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ensaios sõbre ....... NOVA CRITICA uma literatura do olhar rf::t

Por um novo romance

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Allain Robbe-Grillet

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  • ensaios sbre ....... NOVA CRITICA uma literatura do olhar nn~ tAmnn~ rf::t rAifi~~~ain~

  • POR UM NVO ROMANCE

    Os textos que formam ste volume no coestitn'Pi em ahsowto 1;a f~wi do ro-l de evoluo que me parecem fundamentais na literatura contempornea. Se emprego, e1n inmeras pginas, o trmo Nvo Romance, no para designar uma escola, nem mesmo um grupo definido e formado por escritores que estariam trabalhando num mesmo senti-do; h aqui apenas lll1.1. rtulo cmodo que

    ventar o romance, isto , a inventar

    tica das formas do passado , no apenas absurda e v, como pode mesmo tornar-se pre-judicial: fechando-nos os olhos sbre nossa situao real no mundo atual, essa atitude nos impede, afinal de contas, de construir o mundo e o homem de amanh.

    ALAIN ROBBE-GRILLET

    Lanamentos recentes

    FREUD - J. "B. Pontalis, J. Laplanche. O retrno s teorias de Freud luz das novas

    aquisies das cincias humanas. O DIREITO CIDADE - Henri Lefebvre. O fenmeno urbano: sentido e finalidade da

    industrializao. O principal direito do homem.

    Lanamentos anterio1es

    ARTE CONTEMPORNEA: CONDIES DE AO SOCIAL - A. M. Goldberger e C. Netto.

    SARTRE HOJE - J. :tvI. L Clzio, P. Tro-ti non . P. Sartre.

    T TICA - Luc de Heusch, Jean Pouillon, Lvi-Strauss.

    DEBATE SBRE O ESTRUTURALISMO -Lucien Goldmann, Henri Lefebvre.

    IDEOLOGIA E CLASSES SOCIAIS - Adam Schaff, Norman Birnbaum, Mauro Fotia, Rudi Supek.

    A IRRUPO: A REVOLTA DOS JOVENS NA SOCIEDADE INDUSTRIAL - Henri Lefebvre, Lucien Goldmann.

    /\

    P0 R I 4 bU?'U? E E?)"f o ) 165 Alain Rcibbe-Grillet

    NOVA CRTICA

  • do original francs: POUR UN NOUVEAU ROMAN

    copyright 1963 by Les tditions de Minuit

    reviso: E. Bonum

    capa: A. M. Goldberger

    coleo NOVA CRTICA, vol. 1 uma edio DOCUMENTOS

    1969

    direitos para a lngua portugusa adquiridos por: EDITRA DOCUMENTOS L TDA.

    Jargo do a-oul~e, 418 - 13.0 and. - s/ 131 - ~o paulo - sp

    Para que servem as teorias

    Um caminho para o romance do futuro

    Sbre algumas noes obsoletas O personagem A histria

    7

    13

    29 21 23

    O compromisso 26 A forma e o contedo 31

    Natureza, humanismo, tragdia 36

    Elementos de uma a11tologia moderna 55 Enigmas e transparncias em Raymond Roussel 55 A conscincia doente de Zeno 61 J oe Bousquet, o sonhador 65 Samuel Beckett, ou a presena no palco 75 Um romance que inventa a si mesmo 85

    Nvo Romance, homem nvo 89

    Tempo e descrio no romance atual 96

    Do realismo realidade 105

  • t:., iL ;; , m " ~z r nr ~ zw= , zznr _, 1 Z'U?XZ?T?t717 ?777f1SW "f17f?SS?"'ZW

    PARA QUE SERVEM AS TEORIAS

    uanto os a ia1s, a azer a gumas re exoes cn icas s re os ivros que escrevi, sbre aqules que lia,: sbre aqules a~nda que planejava escrever. Na maior parte do tempo, essas reflexes eram inspiradas por certas reaes - que me pareciam shrpreendentes ou despropo-sitadas - suscitadas na imprensa por 1 meus prprios livros.

    Quando surgiram, meus romancjs no foram acolhidos com uma aprovao unnime; o mnimo que se pode dizer. Do semi-silncio reprovador no qual caitf o primeiro (Les Gommes) ao repdio macio e violento que a grande imprensa ops ao segundo (Le Voyeur) no houve mu~to progresso; a no ser em relao tiragem, que aumentou sensivelmente. Sem dvida, sur-giram alguns elogios, aqui e ali, mas que por vzes me desnor-teavam mais ainda. O que mais me surpreendia, tanto nas cen-suras quanto nos elogios, era encontra!r quase por 1:da parte uma referncia implcita - ou mesmo explfoita - aos grandes romances do passado, que eram sempre apresentados como o modlo para o qual o jovem escritor devia manter os olhos voltados.

    Nas revistas literrias eu freqentemente encontrava uma acolhida mais sria. Mas no consegta me satisfazer com ser reconhecido, apreciado, estudado apenas pelos mesmos especia-listas que me tinham ,encorajado desde o princpio: estava persua-

    ' r um autor "difcil". Minhas surprsas; minhas impacincias eram provvelmente tanto mais vivas quan~, por minha formao, eu ignorava tudo dos meios literrios e ide seus hbitos. Assim eu publicava, num jornal poltico-literrio de grande tiragem (L'Ex-press), uma srie de breves artigos nos quais expunha algumas idias que me pareciam bem bvias: dizia, por exemplo, que as formas romanescas devem evoluir para pem1anecerem vivas, que

  • os heris de Kafka tm pouca relao com os personagens de Balzac, que o realismo socialista ou e engagement sartreano difi.-

    - , ,,

    ~YW'

    ) ) ,

    todos os escritores que no se sabia onde pr. "Escola do olhar'', "Romance objetivo", "cole de Minuit'',"' os rtulos variavam; quanto s intenes que me atribuam eram com efeito delirantes: escorraar o homem do mundo, impor meu prprio estilo aos outros romancistas, destruir tda a ordem na composio dos livros, etc. ,"'

    Em novos artigos, eu tentava melhorar a situao, esclare-cendo ainda mais os elementos mais negligenciados pelos crticos, ou aqules mais distorcidos. Desta vez acusaram-me de contra-dizer a mim mesmo, de me renegar. . . Assim, levado alternada-mente por minhas pesquisas pessoais e por meus detratores, de ano em ano eu continuava, irregularmente, a publicar minhas re- flexes sbre a literatura. o conjunto dsses escritos que est agora reunido no presente volume.

    Estes textos no constituem em absoluto uma teoria do ro-mance; tentam apenas isolar algumas linhas de evoluo que me parecem fundamentais na literatura contempornea. Se em mui~ tas pginas emprego conscientemente o trmo Nvo Romance, no o fao com .o intuito de designar uma escola, nem mesmo um grupo definido e constitudo por escritores que trabalhariam num mesmo sentido; trata-se a enas de um rh1lo cmodo ue eng o a o os aque es que procuram novas ormas e romance,. capazes de exprimir (ou de criar) novas relaes entre o homem e o mundo, todos aqules que se decidiram a inventar o romance, isto , a inventar o homem. :tsses sabem que a repetio siste-

    "' "cole de Minuit": designao derivada do nome da editra ( Les ditions de Minuit) que lanou Robbe-Grillet e outros novos autores. (N. do T.).

    mtica das formas do passado no apenas absurda e v co1ho pode mesmo tornar-~e prejudicial: fechando-nos os olhos sbre a ma e contas, e construir o mune o e o ornem e aman .

    Elogiar um jovem escritor de hoje pelo fato de le "escrever como Stendhal" representa uma dupla desonestidade. Por um lado, essa proeza nada teria de admirvel, como acabamos de ver; por outro lado, trata-se de algo absolutamente impossvel:

    ara escrever como Stendhal antes de mais nada seria reciso

    ponto, no era um paradoxo aquilo que J.-L. Borges desenvolvia em Fictions: o romancista do sculo XX que copiasse Don Quixote palavra por palavra escreveria com isso uma obra totalmente dife-rente da de Cervantes.

    Alis, ningum teria a idia de elogiar um msico por com-por, em nossos dias, algo parecido com Beethoven, ou por pintar la Delacroix, ou de elogiar um arquiteto por conceber uma catedral gtica. Felizmente muitos romancistas sabem que o mesmo acontece com a literatura, que tambm ela algo vivo e que o romance, desde que existe, sempre foi nvo. Como poderia o estilo do romance ter permanecido imvel, fixo, quando tudo evolua ao seu redor - bem rpidamehte, na verdade - no de-correr dos ltimos cento e cinqenta anos? Flaubert escrevia o nvo romance de 1860, Proust escrevia o nvo romance de 1910. O escritor deve aceitar carregar sua prpria data com orgulho, sabendo que no existem obras-primas na eternidade, mas apenas obras na histria; e que elas s sobrevivem na medida .em que deixaram o passado a1rs de si e que anunciaram o futuro.

    Entretanto, h alg em particular que os crticos acham di-fcil de suportar: o fato. de os artistas se explicarem. Dei-me conta disso quando? ap?s ter manifestado estas evidncias e al-

    ) .

    livro no apenas desagradou e foi considerado como um absurdo atentado contra as belas letras, como ainda demonstraram como era. normal que fsse a tal ponto execrvel, uma vez que con-fessava ser o produto da premeditao: seu autor - oh escn-dalo! ...;; permitia-se ter opinies sbre seu prprio trabalho.

    Aqui ainda se constata que os mitos do sculo XIX. conser-vam tanto seu poder: o grande romancista, o "gnio", uma es-

    .9

  • pcie de monstro inconsciente, irresponsvel e fatal, e mesmo li~eiramente i~becil, do qual partem "mensagens" que apenas o

    mais ou menos a mitido como favo-obra. O alcoolismo, a desgraa, as

    drogas, a paixo mstica e a loucura atulharam de tal modo as biografias mais ou menos romanceadas dos artistas que a partir de ento parece absolutamente natural ver nesses fatos necessi-dades essenciais de sua triste condio; em todo caso arece na-

    eu ongem corno que a reve ia, essas maravilhas nao premed1-

    fra superior que as ditou. O romancista, mais do que um criador no sentido prprio, seria ento um simples mediador entre o comum dos mortais e um poder obscuro, um alm da humani-dade, um esprito eterno, um deus ...

    Na realidade, basta ler o dirio de Kafka, por exemplo, ou a correspondncia de Flaubert, para logo nos darmos conta da +"" parte primordial ocupada, j nas grandes obras do passado, pela conscincia criativa, pela vontade, pelo rigor. O trabalho paciente, a construo metdica, a arquitetura longamente meditada de cada frase bem como do conjunto do livro, isso sempre representou seu devido papel. Depois dos FalstMos, depois de Joyce, depois da Nusea, parece que caminhamos cada vez mais na direo de uma poca da fico em que os problemas de estilo sero enca-rados lucidamente pelo romancista, e na qual as preocupaes crticas, longe de esterilizar a criao, podero - pelo contrrio -servir-lhe de motor.

    No se trata, como vimos, de estabelecer uma teoria, um molde preliminar a fim de forjar a os livros futuros. Cada roman-cista, cada romance deve inventar sua prpria forma. Nenhuma receita pode substituir essa reflexo contnua. S o livro cria suas prprias regras. Na verdade, o movimento do estilo dever fazer com que freqentemente essas rt;gras sejam postas em perigo em cheque talvez e dever mesmo explodi-las. Longe de respeitar formas imveis, cada nvo livro tende a constituir suas leis de fncionamento ao mesmo tempo em que produz a destruio delas mesmas. Uina vez acabada a obra, a reflexo crtica do escritor lhe servir ainda para manter suas distncias em relao a ela, logo alimentando novas pesquisas, um nvo ponto de par-tida.

