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Os poetas e a natureza
José de Almada NegreirosFlor tem linguagem de que a sua semente não fala.
A raiz não parece dar aquele fruto.Não parece que a flor e a semente sejam da mesma
linguagemRetirada a linguagem
A semente é igual a florA flor igual a fruto
Fruto igual a sementeDestino igual a devir.
E era o que se pedia: igualSe é dever dizer o que Sem mestre aprendi da
Vida digo:A natureza tem tudoMas cada coisa de
Sua vez.É simultânea como o
Conhecimento:Sabe-se bem uma coisa
Por causa de váriasQue se sabem mal.E tive paz quando
Soube que antigos me tinham deixadoSoube que antigosMe tinham deixado
Isto mesmo.
Natureza poética
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Alberto Caeiro
As rosas amo dos jardins de Adónis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas, nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível
Assim façamos nossa vida um dia,
Inconscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.
No meu prato que mistura de natureza
As minhas irmãs as plantas,
As companheiras das fontes, as santas
A quem ninguém reza
E cortam se e vem á nossa mesa
E nos hotéis os hospedes ruidosos,
Que chegam com correias tendo mantas
Pedem salada descuidos os
Sem pensar que exigem á terra mãe
a sua frescura e os seus filhos primeiros
As primeiras verdes palavras que ela tem,
As primeiras coisas vivas e irisastes
Que Noé viu
Quando as aguas desceram e o cimo dos montes
Verde e alagado surgiu
E no ar por onde a pomba apareceu
O arco íris se esbateu
o meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol
É assim, azul e calmo,
Porque não interroga nem se espanta
Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer coisa no sol de modo a ele ficar mais
Mesmo se nascesse flores novas no prado
E se e o sol mudasse para mais belo,
Eu sentiria menos flores no prado
E achava mais feio o sol