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presença no brasil anuário 2012 portugal O grande negócio Brasil-Portugal. Sangue lusitano e marcas brasileiras. O mundo que o português criou. Real Gabinete de Leitura. Universalidade lusitana. À mesa com os portugueses. Padarias movimentam mais de 55 bilhões de reais por ano. Abílio Diniz. António Gomes da Costa. António de Almeida e Silva. Luiz Felipe Lampreia. ANO 1 | Nº 1 | R$ 14,90

Portugal - Presença no Brasil

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Portugal – Presença no Brasil versa sobre os laços entre portugueses e brasileiros nos campos político, cultural ou econômico. Os artigos, reportagens, entrevistas e colunas selecionadas para a edição propõem-se um painel bastante representativo das relações entre os dois países, ontem e hoje.

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presença no brasilanuário 2012

portugalO grande negócio Brasil-Portugal. Sangue lusitano e marcas brasileiras. O mundo que o português criou. Real Gabinete de Leitura. Universalidade lusitana. À mesa com os portugueses. Padarias movimentam mais de 55 bilhões de reais por ano. Abílio Diniz. António Gomes da Costa. António de Almeida e Silva. Luiz Felipe Lampreia.

ano 1 | nº 1 | R$ 14,90

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Job: 16243-003 -- Empresa: Neogama -- Arquivo: 16243-003-AFW-BRA-An Bandeira Lupa-41X26.5_pag001.pdfRegistro: 45090 -- Data: 17:10:41 05/09/2011

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2 3PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

O MOsteirO dOs JeróniMOs

cOnteMpla O pOrtO dO

restelO, nas águas dO riO

teJO, de Onde partiraM as

caravelas que cruzaraM

O Mar das tOrMentas,

chegaraM à Índia, china e

JapãO – e taMbéM apOrtaraM

nO brasil. aO fundO, à direita,

aparece a pOnte

25 de abril.

brasãO de d. JaiMe de bragança, de 1510,

cOnfecciOnadO eM quatrO azuleJOs

esMaltadOs, eM sevilha, espanha.

* O Ouro dos Trópicos. Passeios por Portugal e Brasil Barrocos.

altar todo em ouro – semelhante ao Convento dos Franciscanos na indiana Goa. Destaques para outras duas jóias do barroco português no País – o conven-to de São Francisco, no centro da atual João Pessoa, antiga Filipéia, homenagem ao rei de Espanha Felipe II, monarca do Brasil quando da fundação, em 1585, da capital paraibana, e a Igre-ja Nossa Senhora da Conceição dos Militares, na Rua Nova, no an-tigo Recife nassoviano, que exalta a vitória luso-brasileira, em 1645, contra os holandeses.

Barroco e, ao mesmo tempo, universal, foi este o mundo que o português criou – reverenciado em livro com título homônimo, publi-cado em 1940, do mais cosmopo-lita dos pernambucanos, Gilberto Freyre (1900-1987), cuja extensa produção literária enfatiza os mo-dos brandos lusitanos e a conheci-da tolerância racial, que permitiria a miscigenação, não só no Brasil, mas, também em territórios da Ásia e África. Um dos exemplos, fora do Brasil, é o Arquipélago de Cabo Verde, na costa ocidental africana, independente

desde 1974. Praticamente toda a população cabo-ver-diana é mestiça – fruto da união entre portugueses e povos do Golfo da Guiné. Em sua obra prima Casa Grande & Senzala, lançada em 1933 e adotada em

universidades de todo o mundo, Freyre demonstrou que nem sem-pre as relações entre senhores e es-cravos, na sociedade colonial brasi-leira, se davam por meio do uso de violência física.

Seguindo a trilha do barroco lusitano, lá, em Portugal, e cá, no Brasil, o escritor francês Domini-que Fernandez também se encan-tou com o mundo que o português havia criado no novo continente – escrevendo um livro precioso, L’Or des Tropiques. Promena-des dans le Portugal et le Brésil Baroques*, publicado, em 1993, em Paris. Filho de pai espanhol, Fernandez, 82 anos, deslumbrou--se com o barroco das cidades mi-neiras, de Sabará e Mariana a Ouro

Preto e Congonhas do Campo, onde estão as esculturas dos profetas talhadas por Aleijadinho. Mas, em meio ao cenário barroco, apaixonou-se ainda mais pela

O mundo que o português criou

O corpo lusitano foi quase sempre mais do Ultramar do que da Europa

por Albino Castro

APResenTAçãO

Do esplêndido Forte de Santo Antônio do Macapá, localizado na Ponta da Casca-lheira, à margem esquerda do Rio Amazo-nas, na antiga Província do Tucujus, cer-

ca de quinze quilômetros ao sul de Macapá, no atual Estado do Amapá, às ruínas das memoráveis Missões Jesuíticas, no Rio Grande do Sul, como a monumen-tal redução de São Miguel, o Brasil possui um riquís-simo acervo arquitetônico português – que inclui as

cidades históricas mineiras, entre as quais, soberana, Ouro Preto, a antiga Vila Rica, e praticamente todas as edificações do centro histórico de Olinda e Recife, em Pernambuco, São Luís e Alcântara, no Maranhão, e de Salvador, na Bahia.

Justamente na capital baiana se encontra uma das mais imponentes construções do mundo lusitano, a barroca Igreja de São Francisco, no Largo do Terreiro de Jesus, próxima ao Pelourinho, com um majestoso

Page 4: Portugal - Presença no Brasil

4 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

faMÍlia pOrtuguesa deseMbarca

eM santOs depOis de atravessar O

atlânticO na sufOcante terceira

classe – cOMO Os persOnagens dO

escritOr ferreira de castrO nas

Obras selva e emigrantes. a fOtO fOi

publicada eM 2006 nO livrO

presença portuguesa em são paulo,

de sônia Maria de freitas.

APResenTAçãO

miscigenação. “Fruto, talvez, da própria origem dos portu-gueses, que possuem ances-trais iberos, romanos, fenícios e dos povos judaicos e islâmi-cos provenientes do Oriente Médio e do Norte da África” – especulou Fernandez, em seu livro ricamente ilustrado com fotos de Ferrante Ferranti, ao tentar interpretar a origem da mistura de raças no colo-nialismo português.

O corpo do português foi quase sempre mais do Ultramar do que da Europa – escreveu na introdução de Um Brasileiro em Terras Portuguesas, publica-do em 1953, o Mestre de Apicucos – referência à loca-lidade em que Gilberto Freyre morava nas proximi-dades de Recife. “O português foi mais da África ou da Ásia do que do Minho, das Beiras, Trás-os-Montes ou de alguma aldeia para onde sua velhice de rico e mesmo de nababo tantas vezes voltou já incapaz de emprenhar mulher européia ou fazer filho europeu”, escreveu Freyre com a sua linguagem arrojada. “Por mais cristãmente minhota ou trasmontana que se conservasse sua alma, por mais fielmente devota a Nossa Senhora da aldeia ou da vila que se habituara a adorar menino, seu corpo de macho vigoroso mul-tiplicou-se em corpos pardos, roxos, amarelos, more-nos, no Oriente, nas Áfricas e na América”.

A grande diáspora lusitana, a partir de meados do século XIX, que teve como destino principalmente o

Brasil, fez os portugueses trocarem o leme das carave-las pelas sufocantes terceiras classes dos navios que tra-ziam de quase toda a Europa imigrantes para os portos de Nova York, Belém, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires. Como romanceou, com cruel realismo, Ferreira de Castro (1898-1974), de espírito libertário, em seus livros Selva e Emigrantes, ao narrar os desatinos de compatriotas que deixaram aldeias portuguesas e vieram trabalhar no comércio ou desbravar a Amazônia, como o próprio escritor, que viveu dos 12 aos 20 anos a perambular desempregado pelas ruas de Belém ou a trabalhar nos seringais. A hu-milhação dos porões dos navios não mudaria, porém, o espírito dos portugueses que vieram servir aos anti-gos colonizados. Estes lusitanos construíram grandes conglomerados industriais, comerciais e financeiros, deixaram suas marcas na cultura e nos sabores – des-ta vez, não mais como senhores, mas como parte do imenso País que ajudaram a criar.

Page 5: Portugal - Presença no Brasil

entrevista14 Luiz Felipe Lampreia28 Abílio Diniz 44 António Gomes da Costa72 António de Almeida e silva

cultura 34 O esplendor de Portugal 39 A lusíada baiana 40 Perto dos olhos e do coração42 Além da Vila Belmiro64 Monumento paulistano70 A Língua viva da estação da Luz

história8 Universalidade portuguesa

turismo 48 Lisboa seduz brasileiros 52 Três hotéis e uma metrópole de sonhos

gastronomia 66 À mesa com os portugueses

esporte76 És um traço de união Brasil-Portugal78 Hino à liberdade

Última página80 Uma escola de heróis dos mares

Os salões dO ManuelinO gabinete

pOrtuguês de leitura de salvadOr,

bahia, à esquerda, e, aciMa,

tapeçaria sObre a tOMada de ceuta

pelOs pOrtugueses nO séculO xv.

sãO franciscO xavier

eM escultura

indO-pOrtuguesa.

real centrO cultural

pOrtuguês de santOs.

apresentação2 O mundo que o português criou

negócio 18 O grande negócio Brasil-Portugal 24 Chega a Corte e o pão nosso de cada dia 54 sangue português e marcas brasileiras55 Galeto's 56 Habib's58 Pão de Açúcar60 Trasmontano62 Votorantim

1

3

4

2

lisbOa eM painel de azuleJOs de 1937.

1. abÍliO diniz

2. luiz felipe laMpreia

3. antóniO de alMeida e silva

4. antóniO gOMes da cOsta

esfera arMilar dO

rei d. Manuel i,

O venturoso.

Sumário

Page 6: Portugal - Presença no Brasil

8 9PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

O deseMbarque

tapeçaria sObre a tOMada de ceuta pelOs pOrtugueses, nO séculO xv, inÍciO da

fOrMaçãO dO grande iMpériO lusitanO. reprOduçãO das réplicas existentes

nO paçO dOs duques de bragança, eM guiMarães, pOrtugal, cuJOs Originais

estãO na cidade espanhOla de pestrana.

Universalidade portuguesa

Debruçado sobre o mar, como um anfitea-tro voltado para o Atlântico, e de espalda para a Europa, Portugal só foi admirado e temido, quando, ao final da Idade Média,

lançou-se aos mares, como cantam os versos de Luís de Camões (1524-1580), dando mundos ao mundo. As marcas da presença lusitana estão vivas até os nos-sos dias em todos os pontos do planeta. Do Japão a Ceuta, ao Norte do Marrocos, hoje espanhola. Mas, ainda que essas marcas tivessem sido apagadas e não houvesse mais vestígio da língua portuguesa fora da Europa, mesmo assim, seria fácil perceber que nave-gou muito o velho Portugal. Voltando-se aos mares, tornou-se o único país cujo principal ingrediente do prato típico, a célebre “bacalhoada à portuguesa”, tem que ser pescado a muitas milhas da sua costa – quan-do se sabe que os pratos típicos nacionais de todos os países são feitos à base do que se encontra facilmente no quintal das casas.

Os portugueses João Vaz Corte-Real e Álvaro Mar-tins, ao navegarem a norte do Arquipélago dos Aço-res, Atlântico acima, à procura do bacalhau, descobri-ram, em 1472, a imensa ilha da Terra Nova, no atual

HisTóRiA

por Albino Castro

Page 7: Portugal - Presença no Brasil

10 11PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

representaçãO indO-pOrtuguesa de

sãO franciscO xavier, nO séculO xvii,

eM MarfiM e prata.

adaptar ao catolicismo muitos ele-mentos da filosofia de Confúcio (552-479 a.C.).

Sucessor de D. Manuel I, o Ven-turoso, em cujo reinado (1495-1521) foi descoberto o Brasil, D. João III, o Piedoso, herdou de seu pai o mais imenso Portugal de todos os tem-pos – e foi ele, fazendo jus ao epí-teto, quem convocou a Lisboa, em 1539, Santo Inácio de Loyola, funda-dor dos jesuítas, para que providen-ciasse a conversão dos povos que vi-viam em todas as terras do Império – do Japão ao Brasil, onde acabara de criar as capitanias hereditárias. Loyola enviou então a Lisboa o compatriota basco e co-fundador dos jesuítas, São Francisco de Xa-vier, que organizou a evangelização do Oriente português. São Francis-co de Xavier, como Jesus Cristo e os apóstolos, tentou converter pri-meiro os mais humildes – não ob-tendo, porém, grandes resultados. Ricci se tornou famoso por fazer o contrário. Buscou evangelizar a eli-te chinesa e, por meio dela, obter a conversão das camadas populares – conseguindo batizar como católi-cos milhares de chineses.

As caravelas portuguesas apor-taram, em 1543, em Tanegashi-ma, localidade japonesa vizinha a Nagasaki, cidade fundada pe-los navegadores portugueses em 1570. Além de fundarem Naga-saki, atingida, na Segunda Guerra Mundial, por uma bomba atômica, juntamente com Hiroshima, os missionários enviados por Portugal converteram ao catolicismo milhares de japoneses, muitos dos quais emigrariam, no século XX, para o Brasil – como a família Hirata, que hoje é minha vizinha em São Paulo. E os mesmos missionários

acabaram por introduzir o uso de muitas palavras de nosso idioma no dia-a-dia dos nipônicos. Como, por exemplo, biscoito, botão, capa, copo, obrigado, órgão, pão, sabão, taba-co e tempero – que virou tempurá, um dos mais tradicionais pratos da gastronomia japonesa, criado igual-mente pelos portugueses.

A presença portuguesa no Japão criaria em pouco menos de um sécu-lo a cultura Namban, os “bárbaros do Sul”, como os japoneses chamavam os lusitanos – gerando a arte japone-sa de alma portuguesa. Uma monu-mental mostra no Museu do Orien-te, inaugurada em 17 de dezembro de 2010 e encerrada no dia 31 de maio de 2011, expôs objetos e recordou, por meio deles, o quanto os portugueses foram importantes na vida cultural e na organização política do Japão. Foi uma mostra imperdível, que à qual visitei em janeiro de 2011, dividida em quatro grandes núcleos diferen-ciados, compostos por um total de aproximadamente 60 peças, todas raríssimas, provenientes de coleções públicas e privadas.

Vivas são, mais do que na China ou na África do Sul, as heranças lusi-tanas na imensa pátria formada por inúmeras etnias, às duas margens do Índico, a atual Índia, onde a esplên-dida Goa, localizada ao sul de Bom-baim, na costa ocidental, preserva ainda hoje o idioma de Luís de Ca-mões, as igrejas barrocas, como as de

Macau, Porto e Salvador, e o casario inconfundivel-mente lusitano. De Goa, governou Portugal, por dois séculos, grande parte de seu vasto império oriental denominado Estado Português da Índia, que se es-tendia de Moçambique a Nagasaki. Hábeis negocia-dores, traço mais forte do caráter colonial lusitano,

gravura dO séculO xviii MOstra vista panOrâMica da praia grande, eM Macau, a católica, pOrta de entrada dOs pOrtugueses para a cOnquista

da cOrte dOs Mandarins chineses de pequiM – sOnhO que se tOrnOu pOssÍvel graças aOs MissiOnáriOs JesuÍtas.

Canadá, e foram os primeiros europeus a chegar, de fato, às Américas nos albores da Idade Moderna – que teve início em 1453, após a queda de Constantinopla. Dois outros navegadores portugueses, João Fernan-des Labrador e Pedro de Barcelos, ao contornarem a ilha da Terra Nova, em 1499, avistaram a península que ganhou o nome de Labrador, em homenagem ao navegador lusitano que a descobriu. Vizinhas ao francófono Quebec, Labrador e Terra Nova se torna-ram, em 1949, uma das dez províncias do Canadá.

Portugal teve relações coloniais com três dos qua-tro países que formaram, inicialmente, o bloco BRIC – sigla criada em 2001 pelo economista britânico Jim O’Neil, presidente do grupo financeiro Goldman Sachs, para designar Brasil, Rússia, Índia e China que, segundo análises, serão os novos gigantes da econo-mia planetária, a partir da segunda metade do século XXI. O BRIC passou a BRICS, em 13 de abril de 2011, com a entrada da África do Sul, grafada em inglês como South Africa. Portugal manteve, com efeito, para além do Brasil, profundas raízes com a Índia, onde desembarcou primeiro que todos os europeus,

China e África do Sul, banhada pelo temível Cabo das Tormentas, rebatizado, em 1488, como Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias, após ancorar as cara-velas no descampado à beira-mar, a atual Cidade do Cabo, na qual, ainda hoje, uma estátua do navegador português de Mirandela contempla o Atlântico.

Não é de estranhar que Macau, ao longo de seus 16 quilômetros quadrados, permaneça bastante lusitana, afinal foi a porta de entrada dos portugueses na China – poucos anos depois da chegada de Pedro Álvares Ca-bral às praias brasileiras. E, na China, por mais de 100 anos, os jesuítas, enviados pelos soberanos lusitanos, converteram milhares de chineses e se tornaram con-selheiros das cortes dos mandarins da dinastia Ming (1368-1644). Muitos desses jesuítas, embora vincula-dos a Lisboa, eram espanhóis, como o venerando São Francisco de Xavier (1506-1552), ou italianos, como o célebre renascentista Matteo Ricci (1552-1610), cientis-ta, geógrafo e cartógrafo, que, como seu compatriota Marco Polo (1254-1324), no século XIII, exerceu grande influência sobre a elite confuciana que, quatro sécu-los mais tarde, imperava na China. Ricci conseguiu

HisTóRiA

Page 8: Portugal - Presença no Brasil

12 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

os portugueses, herdeiros dos feitos de Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Afonso de Albuquerque, que, ao contornarem a África, deram novos mundos ao Ocidente, so-breviveram à derrocada dos ingleses, à chegada de Mahatma Gandhi ao poder, em 1948, e mesmo à secessão do Paquistão islâmico – que não acei-tou viver sob o domínio da maioria hindu da união indiana construí-da pelo líder pacifista. E, assim, Portugal manteve, até o início dos anos 1960, a sua histórica capital in-diana, Goa, além dos ter-ritórios de Damão e Diu, ao norte de Bombaim.

Também conhecida hoje pelo nome de Mum-bai, cidade considerada a maior do mundo, com seus 14 milhões de habitantes, Bombaim, corruptela da expressão portuguesa “Boa Baía”, foi lusitana por mais de 150 anos, de 1509 a 1661, ao ser cedida à Inglaterra como dote da princesa Catarina de Bragança, filha do rei D. João IV, ao se casar com o rei Charles II. A historiografia registra um curioso diálogo que teria existido entre a princesa portuguesa e o então noivo rei da Inglaterra – tido, porém, como “fantasioso” por vários historiadores. Charles II teria perguntado a Catarina onde ficava Bombaim e ela teria respondido: “Acho que fica no Brasil”... Bombaim ficava, de fato, dentro dos domínios do império português, mas não era a Baía de Todos os Santos, berço natural da primeira capital brasileira – o que poderia ter induzido Catari-na de Bragança à geográfica gafe. Cidade onde se en-contra uma das maravilhas islâmicas do planeta, o Taj

Mahal, a Bombaim de hoje, a Bollywood, a Hollywood indiana, é, também, bas-tante cosmopolita e uma das principais metrópoles financeiras dos BRICS – como a nossa São Paulo e a chinesa Xangai.

Celebramos neste anu-ário PORTUGAL – Pre-sença no Brasil as raízes comuns do maior dos mundos que os universais lusitanos deram ao mundo – o Brasil, que preserva, dos trópicos aos pampas gaú-chos, o doce e épico idioma dos Lusíadas, e cuja na-cionalidade foi forjada no século XVII, nos campos de batalhas dos Guararapes, às portas do Recife nassovia-no, quando se expulsou do País os holandeses e se res-taurou, em 1645, a soberania de Portugal em todo o Nor-

deste, mantendo-se a integridade territorial do Brasil. Quatro generais comandaram as batalhas dos

Guararapes. O primeiro, português de nascimento, João Fernandes Vieira, natural da Ilha da Madeira, era a principal liderança. O segundo, o paraibano André Vidal de Negreiros, era mozambo, filho de português nascido no Brasil. O índio potiguar Felipe Camarão, o terceiro general, era responsável pelas tribos nativas aliadas de Portugal, e o quarto, o negro Henrique Dias, chefe dos batalhões de soldados de origem africana. Os heróis dos Guararapes formaram há quatro séculos um verdadeiro exército popular luso-brasileiro para restaurar a soberania portuguesa na Nova Lusitânia – como então era chamado o Estado de Pernambuco. A vocação continental brasileira já estava presente nas lutas contra os invasores da Nova Lusitânia.

azuleJO cOM esfera arMilar,

cOnfecciOnadO eM sevilha, espanha,

entre 1508 e 1509, a pedidO dO

rei d. Manuel i, O venturOsO.

