero” ou “desenvolvimento a qualquer custo, pois a questão ambiental é um recurso ideológico dos países dominantes”), até aquelas que tentam conjugar desenvolvimento econômico com o cuidado com o meio ambiente. No emaranhado de posicionamentos, assiste-se também a tomadas de posições igualmente opostas: de um lado, grupos que tentam barrar o desenvolvimento com o pressuposto de que é melhor deixar intacto o que resta de recursos naturais e, de outro, aqueles que defendem a inserção das economias pobres a partir da exploração de suas vantagens comparativas no mercado internacional, que são exatamente os recursos naturais que possuem.

A consolidação da economia de mercado como hegemônica na contemporaneidade põe em relevo a questão de como conjugar desenvolvimento econômico com conservação ambiental. Assim, perde espaço, num mundo que olha com temor para a própria sobrevivência, o tipo tradicional de desenvolvimento que, para maximizar lucros, foi baseado na utilização ilimitada dos recursos naturais sem levar em considerações os custos sociais e ambientais.

Neste sentido, é premente a questão de como se pode por em prática o “novo paradigma” do desenvolvimento sustentável, garantindo, ao mesmo tempo, produtividade para abastecer o mercado interno e o internacional (exigências da economia de mercado), racionalização do uso dos recursos naturais - escassos por definição – e melhoria de qualidade de vida para populações pobres.

E mais: aprofundando esta discussão, torna-se necessário, especialmente no que diz respeito à Amazônia, perguntar-se qual o papel da atividade extrativista no meio desta, assim chamada, mudança de paradigma. Isto é, as populações amazônidas tradicionais que baseiam sua subsistência no extrativismo podem ou não ser incorporadas neste processo?

Esta discussão cada vez mais encontra lugar no âmbito do processo de reforma agrária implementada no Brasil. Na verdade, o próprio conceito de reforma agrária vem

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sofrendo mudanças e ampliando-se de modo a ir além do simples fato de assentar trabalhadores rurais em terras improdutivas desapropriadas para fins de interesse social, até atingir também a promoção de populações tradicionais que vivem secularmente do extrativismo, especialmente na Amazônia, incorporando também a questão ambiental e integrando as ações no contexto mais amplo de desenvolvimento rural sustentável.

A partir destas reflexões, o presente trabalho visa realizar uma análise crítica da viabilidade da existência de um desenvolvimento que seja sustentável no meio extrativista, tendo como pano de fundo a ação que o INCRA vem realizando nos últimos 6 anos nas ilhas do nordeste paraense, por meio dos Projetos Agro-extrativistas (PAE’s).

Para realizar esta investigação procede-se da seguinte forma. Primeiramente, busca-se entender qual o “status quaestionis” da problemática ambiental e o que se entende pelos conceitos – tão (mal) utilizados – de desenvolvimento sustentável e de extrativismo, a fim de que se possa perguntar sobre sua exeqüibilidade ou até mesmo sobre a manipulação ideológica que a “sustentabilidade” pode sofrer. A tentativa é de realizar uma definição de conceitos (“explicatio terminorum”) que permita um estudo sobre a viabilidade econômica e ambiental das ações entre as populações que vivem do extrativismo.

A partir destas definições conceituais, analisam-se em seguida as ações do INCRA tendo como base no o I e o II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e suas preocupações com a questão ambiental, buscando identificar na criação recente dos PAE’s como está sendo tratada a possibilidade de conjugar extrativismo, desenvolvimento sustentável, conservação ambiental e exigências do mercado. Analisa-se para isso o documento do Incra que trata da implantação destes PAE’s e de sua metodologia, o qual prevê a parceria entre moradores, técnicos do Incra e das agências governamentais de meio ambiente (IBAMA e SECTAM).

Este trabalho é, na verdade, um ensaio no qual se pretende adentrar, ainda que superficialmente, no emaranhado de discussões teóricas e práticas sobre a viabilidade ou não de ações de reforma agrária em meio a populações que têm um estilo de vida no qual a relação natureza-subsistência-extrativismo foi capaz de satisfazer os horizontes de desejos de várias gerações, mas ao mesmo tempo, relegou-as à margem do processo de desenvolvimento.

Em suma, a questão-chave deste exercício pode ser assim explicitada: as ações do Incra através dos PAE’s nas ilhas do nordeste paraense garantem desenvolvimento, sustentabilidade, conservação dos recursos naturais e da biodiversidade e melhoria da qualidade de vida dos ilhéus diante do quadro hegemônico da economia de mercado?

2. DESENVOLVIMENTO, QUESTÃO AMBIENTAL E EXTRATIVI SMO

Nesta primeira parte do trabalho busca-se entender melhor o conceito de

desenvolvimento, destacando a problemática dos recursos naturais escassos e as conseqüências de sua utilização desenfreada. Abordar-se-á também a questão ambiental, procurando estabelecer como pode acontecer a conjugação entre mercado e meio ambiente a partir da análise crítica do conceito de desenvolvimento sustentável e sua relação com o extrativismo.

2.1 O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E O CASO DO BRASIL

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O termo desenvolvimento evoca necessariamente a idéia de evolução, de progresso,

de saída de uma situação de dificuldade para outra de mais bem-estar. Com este termo entendem-se, além das mudanças quantitativas no PIB, todas as modificações que alteram a alocação dos diferentes setores da economia e a própria composição do produto, ou seja, o desenvolvimento, além de incluir dados sobre o crescimento, implica incremento de qualidade vida.

Sendo uma situação específica da economia de mercado, o desenvolvimento pressupõe domínio do homem sobre a natureza. Não apenas um domínio circunstancial ou com vistas a uma sobrevivência individual ou grupal, mas um domínio com vistas à produção de excedente, à maximização dos lucros e à aquisição de vantagens comparativas em relação aos concorrentes no mercado.

Esta visão de desenvolvimento mostra que para garantir mais bem-estar e mais lucro o homem precisou romper com a primitiva concepção de unidade íntima com a natureza e através da técnica (ou da “racionalidade instrumental” no dizer dos filósofos da Escola de Frankfurt1) submete a natureza (ou seja, os recursos naturais) à lógica da dominação do capital.

Desde o século XIX o desenvolvimento foi acontecendo por meio da utilização sem medida dos recursos naturais, lá onde eles estivessem. Foi assim na colonização da América, da África e da Ásia. Possuir as fontes dos recursos naturais era, por isso, condição necessária para ter sucesso no mercado internacional.

Esta relação “desenvolvimento-utilização intensiva dos recursos naturais” foi o binômio que guiou o processo de implantação do capitalismo em nível global. Sustentado nas idéias-forças da propriedade privada e do lucro2, este baseia sua eficiência na produção em escala e na exploração do trabalho pelo capital (mais valia), associado ao investimento em tecnologia para acelerar a produção. Tal tecnologia, no início, constitui-se de “máquinas-extensão do corpo humano” até chegarem a “máquinas-extensão do ‘cérebro’ (intelecto) do homem”. No capitalismo, a máquina é a resposta à necessidade de acumulação de mais valia. Os recursos naturais são considerados fatores de produção e a quantidade de utilização está diretamente ligada às necessidades de maximização do lucro.

O conceito de desenvolvimento nasce justamente com o capitalismo, no qual tempo, produtividade e eficiência constituem-se nos seus fundamentos. Adam Smith o define como a substituição do trabalho improdutivo (para consumo) pelo trabalho produtivo (para o mercado).