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    ( Assim, no muito interessante procurar pr em contra-dio as reflexes tericas e as obras. A nica rela o ue )ode

    cordfuicias e de oposies. Portanto, no tampouco surpreen-dente constatar evolues de um ensaio para outro, nos que sero lidos aqui. Bem entendido, no se trata das grosseiras renegaes errneamente denunciadas por leitores um pouco desatentos - ou mal-intencionados -, mas sim de retomadas dos mesmos pontos num lano diferente trata-se de reexames da s n

    ' p -meiras. Um romance que no fsse mais do que o exemplo de gramtica que ilustra uma regra - ainda que acompanhada de sua exceo - seria naturalmente intil: bastaria o enunciado da regra. Exigindo para o escritor o direito inteligncia de sua criao, e insistindo sbre o intersse que a conscincia de sua prpria pesquisa representa para le mesmo, sabemos que sobre-tudo ao nvel do estilo que esta pesquisa se realiza, e que no instante da deciso nada est claro. : Assim, aps ter indisposto os crticos ao falar da literatura com a qual sonha, o romancista se sente repentinamente desarmado quando sses mesmos crticos lhe pedem: "Explique-nos portanto por que voc escreveu sse livro, o que significa, o que voc pretendia fazer, com que in-teno voc empregou esta palavra, por que construiu esta frase dsse modo?"

    Diante de semelhantes pergunta~, seria possvel dizer que sua "inteligncia" no lhe serve para friais nada. O que le quis fazer foi apenas aqule livro mesmo.. Isso no quer dizer que le est sempre satisfeito com sse livro; mas a obra continua a ser, em todos os casos, a melhor e a nica expresso possvel de seu projeto. Se o escritor tivesse tido a faculdade de dar uma definio mais simples de seu projeto, ou de reduzir suas du-zentas OU trezeptgg p@;iPPS O UW WCPSQg)@m Otm: }Rguagom o}ara~ de explicar o funcionamento de seu projeto palavra por palavra, em suma, de dar a razo de seu projeto, no teria sentido a necessidade de escrever o livro. Pois a funo da arte no nunca a de ilustrar uma verdade - ou mesmo uma interrogao - antecipadamente conhecida, mas sim trazer para a luz do dia certas interrogaes (e talvez tambm, a seu tempo, as respostas) que ainda no se conhecem nem a si mesmas.

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  • Tda a conscincia crtica do romancista s lhe pode ser til ao nvel das escolhas, no ao nvel da ustifica o destas.

    este a jetivo, e construir ste pargrafo dste modo. Dedica tda sua ateno lenta procura da palavra exata e de sua justa colocao. Mas no pode oferecer nenhuma prova dessa neces sidade (a no ser, s vzes, depois do fato). Suplica que acre~ ditem nle, que confiem nle. E quando lhe perguntam por que escreveu seu livro s tem uma res s "

    . s Ja se oa com um pouco mais e c areza do que os outros. De Flaubert a Kafka tda uma filiao que se impe nossa mente, uma filiao que exige um devenir. Esta paixo por descr;ever, que anima todos s dois, exatamente aquela que encontramos no nvo rorriance de hoje. Para alm do naturalismo de um e do onirismo metafsico do outro, esboam-se os primeiro elements de um . estilo realista de um gn. ero des ..... "" conhecido, que no momento est surgindo para a luz do dia. O que esta coletnea tenta fazer exatamente descrever alguns contornos dsse nvo realismo.

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    UM CAMINHO

    . ' . . . .. . . - . -

    possvel. As inmeras . ~en~ativa~, que se s1:1cedem ~ 1~1ai_s de trinta ans, de fazer a fwao sair de seus tnlhos habituais rnsul-taram, na melhor das hipteses, apenas nalgumas obras isoladas. E - isto sempre repetido - nenhuma dessas obras; fsse qual fsse seu intersse, conseguiu a adeso de um pblico compa-rvel ao do romance burgus. A nica concepo de romailce que hoje tem curso livre , coin- efeito, a de Balzac.

    Sem. exagro, seria possvel mesmo remontar at Mme. d6: La Fayette. A sacrossanta anli$e p~icolgica constitua, j nessa poca, a base de tda a prosa: era la que presidia concep_o do livro, descrio dos personagens, ao desdobramento da m-triga .. A partir de ento, um "bom" romance passou a ser o estudo de uma paixo - ou de um conflito de paixes" ou de uma au-sncia de paixo - num determindo meio. A maioria de nossos romancistas contemporneos do tipo tradicional --:- isto , exata~ mente aqules que recebem a aprova~o dos consu,midores -poderia recopiar longas passagens da Prmcesse de Cleves ou do Pere Goriot sem despertar suspeitas por parte .do. amplO pblico que devora sua produo .. Para tanto bastaria apenas substituir Uma ou outra frase, ou simplificar ceitas constrnes, dar aqui e ali o tom partfoular de .cada um por meio de uma palavra, de . uma iriaagem atrmddn; do ITW ri*mo sh krse Uns '@iilo!l iii!lft fossam, .sem ver nisso ;nada de anormal, que suas preocupaes de escritores datam de. vrios sculos j.

    Por que surpreender-se com isso? . o que se diz. O material - a . lngua francesa - sofreu apenas modificaes bem leves nestes trezentos anos; e se a sociedade se transformou pouco a pouco, se as tcnicas industriais tiveram considerveis progressos, nossa civilizao mental - com efeito - continua a mesma. Vive-

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  • mos :prti~amente com ~s. mesm_gs hbitos e as mesmas proibies morais, alimentares, reh 10sas, sexuais hi inicas familiares etc.

    Tudo j foi dito e chegamos tarde demais, etc., etc. O risco de semelhantes respostas aumenta ainda mais se se

    ousa pretend_~r q~e essa nova literatura no s possvel, dora-van~e, como J esta aparecendo, e que ela ir representar _ ao se realizar - uma revoluo mais total do que aquelas das quais nasceram

    , . , ~ . . e comen a a pe o coniun o a cntca - que e. dif1cil imagmar que essa arte possa sobreviver por muito

    ~empo amda sei?1 af&urr_ia mudana radical. A soluo que surge a mente de mmtos e Slillples: essa mudana impossvel, a arte d? , romance est morrendo. Isso no verdade. A histria dira, nalgumas dezenas de anos, se os diversos sobressaltos aO"ora registrados so indcios da agonia ou da renovao. 0 .,_=--. . . De qualquer modo, no nos devemos iludr a respeito das

    ~ificul~ades a~res~nt~das i:_or uma tran_sformao dsse gnero. Elas sao c~nsideraveis. Toda a orgamzao literria existente (desde o ~~itor a5 o mais modesto leitor, passando pelo livreiro e fcelo cntico) nao pode fazer outra coisa alm de lutar contra , o~m~ ?e~:onhecida que tenta se impor. Os espritos mais favo-raveis a ideia de uma transformao necessria, aqules mais dis-

    post~s a reconhecer o valor de uma pesquisa, apesar de tudo contmuam a ser os herdeiros de uma tradio. Ora, inconsciente-mente julgada em comparao f formas consagradas, uma nova

    fo:m~ sempre pai~ecer, mais ou menos, uma ausnsia de forma. Nao e o que se le num de nossos mais clebres dicionrios enci-clop~icos, no verbete dedicado a Schonberg: "Autor de obras auda.cwsas, sem preocu~a~o corr; i:egra a!guma"! :ltsse julgamento conciso acha-se sob a rubnca Musica, evidentemente redigido por pm espegjgljsf'g

    O balbuciante recm-nascido ser sempre considerado como um m?nstr~, ~11esmo po~ aqules apaixonados pela experincia. Havera cunos1dade, m~v1me~ltos de intersse, reservas quanto ao futu;~ Entre os elog10s smceros, a maioria ser dirigida aos v~stig10: do~ tempos yassados, a todos sses liames que a obra ainda nao tiver rompido e que a puxam desesperadamente para trs.

    Pois, se as normas do passado servem para medir o pre-sente, servem tambm par~ constru-lo .. O prprio e~crito~, a des-

    c1v1 izaao men a , numa I era ura que so po e ser a o passa o. -lhe impossvel escapar de um dia para o outro dessa tradio em que se originou. s vzes, mesmo, os elementos que le mais tentou combater parecero, pelo contrrio, desabrochar mais vigo-rosamente do que nunca na mesma obra com a qual le acredi-tava assestar-lhes um golpe decisivo; e, bem entendido, ser feli-

    Mesmo o observador meno~ condicionado no consegue ver com olhos livres o mundo que o cerca. Esclareamos de imediato que no se trata aqui da ingnua preocupao com a objetivi-dade, da qual os analistas da alma (subjetiva) acham fcil troar. A objetividade no sentido corrente do trmo - impersonalidade total do olhar - evidentemente uma quimera. Mas a liber dade que, pelo menos, devia ser possvel, e que, tambm ela, no o . A todo momento franjas de cultura (psicologia, moral, meta-fsica, etc.) vm se acrescentar s coisas, dando-lhes um aspecto menos estranho, mais compreensvel, mais tranqilizador. Por vzes a camuflagem completa: um gesto se apaga de nossa mente em proveito de supostas emoes que teriam dado origem a le, lembramos que uma paisagem "austera" ou "calma" sem poder citar nenhum trao dela, nenhum de seus elementos prin-cipais. Ainda que pensemos logo: "Isso literatura'', no tenta-mos nos revoltar. Estamos . habituados a que essa literatura (a palavra tornou-se pejorativa) funcione co1o uma tela, munida com vidros diversamente coloridos que decompem nosso campo de percepo em pequenas facetas assimilveis.

    E se alguma coisa resiste a ess apropriao sistemtica, se um elemento do mundo quebra o vidro, sem encontrar lugar na tela de jpterpretaco ainda temos 11ossa rlispqsio mqda categoria do absurdo, que absorver sse acabrunhado resduo.

    Ora, o mundo no nem significante nem absurdo. :Ele , simplesmente. Em todo caso, isso que le tem de mais notvel. E de repente essa evidncia nos atinge com uma fra contra a qual no podemos mais nada. De um s golpe tda a bela cons-truo se esboroa: abrindo os olhos para o imprevisto, experi-mentamos, mais uma vez, o choque dessa realidade obstinada que

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  • pretendamos ter dominado. A nossa -~olta, -desafiand a matilha de nossos adjetivos animistas ou protetores, as coisas esto- a. ou transparencias. ,To a a nossa literatura ainda -no cnseguill preencher o menor dos cantos dessas coisas, nem atenuar sua menor curva.

    Os inmeros romances filmados que enchem nossas telas nos oferecem a ocasio de reviver vontade essa curiosa experincia. O cinema herdeiro le tambm da tradi o sicol ica e nat a-

    frases comentavam -a seu modo rmra o leitor. :tvlas o que acontece rnao momemo & q Mnmnu tmlfaaa Iid arn &e HOSB CbH-frto interior para sse mundo oferecido, con1 uma vilncia que procuraramos em vo no texto escrito correspondente, romance ou roteiro.

    Todos podem perceber a natureza da mudana iealizada. No romance inicial, os objetos e os gestos que serviam de apoio intriga desaparecem completamente para dar lugar apenas o seliF significado: a cadeira vazia no era mais do que uma ausncia ou urna espera, a mo que pousa no ombro no era mais do que um s~nal de sirnJ?atia, as ~rades da janela eram apenas a irnpossibi~ hdade de sair. . . E eis que agora vemos a cadeira, o movimento da mo, a forma das grades. O significado delas contnua fla-grante, mas em lugar de aambarcar nossa ateno, ie nos dad? corno al~~ a mais; demais, n;e~mo; pois o que nos atinge, aquilo que persiste em nossa mernona, o que surge como essen-cial e. irredutvel a vagas noes mentais so os prprios gestos, os ob1etos,. os deslocamentos e os contornos, aos quais a imagem restituiu de uma s vez (sem o desejar) a realidade que tinham.

    Pode parecer bizarro que sses fragmentos de realidade bruta, que a narrao cinematogrfica no pode impedir-se de nos ofe-recer sua revelia, nos atinjam a tal ponto enquanto que cenas idnticas, na vida quotidiana, no seriam suficientes para nos fozer rnir de nossa 00gudr? k'O& lilOtil; ato B8 J_iJlilliH !HlHIO B@ as convenes da fotografia (as duas dimenses, o prto e branco, a enquadrao, as diferenas de escala entre os planos) -contri-bussem para nos libertar de nossas prprias convenes. O as-pecto pouco habitual dsse mundo reproduzido nos revela, ao mesmo tempo, o carter no habitual do mundo que nos cerca: no 11abitual, tambm le, na medida em que se recusa a dobrar-se ante nossos hbitos de arreenso e ante nossa ordem:.

