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POSSIBILIDADES DE UTILIZAÇÃO DE AGREGADOS DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS CORRENTES LARA JÚLIA GUEDES DA SILVA Dissertação submetida para satisfação parcial dos requisitos do grau de MESTRE EM ENGENHARIA CIVIL ESPECIALIZAÇÃO EM CONSTRUÇÕES Orientador: Professor Doutor Hipólito José Campos de Sousa JULHO DE 2008

Possibilidades de Utilização De

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  • POSSIBILIDADES DE UTILIZAO DE AGREGADOS DE RESDUOS DE

    CONSTRUO E DEMOLIO NA CONSTRUO DE EDIFCIOS

    CORRENTES

    LARA JLIA GUEDES DA SILVA

    Dissertao submetida para satisfao parcial dos requisitos do grau de

    MESTRE EM ENGENHARIA CIVIL ESPECIALIZAO EM CONSTRUES

    Orientador: Professor Doutor Hiplito Jos Campos de Sousa

    JULHO DE 2008

  • MESTRADO INTEGRADO EM ENGENHARIA CIVIL 2007/2008 DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL

    Tel. +351-22-508 1901

    Fax +351-22-508 1446

    [email protected]

    Editado por

    FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

    Rua Dr. Roberto Frias

    4200-465 PORTO

    Portugal

    Tel. +351-22-508 1400

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    http://www.fe.up.pt

    Reprodues parciais deste documento sero autorizadas na condio que seja mencionado o Autor e feita referncia a Mestrado Integrado em Engenharia Civil - 2007/2008 - Departamento de Engenharia Civil, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2008.

    As opinies e informaes includas neste documento representam unicamente o ponto de vista do respectivo Autor, no podendo o Editor aceitar qualquer responsabilidade legal ou outra em relao a erros ou omisses que possam existir.

    Este documento foi produzido a partir de verso electrnica fornecida pelo respectivo Autor.

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    AGRADECIMENTOS

    Ao Professor Hiplito Sousa, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), orientador cientfico desta dissertao, agradeo a disponibilidade e o interesse manifestados. Exprimo igualmente, a minha gratido pelas sugestes e pela cedncia de bibliografia essencial realizao deste trabalho.

    Ao Eng. Adalberto Frana, da seco de Vias de Comunicao da FEUP, agradeo pela ateno e pela informao cedida.

    Eng. Susana Matos da empresa Sopsec, agradeo novamente pela disponibilidade e pela preocupao manifestada para a realizao das visitas a algumas obras.

    Ao Eng. Duarte Almas, agradeo pela visita guiada sua obra e pelo esclarecimento de algumas questes.

    minha colega de curso e futura engenheira, Carla Silva, agradeo pela troca de impresses e pelas sugestes dadas.

  • Ttulo do Trabalho - Arial 8pt itlico

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    RESUMO

    O conceito de desenvolvimento sustentvel, cada vez mais presente no nosso quotidiano, surge com o objectivo de proteger os recursos naturais do consumo desenfreado, permitindo o usufruto dos mesmos pelas geraes vindouras. Os recursos, pedra natural e solo, esto a ser fortemente solicitados com o crescimento das populaes e consequente expanso das cidades. Urge diminuir ou atenuar o consumo de inertes para construo, assim como, reduzir o volume de material com destino ao depsito em aterro, evitando a sua proliferao. Visto que, o ciclo de reposio dos recursos naturais ultrapassa em larga escala a durao de uma vida humana, compete humanidade e particularmente aos decisores relacionados com a construo, a consciencializao para a problemtica do seu esgotamento. Numa altura em que Portugal partilha dos ideais e objectivos da Unio Europeia em proteger os recursos naturais e reduzir a produo de resduos, surge este trabalho na tentativa de contribuir, uma vez mais, para o estudo de possibilidades de reaproveitamento dos produtos derivados de RCDs, para outras aplicaes.

    O presente trabalho, baseado em casos de estudo existentes sobre a incorporao de agregados reciclados em novas amassaduras, tem como tema principal, a procura de solues viveis para os novos betes e para os prprios agregados.

    PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento sustentvel, Recursos naturais, Resduos, Agregados reciclados.