HisTóRiA

Portugal deu Bombaim como dote a Charles II no casamento com Catarina

Page 9: Portugal - Presença no Brasil

14 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

luiz felipe laMpreia é bisnetO e netO

de diplOMatas pOrtugueses que

serviraM nO brasil.luiz Felipe lampreiaUma família de embaixadores cá e lápor Luiz Voltolini

enTReVisTA

O ex-ministro das Relações

exteriores Luiz Felipe Lampreia

se emociona ao contar que é

um descendente de portugueses que

conseguiu realizar o sonho do pai, João

Gracie Lampreia, de ser embaixador do

Brasil em Portugal. Lampreia é a quarta

geração de diplomatas de sua família –

duas representando Portugal, e duas, o

Brasil. O bisavô, João Camilo Lampreia,

foi embaixador de Portugal no Brasil,

entre 1900 e 1908. Lampreia também

ocupou a secretaria Geral do itamaraty e,

quando ministro, ampliou o diálogo com

os países de língua portuguesa. Acredita

que o português, ao lado do espanhol,

sobreviverá à nova ordem dos idiomas.

nesta entrevista, faz um resumo de

sua história familiar e da ligação com a

comunidade portuguesa.

Qual a influência da origem portuguesa em sua vida?Devido à história da minha família, sempre fui muito ligado a Portugal. Isso orientou meu desenvolvimento pessoal. Viajo frequentemente a Portugal, e acompa-nhei a evolução do país. Não gostava do regime sala-zarista, pois o país estava muito sofrido. Hoje a situa-ção mudou.

Quando o senhor foi embaixador em Portugal?Fui nomeado embaixador do Brasil em Portugal em 1990, durante o Governo Collor, exatamente noventa anos depois de meu bisavô ter sido embaixador de Por-tugal no Brasil. Contei isso ao então presidente portu-guês Mário Soares, quando lhe apresentei minhas cre-denciais. Foi muito significativo.

Qual a sensação de ser embaixador no país de origem da família?Quando eu contava para as pessoas em Lisboa que meu bisavô tinha sido embaixador no Brasil, elas se emocio-navam, ao ver o filho de um embaixador voltar a Por-tugal também como embaixador. Para mim era muito significativo, pois estava realizando o sonho do meu pai, que queria ser embaixador brasileiro em Portugal.

Como foi o trabalho em Lisboa?Foi difícil. Fui embaixador durante a crise dos dentis-tas. Os portugueses não aceitavam a concorrência dos profissionais brasileiros radicados em Lisboa. A for-mação deles era de Medicina com especialização em Odontologia. Os brasileiros não eram médicos, eram

Page 10: Portugal - Presença no Brasil

16 17PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

O governo militar brasileiro em-preendeu uma missão para su-plantar os cubanos, que foram ex-pulsos. Ganhou a diplomacia, sem violência. Em 1985, fui com João Sayad para o Ministério do Plane-jamento. Voltei ao Itamaraty em 1987, depois do Plano Cruzado.

Como ministro do governo de Fernando Henrique Cardo-so, destacou-se, entre outras iniciativas, o seu trabalho na ampliação do diálogo com os países de língua portuguesa. É possível estabelecer um ce-nário futuro para as línguas ibéricas?Sim, o português e o espanhol vão sobreviver.

Acredita-se que, dentro de algumas décadas, o francês, italiano, russo, alemão e japonês existi-rão possivelmente como línguas eruditas. E que o português e o espanhol devem sobreviver, ao lado do inglês, o mandarim e o árabe. O senhor concorda com essas previsões?Concordo sim. Acho que as duas línguas ibéricas já ultrapassaram a esfera em que estiveram até o século XX, terão um peso global cada vez maior e crescerão em importância. As línguas tradicionais tendem a perder força no cenário mundial.

Qual sua relação atual com a diplomacia?Eu já me aposentei, saí do governo, mas continuo man-tendo boas relações internacionais. Tenho um bom vín-culo com o pessoal do Itamaraty, com o ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota, bem como com os demais diplomatas de outros países. Faço comentários em programas de televisão, escrevo artigos, tenho meu blog, enfim continuo atento às questões internacionais.

E com Portugal?Portugal é um país extraordinário. Tenho lá minha filha e dois netos. Vou sempre a Lisboa, visito os pa-rentes, participo da vida social e tenho vínculos pro-fissionais no País. Sou membro do conselho da Partex, controlada pela Fundação Calouste Gulbenkian, uma

petrolífera portuguesa que é parceira da Petrobras na ex-ploração do pré-sal. Também faço parte do Conselho da Caixa Geral-Brasil, do conse-lho da Ampla Investimentos e tenho ligações com a Energias de Portugal (EDP).

E com a comunidade por-tuguesa no Brasil?Minha participação na comu-nidade portuguesa do Rio de Janeiro é constante. Relaciono--me muito bem com o cônsul Antonio José Emaus de Almei-da Lima, vou às festividades do dia de Portugal, em 10 de junho, quando também se co-

memora o dia de Luís de Camões, que morreu nessa data em 1580. Só não torço pelo o Vasco. Aliás, meu avô já não torcia pelo Vasco, ele era Fluminense. Eu sou so-fredor, sou torcedor do Botafogo.

Como o senhor vê a atuação da comunidade?A comunidade portuguesa no Brasil já foi mais forte. Com a integração dos imigrantes na sociedade, ela per-deu sua força. A imigração praticamente se fechou e a comunidade envelheceu. É natural.

E as relações entre os dois países?Hoje bem melhor do que quando eu fui embaixador. Tive de lidar com crises difíceis, como já contei. Agora tudo são flores.

Qual a sua mensagem para a comunidade e ao povo português?Portugal passa por um momento difícil, mas o país tem um belo futuro pela frente. Os governistas estão fazendo a coisa certa. O País vai se recuperar e vol-tar a crescer. Minha mensagem é de esperança. Faço um elogio ao povo português, que nas últimas eleições demonstrou confiança no presidente Cavaco Silva, ao eleger como primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. O fato de o povo eleger um candidato que durante a campanha avisou que aplicaria remédios amargos para a economia já mostra a confiança popular em seus governantes.

bustO dO eMbaixadOr JOãO laMpreia

expOstO nO real gabinete pOrtuguês

de leitura dO riO de JaneirO.

enTReVisTA

formados somente em Odontologia. Foi isso que deu margem para que alegassem que os dentistas brasilei-ros não podiam exercer a profissão em Portugal. Além disso, também houve o episódio incômodo da grave cri-se do Governo Collor.

Quando foi a volta ao Brasil?Retornei ao Brasil por oca-sião do impeachment do Collor, e minha volta ao go-verno só se deu quando Fer-nando Henrique Cardoso foi nomeado para o Ministério das Relações Exteriores, car-go que ocupou por oito meses, e o presidente Itamar Franco me nomeou embaixador em Genebra. Foi justamente nesse período que se realizou a Rodada do Uruguai, que deu origem à Organização Mundial do Comércio, a OMC. Com a posse do presidente Fernando Henrique Cardoso, fui nomeado ministro das Relações Exterio-res, cargo que exerci por seis anos.

De onde vem a voca-ção para a diplomacia?É uma tradição fami-liar de séculos. Tan-to por parte de mãe quanto de pai, minha família, desde o final do século XVIII, esteve sempre presente nas políticas militares e na diplomacia. Meu bi-savô, João Lampreia, nasceu em 1865 e foi embaixador de Portu-gal no Brasil de 1900 a

1908. Há uma rua com o seu nome no bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro, que então era a Capital da Re-pública. Também há um busto dele no Real Gabinete Português de Leitura, no centro do Rio. Meu avô, José Lampreia, era um jovem diplomata e servia, ao lado do pai, na embaixada portuguesa. Ambos sofreram um

golpe irreparável na carreira quando, em fevereiro de 1908, foi assassinado o rei de Por-tugal, D. Carlos, no Terreiro do Paço, em Lisboa, junta-mente com o príncipe herdei-ro Luiz Felipe, que foi morto ao tentar proteger o pai com o próprio corpo.

Quando seus antepassados optaram por fixar re-sidência no Brasil? Eles foram surpreendidos com o assassinato do rei D. Carlos e afastados das funções diplomáticas. Em 1910, com a queda da monarquia em Portugal, minha famí-lia buscou refúgio no Brasil. Instalaram-se em Santos, onde meu bisavô passou a atuar como corretor na Bol-sa do Café até 1912, quando voltou para o Rio de Janeiro. O meu avô permaneceu trabalhando em banco e, em 1923, nasceu o meu pai, João Gracie Lampreia.

Quando seu pai ingressou na carreira diplomática?Ele entrou para a carreira diplomática em 1942, um ano depois do meu nascimento. Meu pai serviu em Ge-nebra e Roma. Voltou ao Brasil em 1951 e depois serviu na França, no Chile, na Etiópia e na Dinamarca.

O senhor esteve com ele em todas as missões?Eu o acompanhei até os 15 anos, quando de Paris vol-tei ao Brasil. Fiquei morando com meu avô no Rio de Janeiro. Aqui terminei o colégio, o clássico, e entrei na PUC para cursar sociologia. Em 1962 passei no concur-so para o Rio Branco e entrei na carreira diplomática no final do ano seguinte.

Qual foi sua trajetória no Itamaraty?Meu primeiro posto foi uma missão junto à ONU, em Nova York. Depois fui para Genebra. Voltei ao Brasil em 1971. Fiquei até 1979 com o embaixador Antonio Azeredo da Silveira. Fui com ele para a Embaixada Brasileira em Washington. Depois veio a crise política no Suriname. Os cubanos estavam tentando entrar firme lá.

laMpreia teM uMa

filha e dOis netOs eM

pOrtugal e vai seMpre a

lisbOa para revê-lOs.

"Meu bisavô João Lampreia foi embaixador de Portugal no Brasil de 1900 a 1908"

Page 11: Portugal - Presença no Brasil

18 19PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

lisbOa, aciMa, eM painel de azuleJOs de 1937,

é uMa MetrópOle inspiradOra de negóciOs

e fOi centrO de uM iMpériO que esteve à

frente das relações da eurOpa cOM nações

Milenares, cOMO Índia, china e JapãO,

siMultaneaMente cOM a cOnstruçãO dO

iMensO pOrtugal que é O brasil.

marketshare para 0,8%, basicamente dobraremos as exportações portuguesas para o Brasil”, afirma Soares. O Conselho coordena uma campanha de divulgação desses 205 itens para empresas portuguesas para que entrem em contato com as companhias brasileiras importadoras desses produtos e verifiquem se há condições de exportar. Fazem parte da lista produtos do setor automotivo, produtos químicos e de borra-cha, fios e tintas, entre outros.

neGóCiO

O grande negócio Brasil-Portugal

Aumentar as exportações portuguesas para o Brasil ajudará Portugal enfrentar a crise

por Amarilis Bertachini

O ano de 2011 poderá ser marcado como o de melhor resultado na história recente das relações comerciais entre Portugal e Brasil. Essa é a previsão de empresários

portugueses que atuam no País, com base nos núme-ros do desempenho dos primeiros meses do ano. Até o mês de junho, o valor da corrente de comércio entre os dois países já estava em US$ 1,32 bilhão, o que pro-jeta um volume anual de US$ 2,64 bilhões. Até hoje, o recorde histórico foi de US$ 2,3 bilhões, no ano de 2008, enquanto que em 2010, o comércio luso-brasi-leiro somou US$ 2,08 bilhões.

“Se fizermos uma projeção até o final de 2011, che-garemos a um resultado arredondado de US$ 3 bi-lhões. Mas acredito que podemos até superar esse nú-mero”, declara, otimista, Rômulo Alexandre Soares, presidente do Conselho das Câmaras Portuguesas no Brasil, entidade que reúne as 13 câmaras de comércio luso-brasileiras existentes no País (Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Pa-raná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul).

A retomada no crescimento dos negócios entre os dois países começou em 2010, depois dos números terem sofrido uma redução para quase a metade em 2009, em função da crise financeira internacional.

Portugal foi o primeiro país do continente europeu visitado pela presidente Dilma Rousseff, no início de 2011, quando demonstrou disposição em ajudar eco-nomicamente o país.

“Aumentar as exportações portuguesas para o Bra-sil ajudará Portugal a enfrentar a crise. Esse é nosso principal objetivo”, declara Soares. Para isso, o Con-selho encomendou um estudo à Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) sobre o potencial das exportações de produtos portugueses para o Brasil, e foram identificados 205 produtos com capacidade de aumentar as vendas portuguesas para o mercado brasileiro. São itens que Portugal exporta muito, com competitividade internacional, e o Brasil importa muito, mas vem comprando de outros pa-íses, tanto de parceiros do Mercosul, que oferecem vantagens tarifárias, quanto de países europeus que têm tratamentos tarifários iguais aos de Portugal.

Segundo Soares, esses 205 produtos representa-ram 20,7% das exportações totais portuguesas no bi-ênio 2006/2007 – um valor em torno de US$ 9,8 bi-lhões – e 16,1% das importações brasileiras no biênio 2007/2008, ou um valor de US$ 23,6 bilhões. Desses 205 itens, Portugal vende ao Brasil o equivalente a US$ 93,5 milhões, ou seja, apenas 0,4% do que o País está comprando. “Se conseguirmos aumentar esse

Page 12: Portugal - Presença no Brasil

20 21PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

parque eólicO nO ceará dO grupO pOrtuguês Martifer –

que pretende auMentar a presença nO paÍs pOr causa dO

MOMentO pOsitivO da ecOnOMia.

experiência das primeiras empresas que vieram para o Brasil. “Hoje um dos maiores produtores de cimen-to no Brasil é uma empresa portuguesa, a Cimpol”, ressalta Soares, citando também empresas da área de hotelaria, como os grupos Pestana e Vila Galé.

Na opinião de Soares, o maior investimento em termos simbólicos de uma empresa portuguesa no Brasil é a companhia aérea TAP. “Só para ilustrar, faz dez anos que o Ceará tem ligações diárias com Lisboa. Hoje existem quase 1.000 empresas com participação portuguesa no Ceará, principalmente nas áreas de tu-rismo e energia”, diz.

Exemplo disso é a Martifer Renováveis do Brasil, uma empresa de desenvolvimento de projetos de

energia eólica que começou a atuar no Nordeste, li-gada ao Grupo Martifer de Portugal. “O Brasil fazia e faz parte das regiões de expansão do Grupo Mar-tifer. Hoje, devido ao momento econômico positivo que atravessa o Brasil e pelas difíceis condições em Portugal, o País é um mercado natural de expansão de empresas portuguesas. As relações entre os dois países devem estreitar-se cada vez mais no futuro”, declara o diretor da Martifer, Armando Abreu, que veio para o Brasil há 15 anos, hoje tem dupla nacio-nalidade e mora no País. A empresa tem atualmente 14,2 MW instalados em parques de energia eólica em operação comercial na Região Nordeste e 230 MW em construção, que representam um investimento

neGóCiO

Os principais produtos portugueses vendidos hoje para o Brasil são azeite, bacalhau e outros peixes se-cos, vinhos, alguns minérios, lubrificantes e frutas. O azeite de oliva virgem aparece no topo da lista de itens importados de Portugal. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desen-volvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), de janeiro a junho de 2011, as importações desse pro-duto somaram US$53,5 milhões, equivalente a 14,8% do total. O segundo item da relação são os sulfetos de minérios de cobre, no valor de US$ 28,33 milhões, re-presentando 7,84% do total. O bacalhau seco do tipo Gadus ocupou o terceiro lugar da lista, no valor de cerca de US$ 20 milhões, com participação de 5,55% do total, seguido do bacalhau tipo GadusMorhua e do GadusOgac, que somaram US$19,79 milhões, repre-sentando 5,48% do total importado de Portugal.

“Nós temos que aumen-tar a exportação de outros produtos com valor agrega-do, como máquinas pesadas e peças para veículos. Portu-gal tem um grande parque automotivo. Uma das maio-res fábricas da Volkswagen na Europa está em Palmela, o que mostra que Portugal tem competitividade em insumos para a indústria automotiva e as empresas portuguesas têm capacidade para aumentar as expor-tações nessa área para o Brasil”, conclui Soares.

O Brasil ainda exporta mais para Portugal do que importa e os números até junho de 2011 indicam uma proporção quase de três para um. Durante o primeiro semestre de 2011, o Brasil importou produtos lusita-nos da ordem de US$ 361,16 milhões e vendeu para lá cerca de US$ 967,98 milhões. Na avaliação de Soares, esse resultado aponta também para a possibilidade de mais um registro histórico em 2011, porque o maior ano de exportações brasileiras para terras lusitanas foi 2007, com a comercialização de US$ 1,8 bilhão, valor que pode ser superado em 2011, se a crise econômica que afeta Portugal não vier a alterar essa tendência.

Segundo dados da Secex, no acumulado de janei-ro a junho, os três principais produtos que o Brasil

vendeu para Portugal foram os óleos brutos de petró-leo (US$ 395,33 milhões ou 40,84% do valor total), o açúcar de cana em bruto (US$ 59,18 milhões ou 6,11% do total) e laminados de ferro e aço (US$ 56,46 mi-lhões ou 5,83% do total).

Mas não é só em termos de balança comercial que o relacionamento entre os dois países se destaca. Em verdade, o que mais chama a atenção é o inves-timento externo direto. É expressiva a presença de empresas lusitanas investindo em negócios na anti-ga colônia. Os fatos históricos, a língua portuguesa e a proximidade cultural fazem essa relação tornar-se ainda mais estreita.

Com o processo de privatizações iniciado no Bra-sil na década de 1990, o governo português, alguns bancos e algumas grandes empresas lusitanas inves-tiram pesado no País – como a Energias de Portugal

(EDP), que em 1996 adqui-riu participação na antiga Companhia de Eletricida-de do Estado do Rio de Ja-neiro (Cerj), atual Ampla. “Só para se dar uma idéia de dimensão, Portugal tem hoje no Brasil perto de US$ 13 bilhões em estoque

de investimento externo direto. Cerca de 10% do PIB de Portugal está no Brasil”, afirma Soares.

Segundo dados do Banco Central do Brasil, os in-vestimentos diretos de Portugal no País em 2010 so-maram US$ 1,19 bilhão, valor que representou 2,3% do ingresso total de aplicações estrangeiras no País. No acumulado de janeiro a junho de 2011, Portugal injetou US$ 216 milhões no País, ou 0,7% do total de recursos estrangeiros que entraram em terras brasi-leiras nesse período. A redução, tanto no valor nomi-nal, quanto na participação, reflete o momento difícil que atravessa a economia portuguesa. Mas na avalia-ção dos investidores, tudo indica que se trata de uma retração passageira.

Além dos segmentos que passaram pela privati-zação, como o de energia e telefonia, outros inves-tidores também se interessaram por setores como o de cimento, turismo e hotelaria, levando em conta a

Investimentos diretos de Portugal no País em 2010 somaram US$ 1,19 bilhão

Page 13: Portugal - Presença no Brasil

22 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

Empresários continuarão a usar Portugal como porta de entrada da Europa

rôMulO alexandre sOares, presidente dO cOnselhO

das câMaras pOrtuguesas nO brasil, diz que

é precisO auMentar a expOrtaçãO de OutrOs

prOdutOs cOM valOr agregadO cOMO Máquinas

pesadas e peças para veÍculOs.

de cerca de R$ 720 milhões. Segundo Abreu, a Marti-fer tem outros 700 MW em desenvolvimento e pre-tende participar dos próximos leilões governamen-tais de energia.

Também com investimentos no Nordeste, além de outras regiões do País, está o grupo hoteleiro Vila Galé, o segundo maior do setor em Portugal. Ao lon-go de 11 anos de presença no Brasil, construiu uma rede de seis hotéis, o primeiro inaugurado em 2001, em Fortaleza. Depois vieram as duas unidades na Bahia, nas cidades de Salvador e Guarajuba, os empreendimentos de Angra (RJ) e do Cabo (PE), e em 2011 o hotel de Cumbuco (CE), que consolidou a rede como uma das maiores operadoras de resorts no Brasil.