    16

    Em lugar dsse universo das "sgnifcaes" (psicolgicas, so-ciais funcionais seria necessrio ortanto tentar construir urn

    por sua presena que os objetos e os gestos se imponham, e que esta presena continue a seguir, a predominar, acima de tda te01ia explicatva que tentasse encerr-los num sistema qualquer de refe-rncia, sentimental, sociolgico, freudiano, metafsico ou outro.

    Nas futuras construes Iomane:cas, gest~s e _objeto~ estaro

    inalterveis

    ' aJJ ~"" fonpp n deljJ?erndarneptv humana superior que ali est expressa, para logo rejeitar para o esquecimento, para as trevas, sse auxiliar incmodo.

    Doravante, pelo !;;ontrrio, os objetos pouco a pouco perdero sua instabilidade e seus segredos, renunciaro a seus falsos mis-tros, a esta interioridade suspeita que um ensasta chamou de "alma romntica das coisas". Estas no sero mais o vago reflexo da vaga alma do heri, a .imagem de seus tormentos, a sombra de seus desejos. Ou antes, se ainda acontecer de servirem as coisas, por un1 instante apenas, de apoio s paixes humanas, isso suceder apenas tempor1iarnente, e elas no aceitaro a tirania das significaes a no ser aparentemente - corno por troa - a fim de melhor mostrar a que ponto elas permanecem estranhas ao homem.

    Quanto s personagens do romances, elas mesmas podero ser ricas em mltiplas nterpretaes possveis; podero, conforme as preocupaes de cada uma, dar lugar a todos os comentrios, psicolgcos, psiquitricos, religiosos ou polticos. Logo se per-ceber sua indiferena em relao a essas pretensas riquezas. En-quanto que o heri tradicional constantemente solicitado, aam-barcado, destrudo por essas interpretaes que o autor prope, rejeitado incessantemente para um alhures imaterial e :instvel, ce112pre nvais distante sen1;pre ]pais uprei5q o heri fpt11rq pelo contrrio - continuar ali. So os comentrios que sero deixados alhures; em face de sua presena irrefutvel, aparecero como inteis, suprfluos, e mesmo desonestos.

    As peas incriminadoras do drama policial nos do, parado-xalmente, uma imagem bastante justa dessa situao. Os elei11entos colhidos pelos inspetores - objeto a\)andonado no local do crime, movimento fixac1o numa fotografia, frase ouvida por uma teste~

    1'1

  • mu.nha - .parec~n: sobr~tudo, inicialmente, pedir uma explicao, parecem nao existir . nao ser em funo de seu papel num caso

    vertigem que ento invadia o leitor, longe de engendrar a an-gstia ou a nusea, pelo contrrio, tranq:1iliza:a-o quanto ao seu

    ue os su era. . / lil .... lllllllll1l1el_lllllllllllllllllt .. liitlltllJ .. 1iJl[ll .... ~ .. "l!llltl-.!l!l;llfl!tllllifl~lllJll11i~llJllllllll~ ce~sria entre as coisas; acredita-se que tudo vai se resolver num feixe banal de causas e de conseqncias, de intenes e de acasos ...

    Mas a histria comea a inquietante: as testemunhas

    I

    aumentar de volume de maneira contradizem, o acusado multi lica

    deiro. , tl:sses elementos, que bem podem esconder um mistri~: o~ . trai-1?, que t;oam dos sistemas, tm apenas uma qualidade sena, evidente: e a de estarem ali.

    O mesmo atcmtece com o mundo que nos cerca. Acreditou-se domin-lo ao clhe atribuir um sentido, e tda a arte do ro-mance, em particular, parecia destinada a essa tarefa. Mas isso .,_::. era. uma ~implificao ilusria; e longe de se achar mais claro, 11;ais p~x1mo, o mundo com isso apenas perdeu, pouco a pouco, toda vida. ~ma vez que, acima de tudo, em sua presena que reside a realidade, trata-se agora; portanto, de construir uma lite-ratura que preste contas dle.

    Tudo isso parecer talvez bastante terico, bastante ilusrio se exatamente alguma coisa no estivesse se transformando - ~ mesmo de uma maneira total, sem dvida defnitiva - nas rela-es que mantemos com o universo. Assim, entrevemos agora a resposta a esta pergunta cheia de ironia: "Por que agora?". Com efeit~, existe hoje um nvo elemento que desta vez nos separa radicalmente de Balzac, bem como de Gide ou de Mme. de La Fayette: a derrubada dos velhos mitos da "profundi-dade".

    Sabemos que tda a literatura romanesca re ousava , pape o escritor consistia tra-

    dicionalmente em cavar_ n~ N.atureza, aprofund-la, a fim de atingir camadas. cada vez mais mtimas e de acabar por trazer para a luz do drn algum pedao de um segredo perturbador. Tendo des-cido ao abismo das paixes humanas, le enviava para o mundo aparentemente tr~nci_ilo (o

  • SBRE ALGUIVIAS NOES OBSOLETAS (1957)

    se proba muito a si mesma de fazer incidir julcramentos sistem-MCOS &8b26 a lit@l&Lt11& (pfttClfd@lidb, p@16 eom&no, Mfal IM@-mente desta o daquela obra segundo critrios "naturais": o bom sentido, o corao, etc.), basta ler com um pouco de ateno suas anlises para logo ver surgir urna rde de palavras-chave, que traem completamente a existncia de um sistema.

    Mas estamos to habituados a ouvir falar de "personagem", de "atmosfera", de "forma" e de "contedo", de "mensagem", do.,."' "talento de contador", dos "verdadeiros romancistas", que nos necessrio um esfro para nos libertarmos dessa teia de aranha e para compreender que ela representa uma idia sbre o romance (idia j feita, que todos admitem sem discusso, portanto idia morta) e no essa pretensa "natureza" do romance na qual que-riam nos fazer acreditar.

    Talvez ainda mais perigosos so os trmos correntemente empregados para qualificar os livros que escapam a essas regras convencionadas. A palavra "vanguarda", por exemplo, apesar de seu ar de imparcialidade, na maioria das vzes serve para algum ver-se livre - como com um dar de ombros - de tda obra que corre o risco de fazer com que a literatura de grande consumo fiqll.'tl com a conscincia pesada. A partir do instante em que o escritor renuncia s frmulas usadas a fim de tentar forjar seu prprio estilo logo v colar-se a le a etiguta; "yanguarda"

    Em princpio, isso significa apenas que le est um pouco adinte de sua poca e que sse estilo ser utilizado amanh pelo grosso da tropa. Mas na verdade o leitor, advertido por um piscar de olhos, logo pensa nalguns jovens hirsutos que vo, um sor-riso no canto da bca, colocar petardos debaixos das poltronas da Academia, com o nico objetivo de fazer barulho ou de "pater les bomgeois". mes querem serrar o galho sbre o qual estamos

    20

    sentados"; escreveu sem nenhuma malcia o muito srio Henri Clouard.

    Ni ifi' Wlr~l lcrrfi iF emir 1 morren de iorti nr-ll!iilf h 1 ln_ E E i lt\ "' !."Ili se agora est apodrecendo. Bastaria a todos aqules que se agar-ram a sse aalho levantar os olhos uma nica vez para o cume da rvore para 0 constatar que novos galhos, verde:, vigorosos, bem vivos, esto crescendo j faz muito tempo. Uhsses e O Castelo j passaram dos trinta anos. Le Bruit et Ia Fureur apareceu em Jf8BB hi liflOS ilo Hirto anos Sg~Jirow se mJ?itos outros Pen

    O personagem

    Quanto j ouvimos sbre o "personagem"! E infelizmente isso no l!arece estar perto de acabar. Cinqenta anos de doena, . constatao de seu bito registrado inmeras vzes pelos mais srios ensastas, nada disso conseguiu ainda fazer com que o personagem casse do pedestal onde o sculo XIX o tinha colo-cado. agora uma mmia, mas que continua se pavoneando com a mesma majestade - ainda que postia - no meio dos valores que a crtica tradicional venera. exatamente atravs dsse ponto que ela reconhece o "verdadeiro" romancista: "le cria perso-nagens ... "

    Para justificar o fundamento dsse ponto de visla, utiliza-se o raciocnio habitual: Balzac deixou-nos Pere Goriot, Dostoievski aerou os Karamazov, portanto escrever romances no pode ser ~utra coisa alm disso: acrescentar algumas figuras modernas aaleria de retratos que constitui nossa histria literria. o .

    Um personagem, todo mundo sabe o que a palavra significa. No um le qualquer, annimo e translcido, simples sujeito da ao expressa pelq yerbo TI-m personagem deve ter JJW pqmy prprio, composto se possvel: nome de famlia e prenome. Deve ter parentes, uma genealogia. Deve ter uma profisso. Se tiver bens, melhor ainda. Enfim, deve possuir um "carter", um rost0 que exprime sse carter, um passado que tenha modelado ste e aqule. Seu carter dita suas aes, faz com que reaja de uma determinada maneira a cada acontecimento. Seu carter permite que o l_eitor o julgue, que goste dle ou o odeie. graas a

    21

  • sse carter que, um dia, le legar sett nome a um tipo humano que aguardava, seria possvel dizer, a consagrao dsse batismo.

    i a e mm a !~articularidade para se t~rnar insubstituvel, e suficiente genera-lidade para se tornar umversal. Variando um pouco, a fim de dar, ~1ma- certa impresso de liberdade, seria possvel escolher um hero1 que parece transgredir uma dessas regms: uma criana achada, um desocupado, um louco, um homem cujo carter in-

    e~rto 01m1,1 li!l a.,ai o ali smpd!Sii... l!iliefahto,

    p as ssnsspsm e &s ilblfmt dcl Ellde&. &afifo leitores ainda se lembram do nome do narrador em A Nusea ou no Estrangeiro? H a tipos humanos? Pelo contrrio, no seria o maior absurdo considerar sses livros como sendo estudos de carter? E Voyage at~ bout de la nuit descreve um personagem? Por outro lado, acredita-se que foi por acaso que sses trs ro-manc~s. foram es5ritos i~~ primeira pessoa? Beckett muda o nome+"'" e a fmma de seu hero1 no decorrer de uma mesma narrativa. Faulkner, de propsito, d o mesmo nome a duas pessoas dife-rentes .. ,Quanto :ao K. do Castelo, le se contenta com uma inicial, no possrii nada, no tem famlia, no tem rosto; prov-velmente no nem mesmo agrimensor.

    Seria possvel multiplicar os exemplos. De fato, os criadores de personagens, no sentido tradicional da palavra, s conseguem n?s propor fantoches em que les mesmos j deixaram de acre-ditar. O rom~nce de P,ersonagens pertence inteiramente ao pas-s~do, caractenza uma epoca: a que marcou o apogeu do indi~ v1duo.

    Talvez isto no seja um progresso, mas est fora de dvida que a poca atual antes a era do nmero de matrcula. Para ns, o destino do mundo deixou de se identificar com a ascenso ou com a queda de alcruns homens, de al umas famlias. O r-

    nao e mais essa propne a e pnvac a, 1ereditria e conversvel em dinheiro, essa espcie de prsa que se tratava menos de conhecer do que de conquistar. Ter um nome era sem dvfda muito. importante no tempo da burguesia de Balzac. Um carater era importante, tanto mas importante quanto era sobretudo a arma de um corpo a corpo, a esperana de um su-cesso, o. exerccio de um domnio. Representava alguma coisa ter

    22

    um rosto num universo onde a personalidade representava ao o meio e o fim de tda ~recura.

    mas tambm mais ambicioso, uma vez. que olha para alm. O culto exclusivo do "humano" cedeu lugar a urna tomada de cons-cincia mais ampla, menos antropocentrista. O romance parece vacilar, tendo perdido seu melhor sustentculo de outrora, o heri. Se no consegue pr-se de p novamente porque sua vida

    A histria

    Um romance, para a maioria dos amadores - e dos crticos ~ antes de mais nada uma "histria". Um verdadeiro romancista aqule que sabe "contar uma histria". A alegria de contar, que o leva de um extremo ao outro de sua obra, se identifica com sua vocao de escritor. Inventar peripcias palpitantes, co-movedoras, dramticas, constitui ao mesmo tempo sua felicidade e sua justificao.

