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Por que eles deixariamde publicar tudo aquilo?

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Livrinho de Papel Finíssimo investe na autogestão, fazendo circular livros e periódicos de baixo custo que agregam diversidade de linguagens, promovendo o acesso do público a conteúdos autorais e experimentais.

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COLETIVO EDITORIALPor que eles deixariamde publicar tudo aquilo? Livrinho de Papel Finíssimo investe na autogestão, fazendo circular livros e periódicos de baixo custo que agregam diversidade de linguagens, promovendo o acesso do público a conteúdos autorais e experimentais TEXTO Adriana Dória Matos fOTOs Flora Pimentel

Pessoas se encontram e fazem coisas juntas. Enquanto curtem, vão a festas, falam de suas vidas, compartilham seus problemas, discutem ideias, planejam, imaginam. Desses encontros podem resultar conversas fantásticas sem qualquer aplicação efetiva – o que não é nada mal, em se tratando da necessidade humana de se divertir e ser feliz – ou podem ser pontos de partida para realizações que vão dar prazer não apenas àqueles do círculo, mas a outros indivíduos que, mesmo estando fora dele, vão usufruir de seus efeitos. Uma diversidade de músicas, filmes, livros e obras de arte geniais que conhecemos surgem assim, de trocas entre pessoas que se conhecem, frequentam-se, planejam e fazem coisas juntas, sem qualquer superestrutura que as sustente.

A esse tipo de produção, que foge às regras e aos sistemas tradicionais, costumamos chamar de alternativo ou independente e há mais pessoas do que se pensa que gostariam de integrar esses grupos, quando não por outros motivos, pelo simples fato de poderem ter mais liberdade de criação, veiculando os próprios trabalhos das maneiras que achem apropriadas. Evidentemente, ser independente ou alternativo não

é tarefa fácil ou sempre divertida – como se poderia depreender do que foi dito no parágrafo anterior –, já que demanda também uma atitude política, uma deliberada cultura de oposição a alguns valores arraigados entre aqueles que são os “dependentes”, ou que aderiram ao establishment.

quadrinistas ao “livre mercado”. “Mas tornar-se parte do sistema era um fracasso, porque você inevitavelmente herdaria as condições do sistema: vida confortável, fórmulas estabelecidas, restrições editoriais, posses materiais etc.”, reconhecia o fundador da Mad. (Você pode ler essa história na apresentação que Rogério de Campos escreveu a uma coletânea brasileira da Zap Comix, editada pela Conrad.)

É desse modo alternativo e autoral, calcado numa cultura de resistência, que vêm sendo publicados os títulos da Livrinho de Papel Finíssimo, editora colocada “oficialmente” no cenário artístico recifense em dezembro de 2006, mas que foi sendo aos poucos viabilizada antes dessa data, pela criação de publicações como a Fusão – “misto de revista, fanzine e catálogo”, de acordo com definição dos próprios editores –, cujo primeiro número circulou em 2004. A Livrinho surge sob inspiração de iniciativas como a citada Zap Comix e a editora Rip Off Press, ambas do underground norte-americano dos anos 1960/1970, e a Ragu, revista produzida há 10 anos em Pernambuco (leia matéria a seguir).

Mas outras inspirações podem ser antevistas como motivadoras da criação dessa editora, sendo as mais evidentes a noção de identidade e a

Sobre essa fuga à cooptação, certa vez, o quadrinista Gilbert Shelton, um dos nomes à frente da revista Zap Comix, disse: “Se nós fizermos sucesso, teremos falhado. Mas, se fracassarmos, teremos sido bem-sucedidos”. Ainda que a afirmativa tenha feito alguns chamarem esta de uma “filosofia suicida”, o que a sustentava era a vontade de se manter em liberdade “lá fora”, já que sucesso, neste caso, era ser tragado pelo sistema, como interpretou Harvey Kurtzman, ao criticar a rejeição do grupo de

entre as referências do grupo de editores independentes está a cena underground de quadrinhos dos anos

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ou “ação reativa”, quando se pensa nas incipientes condições editoriais encontradas ainda hoje em Pernambuco. Os editores da Livrinho, a despeito do acesso a formas tecnológicas e virtuais de edição (como gráficas rápidas e blogs), valorizam os processos artesanais de edição associados à cultura dos zines, como cópias xerográficas e acabamentos feitos à mão. Embora tenham manifestado contentamento quando receberam bolsa-auxílio da edição 2006 da Semana de Artes

como a Livrinho de Papel Finíssimo é “dar coesão a um grupo de pessoas que se sentia estranho à cultura dominante e procurava suporte social para seu ódio e descontentamento”, porque seus produtos “refletem valores e percepções compartilhadas, sustentando um grupo de refratários e tendo um papel importante na afiliação de novos membros para a comunidade contracultural”.