Os investimentos do grupo no País já somam cer-ca de R$ 300 milhões. O Brasil é o único país fora de Portugal onde o Vila Galé opera e tem atualmente

um peso de 40% no volume total de negócios do gru-po. Somando os resorts brasileiros às 17 unidades em território português, o grupo administra 11.918 leitos, dos quais 4.560 estão no Brasil.

“Entre os diversos fatores responsáveis pela entra-da do grupo Vila Galé no Brasil destaco a simpatia e o acolhimento do povo brasileiro, o clima e a bele-

za natural, o potencial de crescimento econômico e, enfim, a língua portugue-sa”, declara Jorge Rebelo de Almeida, presidente do Conselho de Administra-ção da rede Vila Galé.

Almeida acredita que a aproximação que já se verificou entre os dois países deverá se estreitar nos próximos anos e que os empresários portugueses enxergarão o Brasil “como um vasto e diversificado mercado, onde existem diversas oportunidades de investimento e, complementarmente, também como plataforma de acesso aos países que compõem o Mer-cosul”. Do lado do Brasil, ele acredita que os empre-sários continuarão a usar Portugal como porta de entrada para o mercado europeu, intensificando os investimentos realizados nos últimos anos.

Mas, se em termos de investimento externo direto os resultados entre os dois países são extremamen-te favoráveis a Portugal, o número de investimentos brasileiros no mercado português ainda é considera-do pequeno.

De acordo com os dados do Banco Central do Bra-sil, os investimentos brasileiros diretos em Portugal em 2010 somaram US$ 959 milhões e representaram 3,3% do total de investimentos brasileiros diretos em países estrangeiros. De janeiro a junho de 2011, os in-vestimentos totalizaram US$ 62 milhões, o que repre-senta 0,7% dos investimentos brasileiros diretos no exterior. Esse montante mostra também uma acen-tuada queda em relação ao resultado de igual período do ano anterior, quando o Brasil investiu em Portugal US$ 286 milhões no primeiro semestre.

neGóCiO

Page 14: Portugal - Presença no Brasil

24 25PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

Paulo. São 12.764, ou cerca de 20% do total existente no País inteiro, que garantem aos paulistas um consumo médio individual de 42 kg de pão por ano. É uma quan-tidade muito maior do que a média consumida no Bra-sil, que gira em torno de 33,5 kg. Mas ainda é pouco, diante do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 60 kg por pessoa por ano.

O que hoje se pode re-presentar com números elo-qüentes, é uma longa histó-ria construída por gerações de portugueses que desem-barcaram nas costas brasileiras com o coração cheio de sonhos e as mãos vazias. Foi só nas primeiras décadas do século XX que a comunidade lusitana conseguiu controlar a fabricação e o comércio de pães, sobretu-do no Rio de Janeiro e em São Paulo. Há pelo menos duas razões para isso. A primeira, de acordo com o jor-nalista e professor universitário José Sacchetta Ramos Mendes, autor da tese de doutorado Laços de Sangue:

Privilégios e Intolerância à Imigração Portuguesa no Brasil (1822-1945), defendida em 2007, foi uma ca-rência de produção de pães para alimentar as sucessivas levas de imigrantes europeus. Os portugueses ainda te-riam a tradição de fabricar o produto de forma artesa-nal e conseguiram tirar proveito da situação.

De acordo com Men-des, os lusitanos se impu-seram no setor e, nos anos 1930, já dominavam toda a cadeia da panificação. Eles eram a maioria entre os forneiros e masseiros, que

faziam o pão, e entre os carroceiros, que o entrega-vam. Era comum nas padarias da época existir um quarto nos fundos para abrigar os novos imigrantes portugueses que chegavam ao país. Eram na maior parte rapazes solteiros, vindos de zonas rurais de Portugal, principalmente do Norte do País. Aqui, trabalhavam para o compatriota que lhes dava abri-go, até conseguirem abrir seu próprio negócio.

Portugueses se impuseram como padeiros nos anos 1930 e dominaram o mercado

padeirOs pOrtugueses vieraM cOM O entãO prÍncipe regente d. JOãO vi, que aparece de braçO dadO à sua Mãe, a rainha dOna Maria i, na chegada a

salvadOr, bahia, nO dia 22 de JaneirO de 1808. só a 26 de fevereirO a faMÍlia real seguiria para O riO de JaneirO, Onde deseMbarcaria eM 7 de MarçO.

d. JOãO vi seria cOrOadO rei de pOrtugal eM 1818, nO riO de JaneirO. O painel à OleO, aciMa, pintadO eM 1952 pOr candidO pOrtinari, faz parte hOJe dO

acervO dO bbM investiMentOs – antigO bancO da bahia.

Chega a Corte e o pão nosso de cada dia

Os primeiros padeiros portugueses desembarcaram no Brasil na comitiva de D. João VI

por Evanildo da Silveira

neGóCiO

Para os milhões de brasileiros que diariamen-te compram pão fresco ou desfrutam de uma média bem quente, não há nada mais natural do que ter uma padaria na esquina. Mas esse

estabelecimento, tão simpático e familiar, que fabrica e vende os pães e doces diretamente aos consumidores, praticamente só existe no Brasil. É uma “invenção” dos imigrantes portugueses, que tem início com a vinda da Corte de Portugal, em 1808. Foi nessa ocasião que chegou às terras brasileiras a farinha de trigo. Até en-tão, a população local con-tava apenas com farinha de mandioca e biju.

Foi na comitiva de D. João VI que desembarca-ram os primeiros padeiros portugueses, sem saber que dariam origem a uma tradição que se mantém até o século XXI. Atrás do balcão ou no caixa de gran-de parte das 63 mil padarias que existem no Brasil, até hoje encontram-se muitos portugueses ou luso-des-cendentes. Só no Estado de São Paulo, 65% das pada-rias são propriedade de compatriotas de Camões ou de descendentes deles.

Esse contingente de filhos de Portugal soube criar, desenvolver e estabelecer um ramo de atividade que ganhou importância no cenário econômico nacional. “Nosso segmento é forte, moderno, com faturamento anual de R$ 56,3 bilhões, o que representa cerca de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro”, diz o presidente do Sindicato das Indústrias e da Associa-ção dos Industriais de Panificação e Confeitaria de São Paulo (Sindipan/Aipan-SP), Antero José Pereira. “Do

total das padarias, 96,3%, ou mais de 60 mil, são mi-cro e pequenas empresas, que atendem, em média, a 40 milhões de clientes por dia em todo o Brasil, 21,5% da população nacional. Em conjunto, elas geram 800 mil empregos diretos e 1,5 milhão de indiretos.”

Entre 2006 e 2010, o flu-xo de clientes foi 2,8% maior, o que gerou um cresci-mento econômico de 13,7%, ampliando o contingente de funcionários em 3,4%. Como em vários outros seto-res econômicos, a Região Sudeste também se destaca no ramo. É nela que se concentra o maior número des-ses estabelecimentos, especialmente no Estado de São

participaçãO das padarias nO pib brasileirO eM 2010

r$ 3,6 trilhões

1,5% (r$ 56,3 bilhões)

Page 15: Portugal - Presença no Brasil

26 27PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

anterO JOsé pereira é presidente dO sindicatO das indÚstrias e da assOciaçãO

dOs industriais de panificaçãO e cOnfeitaria de sãO paulO (sindipan/aipan-sp)

e Já viu padaria eM xangai cOMO as paulistanas.

vinham para cá e viravam dono de padaria. Duran-te o regime salazarista, ele resolveu deixar Portugal. Ficou em dúvida entre vir para o Brasil, que também vivia uma ditadura, ou ir para Angola, que estava em guerra. Optou por São Paulo. Durante anos trabalhou muito até conseguir montar seu próprio negócio. Hoje é dono da Padaria Aracaju, em Higienópolis, outro bairro nobre da capital paulista. É seu terceiro estabelecimento, que comprou já com esse nome, em homenagem à rua onde se localiza.

Seu forte, no entanto, são os produtos portugue-ses. Pastéis de Belém e de Santo Antônio, travessa de Sintra, broinha simples e com ovos, rabanada, touci-nho do céu e caraça são os doces mais pedidos entre os que se destacam em sua prateleira. Todos fabrica-dos ali mesmo. Pinho é quem vai a Portugal uma vez por ano e traz as receitas que passa verbalmente para os confeiteiros. “Quando alguém falta ao trabalho, eu mesmo largo o caixa e vou para o fogão preparar grande parte dessas delícias todas”, diz. Muitas vezes ele não gosta dos ingredientes das receitas originais, então improvisa e troca por outros, que considera mais “suaves”. Um de seus pães tem a for-ma de tronco de árvore, uma invenção sua, cuja receita não passa a ninguém. Ins-pirou-se em algo parecido que viu em Portugal, mas acabou por inventar um pão diferente.

A publicitária Ana Maria Gomes um dia se quei-xou ao pai de que estava “cansada” do departamento de mídia das agências, onde o trabalho rotineiro não mais a entusiasmava. Miguel Gonçalves Gomes, por-tuguês hoje com 78 anos, a convidou a dirigir em seu lugar a padaria Barcelona. Fundada em 1976, com só-cios Benjamim Abrahão, brasileiro nascido em Fran-ca, interior de São Paulo, descendente de libaneses, e o espanhol Vicente Safoni, a casa tem ilustres freqüen-tadores, como o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que mora na vizinhança.

Aos sábados e domingos o pão português que vem em gôndolas (parecidas com as que navegam pelos canais de Veneza) – uma ideia de Ana Maria – é um

item obrigatório no balcão da Barcelona, sempre bas-tante movimentada. Pastéis de nata e de Santa Clara e as trouxinhas de Coimbra, feitas com amêndoas,

são também uma atração da casa. “Nossa casa é exclusi-vamente padaria, não um supermercado ou uma loja de produtos variados, como têm se transformado mui-tas por aí”, orgulha-se a pro-prietária.

Galeria dos Pães, Aracaju e Barcelona são padarias com diferenças entre si, mas que obedecem ao mode-lo comum no Brasil: produzem e vendem seus pães e doces diretamente para o consumidor. Esse tipo de estabelecimento não existe em outros países. No ex-terior, os empresários da panificação fazem o pão em um centro de fabricação e revendem em diversas loji-nhas, o que torna a padaria brasileira completamente diferente das demais. Porém, lentamente a fórmu-la de sucesso está fazendo o caminho de volta para Portugal. “Estamos começando a ser imitados pelos portugueses que retornaram depois de viver 20 ou 30 anos por aqui”, diz. E como não poderia deixar de ser, o espírito navegador lusitano já carregou a receita para outros mares, como comprova a surpreendente declaração de Antero José Pereira: “Eu também já vi uma clássica padaria em Xangai, na China.”

Publicitária assume a direção de tradicional padaria de São Paulo

Pereira, do Sindipan, confirma a informação. Ele relata que na época havia uma legislação que refor-çava essa situação. “Para poder vir para cá, o portu-guês tinha de ter uma carta de chamada”, explica. “E normalmente quem fornecia esse documento eram os empresários portugueses que já estavam aqui. Então, muitos imigrantes vinham para a padaria e ali ficavam trabalhando de empregado durante al-guns anos, até conseguirem adquirir ou abrir seu próprio estabelecimento.”

É também fruto da persis-tência e criatividade lusitanas um produto curioso que fre-qüenta a mesa de praticamen-te todos os brasileiros: o pão de francês. A rigor, o “nosso” pão francês não tem quase nenhu-ma semelhança com a famosa baguete francesa. Nem o for-mato, nem a textura, nem o sabor. Conta a história que até as primeiras décadas do século XX, o pão fabricado no Brasil era escuro porque a farinha de trigo importada era de baixa qualidade. Os brasileiros que viajavam ao exterior, especial-mente aqueles que visitavam a França, voltavam falando maravilhas do pão francês, que tinha o miolo branco e a cas-ca dourada. Essa demanda fez com que os padeiros do Brasil procurassem produzir um pão com essas características e, ao primeiro que fizeram, deram o nome de “pão francês”. Mesmo sendo muito di-ferente dos pães da famosa boulangerie francesa, o nome pegou e, até hoje, o pão de sal, com cerca de 50 gramas é chamado de pão francês em vários Estados brasileiros – principalmente em São Paulo. E ainda é fabricado diariamente em todas as panificadoras, de norte a sul do Brasil.

Embora ainda haja os tradicionais portugueses donos de padarias, hoje as coisas mudaram um pou-co. Há novos proprietários que, apesar da mesma ori-gem, têm perfis diferentes. Mais uma vez quem dá a explicação é o presidente do Sindipan. “A geração dos nossos filhos se formou em universidades e, com o suporte financeiro dos pais, conseguiu abrir negó-cios diferentes”, diz. Um exemplo que se enquadra

na definição é Milton Guedes de Oliveira, filho de português de Barqueiro, próximo ao Dou-ro, no Norte de Portugal. Junto com um irmão, morto há três anos, e um sobrinho, todos com diploma universitário, re-solveu, há 12 anos, criar a Gale-ria dos Pães, uma das primeiras “megapadarias” de São Paulo.

A empreitada deu certo. A casa, localizada no Jardim Pau-lista, bairro nobre da Zona Sul de São Paulo, tem 400 empre-gados, funciona 24 horas por dia e, embora os proprietários não revelem, há informações de que recebe cerca de oito mil clientes e vende 30 mil pães por dia. “Vem gente de longe sabo-rear nossos pães e doces portu-gueses que, embora sejam em variedade pequena, produzi-mos em grande quantidade”, orgulha-se Oliveira. “Mas nos-so forte é a qualidade.” Além dos pães comuns e do portu-guês, a padaria faz apenas dois doces típicos de Portugal, os

pastéis de Santa Clara e de Belém. A casa tem outros atrativos, no entanto. Além da padaria, ali funciona uma lanchonete, a seção de frios, a confeitaria, adega e mezanino com sopas e buffet de pratos variados.

A história do português de Aveiro Alberto Caetano de Pinho, que chegou ao Brasil em 1967, aos 15 anos, é um pouco diferente. É típica dos portugueses que

neGóCiO

rosas de santa isabel

O perfil, a cultura, e a fé que anima

os milhares de portugueses que

amanhecem atrás dos balcões das

padarias podem ser percebidos

pela data que escolheram

para representá-los. O Dia do

Panificador é comemorado, no

Brasil, em 8 de julho, dia de santa

isabel – rainha de Portugal, no

século Xiii, esposa do rei D. Dinis i.

Diz a lenda que D. isabel era

muito caridosa e tinha o hábito

de distribuir pães aos pobres,

mas o marido não aprovava o

comportamento. Certo dia, foi

surpreendida por D. Dinis e ocultou

os pães em seu regaço. “O que

tendes escondido?”, perguntou

o rei. ela implorou ajuda divina e

respondeu: “são rosas.” D. Dinis

pediu para vê-las. A rainha, então,

abriu os braços e, para espanto

geral, caíram, de fato, rosas.

Page 16: Portugal - Presença no Brasil

28 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

abÍliO diniz é presidente dO

cOnselhO de adMinistraçãO dO

grupO pãO de açÚcar.

abílio dinizGarra de vencedores de pai para filhopor Luiz Voltolini

enTReVisTA

Abílio dos santos Diniz,

presidente do Conselho de

Administração do Pão de

Açúcar, dedicou a carreira à empresa

fundada pelo pai. Responder pelo

comando do maior grupo varejista da

América do sul já é, por si só, tarefa

pesada, mas a liderança de Diniz

se destaca dentro e fora do Pão de

Açúcar. Foi um dos fundadores da

Associação Paulista e da Associação

Brasileira de supermercados. Desde

1999 é membro do Conselho de

Administração do grupo francês

Casino. Também faz parte do

Conselho Monetário nacional

Brasileiro, e da Câmara de Políticas

de Gestão, Desempenho e

Competitividade, instância criada

pela presidente Dilma Roussef

para auxiliá-la na elaboração de

políticas de desenvolvimento social e

equilíbrio fiscal, mais conhecida como

Conselhão do Governo Federal.

Qual a ligação do Grupo Pão de Açúcar com Portugal?Temos grande respeito e consideração pela comunida-de portuguesa e pela profunda influência e importân-cia de Portugal na história do nosso País. No entanto, atualmente toda operação e atuação do Grupo Pão Açúcar se concentra exclusivamente no Brasil.

Mas o Pão de Açúcar já teve lojas em terras por-tuguesas... Sim. Chegamos a ter cerca de 50 lojas, entre super e hipermercados, centros comerciais e atacado em Por-tugal. Porém, em meados dos anos 1990, quando co-locamos em prática um complexo programa de recu-peração do Grupo Pão de Açúcar, deixamos de operar no exterior. Naquele momento, tínhamos como foco o Brasil e a retomada da lucratividade e excelência das operações que dariam condições de abrirmos o capital da companhia, em 1995, em São Paulo (Bovespa) e dois anos depois, em Nova York.  

Como foi a experiência em Portugal?Começou em 1969, quando meu pai participou da Missão Econômica Brasileira à África e Portugal, e foi convida-do pelo governo português para abrir um supermerca-do. Tudo foi muito rápido. Em 1º de maio do ano seguin-te já estava sendo inaugurada a primeira loja brasileira de varejo no exterior: um Pão de Açúcar em Alvalade, em Lisboa. Em paralelo, negociamos com a Companhia União Fabril (CUF), o maior grupo empresarial portu-guês na época, ao qual nos associamos naquele mesmo mês, triplicando nosso capital, garantindo o controle acionário e administrativo da companhia e formando a Companhia Portuguesa de Supermercados (Supa).

Page 17: Portugal - Presença no Brasil

30 31

o guerreiro valentim

Valentim dos santos Diniz (1913-2008) nasceu em Pomares do

Jarmelo, uma aldeia da Beira Alta, em Portugal. emigrou em 1929

para o Brasil e começou a trabalhar no armazém Real Barateiro. em

pouco tempo tornou-se sócio do estabelecimento, que transformou

em uma das maiores padarias da cidade. Mas foi em 1948 que

Valentim deu o passo que marcou a historia do varejo no Brasil:

abriu uma doçaria, à qual deu o nome de Pão de Açúcar.

Apesar de ter feito fortuna e realizado seus sonhos em terras

brasileiras, Valentim jamais deixou de considerar-se um português.

“nunca me naturalizei. sou o único português numa casa de esposa

e filhos brasileiros. sou presidente de uma firma feita com capital

ganho no Brasil. se luso-brasileiro quer dizer alguma coisa, eu sou

isso”, costumava dizer.

"Temos grande respeito e consideração pela comunidade portuguesa"

Qual é a presença do Grupo hoje no Brasil?Sempre trabalhei pelo crescimento do Grupo Pão de Açúcar buscando fazer o que fosse melhor para a companhia, para as pessoas que aqui trabalham, nossos acionistas e clientes. Te-mos o melhor em produtos e serviços alinhados à realidade e necessidades dos brasileiros. Graças às recentes aquisições e fusões o Pão de Açúcar é o maior grupo de varejo da América do Sul e referência mundial em sua área. Hoje são mais de 1.800 unidades, entre super e hipermercados, lojas espe-cializadas em eletroeletrônicos, cash&carry (atacado), postos de combustíveis e  drogarias. Estamos fisicamente instalados em 19 Estados e no Distrito Federal, e atende-mos em todo o país por meio das vendas pela internet. Te-nho orgulho de dizer que o Grupo é o maior empregador privado do País, com cerca de 160 mil colaboradores.

Qual foi o faturamento em 2010?No ano passado o faturamento do Grupo foi de R$ 44 bilhões (considerando a receita dos dois meses de Casas Bahia, novembro e dezembro de 2010). No primeiro se-mestre de 2011, o Grupo registrou vendas totais de cerca de R$ 25 bilhões, com lucro líquido de R$ 238,8 milhões.

Quais são as previsões de investimentos do Gru-po para 2012?Vamos investir ao redor de R$ 1 bilhão, sendo R$ 800

milhões no segmento alimen-tar e R$ 150 milhões na área não alimentar, que inclui a Globex – Ponto Frio e a Casas Bahia. Estamos sempre aten-tos às novas oportunidades que possam impulsionar os negócios do Grupo e que se-

jam benéficas aos acionistas, colaboradores, clientes e toda sociedade.