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    ABSTRACT

    The concept of sustainable development, each time more present nowadays, appears with the goal of protecting the natural resources from the unruly consumption, allowing the usufruct of these by future generations. The resources, natural stone and soil, are being strongly solicited with the growth of populations and consequently cities expansion. Its urgent to decrease or attenuate the consumption of inert materials for construction, together with reducing the volume of material that goes to landfilling. Attempting that, the cycle of replacement of natural resources is far superior to the duration of a human life, it competes to humanity and particularly to the construction related deciders, the awareness for their disappearance. In a time that Portugal shares the same goals than the European Union about protecting the natural resources and reducing the waste production, appears this work in the attempt of contributing, one more time, for the study of possibilities to reincorporate the CDW derived products in other applications.

    The present work, based on existent case studies about the incorporation of recycled aggregates in new concretes, has as a main theme, the search for viable solutions for those and for aggregates themselves.

    KEYWORDS: Sustainable development, Natural resources, Waste, Recycled aggregates.

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    NDICE GERAL

    AGRADECIMENTOS .................................................................................................................................. i

    RESUMO ................................ ................................ ................................ ................................ . iii

    ABSTRACT............................................................................................................................................... v

    1. INTRODUO ................................................................................................................... 1 1.1. ENQUADRAMENTO DA DISSERTAO ............................................................................................ 1

    1.2. OBJECTIVOS DA DISSERTAO...................................................................................................... 3

    1.3. ESTRUTURA DA DISSERTAO....................................................................................................... 3

    2. ENQUADRAMENTO DA PROBLEMTICA DOS RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO ................................... 5 2.1. RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO .................................................................................. 5

    2.1.1. INTRODUO.................................................................................................................................... 5

    2.1.2. IMPORTNCIA DOS RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO ........................................................... 5

    2.2. CONSTITUIO DOS RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO [4] ......................................... 6

    2.2.1. PERIGOSIDADE DOS RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO .......................................................... 8

    2.3. DEMOLIO SELECTIVA [6]............................................................................................................ 9

    2.4. GESTO DE RESDUOS ................................................................................................................. 12

    2.4.1. LEGISLAO GERAL ........................................................................................................................ 12

    2.4.2. LEGISLAO ESPECFICA (DECRETO-LEI 46/2008)............................................................................ 14

    2.5. TRATAMENTO DOS RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO................................................. 15

    2.5.1. PROCESSAMENTO IN SITU OU EM CENTRAL ...................................................................................... 15

    2.6. IMPACTES AMBIENTAIS ASSOCIADOS PRODUO DE AGREGADOS NATURAIS E RECICLADOS ............................................................................................................................................................... 18

    2.7. O PAPEL DOS AGENTES ECONMICOS [4].................................................................................. 18

    2.7.1. A ECONOMIA DA CONSTRUO ....................................................................................................... 19

    2.8. POSSVEIS MEDIDAS A UTILIZAR PARA A PROMOO DA REUTILIZAO E RECICLAGEM DE RCDS ................................................................................................................................................... 20

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    3. PROPRIEDADES DE AGREGADOS E BETES RECICLADOS DE RCDs ALGUNS CASOS DE ESTUDO ....25 3.1. REINCORPORAO DE AGREGADOS RECICLADOS EM NOVAS AMASSADURAS.........................25

    3.1.1. INTRODUO..................................................................................................................................25

    3.1.2. TRATAMENTO DE SEPARAO .........................................................................................................26

    3.1.3. SEPARAO DA FRACES INERTES ...............................................................................................27

    3.1.3.1. Tcnicas de Separao aplicveis ...........................................................................................27

    3.1.4. PROPRIEDADES DOS AGREGADOS RECICLADOS DE BETO ................................................................27

    3.1.5. MELHORAR A QUALIDADE DOS AGREGADOS RECICLADOS RECOMENDAES [21] ............................30

    3.2. PRODUO DE BETO COM AGREGADOS RECICLADOS .............................................................30

    3.2.1. PRODUO EM CENTRAL DE BETO PRONTO ....................................................................................30

    3.2.2. ADERNCIA DA NOVA ZONA DE INTERFACE [18].................................................................................31