Considerado como insustentável, este tipo de desenvolvimento mantêm um alto nível de produção e consumo, relegando a segundo plano a questão dos recursos naturais não renováveis. É como se o proprietário estivesse consumindo a própria galinha dos ovos de ouro.

1 Os filósofos da Escola de Frankfurt (Horkheimer, Adorno, Benjamim, Marcuse, Habermas, entre outros) fazem uma

vigorosa crítica à racionalidade moderna identificando, no capitalismo, a realização do absolutismo da racionalidade instrumental, ou seja, da razão que vale somente enquanto produz e o homem é apenas considerado como “homo faber”. Ver, a respeito, MATOS (1993). 2 Na expressão marxista, D – M – D’, no qual D’ > D, sendo que D = dinheiro, M = mercadoria e D’ = dinheiro resultante do

processo.

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O processo de desenvolvimento econômico no Brasil seguiu, mesmo que tardiamente, o mesmo padrão. A industrialização centrada no Sul e no Sudeste do país deu-se também às custas da exploração intensiva dos recursos naturais a ponto de ser necessário, a partir da segunda metade do século XX, avançar as fronteiras e colonizar fortemente outras regiões do país.

Na Amazônia, este processo se fez sentir com brutalidade impressionante. Com o lema “terra sem homens para homens sem terra”, o governo federal promoveu, a partir da década de 60 do século XX, uma colonização baseada na ocupação da terra com impactos irreversíveis que produzem conseqüências ainda hoje. Segundo Hébette e Silva (2000: p.243),

“as conseqüências das políticas de assentamento, dos incentivos para a agropecuária, a indústria madeireira e a mineração já foram amplamente documentadas (...). Os conflitos rurais, a concentração de terras, o desmatamento acelerado, a degradação ambiental e, acima de tudo, a pobreza e o sofrimento gerados por estes processos, deixaram profundas cicatrizes na população que até hoje luta pela sobrevivência na região”.

Assim, pode-se afirmar que se o principal objetivo do desenvolvimento econômico

é satisfazer as necessidades e aspirações humanas, a preocupação hodierna maior é com o impacto do desgaste ecológico sobre as perspectivas econômicas, pois, como afirma Sachs (1995:31-2), “é um erro dizer que os exorbitantes custos sociais e ecológicos de certas formas de crescimento econômico constituem danos inelutáveis do progresso”.

De fato, tornou-se urgente buscar um caminho de superação que respeite as condições de vida da humanidade e o meio ambiente e torne sustentável a utilização dos recursos naturais. Isto é, uma produção que siga as exigências de mercado, mas que também considere fortemente os apelos da conservação ambiental. 2.2 A QUESTÃO AMBIENTAL: ENTRE OS LIMITES DO MERCADO E DA

NATUREZA

Antes de continuar a discussão sobre esta espécie de “novo paradigma” do desenvolvimento no sistema capitalista a partir das preocupações com o meio ambiente, é preciso delimitar conceitualmente o que se quer dizer com as expressões mais usadas. Palavras como ecossistema, impacto ambiental, sustentabilidade, preservação, conservação e outros conceitos correlatos são comumente utilizados e necessitam de uma explicação terminológica.

Define-se meio ambiente como sendo o conjunto de todos os componentes vivos ou não, além dos fatores, tais como clima, que existem no local em que um organismo vive. As plantas, os animais, as montanhas e os oceanos, a temperatura e a precipitação, tudo faz parte do meio ambiente do organismo. Compreende-se, então, que ao falar de meio ambiente faz-se referência a todo o conjunto de elementos que compõem a vida. O homem pode usar o meio ambiente como fornecedor de recursos, como fornecedor de bens e serviços e como assimilador de dejetos.

Já o ecossistema é entendido como um sistema aberto, integrado por todos os organismos vivos (compreendido o Homem) e os elementos não-viventes de um setor

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ambiental definido no tempo e no espaço, cujas propriedades globais de funcionamento (fluxo de energia e ciclagem de matéria) e auto-regulação (controle) derivam das relações entre todos os seus componentes, tanto pertencentes aos sistemas naturais, quanto aos criados ou modificados pelo Homem. O ecossistema é um termo funcional e dinâmico que expressas as contínuas interações entre os organismos, populações, comunidades e o ambiente físico-químico.

O conceito de impacto ambiental relaciona-se com o de ecossistema na medida em que diz respeito a estas inter-relações e expressa, segundo o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA 001/86 – art 1o.) qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante de atividades humanas que direta ou indiretamente afetem: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos ambientais.

Um outro conceito importante é o de sustentabilidade. Na essência, ele exprime a preocupação de como se quer viver hoje e no futuro, significando, por isso, a capacidade de manter “em pé” um sistema, ou seja, viver de tal modo que tal estilo não prejudique a possibilidade de desenvolvimento das futuras gerações. Mas, se cada grupo social define o próprio ponto de vista como o único estilo de vida válido, pode-se cair num perigoso relativismo conceitual. Assim, quando se fala em sustentabilidade tem-se presente quatro critérios-base: a justiça intra e inter-geracional, a justiça internacional, o equilíbrio entre interesse social, econômico e ecológico e a participação de todos os grupos sociais ao processo de definição e aplicação das estratégias.

Assim, o conceito de sustentabilidade compreende os conceitos econômicos e ecológicos clássicos, os princípios democráticos e também os postulados éticos e de justiça. Estes últimos, em particular, são os mais difíceis a serem aplicados nos programas políticos dos sistemas econômico-sociais.

Entre os conceitos de preservação e conservação, por sua vez, há que se fazer uma distinção fundamental. Segundo o pensamento da FEEMA (1980), a preservação consiste em proteger contra a destruição e qualquer forma de dano ou degradação um ecossistema, uma área geográfica definida ou espécies animais e vegetais ameaçadas de extinção. Já a conservação é a utilização racional de um recurso qualquer, de modo a se obter um rendimento considerado bom, garantindo-se, entretanto a sua renovação e auto-sustentação. Em outras palavras, entre preservação e conservação existe uma diferença básica: enquanto a primeira expressa a idéia de intocabilidade, a segunda manifesta a possibilidade de utilização racional dos recursos naturais.

Desta forma, por exemplo, há uma grande diferença entre dizer que a Amazônia deva ser preservada ou conservada. Para aqueles que defendem a preservação da biodiversidade amazônica, nada deve ser mexido, tudo deve ser conservado como um santuário, o homem deve apenas manter o que está organizado pela natureza. Já para quem fala em conservação da Amazônia, existe a possibilidade do usufruto dos recursos naturais amazônicos de modo que se consiga realizar a produção para consumo interno e para a exportação sem depauperamento deste capital natural.

O problema é que o paradigma do desenvolvimento com utilização intensiva de recursos naturais faz com que haja um conflito com a necessidade de respeito com o meio ambiente. Preconizar a preservação ambiental significa barrar toda possibilidade de

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melhorar a qualidade de vida de populações que sobrevivem da simples extração de recursos naturais, enquanto que buscar a conservação ambiental implica em saber utilizar tecnologia adequada e investir em capital que gere sustentabilidade ao mesmo tempo em que garanta produção e renda.

Pode-se afirmar, então, que a conservação das espécies tem um papel-chave na sustentação do ecossistema e pode garantir sustentabilidade às ações de utilização dos recursos naturais.