O que espera para os próximos anos? O Pão de Açúcar sempre teve um olhar atento para o consumidor, cuidando para que todo o contato que ele tenha com nossas marcas se traduza em boas ex-periências, alimentando uma longa relação de fide-lidade. Essa visão faz com que o cliente sempre volte às nossas lojas. No ano passado, registramos cerca de 600 milhões de tíquetes em nossas lojas, o que re-presenta mais de 1,6 milhões de clientes atendidos por dia. Com sólida estrutura de capital e de gestão, continuaremos crescendo, gerando empregos e con-tribuindo com o Brasil.

enTReVisTA

LeGenDA

abÍliO diniz e O

seu pai valentiM

– iMigrante

pOrtuguês da

beira alta, chegOu

aO brasil eM 1929

e cOMeçOu a

trabalhar nO

real barateirO.

Com o apoio dessa estrutura, conseguimos nos expandir rapidamente: em apenas dois anos já contávamos com treze lojas no país. Foi um período atribulado. Atraves-samos a Revolução dos Cravos, em 1974, e passamos pela perda e recuperação do controle da Supa. Mesmo assim, em 1983, treze anos após nossa chegada, já estávamos operando 50 lojas em Portugal.

Qual foi a relação de seu pai, Valentim dos Santos Diniz, com a comunidade portuguesa no Brasil?Meu pai sempre manteve uma relação muito ativa com a comunidade e com Portugal. É comum que de-pois de muitos anos longe o imigrante acabe perdendo os laços com a terra natal. Isso não aconteceu com meu pai. Ele sempre se dizia o único português numa casa de esposa e filhos brasileiros. Orgulhava-se de ter uma empresa com capital ganho no Brasil e na qual tudo e todos são brasileiros.

Foi esse sentimento que o levou à presidência da Câmara Portuguesa de São Paulo?Ele aceitou o desafio de dinamizar a Câmara Portugue-sa de Comércio de São Paulo e assumiu a presidência da instituição em 1968, o mesmo ano em que se tornou duas vezes comendador, graças a um trabalho que fa-zia discretamente sempre procurando mantê-lo oculto: as obras beneméritas. Um título foi-lhe outorgado pela

Santa Sé, o grau de cavaleiro da Real Ordem Militar de Malta; o outro, a Ordem do Mérito Infante D. Henrique, ele recebeu do governo de Portugal.

Quando começou o vínculo de seu pai com o Brasil?Começou em 1929, quando deixou Portugal com destino ao Brasil, tendo como objetivo construir algo novo, gran-de, que pudesse fazer a diferença na vida das pessoas.

Como foram os primeiros anos dele aqui?Meu pai nasceu em Pomares do Jarmelo, subdistrito da Guarda, no interior de Portugal. Ao partir, com 16 anos, já tinha como objetivo construir seu próprio negócio. Quando chegou ao Brasil foi trabalhar como caixeiro em armazém. Em 1936, casou-se com minha mãe, Floripes Pires e comprou uma pequena mercearia. Em 1937 meu pai ficou sócio do Real Barateiro, que transformou na Padaria Nice, uma das maiores da Cidade de São Paulo, e depois, em 1941 tornou-se o único proprietário.

Esse foi o começo do Pão de Açúcar?De certo modo, sim. Porém, como nome surgiu em 1948, no dia das comemorações da Independência do Brasil, quando meu pai abriu uma doçaria à qual chamou de Pão de Açúcar, em homenagem ao monumento natural do Rio de Janeiro, que foi a imagem que mais o impres-sionou ao chegar ao Brasil.

Page 18: Portugal - Presença no Brasil
Page 19: Portugal - Presença no Brasil

34 35PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

real gabinete pOrtuguês de leitura

dO riO de JaneirO, teMplO de

luÍs de caMões.

O esplendor de Portugalpor Luis S. Krausz *

CULTURA

Page 20: Portugal - Presença no Brasil

36 37PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

luÍs de caMões, O pOeta MaiOr

da lÍngua pOrtuguesa, e O

infante d. henrique, criadOr

da escOla de sagres, apareceM

aO altO da pOrta principal dO

real gabinete pOrtuguês de

leitura dO riO de JaneirO.

ção, antigos refugiados do miguelismo em Portugal, membros da elite sócio-cultural que se sentiam no dever de preservar, na América, a cultura lusitana que fora fortemente ameaçada no desastrado reinado de D. Miguel – irmão de nosso D. Pedro I.

Monumento às letras portuguesas, o Real Gabi-nete, no centro da antiga capital do Brasil, próximo à Praça Tiradentes e ao Largo de São Francisco, é um majestoso edifício em estilo manuelino – o mesmo gótico tardio português do célebre Mosteiro dos Je-rónimos em Lisboa – e um monumento às tradições de uma nação de grandes navegadores. São seus co--padroeiros Luís de Camões e o Infante D. Henrique (1394-1460). Sua sede foi inaugurada em 1887, cinco décadas depois da fundação, na presença do Conde D’Eu e da Princesa Isabel, e saudada por Joaquim Na-

buco como o mais belo edifício do Rio de Janeiro em seu tempo.

Dentre os que discursaram na ocasião, além do próprio Joaquim Nabuco, estava o escritor Ramalho Ortigão, que declarou: “Se um dia Portugal houver de desaparecer da carta política da Europa, esta casa será ainda como a expressão monumental do cum-primento da profecia: não se acabe a língua nem o nome português da terra.”

O prédio chama a atenção dos passantes por con-trastar com a arquitetura de estilo colonial e imperial que predomina nessa região do Centro do Rio de Ja-neiro, em edificações como o Convento de Santo An-tônio, e são muitos que entram movidos pela curiosi-dade, sem saber que é uma das mais belas bibliotecas do planeta. Encontram-se, ali, igualmente, as mais

importantes coleções Camonianas e Camilianas fora de Portugal, assim como os manuscritos de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, e do Dicio-nário da Língua Tupy, de Gonçalves Dias. Também manuscritos originais de Machado de Assis e pintu-ras a óleo de Malhoa, Carlos Reis e Henrique Medina, além de uma importante coleção de numismática e documentos europeus, assinados por reis e papas, bem como obras de arte como o busto do ex-embaixador português no Brasil João Lampreia, bisavô do ex-mi-nistro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia.

CULTURA

Com um acervo de cerca de 400 mil livros, dentre os quais estão preciosidades como a primeira edição de Os Lusíadas, o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de

Janeiro possui hoje a maior biblioteca portuguesa fora de Portugal e também as mais importantes cole-ções de Luís de Camões.

Sua história confunde-se com a dos imigrantes portugueses que, depois da independência do Brasil, aqui se instalaram e que, ao contrário de grupos de outros países, encontraram um mundo em muitos aspectos semelhante ao seu.

Os demais imigrantes lutaram para preservar no Brasil suas culturas singulares, as línguas e cos-tumes. Japoneses e italianos, poloneses e alemães, holandeses, suíços e outros criaram suas instituições culturais e religiosas, seus clubes, bairros e colônias agrícolas para preservar a identidade e manter ata-dos os laços com as terras e com o espírito de origem dos ancestrais.

Com os portugueses a história foi diferente, até porque as histórias de Portugal e do Brasil, antes do século XIX, coincidem em quase todos os aspectos. Sua civilização tornou-se, aqui como na maior par-te dos antigos territórios de além-mar, o ingrediente dominante em culturas sincréticas. A língua portu-guesa, no Brasil, na África, na Índia, revestiu-se de novos contornos sonoros, incluiu, em seu acervo, vo-cábulos das civilizações que com ela se encontraram e conviveram nas novas terras e, com o passar dos séculos, adquiriu feições locais, variantes caracterís-ticas de sintaxe, de pronúncia e de grafia.

Ainda assim, nas terras de língua portuguesa, os recém-chegados da metrópole, invariavelmente, e por séculos a fio, encontraram ambientes culturais pouco diversos dos de suas terras de origem, e sempre facil-mente acessíveis. É tal facilidade que levou os luso--descendentes, nascidos em todas as partes do mundo português ultramarino, a se assimilarem rapidamen-te, em seus modos de falar e escrever, aos ambientes das terras novas, esquecendo-se das tradições dos pais e avós que, por tão próximas às dos muitos Portugais espalhados pela beira dos mares, muitas vezes não lhes pareciam configurar um mundo à parte.

Os portugueses – e, sobretudo, os filhos e netos – sentiam muito menos do que outros grupos a neces-sidade de neles recriar uma atmosfera de origem. As cidades no além-mar não guardavam, com as terras de nascença, diferenças suficientemente substanciais.

As levas numerosas, constantes e sucessivas de emigrantes portugueses que aqui aportaram fizeram com que a proximidade com Portugal fosse sempre renovada e parecesse óbvia e natural. O contato com os nascidos em Portugal sempre fez parte do cotidia-no de muitas cidades brasileiras – especialmente do Rio de Janeiro, desde a vinda de D. João VI um dos destinos privilegiados pelos que desejavam estabele-cer-se do outro lado do Atlântico.

O universo de civilização encontrado nessa cidade foi-lhes a tal ponto acolhedor e congenial que o pa-

triotismo trazido da Europa rapidamente adaptou-se, depois de 1822, ao novo país – onde os portugueses jamais sentiram-se ou foram considerados estran-geiros. Por isso, um grupo de portugueses radicados no Rio de Janeiro fundou, em 1837, o Real Gabinete Português de Leitura, a primeira instituição lusitana criada por imigrantes do País. Para lembrar às gera-ções futuras, especialmente depois de nossa Inde-pendência, a verdadeira origem da Língua e recordar que o centro de gravidade do Idioma encontra-se às margens do Tejo. Seus idealizadores eram, sem exce-

Page 21: Portugal - Presença no Brasil

38 39PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

A Lusíada baiana

GABineTe PORTUGUês De sALVADOR

gabinete pOrtuguês de leitura, de

salvadOr, teM fachada e salões eM

estilO ManuelinO, que abel travassOs,

diretOr de patriMôniO, preserva cOM

grande carinhO.

Manuelino, como o real gabinete português de leitura,

do rio de Janeiro, que exalta o estilo dos Jerónimos,

em lisboa, monumento ao reinado de d. Manuel i, o

venturoso, descobridor das Índias e do brasil, o baiano gabinete

português de leitura domina uma das praças centrais de salvador,

o antigo largo da piedade, na extensa avenida sete de setembro,

que liga o largo da vitória à praça castro alves. uma relíquia

lusíada numa das metrópoles brasileiras com maior acervo

arquitetônico colonial português. fundado em 1863, o gabinete de

salvador teve a atual sede inaugurada em 1918 – 31 anos depois

do inspirador carioca. “é uma pena que os portugueses e lusos

descendentes da bahia quase nunca vêm nos visitar” – lamenta

o arquiteto abel travassos, um português de 66 anos, natural da

beira litoral, região de coimbra, diretor de patrimônio do gabinete

soteropolitano. travassos emigrou adolescente, com os pais, e

desde os 19 anos é dirigente da biblioteca portuguesa baiana

– que possui cerca de 15 mil volumes. Os turistas estrangeiros,

porém, cada vez mais visitam o templo baiano de camões.

Fundado por iniciativa dos portugueses do Rio de Janeiro, o Real Gabinete vem sendo man-tido, desde então, pelos seus só-cios e por doações da iniciativa privada. Até recentemente era administrado e mantido exclu-sivamente por membros das ge-rações sucessivas de imigrantes portugueses que chegavam à ci-dade e lá progrediam, evoluíam e passavam a se interessar pelas artes e pela literatura.

Com o fim da imigração na década de 1960, entretanto, essa situação se tornou inviá-vel pois, como diz António Go-mes da Costa, presidente há 20 anos, não existe, no Brasil, um público ou uma comunidade de luso-descendentes. “Os filhos de portugueses nascidos no Brasil são brasileiros e os portugueses do Rio de Janeiro es-tão desaparecendo” – constata Gomes da Costa.

Essa realidade fez com que ele introduzisse uma mudança nos estatutos da instituição que, até o iní-cio de sua gestão, somente podia ser administrada por portugueses. “Hoje pelo menos metade do corpo de associados de todas as instituições da comunidade portuguesa são brasileiros”, afirma Gomes da Costa. “Depois da mudança de estatuto temos hoje oito di-retores portugueses e quatro brasileiros. Felizmente há brasileiros interessados na passagem de nosso tes-temunho às gerações futuras”.

Em sua gestão, Gomes da Costa empenhou-se principalmente na modernização do Real Gabine-te. A biblioteca foi informatizada e hoje os leitores podem facilmente encontrar, usando o computador, qualquer obra a partir do título, nome do autor ou assunto. Ele é também responsável pela implanta-ção – que contou com o apoio da Fundação Calous-te Gulbenkian, de Lisboa, e do Banco Itaú, no Brasil

– de um centro multimídia anexo ao Real Gabinete, onde CD-Roms, vídeos e páginas da internet estão à disposição dos interessados. “O objetivo do Real Gabinete é ser um pólo de difusão da cultura portuguesa”, explica o pre-sidente Gomes da Costa, “e os novos meios eletrônicos, cada vez mais importantes, não poderiam deixar de estar presentes, da mesma forma que os livros”.

Para preservar o gigan-tesco acervo, o Real Gabinete dispõe de um departamento de restauração de livros, insta-lado numa sala anexa ao salão de leitura, onde uma equipe especialmente treinada subs-titui capas danificadas, restau-

ra páginas gastas e refaz encadernações deterioradas. Garantem o funcionamento do Real Gabinete alguns imóveis alugados, além das contribuições mensais dos sócios no valor de apenas R$ 40 – e de contribui-ções esporádicas da iniciativa privada.

Todos os dias de 150 a 200 pessoas passam por suas austeras mesas de leitura. São, sobretudo, estudantes de letras e de ciências humanas, que também fre-qüentam os cursos sobre língua, história e literatura portuguesa – ministrados, em geral, por professores universitários brasileiros. O Real Gabinete edita a re-vista Convergência Lusíada e, por ser depositário legal, oficialmente reconhecido pelo Estado portu-guês, o Real Gabinete recebe, ainda hoje, um exem-plar de cada livro publicado em Portugal.

* Filho e neto de alemães judeus, refugiados em São Paulo, no início das perseguições nazistas em Berlim, Luis S. Krausz é professor de literatura hebraica e judaica na USP e publicou, em 2011, o roman-ce Desterro, trama ambientada no universo da comunidade dos judeus azkenazi paulistanos.

CULTURA

aO centrO, nO real gabinete pOrtuguês

de leitura dO riO de JaneirO,

clarabóia Original da bibliOteca

e sala de leituras.

Page 22: Portugal - Presença no Brasil

40 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

Perto dos olhos e do coração

ReAL GABineTe PORTUGUês De ReCiFe

O real gabinete pOrtuguês de leitura

de recife, cuJa atual sede, desde a

sua inauguraçãO, eM 1921, na rua dO

iMperadOr d. pedrO ii, transfOrMOu-se

eM referência na capital pernaMbucana

cOM seus 80 Mil livrOs. berço da restauração portuguesa em 1645, depois que os

ocupantes holandeses do nordeste foram derrotados

nos guararapes, muito se orgulha o recife, metrópole

dos palácios, jardins e pontes de Maurício de nassau, do seu

imponente real gabinete português de leitura – fundado

em 1855. cidade com uma presença marcante de imigrantes

portugueses – só comparáveis ao rio de Janeiro, são paulo,

santos e belém –, o real gabinete, à rua do imperador d. pedro ii,

centro da capital pernambucana, possui valioso acervo, com

cerca de 80 mil livros. é bastante freqüentado, não só pela

numerosa comunidade luso-brasileira, mas também por alunos

de diferentes idades das escolas e universidades. no real

gabinete foi fundado o prestigioso real hospital português e,

mais tarde, o tradicionalíssimo clube português. também na

gastronomia destaca-se a lusitanidade em recife, onde funciona

o mais antigo restaurante do país, leite, templo da culinária

portuguesa, fundado em 1882, propriedade de várias gerações

de imigrantes beirões e minhotos. O real gabinete de recife é o

único que não foi edificado em estilo manuelino.

Page 23: Portugal - Presença no Brasil

42 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

Além da Vila Belmiro

ReAL CenTRO CULTURAL PORTUGUês De sAnTOs

inauguradO cOM O séculO passadO,

O real centrO cultural pOrtuguês

de santOs é cartãO-pOstal, desde

entãO, da cidade – faMOsa eM

tOdO O MundO pela vila belMirO,

estádiO dO santOs f. c. de pelé.

considerada a segunda edificação em

estilo manuelino mais preciosa do

brasil, depois do carioca real gabinete

português de leitura, o real centro cultural

português de santos é, a rigor, um gabinete –

como o do rio de Janeiro, salvador e recife. O

centro português de santos foi fundado em 1895

por vários portugueses residentes na baixada

santista e teve como líder o dentista açoriano

Manuel homem bittencourt. O seu magnífico

edifício foi inaugurado em 8 de outubro de

1900. uma caixa com tampo de vidro, desde

1947, guarda, no salão cardeal cerejeira, pedras

do promontório da antiga escola de sagres do

infante d. henrique. “O real centro é o maior

orgulho de todos os portugueses de santos”,

afirma o comendador vasco de frias Monteiro,

histórico membro da entidade e também

dirigente da casa de portugal de são paulo.

alguns portugueses de santos acham que o real

centro cultural português é uma jóia da cidade

de pelé e da vila belmiro.

Page 24: Portugal - Presença no Brasil

44 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

antóniO gOMes da cOsta é

presidente desde 1992 dO real

gabinete pOrtuguês de leitura,

dO riO de JaneirO.

antónio gomes da CostaQue não se acabe a língua

nem o nome portuguêspor Albino Castro

enTReVisTA

Um dos mais brilhantes

intelectuais portugueses no

Brasil, o economista António

Gomes da Costa, 77 anos, nascido, como

eça de Queiroz, na Cidade da Póvoa

do Varzim, distrito do Porto, preside

há 20 anos o Real Gabinete Português

de Leitura – considerado uma das

bibliotecas mais bonitas do mundo e

principal obra cultural da comunidade

lusitana do Rio de Janeiro. ele também

é presidente do Conselho Deliberativo

da Beneficência Portuguesa e do Vasco

da Gama. Autor de obras como Farpas e louvações, que abordam a presença

do homem português entre nós, e

articulista na imprensa lusitana no

Brasil e em Portugal, Gomes da Costa

nos recebeu em sua magnífica sala no

Real Gabinete, à Rua Luís de Camões,

no centro do Rio, para a entrevista a

portugal – presença no brasil.

Quais os erros e acertos da colonização portu-guesa no Brasil?Todos os processos de colonização tiveram aspectos positivos e negativos. A colonização portuguesa no Brasil deixou-nos um legado de acertos que foi deter-minante para a construção do grande País que somos. Mencione-se, entre eles, a ocupação e a unidade terri-torial, que se deve não só à coragem dos colonizadores que, rasgando os sertões, levavam a linha da fronteira na biqueira das botas, como também à estratégia da metrópole em Tordesilhas e outros tratados diplomá-ticos. E, por isso, ao contrário do que aconteceu na América espanhola, o Brasil não se fragmentou. Outro acerto foi a difusão da língua portuguesa. Dos confins do Amazonas aos campos do Rio Grande o idioma ci-mentou a unidade nacional. Outra herança decisiva deixada pelos governos coloniais foi a estratégia da defesa do território, com a construção de fortes e forta-lezas nos pontos mais vulneráveis do País. Referia-se ainda à propagação da doutrina cristã e à catequese, que começaram logo com os primeiros encontros com os indígenas. Ou ainda a mistura de etnias, o traçado das vilas e das cidades, a transferência de produtos agrícolas de outras possessões ultramarinas, as or-denações jurídicas, as reformas no século XVII feitas pelo Marquês de Pombal e o formato das instituições. Dos defeitos, que também os houve, desde o tráfico ne-greiro e a escravidão à demora de introduzir o ensino universitário, podemos “compensá-los” no julgamen-to da história pelos méritos maiores que a colonização por parte de outras potências européias nas Américas, na África e no Oriente.

Page 25: Portugal - Presença no Brasil

46 47PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

histórica fOtO publicada eM

1885 na revista a ilustraçãO,

de lisbOa, reunindO Os

cincO gigantes das letras

pOrtuguesas da geraçãO de

1870. da esquerda para a direita,

apareceM eça de queirós, O

histOriadOr Oliveira Martins,

O pOeta açOrianO anterO de

quental, raMalhO OrtigãO e O

pOeta guerra JunqueirO.