    Da mesma forma, fazer a crtica de um romance freqen-temente vem a ser contar a anedota que le contm, mais ou menos brevemente, conforme o espao de que se dispuser fr de seis ou duas colunas, estendendo-se mais ou menos sbre as passagens essenciais: os ns e desenlaces da intriga. O julgamento que incindir sbre o livro consistir sobretudo numa apreciao de sua coerncia, de seu desenrolar, de seu equilbrio, das expec-tativas ou das surprsas que apronta para o leitor arquejante. Um buraco na narrativa, um episdio mal concludo, urna quebra no intersse, uma demora no desenrolar da ao, sero os defeitos maiores do livro; a vivacidade e a espontaneidade, suas mais altas qualidades.

    elogiado apenas por se exprimir em linguagem correta, de ma-neira agradvel, colorida, evocativa. . . Desta forma, o estilo no ser mais do que um meio, uma maneira; o fundo do romance, sua razo de ser, o que est dentro dle, seria simplesmente a histria que le conta.

    Entretanto, desde as pessoas srias (aqules que admitem que a literatura no deve ser uma simples distrao) at os ama-

  • . .3 :~

    '

    dores das pores asneiras sentimentais, policiais ou exticas, todo mundo tem o h.bto de exigir da anedota uma qualidade y~r~icular. No lhe basta

    srio ainda conseguir persuadir o leitor de que as aventuras que lhe esto contando aconteceram de fato a personagens reais, e gue o romancista se limta a contar, a transmitir os acontecimentos ele que foi testemunha. Estabelece-se uma conveno tcita entre o leitor e o autor: ste faz ?~ conta que acredita no que conta,

    em J pron a que em a rea i a e. Assim, sejam quais forem o imprevisto das situaes, os aci--

    rlentes, as reaes fortuitas, ser necessrio que a narrativa se desenrole sem sobressaltos, como por si mesma, com sse lan irreprimvel que de imediato consegue nossa adeso. A menor hestao, menor estranheza (por exemplo, dois elementos que ~~e contradigam, ou que no se encadeiam direito) e eis que a 011da romanesca deixa de levar o leitor, que de repente se pergunta se no lhe esto "contando histrias", e que ameaa voltar aos restemunhos autnticos, em relao aos quais, pelo menos, no ter d12 se fazer perguntas sbre a verossimilhana das coisas. l\lais do que distrair, trata-se aqui de tranqilizar.

    Enfim, se quiser que a iluso seja completa, o romancista deve ser tdo sempre como sabendo mais do que conta; a noo de "trecho da vida" demonstra bem a extenso dos conhecimentos que se supe serem os do autor a respeito daquilo que aconteceu antes e depois. No prp1io interor da durao que descreve, dever dar a impresso de fornecer apenas o principal, mas po-dendo sempre, se o leitor assim exigisse, contar bem mais. A matra do romance, imagem da realidade, deve parecer ines-gotvel.

    Sen1elhante vida e5pqntnea sen1 ljipjte5 a bjstri 2 H?; numa palavra, ser natural. Infelizmente, mesmo admitindo-se que haja ainda alguma coisa de "natural" nas relaes do homem com o mundo, verifica-se que o estilo, corno qualquer outra forma de arte, - pelo contrrio - uma interveno. O que faz a fra do romancista yxatamcnte aquilo que ele inventa, que le inventa em plena liberdade, sem nenhum modlo. O romance moderno tem isso de notvel: le afirma propositadamente ste

    carter, a tal ponto mesmo que a inveno e a imaginao tor-nam-se, em suma, o assunto do livro.

    ,

    a confiana numa lgica justa e universal das coisas. Todos os elemei1tos tcnicos da narrativa - en:prgo siste-

    mtico do passado perfeito e da terceira fe~soa ?-o ~mgul~r, a~oo incondicional do desenro~ar cronolog1c?,, i~1tngas . !m~ares, curva regular das paixes, tensa~ de cad~ episod10 na due~o ~e um fim etc. - tudo objetivava impor a imagem d~ u;n umverso estvel 'coerente, contnuo, unvoco, inteiramente decifravel. Co~o a intelgibilidade do mundo no estava nem mesmo em questao, contar no apresentava problema algum. O estilo do romance podia ser inocente. . .

    Mas eis que, a partir de Flaubert, tudo co_mea a vacilar. Cem anos mais tarde, o sistema inteiro no mais do que uma lem-brana e a esta lembrana, a ste sistema morto, que se pre-tendia 'por tda fra manter aprisionado o romance., No entanto, aqui ainda, basta ler os grandes r~mances _do co~e?.o de_ nos~o sculo para constatar que, se a desmtegraao da mt;i~a nao fez mais do que tornar-se mais ntida no decorrer ?o~ ultimas anos, h muito tempo ela j tinha deixado de_ consht111r

    1 ~ arcabouo

    da narrativa. As exigncias da anedota sao, sem duvida alguma, menos constrangedoras para Proust do que para Flaubert, para Faullmer do que para Proust, para Beckett do que para Faulk-iii. . . DiViit, tit-8 :e diii Odl CO!S. euncat lliid-S literalmente impossvel.

    Entretanto, um rro pretender que nos romance.: modernos no acontece mais nada. Da mesma forma como nao se deve concluir pela ausncia do homem _sob o pretext? ~e qtw o p~rsonagem tradicional desapareceu, nao se deve ass.imilar a pesqm.:a de novas estiuturas da narrativa a uma tentativa de supressao pura e simples de todo acontecimento, de tda paixo, de tda

    25

  • , , , esenvo v1mento os temas e suas mltiplas associaes hansformam tda a cronologia, a ponto de soterrar outra vez, de afogar, no decorrer do romance, aquilo que a narrativa acabou de revelar. No prprio Beckett no faltam acontecimentos, mas stes esto incessantemente con-testando a si mesmos, pondo-se em questo, destruindo-se, de tal h-.a !Jtte ama mesma frase pt't Crnr uma constatao e sua

    A

    ou e Voyeur comportam, tanto um quanto outro, uma "ao" das mais facilmente discernveis, e ainda por cima rica em elementos geral-mente considerados como dramticos. Se no como pareceram desconexos a certos leitores, no foi simplesmente porque nessas obras o movimento do estilo mais importante do que o das paixes e dos crimes? Mas posso imaginar fcilnente que em algumas dezenas de anos - talvez mais cedo - quando ste estilo, assimilado, em vias de se tomar acadmico, por sua vez passar despercebido, e quando sem dvida nenhuma os jovens escritores devero estar procurando fazer outra coisa, a crtica da poca, achando uma vez mais que nada acontece nos livros. d~sses jovens, ir censur-los por sua falta de imaginao e lhes mostrar nossos romances como exemplo: "Vejam, diro, como nos anos cinqenta se sabia inventar uma histria!".

    O compromisso

    Uma vez que contar para distrair ftil e que contar para fazer com que creiam naquilo que se conta tornou-se suspeito, . romancista pensa en~rever um outro caminho: contar para en-zerem, com condescendncia, que: "Eu no leio mais romances, j passei .da idade, isso bom para as mulheres (que no tm nada a fazer), prefiro a realidade ... " e outras asneiras do tipo, o romancista vai se inclinar sbre a literatura didtica. Aqui, pelo menos, le espera reconquistar sua vantagem: a realidade muito desnorteante, ambga demais para que cada um de ns possa extrair dela uma lio. Quando se trata de provar alguma 26

    coisa (quer seja mostrar a misria do b6mem se.1;-i J:?eus, explicar fazer com ue suram consciencias de classe,

    0 comprormsso , engagemer:, ; ?I o cas? . n;, em, a com cres mais ingnu;is, do reahsmo sociahsta .

    Sem dvida, a idia de uma possvel, ?onjun~ ~ntre, uma novao artstica e uma revoluo poht1co-econom1ca e da-

    r:elas que vm 0 mais naturalment1 possvel . nossa. mente. ~sta idia, desde. logo sedutora sob o ponto d~ v1st~ sentimenta,l, ainda por cima parece encontrar apoio na mais evidente ~as l_?-gicas. Entretanto, os problemas levantados ~or s~m~lhante hgaao so graves e difceis, urgentes, mas talvez msoluveis.

    De incio, a relao parece simp~e~. Por um lado, as fo~mas artsticas que se sucederam na ~istona dos. povos ,nos sm ge~ como ligadas a ste ou aqule tipo de sociedad~, a prep~onde rncia desta ou daquela classe, ao exerccio de uma opressao ou ecloso de uma liberdade. Na Frana, po~ exempl~, no setor da literatura, no gratuito ver uma estreit.a rela~o enti;_e. a tra dia de Racine e 0 desabrochar de uma anstoc~acrn da corte, en~e 0 romance de Balzac e o triunfo da burguesia, etc.

    Como, por outro lado, admite-se. com .boa vontade, n;esmo entre s conservadores, que os grandes artistas contemporaneos, escritores ou pintores, na maioria das vzes pert~ncem (ou pe~tenceram na poca de suas maiores obras); aos :partidos progre.ss~s;as,

    eixamo-nos levar ela constru o do. ;se umte es uema 1dihco: a Arte e a Revoluo avanam e mos a as, utan o pe a mesma causa, experimentando as mesmas provaes, enfrentado .s mes-mos perigos, realizando pouco a pouco as mesmas conqmstas, al-ando-se finalmente mesma apoteose. .

    Infelizmente, a partir do momento em que se passa pa~a a prtica as coisas mudam de figura. O menos que se pode dizer, atualm~nte, que os dados do problema no so t~o sin:ples assim. Todos conhecem as comdias e os dramas que impediram

    27

  • 1? tinq~erita anos, e. que impedem ainda, tdas as tentativas de . ma 1zaao . do maravilhoso casamento que se supunha ser ao

    mesmo iilii? 'li iliir , iHlili 1 @ , , ' ! E t0CD t arnntt, as isputas retumbantes as xcomunho~s, as pnsoes, os suicdios? Como poderamos dexar e, ver aqm o que a pintura se tornou, para citar a enas ela nos

    paises ond~ a revoluo triunfou? Como deixar d! sorrir dante das acusaoes de "decadncia" de "gratuidade" de "f l' " aplicada 1 ' , orma ismo

    .1 s ao acaso pe os mais zelosos dos revolucionrios a tud~ ~qm 0 d'f'.19 tliiU tiJ hpbL 1iidit na arte Contempornea?

    da causa revolucionria; no sero mais do que instrumentos, comparveis aos exrcitos motorizados, s ferramentas mecaniza-

    trh@J' illXFfi tifilU e Mia nm ?l!? trpprtrrt m't rw

    1 c , e ur

    f 1 E f $ 2 ff?? 22 greve, de uma revolta, de um grito de uma vtima que denm1cia seus carrascos, no final das contas representa um des-servio Arte e Revoluo. Muitas dessas confuses foram cometidas, nestes ltimos anos, em nome do realismo socialista. A total indigncia artstica das obras que insistem em seus con-ceitos no , sem dvida alguma, mero efeito de um acaso: a prpria noo de uma obra criada para a expresso de um con-tedo social, poltico, econmico, moral, etc. que se constitui numa mentira.

    Portanto, devemos agora, de uma vez por tdas, deixar de levar a srio as acusaes de gratuidade, deixar de temer "a arte pela arte" como se isso fsse o pior dos males, recusar todo sse aparelho terrorista que era brandido nossa frente logo que falvamos de outra coisa que no fsse da luta de classes ou da guerra anti-colonialista.

    Entretanto, nem tudo era a priori condenvel nessa teoria sovitica do chamado "realismo socialista". Tambm na literatura, por exemplo, no se tratava de reagir contra um acmulo de falsa filosofia que aca~ara invadindo tudo, da poesia ao romance? Opondo-se s alegorias metafsicas, lutando tanto contra as abs-tratas "redomas de marfim" que essas alegorias supunham quanto eonna o delrio verbal scn1 objetivo ou conlia o vago scnthncnta lismo das paixes, o realismo socialista podia ter uma sadia in-fluncia.