2.3 O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O EXTRATIVISMO

No presente trabalho visa-se entender a relação entre questão ambiental,

extrativismo e projetos agro-extrativistas a partir do contexto amazônico, e especialmente do paraense. Para alcançar este objetivo, é preciso, neste ponto, analisar os conceitos de desenvolvimento sustentável e de extrativismo à luz desta realidade e buscar compreender suas inter-relações no processo de desenvolvimento econômico do estado. 2.3.1 Breves considerações sobre o conceito de Desenvolvimento sustentável

O paradigma do desenvolvimento sustentável tem sido cada vez mais utilizado como a grande alternativa que conjugaria racionalidade econômica com conservação ambiental. Desde as primeiras tentativas conceituais, passando por aquela preconizada pelo Relatório Brundtland até chegar às mais atuais que giram em torno da ecologia, economia e ecumenia3, a sustentabilidade é vista como caminho de solução para os problemas ambientais diante do processo de desenvolvimento.

O marco referencial mais expressivo do conceito de desenvolvimento sustentável se dá como o Relatório Bruntland de 1987 que diz que o define como o desenvolvimento capaz de manter o progresso humano não apenas em alguns lugares e por alguns anos, mas em todo o planeta e até um futuro longínquo. Assim, o desenvolvimento sustentável é um objetivo a ser alcançado não só pelas nações em desenvolvimento, mas também pelas industrializadas. Para este documento, o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades4.

No entanto, como ser verá, o conceito de desenvolvimento sustentável apresenta vários problemas, pois, entre outras coisas, deixa margens para que se constitua num juízo de valor individual. Assim, sustentável seria manter o ritmo do desenvolvimento obtido e permanecer no mesmo nível de utilização de recursos naturais, mantendo a dominação dos países desenvolvidos. Este viés ideológico do conceito é utilizado muitas vezes para eximir

3 Armando Mendes discorre em várias obras sobre esta necessidade de promover o desenvolvimento com particular atenção ao

oikos (casa) em sua três dimensões oiko-logia, oiko-nomia, oiko-menia. Ver, por exemplo, MENDES (1996). 4 Nas palavras do próprio documento, “desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem

comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades. (...) Satisfazer as necessidades e as aspirações humanas é o principal objetivo do desenvolvimento” (WCED, 1987)

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os países ricos da culpabilidade pela crítica situação ambiental do mundo e delegar aos países pobres as atitudes de proteção ambiental.

Idealizadamente, a definição econômica de desenvolvimento sustentável consiste na reunião eficiente do uso do fator de produção recursos naturais (desenvolvimento), tendo a estimulação (eficácia) como meta aliada a conservação do fator recursos naturais (sustentável). Ou seja, desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento requerido para obter a satisfação duradoura das necessidades humanas e o crescimento (melhoria) da qualidade de vida.

O crescimento e o desenvolvimento econômicos produzem mudanças no ecossistema físico. Nenhum ecossistema, seja onde for, pode ficar intacto. No mínimo, o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, a água, os solos e os seres vivos. A terra não deve ser deteriorada além de um limite razoável de recuperação. No caso dos minerais e dos combustíveis fósseis é preciso dosar o índice de esgotamento e dar ênfase à reciclagem e ao uso econômico, para garantir que o recurso não se esgote antes de haver bons substitutos para ele.

O IBAMA (CNPT), por sua vez, conceitua desenvolvimento sustentável para as populações tradicionais o processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam, reforçando o potencial presente e futuro do meio ambiente enquanto suporte das atividades econômicas destas populações, a fim de melhor atender as suas necessidades e aspirações, respeitando a livre determinação sobre a evolução de seus perfis culturais.

Como se percebe, o emaranhado de definições e conceitos traz consigo possíveis confusões e dificuldades de implementações. Assim, enquanto a idéia de sustentabilidade tende a induzir a adoção de um horizonte de tempo infinito, as ações humanas (especialmente na forma de tomadas de decisão) são exercidas em tempo finito. Há, por isso, certa contradição entre os dois termos: enquanto desenvolvimento expressa dinâmica e crescimento, o conceito de sustentabilidade implicaria em monotonicidade.

Ademais, Mendes (2001) nota que, no que diz respeito à Amazônia, este variado “imaginário” e “interessário” sobre a região se dá ao interno da construção de uma “Amazonlogia” e de uma “Amazonomia” como modos de (o)usá-la para o bem e para o mal. O que salta aos olhos é a gama de interesses diversos e conflituosos, muitos destes recheados de falácias, as quais se utilizam até de expressões válidas, mas com interesses nem sempre claros. Para Mendes, este é o caso, por exemplo, do chamado desenvolvimento sustentável que é “frequentemente reduzido à simples sustentação da natureza, mas que, na verdade, e em última análise, envolve a questão muito mais complexa da sustentação da sociedade humana” (MENDES, 2001, p.14).

COSTA (1997) analisa criticamente o conceito de desenvolvimento sustentável, mostrando, entre outras coisas, que, mesmo com os avanços das reflexões sobre a possibilidade de ajustar o conflito entre crescimento econômico e preservação/conservação ambiental, ele continua vago, ambíguo e pleonástico por carecer de arcabouço analítico logicamente estruturado. Por conta disso, identifica dois obstáculos que, para ele, permanecem insuperáveis: a questão do valor do meio ambiente e a da mensuração nas Contas Nacionais. Tudo isto torna o conceito, ainda segundo COSTA, essencialmente

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voluntarista e meramente normativo, e não o faz ser marco teórico referencial para a formulação de estratégias e políticas de desenvolvimento econômico.

Depois de ter demonstrado os sérios problemas do conceito, COSTA considera que

“é possível identificar pelo menos quatro importantes utilidades derivadas do desenvolvimento sustentável: servir de referência circunscritiva à avaliação dos impactos sócio-ambientais potencialmente deflagráveis por projetos de atividades diretamente produtivas e de infra-estrutura econômica, detectando a necessidade de medidas e investimentos adicionais compensatórios e de minimização dos efeitos negativos e maximização das externalidades positivas; estabelecer diretrizes de orientação à elaboração de projetos econômicos; particularizar áreas adequadas ou não à implantação de determinadas atividades econômicas (zoneamento econômico-ecológico); criar incentivos para projetos ambientalmente recomendáveis”.

Considerando estes posicionamentos e estando em consonância que em casos onde

se possam aplicar os princípios do desenvolvimento sustentável, há que se considerar que para uma bem sucedida política de desenvolvimento nestas áreas, torna-se necessária uma gestão ambiental cujo objetivo seja contribuir para garantir que ele atenda as necessidades humanas do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também as suas.

Esta ação deve dar-se por meio da atuação sobre as modificações causadas no meio ambiente pelo uso e/ou descarte dos bens e detritos gerados pelas atividades humanas, a partir de um plano de ação viável técnica e economicamente, com prioridades perfeitamente definidas.

2.3.2 O extrativismo nas comunidades tradicionais

A expansão capitalista provocou a desestruturação dos sistemas tradicionais de ocupação e de acesso aos recursos naturais de uso comum. No entanto, houve reorganização na forma de condução dos modos de vida e de ocupação dos territórios de uso comum ou a manutenção destes sistemas em regiões de pouca densidade populacional, como é o caso da Amazônia.

Em geral estas são populações que vivem do extrativismo em comunidades tradicionais fortemente dependentes dos recursos naturais renováveis, mas que mantêm laços limitados com o mercado e que são caracterizadas por uma extensa rede de relações de parentesco, de compadrio e de ajuda mútua, bem como pela aceitação compartilhada de normas e valores sociais (sociedade intergrupal). Nesse tipo de grupo social existe, em certo grau, a noção de que os recursos comuns devem ser utilizados com parcimônia, pois deles depende a manutenção da existência do grupo.