"Por que não renascer o sonho do Quinto Império de Vieira e Agostinho da Silva?"

Os portugueses deram para a formação do Brasil, como não podia deixar de ser, um contributo importante em muitas outras vertentes: a miscigenação, como já disse, não permitindo que florescessem preconceitos ou se crias-sem barreiras raciais, bem como o catolicismo, que se estendeu por todo o território, a partir da catequese dos jesuítas, com José de Anchieta e Manuel da Nó-brega – ou, se quisermos, com a celebração da Primeira Missa por Frei Henrique de Coimbra, ainda nas praias de Porto Seguro. E também o universa-lismo, que marca o caráter do povo brasileiro em todos os sentidos: nos brandos costumes e no sincretismo religioso, na mistura de sangue e na compreensão do outro.

Em histórico discurso pronunciado por Ramalho Ortigão, na inauguração do atual prédio do Real Gabinete Português de Leitura, em 1887, o escritor lusitano clamou para que “não se acabe a língua nem o nome português da terra”. O Real Gabinete cumpre a profecia do autor das célebres Farpas? O Real Gabinete Português de Leitura não é apenas uma matriz onde encontramos muito do que de melhor produ-ziu o “gênio lusitano”, mas é também uma grande prova de reconhecimento dos portugueses ao Brasil. Faço mi-nhas as palavras de Ramalho Ortigão. E assim como nes-te País e demais espaços lusófonos não acabará a língua de Camões, também no Real Gabinete, nas suas pedras de liós e no acervo de sua biblioteca, não se extingüirão os tes-temunhos da nossa gratidão e do nosso louvor ao Brasil.

Estudiosos da economia, como o britânico Jim O’Neil, do Goldman Sachs, acreditam que o Bra-sil continuará crescendo – e se fortalecendo – e será, a partir de 2050, o centro de um grande bloco

com cerca de 700 milhões de habitantes, reunindo países do Sul do México, Portugal, Espanha e a Áfri-ca portuguesa. Esse bloco, que terá São Paulo como a principal metrópole eco-nômica, faria do português

a mais influente língua de origem latina, supe-rando o francês, italiano e até mesmo o espanhol. Como o senhor analisa a perspectiva?Não há dúvidas que o Brasil – colocado hoje no BRICS – passará dentro de poucos anos para o rol das grandes po-tências mundiais. Já é a nação-líder da América Latina e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; em pouco tempo, vai emparelhar com as nações que, por di-versas circunstâncias, ainda estão na sua frente. E com o Brasil, na sua grandeza e na sua vocação, por que não há de renascer o sonho do “Quinto Império”, do Padre Antó-nio Vieira, no século XVII, e do filósofo Agostinho da Silva, que viveu no Brasil por décadas durante o século passado, onde caberão todos os povos que falam português? Ambos eram portugueses, viveram na Bahia e são, historicamen-te, os inspiradores da CPLP, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, criada em 1996. E os espanhóis, mais os irmãos da língua castelhana, são todos da família... Santiago de Compostela é logo ali – perto de Fátima e dos Jerónimos e não longe de Aparecida e do Planalto...

antóniO gOMes da cOsta diz que a "pOnte literária" entre brasil e

pOrtugal é Mais "vistOsa" dO que a pOlÍtica e a dO cOMérciO.

"O movimento modernista de 1922 levou a um esfriamento luso-brasileiro"

O senhor concorda com o ex-embaixador por-tuguês no Brasil, Francisco Seixas da Costa, que afirmou no livro Tanto Mar?, publicado em 2009, que só se pode entender bem o que Portugal é, e não apenas o que Portugal foi, depois de se mer-gulhar no Brasil? Desde menino que ouvia os “brasileiros” da minha al-deia, quando visitavam a terra natal, dizer aos homens que tinham ficado: “Para vo-cês avaliarem o tamanho de Portugal, têm de ir ao Brasil”. Estava certo o embaixador Seixas da Costa ao fazer tal afirmação. Precisamos conhecer o Brasil para compre-ender bem o que é Portugal no presente e o que Portu-gal foi no passado.

Por que o Brasil, apesar de ter uma economia que vem se consolidando nos últimos 10 anos, não é mais um pólo de atração para a emigração portu-guesa – uma vez que os portugueses continuam a emigrar?Desde a década de 1960 que a emigração portuguesa tomou outros destinos que não o Brasil: os países da Europa, o Canadá, a África do Sul, os Estados Unidos, a Venezuela – e assim por diante. Para isso influiu a

questão da remuneração do trabalho e o câmbio. Após o 25 de abril ainda tivemos a vinda de alguns milha-res de portugueses, quase todos empresários ou técni-cos, que na maioria voltavam. Mas depois a corrente emigratória para o Brasil foi diminuindo cada vez

mais, até porque a economia portuguesa e a da Europa passaram por um período de forte crescimento e demanda de mão-de-obra. Hoje, com a elevada taxa de desemprego, os portugueses voltam a sair em massa do País. Mas quase

todos os que emigram, pela proximidade e pelas facili-dades decorrentes do “espaço cívico”, preferem a Euro-pa. Acrescente-se a propósito que, durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, foram criadas algumas exigências que tornaram mais difícil a en-trada de trabalhadores estrangeiros. Mas, a persistir a crise atual, o Brasil voltará a ser o “Eldorado” dos por-tugueses, como foi noutros tempos.

O escritor português António Alçada Baptista (1927-2008), em ensaio publicado em 1990, cons-tatou que desde a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, deixou de existir um “diálo-go” entre a literatura portuguesa e brasileira – ao contrário do que ocorre em países de língua in-glesa e espanhola. Por que isso acontece?O movimento modernista de 1922 levou, como escreveu Alçada Baptista, senão a uma ruptura, pelo menos a um “esfriamento” no contexto cultural luso-brasileiro. Foi uma decorrência da própria afirmação do movi-mento que irromperia em São Paulo contra os “clássi-cos” e as tradições acadêmicas. Isso não significou que tanto em Portugal como no Brasil não continuássemos a ter, no campo literário, grandes figuras que “dialoga-vam”, amorosa e fraternalmente, de um lado e do outro do Atlântico: de Gilberto Freyre e Manuel Bandeira a Vitorino Nemésio e Miguel Torga; de Érico Veríssimo a Ferreira de Castro; de Jorge Amado a José Saramago. A “ponte literária” foi sempre a mais “vistosa”, mais do que a política, mais do que do “comércio das sobreme-sas”, mais do que a técnico-científica e a desportiva.

Deixando de lado a nossa língua comum, quais os três traços mais marcadamente portugueses no Brasil?

enTReVisTA

Page 26: Portugal - Presença no Brasil

48 49PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

dO altO da igreJa de sãO vicente de fOra,

aciMa dO bairrO da alfaMa, lisbOa cOnteMpla

as vielas, O casariO e O estuáriO dO riO teJO

– fOnte de inspiraçãO para Os fadOs e

encantO dOs turistas.

que a atual crise financeira afete o desempenho do segmento. “Estamos sempre trabalhando em várias frentes para atrair o público brasileiro: workshops, feiras, ações de relacionamento com a imprensa, roadshow e viagem com celebridades ao país”, diz o diretor do Turismo de Portugal.

O tempo de permanência do brasileiro em Portu-gal também cresceu – a permanência média hoje é de 3,7 noites – e trata-se do turista que tem o maior gasto médio no país. Os brasileiros gastaram em Portugal, em 2010, € 309,12 milhões, de acordo com dados do Tu-rismo de Portugal. A média de gasto diário do turista estrangeiro é de € 118 – e o brasileiro € 192, sem contar as despesas de hospedagem. Levantamento da enti-dade mostra que o principal motivo das viagens dos brasileiros a Portugal é o lazer, mas há grande procura também por viagens de negócios e turismo religioso.

viagem à Europa. Portugal, hoje, é a porta de entrada da Europa, e Lisboa é a cidade que mais se beneficia disso”, afirma Machado. De janeiro a maio de 2011, Lisboa recebeu 89.217 hóspedes brasileiros – cerca de 15,6% a mais do que os 77.158 registrados em igual pe-ríodo de 2010.

Machado acredita que o brasileiro tem atualmen-te uma melhor percepção de Portugal e os próprios visitantes afirmam que o país conseguiu se moderni-zar sem perder a ternura. “Os turistas dizem que em Portugal as pessoas são hospitaleiras, os valores dos bens e serviços são menores que no resto da Europa e o binômio custo/benefício é extremamente favorável para o consumidor brasileiro”, diz.

As viagens a Portugal aumentaram – mas a de-manda também cresceu para outros países da Euro-pa. “A cidade mais procurada pelos brasileiros que

Lisboa tem mais de 60% da preferência dos bra-sileiros. Porto vem em segundo lugar no ranking e o charme de Coimbra e a religiosidade de Fátima vêm na seqüência.“Durante muito tempo a Cidade de Lis-boa era o último destino visitado pelos turistas em

Lisboa seduz brasileiros

Capital portuguesa já é o quinto destino mais  procurado pelos brasileiros em todo o mundo

TURisMO

O Brasil descobriu Portugal como destino turístico. Os brasileiros cada vez mais viajam às terras lusitanas e encontram um país que se modernizou sem per-

der as encantadoras tradições. O jeito hospitaleiro português conquistou os turistas brasileiros. Antiga metrópole imperial, faceira e misteriosa, como seus fados, Lisboa tem a preferência de nossos turistas – seguida da imponente Cidade do Porto. Viajar a Por-tugal passou a ser uma escolha e não só uma opção como porta de entrada para a Europa.

O número de visitantes brasileiros em Portugal tem mostrado crescimento constante nos últimos anos. Dados do Turismo de Portugal – entidade en-carregada de promover o país como destino turístico e que tem sua representação no Brasil há 48 anos – mostram que enquanto 152.785 brasileiros estiveram em Portugal em 2004, no ano passado o número su-biu para 376.540 – um aumento de 146,45%. E os nú-meros continuam a subir. De janeiro a maio de 2011, hospedaram-se 153.808 brasileiros em Portugal, ou 19% a mais do que os 129.081 registrados no mesmo período do ano anterior.

Para Paulo Machado, diretor do Turismo de Por-tugal no Brasil, são vários os fatores que explicam o crescimento, entre os quais a demanda brasileira que

está aquecida pelas condições favoráveis da econo-mia nacional e os investimentos na área de turismo que foram feitos ao longo de muitos anos em Portu-gal. Segundo Machado, o País continua a apostar na vocação de bem receber, o que também ajuda a evitar

por Amarilis Bertachini

Page 27: Portugal - Presença no Brasil

50 51PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

às Margens dO riO

dOurO, iMpOnente,

a cidade dO pOrtO,

cOM O seu bairrO

da ribeira, faMOsO

pelOs restaurantes,

e as barcaças que

tradiciOnalMente

transpOrtaM O preciOsO

vinhO dO pOrtO.

conventos, castelos e palacetes nas áreas centrais ou próximas a Lisboa.

O fluxo contrário, o de turistas portugueses em viagem ao Brasil – que sofreu certo abalo com a crise financeira em 2008 – também apresentou uma pe-quena melhora em 2010, subindo de 183.697 visitantes portugueses, em 2009, para 189.065 no ano passado, um aumento perto de 3% no movimento, segundo dados da antiga Embratur, que agora se chama Insti-tuto Brasileiro de Turismo. De acordo com levanta-mento feito pelo órgão, em 2010 foram disponibilizados 585.261 assentos aéreos em vôos operados pela TAP partindo de Lisboa e Porto com destino ao Brasil. As cidades mais procuradas pelos portugueses no Bra-sil são Rio de Janeiro e Fortaleza. A Região Nordeste ainda é a preferida pelos portugueses – pelos atrativos tropicais e pela proximidade com a Península Ibérica.

A Embratur também desenvolve um trabalho para que o público português conheça um Brasil diferente e multicultural. Os principais nichos e destinos tra-balhados em 2011 foram: golfe, lua de mel, finalistas (estudantes de nível médio ou superior que ao final

do curso fazem uma viagem ao exterior), luxo, resorts e aventura, para lugares menos conhecidos, como Li-toral Paulista, Bonito, no Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Amazônia e Sul do Brasil.

O gasto médio de cada turista português no Brasil, em 2009, último dado disponível, foi de US$ 78,04 em lazer e US$ 94,09 em negócios, eventos e convenções.

De acordo com levanta-mento feito pelo Ministério do Turismo (MTur), Por-tugal ocupou o nono lugar entre os 20 principais países emissores de turistas para o Brasil em 2010 – Argenti-na, Estados Unidos e Itália

ocuparam os três primeiros lugares. Um estudo sobre o Perfil da Demanda Turística Internacional do MTur mostra que a maior parte dos portugueses vindos ao Brasil em 2009 tinha idade entre 32 e 40 anos (25,9%), viajou sozinha (46,1%), tinha renda média mensal in-dividual de US$ 3.206,55 e teve um gasto médio per capita/dia de US$ 52,80. O Brasil está longe de repre-sentar, para os portugueses, o que os turistas brasileiros equivalem para Portugal. Lisboa, mesmo atrás de Paris e Londres, já rivaliza, afinal, com Buenos Aires e Mia-mi, na preferência do turista nacional.

Proximidade com a Europa faz do Nordeste a região predileta dos portugueses

TURisMO

viajam pela TAP é Lisboa, mas, na média geral, a capi-tal portuguesa se encontra em terceiro lugar, depois de Paris e Londres”, diz Mário Carvalho, diretor geral para a América Latina da companhia. De acordo com Carvalho, a procura pelo destino Lisboa cresceu 10% e a companhia aérea transportou em suas linhas, a par-tir do Brasil, em 2010, 1.427 milhões de passageiros. Ele prevê para 2011 um crescimento da ordem de 20% nas vendas de passagens, em relação ao ano anterior, com base no resultado dos primei-ros meses do ano.

Em números globais, a TAP registrou em 2010 um recorde de 9 milhões de passageiros transportados, com um au-mento superior a 7% em rela-ção ao ano anterior. As vendas de passagens, envio de carga e serviços de manutenção, no mercado brasileiro, fica-ram 55% acima do registrado em 2009 e contribuíram decisivamente para o bom resultado da companhia aérea, que fechou 2010 com vendas de € 2,22 milhões.

A TAP é hoje uma das companhias aéreas estran-geiras com maior número de ligações diretas de cida-des brasileiras com o exterior. Com o início de opera-ção de um novo vôo entre Porto Alegre e Lisboa em junho de 2011, a empresa já soma 77 freqüências se-manais ligando Brasil a Portugal, e de lá para 49 cida-des européias, o que reforça os negócios entre os dois países, tanto no transporte de passageiros, quanto no de cargas. Atualmente a TAP tem vôos diretos para Portugal partindo de 10 cidades brasileiras – Belo Ho-rizonte, Brasília, Campinas, Fortaleza, Natal, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Porto Alegre.

A diversificação dos pontos de saída é uma estra-tégia adotada pela TAP nos últimos anos para pro-porcionar melhor serviço aos passageiros que estão em outras cidades, aliviando o fluxo dos já tão con-gestionados aeroportos de São Paulo e Rio de Janeiro. “É uma política que estamos seguindo de oito anos para cá e que acabou dando resultado, pois aumentou a demanda no Brasil, ocasionada pelo maior poder aquisitivo e o câmbio favorável aos que viajam para

o exterior”, afirma Carvalho, concluindo: “Com o real mais valorizado em relação a outras moedas, ficou mais barato o cidadão do Brasil viajar para o exterior”.

Exemplo de cliente assíduo da TAP, o produtor musical brasileiro João Mario Linhares viaja há 22 anos, entre quatro e seis vezes por ano, para Portugal. “Vou a trabalho e a passeio. Gosto mais do vôo da noi-te porque saio daqui às 23 horas, janto, durmo e quan-

do acordo já estou em Lisboa, por volta das 12h”, conta Linha-res, acrescentando elogios ao atendimento e à alimentação a bordo das aeronaves.

“Entre os países da Europa, Portugal tem um custo-benefí-cio muito bom: o preço é mais acessível, come-se muito bem e ainda há a familiaridade com o idioma”, declara Bárbara Picco-

lo, gerente comercial e de vendas internacionais para Europa, Ásia, África e Oceania da CVC, uma das maio-res empresas brasileiras de turismo. A operadora traba-lha com o destino Portugal há mais de 10 anos.

No ano passado, a CVC levou para Portugal cerca de 2,5 mil turistas em viagens individuais e mais de 30 mil passageiros em circuitos (excursões). Para este ano, a previsão é de um incremento de 25% nesse mo-vimento. Segundo Bárbara Piccolo, Portugal faz parte dos destinos “Top 5” da CVC, pois está entre os países que concentram as cidades preferidas pelos turistas brasileiros: Paris, Roma, Madri, Lisboa e Londres, nes-sa ordem. Entre as cidades portuguesas, Lisboa e Porto são as duas mais procuradas pelos clientes da CVC, se-guidas por Funchal, capital da Ilha da Madeira.

Entre os serviços especiais oferecidos nesses rotei-ros se destacam, informa Bárbara Piccolo, os 20 ônibus adesivados com a logomarca da CVC que a empresa tem em Portugal, esperando pela chegada dos passa-geiros que saem do Brasil. “Isso dá segurança ao passa-geiro. Após percorrer dez horas de avião, ele é recebido por uma equipe uniformizada e entra em um ônibus com a marca da CVC”, diz. Ela conta também que tem crescido a procura por uma hospedagem diferenciada, em hotéis bem localizados e charmosos, como antigos

20102009

9 Milhões de passageirOs

+ 7%

Page 28: Portugal - Presença no Brasil

52 53PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

pestana palaCe hotelDoze anos de um minucioso trabalho de restauro de-volveram a um endereço de Lisboa as glórias de ou-tros tempos. O Palácio de Valle Flôr, antes símbolo de um nobre português bem sucedido no além-mar, hoje acolhe e deslumbra visitantes e hóspedes do Pes-tana Palace Hotel.

Este imenso complexo, erguido ao estilo francês, em 1904, transformou-se em uma rara opção para quem deseja ficar na capital e gozar da tranqüilidade única do Bairro do Alto de Santo Amaro – local próxi-mo ao Centro Cultural de Belém, do Mosteiro dos Jeró-nimos e do Centro de Congressos.

Além da recuperação interna e externa deste pala-cete, o Grupo Pestana conduziu, por anos a fio, uma sistemática caçada a objetos decorativos e de mobiliá-rio em antiquários europeus. Somam-se mais de cin-co mil peças. Juntos, restauro e decoração, constituem uma fuga no tempo. Nesta, o hóspede vive o Portugal áulico, monárquico e imperial, de riqueza aparente e suntuoso em cada detalhe. Entregue o palácio, o Esta-do português agradeceu o gesto. Conferiu-lhe o status de “monumento nacional”.

olissipo lapa palaCeO Bairro da Lapa surge após o terremoto de 1755. Des-truída a região central, a nobreza lisboeta passa a inves-tir em casarões mais afastados. A Lapa atraía por dis-por de terrenos maiores, capazes de incorporar jardins (símbolo de status) e por sua proximidade com o Rio Tejo. O imóvel onde hoje está o Olissipo Lapa Palace está a apenas quatro quadras do mágico rio.

Seduz os clientes a proximidade do hotel com o aeroporto de Lisboa, em Portela do Sacavém, e os cen-tros comerciais das Docas, que reúnem restaurantes e a sofisticada vida noturna da capital.

Nas três alas que compõem o hotel – Villa Lapa, Jar-dim e Palácio –, foram preservados e, quando impossí-vel, adquiridos mobiliários estilo D. João V (1689-1750), D. José I (1714-1777) e D. Maria I (1734-1816). As inúme-ras peças de cerâmica que adornam o interior do prédio foram encomendadas à prestigiosa azulejaria de Vista Alegre, fundada em 1824. Nas áreas social e privativa, conjugam-se art déco, colonial e neoclássico.

O Olissipo também ganhou fama nos últimos anos por hospedar clientes ilustres em seus Tower Room e Suite Count of Valenças. Esses aposentos são os preferidos da nobreza européia e, claro, de astros e estrelas do show business.

pestana palace integra O antigO paláciO valle flôr.

OlissipO lapa significa paláciO da rOcha dOs MOurOs.

