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10/06/2016 Por que mulheres ficaram contra a vítima de estupro coletivo no Rio? | Brasil | EL PAÍS Brasil http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/03/politica/1464986541_444483.html 1/5 Por que mulheres ficaram contra a vítima de estupro coletivo no Rio? Dupla de advogados tenta responder por que parte da sociedade ainda culpa a jovem pelo crime São Paulo 8 JUN 2016 16:19 BRT “A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil e a culpa nunca é da vítima”. A voz, saída de um megafone no entardecer na avenida Paulista na última quartafeira, deu início a uma marcha de mulheres em sua maioria contra o machismo e em protesto ao estupro coletivo de uma jovem de 16 anos ocorrido no Rio de Janeiro na semana passada. A segunda informação da frase que abriu a marcha – “a culpa nunca é da vítima” deveria ser óbvia. Mas não é. Manifestação em São Paulo na quartafeira contra o machismo e em protesto ao estupro coletivo de uma jovem de 16 anos no Rio. M. SCHINCARIOL AFP MARINA ROSSI

Por Que Mulheres Ficaram Contra a Vítima de Estupro Coletivo No Rio_ _ Brasil _ EL PAÍS Brasil

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Por que mulheres ficaram contra a vítima de estuprocoletivo no Rio?Dupla de advogados tenta responder por que parte da sociedade ainda culpa a jovempelo crime

São Paulo 8 JUN 2016 ­ 16:19 BRT

“A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil e a culpa nunca é da vítima”. A voz,saída de um megafone no entardecer na avenida Paulista na última quarta­feira, deu início auma marcha ­ de mulheres em sua maioria ­ contra o machismo e em protesto ao estuprocoletivo de uma jovem de 16 anos ocorrido no Rio de Janeiro na semana passada. Asegunda informação da frase que abriu a marcha – “a culpa nunca é da vítima” ­ deveria seróbvia. Mas não é.

Manifestação em São Paulo na quarta­feira contra o machismo e em protesto ao estupro coletivo de uma jovem de 16anos no Rio. M. SCHINCARIOL AFP

MARINA ROSSI

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Assim que a notícia sobre o estupro da adolescente começou a serveiculada na imprensa, a sociedade se dividiu entre os que condenaramo crime e os que culparam a garota pelo ocorrido. Mulheres, inclusive,atribuíram à vítima a responsabilidade pelo crime.

Em busca de tentar entender por que parte da sociedade ainda culpa avítima por um crime como esse, incluindo mulheres que não sesolidarizam com a dor da vítima, a advogada Verônica Magalhães dePaula e o delegado e professor da Unisal, Eduardo Cabette,publicaramo estudo “Crime de estupro: até quando julgaremos as vítimas?”. Apublicação é de 2013, mas para o nosso azar, o tema é atemporal.

E com séculos de história. De acordo com o texto, “mesmo em plenaaurora do século 21, as mulheres ainda são julgadas como na IdadeMédia, onde somente a mulher honesta e virgem poderia ser vítima decrime de estupro e desde que também ficasse comprovado que elahavia lutado e gritado por socorro, pois o silêncio da vítima significava oconsentimento do ato praticado”. Para Verônica de Paula, parte dasociedade julga a vítima por ela não se enquadrar nos padrõesidealizados da mulher correta, aquela que é casada e cuida do marido edos filhos. “Somos educadas desta forma”, diz. “A mulher tem que sersubmissa, recatada, falar baixo, sair de casa apenas para ir ao trabalho,

no máximo”.

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O estudo compara dois casos que ocorreram em 2012. Um, aqui no Brasil, de duasadolescentes de 16 anos que foram estupradas por seis integrantes de uma banda depagode, a extinta New Hit, na Bahia. Na época, houve protestos contra a prisão doscriminosos. As vítimas foram ameaçadas de morte e tiveram que entrar no Programa deProteção à Criança e ao Adolescente Ameaçados de Morte, assim como a vítima do estuprono Rio de Janeiro de duas semana atrás. O outro caso foi o de uma mulher de 23 anos quesofreu um estupro coletivo na Índia, quando voltava para a casa, em um ônibus. Ela nãoresistiu aos ferimentos – foi perfurada internamente – e morreu. Milhares de pessoas emtodo o mundo ficaram chocadas com o crime, e na Índia, foram às ruas por leis mais rígidase maior proteção para as mulheres. Os criminosos quase foram linchados pela populaçãoindignada. A história é contadano documentário India's Daughter.

"Mesmo em plena aurora do século 21, as mulheres ainda sãojulgadas como na Idade Média, onde somente a mulher honesta evirgem poderia ser vítima de crime de estupro"

O que diferencia um episódio do outro? Segundo os autores do estudo, a jovem indiana eravista como uma mulher honesta. Voltava da Universidade quando foi abordada. Estavacoberta dos pés à cabeça. Não pediu para ser estuprada. Já as garotas na Bahia nãodeveriam estar naquele local, assistindo a um show de uma banda com letras de duplosentido e com coreografias de conotação sexual. Com essas atitudes, elas estavamsujeitas a passar pelo que passaram. Ou pior: pediram para ser estupradas.