    Aqui no tm mais lugar as ideologias enganosas e os mitos. A literatura simplesmente expe a situao do homem e do uni-verso com que est s voltas. Ao mesmo tempo em que desa-pareceram os "valores" terrestres da sociedade burguesa, desa-pareceram tambm os recursos mgicos, religiosos ou filosficos

    29

  • mais na a. Observemos agora o resultado disso tudo. Que nos oferece

    o realismo socialista? Evidentemente, desta 'vez, os bons so os bons e os maus so os maus. Mas, exatamente, a insistncia de que isto bvio no tem nada a ver com aquilo que observamos no mundo. Que progresso h nisso, se para escapar ao desdohta-mento das aparncias e das essncias camos num maniquesmo entre o bem e o mal?

    H algo mais grave ainda. Quando, nas narrativas menos ingnuas, encontramo-nos diante de homens verossmeis, num mundo complexo e dotado de uma existncia sensvel, logo nos apercebemos, apesar de tudo, de que ste mundo e stes homens foram construdos face a uma determinada interpretao. Alis, seus autores no escondem sse fato: para les, trata-se ,antes de tudo, de ilustrar, com a maior exatido possvel, comportamentos histricos, econmicos, sociais, polticos.

    Ora, do ponto de vista da literatura, as verdades econmicas, as teorias marxistas sbre a mais-valia e a usurpao tambm so "redomas de marfin:/'. Se os romances progressistas s devem ter uma realidade relacionada a essas explicaes funcionais do mun-do visvel, antecipadamente preparadas, experimentadas, reconhe-cidas no gpsefnimoo ~01eek1 dfietLO qual podena ser o poder de descoberta ou de inveno que teriam; e, sobretudo, isso seria mais uma vez uma nova maneira de recusar ao mundo sua quali-dade mais certa: o simples fato. de que le existe. Uma explicao, seja qual fr, s pode ser demais frente presena das coisas. Uma teoria de sua funo social, se essa teoria presidiu a des-crio dessas coisas s pode confundir seus perfis, falsific-las, da

    30

    Que sobra ento do engagement? Sartre, que viu od perigo dessa literatura moralizadora, tinha pregado em fa~~r . e u~;i literatura moral, que pretendia apendas despertar ?dn:~~en~~~ Pqu~

    t problemas e .nossa socie , ~~:: :r~a r~e~~~:~o ~a propaganda iao restabelecer o leitor. em ua Plena liberdade. A experincia rustrou que se tratava, ainda

    s .P de uma utopia: a partir do instante em que1 ~urge a preo-aqm, ~ d s"gnificar alguma coisa !(algo de extenor arte), a cupaao e i . , literatura comea a recuar, a desapan~cer. . , .

    Portanto atribuamos noo de! compromisso o umco se~tido ue ela' ode ter para ns. Em }ugar de ser na~~ez~ po 1-. q P . o para o escritor a plena consciencrn dos tica o compromiss ' ' ~ da extrema

    problemas atuais de sua prpria linguagem, a convil~ol r . o tncia dsses problemas, a vontade de reso ve- os a par ir ~:Pla~o interno. Reside a, para le, a {mie~ i;ossibilidade de con-tinuar a ser um artista e tambm, sem duv1.da, por. uma conse-qncia obscura e distante, a de~ talvez servir um dia a alguma coisa _ talvez mesmo revoluao.

    A forma e o contedo

    Uma coisa deveria incomodar os . adeptos do realismo socia-lista. a perfeita semelhana de seus argumentos, de s~u voca-bul~io de seus valores, com os dos crticos burgueses ~fa1s er;,c~-

    ' 1 ando se trata de separar a arma e niados. Por dexemp ?.' o~~edo" isto quando se tratar de opor um romance e seu e ' . ' - A dos tem-o estilo (escolha das palavras e sua dispos1ao, ei~prego ) ane-

    t . . e das pessoas estrutura da narrativa, etc. pos grama ica1s . '

    31

  • nao fere tanto quanto uns e outros pretendem. Em todo caso a histri~ que . ~ontada (segundo sua ptica comum) continua ~

    s~r a co1s~ m,a1s rmportante entre tdas as outras; 0 bom roman-cista contmua a ser aqule que inventa lindas histrias ou que ,s ~onta melhor; o "grande" romance enfim, tanto aqui como h; e 2pel??11 . il~ le s&j& signifi:cao Sttpi clMfa que a

    que a acusaao seja pm@ u arnzms ??? ) A l d 15 1 d A' d SS6!63 6 Mil OS 6 a os.. :n a d~sta vez, a12e3ar ?o qi;e dizem, aquilo que essa p~lavrn 1evela e um~ dec1sao s1stematica sbre o romance; e, amd~ desta vez, debaixo de seu aspecto natural, o sistema esconde as p101:es abstraes - para no dizer os piores absurdos. Alm ?o ~~1s, po~e-se descobrir a um certo desprzo pela literatura, rmphc1to pore.~ ~lagrante, que surpreende tanto ao provir de sel.l,3-defensores of1cia1s - os. conservadores da arte e da tradio _ quanto daqueles que fizeram da cultura de massa seu cavalo de batalha predileto.

    Que .entendem ao certo por formalismo? A coisa est bem clara: sena uma preocupao muito acentuada pela forma _ e neste. ca~~, pela tcnica do A romance - s custas da histria e d~ seu s1gmficado. Ser que esse velho barco furado _ a oposio escolar entre a forma e o fundo - ainda no naufragou?

    Seria. possvel dizer, na verdade, que acontece exatamente o c.ontrno, e que esta idia formada grassa com uma virulncia ma10r do que nunca. Se encontramos essa censura de formalismo sob a pena dos p~ores inimigos aqui reconciliados (amadores das belas-artes e servidores de J danov), isto no evidentemente 0 resultado de um encontro fortuito; les esto de acrdo pelo meno~ n;nn. ponto. essencial: recusar arte sua principal condio de epstencrn a liberdade Uns s ~noram. 01 na l't t

    32

    restre a Felicidade futura ou a eterna Verdade. Enquanto que, na v~dade se a arte alcruma coisa, ela tudo, que por conse-Pi?) Qlk tHII l li fYI e ili nni Q'if nada alm dela. i. " , 22 iL E _ E i i l

    et JUS4Cat vas. 11 zcaa e roa , 11obatt a 1; ual uer sentido. O mesmo

    Donde, o mal-estar que sentimos diante dos romances "en-gags" que se pretendem revolucionrios P.r9-ue pem em c~na a condio operria e os problemas do socialismo. A forma lite-rria que apresentam, que freqentemente data de antes de 1848, fazem dles os mais atrasados dos romances burgueses: sua real significao, perfeitamente sensvel leitura, os valores que dles se extraem so exatamente idnticos aos de nossos sculos XIX

    33

  • i men e. ar e no o e ece a nenhuma servido dsse gnero, nem alis a nenhuma outra funo pr-estabelecida. No se apia em nenhuma verdade que existiria antes dela; e pode-se dizer que no mqnime nada alm de si mesma. Ela mesma cria seu prprio equilbrio e seu prprio sentido. Fica de p sozinha, tal como a zebra; caso contrrio, cai. ,,.""-

    Compreende-se assim o absurdo desta expresso favorita de nossa crtica tradicional: "Fulano tem alguma coisa a dizer e o diz bem." No poderamos adiantar, pelo contrrio, que o ver-dadeiro escritor no tem nada a dizer? Tem apenas uma maneira de dizer. Deve criar um mundo, mas isto a partir de nada, do p ...

    Ento, a acusao de "gratuidade" que nos oposta, sob o pretexto de que afirmamos nossa no dependncia. A arte pela arte no tem bom pblico: isso faz com que se pense em jgo, impostura, diletantismo. Mas a necessidade, que a obra de arte reconhece, nada tem a ver com a utilidade. uma necessidade absolutamente interna, que evidentemente surge como gratuidade quando o sistema de referncia fixado a partir do exterior: face revoluo, por exemplo, como dissemos, a arte mais elevada pode parecer um empreendimento secundrio, irrisrio mesmo.

    aqui que reside a difiuldad 2 csta1ia 1rontao d CSCICVCI impossibilidade - da criao: a obra deve se impor como ne-cessria, mas necessria para nada; sua arquitetura no tem ne-nhum emprgo; sua fra uma fra intil. Se hoje essas evidncias passam por paradoxos, quando se trata do romance, en-quanto todos as admitem sem problema para a msica, apenas por causa daquilo que se deve chamar de alienao da literatura no mundo moderno. Esta alienao, que os prprios escritores so-

    34

    ; d m se darem conta disso, mantida frem na maior P!-Je d o ~~m~r~t:;a a comear pela crtica de uma pela quase totaldi a e tende , em todos os outros setores, lutar

    s er a ue re

    A 1 que a atam uma gradar ou surpreender: exatamente aque es . d - tda - um molde - que j foi provado ma~ que per eu ff%~a tda vida. So formalistas pC>tque aceitarafi;i umla efoprmor

    ' - , do que uma ormu , -j feita esclerosada, que nao e mais ue se' agarram a essa carcaa descarnada. -

    q O , blico por sua vez facilmente associa a preocupaao pela pu ' . ' - - , dade a partir do momento forma com a frieza. M~,s iss? nao ~ ver - 't E a frieza

    em ue a forma se toma mvenao e nao recei a. . , . q o formalismo, est inteiramente do lado do res~eito

    assrm como . E rela o a todos os grandes romancistas pelas regras mortas. m dirios e sua correspon-das ltimos cem anos, sabemos P~ose;: seu trabalho, aquilo que dncia que a constante preocuraA a mai's espontnea tda sua

    . . es sua exigenci ' constitum suas paix ' f t , da qual suas obras sobre-vida, foi justamente essa arma, a raves viveram.

    35

  • ;. '=mx a ~:wwrr r rTm~

    NATUREZA, HUMANISMO, TRAGDIA 1958

    rat"

    A tragdia apenas um meio de se recolher a misri.a hiimana, de classific.la, portanto de fusU-

    rocurar os meios tcnicos de no sucumbir r ioeuamen e a isso nac a e mais msi ioso que a

    tragdia) constitui hoje um empreendimento neces-srfo.

    Roland BARTHES

    H j dois anos, tentando definir as direes de uma pes-quisa do romance ainda hesitante, eu admitia como sendo ponto pacfico "a destituio dos velhos mitos da profundidade". As re::res muito vivas e quase unnimes da crtica, as objees de inmeros leitores aparentemente de boa f, as reservas formuladas por vrios amigos sinceros demonstraram-me que eu estava indo longe demais muito depressa. Exceo feita a alguns j compro-metidos em pesquisas semelhantes - artsticas, literrias ou filo-sficas - ningum queria admitir que semelhante afirmao no acarretava necessriamente a negao do homem. Com efeito, a fidelidade aos velhos mitos se revelava muito tenaz.

    O fato de escritores to diferentes quanto Franois Mauriac e Andr Rousseaux, por exemplo, concordarem em denunciar na dororiii@ mrnhsin1 dos "0 lfllll!lf1i11s" rma HH~HaitJ g"Ittbittt, cana cegueira de jovens revoltados, uma espcie de desespro estril que levava . destruio da arte, parecia apesar de tudo estar perfeitamente inscrito na ordem das coisas. Mais inesperada, mais inquietante era a posio - idntica, sob muitos pontos de vista -de certos materialistas que, para julgar meu trabalho, se referiam a "valores" notvelmente idnticos aos valores tradicionais da cris-tandade. Entretanto, para les no se tratava de um parti pris con-

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    quilizador, de me ia or; e con enavam-me em no e Enfim eu era muito ingnuo, diziam-me, para pretende~

    negar essa' profundidade: meus prprios _livros s ~~eressa:ram, so eram legveis na medida em que - medida. esta, ahas, mmt~ con-trovertida _ eram a expresso, minha revelia, dessa profundidade.

    .... J.. k a1 s1israe wuito fraco eptie qs trs rq ... : ~d So cxscc &Ili p1:r.,.1el!l!!I! !!PJ!'911!11 ,

    artigo de dez pginas apenas; e em to os ente~ erao que mais fcil indicar urna nova direo do que segm-la, sem. c_lUe um fracasso _ parcial ou mesmo total -; seja uma prova declSlva, . definitiva, do rro cometido logo de saida.