Três hotéis e uma metrópole de sonhos

Hotéis Bairro Alto, Pestana Palace e Olissipo são pontos de luxo e glamour em Lisboa

TURisMO

por Fábio Caldeira Ferraz

Berço da hospitalidade ibérica, Lisboa,

desde o final do século XiX, possui

refinados e aconchegantes hotéis.

Mas, a partir do ingresso do país na

União européia, nos anos 1990, a capital

portuguesa ganhou hotelaria de altíssimo

requinte – como os três hotéis selecionados

por Portugal – Presença no Brasil.

bairro alto hotelHospedar-se é, antes, uma escolha, e das mais difíceis, quando o destino é Lisboa. Quem avalia as excelentes opções da cidade sabe que este hotel do Bairro Alto não é apenas uma das melhores casas do gênero na capital portuguesa. Unem-se, neste edifício de 1845, elegância e sofisticação com as delícias de um bairro tradicional, que se quer interligado por linhas de bondinhos, ilu-minado por candeeiros vitorianos e embalado pelos fados que transbordam dos salões.

O design do Bairro Alto Hotel também atrai. O pro-jeto aproxima o clássico de tendências contemporâne-as. Concilia ambientes menores e intimistas com ou-tros maiores e imponentes, garantindo acomodações adequadas tanto para atividades profissionais quanto pessoais. Contudo, na sobriedade reinante do local, há

bairrO altO hOtel, na praça luÍs de caMões, nO bairrO que lhe dá nOMe.

espaço para a ousadia. Aqui e ali, elementos decorativos exóticos, a maioria originário das ex-colônias portu-guesas, adornam as áreas privativa e social.

No terraço desta casa aconchegante, um prazer maior está reservado ao hóspede. É de lá que, ao sul, se vê o Rio Tejo e, mais adiante, a bela Cidade de Almada. E, ao lado, o Consulado do Brasil.

Page 29: Portugal - Presença no Brasil

54 55PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

Galeto’s Assim como tantos conterrâneos, Ade-lino Gala, imigrante português, fundou

em São Paulo um restaurante. O ano era 1971 e o estabelecimen-to era especializado em galetos desossados. Para homenagear seu prato principal, foi chamado de Galeto’s, e adotou o Galo de Barcelos como símbolo, revelando o forte laço de seu criador com o país de origem.

O primeiro restaurante funcionava na Rua Dr. Vieira de Carvalho, no Centro da cidade. De início, os galetos com acompanhamentos tradicionais eram servidos no balcão, tornando-se uma excelente opção para quem procurava uma refeição rápida e de quali-dade. Pioneiros e únicos a servir galetos desossados, foram necessários apenas dois anos para surgir a pri-meira filial, na Rua Pedro Américo, consolidando a mudança na cultura gastronômica de São Paulo, que estava acostumada a consu-mir carnes apenas em gran-des churrascarias.

Em 1982, a rede viu-se obrigada a acompanhar a transformação da cidade, fechando os restaurantes do Centro e abrindo sua primeira sucursal nos Jardins. Foi inaugurado o Galeto’s na Alameda Santos. Era ape-nas o início de uma expansão pela região dos Jardins de São Paulo. Mais sofisticado, dois anos depois abriu filiais no Itaim Bibi e em seguida em grandes centros comerciais, como os Shoppings Morumbi e Iguatemi.

Um dos segredos do sucesso da rede Galeto’s é sua gestão de qualidade. Em 1994 treinou a indústria ali-mentícia Sadia para fornecer, de forma personalizada e única, o frango de leite, exclusividade da rede. Além disso, foi instaurada uma cozinha central que elabora

os ingredientes artesanalmente para atender aos res-taurantes, garantindo o mesmo sabor e qualidade em todas as unidades

Em 2003, a rede passou por uma reformulação que, de maneira inovadora e peculiar, uniu tradição à contemporaneidade. Foram incluídas no cardápio novas opções, como pizzas e massas, sem deixar de lado as características originais, como qualidade, bom preço, beleza e leveza dos pratos. O slogan, opor-tunamente, passou a ser “tradicional e contemporâ-neo”, traduzindo a experiência da rede e a moderni-dade paulistana.

Logo foram abertas fi-liais em Alphaville, em São Paulo, Rio de Janeiro e Bra-sília, consolidando a mar-ca e a política de expansão. A rede conta atualmente com 14 restaurantes, sendo

12 em São Paulo, um no Rio de Janeiro e outro em Brasília. Empregando mais de 600 pessoas, atende mais de dois milhões de fregueses por ano, que re-presentam um consumo de aproximadamente 60 mil galetos por mês.

Sem jamais perder o contato com as raízes, Ade-lino Gala optou por servir nos restaurantes bolinhos de bacalhau, bacalhau à camponesa (prato que leva bacalhau norueguês tipo Porto, batatas ao murro e brócolis) e ainda a opção de batatas ao murro como um dos acompanhamentos dos galetos. Sentir-se em casa, ainda que a um oceano de distância, é o que buscam os imigrantes portugueses no Brasil. Não seria possível sem incorporar ao país a cultura das novidades gastronômicas e, por que não, a inovadora gastronomia.

Rede inova no cardápio mas mantém as raízes portuguesas do bacalhau

Sangue português e marcas brasileiras

Empresas genuinamente brasileiras criadas pelos lusitanos

por Luiz Voltolini

neGóCiO

Desenvolvido a partir de uma cultura

expansionista, Portugal é um país

cujo nome já desenha seu destino.

sendo derivado de Portus Cale, ou Porto de

Cale, nome dado quando ainda era parte do

império Romano, es-

tabeleceu sua voca-

ção para o desbrava-

mento do mundo e o

comércio.

Apesar da presença

em todos os continen-

tes, Portugal sempre manteve relações estrei-

tas com o Brasil, que está entre os cinco prin-

cipais destinos de investimentos portugueses.

em contrapartida, em 2010, o Brasil foi o

maior investidor estrangeiro em Portugal. Os

brasileiros são os mais numerosos imigrantes

em Portugal e estão aqui no Brasil algumas

das maiores comunidades portuguesas fora

da pátria lusitana.

O maior fluxo de imigração portuguesa ocor-

reu entre 1890 e 1930, coincidindo com uma

série de crises iniciada com a queda da mo-

narquia em ambos

os lados do Atlânti-

co. Depois da instau-

ração da República

Portuguesa, a estabi-

lidade só veio com o

regime de António de

Oliveira salazar, que também provocou gran-

de onda de emigração. Foi do trabalho des-

sas famílias que aqui chegaram, muitas ve-

zes em condições duríssimas, que surgiram

algumas das principais empresas brasileiras,

como Galeto's, Habib's, Pão de Açúcar, Trans-

motano e Votorantim.

Trabalho duríssimo dos imigrantes portugueses deu frutos no Brasil

Page 30: Portugal - Presença no Brasil

56 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

Habib’sneGóCiO

Quando pensamos em gastronomia lusita-na, logo vêm à mente os tradicionais pra-tos de bacalhau e os doces de ovos, porém, nem sempre são essas as receitas que con-

duzem os portugueses ao sucesso. Foi o que ocorreu com Antonio Alberto Saraiva, cujos pais emigraram para o Brasil na década de 1950, quando não tinha se-quer um ano de idade. Estabeleceram-se no interior do Paraná e, quando completou 17 anos, compraram uma padaria na região da Penha, em São Paulo.

Seu sonho de infância era ser médico. Estudava medicina na Santa Casa de Misericórdia quando o pai foi assassinado durante um assalto à padaria. Saraiva conta que ao assumir o con-trole do negócio revezava--se entre os livros e o balcão, mas o segundo predominou sobre o primeiro e o levou a uma próspera carreira empresarial. Em 1988, o Dr. Sa-raiva, como é conhecido por seus funcionários, abriu o primeiro Habib’s na Cidade de São Paulo.

O surgimento do Habib’s foi quase por acaso. Ele tinha acabado de abrir uma lanchonete na Vila Ma-riana, quando foi procurado por Paulo Abud, um velho cozinheiro de origem libanesa, a lhe pedir em-prego. Foi da união do empreendedorismo de Sarai-va e das receitas de Abud, que nasceu a maior rede de fast-food “genuinamente brasileira”, como gosta de se autodenominar – um cardápio libanês adaptado ao paladar tropical.

Saraiva explica que apenas a farinha e a carne são compradas fora das empresas da rede. O conceito de produção verticalizado do Habib’s propicia a padro-nização de produtos e processos, garantindo qualida-de e escala necessárias. Os laticínios, pães, doces e até

mesmo a arquitetura das lojas es-tão sob o controle da rede Alsarai-va, administrada por Saraiva, res-ponsável pelos negócios do grupo.

Ao longo dos anos o Habib’s rendeu ao doutor, que não che-gou a exercer sua profissão, o tí-

tulo de “Rei da Esfiha”. Um dos segredos do sucesso deve-se às suas esfihas abertas, que custam menos de um real. Graças aos constantes investimentos em padronização e centralização da produção, Saraiva consegue manter preços acessíveis em todas as lojas.

Atualmente a rede conta com 13 centrais de pro-dução em regiões estratégicas do país, que abastecem lojas instaladas num raio de até 300 km. O método escolhido para gerenciar esse crescimento foi o de franquias.

Após mais de 23 anos de sucesso, 340 lojas (dis-tribuídas em 110 cidades de 17 Estados e do Distrito

Federal) e 20 mil funcioná-rios, Saraiva é responsável pelos restaurantes Habib’s, Ragazzo e Box 30. Seus empreendimentos passam por outros setores, que in-cluem a Promilat (laticí-

nios), Arabian Bread (padaria e doçaria), Ice Lips/Por-tofino (sorvetes e sobremesas geladas), PPM (agência de propaganda), Bibs’Tur (agência de viagens), Vector 7 (escritório de arquitetura), Franconsult (consulto-ria de franquia), Planej (consultoria imobiliária) e a Voxline (contact center). A última garante um siste-ma de delivery considerado um dos mais eficientes da América Latina. Parece até obra de um gênio da lâmpada, mas trata-se apenas do trabalho e do enge-nho de um homem nascido em Portugal, criado por portugueses, e vitorioso no Brasil.

Receita libanesa da esfiha faz o sucesso do imigrante português em São Paulo

Page 31: Portugal - Presença no Brasil

58 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

No auge da crise de 1929, ainda adolescen-te, Valentim dos Santos Diniz deixou Portugal e veio para o Brasil, com o obje-tivo de ter seu próprio negócio. Realizou

sua meta em 1948, ao abrir uma doceira e batizá-la com o nome de Pão de Açúcar, em homenagem ao primeiro contato que teve com o país que lhe prome-tera prosperidade – o morro do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.

O sucesso foi tão grande que, quatro anos após a abertura, já havia duas filiais da Doceira Pão de Açúcar. Mas foi em 1959 que Valentim, como é conhecido, deu

o passo que mudaria o hábito de consumo dos brasilei-ros. Nesse ano, transformou sua doceira em supermer-cado, um dos primeiros estabelecimentos com o con-ceito “pegue e pague”. Em 1965, após a incorporação da cadeia “Sirva-se”, a primeira rede de auto-serviço do país, já podia contar com 11 lojas. Um ano depois, abriu sua primeira filial fora da Cidade de São Paulo, em Santos, e o negócio não parou de expandir.

Ao completar 64 lojas, Valentim deu início à in-ternacionalização, levando o Pão de Açúcar a Portu-gal, Angola e Espanha. Em 1970 inaugurou o primei-ro Pão de Açúcar na Europa e, em apenas dois anos, já contava com 13 lojas em Portugal. A operação na

pátria portuguesa chegou a 50 lojas, mas teve fim na década de 1990. Após a recessão causada pelos planos econômicos pós-ditadura, o grupo viu-se obrigado a reestruturar as atividades, chegando a demitir mais de 20 mil funcionários. Apesar disso, em 1992, Abílio dos Santos Diniz, um dos filhos de Valentim, decidiu abrir o capital da empresa, e reverteu a crise.

Abílio Diniz desde cedo atuou no grupo ao lado do pai. Aos 20 anos, iniciou como gerente de vendas. Em 1999, passou a controlar as operações da Compa-

nhia Brasileira de Distribuição (CBD) em conjunto com a rede francesa Ca-sino. Com a entrada do grupo fran-cês, que ficara com 24% das ações, Abílio redesenhou a companhia, e em 2000 assumiu a liderança de uma das maiores redes varejistas do país, que hoje é composta pelos supermer-cados Pão de Açúcar e Comprebem; pelo hipermercado Extra, as lojas de eletrodomésticos Extra-Eletro, o su-permercado Sendas e, desde 2009, as redes Ponto Frio e Casas Bahia, con-solidando sua posição no ranking na-cional do varejo.

Atualmente Abílio Dinis é presidente do Conselho de Administração da maior empresa de distribuição da América Latina, responsável por mais de 1.800 unida-des, entre lojas, hipermercados, postos de combustível e drogarias. Após a fusão com a Casas Bahia, o grupo tornou-se o maior empregador privado do País, com cerca de 145 mil funcionários. A companhia mantém operações em 19 Estados de todas as regiões do Brasil e Distrito Federal, totalizando mais de 2,8 milhões de metros quadrados de área de vendas.

Os sonhos do jovem Valentim cresceram muito além do que ele poderia imaginar. Em 2010, as ven-das brutas do Grupo Pão de Açúcar superaram os R$ 36 bilhões, uma cifra que o coloca acima do PIB de 91 países, segundo a lista divulgada pelo Fundo Mone-tário Internacional.

neGóCiO

Pão de Açúcar

Page 32: Portugal - Presença no Brasil

60 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

trasmontano

Nos anos 1950 o plano de saúde passa a atender todas as nacionalidades

Falar de iniciativas de portugueses no Brasil quase sempre é tratar de negócios exitosos e perenes. Isso vale tanto para as inúmeras padarias, que passam de pai para filho, como

para as grandes marcas, como Votorantim e Pão de Açúcar. Mas a investida dos imigrantes não ficou res-trita ao comércio. Aqui também criaram entidades culturais, esportivas e de saúde.

Foi para prestar atendimento de saúde aos imi-grantes e promover a cultura por meio da divulga-ção do rico folclore português que, na noite de 28 de maio de 1932, foi criado o Centro Trasmontano de São Paulo. Com o passar do tempo, o foco principal pas-sou a ser a assistência médica e hoje o Trasmontano não é mais uma sociedade voltada apenas aos portu-gueses, mas ainda mantém a sede na Rua Tabatingüe-ra, no mesmo endereço do primeiro imóvel comprado pela entidade, em 1942.

“Até a década de 1950 todos os nossos associados eram portugueses. A partir daí abrimos para outras nacionalidades e hoje atendemos indistintamente a todos”, afirma Alcides Felix Terrível, presidente da empresa. Não foi só em termos da nacionalidade dos associados que o Transmontano expandiu. Geografica-mente, o Centro deixou de atender somente no muni-cípio de São Paulo, e passou a atuar também nas cida-des da Grande São Paulo, Alto Tietê e Litoral Paulista, onde chega de Peruíbe a Ubatuba.

Alcides Terrível lembra que no passado o Centro Trasmontano atravessou algumas dificuldades finan-ceiras, mas foi com o plano de recuperação implanta-do na administração de Fernando José Moredo, presi-dente por 14 anos, que a empresa saiu de um quadro

de 30 mil para os 100 mil associados atuais e retomou o caminho do crescimento. “O Moredo era presidente e eu era o vice-presidente, quando compramos o Hos-pital IGESP, antigo Instituto de Gastroenterologia do Estado de São Paulo. Hoje trocamos de posições e nosso hospital oferece atendimento de alta comple-xidade, como cirurgias de grande porte nas áreas de ortopedia, neurologia e cardiologia”.

A entidade ainda participa das atividades da co-munidade portuguesa, mas de maneira indireta, dando apoio às comemorações. Porém, como opera-dora de plano de saúde, segue as normas da Agência

Nacional de Saúde (ANS), como todas as demais, ex-plica Alcides Terrível. “Indi-vidualmente, os laços com a comunidade são muito for-tes e o relacionamento ainda é grande. Meu pai, José Au-

gusto Domingues Terrível, fez parte da diretoria do Trasmontando e ainda hoje, apesar da impossibilida-de física de atuar, é conselheiro do Centro e da Casa de Portugal. Sou associado do Trasmontano desde que nasci, ou seja, há 54 anos. Meu avô entrou para a associação em 1932. Sou muito apegado às minhas raízes e só não participo mais das atividades por falta de tempo”.

Ele conta que é cardiologista, tem sua clínica, faz parte da diretoria do Hospital IGESP, preside a dire-toria do Centro Trasmontano e que essas atividades deixam pouco tempo para os eventos sociais. Entre-tanto, afirma, o “Centro Trasmontano é uma entidade luso-brasileira e tem muito orgulho de trabalhar em prol da comunidade. Nós atuamos com vista a hon-rar o nome do Trasmontano como uma das principais unidades de saúde do cenário nacional”, conclui.

neGóCiO

Page 33: Portugal - Presença no Brasil

62 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

neGóCiO

Duas famílias portuguesas, Pereira Ignácio e Moraes, que se uniram por casamento, deram origem a um dos principais con-glomerados empresariais brasileiros: o

Grupo Votorantim. A história do grupo começa na Aldeia de Baltar, Norte de Portugal, de onde, em 1888, parte António Pereira Ignácio, acompanhado do pai, rumo ao Brasil. Instalam-se em Sorocaba, no interior de São Paulo, mas o pai fica somente quatro anos e re-torna para cuidar da esposa. Com apenas 14 anos, An-tónio decide permanecer e trabalhar. Em 1892, abre o primeiro armazém, única incursão no comércio, an-tes de passar os negócios para o setor industrial.

Foi em Boituva, também no interior de São Paulo, que António Pereira Ignácio instalou a indústria de descaroçamento de algodão e iniciou a produção de

manufaturados que culminaria no Grupo Votoran-tim. O jovem empresário diversificou as atividades, que abrangeram desde a Companhia Telefônica do Sul Paulista até a Fábrica de Cimento Rodovalho.

A Pereira Ignácio & Cia era fornecedora de algodão da fábrica de tecidos Votorantim, que entrou em crise em 1914, permitindo que António Pereira Ignácio ar-rematasse a controladora e registrasse o novo negócio como Sociedade Anônima Fábrica Votorantim.

Muito distante de Votorantim, na costa de Per-nambuco, o filho de duas famílias tradicionais, Al-buquerque e Moraes, embarcava para a Suíça com o intuito de adquirir equipamentos para melhorar a produção das usinas de cana da família. Coincidente-mente, a família Pereira Ignácio também partia para a Europa em busca de tratamento para a esposa de

António Pereira Ignácio. Foi nessa viagem que a gra-ciosa Helena Pereira Ignácio e o jovem José Ermírio de Moraes se conheceram.

A união foi um sucesso no campo sentimental e empresarial. José Ermírio de Moraes, filho do portu-guês Ermírio de Moraes, passou a fazer parte do dia--a-dia da Votorantim e, ao longo de oito anos, ele e o sogro dividiram o comando da companhia.

Fora dos portões da empresa, José Ermírio orga-nizou os empresários e tornou-se um dos fundado-res do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP). Foi responsável pela criação da Fundação de Rotarianos da Cidade de São Paulo, do Colégio Rio

Branco e do Hospital Beneficência Portuguesa e ele-geu-se senador por São Paulo.

A partir do final da década de 1940, os dois filhos de José Ermírio assumiram gradualmente o comando do grupo, que em 1955 já contava com 28 empresas e começava a atuar na produção de alumínio. Após o fa-lecimento de José Ermírio de Moraes, assumiu a presi-dência da Votorantim o filho mais velho, José Ermírio de Moraes Filho e Antônio Ermírio seguiu no comando da metalurgia, atuando como porta-voz do grupo.