O extrativismo pode ser entendido como um sistema de exploração dos produtos da floresta para a venda em mercados regionais. Os produtos obtidos são destinados ou para consumo doméstico ou para trocas locais. Como há um nível reduzido de investimentos e utiliza-se tecnologia rudimentar, a força de trabalho humana constitui-se no principal instrumento de extração, transporte e transformação de produtos.

A atividade extrativista, além do mais, distribui-se esparsamente por uma área de grande extensão, produzindo, em uma primeira visão, reduzido impacto ambiental. Estes

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podem ser classificados em três níveis: o individual, o da população ou conjunto de recursos (por exemplo, plantas) e os que dependem das práticas de coleta.

No entanto, há que se considerar que até mesmo a atividade extrativista pode resultar em depauperamento do capital natural, ou seja, a utilização dos recursos naturais pode causar mudanças na estrutura e função das florestas e dos elementos do ecossistema. Neste sentido, pode-se dizer que seja no extrativismo de produtos florestais não-madeireiros, seja na pecuária extensiva, como na Extração seletiva de madeira acontece um certo depauperamento. Certamente, o tipo de extrativismo de produtos florestais não madeireiros produz o empobrecimento da população e o empobrecimento do ecossistema, mas em dimensões infinitamente menores que no caso da exploração de madeira e da pecuária.

Pode-se entender extrativismo em dois sentidos diferentes. O primeiro diz respeito a uma forma obsoleta de exploração que apresenta margens reduzidas de lucros, pouco aproveitamento dos recursos, mercados restritos, competição com outros produtos (sintéticos). Esta é a atividade que historicamente caracteriza o dia-a-dia dos povos da região amazônica que organizam a própria vida sem a preocupação direta com os parâmetros ditados pelo mercado.

No segundo sentido, entende-se extrativismo a partir de uma lógica ecológica de exploração no qual esta se dá de forma objetiva e segundo o valor atribuído a cada componente da mesma bem como evita a degradação promovida por políticas regionais ou programas de desenvolvimento. Esta forma de entender o extrativismo defende a criação de reservas extrativistas capazes de satisfazer as necessidades sócio-culturais dos habitantes da floresta e ao mesmo tempo serviriam como ponto de preservação da biodiversidade. É neste sentido que se insere a ação do Incra ao criar os PAE’s nas ilhas do nordeste paraense, como se verá mais adiante.

Discutindo o papel do extrativismo, AMIN (1997:180) analisa o processo de estagnação da economia paraense nele centrada, partindo de considerações a respeito das origens da colonização portuguesa e mostrando que os impactos sócio-econômicos desse modelo são sentidos até hoje. Para ele, a ênfase colocada no extrativismo impediu que “práticas de produção mais modernas e tecnologias de industrialização mais avançadas, fossem incorporadas na produção de commodities com maior aceitação nos mercados internacionais”. A falta de aplicação de recursos nos setores interdependentes com o setor agrícola e o mercado reduzido (baixo poder de compra da população) geraram uma economia centrada no extrativismo, que contribui para uma frágil estrutura política, social, e econômica.

Indo mais além, este autor identifica na agricultura extrativista o reflexo da ausência de uma política séria para o Estado. Para ele (ibid:192),

“o modelo de exploração extrativista, além de retardar o desenvolvimento do Estado, impossibilitou, pelas suas próprias características intrínsecas, a implantação de uma política de auto-suficiência alimentar. A inexistência de um mercado regional e competitivo de alimentos contribuiu para que grande parte dos alimentos consumidos no Estado seja de outra origem”.

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Assim, grande parte da renda é transferida para outras regiões impedindo futuros investimentos.

Destas considerações depreende-se que o extrativismo pode ser importante no estágio inicial do desenvolvimento, mas não é a única solução para o desenvolvimento de uma região rica em recursos naturais como a Amazônia5. Esta idéia é fundamental para entender que qualquer iniciativa em meio a populações que vivem do extrativismo precisa ter claro que não pode ser isolada do conjunto de outras políticas que gerem desenvolvimento de fato.

Como sublinha AMIN (ibid:206-207),

“a produção extrativa não terá, jamais, condição de sustentar-se como uma atividade de exportação capaz de gerar o capital necessário para a expansão dos outros setores da economia regional. Aí está o fracasso desse modelo como alternativa econômica de desenvolvimento. Insistir nesse modelo significará continuar diminuindo, ainda mais, as oportunidades de melhoramento da qualidade de vida da população paraense”.

São considerações que precisam ser levadas em conta em qualquer ação que venha

ser realizada em sistemas sociais extrativistas. Assim, permanecendo nos limites deste trabalho, pode-se perguntar se o extrativismo pode ser integrado em políticas de desenvolvimento regional, ou seja, se é possível inserir a atividades das populações tradicionais no seu relacionamento secular com a natureza no contexto de um desenvolvimento da economia de uma região ou se ele está fadado ao fracasso devido ao fraco poder de movimentar o desenvolvimento. Esta é uma questão central, pois de sua resposta depende a análise das ações (como os PAE’s do Incra) para constatar se são favoráveis ou não à melhoria da qualidade de vida destas populações.

Assumindo como pertinentes e fundamentadas as posições de COSTA (1997) e de AMIN (1997), pode-se afirmar que a introdução dos princípios do desenvolvimento sustentável no sistema extrativista não implica necessariamente que ele se torne uma força motriz de desenvolvimento regional, seja pelo lado da ausência de formação de mercado suficientemente grande e dinâmico para mobilizar todo tecido social, seja pelo viés da impossibilidade do extrativismo de promover ações articuladas com as exigências do mercado global

Conscientes destas limitações, se se pretende estabelecer uma certa racionalização na atividade econômica de tipo extrativista em áreas específicas, sem a pretensão de guiar o desenvolvimento regional como um todo, o que se pode considerar é a importância do manejo dos recursos naturais empregado pelos nativos, pois os residentes são mais familiarizados com uma área que os de fora. No entanto, as políticas e o manejo que utilizem regras únicas têm grande probabilidade de falhar. Isto significa que as ações implementadas em sistemas extrativistas devem ser adaptadas às condições específicas de cada ambiente.

5 Dentre aqueles que estudam a questão do extrativismo como paradigma de desenvolvimento agrícola para a Amazônia destacam-se HOMMA (1992, 1993), que analisa as sérias limitações sociais e econômicas desta atividade, BENCHIMOL (1992) e MENDES (1971).

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Considera-se que estas condições devem ser respeitadas para que os programas de ação em sistemas extrativistas resultem efetivamente em incremento de produção, de qualidade de vida e de sustentabilidade dos recursos naturais. Estes têm sido, pelo menos teoricamente, os objetivos perseguidos pelo Incra na implantação dos PAE’s nas ilhas do nordeste paraense, como se verá abaixo.

3. OS PAE’s NO PARÁ E A QUESTÃO AMBIENTAL

Pretende-se, nesta parte do trabalho, discorrer sobre os projetos agro-extrativistas

criados pelo Incra do Pará (SR-01) nas ilhas do nordeste paraense no período de 2004 a 2009. Inicialmente apresenta-se a ação do Incra no Brasil a partir dos Planos Nacionais de Reforma Agrária (I e II PNRA), destacando a crescente preocupação com o meio ambiente. Em seguida, considera-se a criação dos PAE’s como um tipo especial de ação que busca integrar extrativismo, conservação ambiental e inserção de trabalhadores rurais de comunidades tradicionais do projeto na dinâmica do processo de desenvolvimento sustentável. 3.1 O INCRA E A REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária completa em 2010, 40 anos de existência. Sua criação obedeceu aos objetivos de realizar a reforma agrária, manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar as terras públicas da União. Ao longo deste tempo as ações empreendidas por esta autarquia federal visaram implantar políticas de assentamento e colonização que viessem a resolver ou, pelo menos, amenizar a questão agrária no país.