    Finalmente, preciso acrescentar que o prprio d? hm~1anismo, cristo ou no, exatamente ,tudo recuperar, ~cluswe. aquilo que tenta esboar limites para esse mesmo humamsmo, e. mesmo aquilo que 0 recusa em seu conjunto. Na verdade, esta mesmo uma das fontes de seu funcionamento.

    No se trata de querer justificar-m~ a ~odo custo: procuro simplesmente enxergar mais claro no me10 disso t:ido. A,s toma-das de posio acima citadas ajudam-me de maneira notavel. O que hoje empreendo menos refutar seus argumentos do q;ie tornar preciso seu alcance, esclarec~ndo ~o mesmo. t~U:P aqu:lo que me separa de tais. pontos de vista. E sempre. mut~l, compr~~ meter-se numa polmica; porm, se um verdadei:? dialo~o f~r. possvel no se deve perder a ocasio. E se o dialogo nao for possvel' preciso saber por qu. De qualquer modo, todos temos 1~uito intersse por sses problemas, e vale a pena falar dles novamente, sem reservas.

    Antes de mais nada, no haveria nesse tnno humano que ~ ! @l@? bo FJO fr uma pa1avr ll jgnt na caia a111a e~ araa ?

    vazia de sentido, que sentido tem ao certo. Parece que aqules que o usam o tempo t?do, aqules. que

    fazem dle o nico critrio tanto para os elog10s como p~ra :s censuras confundem - voluntriamente, talvez - a meditaao exata (e' limitada) sbre o homem, sua situao no mundo, os fenmenos de sua existncia, com uma certa atmosfera antropo-cntrica, vaga, mas que banha tdas as coisas, dando a tudo sua

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  • .! i 1

    pretensa significao, isto , investindo tudo com uma rde mais ou menos sorrat

    do interior

    possvel resumi-la em duas frases; se eu disser: "O mundo ~ o h?mem":, semr;re cc:_nseguire! a absolvio; e~quanto que, se eu disser: ~s coisas s~o as coisas, e o homem e apenas o homem", logo serei reconhecido culpado de crime contra a humanidade. _ ? crime afirmar que existe alguma coisa, no mundo, que

    POeOb01Pm '!ngpliliHiilliil!Jil!!I!@ "'~ : l ;e o o, '1 ao na a Chi 6lii Cu111u1u com le. Sobretudo, o crime na tica A

    Por w1re in,.:i~ qF? pds l D!I am221aPP J!liii particular, como que poderia um romance que trata de um homem e que se apega de pgina em pgina a cada um de seus

    ~ass?s, d~screvendo apenas o que le faz, aquilo que v, ou que ele imagma, ser acusado de se desviar do homem? E no o prprio personagem, ressaltemos de imediato ste ponto, que est

    ~m. ~ansa n~ste julgamento. Enquanto "personagem", enquant mdividuo ammado por tormentos e paixes, ningum jamais o censurar por ser inumano, ainda que seja um louco sdico e um criminpso - muito pelo contrrio, diriam.

    Mas eis qve o olhar dsse homem pousa sbre as coisas com uma inquebraritvel insistncia: le as v, mas recusa apropriar-se delas, recusa-se a manter com elas um entendimento suspeito, no quer ter com elas nenhuma conivncia; no lhes pede nada; em relao a elas no sente nem concordncia nem dissentimento de espcie alguma. Pode, talvez, fazer delas o suporte para suas paixes, bem como de seu olhar. Mas seu olhar contenta-se com tomar as medidas dessas coisas; e sua paixo, da mesma forma, coloca-se superfcie delas, sem desejar penetr-las, uma vez que nada h em seu interior, sem ousar fazer o menor aplo, pois elas no responderiam.

    Condenar, em nome do humano, o romance que pe em cena um tal 1101110111 po1ra11to adota o pouca et Vll Hffin1sia, segundo o qual no basta mostrar o homem ali onde est: preciso ainda proclamar que o mundo est em tda parte. Sob o pretexto de que o homem s pode ter do mundo um conheci-mento subjetivo, o humanismo decide escolher o homem como justificao de tudo. Verdadeira ponte das almas lanada entre o homem e as coisas, o olhar do humanismo t$1 acima de fudo, o penhor de uma solidariedade.

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    No setor literrio, a expresso dessa solidariedade surge so-bretudo como a procura, erigida em sistema, das relaes anal-

    om e eito, a meta ora nao e nunca uma 1gura mocen e. Dizer que o tempo "caprichoso" ou que a montanha "majes-tosa", falar do "corao" da floresta, de um sol "impiedoso'', de uma aldeia "escondida" no fundo do vale, , numa certa medida, fomecer indicaes sbre as prprias coisas: forma, dimenses, si-tuao, etc. Mas a escolha de um vocabulrio analgico, ainda

    nossa literatura contempornea, essas analogias antropomodistas repetem-se com muta insistncia, demasiada c~rncia, de :r;i~do que no consegue deixar de revelar :1 todo um sistema metaflSlco.

    Mais ou menos conscientemente, s pode se tratar, para os escritores que usam semelhante tern;iinologia, de estabelecer ?m constante relacionamento entre o universo e o ser que o habita. Assim, os sentimentos do homem par~cero alternadamente nascer de seus contatos com o mundo e encontrar neste sua correspon-dncia natural, se no mesmo seu desabrochar.

    A metfora, que se presume no exprimir mais do que uma comparao sem seg~mdas inten~s, na verda.de tr~z tona um.a comunicaco subterranea un1 movimento de simpatia( ou de anti-patia) qu~ sua verdad~ira razo de ser. Pois, enquanto compa-rao, ela quase sempre uma comp~rao in~1til, que nada tiaz de nvo para a descrio. Que perdena a aldeia por estar apenas "situada" no fundo do vale? A palavra "escondida" no nos for-nece nenhuma informao complementar. Em compensao, trans-rorta o leitor (depois do autor) para a suposta alma da aldeia; se aceito a palavra "escondida" no sou mais apenas um espec-tador; eu mesmo me tomo a aldeia, durante a durao de uma frase, e o fundo do vale funciona como uma cavidade na qual prntenl:o l:es1tp1t1eee1.

    Baseando-se nesta possvel adeso, os defensores da met-fora respondero que ela possui assim uma vantagem: ~ de t~mar sensvel um elemento que no o era. Tornando-se aldeia - dizem - o leitor participa da situao desta ltima, e portanto c~mpr~ende-a melhor. O mesmo em relao montanha: tomarei mais fcil o ato de ver a montanha dizendo que ela majestosa do que medindo o ngulo aparente pelo. qual meu olhar regisha sua

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  • r 'PffW"WWJ>'fW~

    altura. . . E isso algumas vzes verdadeiro, mas sempre com-porta um avsso da coisa mais perigoso: justamente essa parti- ~

    Deve-se ainda acrescentar que o acrscimo de valor descri-tivo aqui apenas um libi: os verdadeiros amadores da met-fora visam apenas impor a idia de uma comunicao. Se no dispusessem do verbo "esconder-se", nem mesmo falariam da pos-si o da aldeia. alt ra '

    que trazem ao recm-nascido, cada uma delas e como presente, um dos traos de seu futuro carter. Assim, a montanha talvez me teria comunicado, em primeiro lugar, o sentimento do majes-toso - isso o que me insinuam. A seguir, sse sentimento se teria desenvolvido em mim e, por crescimento natural, teria en-gendrado outros sentimentos: magnificncia, prestgio, herosmq. nobreza, orgulho. Por minha vez, eu os carregaria para outrs objetos, ainda que de porte mais medocre (falaria de um car-valho orgulhoso, de um vaso de linhas cheias de nobreza ... ) e o mundo se tornaria o depositrio de tdas as minhas aspiraes grandeza, seria ao mesmo tempo a imagem e a justificao dessas aspiraes, por tda a eternidade.

    O mesmo aconteceria em relao a cada sentimento, e nessas incessantes trocas, multiplicadas ao infinito, eu no conseguiria mais encontrar a origem de coisa alguma. Inicialmente, a majes-tade se situava em mim ou minha frente? A prpria pergunta perderia seu sentido. Apenas haveria entre eu e o mundo uma sublime comunho.

    Depois, com o hbito, eu iria facilmente muito mais longe ainda. Uma vez admitido o princpio dessa comunho, eu falaria da tristeza de uma paisagem, da indiferena de uma pedra, da fatai@lac c arn balde c ca1vau. I!:SbdS iiUVS liitfdf ii mais fornecem apreciveis ensinamentos sbre os objetos subme-tidos a meu exame, mas o mundo das coisas estaria to conta-minado por meu esprito que doravante le seria suscetvel de no importa que emoo, de no importa que trao de carter. Eu esqueceria; que sou s eu quem 'experimenta a tristeza ou a solido; sses. elementos afetivos logo sero considerados como a realidade profunda do universo material, a nica realidade -

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    para tdas as intenes e propsitos ateno.

    digna de atrair minha

    cincia servin o-nos as coisas como e um ma ena , a mesma forma como podemos construir ~ma ca~an~ c~m toros de ma-deiras. Confundir desta maneira mmha propna tnsteza com aquela por mim atribuda a uma paisagem, admitir essa ligao com? sendo no superficial com isso rec?nhecer u_m~ certa prede~t~

    a ara minha vida atual: essa a1sa em existia antes de mim,

    bem como provvelmente em todo ~umams~~ No fn;i .da~ co:i-tas, apenas levar s suas conseqencias log1cas a reivmd1caao de minha liberdade.

    Assim nada deve ser esquecido na operao de limpeza. Olhando de mais perto, percebe-se que as analogias antropoce~tristas (mentais ou viscerais) no so as nicas qu~ se deve por em causa. Tdas as analogias so igualmente pengosas. Talvez

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  • rrr z '"~., " 1 r -

    levar a consequencia alguma. Mas falar do "galope" de uma nuvem, ou de sua "crina desgrenhada" j no mais absoluta-me?te inoce~te. Poi~ se uma nuvem (ou uma onda, ou uma ;olma) possm,,uma crma, se mais longe a crina de um garanho 1ana flechas , se a flecha. . . etc. o leitor de tais ima ' o umverso as ormas para se encontrar mergulhado num uni-

    i'.ibifi:f rm;:~Jl$~@$ZJnJi$$Z,\&;zg!Jt;>!: p;Y!~!~P .. vagena. . . A ideia de uma natureza leva infalivelmente idia

    ~ . ama nmmaa wmam u LGGJ m e&&M, ma e, sp&HOf. x idia de uma interioridade leva sempre de uma superao.

    E a tarefa se amplia passa a passo: do arco ao cavalo do cavalo onda - e do mar ao amor. A natureza comum ~ma vez mais, no po~e. ?eix~r de ser . e~erna resposta nic~ per-gunta ~e nossa CIV1hzaao greco-cnsta; a Esfinge est minh frente, mte:-roga-me, n? tenho nem mesmo de tentar compre: ender os termos do emgma que ela me prope, s existe uma resposta possvel, uma nica resposta para tudo: o homem.

    Pis bem, no. Existem perguntas, e respostas. O homem apenas, de seu

    prprio ponto de vista, a nica testemunha. O homem olha o mundo, e o mundo no lhe devolve o olhar

    O homem ~. as coisas e percebe, ,agora, que pode escapar a~ pacto. metafis.1co que outros conclmram por le, outrora, e que com isso pode escapar tambm sujeio e ao mdo. Que le pode. . . que poder um dia, pelo menos.

    , . Nem por i~s? recusa todo contato com o mundo; pelo con-trano; .aceit~ utiliz-lo para fins m~teriais: um utenslio, enquanto utenslio, nao tem nunca profundidade; um utenslio inteira-mente forma e matria - e finalidade.

    bat.e uma estaca que quer cravar. Enquanto est utilizando-o a~srm, o ~artelo (ou o p:~ao de madeira) apenas forma e mat-na: s~u peso, :ua superficie de contato, sua outra extremidade que

    P,e~i.mt~ que ele. segi:re .. O homem, a seguir, repousa 0 uten-s1ho diante de s1; se nao tiver mais necessidade dle o martelo no mais do que uma coisa entre as coisas: fora de seu uso no tem significado. '

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    E o homem de hoje (ou de amanh ... ) no sente mais essa ftlJi' dtlfiFfftr131fff2td 1llt}'tg[ftsf8EfJ,tt1BilI nenhuma vertigem. Seu corao no tem mais necessidade de um abismo onde se ocultar.