Em 2001, os filhos de José Ermírio de Moraes pas-saram para o Conselho de Administração do Grupo e transferiram para as novas gerações o controle de um conglomerado 100% brasileiro, criado por portu-gueses e que está presente em mais de 20 países. O grupo atua em diferentes setores, como cimento, mi-neração, metalurgia, siderurgia, celulose e papel, ge-ração de energia e mercado financeiro, entre outros. Em 2010, obteve receita líquida de R$ 29,5 bilhões e faturamento bruto de R$ 34,2 bilhões.

votorantim

Page 34: Portugal - Presença no Brasil

64 65PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

JÚliO rOdrigues, presidente da casa

de pOrtugal de sãO paulO, define sua

cOMunidade cOMO discreta, Mas capaz de

lOtar nuMa MesMa nOite várias festas tÍpicas.

grande parte das vilas operárias e muito influenciaram o cardápio de São Paulo. Poucas são as famílias pau-listanas que não comem, aos domingos, massa, no almo-ço, ou pizza, no jantar. Mas a alma portuguesa está presen-te em cada detalhe da cidade e a Casa de Portugal, fundada em 1935, é o centro das festas e celebrações da comunidade. “Existem inúmeras agremiações, clubes e entidades lusitanas em São Paulo”, diz o português Júlio Rodri-gues, 61 anos, presidente da Casa de Portugal. “E mui-tas vezes organizam simultaneamente festas e todas

ficam lotadas”. Isso demonstra, segundo Rodri-

gues, que chegou aos cinco anos de idade a São Paulo, em 1955, o quan-to é grande e atuante a comunidade luso-brasileira da metrópole que, até os anos 1970, era considerada a segunda maior cidade portuguesa, com 600 mil imigrantes – à frente do Porto, então com 400 mil habi-tantes, e atrás de Lisboa, que pos-suía à época 1 milhão. Um fato his-tórico ocorreu no dia do aniversário de São Paulo, em 1968 – comemorado em 25 de janeiro. O São Paulo F.C. enfrentou na oca-sião o poderoso Benfica, de Eusébio e Coluna, no Morumbi, e, por in-crível que pareça, havia mais torcedores do clu-be lisboeta, quase todos imigrantes lusitanos, do que são-paulinos no estádio, que estava lota-

do. Mas o time paulista venceu o amistoso por 3 a 2. Há mais de 30 anos, porém, Paris desbancou São Paulo – a capital francesa

é a segunda cidade portuguesa com 1 milhão de imi-grantes. São Paulo possui hoje, segundo o Consulado

Português, cerca de 200 mil luso-descendentes.

Natural de Chaves, no Norte português, e presiden-te no Brasil do Banif, sigla do Banco Internacional do Funchal, da Ilha da Madeira, Júlio Rodrigues explica, com

inconfundível sotaque à moda dos paulistanos, que a Casa de Portugal tem um papel social muito impor-tante na comunidade de São Paulo, pois, para além de ser uma entidade cultural, exerce ainda a missão de amparar os imigrantes com dificuldades econômicas. “A razão de ser das Casas de Portugal espalhadas pelo mundo é a de juntar os portugueses para que tenham momentos, ainda que poucos, de fortalecimento de sua cultura e estarem mais próximos do seu país de origem”, afirma Rodrigues, liderança emergente na comunidade e que também tem o prestigioso cargo de presidente do Conselho Deliberativo da Portugue-sa de Desportos.

Célebre madeirense, o jornalista Martins Araújo, 72 anos, nascido no Funchal, comentarista esporti-vo da Rádio Jovem Pan e âncora de programas para a comunidade portuguesa em duas outras emisso-

ras de rádio de São Paulo, a Trianon e a 9 de Julho, é presença constante nos tra-dicionais almoços das quintas-feiras na cave do prédio de cinco andares da Casa de Portugal. “Os portugueses não fazem tanto barulho como outras comunidades de São Paulo”, diz Martins Araújo. “Mas nós, luso-brasileiros, somos uma presen-ça pujante e permanente em todos os setores desta metrópole, dos bares e pa-darias aos bancos e grandes empresas de tecnologia.”

Também é missão da Casa de Portugal amparar os imigrantes necessitados

Monumento paulistanoUma casa portuguesa, com certeza, generosa e hospitaleira

por Andrea Wolffenbüttel

erguida à seMelhança dOs sOlares lusitanOs, a casa

de pOrtugal, nO bairrO da liberdade, é O sÍMbOlO dOs

que deixaraM as aldeias na penÍnsula ibérica e aqui

cOnstruÍraM a cOsMOpOlita sãO paulO.

São Paulo nunca parou de crescer e sua vocação cosmopolita parece sintetizar, no Novo Mun-do, o que Portugal simbolizou para o Ociden-te na Idade Moderna – uma pátria que uniu

os oceanos e miscigenou os povos. A metrópole pau-listana foi fundada em torno do Pátio do Colégio, em 1554, pelo jesuíta português Manuel da Nóbrega, com o auxílio do então seminarista espanhol José de An-chieta, natural das Ilhas Canárias, e de João Ramalho e os seus descendentes mamelucos, bem como pela tribo do cacique Tibiriçá. Às vésperas de completar 460 anos, bem próximo ao seu coração, está a impo-nente Casa de Portugal, no Bairro da Liberdade, região tradicional dos imigrantes japoneses – a celebrar, com a sua presença, a universalidade lusitana na maior ci-dade de língua portuguesa do mundo. A construção parece inspirada nos solares dos morgadios provincia-nos das terras ao norte do Porto.

Fala-se nesta metrópole um português com forte acento italiano – mesmo os descendentes de japone-ses, libaneses, alemães, gregos, espanhóis, membros da comunidade judaica de diferentes países, lituanos e, também, os portugueses. Os italianos ajudaram a construir a Revolução Industrial paulista, povoaram

CULTURA

Page 35: Portugal - Presença no Brasil

66 67PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

salãO dO

restaurante

antiquarius, de

sãO paulO, que

incOrpOra O bOM

gOstO nas cOres,

ObJetOs e na

excelência

da cOMida.

tidas como menos nobres, como orelhas e pés, não eram naquela época consideradas restos, mas, sim, bastante valorizadas e apreciadas.

Além disso, hábitos como sentar-se à mesa, servir o almoço em travessas com fartas porções e até o uso de ta-lheres são heranças européias trazidas ao País principal-mente a partir da chegada ao Rio de Janeiro da família real. Os cozinheiros que vieram com a comitiva come-çaram a inovar para servir à Corte, criando uma fusão de alimentos trazidos de Portugal com ingredientes locais.

“A matriz da cozinha brasileira, a técnica, é total-mente portuguesa porque quando os portugueses che-garam ao Brasil os índios ferviam água e assavam, mas aprenderam olhando os portugueses que refogavam e grelhavam. O inglês, o alemão, o povo do norte de uma maneira geral, quando começa a cozinhar, coloca uma panela de água no fogo. Já o brasileiro, quando começa a cozinhar, faz um refogado, aprendeu com os portu-gueses”, afirma a mais nova estrela da cozinha por-tuguesa no Brasil, o chef alentejano Vítor Sobral, que inaugurou, em julho de 2011, a filial de seu restaurante Tasca da Esquina na região dos Jardins, uma das áreas mais valorizadas da Cidade de São Paulo.

O recém-chegado Tasca da Esquina está procuran-do ganhar espaços junto a nomes tradicionais, como o Antiquarius, freqüentemente apontado como re-ferência em alta gastronomia. Aberto há mais de 30

anos no Rio de Janeiro e com uma filial inaugurada em São Paulo, o restaurante permite não só saborear a legítima culinária portuguesa, mas também se en-cantar com peças exclusivíssimas, obras de arte e mo-biliários antigos distribuídos pelos ambientes e à ven-da, de onde vem o nome que remete a um antiquário.

O cardápio do Antiquarius manteve a tradição dos clássicos da cozinha portuguesa, como a Cataplana de Mariscos e o Bacalhau ao Lagareiro, mas também fez adaptações para o gosto brasileiro. “Incorporamos pratos nacionais como o picadinho, a dobradinha e a feijoada,

Sobral conta que precisou adaptar apenas algu-mas poucas coisas em relação ao menu original por-que consegue encontrar quase todos os ingredientes necessários no Brasil. Uma das modificações foi a retirada de pratos elaborados com berbigão, um tipo de marisco que não se encontra nos mer-cados brasileiros. Outra alteração foi em um embutido chamado paio de touci-nho, feito com a carne do porco preto, que não é criado em terras brasileiras e que foi substituído pela panceta.

Para garantir a qualidade do Tasca da Esquina de São Paulo, mesmo à distância, Sobral diz que manterá o local

a funcionar como seus outros empreendimentos lusita-nos – ele tem também em Lisboa a Cervejaria da Esqui-

na –, deixando permanentemente um chef residente coordenando a equipe, além dele mesmo, que é um chef itinerante.

A decisão de abrir a filial em São Pau-lo foi a realização de um desejo antigo de Vítor Sobral, motivado pela diversida-de cultural de uma metrópole que fala a mesma língua de seu país de origem. Ele classifica São Paulo como uma cidade agi-tada e emocional e diz que deixará para os

clientes avaliarem qual o principal diferencial de sua casa em relação aos outros restaurantes portugueses.

À mesa com os portugueses

Feijoada é uma adaptação feita no Brasil do cozido à lusitana

GAsTROnOMiA

O chef pOrtuguês vÍtOr sObral, que aparece

aciMa nO altO de lisbOa, abriu uMa filial eM sãO

paulO de sua tasCa da esquina. uMa das estrelas

dO cardápiO é a raia cOzida eM azeite – cOMO

aparece aO ladO.

O jeito brasileiro de iniciar o preparo de um alimento, partindo de um bom refogado, a popular feijoada das quartas-feiras e sá-bados, e o uso das gemas em diferentes

doces, como o Quindim, são algumas características que revelam que a herança portuguesa à nossa mesa vai muito além do bacalhau com batatas, tido como o mais português dos pratos.

Na verdade, uma grande quantidade de comidas consideradas tipicamente nacional resulta da adap-tação de receitas da culinária portuguesa, como é o

por Amarilis Bertachini

caso da feijoada. Ao contrário da difundida teoria de que teria surgido na senzala, como uma forma de aproveitar as sobras de carne dos senhores da casa--grande, a feijoada teve origem nos famosos cozidos portugueses, que no Brasil receberam o acréscimo de ingredientes encontrados no País, como o feijão pre-to, que substituiu o grão-de-bico da receita original. As partes do porco usadas na feijoada, que hoje são

A tasca da esquina do mundo

Percorrendo mais uma vez a antiga rota que liga Portugal ao Brasil, o chef Vítor Sobral, proprietário do restaurante Tasca da Esquina, em Lisboa, decidiu abrir uma filial na maior cidade de língua portugue-sa do mundo. No novo empreendimento, inaugurado em julho de 2011, o chef recria as delícias já servidas na matriz, que fica no bairro Campo de Ourique, des-filando no cardápio os clássicos portugueses e recei-tas mais modernas criadas por ele.

Page 36: Portugal - Presença no Brasil

68 69PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

bacalhau à MinhOta, uM dOs pratOs

fOrtes de a Casota, de sãO paulO,

restaurante que se Orgulha de

nãO fazer cOncessãO aO paladar

brasileirO.

de do português Jerónimo Augusto Gomes Alves, um dos pioneiros em apresentar receitas em programas de televisão, ensinando pratos tradicionais da cozi-nha portuguesa e alguns de sua própria autoria. Je-rónimo veio para o Brasil quando tinha 18 anos, tra-zendo a experiência de já ter trabalhado em alguns restaurantes em Portugal. “Naquela época, a maioria dos restaurantes aqui só oferecia carne ou macarrão e as poucas casas portuguesas só serviam bacalhau com batata e batata com bacalhau. Foi difícil no co-meço, tive que me impor porque montei uma casa toda voltada para frutos do mar e peixes”, conta.

Até hoje 98% dos pratos do Alfama dos Marinhei-ros são à base desses ingredientes, incluindo os clás-sicos da cozinha portuguesa e inovações criadas por Jerónimo Gomes, como o Camarão à Moda do Jeróni-mo, o Misto de Peixe à Moda do Comandante e o Ba-calhau à Vila Real, inspirado na cidade onde nasceu.

Já no restaurante A Casota foram poucas as adap-tações feitas ao cardápio. Segunda geração no coman-do da casa, Nuno Ricardo Palmela Mateus Silva conta que o cardápio do restaurante praticamente não fez concessões ao paladar brasileiro, por resistência de sua mãe, a chef Milu (Maria de Lourdes Palmela), uma portuguesa que, depois de morar um período em An-gola, veio com o marido para o Brasil, em meados dos anos 1970. Ela abriu o restaurante em 1984 e até hoje supervisiona pessoalmente a cozinha. Com muita in-sistência, o filho conseguiu convencer Milu a introdu-zir, na feijoada portuguesa, a couve ao alho e óleo como acompanhamento. “Ela não queria porque em Portu-gal o prato não tem esse acompanhamento, mas essa mudança sutil acabou valorizando o prato”, diz Silva.

O restaurante, no bairro de Moema, em São Paulo, é mais conhecido pelos deliciosos doces portugueses e como rotisserie, mas o cardápio oferece várias opções de

pratos tradicionais, como o Bacalhau à Minhota, o mais pedido, que é uma posta de bacalhau grelhada com batata ao murro e fatias de pimentão e azeite temperados no alho. Outros sucessos da casa são o Bacalhau com Natas, e o Du-que de Palmela, que são lascas de bacalhau com camarão.

Apesar de todos esses estabelecimentos dedicados às delícias lusitanas, quem anda pelas ruas das grandes cidades brasileiras pode con-cluir que há mais restauran-tes italianos ou japoneses, mas aqueles que conhecem um pouco da história da culinária sabem que os há-

bitos, os temperos e o gosto brasileiro têm um quê, lá no fundo, das cozinhas do Minho, das Beiras, do Por-to, de Coimbra e, principalmente, de Lisboa. Culinária que não aparece em destaque nos letreiros nem nos cardápios, mas está gravada nos sabores de todos os dias dos brasileiros.

thales Martins filhO é prOprietáriO dO antiquarius – restaurante

que fOrMOu uMa geraçãO de chefs pOrtugueses nO brasil.

GAsTROnOMiA

sempre com um toque pessoal. Nossa dobradinha é ‘dis-putada a tapa’ porque fazemos uma quantidade limita-da e é oferecida apenas em alguns dias da semana”, diz Thales Martins Filho, proprietário da filial de São Paulo.

Mas as receitas preparadas com bacalhau ainda são o grande sucesso do Antiquarius. No restaurante – que atende perto de 1.500 clientes por semana – são consumidos semanalmente cerca de 250 quilos do pescado, no preparo de mais de vinte diferentes pratos.

O Antiquarius tem sido uma espécie de escola da gastronomia portuguesa. Com exceção de alguns por-tugueses que vieram há anos e de outros que estão chegando, todos os demais res-taurantes hoje que trabalham dentro dessa linha de culinária portuguesa saíram do Antiquarius. São ex--funcionários daqui que abriram os próprios restau-rantes”, relata Martins Filho.

Entre os que passaram pelo Antiquarius, está o alentejano de Sousel Carlos Bettencourt, que em 2004 abriu seu próprio negócio, A Bela Sintra. Rapi-damente tornou-se um dos mais prestigiados restau-rantes portugueses de São Paulo e já tem uma filial em Brasília. “O cardápio é internacional, com foco em gastronomia portuguesa”, diz Bettencourt. Ele destaca como pratos principais da casa o Bacalhau

Como se Faz na Fazenda (um bacalhau em postas com ratatouille de legumes), o Cordeiro à Moda Alentejana, o Picadinho e o Bife à Portuguesa. De acordo com ele, o que mais agrada ao paladar dos portugueses são os pratos à base de caça e frutos do mar e os mais pedidos do cardápio são o Arroz de Pato e o Camarão à Bela Sintra. Já os brasileiros pe-dem, principalmente, o Bacalhau Nunca Chega e o Bife à Moda Portuguesa.

Aliás, o tradicionalíssimo bife, quase onipresente nas refeições brasileiras, também é uma herança lu-sitana, como lembra a chef Gislaine Oliveira, proprie-tária do Buffet Gislaine Oliveira Gastronomia. “Acho que o bife foi a maior contribuição portuguesa para a culinária do País, uma vez que o bacalhau, apesar de ser o prato mais conhecido, tem um preço restritivo para os consumidores brasileiros”, diz.

A chef, que também ministra cursos de gastrono-mia em algumas escolas especializadas e em progra-mas de televisão, viajou a Portugal, onde deu aulas de culinária brasileira e aproveitou para visitar diversos restaurantes, conhecer novos ingredientes e reciclar as informações, para montar uma aula especial sobre culinária portuguesa para brasileiros.

De acordo com Gislai-ne, o que os brasileiros mais procuram é o aprendizado de pratos portugueses específi-cos, como os à base de baca-lhau, bem como o Arroz de Pato e o Toucinho do Céu, e

ela diz que gosta sempre de incluir um contexto his-tórico sobre cada iguaria ou hábito alimentar. Foi de-vido a esse interesse histórico que ela descobriu mais um legado português: o costume de comer peixe às sextas-feiras. Segundo a chef, esse hábito chegou ao Brasil com D. Maria I de Portugal, conhecida como Maria, a Louca, que era extremamente devota à Igreja Católica e que, além de guardar a sexta-feira santa, passou a fazer jejum de carnes todas as sextas-feiras do mês, em memória à crucificação de Cristo.

Por falar em peixes e frutos do mar, um dos mais famosos restaurantes de São Paulo dedicado a essas iguarias é o Alfama dos Marinheiros, de proprieda-

Alfama dos Marinheiros de São Paulo é pioneira em apresentar receitas na TV

Page 37: Portugal - Presença no Brasil

70 71PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

tação da Luz, construída no final do século XIX, em estilo inglês que remete ao Big Ben. Desde a inaugu-ração, em 2006, já recebeu 2,3 milhões de visitantes, cifra que o coloca no topo do ranking dos museus mais concorridos da América Latina. Dividido em três andares, o espaço é totalmente utilizado. Até os elevadores são usados para exposições e para obser-vação do acervo a partir de pontos de vista diferentes. Aproveitando as novas tecnologias, o Museu usa e abusa dos recursos audiovisuais para contar a histó-ria do nascimento, evolução, expansão e contempo-raneidade da língua que falamos.

Uma das principais atrações é a Grande Galeria, na qual uma tela recebe simultaneamente as imagens de 38 projetores passando filmes nos quais a língua por-tuguesa surge no cotidiano e na história de cidadãos comuns. No mesmo andar, é possível ver os sete totens que apresentam as influências das línguas e dos po-vos que contribuíram para formar o idioma falado no Brasil. Um oitavo totem é dedicado ao português dos demais países. Mas o Museu não conta apenas com o seu acervo para atrair turistas. As exposições especiais levam milhares de pessoas à Estação da Luz. A mostra de maior público foi dedicada ao bardo lusitano. Intitu-lada Fernando Pessoa, plural como o universo, recebeu 150 mil pessoas, entre agosto de 2010 e fevereiro de 2011.

“Como todos os museus, este tem por objetivo preser-var, divulgar e pesquisar”, diz seu diretor, Antonio Carlos de Moraes Sartini. “A missão dele é fazer com que os visitantes passem a se interessar mais pelo nosso idioma, tenham orgulho dele e iden-tidade com o que falamos.” E o momento não poderia ser mais propício, uma vez que o idioma lusófono passa por um polêmico processo de uniformização da escri-ta, coordenado pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): Brasil, Portugal, Angola, Cabo Ver-de, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. O primeiro passo concreto dessa iniciativa foi o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1990, adotado pelo Brasil e por Portugal em 2009, mas que só será implantado em 2015.

A padronização da ortografia despertou apoios e ataques irados em ambos os lados do Atlântico. No Brasil, há os que execram a decisão, como a douto-ra em lingüística Eni Puccinelli Orlandi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Esse acordo era desnecessário e não faz nenhum sentido. Além de ser mal feito”, dispara a professora. O lingüista Ataliba Teixeira de Castilho, professor ti-tular aposentado da Universidade de São Paulo (USP), tem uma opinião diferente: “O Brasil fez bem, saiu

na frente em sua adoção”, afirma. Já Adelto Gonçalves, professor de Língua Portu-guesa da Universidade Pau-lista (Unip), considera que a unificação era necessária e vê vantagens de ordem cultural.

“A União Européia só reconhece como idioma oficial o português de Portugal”, diz. “Com a unificação, isso deixa de existir. Livros publicados no Brasil poderão ser lidos do mesmo modo em Portugal e nos países africanos ou até da Ásia, como no Timor Leste, facili-tando a vida dos leitores”.

Independentemente dos embates de estudio-sos, o mais importante é que a língua portuguesa continua firme e forte. É o idioma natal de 240 mi-lhões de pessoas, que vivem em países banhados pelo Atlântico, Pacífico e Índico, em oito nações, nas quais Fernando Pessoa poderia dizer, com certeza, “esta é minha pátria”.

big ben paulistanO da estaçãO da luz é cenáriO de caMões.