O que se observa durante este período de existência do Incra é que o próprio conceito de Reforma Agrária foi sofrendo modificações e recebendo adendos ou restrições de acordo ou com os gestores do poder público ou com o aprofundamento das reflexões sobre a questão agrária. Estas mudanças podem ser identificadas nos Planos Nacionais de Reforma Agrária e nos tipos de Assentamentos decorrentes deles. 3.1.1 O I Plano Nacional de Reforma Agrária

A reforma agrária – e, por conseguinte, as atividades do Incra – somente a partir de 1985 é que foram inseridas em um plano global de ações combinado com um projeto de desenvolvimento nacional. Naquele ano foi aprovado o I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), o qual efetivamente deu início ao processo propriamente dito de Reforma Agrária. Segundo o IPEA (2002) o I PNRA “estabeleceu uma nova configuração política e técnica para a reforma agrária, definindo-a como estratégica no contexto da política de desenvolvimento do país, visando atender a população de baixa renda”.

Vale ressaltar que o I PNRA é resultado mais das lutas dos grupos sociais do que da boa vontade do poder público. A década de 80, de fato, havia sido marcada por fortes tensões no campo e por sérias questões que confrontavam trabalhadores rurais e proprietários de terra. A bandeira da Reforma Agrária foi levantada por estes movimentos sociais como forma de garantia de cidadania e de geração de renda. O governo Sarney,

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ademais, inaugurando o período pós-ditadura militar no país, ressentiu-se dessas pressões e com o I PNRA pretendeu buscar satisfazer estas demandas por terra produtiva.

Aliás, somente por conta disso é que os governos seguintes (Collor/Itamar Franco 1990-1994 e FHC 1995-2002) preocuparam-se com a Reforma Agrária propriamente dita. Se de um lado sentiam a pressão dos movimentos sociais (como o MST), de outro eram pressionados pelos proprietários de terra, muitos deles latifundiários (como a União Democrática Ruralista, de forte bancada no Congresso Nacional).

Este combate de forças antagônicas resultou no acirramento das lutas no campo (cite-se como exemplo o Massacre de Eldorado de Carajás e os constantes confrontos na região do “Bico do Papagaio”, ambos na região Norte do país) e numa baixa produtividade das ações de Reforma Agrária, fazendo com que as ações do INCRA neste período estivessem aquém do preconizado nos objetivos do I PNRA, seja em termos de número de famílias assentadas, seja nas questões de qualidade dos assentamentos.

O I PNRA restabelecia o processo de reforma agrária por meio da implementação do Programa de Assentamento de Trabalhadores Rurais. Seus demais programas, de caráter complementar (Colonização, Regularização Fundiária e Tributação da Terra), e de apoio (Estudos e Pesquisas, Desenvolvimento de Recursos Humanos, Cadastro Rural e Apoio Jurídico) também deveriam ser desenvolvidos. Estabelecia a criação do Banco da Terra e do PRONAF. O primeiro constituído por um fundo de natureza contábil para financiar a reordenação fundiária e os assentamentos rurais, enquanto que o segundo destinado a financiar a produção rural do assentado (PRONAF A) e do agricultor familiar em geral (PRONAF B, C e D).

O modo de obtenção da terra definia, em linhas gerais, o tipo de ação a ser realizada. Deste modo, enquanto a terra pública deveria ser destinada a projetos de colonização (como havia acontecido na década de 70 na Amazônia), as obtidas por meio de desapropriação por interesse social seriam endereçadas ao assentamento de trabalhadores rurais.

Analisando o objetivo geral e os específicos da Reforma Agrária apresentados no I PNRA, percebe-se que a questão ambiental não tem ainda lugar no processo. Há, na verdade, duas citações sobre a questão ambiental. A primeira estabelece que nos assentamentos deva haver “informações sobre o uso e manejo adequado dos recursos naturais e prevenção e controle da poluição ambiental” (I PNRA 4.3, c).

Já a segunda referência localiza-se na primeira parte do documento, que discorre sobre os princípios da Reforma Agrária (Reforma Agrária e meio ambiente). Baseado no Estatuto da Terra que, já em 1964, definia que a propriedade da terra ao conservar os recursos naturais desempenha sua função social e que a desapropriação por interesse social também objetivava a valorização destes recursos, afirma-se que “a dimensão ambiental (...) constitui imposição absoluta tendo em vista possibilitar a exploração ordenada dos recursos naturais e a conseqüente melhoria da qualidade de vida, decorrente do equilíbrio entre as atividades humanas e o seu meio ambiente” (I PNRA 6).

O I PNRA afirma também que, com relação às questões ambientais, nas ações de Reforma Agrária “deverão ser contempladas duas vertentes: a primeira, que se relaciona com a conservação dos recursos naturais localizados na área de influência dos projetos; a segunda, de caráter preventivo e educativo, de forma a impedir danos ambientais causados pela ação do homem”, visando à manutenção ou melhoria da qualidade de vida (art. 9º, da

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Lei. nº 6.939, de 31 de agosto de 1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente). Uma das conseqüências desta atenção ao meio ambiente, ainda que não aprofundada suficientemente, foi a criação, em 1996, da modalidade de assentamento agro-extrativista, denominado PAE, em substituição ao modelo de Projeto de assentamento extrativista, como será aprofundado mais adiante neste trabalho. 3.1.2 O II PNRA e a reforma agrária

Apresentado em novembro de 2003 durante a Conferência da Terra, em Brasília, o II Plano Nacional de Reforma Agrária foi considerado pelo Governo Lula como o marco de um “novo modelo de reforma agrária” que “reconhece a diversidade dos segmentos sociais no meio rural, prevê ações de promoção da igualdade gênero, garantia dos direitos das comunidades tradicionais e ações voltadas para populações ribeirinhas” (II PNRA, p. 3). As metas para o período 2003-2006 estabelecidas por este documento são audaciosas, como ele próprio afirma. Entre elas, destacam-se: 400 mil novas famílias assentadas, criação de 2.075.000 novos postos permanentes de trabalho no setor reformado e 500.000 famílias com posses regularizadas.

O conceito de reforma agrária aludido acima tem por objetivo, segundo o II PNRA, transformar definitivamente o meio rural num espaço de paz, produção e justiça social. Por isso, logo na apresentação está expresso que “a reforma agrária é uma ação estruturante, geradora de trabalho, renda e produção de alimentos” e, portanto, “fundamental para o desenvolvimento sustentável da nação” (II PNRA, p. 3).

Note-se que no II PNRA há clara referência à promoção de um desenvolvimento que seja sustentável e inserindo as ações de reforma agrária no contexto de geração de renda e de acesso aos direitos fundamentais. Percebe-se também a forte conotação político-social do Plano, que pretende eliminar, ou pelo menos diminuir as pressões no campo.

O documento, após a firmar que a reforma agrária é “condição para a retomada do crescimento econômico com distribuição de renda e para a construção de uma nação moderna e soberana” (p. 4), reafirma que se pretende construir um desenvolvimento rural sustentável capaz de gerar renda e produzir alimentos suficientes – através da agricultura familiar – para o incremento da demanda resultante dos programas sociais do governo e da expansão da exportação.