Seria interessante ponderar que a expressão “ódio” acima citada tem muito a ver com “negação”

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experiência de compartilhamento, já que as escolhas editoriais resultam de decisões coletivas, horizontais, de um grupo que tem interesses comuns, uma rede de amigos e “cúmplices”, em certo sentido fechada a participações exógenas, refratária aos “não iniciados”. A atitude de “faça-você-mesmo” – frequentemente associada à ideia de autonomia de ação e a movimentos artístico-sociais de contestação como o punkrock, o grafite, os centros de mídia independente e as rádios comunitárias, entre outros – também orienta esses editores, que escoam produtos que respondem às necessidades essenciais de circulação: são de baixo custo, baixas tiragens, rápidos e baratos de se fazer. Agora, somem-se a isso as propostas artísticas ou, como se diz no mercado tradicional, a sua linha editorial.

No comentado lançamento da Livrinho de Papel Finíssimo, em 2006, proclamou-se: “A editora reúne uma grande variedade de propostas, publicando trabalho autoral de uma nova geração”. E listava entre as áreas de interesse o jornalismo, a filosofia, a arquitetura, o design, o teatro, as artes plásticas, gráficas, visuais e as histórias em quadrinhos. Elenco de opções e de colaboradores que passou

a entrada “oficial” em cena da editora se deu há três anos,

com uma série de lançamentos

simultâneosa atrair um público heterogêneo em vários aspectos, mas aproximado na busca por produtos em que se fizessem presentes conceitos como honestidade e liberdade editorial.

Apropriando-se do que o sociólogo Clinton Sanders disse em 1975 sobre a contribuição das comix aos processos de identificação cultural para qualificar a relação entre editores e leitores no contexto tratado aqui, seria possível dizer que uma importante função exercida pelo tipo de trabalho praticado por editoras alternativas

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Visuais do Recife – SPA das Artes, com a qual puderam alugar uma copiadora a laser (que chamaram jocosamente de “novo parque gráfico”), imprimir e fazer escoar vários títulos que se encontravam “no prelo”, o que contribuiu bastante para a divulgação da editora.

ceLeBRaÇÃo e comPRomiSSoAlém de ser uma editora que usufrui o reconhecimento entre os pares, porque é feita e frequentada por agentes da cultura artística urbana, a Livrinho

vem conquistando público nos eventos que promove para lançamentos de livros e revistas. Em geral, são festas em lugares alternativos ou cults da cidade, em que pode haver pequenos shows, discotecagem, projeção de filmes, exposições artísticas, todas associadas ao elenco de colaboradores da editora. Fora essas festas-lançamento, só é possível comprar ou negociar edições através do email [email protected] e conhecer alguns produtos acessando o blog livrinhoeditora.blogspot.com.

Um trabalho educativo também é eventualmente realizado pelo coletivo editorial, na realização de oficinas de reproarte, quadrinhos e zines; assim como há a demarcação de um território político, pela presença em movimentos sociais, como ocorreu em 2008, quando a Livrinho participou da Marcha da Maconha, tendo publicado um de seus “best-sellers”, a coletânea O fino da massa, misto de manifesto e memória do evento. Não há regularidade nas publicações, algo como um calendário

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Páginas anteriores 001-01 maLa na mÃo

Uma das estratégias do coletivo é a distribuição direta ao público

Nestas Páginas01-02 eStiLete

Alguns títulos são trabalhados da forma mais artesanal possível na “sede” da editora

03-04 PoRtfóLio Na c oleção Olho de Bolso

incluem-se trabalhos com técnicas variadas, como fotografia e desenho

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anual de lançamentos, mas a editora vem mantendo alguns títulos – o zine Fusão e a revista de quadrinhos “sujos e ordinários” Xorume são exemplos de periódicos – e coleções como a Olho de Bolso (parceria com a Ragu), Literatura na Hora (resultado de participação no Festival de Inverno de Garanhuns) e a recém-lançada Lítera Tara, que pretende consolidar espaço para prosa e poesia dentro do seu catálogo.

A Olho de Bolso, que já lançou vários títulos, alguns deles esgotados pela baixa tiragem, seguramente é a de qualidade editorial mais marcante e eclética. Publicada em formato de folheto de cordel, ela reúne trabalhos em fotografia, narrativas visuais, cadernos de anotações e rascunhos, desenho e histórias em quadrinhos, em que a autoria “intransigente”, a permeabilidade entre linguagens e o trabalho editorial afetivo, colado a cada obra, ficam evidentes.

Ainda que muitos dos trabalhos sejam produzidos para a coleção, a ideia de aproveitamento ou de reciclagem também está presente nesses livretinhos, em que pinturas e

desenhos feitos a esmo – em bordas de agendas e cadernos, enquanto se faz outra coisa; esboços e plantas de projetos artísticos; manchas de nanquim em folhas de papel jornal que serviram de forro em mesas de trabalho – são sobras valorizadas e tornadas em obras artísticas. É possível pensar nestes livros de bolso também como provocações, em que se encontra conteúdo artístico poético, confessional e coloquial, mas, sobretudo, satírico, irônico, violento, pornográfico e escatológico, trazendo elementos da cultura de contestação, de massa e popular, destacando-se entre elas a cultura jovem. Em alguns títulos há falhas editoriais e de revisão, não se sabe se propositadamente –

para manter a estética da “sujeira” e do “erro”, de edições “toscas” – ou por desconhecimento técnico.