    3.3. BETO PRODUZIDO COM AGREGADOS RECICLADOS CASOS DE ESTUDO...............................32

    3.3.1. UTILIZAO DE AGREGADOS FINOS RECICLADOS DE BETO EM NOVAS AMASSADURAS........................32

    3.3.1.1. Propriedades dos betes com igual trabalhabilidade [26] [27] .................................................32

    3.3.1.2. Propriedades dos betes com igual relao A/C [27]...............................................................34

    3.3.2. UTILIZAO DE AGREGADOS GROSSOS RECICLADOS DE BETO EM NOVAS AMASSADURAS ..................35

    3.3.2.1. Propriedades dos betes reciclados [28] ..................................................................................36

    3.3.2.2. Trabalhabilidade dos betes reciclados garantida com adio de adjuvantes [41] .................39

    3.4. DIRECTRIZES DE CARCTER NORMATIVO RELATIVAS AO EMPREGO DE AGREGADOS GROSSOS RECICLADOS ..........................................................................................................................................41

    3.4.1. ESPANHA [24] ................................................................................................................................41

    3.4.2. PORTUGAL. ....................................................................................................................................43

    3.4.2.1. Percentagens de substituio permitidas. ................................................................................44

    4. VIABILIDADE DO EMPREGO DE AGREGADOS RECICLADOS .........................................................................................................................47 4.1. VIABILIDADE DA PRODUO EFECTIVA DE RCDS DE QUALIDADE ............................................47

    4.1.1. VIABILIDADE DO APROVEITAMENTO DOS RESDUOS DE CONSTRUO................................................47

    4.1.2. VIABILIDADE DO APROVEITAMENTO DOS RESDUOS DE DEMOLIO ...................................................50

    4.2. VIABILIDADE DA APLICAO DOS AGREGADOS DERIVADOS DE RCDS ....................................51

    4.2.1. APLICAES EM AGREGADOS INDIFERENCIADOS PARA A CONSTRUO CIVIL .....................................51

    4.2.1.1. Aplicaes em estradas. ...........................................................................................................51

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    4.2.1.2. Aplicaes em solos. ................................................................................................................ 54

    4.2.1.3. Aplicaes em edifcios ............................................................................................................ 54

    4.2.3. APLICAES EM AGREGADOS PARA BETO ...................................................................................... 55

    4.2.3.1. Aplicaes como agregados para beto simples em estradas, sem requisitos estruturais ..... 55

    4.2.3.2. Aplicaes como agregados para beto simples em edifcios, sem requisitos estruturais ..... 56

    4.2.3.3. Aplicaes como agregados para beto simples e armado..................................................... 56

    5. CONCLUSO ................................................................................................................... 59 5.1. CONCLUSES GERAIS................................................................................................................... 59

    5.2. PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO....................................................................................... 60

    BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 61

    ANEXOS....................................................................................................................................... 65

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    NDICE DE FIGURAS

    Fig.1 Exemplo de resduos de construo e demolio [1] ..................................................................1

    Fig.2 Ciclo ideal para os resduos de beto [2].....................................................................................2

    Fig. 3 Abordagem ao ciclo de vida de um edifcio [5] ...........................................................................6

    Fig.4 Exemplo de resduos de construo na obra do shopping Vivaci da Maia ................................7

    Fig. 5 e 6 Exemplos de pina e tesoura hidrulicas [8] .......................................................................10

    Fig.7 e 8 Operaes de demolio com o auxlio mquinas giratrias de rastos [2] [8] ....................10

    Fig. 9 Processamento de RCDs em central mvel [11] .....................................................................16

    Fig.10 Processamento de RCDs em central fixa [11] ........................................................................16

    Fig. 11 e 12 Exemplo de separao granulomtrica de agregados reciclados [2].............................16

    Fig.13 Esquema de processamento de RCDs em central fixa de reciclagem [11]............................17

    Fig. 14 Aspecto final de composies de misturas de agregados reciclados [12] .............................17

    Fig.15 e 16 Exemplos de despejos de RCDs em zonas verdes [14].................................................22

    Fig. 17 Esquema de recepo, descarga e triagem dos resduos abrangidos pelo projecto REAGIR [12] .........................................................................................................................................................23