Fala-se também em mudança da estrutura agrária brasileira e em combinar “massividade, qualidade e eficiência na aplicação dos recursos públicos” (p. 8). Reforça-se a idéia de que os assentamentos rurais deverão estar inseridos na dinâmica econômica dos municípios e dos estados, de modo a gerarem produtos que efetivamente levem à melhoria das condições de vida dos assentados.

Segundo o próprio documento, a reforma agrária está orientada por uma nova perspectiva: “nos novos projetos de assentamento busca-se combinar viabilidade econômica com sustentabilidade ambiental, integração produtiva com desenvolvimento territorial, qualidade e eficiência com massividade” (p. 10). Esta preocupação com a

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sustentabilidade está presente ao longo de todo II PNRA e mostra o seu diferencial com relação ao I plano anteriormente exposto.

Como foi dito, as bases para um modelo agrícola sustentável residem no fortalecimento da Agricultura Familiar, na mudança radical do favorecimento de uma modernização tecnológica excludente, definida como “patronal”, e na democratização do acesso à terra. Destaca-se, também, ao longo do documento, a importância de oferecer ao assentamento condições para sua viabilidade econômica. Isto significa transformá-lo em espaços produtivos de acesso a direitos e de qualidade de vida através de recursos para, entre outros, a construção de moradias, a aquisição de meios produtivos.

Além de ações com vistas à recuperação e consolidação dos assentamentos já existentes, o II PNRA prevê, também, o programa de crédito fundiário, a promoção da igualdade de gênero, a titulação e apoio ao etnodesenvolvimento das áreas remanescentes de quilombos, o reassentamento de não índios ocupantes de terras indígenas, a atenção aos atingidos por barragens e grandes obras e às populações ribeirinhas. Além disso, o plano destaca a necessidade de, nos projetos de reforma agrária, perseguir a universalização do acesso a direitos sociais como educação, cultura e seguridade social seja por meio do Programa Nacional de Educação do Campo (PRONERA), de ações de cidadania e de acesso a cultura e de valorização das expressões culturais.

Para os objetivos deste trabalho é importante destacar que o II PNRA sublinha a importância das Reservas Extrativistas que, criadas pelo Ministério do Meio Ambiente, consistem numa “experiência bem sucedida implantada pelos povos da floresta” (p. 30). Estas populações, depois de reconhecidas e cadastradas pelo Incra terão acesso aos créditos do Pronaf e às demais políticas de infra-estrutura social.

Segundo o II PNRA, “o reconhecimento das especificidades dos biomas e a necessidade de não se repetir políticas fundiárias mal sucedidas na região amazônica levou o governo federal a propor a criação de um novo modelo de assentamento para a região. O assentamento florestal destinado às populações tradicionais baseia-se num compromisso com a sustentabilidade ambiental e com a viabilidade econômica, que corresponde à implementação de atividades sustentáveis de exploração de recursos florestais” (grifo nosso). Esta nova modalidade de assentamento – demonstrando o claro interesse pela questão ambiental apenas lembrada de passagem no I PNRA – deve ser adaptada de acordo com os biomas específicos de cada região.

É neste contexto que se insere o revigoramento da existência dos PAE’s na Amazônia como se verá a seguir.

3.2 OS PAE’S NA AMAZÔNIA E NO PARÁ

Como tratado acima, os PAE’s foram criados ainda na vigência do I PNRA. A mudança sutil de nomenclatura (de extrativista para agro-extrativista) expressaria, segundo a Portaria/INCRA número 268, datada de 23 de outubro de 1996 e assinada pelo então ministro de estado extraordinário de reforma agrária Raul Jungmann, uma alternativa direcionada a áreas que mereçam proteção especial, como na Amazônia, e nas quais existe exploração de suas riquezas extrativas.

As atividades a serem implementadas nos PAE’s seriam aquelas economicamente viáveis, socialmente justas e ecologicamente sustentáveis, executadas pelas populações que

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ocupam ou venham ocupar estas áreas. Além disso, ainda segundo a portaria, a destinação da área dar-se-ia mediante concessão de uso em regime comunial. Baseado em um modelo diferenciado de reforma agrária para a Amazônia, o PAE objetiva respeitar o modelo de ocupação das populações tradicionais, preservar a biodiversidade, introduzir sistemas de manejo florestal e de recuperação de áreas degradadas, reduzir os custos de implantação de projetos de reforma agrária, evitar a poluição e obter maiores dividendos políticos em nível nacional e internacional.

Estes escopos especificam a própria origem deste tipo especial de reforma agrária. A necessidade de criá-los apareceu como resposta aos problemas assistidos no Acre, cuja face mais sangrenta deu-se com a morte de Chico Mendes6. Desta forma, pode-se entender que os PAE’s inicialmente visavam um tipo especial de realidade ambiental localizado no meio de seringueiros. Aos poucos, este modelo foi sendo também implementado em outras situações ambientais ao interno da Amazônia. Cabe observar também que, no processo de implementação dos PAE’s, há uma busca de dar respostas às exigências e pressões da comunidade internacional no sentido de enfrentar os graves problemas ambientais existentes no Brasil. 3.2.1 A metodologia de implantação dos PAE’s

A metodologia para implantação de projetos de assentamento de base agro-extrativista7 foi aprovada pela Portaria/INCRA número 269, de 23 de outubro de 1996. Nela discorre-se sobre as quatro fases do processo: criação, implantação, consolidação e emancipação8.

A primeira corresponde à seleção da área, à sua obtenção e ao ato de criação. Segundo INCRA (2006), a prioridade para a criação de PAE será naquelas áreas onde houver população organizada, tradição extrativista e interesse no desenvolvimento sustentado. Após a obtenção da área (nos casos das ilhas, esta situação ainda virá a ser definida no Termo de Cooperação Técnica INCRA – GRPU), o Superintendente regional do Incra assina a Portaria de criação do PAE, cujo nome será decidido pela comunidade.

A fase de implantação é constituída pelo levantamento sócio-econômico da comunidade, que se torna o instrumento fundamental para a implantação dos PAE’s, pelo cadastro dos moradores ou ocupantes da área, pela seleção daqueles que efetivamente passarão a ser clientes da reforma agrária (serão selecionados aqueles que comprovadamente estiverem identificados com atividades agro-extrativistas), pelo assentamento e pela demarcação do perímetro (no caso das ilhas, estes aspectos são

6 No dia 22 de Dezembro de 1988 o seringueiro, sindicalista e ativista ambiental Francisco Alves Mendes Filho, mais

conhecido como Chico Mendes, foi assassinado em Xapuri, Acre. Chico Mendes teve um papel importante na fundação do Conselho Nacional dos Seringueiros e na formulação da proposta das Reservas Extrativistas para os seringueiros. Organizava muitos dos empates existentes e conseguiu apoio internacional para a luta dos seringueiros. Em 1987 foi premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o prêmio "Global 500" e neste mesmo ano ganhou a "Medalha do meio ambiente" da organização "Better World Society". O caso Chico Mendes despertou pela primeira vez a atenção internacional para os problemas dos seringueiros. 7 Ver INCRA (1996). As idéias a seguir serão baseadas neste documento interno do INCRA.

8 Ressalte-se, por oportuno, que este documento deve ser adaptado a cada situação, dado que alguns termos e situações

apresentadas não se adequam a todas as realidades ambientais da Amazônia. No caso das ilhas do nordeste paraense, alguns pontos têm que ser adaptados, como, por exemplo, a característica do morador, que não é ocupante, mas habitante tradicional.

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praticamente inexistentes, dado que há moradia habitual na área e existem os limites de respeito historicamente constituídos).