No ano passado, a Justiça condenou os integrantes da banda a 11 anos e oito meses deprisão, mas coube recurso e eles respondem em liberdade.

O pré­julgamento da vítima se repete agora, três anos depois, com o caso da jovem no Riode Janeiro. Muitas pessoas usaram o argumento de que a garota era usuária de drogas,frequentava o morro e usava roupas curtas para culpá­la pelo crime do qual foi vítima. Assimcomo as meninas na Bahia, ela não deveria estar em um baile funk. “Culpamos a vítimaporque partimos do pressuposto de que a mulher não pode ter uma vida sexual ativa”, disseEduardo Cabette, o co­autor do estudo.

Segundo Cabette, se a vítima em questão fosse uma garota de classe média, usando

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roupas compridas, o tratamento do público seria diferente. Mas, perante à lei, alerta Cabette,isso não faz – ou não deveria fazer – nenhuma diferença. “A população pode até pensardiferente, mas juridicamente, se a mulher é uma prostituta, por exemplo, e no meio doprograma ela decide não continuar a relação e o cliente a força a seguir em frente, ela podeser vítima deestupro”.

“Culpamos a vítima porque partimos do pressuposto de que amulher não pode ter uma vida sexual ativa”

O delegado afirma que no caso do crime no Rio de Janeiro, os suspeitos podem serjulgados por estupro de vulnerável, se for comprovado que a garota estava desacordadaquando o crime ocorreu. "E esse crime tem pena mais grave que o crime de estupro comum,aliás", diz. "Não importa se ela se drogou ou se a drogaram".

"A culpa é da crise"O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho, afirmou aojornal O Estado de São Paulo que a crise econômica é uma das culpadas do crimede estupro coletivo ocorrido no Rio, assim como outros crimes dessa espécie. "Muita gentecai em depressão porque perdeu o emprego e começa a beber. E aí termina perdendo acabeça e praticando esse tipo de delito. Não estou falando que é a principal causa, mas umadas causas com certeza é essa aí", afirmou, em entrevista publicada na sexta­feira dasemana passada.

A ideia de que o criminoso que pratica o estupro está fora de si, ou mesmo é um doente, éduramente condenada porfeministas. No estudo de Cabette e Verônica, há uma menção àvisão distorcida da condição desse homem na sociedade: "A vítima sempre será aquelamulher promíscua de moral duvidosa ou o estuprador será um homem “anormal”, comperturbações mentais e a moral distorcida, que não consegue conter seus instintosanimalescos", diz o texto. "Esse mecanismo de proteção impede que as pessoas aceitemque não há um perfil específico de vítima e que o agressor pode ser o homem honesto,trabalhador, pai de família", concluem os advogados.

Na mesma semana em que o secretário deu a entrevista aoEstadão, a Secretaria deSegurança Pública do Estado de São Paulo divulgou um levantamento apontando que

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apenas 30% dos casos de estupro registrados pela polícia são cometidos por pessoasdesconhecidas. Ou seja, de cada dez casos de estupro que a polícia tem conhecimento,sete são cometidos por uma pessoa que tem algum vínculo com a vítima. A maioria dasvítimas tem entre 12 e 17 anos, de acordo com o Mapa da Violência. Um caso notório queilustra esse perfil aconteceu no interior de São Paulo. O delegado de Itu Moacir Rodriguesde Mendonça estuprou sua neta em um hotel, durante uma viagem familiar, forçando­a a atosexual, segundo relato da vítima. A jovem, de 16 anos, só o denunciou semanas depois doocorrido, em setembro de 2014. Atônita com a investida do avô, a jovem ficou atordoadacom o ocorrido e não contou para ninguém o crime. Ela chegou a tentar o suicídio, mas foiimpedida pelo padrasto. Só então revelou a verdade para a mãe, que levou o caso à Justiça.

Mendonça ficou preso por um ano e seis meses aguardando julgamento do caso, masconseguiu liberdade no mês passado porque um juiz de Olímpia, onde ocorreu o ato sexual,entendeu que houve consenso da vítima. Não há prova segura e indene de que o acusadoempregou força física suficientemente capaz de impedir a vítima de reagir. A violênciamaterial não foi asseverada, nem esclarecida. A violência moral, igualmente, não éclarividente, penso”, escreveu o juiz Luiz de Abreu Costa, que em nenhum momentoquestiona o fato de um avô ter tido relações sexuais com uma neta menor de idade. O fatoilustra como a cultura do estupro está arraigada até mesmo na leitura de representantes daJustiça. No último dia 26, o Ministério Público de Olímpia recorreu da sentença do juiz.