Os fluxos e intercâmbios entre os integrantes fizeram com que alguns deles estivessem mais ou menos presentes nas ações deste coletivo editorial, que nem sempre foi Livrinho (em 2004 era coletivo Laboratório) e já teve à frente o fanzineiro Henrique Koblitz, o artista plástico Diogo Todé, o ilustrador Greg, o grafiteiro e designer Moacir Lago, e agora é coordenado pelo designer gráfico Camilo Maia, as arte-educadoras Leta Vasconcelos e Sabrina Carvalho, contando com a colaboração do poeta e pesquisador André Telles, todos exercendo simultaneamente o papel de editores, entre outras funções. O que é instigante em ações como a Livrinho de Papel Finíssimo é o seu caráter agregador, dinâmico, colaborativo, que certamente estimula aqueles que só estão precisando de um empurrãozinho para tomar coragem e colocar a si mesmos nas ruas, compartilhando com outros aquilo que andam pensando e criando.

os fluxos fazem com que haja variação na

composição dos integrantes do

coletivo editorial

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05 núcLeo dURo Atualmente, Leta

Vasconcelos, Camilo Maia e Sabrina Carvalho são os editores fixos da Livrinho

06 PaRticiPaÇÃo Cadernos de

desenhos de Walter Vasconcelos é um dos trabalhos publicados no número sete da revista Ragu

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Ragu nº 07vÁrioS aUtoreSc. mascaro e João Lin

Colaboradores de vários países mostram HQs, desenhos e cartuns

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raguNÚMERO SETE CHEGA CHEIO DE BANCAfoi em fevereiro de 2000 que Christiano Mascaro e João Lin – sempre eles, desde então – colocaram na praça a revista de “humor, quadrinhos e nonsense” Ragú. Era uma edição de 48 páginas, capa colorida, miolo em preto-e-branco, grampeada, seis colaboradores, em que os editores exultavam a chegada de uma publicação que valorizava o trabalho de chargistas, ilustradores, caricaturistas, quadrinistas e designers. Já naquele editorial, comentava-se (e agradecia-se) o importante papel das leis de

incentivo à cultura, graças às quais se tornava possível a realização de tal proposta, numa região fértil em produção em artes plásticas e gráficas e precária no seu desenvolvimento. Naquele momento, a Ragú herdava e se inseria nessa tradição, pois mostrava o talento dos artistas selecionados a figurar na publicação enquanto expunha a dependência do apoio institucional (público ou privado) num cenário editorial tímido.

Quase 10 anos e sete revistas depois – sem contar alguns projetos paralelos, como o Ragú Cordel e o Domínio Público –, aqueles que vêm acompanhando a trajetória da revista podem observar os resultados obtidos quando há suficiente energia empreendida em um projeto, tanto no que diz respeito ao esforço pessoal, profissional e artístico de indivíduos, quanto suporte financeiro e retorno público, o tripé elementar para

o sucesso de qualquer empreitada do gênero. Porque a cada edição a Ragu – hoje grafada sem o acento agudo no U – foi encorpando, aumentando o número de páginas e o elenco de colaboradores, chegando a lugares que aquela edição 00 não previa, porque suas ambições iniciais eram do tamanho das possibilidades que vislumbrava na época: poder ser um veículo de apresentação de trabalhos de artistas pernambucanos para um público, no máximo, regional.

Em agosto passado, os editores da Graffiti postaram no blog da revista (http://graffiti76.blogspot.com/2009/08/ragu.html) uma mensagem de felicitação a esse admirável crescimento: “A revista, que se dizia filha da Graffiti, suplantou a paternidade e passou uma bela rasteira na gente. Apesar de ser ainda mais atemporal que a nossa, já é, sem dúvida, o que de mais belo se produz em termos editoriais no Brasil”. Era o tom do elogio a uma nova edição, a sétima, que subiu para 240 páginas, capa dura, policromia, 33 colaboradores de seis países, lançamento e distribuição nacional e mesmo internacional.Ainda que jamais tenha adotado a atitude independente da Livrinho de Papel Finíssimo, que indica se querer mais alternativa aos esquemas oficiais de apoio e incentivo, a Ragu serve de referência a esse grupo de jovens editores e mesmo com ela compartilha a edição da coleção Olho de Bolso, antes mencionada. Num gesto de passiva curiosidade, vamos ver como estará a Livrinho de Papel Finíssimo daqui a 10 anos, tempo que levou a Ragu para chegar ao estado de crescimento no qual hoje se encontra. adriana dÓria matoS

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