Já a terceira fase, a de consolidação, é a mais importante do processo, pois define o modo como se darão a aplicação dos princípios de sustentabilidade das atividades extrativistas presentes no PAE. Caracteriza-se pela organização social do assentamento, pela confecção do Plano de utilização (PU), pela elaboração do Plano de Desenvolvimento (PD) do PAE e por todas as atividades de cunho sócio-educacional, de capacitação, de assistência técnica e extensão rural, bem como de créditos e comercialização. Quanto ao domínio de propriedade, o documento afirma que este será concedido coletivamente através das organizações formais (ORM – Organização Representativa dos Moradores), tendo específicas cláusulas que garantam a identidade agro-extrativista das atividades realizadas no PAE.

Nesta fase do processo, adquirem importância dois instrumentos fundamentais para a consolidação do PAE: o PU e o PD, já citados acima. O primeiro caracteriza-se por ser um regulamento feito pelos moradores e aprovado pelo Incra para a devida utilização da área. Sendo uma espécie de “regras de convivência”, o PU deve ser elaborado com a participação dos moradores e dos técnicos de entidades governamentais (como IBAMA e SECTAM) em reuniões democráticas e ser divulgado para amplo conhecimento de seu conteúdo. Nele devem estar contidas as “definições de direitos e responsabilidades dos assentados, os limites de intervenções no agro-extrativismo, com a quantidade de área a ser desmatada, áreas destinadas às atividades silviculturais e de agricultura de subsistência” (INCRA,1996:12).

O Plano de Desenvolvimento é o documento que estabelece efetivamente as atividades a serem implementadas no PAE. Tem por finalidade equacionar a questão da infra-estrutura física mínima social, como saúde, educação, lazer, e a de produção, como estrada, armazenamento, agroindústrias, em consonância com o levantamento socioeconômico previamente realizado. O plano deve estabelecer, entre outros, medidas de capacitação técnica, de recuperação de áreas degradadas, de estímulo de medicina alternativa, de educação para a cultura extrativista. É previsto, ainda, no PD o estabelecimento de uma área “para atendimento das atividades complementares, que será de 10% (dez por cento) do total da área concedida a cada assentado, utilizando-se anualmente em torno de 10% (dez por cento) dessa área destinada para exploração complementar, de forma que se estabeleça um ciclo de exploração em torno de 10 (dez) anos para exploração total da área concedida para esta atividade” (INCRA, 1996:14. Grifo nosso).

Esta observação grifada acima demonstra o tipo de intervenção a ser feita no meio ambiente (quase que exclusivamente extrativista) e o horizonte de inserção no mercado (ínfimo).

A última fase é a de emancipação do PAE que acontece após o cumprimento das etapas previstas nesta metodologia. Ressalte-se que, nesta modalidade de projeto de reforma agrária, a União permanece no domínio da terra, pois o que se fornece aos beneficiários do PAE é um contrato de concessão de uso coletivo, como assinalado acima, com prazo inicial de 10 anos, admitida renovação (após avaliação) que poderá ser de 20 ou 30 anos ou perpétua.

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3.2.2 Os PAE’s nas ilhas do nordeste paraense

A partir de 2004 o Incra do Pará, Superintendência Regional 01 (SR-01), iniciou o processo de criação de PAE’s nas ilhas do nordeste paraense a partir da assinatura do Termo de Cooperação Técnica com a Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU), já que as ilhas, por definição constitucional, pertencem a União. Como se poderá constatar mais adiante, esta é uma aplicação ainda não isenta de questões a serem mais bem esclarecidas, como a situação de propriedades de terrenos ou até mesmo de ilhas inteiras com alguma documentação e os tipos de atividades altamente degradantes que se realizam há décadas e funcionam como garantia de sobrevivência de famílias inteiras, como é a atividade das olarias que produzem telhas e tijolos. Os primeiros PAE’s foram o das ilhas Jaurmã/Tabatinga e Campopema, ambas no município de Abaetetuba. Criados em 27 de julho de 2004, fora da vigência, portanto, do Termo de Cooperação Técnica INCRA-GRPU que data de 22 de novembro de 2005, a propriedade foi obtida pelo Incra por meio do repasse do MOPG com a Portaria número 33 de 11/03/04. Até o final de 2009 foram criados 211 PAE’s em 21 municípios do nordeste paraense com mais de 44 mil famílias beneficiadas pelas ações de reforma agrária. São ilhas cujas áreas somam uma área superior a um milhão de hectares.

Ao longo deste período vêm sendo realizadas as atividades previstas na metodologia para implantação de PAE’s de acordo com que foi abordado acima, tais como implementação dos planos de utilização e processo de elaboração dos planos de desenvolvimento. Percebe-se o aumento na participação dos moradores e dos movimentos sociais ao longo do processo. Há também certa apreensão entre os habitantes das ilhas no que diz respeito a questão dos títulos dos que se dizem proprietários de parte de ilhas ou até de ilhas inteiras por questões de herança e em meio aos que trabalham nela, mas que são, na verdade, parceiros dos “verdadeiros proprietários”, os quais às vezes nem na ilha moram.

Os planos de utilização apresentam diagnósticos comuns ou muito semelhantes de atividades extrativistas nas ilhas atendidas. Na maioria delas as comunidades vivem da pesca do camarão e da extração do açaí. Como são atividades sazonais, o nível de renda varia nos meses do ano e isto acaba gerando o processo de economia de subsistência, nas quais a qualidade de vida está aquém dos padrões desejáveis. Em geral a atividade extrativista fornece alimento para o sustento familiar e o pequeno excedente é comercializado com os centros dos municípios. Estas características básicas demonstram que o modo de vida é resultante daquilo que AMIN (1997:178) chama de direcionamento da economia do estado para “um dos processos de desenvolvimento mais primitivos: o extrativismo”.

Em outras palavras, significa dizer que a ação do Incra nas ilhas do nordeste paraense depara-se com a forma econômica que desde a colonização portuguesa foi considerada ideal para a região: o fornecimento de produtos de caráter basicamente extrativo. E, pelos motivos abordados acima, desejar desenvolver uma economia regional centrada somente no extrativismo é ilusão, pois ele gera apenas a manutenção do sistema de dependência da natureza sem atender às exigências do mercado.

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No que diz respeito ao foco deste trabalho, ou seja, à questão ambiental relacionada com a atividade extrativa e com o desenvolvimento dito sustentável, percebe-se que existem ainda muitas lacunas a serem enfrentadas e até mesmo melhor compreendidas.

A principal delas diz respeito à ausência, nos documentos fundamentadores da reforma agrária no Brasil, e em especial naqueles que sustentam os PAE’s, da inter-relação destas políticas com um projeto mais global de desenvolvimento nacional e regional. É como se houvesse duas linhas de frente: uma com ações de reforma agrária e outra relacionada com o desenvolvimento agrícola e industrial do país e do estado. Este divórcio entre políticas de reforma agrária e de agricultura, aliás, é uma discussão interessante, mas que foge ao escopo do presente trabalho.

A este ponto, e já antecipando algumas idéias conclusivas, é preciso definir o que efetivamente a criação de PAE’s pretende: agir localmente, isoladamente como vetor de melhoria de vida ao interno das ilhas a partir do extrativismo ou iniciar um processo de desenvolvimento regional, levando em conta os princípios da sustentabilidade, de modo a modificar a estrutura econômica do Estado? Da resposta desta questão depende o futuro destas iniciativas.