    Pois se le recusa a comunho, recusa tambm a tragdia. A tragdia pode ser definida aqui como uma tentativa de

    recuperao da distncia que existe entre o homem e as coisas,

    i uma vez que o acor o en re o 1omem e as coisas aca ou por ser , , ; 1 1 r' .. t a a . s diato uma nova forma de solidariedaqe, com o prprio divrcio tornando-se um caminho maior para a redeno.

    ainda quase uma comunho, porm dolorosa, perpetua-mente em dvida e sempre adiada, cuja eficcia proporcional ao carter inacessvel. um avsso, uma armadilha - e uma falsificao.

    V-se com efeito a que ponto essa espcie de unio per-vertida: em lugar de ser a procura de um bem, ela desta vez a bno de um mal. A desgraa, o fracasso, a solido, a culpa, a loucura, tais so os acidentes de nossa existncia que gostariam que . acolhssemos como os melhores penhores de nossa salvao. Acolher, no aceitar: trata-se de aliment-los s nossas custas en-quanto continuamos a lutar contra les. Pois a tragdia no com-porta nem verdadeira aceitao, nem recusa verossmil. Ela a sublimao de uma diferena.

    Tracemos outra vez, a ttulo de exemplo, o funcionamento da "solido". Chamo. Ningum me responde. Em vez de con-cluir que no h ningum - coisa que poderia ser uma consta-tao pura e simples, datada, localizada no espao e no tempo -decido agir como se houvesse algum mas que, por uma ou outra razo, no respondesse. A partir de ento, o silncio que se segue

    /\ ,.., ' A ' '

    contedo, de uma profundidade, de uma alma - que logo me remete minha prpria. A distncia entre meu grito, aos meus prprios ouvidos, e o interlocutor mtido (talvez surdo) ao qual le se dirige, torna-se uma angstia, minha esperana e minha desesperana, um sentido para minha vida. Doravante, nada mais importa para mim a no ser sse falso vazio e os problemas que le me apresenta. Devo chamar durante mais tempo? Devo gritar mais alto? Devo pronunciar ciptras palavras? Tento de

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  • nvo. . . Logo compreendo que ningum responder; mas a pre-sena invisvel que continuo a criar com meu aalo me obij[IJ

    E l que le produz comea a me atordoar. Como que enfeitiado, chamo de nvo. .. . e mais uma vez. Minha solido, exacerbada, transmuta-se no fim, para minha conscincia alienada, numa ne-cessidade superior, promessa de minha redeno. E me vejo na obrigao, para que esta se realize, de me obstinar at a morte em ritar

    . '

    natreza ~@j llm Ytl'Z

    tncia entre o homem e os outros homens, distncia entre o homem e le mesmo, entre o homem e o mundo, entre o mundo e le mesmo, nada permanece intato: tudo se dilacera, se fende, se cinde, se desloca. No interior dos objetos mais homogneos, bem como das situaes menos ambguas, aparece uma espcie de distncia secreta. Mas exatamente uma distfuicia interior, uma falsa distncia, que na realidade um caminho aberto, isto , j uma reconciliao.

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    Tudo est contaminado. Entretanto, parece que o setor esco-lhido pela tragdia seja o da narra?va, o ''.r~n;ianesco". Desde i!ttBf l!I' 211 rt/Yflfi)nftrr. \tU~Jtr, rn ZJl'WPWPUC alma pura, os justos coagidos m1usti9a, por suas co;,isciencrns, o~ sdicos por amor, os dementes por logica, o b?m . perso~agem de romance deve ser antes de tudo duplo. A mtiiga sera tanto mais humana quanto mais equvoca fr. Finalme:it;, o livro ser tanto mais verdadeiro quanto forem as contradioes que apre-

    obra importante, na ao mesmo tempo a afirmao gico". de seu abandono.

    Duas grandes obras pelo menos, nas lt~as dcadas, nos ofereceram duas novas f01was da fatal cumplicidade: o absurdo e a nusea.

    Albert Camus, como se sabe, chamou de absurdo o abismo intransponvel que, ~xiste entre o h~mem e. o mundo, entre as aspiraes do espmt humano e a mcapacidade do mundo . em satisfaz-las. O absurdo estaria no no homem, nem nas coisas, mas na impossibilidade de estabelecer entre les uma outra re-lao que no seja a de estranheza. , .

    No obstante, todos os leitores observaram que o heroi de O Estrangeiro mantinha com o mundo uma conivncia obscura, feita de rancor e de fascinao. As relae~ dste homem com os objetos que o cercam no so ~m nada in_oc;ntes: o absurdo ~ons~ tantemente acarreta a decepao, a dem1ssao, a revolta. N ao e exagro pretender que so exatamente as coisas que. aca?ai:n por levar ste homem at o crime: o sol, o mar, a areia cmtilante, a faca que brilha, a fonte entre os rochedos, o revlver. . . Como de direito, entre essas coisas, o principal papel representado pela

    Da mesma forma o livro no escrito na linguagem to lavada que as primeiras pginas poderiam fazer acr~ditar. Com efeito, apenas os objetos j carregados com um con~eudo hu_mano . flagrante so neutralizados, com cuidado, e p~or razoe~ morais (tal como o caixo da velha me, do qual nos sao descntos os pars.-fusos, sua forma e quanto penetraram na ,madei~a}. Ao lado diss descobrimos, cada vez mais numerosas a medida que se apro-

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  • xima o instante do assassinato, as metforas clssicas mais reve- a mo do Autodidata. A cada vez, o contato fsico com a mo !adoras, denominando o homem ou subentendidas por sua oni- do narrador q~e nle P .. r~voca um choque.~ Sabe~os que o tato lllllllllll1le1slelnial:lolclalmiioileisitiill"aiiliiiiiiliiilii1"11Iliiii11i'1''iiij1i1illllllllllllllllJll!l\ll!~""~IJ!i11i1fl

    o ue ., , . a terra "cr de sangue", o sol reflexo sbre uma ostra "uma

    e novo, por quatro vezes. era diz le -golpes curtos que eu dava na porta da desgraa."

    O absurdo, portanto, bem uma forma de humanismo tr-gico. No uma constatao .e separao entre o homem e as coisas. uma briga de amor, que leva ao crime passional. O mundo acusado de cumplicidade num assassinato.

    Quando Sartre escreve (em Situations I) que O Estrangeir"" "recusa o antropomorfismo'', le nos est dando, como o demons-tram as citaes anteriores, uma viso incompleta da obra. Sem dvida Sartre notou essas passagens, mas le acredita que Camus, "infiel a seu prprio princpio, faz poesia". No seria possvel dizer, pelo contrrio, que essas metforas constituem justamente a explicao do livro? Camus no recusa o. antropomorfismo, serve-se dle com economia e sutileza a fim de lhe dar mais pso.

    Tudo est na ordem das coisas, uma vez que se trata, no final das contas, tal como Sartre ressalta, de nos mostrar, con-forme a frase de Pascal, "a desgraa natural de nossa condio".

    E o que A Nusea nos prope? Evidentemente, trata-se de relaes estritamente viscerais com o mundo, deixando de .lado todo esfro de descrio (declarada intil) em proveito de uma intimidade sus eita alis a r ' narrador no imagina que possa evitar de se entiegar. A seus olhos, o importante seria mesmo ceder a ela o mais possvel, a fim de chegar conscincia de si mesmo.

    significatiyo que as trs primeiras percepes registradas no princpio do 'livro passem tdas pelo sentido do tato, e no pelo olhar. Os trs objetos que provocam a revelao so, com efeito, respectivamente, o seixo na praia, o trinco de uma porta,

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    giosa s pelo fato de olhar para um doente. O olfa:o J e mais suspeito: implica numa penetra9o do corpo J?ela coisa est~anha. De resto o setor da vista tambem comporta diferentes qualidades de apree~so: uma forma, por exemplo, geralmente mais segura do que uma cr, que muda com a iluminao, com o fundo que a acantpanlia, catn o SU]lt que a considera.

    uma cr m~l definida que provoca nle a nusea. Lembramo-nos da importncia assumida, desde o como do livi_:o, pelos sus-pensrios do primo Adolphe, que mal se destacam sobre o fundo azul da camisa: les so "cr de malva ... enfiados no azul, mas com falsa humildade. . . como se, tendo comeado a se tornarem violeta tivessem se detido a meio caminho sem abandonar suas preten~es. Tem-se vontade de lhes dizer: "Vamos, tomem-se violeta e no falemos mais nisso." 1'.fas no, les p~rmanecem em suspenso, obstinados por seu esfi'o inacabado. As vzes. o azul que os cerca desliza sbre les ~ os cobre totalmente: f~co um instante sem os ver. Mas isso apenas uma onda passageua, logo vejo o azul empalidecer nalgun's lugares e. vejo r~aparecer pequenas ilhas de malva, hesi,:antes, q~e se amJ?ham; se }untam e reconstituem os suspensorios. E o leitor continuara a ignorar a forma que stes tm. Mais longe, no jardim pblico, a famosa raiz do castanheiro acaba por concentrar todo seu absurdo e sua hipocrisia na sua cr negra: "Negra?. S~nti a palavra qu~ se desenchia, que se esvaziava de seu, . sentido com uma rapidez extraordinria. Negra? A raiz no era negra, no era o prto que recobria sse pedao de madeira ... mas antes o esfro c01~fuso ~e al~um que nunca tivesse vi~to a cr preta e que qm-

    b ' l' d A " E ' que teria imaginado um ser am iguo, a em as cores. o pr~o-prio Roquentin comenta: "As cres, os sabores, os odores nao eram nunca verdadeiros, nunca verdadeiramente les mesmos e nada mais que les mesmos."

    De fato, as cres lhe porporci_;mam sensa~s anlogas s d? tato: representam para l~ um ape}o, logo segm~o po~ l!;r1 reti-rada, depois um nvo apelo, etc.; e um contato suspeito que se

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  • acompanha por impresses inominveis, que exigem uma adeso e que ao mesmo tempo a recusam. A cr tem sbre seus olhos o mesmo efeit.o que a mesri iiil 1 Jfilf 18 11 TI ; e t t1 !, Jl entendido) do objeto, uma espcie de insistncia vergonhosa que , ao mesmo tempo, queixa, desafio e negao. "Os objetos ... les me tocam, insuportvel. Tenho mdo de entrar em con-tato com les, como se fssem animais vivos." A cr muda, por-tanto vive; isso que Roquentin descobriu: as coisas so vivas, tal pmg le

    Os sons tambm lhe

    ' estas. ~0 emautg ff Je pm jW

    , , i o cas a euo que sucessi-vamente se torna "unha preta", "couro fervido", "bolor", "serpente morta'', "garra de abutre'', "grande pata'', "pele de foca'', etc., at a nusea.

    . Sem qu~rer limitar o livro a ste ponto de vista particular (ainda que importante), pode-se dizer que a existncia nle caracterizada pela presena de distncias internas, e que a nusea uma inclinao visceral infeliz que o homem sente por essas

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    distncias. O "sorriso cmplice das coisas" acaba num ricto: "Todos os objetos que me cercavam eram feitos da mesma ma-U i?Jlf oumfil ;JlffiilWl?f[fJJthFll 1n11bi t@idldd, foi "vida estragada", o lgubre e risvel destino do Autodidata, tda essa maldio do mundo terrestre: nestas condies no nos ve-mos incitados a levar tdas essas coisas para a categoria de urna necessidade superior? Onde est, ento, a liberdade? Uma vez que aqules que no desejam essa maldio esto muito bem lid iJl Clldli iiiil

    ao seu mais a o grau ; l . .

    lhes novas fras. Mergulhado na profundeza das coisas, o homem acaba por

    no as perceber mais; seu papel se limita a sentir, em nome delas, impresses e desejos - totalmente humanizados. "Em resumo, trata-se menos de observar o seixo do que de instalar-se em seu mago e ver o mundo com seus olhos ... "; a propsito de Fran-cis Ponge que Sartre escreve essas palavras. E fazia com que o Roquentin de A Nusea dissesse: "Eu era a raiz do castanheiro." As duas posies no deixam de estar relacionadas: trata-se, nos dois casos, de pensar "com as coisas" e no sbre elas.