    Fig. 18 Esquema de fragmentao, crivagem e armazenamento dos agregados reciclados produzidos no mbito do projecto REAGIR [12] ....................................................................................23

    Fig. 19 Identificao dos oito municpios envolvidos no projecto CONVERTER [16] ........................24

    Fig. 20 Localizao do novo Centro de Triagem e Valorizao de RCDs do projecto CONVERTER [16] .........................................................................................................................................................24

    Fig. 21 Esquema sucinto de tratamento de separao de qualidade crescente [17].........................26

    Fig. 22 e 23 Agregados grossos reciclados de beto [11] [21]...........................................................28

    Fig. 24 Nova zona de interface em beto produzido com agregados reciclados [18]........................31

    Fig. 25 e 26 Exemplos de ecopontos da fase de estruturas da obra adjacente ao Estdio do Drago....................................................................................................................................................48

    Fig. 27 e 28 Exemplos de ecopontos da fase de estruturas da obra do shopping da Maia ............49

    Fig. 29 e 30 Exemplos de ecopontos big-bags da obra do shopping da Maia ................................49

    Fig. 31 e 32 Tratamento de RCDs na empresa Trianovo [42] ...........................................................49

    Fig. 33, 34 e 35 Formas de recolha de RCDs efectuada pela empresa Trianovo [42] .....................50

    Fig. 36 e 37 Exemplos de centrais mveis ( esquerda) e fixas ( direita) [11].................................51

    Fig. 38 e 39 Exemplos de aplicao de agregados reciclados em estradas [11]...............................52

    Fig. 40 Esquema de dreno longitudinal [43] .......................................................................................52

    Fig.41 e 42 Exemplo de aplicao de agregados reciclados na recuperao de caminhos rurais [44] ...............................................................................................................................................................53

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    Fig.43 e 44 Exemplo de aplicao de agregados reciclados em cestos de gabies e na estabilizao de taludes ........................................................................................................................ 53

    Fig.45 e 46 Exemplos de aplicao de agregados reciclados na construo de edifcios [45] ......... 54

    Fig.47 Exemplos de aplicao de agregados reciclados na construo de bases de piscinas [46].. 55

    Fig.47 Exemplo de aplicao de agregados reciclados na construo de passeios ......................... 55

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    NDICE DE QUADROS

    Quadro 1 Tcnicas de separao de agregados de alvenaria e de beto [19]..................................27

    Quadro 2 Principais propriedades dos agregados finos [26]..............................................................32

    Quadro 3 Composies dos betes e respectivos abaixamentos [26]...............................................33

    Quadro 4 Composio das amassaduras e propriedades dos agregados, em kg/m3 [27] ...............34

    Quadro 5 Resistncia compresso (MPa) dos cubos de beto [27] ...............................................35

    Quadro 6 Principais propriedades dos agregados grossos naturais e reciclados..............................36

    Quadro 7 Principais propriedades dos betes com agregados grossos reciclados...........................37

    Quadro 8 Principais propriedades dos agregados finos e grossos [41] .............................................39

    Quadro 9 Efeito da adio de adjuvantes em betes reciclados [41] ................................................40

    Quadro 10 Propriedades exigidas aos agregados e mistura em Espanha [25] ..............................42

    Quadro 11 Limites mximos de resistncia compresso, em alguns pases/organizaes [24] ....42

    Quadro 12 Classes de resistncia e classes de exposio ambiental permitidas [10] ......................44

    Quadro 13 Quantidades de beto pronto e dos respectivos agregados [47] .....................................56

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    1 INTRODUO

    1.1. ENQUADRAMENTO DA DISSERTAO

    Numa altura em que, algumas das construes de beto armado atingem o final da sua vida til, levanta-se a questo do que fazer aos despojos resultantes das respectivas demolies/operaes de restauro ou conservao (figura 1). Os depsitos existentes comeam a atingir um ponto de saturao, a partir do qual ser necessrio efectuar estudos para novas localizaes de aterros de resduos de construo e demolio. No entanto, estas presses sobre o recurso solo, acarretam uma srie de impactes ambientais que urge reduzir para garantir o desenvolvimento sustentvel. Quando por um lado, se preenchem com resduos as verdadeiras crateras criadas para aterros, abrem-se novas crateras para extraco de agregados e de pedra natural. Como o sector da construo grandemente responsvel pelo consumo dos agregados extrados para os mais diversos fins, conclui-se que estas solicitaes sobre os solos no so compatveis com um desenvolvimento que garanta a disponibilidade de recursos equitativa para as geraes vindouras.