A missão do Museu é fazer o público se interessar mais pela língua portuguesa

A língua viva da Estação da Luz

Mais de 2 milhões de pessoas já visitaram o museu paulistano do nosso idioma

CULTURA

Seguramente uma das mais conhecidas expres-sões cunhadas pelo poeta lusitano Fernando Pessoa é aquela em que afirma “Minha pátria é minha língua”, deixando claro que se refe-

re a um idioma falado, cantado e vivido muito além das fronteiras territoriais de um só país. A língua de Luís de Camões, Eça de Queiroz, Alexandre Herculano e José Saramago espalhou-se pelo sete mares e pelos cinco continentes, mas foi no coração da maior cidade

lusófona do mundo, São Paulo, que tomou corpo um museu dedicado ao imenso desafio de apresentar, em co-res e formas, a história, a sonoridade, o sabor, os segredos e os sentimentos da mais antiga língua de origem lati-na falada até hoje.

Cravado bem no centro de São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa está instalado na imponente Es-

Mudanças OrtOgráficas

dO pOrtuguês estãO

na grande galeria dO

Museu, que é vanguarda

de sãO paulO.

por Evanildo da Silveira

Page 38: Portugal - Presença no Brasil

72 73PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

antóniO de alMeida e silva, presidente dO cOnselhO da cOMunidade pOrtuguesa eM sãO paulO, afirMa que há lusO-descendentes plenaMente

cOnscientes dO patriMôniO históricO e cultural que representa a presença lusitana nO paÍs.

Ainda no plano econômico, há como, individual-mente, os membros da comunidade auxiliarem?Em alguns momentos do passado, Portugal contou com uma sensível ajuda financeira dos emigrantes, que en-viaram remessas e mais remessas de recursos financei-ros. A crise atual pela qual passa a Europa deve trazer à tona esse expediente mais uma vez. Certamente, isso vai minorar as dificuldades da sociedade portuguesa.

Qual o atual peso político da comunidade portu-guesa no Brasil e, no sentido inverso, da comuni-dade brasileira em Portugal?O peso político da nossa comunidade no Brasil é ex-pressivo, já que ela está presente em todos os segmen-tos da sociedade brasileira, mercê da sua total e efetiva integração, fato que nos orgulha muito. Em Portugal, a comunidade brasileira ainda não alcançou o mesmo espaço, mas já se organiza para isso. A Casa do Brasil, em Lisboa, é prova do crescimento de um movimento

associativo, que seguramente colaborará para aumen-tar o peso e a influência dos brasileiros.

Qual será o futuro da comunidade portuguesa no Brasil e, mais especificamente, em São Paulo, que já foi a segunda maior cidade de população portuguesa do mundo? A nossa comunidade, como já salientado, tem uma posição sedimentada, e diria definitiva, neste querido país de acolhimento. Possui um movimento associa-tivo forte e organizado, como nenhuma outra, com quase 200 associações em todo o País. Está presente em todos os setores da vida do Brasil, tanto econômi-co, quanto social, e há luso-descendentes plenamen-te conscientes do patrimônio histórico e cultural que está na base dessa comunidade. Se numericamente formos menos, o significado e importância desse pa-trimônio acumulado não sofrerá decréscimo. O imen-so patrimônio histórico e cultural atinente à comu-

antónio de almeida e silvaÉ natural o abrasileiramento

da língua portuguesapor Amarilis Bertachini

enTReVisTA

Atual presidente da Diretoria do

Conselho da Comunidade Luso-

Brasileira do estado de são Paulo,

António de Almeida e silva é considerado

a principal ponte entre a comunidade

e o governo da antiga metrópole.

sucessivas vezes membro do Conselho

das Comunidades Portuguesas, em 2003

foi guindado ao mais alto cargo que um

emigrante pode ocupar nas Comunidades:

o de presidente mundial do Conselho

das Comunidades Portuguesas, órgão de

consulta do governo português. Almeida

e silva chegou ao Brasil quando tinha dois

anos de idade e desenvolveu uma brilhante

carreira. Advogado formado pela Faculdade

de Direito do Largo de são Francisco (UsP),

especializou-se em direito empresarial

e é sócio do escritório Mesquita Pereira,

Marcelino, Almeida, esteves Advogados.

O senhor é um dos principais elos políticos entre a comunidade portuguesa no Brasil e o governo português. Como classifica essas relações?As relações entre os dois países, eu diria, estão boas, embora ache que às vezes patinam devido a um cer-to empirismo. Acredito mesmo que muito poderia ser feito no sentido de termos relações mais concretas e efetivas no plano de realizações culturais e empre-sariais. E mesmo as relações comerciais, que não são apenas de vendas de produtos e serviços, mas também investimentos entre os dois países, que têm registrado crescimento sistemático, ainda não alcançaram os ní-veis desejados, de parte a parte. Portanto, ainda existe muito a fazer.

Como as relações comerciais com o Brasil têm contribuído para Portugal enfrentar a crise que atravessa?O Brasil, por vários motivos, pode ser o grande parcei-ro para ajudar Portugal a sair dessa crise, que não é só dele, mas que também afeta outros países europeus. Nesse contexto, com a posse do novo governo, têm sido vistos alguns ensaios no sentido de uma melhor ajuda mútua. A visita da presidente Dilma Rousseff repre-sentou um inegável movimento de aproximação que poderá frutificar em ações concretas de apoio, tanto no plano financeiro e comercial, como no plano político.

Page 39: Portugal - Presença no Brasil

74 PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

nidade luso-brasileira exige que acreditemos no seu futuro. Não acreditar seria o mesmo que nos despo-jar de um elemento da própria nacionalidade. Pre-cisamos, sim, brasileiros e portugueses, desenvolver projetos adequados a enriquecê-lo, pela transferência dos legados recebidos às gerações emergentes, que de-vem entender e incorporar essa importante herança.

Quais as principais di-ficuldades para harmo-nizar tantos interesses e entidades – dos panifica-dores, por exemplo, aos banqueiros?Temos um movimento asso-ciativo sedimentado e orga-nizado. Na área empresarial, a Câmara Portuguesa de Comércio realiza um papel fundamental e é hoje a referência para os dois governos, de Portugal e do Bra-sil. Nessa instituição há espaço tanto para o pequeno quanto para o grande empresário, porque essa varie-dade é característica da comunidade. Na área especí-fica das padarias, ou, com mais precisão, do setor da indústria de panificação, existem o sindicato e a asso-ciação dessa categoria, que vêm fazendo um trabalho excepcional. Realizaram este ano a 18ª Fipan (Feira Internacional da Panificação, Confeitaria e do Varejo Independente de Alimentos), com uma presença im-pressionante de expositores e de público. É um setor que alcançou um grande status, que dialoga com os governantes com freqüência e familiaridade.

E qual o papel do Conselho da Comunidade Lu-so-Brasileira na Cidade de São Paulo?O Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Esta-do de São Paulo é órgão representativo da comunidade como um todo e das  suas associações. Tem tido um papel agregador e tem atuação voltada para a manutenção da união e dos valores que estão na base da coletividade.

Como preservar e ao mesmo tempo integrar os costumes portugueses aos costumes brasileiros?As nossas associações acabam cumprindo bem esse pa-pel porque, no seu âmbito, acontecem os movimentos e eventos que propagam e divulgam os costumes e tudo

aquilo que é típico de uma região. As festas, as feiras, os encontros já são tradicionais, fazem parte do calendá-rio e contam com a participação de um grande número de portugueses e luso-descendentes mais arraigados. Já a comunidade em geral, pela sua integração e pela identidade histórica e cultural, acaba tendo muita fa-cilidade nessa integração à sociedade brasileira.

E o senhor não pensa em documentar toda essa ex-periência em livro?Escrevo semanalmente a coluna “Opinião e Diálogo” para jornais e revistas da comunidade portuguesa no Brasil. Pretendo também

escrever, em breve, um livro sobre a minha trajetória como dirigente do Conselho da Comunidade Luso-Bra-sileira do Estado de São Paulo.

Sobre o acordo ortográfico, quais os impactos para cada um dos dois países? Alguns acreditam que a ortografia brasileira vem se impondo à por-tuguesa. Como vê essa relação?Eram necessárias algumas normatizações. De outro lado, o Brasil, pelas suas condições naturais, é inega-velmente o grande condutor dessa língua, hoje uma das cinco mais faladas no mundo. É natural, a meu ver, esse “abrasileiramento” que vai surgindo...

Considerados os fatos históricos, o senhor acha que a permanência da Família Real no Brasil criou certa animosidade e deixou marcas na re-lação entre Brasil e Portugal? É possível que em função desse distanciamento que existiu os por-tugueses ainda se sintam estrangeiros no Brasil?Eu sempre achei que a vinda da Família Real deixou marcas positivas que ajudaram a sociedade brasileira a se consolidar. Eventuais animosidades, normais no contexto da época, encontram-se hoje totalmente supe-radas. Os portugueses não se sentem estrangeiros neste país de acolhimento. Sentem-se integrados e agradeci-dos pelo acolhimento generoso e, por isso, ao longo dos anos sempre procuraram retribuir com muito trabalho realizador.

enTReVisTA

"Conselho da comunidade tem papel agregador e atuação voltada para a união"

Page 40: Portugal - Presença no Brasil

76 77PORTUGAL – Presença no Brasil AnUáRiO 2012

desluMbrante fachada principal eM estilO ManuelinO dO estádiO dO vascO da gaMa, na cOlina de sãO JanuáriO, nOs altOs de sãO cristóvãO, bairrO

iMperial cariOca que fOi residência dO rei pOrtuguês d. JOãO vi e dOs iMperadOres brasileirOs d. pedrO i e d. pedrO ii.

Carioca, foi campeão na bola e na luta contra o pre-conceito racial, derrotando Flamengo, Fluminense, Botafogo e América – clubes que ainda prezavam e se batiam pelo elitismo no futebol.

Traço de união entre o Brasil e Portugal, conforme exalta a belíssima letra de seu hino, de autoria de Lamartine Babo, lendário torcedor do América, o Vasco de 1923 conquistou o título trazendo consi-go um fortíssimo desafio, pois, para além de quatro jogadores negros, o clube ainda colocou em campo mais quatro brancos analfabetos – apesar dos protestos dos clubes da Zona Sul e mesmo do tijucano América, alu-são ao tradicional bairro da Tijuca na Zona Norte carioca. Os negros eram Nelson Conceição (chofer de táxi), Ceci (pintor de paredes), Nicolino (estivador) e Bolão (motorista de caminhão). “Foi mui-ta humilhação para os times grã-finos, cujas equipes eram formadas, em sua grande maioria, por jovens estudantes e profissionais de alto nível da elite cario-ca”, escreveu o sociólogo paulista Waldenyr Caldas,

professor da USP e notório vascaíno, em sua obra O Pontapé Inicial – Memória do Futebol Brasileiro, uma das referências da literatura acadêmica sobre o mais popular dos esportes do século XX. As represá-lias se sucederam contra a ousadia do Vasco. E, num

determinado momento, exigiu-se da agremiação, que mandava suas par-tidas em campos suburbanos sem arquibancadas, a construção de um verdadeiro estádio – caso contrário, seria excluído do campeonato. O Vasco deveria seguir o exemplo do Flamengo, que possuía o seu park na Gávea, bem como do Fluminense, nas Laranjeiras, Botafogo, em Gene-ral Severiano, e o América, em Cam-pos Salles.

Desafiados, mais uma vez, os vas-caínos construíram São Januário,

que se tornou o maior estádio da América do Sul. Foi erguido em tempo recorde, graças a uma campanha inesquecível, organizada por portugueses e brasilei-ros, que pedia a cada torcedor um simples tijolo como contribuição para erguer São Januário.

És um traço de união Brasil-Portugal

O Vasco da Gama quebrou o preconceito racial no futebol e foi campeão carioca

esPORTe

Por Albino Castro

No alto da colina que domi-na no Rio de Janeiro o im-perial Bairro de São Cristó-vão, próxima ao Palácio da

Quinta da Boa Vista, residência do rei português D. João VI, e também de seu neto, D. Pedro II, imperador do Brasil, portugueses e brasileiros, torcedores do querido Vasco da Gama, brancos, mulatos e negros, se uniram e ergue-ram, desafiando as “elites” da Zona Sul carioca, o grandioso estádio de São Januário, inaugurado em 1928 – e cuja monumental fachada, em estilo ma-nuelino, como o Real Gabinete Portu-guês de Leitura, é uma das muitas relí-quias da arquitetura lusitana no Brasil. O Vasco da Gama, fundado em 1898, ano do quarto centenário da epopéia da chegada do valoroso almirante Vas-co da Gama à Índia, nasceu para vencer, na terra e no mar, e quebrar preconceitos raciais, con-sagrando, assim, a miscigenação no esporte, como já havia acontecido durante a colonização no País.

Considerado o terceiro clube mais querido de todos os brasileiros, pre-cedido por Flamengo e Corinthians, o Vasco da Gama, simplesmente Vasco, como carinhosamente é cha-mado, clube amado desde a infância por Pelé, ganhou títulos em todos os campeonatos que disputou. Inclu-sive, em 1998, o de campeão da Taça Libertadores, competição que reúne os melhores times da América do Sul – continente que, com apenas três países, Brasil, Uruguai e Argen-tina, rivaliza com todas as nações da Europa em conquistas de Copas do Mundo. Os sul-americanos pos-suem nove títulos mundiais contra dez europeus, no total de 19 Copas. Coube, aliás, a um ilustre vascaíno, o capitão Bellini, erguer a taça Jules Rimet na primeira conquista brasi-

leira do mundial, em 1958, na Suécia. Mas o maior tí-tulo da história do glorioso Vasco aconteceu em 1923, quando, ao disputar pela primeira vez o Campeonato

alMirante vascO da gaMa.

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hino à liberdade

Filho de pais alemães, mas nascido em Lisboa, em 1850, o maestro Alfredo Keil optou desde

jovem pela nacionalidade lusitana e compôs, em 1890, no calor das lutas dos liberais do

Porto contra a influência dos ingleses na Corte de Lisboa, o célebre hino da República, A

Portuguesa – que ganhou letra do dramaturgo português Henrique Lopes de Mendonça. A

exaltação à Portuguesa inspiraria, no Brasil, os clubes dos imigrantes lusitanos fundados

depois da proclamação da República em Portugal, em 1910, como a Portuguesa de

Desportos, de são Paulo, a querida Lusa, criada em 1920 – e considerada por quase todos

paulistanos a segunda equipe do coração. A Portuguesa de Desportos possui uma torcida

bastante aguerrida e fiel às cores republicanas – encarnada e verde. Tradicionalíssima

também é a decana Portuguesa santista, a Briosa de santos, fundada em 1917, que revelou

Tim, El Peon, um dos grandes craques dos primórdios do profissionalismo, nos anos 1930, e

por onde também passou Waldemar de Brito, o descobridor de Pelé. Há outra Portuguesa,

a carioca, criada em 1924, que derrotou por 2 a 1, em pleno estádio santiago Bernabéu, em

1956, o poderoso Real Madrid, do genial Di stefano, que acabara de se sagrar o primeiro

campeão europeu. existe ainda a caçula Portuguesa Londrinense, fundada em 1950, em

Londrina, no Paraná. A grande comunidade portuguesa da Amazônia, que teve no escritor

Ferreira de Castro, autor de selva e emigrantes, um de seus mais ilustres imigrantes, tem

uma paixão especial pela centenária Tuna Luso, de Belém do Pará, nascida em 1º de janeiro

de 1903 – terceira força do futebol paraense. O nome do clube inicialmente foi Tuna Luso

Caixeiral, depois Comercial e, hoje, Brasileira. O uniforme tem o padrão do Vasco, com a faixa

diagonal na camisa e a cruz de Malta no peito, mas o verde substitui o preto. A mascote é

uma águia, semelhante à do Benfica, clube mais popular de Portugal.

esPORTe

Importante lembrar que, assim como no Brasil, onde o Vasco foi o primeiro grande clube a escalar jo-gadores negros em seu time, também Portugal que-brou preconceitos, ao ser pioneiro, na Europa, a con-vocar para a seleção, entre os anos 1940 e 1950, dois extraordinários atacantes, o moçambicano Matateu e o angolano Iaúca, ambos negros e craques de Os Be-lenenses – clube de Lisboa que mantém inalterado o seu tradicional estádio, no bairro do Restelo, acima do Mosteiro dos Jerónimos. Quatro negros moçam-bicanos também seriam titulares na maior das sele-ções portuguesas de todos os tempos, a da Copa do Mundo de 1966, disputada na Inglaterra – e treinada pelo luso-carioca Oto Glória, ex--vascaíno: o lateral esquerdo Hilário, do Sporting de Lisboa,

o quarto-zagueiro Vicente, irmão de Matateu, e tam-bém jogador de Os Belenenses, o meio-campo Coluna e o atacante Eusébio, ambos do Benfica. Vicente é con-siderado por muitos o melhor marcador de Pelé.

Quatro negros titulares com a escarlate camisola lusitana, numa época em que ainda não havia ne-nhum afrodescendente numa seleção européia. E quatro negros no campeão carioca de 1923 – num tem-po em que só os brancos alfabetizados podiam atuar por equipes tão populares, hoje, como Flamengo, Flu-minense e Botafogo. Um marco histórico cá como lá. Traço de humanismo de uma nação imperial que sou-be – e sabe – respeitar e integrar as diferentes culturas e raças embaixo de sua grande bandeira. Portugal é o único país do Velho Continente, por exemplo, que tem como ídolo máximo no futebol um negro, Eusé-bio, a Pantera, considerado até hoje o Pelé europeu.

Page 42: Portugal - Presença no Brasil

Conselho editorial

Luiz Fernando LevyAlbino CastroAndrea Wolffenbüttel

editor

Albino Castro

seCretário de redação

Fábio Caldeira Ferraz

Projeto GráfiCo e diaGramação

Fonte Design

textos e rePortaGens desta edição

Albino CastroAmarilis BertachiniAndrea WolffenbüttelEvanildo da Silveira Fábio Caldeira FerrazLuis S. KrauszLuiz Voltolini

administração

Marcos dos Santos

ComerCial

C. N. Neto

Planejamento

Gustavo Aranha

fotos e ilustrações

Agência EstadoAgência A TribunaAlfredo GusmãoGilberto ToméMaria von WasielewskiDivulgação

revisão

Francisca Evrard

imPressão

Prol Editora Gráfica

Uma Escola de heróis dos mares

Nunca chegou ao trono de Portugal o célebre criador da Escola de Sagres, o Infante D. Henrique, o Navegador

– quinto filho do rei D. João I, fundador da dinastia de Avis, sucedido pelo primogêni-to D. Duarte. Mas foi graças a D. Henrique, com seus estudos marítimos, que Portu-gal venceu os mares tenebrosos, unindo os oceanos, e conquistou as maiores gló-rias. O Mestre de Sagres, mesmo sem ter sido rei, foi o maior vulto da história dos descobrimentos portugueses. Da escola criada por ele no Algarve, extremo sul de Portugal, saíram navegadores reconheci-dos em todo o mundo, como Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Cristóvão Colombo, Fernão de Magalhães e o nosso Pedro Ál-vares Cabral.

Os portugueses construíram, ao sul do Equador, na margem oposta à costa afri-cana, o imenso Brasil, de Roraima ao Rio Grande do Sul, unido pelo nobre idioma de Luís de Camões. Desde 1500, quando aqui aportaram as primeiras caravelas, 83 anos após a criação da Escola de Sagres, os lusitanos estiveram sempre presentes no desenvolvimento do País, inclusive com a criação do Banco do Brasil e a abertura dos portos às nações amigas – com a chegada, em 1808, da Corte de D. João VI ao Rio de Janeiro. Os portugueses são hábeis nego-ciadores e exímios comerciantes. Estão na linha de frente dos empreendimentos no Brasil. Ontem como hoje.

LUIZ FERNANDO LEVY

capa desta

edição de pORtUgAL

– pREsENçA NO

bRAsIL é do artista

fabio mariano,

inspirado na

cúpula da igreja

nossa senhora do

rosário dos pretos

na ladeira do

pelourinho,

em salvador.

o infante d. henrique aparece

num detalhe dos painéis de

são vicente de fora, museu

nacional de arte antiga, lisboa.

Rua Acruás, 220São Paulo, SP, 04612-090tel: [55 11] [email protected]@plugeditora.com.br

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