    Na verdade, tambm Ponge no est preocupado com des-crever. ltle sabe muito bem, sem dvida, que seus textos no representariam ajuda algun;a para o futuro arq.u~?log,.? que J?ro-curasse descobrir o que pode ser, em nossa civ1hzaao perdida, um cigarro ou uma vela. Sem a prtica quotidiana que temos dsses objetos, as frases de Ponge a les relacionadas so apenas lindos poemas hermticos. Em compensao, lemos que o balaio est "aborrecido por estar numa posio desajeitada'', que as r-vores, na primavera, "gostam de serem enganadas" e "despejam um vmito verde", e que a borboleta "vinga sua longa humilhao amorfa de quando era lagarta".

    isso de fato tomar o " artido" das coisas e re resent-las so seu proprio ponto e vista . Evi entemente Ponge no se

    pode enganar a sse ponto. O antropomorfismo mais aberta-mente psicolgico e moral que le no deixa de praticar s pode ter por objetivo, pelo contrrio, o estabelecimento de uma ordem humana, geral e absoluta. Afirmar que le fala para as coisas, com elas, no mago delas, nestas condies vem a ser negar a realidade que elas tm, sua presena opaca: neste universo po-voado de coisas, estas so para o homem apenas espelhos que lhe

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  • devolvem eternamente sua prpria ima9'em. Tranqilas, dome~ti-cadas, elas olham o homem com o proprio olhar dste.

    Semelhante i

    ' d r IS e o e uma conscincia preocupada com compreender-se e reformar-se. Ao longo de tdas essas pginas sutis, 0 menor seixo o menor pedao de madeira incessantemente lhe d lies a~ mesmo .tempo o ~xprime e o julga, mostra-lhe um progres~o a ser realizado. Assim, a contemplao do mtmdo para 0 homem

    onam.os o ponto ~e vi~ta moral do aperfeioamento, o parti-pris das c~1sas nao ?s e mai~ de nenhuma ajuda. E se, em particular, prefen~os a liberdade. a sabedor~a, somos obrigados a quebrar todos esses espelhos dispostos artisticamente por Francis Ponae p~ra po~ermos achar os objetos duros e secos que esto por trs deles, nao perfurados, to estranhos quanto antes. ,,,.=-

    Fran?ois Mauriac, que - dizia le - outrora lera o O Csto de Francis Ponge, por recomendao de Jean Paulhan deve ter conser,va~? muito ~ouco dsse texto na memria quando chamou

    . de Tecn~ca. do . Cesto a descrio dos objetos preconizada em meus propnos livros. Ou ento fui eu que me expressei muito mal neles.

    Com efeito, ~escrever as coisas deliberadamente colocar-se do lado de fora, a frente delas. No se trata mais de apropriar-se delas, ~u de yrojetar algo sbre elas. Apresentadas, de sada, como nao senao o homem, elas permanecem constantemente fora de alcance e por fim no so nem compreendidas numa aliana n~tt:ral,, nei:u recuperadas por um sofomento. Limitar-se des-cnao e ev1.denteme~1te r~cusar todos os outros modos de aborda-g~m do ob1eto: a simpatia por ser irrealista, a tragdia por ser alienante, a compreenso por depender apenas do setor da cincia

    Sem dvida, ste ltimo onto de t . 1 . e o umco meio onesto de que o homem dispe para

    tirar p~rbdo .do mundo que o cerca, mas um partido material por mais . desmteress~da que fr a cincia, ela s se justifica pel~

    est~belec1mento, mais cedo ou mais tarde, de tcnicas utilitrias. A literatura tem outros objetivos. Em compensao, s a cincia po.de prete?der conhecer o interior das coisas. A interioridade do seixo, da arvore ou do caracol que Francis Ponge nos oferece

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    troca da cincia, bem entendido (e mais do que Sartre parece pe:ri.sar); de qualqu

    1er forro~, essa int~riorid~de no representa em

    nada a uilo ue ha nas cmsas, mas sim aqmlo que o homem pode

    vado certos comportamentos, com maior ou menor rigo:. essas aparncias inspiram-lhe analogias humanas, e Ponge poe-se a falar do homem, sempre do homem, apoiando-se negligen~emente sbre as coisas. Pouco lhe importa que o caracol nao "coma" terra, ou que a funo clorofiliana seja uma absoro e

    '' - " r A f ""'

    A mineralogia, a botnica ou a zoologia, pelo contrrio, rea-lizam o conhecimento ds texturas (tanto internas como externas), de sua organizao, de seu funcionamento e de sua gnese. Mas, fora de seu domnio, essas disciplinas no servem para mais nada a no ser para um enriquecimento absti'.ato de nossa inteligncia. O mundo nossa volta torna-se uma superfcie lisa, sem signifi-cado, sem alma, sem valores, sbre a qual no temos mais ne-nhuma ascendncia. Tal como o operrio que largou o martelo de que no precisa mais, encontramo-nos uma vez mais diante das coisas.

    Portanto, descrever essa superfcie apenas isso: constituir essa exterioridade e essa independncia. ]?rovvelmente no tenho mais a dizer "sbre" a caixa de meu tinteiro do que "com'' ela; se escrevo que ela um paraleleppedo; no pretendo com isso isolar da uma essncia qualquer; mends ainda tenho a inteno de entreg-la ao leitor para que sua ill1aginao se apodere dela e a ornamente com mltiplas coloraes: desejaria sobretudo impedi-lo de fazer isso.

    As censuras mais habituais feitas a semelhantes informaes geomtricas - "Isso no diz nada a nossa mente'', "Uma fot-

    rafia ou um dia rama teriam mostrado melhor sua fonna", etc. - so 1zarras censuras: como nao pensei msso an e dade, trata-se de coisa bem diferente. A fotografia ou o desenho visam apenas reproduzir o objeto, e tm tanto mais sucesso em sua misso quanto puderam dar lugar a interpretaes to nume-rosas (e aos mesmos erros) quanto as permitidas pelo modlo. A descrio formal, inversamente, antes de tudo uma limitao: quando diz "paraleleppedo'', ela sabe que no est atingindo

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  • nenhum alm, mas ao mesmo tempo est cortando rente ti)das as possibilidades de procurar um dles. " 1 " d spens6rios e . -la,, Antes j houvera a ma va os su

    nem 1ecus . ,, d de cerveja. a "trans arncia sus eita o copo

    ililililll . . a melhor anila, sobretudo se se ativer as istancias Cl .. os obi"etos entre les, e insistir ainda no fato de olhar contmua ser noss., " b" ti" 'dade" _ principal argu-

    Regishar; a distncia entre eu e o ob "eto

    , l' h Quanto a sua su ie VI 'd ? que so apenas distncias (e no dilaceramentos), isso vem a ser apenas as 111 .8_ . mo tem ela assim seu valor diminm o. estabelecer o fato de que as coisas esto a e que no so mais mento da oposiao - co d s6 ode se tratar do mundo do que coisas, cada uma limitada a si mesma. O problema no Evidentemente, de qualqyer mo o, to P de vista nunca poderei mais o de escolher enhe um aci)rdo feliz e uma solidariedade tal como orienta~o pe A meu /~~bjetjyjdade 'relativa de meu

    1- 7 tro a roo ser esse - ... -------- . .-08Udl Qiiit7 iii J . definir minha s1tuaao no mun-

    is 1un os , recusa en im ordem preestabelecida. Nesta perspectiva, o olhar logo surge como o sentido privi-

    legiado, e particularmente o olhar aplicado aos contornos (mais do que s c6res, aos brilhos ou s transparncias). Com efeito, a de~scrio tica aquela que mais fcilmente realiza a fixao das distncias: o olhar, se deseja permanecer como simples olhar, deb.@ as coisas em seu respectivo lugar.

    Mas tambm comporta seus riscos. Detendo-se de impre-visto num detalhe, le o isola, o extrai, gostaria de poder lev-lo adiant, constata seu fracasso, obstina-se, no consegue mais nem lev-lo nem devolv-lo a seu lugar ... ; a relao "de absurdo" no est longe. Ou ento a contemplao que se intensifica tanto a ponto de tudo se pi)r a vacilar, a se mover, a se fundir ... , comea ento . a "fascinao", e a "nusea''.

    No entanto, sses riscos esto entre os menores existentes, e o prprio Sartre reconheceu o poder de limpeza do olhar. Per-turbado por um contato, por uma impresso ttil suspeita, Ro-quentin abaixa os olhos at sua mo: "O seixo era chato, sco num lado, mido e lamacento do outro. Eu o segurava pelas pontas, com os dedos bem separados, para no me sujar", no compreende mais o que foi que o emocionou; da mesma forma,

    ' . um ou

    arei de repe.qte, porque sentia em minha mo um objeto frio que atraa minHa ateno por uma espcie de personalidade. Abri a mo, olhei: estava apenas segurando o trinco da porta." A seguir Roquentin volta-se para as cres e o olhar no consegue mais realizar sua ao deslocadora: "A raiz negra no passava mais, permanecia ali nos meus olhos, assim como um pedao muito grande fica atravessado na garganta. No podia nem aceit-ln,

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    veno abstrata, do a mana", no obstante ela continua a ser, entre eu e o mun ' operao mais eficaz. d M d . distncias

    . ' d ficcia que estamos tratan o. e II as . Pois e a et' arado sem lamentaes inteis, sem rawa,

    entre o qu~ es sep . i . . d ntifcar aquilo que no est se-sem desesp~ro, dev~ ~:~c~~s~ : urna vez que falso que tudo parado, aqmlo que e , rovis6rio. Provisrio em rela-seia duplo - falso, ou pelo menos P_ a Ja' falso em relao s h a nossa esperan ? ao ornem, el~msapas s6 remetero a elas mesmas, sem rro em coisas: uma vez i ,

    ue ossarnos incorrer, sem tremores. ' , . ? q P . er nta possvel escapar a tragedia.

    Persiste uma P gu Ab todos os meus senti-Atualmente, seu reino se este~d~ s~lar~e condiciona de alto

    t dos os meus pensamen o ' mentos e . d t . t'sfeito meu corao contente, b . Me corpo po e es ar sa i , . f a aixo. u . A . . . f l'z Asseguro que essa m e-mas minha consciencia contmua m e i . t 1 como ti)da infeli-licidade est situada rio temp_ e ~ss~i:r~o,qt:e um dia o homem cidade, como tudo neste m~ o. rova al uma dsse futuro. se libertar dela: ~as nao te~ho P a osta~ "O homem um Tambm para mim es~e Ufuturo e u~ase!timento trgico da vida; animal doente" escrevia namuno n a aposta esta em pensar que se l N- tenho nada

    . ' err lo em seu ma ao , 1 sena mepcia enc -1 . tncia a nica razoave . Esta aposta em qua quer cHcuns , , f' 'l . ' - . ha rova alguma. Entretanto, e-me ~c1

    Disse que nao tin p 'f. -o do muverso em que vwo b 'stemtica traa1 icaa d B t perce er que a ~1 lt d d una vontade delibera a. as a freqentemente e o r:s~ ~ r: l u:tl uer roposio que tenda isso para lanar a duvida sob q '1 q d j 'fva Ora a partir a apresentar a tragdia como natura e e im i '. '

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  • do !ns~ante em que surge a dvida, no posso fazer outra senao 1r rocurar mais lon . e. coisa

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    de importancia em menor. ao que Joe Bousquet tem .seus aspectos bem superados, e que Godot est muito na moda, e que muitas vzes no foram as obras mais bem realizadas que foram escolhidas para representar os autores escolhidos.

    Tudo isso verdade. que os cinco ensaios aqui reprodu-zidos so para mim sobretudo exemplos, que me permitiro tor-nar mais ntidos alguns temas e formas caractersticos desta lite-ratura que ainda est sendo feita. Os primeiros dsses exemplos remontam j h mais de cinqenta anos, os ltimos pertencem a nosso aps-guerra. Todos oferecem, no meu modo de ver, alguma coisa de profundamente atual; esta alguma coisa que procuro isolar aqui, e que no seria difcil de encontrar na maioria das pesquisas contemporneas:

    ENIGMAS E TRANSPARNCIA EM RAYMOND ROUSSEL

    ' (1963)

    Raymond Roussel