    Fig. 1 Exemplo de resduos de construo e demolio [1]

    Tendo em considerao as questes anteriores e assumindo cada vez mais uma atitude responsvel para com o ambiente, surge a oportunidade de transformar os despojos das habitaes resultantes, tanto da fase de construo como da fase de conservao/restauro ou demolio, na matria-prima de outros projectos ou trabalhos de construo civil, atravs de processos de reutilizao/reciclagem. Nesse sentido necessrio garantir que os resduos tenham uma qualidade mnima aceitvel de acordo com o fim a que se destinam. Neste ponto abrem-se duas vertentes distintas, a criao da oportunidade em obra, ainda na fase de construo para separar os resduos, evitando a sua mistura indiferenciada, seguida do respectivo transporte para centrais de recuperao e, mais tarde, no final da vida til do edifcio, a prestao da devida ateno e cuidado relativamente ao processo de demolio. nesta ltima fase, na passagem que ocorre entre a existncia do edifcio a demolir e a existncia apenas dos

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    seus despojos, que se pode garantir a qualidade do produto final resduo de demolio e assegurar a viabilidade de todo o processo de reciclagem. O processo de demolio, quando bem gerido e orientado para a reciclagem, atravs da adopo de procedimentos de demolio do tipo selectiva, garante ao produto final caractersticas que lhe permitem ser usado em vrias aplicaes. No entanto, a demolio selectiva inimiga dos ritmos de obra que se pretendem hoje em dia, sendo necessrio ter presente que este processo mais demorado, podendo requerer o uso de mo-de-obra especializada, para a recolha dos materiais mais valiosos e daqueles que possam reduzir a qualidade dos resduos quando com eles misturados. Aps o processo de demolio (preferencialmente do tipo selectiva) e remoo das armaduras, o resduo est apto a ser desmantelado e reduzido a agregados reciclados, em centrais mveis ou fixas, originando um novo material vendvel cujo leque de aplicaes bastante vasto e est ainda por explorar em toda a sua plenitude em Portugal.

    A mais nobre aplicao dos agregados reciclados ser a sua incorporao em novas amassaduras para confeco de beto estrutural, conforme discutido no mbito deste trabalho. A utilizao dos agregados reciclados na produo de novos betes implica que haja uma estratgia nacional sobre esta temtica que a viabilize e incentive. Este planeamento ou gesto dos resduos deve atender aos seguintes aspectos [2]:

    maior controlo sobre a gerao de resduos, atravs de processos de demolio selectiva; melhoria das caractersticas de ordenamento do territrio, evitando a criao de mais

    aterros para atender s solicitaes provocadas pela enorme quantidade que os resduos de construo e demolio representam;

    dar resposta s preocupaes ambientais, diminuindo a produo de agregados naturais novos;

    consciencializao dos cidados relativamente a novos processos de desconstruo (demolio selectiva), correcta gesto dos RCDs e principalmente, desmistificao das barreiras psicolgicas que existem em torno da qualidade dos produtos reciclados.

    Relativamente aos resduos de construo e demolio, vulgo RCDs, o fim da vida til do edifcio no implica necessariamente o fim da utilidade dos seus componentes, podendo estes, aps processo de transformao, incorporar um novo ciclo noutro elemento construtivo, ou at em novas aplicaes fora do mbito da construo. Evidencia-se neste trabalho o exemplo do reaproveitamento dos produtos da reciclagem, com destaque para os agregados reciclados, que esto ento aptos a pertencer a um novo ciclo aquando da sua incorporao em novos betes, segundo o esquema que se pode observar na figura 2.

