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1 POR QUE ODIAMOS NOSSAS CRIANÇAS Maria Amélia Azevedo Pedagoga / FEUSP Advogada / FDUSP Doutora em Educação / FEUSP Livre Docente e Titular / IPUSP Palestra realizada a 09/11/2016 no Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública/USP ! ?

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POR QUE ODIAMOS NOSSAS

CRIANÇAS

Maria Amélia Azevedo Pedagoga / FEUSP

Advogada / FDUSP

Doutora em Educação / FEUSP

Livre Docente e Titular / IPUSP

Palestra realizada a 09/11/2016 no

Departamento de Saúde Materno-Infantil da

Faculdade de Saúde Pública/USP

! ?

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SUMÁRIO

1.0 Apresentação:

POR QUE ODIAMOS NOSSAS CRIANÇAS?

2.0 Ódio: perfil de uma paixão

3. 0 A criança brasileira: infâncias

4. 0 O afeto, que os adultos dedicam às crianças no Brasil: ódio ou amor

desvalorizado?

5.0 O afeto que falta: O ÓDIO TRANSFORMADOR (INDIGNAÇÃO)

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1.0 Apresentação:

POR QUE ODIAMOS NOSSAS CRIANÇAS?

Duas formas de perguntar:

A – A pergunta afirmativa

B – A pergunta interrogativa (sem ser tautológica)

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2.0

Ódio: perfil de uma paixão

Qualquer um pode irritar-se, isso é fácil; difícil é zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, no momento certo, com o propósito certo”.

Aristóteles – A arte da retórica

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I. Um MONSTRO: a função destruidora do ódio

• Os termos do campo semântico (da leve irritação ⟶ aos acessos intensos de fúria)

IRA: Desejo de vingança. Cólera.

IRRITAÇÃO: Exasperação

FÚRIA: Agitação violenta; ímpeto de violência.

ÓDIO: Paixão que impele a causar ou desejar mal a alguém.

RAIVA: Sentimento violento de ódio ou rancor.

Fonte: Ferreira, Aurélio B. de Holanda [1975], Novo Dicionário Aurélio, R. de Janeiro: Editora Nova Fronteira.

Em suma: UM AFETO IMPORTANTE MESMO e BASTANTE COMUM

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Fonte: Mente Cérebro, edição especial, Ano XXI, pg. 7

“Não preciso imaginar o que seja a raiva. Eu sinto muita raiva” diz o cineasta canadense

Xavier Dolan que, aos 27 anos, acaba de lançar seu sexto filme “É apenas o Fim do

Mundo”, o qual arrebatou o Grande Prêmio do Juri de Cannes/2016 (Genestreti, G. – O

Pequeno Príncipe, Folha de São Paulo/ Ilustrada, 23/11/2016, p. C1).

Fonte: Folha de São Paulo, Ilustrada, 2016, C1.

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3.0

A Criança Brasileira: Infâncias

I – As várias infâncias

A. Infância “Risonha e Franca”

B. Infância vitimada (“em risco”)

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É a infância atingida pela → → Violência entre classes sociais (violência estrutural)

Infância pobre

Infância abandonada

Infância infratora

SÉRGIO CLAUDIO

Começou no tráfico aos 10 anos

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Infância explorada sexualmente

Infância explorada no trabalho

Crianças trabalhadoras: carregam pedras e respiram poeira mortal

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C. Infância vitimizada (em “estado de sítio”)

É a infância atingida pela Violência intra classes sociais

(VDCA / Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes)

A VDCA é um processo com pelo menos sete modalidades de AÇÃO ou OMISSÃO:

VDCA

1 – Física

2 – Sexual 3 – Psicológica

4 – Síndrome de Münchhausen by Proxy

5 – Negligencial 6 – Testemunhal 7 - Fatal

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1 – Física

O QUE É:

Corresponde ao emprego de força física no processo disciplinador de uma criança.

Toda ação que causa dor física na criança: desde um simples tapa até o espancamento fatal representam um só continuum de violência.

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2 – Sexual

O QUE É:

Todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual entre um ou mais adultos (com relação de consanguinidade, afinidade e/ou responsabilidade quanto à vítima) e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança / este adolescente ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou a de outra pessoa.

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3– Psicológica

O QUE É:

Também designada como ‘‘tortura psicológica’’, ocorre quando os pais ou responsáveis constantemente depreciam as crianças e ou adolescentes, causando-lhes grande sofrimento mental. Ameaças de abandono também podem tornar uma criança medrosa e ansiosa, podendo representar formas de sofrimento psicológico.

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4 – Síndrome de Münchhausen by Proxy

O QUE É:

Nome dado em 1977 pelo Dr. Roy Meadow, a casos de vitimização de crianças e adolescentes nos quais há fabricação de uma história única de “doenças”. É a fabricação de uma história clínica ou de sintomas de uma criança, feita pelos pais, com o objetivo de conseguirem avaliações médicas desnecessárias, bem como procedimentos clínicos e hospitalizações (Santoro Jr, M. e Guerra, Viviane N. de A. (1977) Münchhausen Syndrome by Proxy: uma doença fabricada. S. Paulo, p. 4 (versão digital).