A experiência ensina que enxerga-se melhor um objeto colocando-o a uma certa distância de nossos olhos. Esta verdade pode ser aplicada ao campo do conhecimento humano em geral. Para entender melhor um evento é necessário olhá-lo após certo tempo de existência, a fim de compreender cada vez mais os variados aspectos da questão.

Este raciocínio pode ser aplicado ao estudo empreendido neste artigo. Falar dos projetos agro-extrativistas criados pelo Incra nas ilhas do nordeste paraense depois de seis anos de existência significa apenas compreender superficialmente a questão. Para uma análise mais aprofundada, é preciso observá-los no passar dos anos, estudar seus resultados e confrontá-los com as teorias. Tem-se claro que não é possível realizar análises profundas neste pequeno espaço de tempo. O que se pode fazer é lançar algumas luzes e buscar compreender as idéias para entender os fatos.

Neste sentido, ao empreender este estudo, o que se pretendia era exatamente iniciar uma discussão à luz daquilo que vem sendo feito na implementação dos PAE’s, buscando, com isso, perceber se, de fato, eles contribuem para o desenvolvimento das regiões insulares amazônicas e da região como um todo. O interesse, portanto, é de iniciar um caminho de avaliação e confrontação entre teoria e prática que motive ulteriores aprofundamentos e posteriores estudos.

Tendo estas idéias como premissa, pode-se, à guisa de conclusão, elencar algumas idéias que se depreendem do que foi discutido ao longo deste trabalho.

Em primeiro lugar, é um fato incontestável a hegemonia da economia de mercado na contemporaneidade. É o mercado quem dita as regras no mundo em que se vive e quem estabelece não só o que produzir, mas como produzir, onde produzir e quais técnicas utilizar. Este caráter hegemônico do capitalismo não significa que não se possa viver sem ele, mas mostra uma economia que só poderá desenvolver-se se souber inserir-se na sua dinâmica global. Como diz Toffler, a economia mundial caminha por ondas (agricultura, indústria, tecnologia de ponta) e só adquire vantagens aquele que souber antecipar os tempos e preparar-se para as exigências futuras do mercado.

Ao lado deste inexorável domínio da economia de mercado, a questão ambiental tornou-se ainda mais preponderante neste início de século XXI. As notícias mais atuais dão

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conta dos sérios problemas com o meio ambiente causado pela utilização insustentável da natureza e dos recursos naturais. Esta premência tem estabelecido a necessidade de repensar inclusive o modo do homem de apropriar-se da natureza e de encarar a própria existência.

No âmbito do presente trabalho, mostrou-se que o paradigma do desenvolvimento sustentável não se constitui numa base sólida que garanta condições de desenvolver economicamente uma região e ao mesmo tempo de conservar seus recursos naturais. Ao mesmo tempo viu-se que uma economia não pode ser baseada tão somente no extrativismo sob pena de manter ou até mesmo aumentar seu atraso com relação a outras economias mais desenvolvidas. A questão se revela ainda mais expressiva no que diz respeito à implantação dos PAE’s nas ilhas, nos quais se pretende gerar produção e renda e, ao mesmo tempo, conservar os recursos naturais, mantendo o extrativismo como sistema preponderante.

Mesmo que se entenda que a produção extrativista, ampliada pelos recursos advindos dos programas de reforma agrária, venha a ser direcionada para uma possível exportação (pois o mercado internacional tem sido muito atrativo para os países do terceiro mundo), isto não deixa de ser incerto, pois, como afirma AMIN (1997:187),

“os custos ambientais decorrentes do processo extrativista, tanto vegetal como mineral, podem chegar a ser maiores que os benefícios esperados, haja vista que a valorização dos recursos no mercado internacional leva, necessariamente, a uma excessiva exploração causando uma rápida degradação ambiental. Sob esta ótica, o extrativismo não resolve o que muitos cientistas consideram como a solução mais viável para a conservação da floresta tropical”.

As populações tradicionais da Amazônia que, por viverem num sistema baseado no extrativismo, sempre viveram à margem do processo de desenvolvimento regional precisam de programas que, de fato, as insiram na dinâmica deste desenvolvimento. E aqui se retoma a idéia antecipada acima: a própria reforma agrária no Brasil precisa ser inserida no contexto global de um projeto de desenvolvimento onde a agricultura seja o motor que impulsiona os outros setores a crescerem. Este raciocínio aplica-se à questão dos PAE’s, pois isoladamente é apenas uma alternativa incerta de desenvolvimento que, por atuar em áreas extrativistas, não conseguirá – por si só – alavancar o processo de formação de capital necessário ao desenvolvimento.

4. CONCLUSÃO

Projetos como os PAE’s no Pará precisam ser sustentados, acima de tudo, por

estudos de viabilidade econômica, por capacitação tecnológica dos atores envolvidos e por inserção na dinâmica do desenvolvimento como um todo. Isto passa por ações no sentido de produção de alimento – tanto para consumo interno quanto para exportação - como forma de reduzir os efeitos negativos do modelo centrado no extrativismo, pelo aumento da produtividade dos recursos da terra e da mão-de-obra e por medidas que venham a superar efetivamente o empobrecimento da população.

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O mais importante é fazer com que toda esta preocupação esteja inserida no contexto no processo de desenvolvimento a partir desta necessidade de atrelamento à economia de mercado hegemônica e, ao mesmo tempo, de conservação ambiental. Pelo que se analisou ao longo do trabalho, não se trata apenas de oferecer recursos financeiros para a produção, mas acima de tudo, garantir produção de qualidade (com implementação de tecnologia adequada), facilitação de escoamento, mercado consumidor e sustentabilidade dos recursos utilizados.

Aqui reside uma questão séria neste processo: como fazer dos PAE’s autênticos promotores de um desenvolvimento sustentável, como está preconizado pelo II PNRA e pelo documento do Incra sobre este tipo de projeto? Efetivamente os primeiros passos estão sendo dados e a esta altura do processo é impossível avaliar os resultados dos aportes de recursos.

No entanto, pode-se afirmar que, estando ao afirmado nos documentos e considerando que cada passo definido seja concretamente executado, existe um esperança que esta ação seja benéfica, pois, na medida em que favorece a produção e gera renda, contribui para fixar os habitantes em seus lugares de origem, impedindo o êxodo para as cidades, o qual vem contribuindo ao longo dos anos, para engrossar as estatísticas da marginalidade urbana pela conhecida ausência de emprego.

Aliás, uma constatação fundamental precisa ser feita: só o fato de haver um documento e uma iniciativa que demonstram a preocupação do Estado, no âmbito da reforma agrária, de buscar aliar racionalidade econômica com sustentabilidade nas ações com populações tradicionalmente extrativistas já é para ser louvado. Além disso, perceber que de alguma forma isto já é realidade, pode ser considerado um avanço depois de tantas tentativas mal-sucedidas de atender a questão agrária na Amazônia.

Então, por tudo o que foi dito até aqui, significa que não há saída para os PAE’s? A resposta é clara: depende do que se pretende fazer com esta iniciativa. Reafirmando que ainda é cedo para qualquer análise dos resultados, mas a idéia mais clara é que é preciso fugir do risco de repetir fórmulas fracassadas já postas em prática no passado. As iniciativas ao interno do projeto agro-extrativistas precisam ser pensadas a partir de um incremento na qualidade de vida do habitante das ilhas e não simplesmente como manutenção de uma situação “marginal” no processo de desenvolvimento.

É preciso que esta iniciativa se atrele a modelos que permitam, ao mesmo tempo, proteção ambiental e desenvolvimento sócio-econômico da população. E isto é um dos grandes desafios de quem pretende colaborar com o futuro da Amazônia.

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