    Fig. 2 Ciclo ideal para os resduos de beto [2]

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    1.2. OBJECTIVOS DA DISSERTAO

    A motivao para a realizao deste trabalho surge com o objectivo de poder contribuir para a explorao do tema e para o despertar de atitudes que protejam o ambiente por parte dos agentes que intervm na rea da construo em Portugal. Sendo um tema muito actual hoje em dia, visto que alguns pases h j vrios anos se viram forados a aproveitar os seus entulhos por falta de inertes naturais, enquanto que outros, como Portugal, devido actual abundncia e a outros interesses, s presentemente esto a prestar mais ateno aos seus resduos.

    Pretende-se com este trabalho, estudar vrias aplicaes para a utilizao dos agregados reciclados visando o seu escoamento. Pretende-se de igual forma, analisar a viabilidade tcnica da sua reincorporao em novos betes, designados por betes reciclados, constituindo actualmente o fim mais nobre que se pode dar aos agregados reciclados. Nesse sentido, foi efectuado um levantamento do estado actual do conhecimento a nvel nacional e internacional, das propriedades tcnicas dos betes reciclados quer com substituio de agregados finos, quer com agregados grossos, separadamente. Neste ponto, estabeleceu-se ainda uma comparao entre as especificaes portuguesas e as indicaes espanholas, sendo que estas ltimas ainda no possuem carcter de obrigatoriedade, relativas aplicao segura de agregados grossos reciclados na produo de betes de ligantes hidrulicos.

    Com este trabalho, aps um levantamento exaustivo das principais propriedades tcnicas dos agregados reciclados, pretendeu-se de igual forma contribuir para reduzir as barreiras psicolgicas relacionadas com o descrdito atribudo s suas qualidades. Este aspecto tem grande importncia, sendo esta resistncia uma das maiores responsveis para a no proliferao da utilizao dos agregados reciclados, maioritariamente devida ao desconhecimento geral das suas propriedades, tidas como negativas a priori.

    1.3. ESTRUTURA DA DISSERTAO

    Este trabalho apresentado em cinco captulos. O captulo 1, constitui um captulo introdutrio, seguido de trs captulos de aprofundamento do tema. No ltimo captulo, apresentam-se as principais concluses observadas.

    O primeiro captulo pretende apresentar uma viso geral sobre as preocupaes em torno dos RCDs. De igual forma pretende elencar os principais objectivos que motivaram a realizao deste trabalho, assim como, a estrutura em que este se encontra dividido.

    No captulo 2, pretende-se expor as principais vertentes e preocupaes ambientais levantadas pela existncia de um grande volume de resduos de composio bastante heterognea, resultantes de obras de construo e de demolio que diariamente so produzidos, ao mesmo tempo que se reflecte sobre o seu destino.

    O captulo 3, um captulo dedicado pesquisa de documentao existente referente substituio da fraco inerte natural, por agregados reciclados, devidamente seleccionados, para incorporao em novas amassaduras de beto estrutural. Em primeiro lugar, apresentam-se as principais propriedades dos agregados reciclados, em funo da granulometria e consequentemente da quantidade de argamassa aderida sua superfcie. Posteriormente, tendo presente que cada estudo tem como base os seus prprios pressupostos e respectivas condies laboratoriais, pretendeu-se apresentar as principais concluses de mbito geral referentes s propriedades dos betes reciclados.

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    No captulo 4, com base na pesquisa bibliogrfica de suporte realizao dos captulos anteriores, pretendeu-se aprofundar o estado do conhecimento relativo s possibilidades de aplicao dos agregados reciclados de RCDs em vrias reas da engenharia e construo civil, assim como se apresentam novas sugestes, podendo algumas carecer de estudos mais aprofundados.

    Finalmente no captulo 5, apresentada uma sntese geral do trabalho, resumem-se as principais concluses e sugerem-se novas linhas de prosseguimento deste tema, que carece ainda de bastantes estudos e motivao, para que a realidade do aproveitamento dos resduos da construo e demolio comece a ter verdadeiramente expresso em Portugal.