O nome da Síndrome vem de um personagem real, o barão Karl Friedrich Hieronymus von Münchhausen (1720-1797), um clássico mitômano e que costumava narrar histórias fantasiosas sobre seus “feitos heroicos”...

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5– Negligencial

O QUE É:

Configura-se quando os pais ou responsáveis falham em termos de prover as necessidades físicas de saúde, educacionais, higiênicas de seus filhos e/ou de supervisionar suas atividades, de modo a prevenir riscos e quando tal falha não é o resultado das condições de vida além do seu controle.

Bebê que tomou soda cáustica...

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6– Testemunhal

O QUE É:

Trata-se de Violência Conjugal a nível do casal, geralmente considerada Violência Doméstica contra Mulher, embora existam casos em que o Homem é a vítima.

Trata-se de Violência Doméstica contra Crianças / Adolescentes (VDCA), na medida em que estes últimos testemunham a Violência sofrida em casa por adultos - referência.

...

O conceito está longe de ser tranquilo, havendo quem considere tratar-se apenas de uma modalidade de VDCA de natureza Psicológica.

É uma VD (Violência Doméstica) DUPLA: dirigida à Mulher (Conjugal) + dirigida a Criança / Adolescente (VDCA).

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7– Fatal

O QUE É:

Atos e/ou omissões praticados por pais, parentes ou responsáveis em relação a crianças e/ou adolescentes que – sendo capazes de causar-lhes dano físico, sexual e/ou psicológico – podem ser considerados condicionantes (únicos ou não) de sua morte.

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II – Que números são esses?

A infância/adolescência brasileira em dados.

A. Estatísticas Populacionais (Censo Demográfico de 2010)

São cerca de 29 milhões de crianças com até nove anos e aproximadamente 34 milhões de 10 a 19 anos. Ou seja: a população entre 0 e 19 anos chegou a 63 milhões de crianças e jovens. Em 2000, esse número era um pouco maior, passando de 68 milhões, já que eram cerca de 33 milhões de crianças de 0 a 9 anos e 35 milhões de 10 a 19 anos.

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B. Os números da Violência

Fonte: Azevedo, M.A. e Guerra, V.N. de A., 2016, Infância e Violência Doméstica – Fronteiras do Conhecimento, 7ª edição, p. 342.

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C.

A condição e a situação da infância brasileira ainda são PERIGOSAS pois as

VIOLÊNCIAS estão em números ASSUSTADORES, longe de serem reduzidas a zero.

PPOORR QQUUEE??

Há quem diga que o mal está no AFETO

dedicado à INFÂNCIA: será?

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4.0

O afeto que os adultos dedicam às crianças no Brasil: ÓDIO OU AMOR DESVALORIZADO?

A. Ódio?

A1 O que dizem os dados de uma pesquisa sobre infância e Violência Fatal em Família (1998)

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Etapas e resultados:

...

Considerando tratar-se de casos de Violência Fatal (a mais grave) e utilizando técnicas de Retrato Falado (vitima) e da Crônica Familiar (ocorrência) perguntou-se: quais emoções estiveram presentes na fala dos 23 entrevistados (geralmente mães)?

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O que os resultados mostraram

Casos onde se observou RAIVA

PPOORRTTAANNTTOO aa RRAAIIVVAA ffooii MMIINNOORRIITTÁÁRRIIAA,,

MMEESSMMOO PPAASSSSAADDOOSS 44 AANNOOSS ddoo EEPPIISSÓÓDDIIOO FFAATTAALL

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IMPORTANTE

Como em todas as relações humanas, o Ódio de pais contra filhos EXISTE mas não é a emoção predominante. É mais uma exceção que importa não desconhecer pois pode ser altamente TÓXICA.

É o que se aprende lendo Constance Briscoe (2009)

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A2 O que dizem os dados de uma pesquisa sobre punição corporal doméstica de crianças e adolescentes (2001)

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A3 O que dizem os dados de uma pesquisa sobre Violência Sexual (1989)

Fonte: E. Sue Blume, “Secret Survivors (Sobreviventes Secretas). Ballantines Books, New York, 1989.

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B. Amor desvalorizado?

B1. Concepção de infância

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O que a longa jornada camufla é que a representação da criança (e também sua própria condição social), ao longo dos séculos e ainda hoje, tem sido a de um

SER MENOR de idade, INFERIOR, partícipe de um PADRÃO ASSIMÉTRICO de RELAÇÕES SOCIAIS ADULTOCÊNTRICAS.

Como aponta Mary del Priore:

“A criança brasileira é silenciosa. Não deixa marcas no passado. Documentos oficiais pouco se preocupam com ela. Na Colônia e no Império, a criança não aparece: passa

como gato em brasa”.

(História das Crianças no Brasil, entrevista a equipe do Almanaque Brasil em São Paulo, Positivo, outubro/2004)

A linha do tempo construída através da “longa jornada” traz embutido o

PRECONCEITO contra Criança

Fonte: www.recriaprojetos.com.br, Sala do Conhecimento, Nuvem Estudos.

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A Árvore da figura a seguir mostra que o Preconceito contra a Criança é modalidade do chamado Preconceito de Geração e que todos os

preconceitos são ideias pré-concebidas sobre (contra)

O DIFERENTE

Fonte: www.recriaprojetos.com.br, Sala do Conhecimento, Nuvem Estudos.

Árvore do Preconceito

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O Preconceito contra Crianças – como todos os pré-conceitos - é aprendido (ninguém nasce preconceituoso) e essa aprendizagem tem como CERNE

a ideia mistificadora da criança-CRIANÇA isto é...

“Não só as crianças são crianças ou foram consideradas como crianças: os

escravos na Antiguidade, os negros colonizados, os criados, o povo e as mulheres têm sido chamados de crianças e foram frequentemente tratados

como CRIANÇAS.”

(Snyders, G. Não é facíl amar os nossos filhos. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1984, p. 25, 26, 34, 36, 38, 41, 45, 46, 47, 49, 50, 51, 53, 54, 55, 56, 58, 60, 61, 62, 68, 69).

O próprio termo criança , se submetido a uma exploração semântica, revela a presença do PRECONCEITO, quando a criança é identificada:

ao ser que não fala (vertente INFÂNCIA do latim IN-FANS)

Pueril (vertente PUERICIA do latim Pueritia)

Párvulo (vertente PARVO do latim Parvulo)

Menor (vertente Menor do latim Minore)

Ou seja: um ser de menos valia, enquanto projeto de gente adulta (de mais valia)

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5.0

O afeto que falta: o ÓDIO TRANSFORMADOR

(INDIGNAÇÃO)

“Tolerar a existência do outro, permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco.

Quando se tolera apenas se concede e isso não é uma relação de igualdade e sim de

superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas

onde fosse inexistente a intolerância”.

José Saramago

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A indignação – enquanto forma “construtiva” da raiva – só é possível porque

apoiada na chamada emoção essencial: o MEDO. Este é uma emoção criativa porque a

partir dela se estabelecem objetos e condições novas na experiência humana. Diante do

temor não há saída, somos confrontados a tomar uma decisão: agir ou recuar... A raiva,

assim como a vergonha são exemplos maiores dos dois destinos secundários dados ao

medo: ataque ou fuga, enfrentamento ou retirada (Pinto, Graziela Costa e Christian Ingo

Jenz Dunker – Medo. São Paulo: Duetto Editorial, 2010, pgs. 10 e 12).

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A função transformadora do ÓDIO – INDIGNAÇÃO de que fala o Professor e

Psicanalista Christian Dunker, foi a que impulsionou Constance Briscoe (2009) em

sua luta contra a mãe.

É também o que está por trás do Portal RECRIA e de suas bandeiras de luta.

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A Criança Brasileira enquanto “um ser de alto risco” e “em estado de sítio”

está cansada de esperar que a sociedade acorde para sua condição de

pessoa cidadã, merecedora de um amor valorizador e não transgressional

porque

afinal ela faz parte de “uma raça de todas as raças...

uma nação que ocupa o mundo inteiro. Uma tribo de milhões!”

A criança como um ser de alto risco

É uma raça de todas as raças. É uma nação que ocupa o mundo inteiro. Uma tribo de milhões.

Têm uma particularidade física em comum – são pequenos – mas fora isso são diversificados, sem

feições características. Até uma certa idade, falam a mesma língua indecifrável, depois começam a

usar idiomas diferentes. Em geral se entendem. Sua cultura também é variada, mas apresenta um

dado interessante ainda não bem explicado. Durante um certo tempo todos desenham e pintam do

mesmo modo. Alguns com mais ou menos talento, mas todos com o mesmo traço que se pode

chamar de “naif”. Não importa em que condições tenham nascido ou que distância os separe,

todos fazem a árvore e o homem no mesmo estilo. Talvez este exotismo explique a maneira

paradoxal com que eles são tratados. Despertam, interesse e ternura, desprezo e ódio em partes

iguais. Muitos são rejeitados, sofrem discriminações em alguns lugares e até campanhas de

extermínio. Para muitos, a única maneira certa de escaparem deste destino é abandonarem, sua

tribo e aderirem ao inimigo, se transformando em nós como camuflagem. Mas isso só acontece com

o tempo e, até que aconteça, a vida é um risco.

Luis Fernando Veríssimo

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A criança precisa de adultos que a defendam. Proteger as crianças é responsabilidade dos adultos e não

da criança. Elisabeth Nonnenmacher

Merece RESPEITO e PROTEÇÃO