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    2 ENQUADRAMENTO DA PROBLEMTICA DOS RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO

    2.1. RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO

    2.1.1. INTRODUO

    Os resduos de construo e demolio, vulgo RCDs, como o prprio nome indica, tm origem na demolio, restaurao e construo de edifcios, assim como, construo e reabilitao de estradas e obras hidrulicas. Excepcionalmente podem ter origem em desastres naturais e tecnolgicos. Os diferentes constituintes dos resduos provenientes de obras de construo de edifcios, possuem num dado instante, uma distribuio quantitativa e qualitativa relativamente ao total de resduos produzidos nessa obra, que depende da fase da construo e da tecnologia utilizada [3]. No caso de demolio de habitaes, a composio e quantidade destes resduos depende da poca em que o edifcio foi construdo e consequentemente dos materiais e tcnicas utilizadas. Ao longo deste trabalho ser dada especial ateno aos resduos provenientes de edifcios com estrutura em beto armado, cujo material resultante, aps triagem e triturao encerra em si um forte potencial de reutilizao.

    O ciclo de uma construo, que pode ser visualizado na figura 3, implica a recepo das matrias primas e materiais necessrios construo propriamente dita, o perodo de utilizao ao longo do qual podem ocorrer operaes de manuteno e reabilitao e a fase de demolio do patrimnio edificado. Com a excepo do perodo de utilizao, em todas as fases do ciclo se geram resduos passveis de tratamento. Este tratamento pode ser administrado com o intuito de reutilizar, reciclar ou apenas de depositar em aterro.

    2.1.2. IMPORTNCIA DOS RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO

    Estima-se que o volume de RCDs em Portugal ascenda a cerca de 325 kg por pessoa, em cada ano, valor este, avaliado com excluso do solo proveniente das escavaes e do material resultante da manuteno e reabilitao de estradas [4]. Visto que, no nosso pas eram praticamente inexistentes as restries ao depsito em aterro e as formas de reaproveitamento dos materiais, conclui-se que o volume estimado seja todo depositado em aterros e que, uma boa parte seja abandonada ou depositada de forma ilegal. Por estes motivos, urge implementar medidas de gesto dos resduos, de forma a diminuir as quantidades transportadas para aterro, ao mesmo tempo que se protegem os recursos naturais da depauperao.

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    Fig. 3 Abordagem ao ciclo de vida de um edifcio [5]

    2.2. CONSTITUIO DOS RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO [4]

    O termo RCDs utilizado para denominar uma srie de materiais, entre os quais se destacam:

    resduos provenientes da demolio parcial ou total de edifcios e/ou de infraestruturas de engenharia civil;

    resduos provenientes da construo de edifcios e/ou de infraestruturas de engenharia civil;

    solo, rochas e vegetao resultantes do nivelamento de terrenos, trabalhos de construo civil e/ou trabalhos gerais de fundaes;

    nivelamento de estradas e outros materiais associados actividade de manuteno das mesmas.

    Existem diferenas notveis, no que concerne constituio dos resduos de construo e dos resduos provenientes de demolies, havendo maior grau de diferenciao no volume de resduos das construes. A constatao anterior prende-se com o facto de que nas obras de construo, o director de obra e/ou empreiteiro sabem exactamente que materiais so trazidos para o local da obra, havendo

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    apenas incerteza quanto constituio do solo a escavar, enquanto que nas obras de demolio inevitvel a ocorrncia da mistura dos resduos e consequentemente, a sua composio final muito heterognea.

    Os resduos de construo so constitudos, entre outros, por quatro grandes categorias [4]:

    materiais danificados, de qualidade imprpria para aplicao; sobras de excesso de materiais; materiais intermedirios, necessrios produo de outros materiais; embalagens e invlucros de materiais a aplicar na obra.

    Nas obras de construo, a participao e cooperao de empreiteiros e de todos os agentes presentes em obra, incluindo o pessoal, fundamental para o processo de seleco e separao, no entanto, estes ainda pensam que estas operaes abrandam o ritmo de trabalho, requerem mais trabalhadores e necessitam de uma reorganizao da disposio das obras, alterando as composies habituais do estaleiro. Como as consequncias anteriores da seleco e separao dos resduos de construo envolvem mais custos, estes agentes, infelizmente, apresentam-se pouco receptivos a estas actividades, sendo necessrio incentiv-los. No sentido de encorajar e implementar estas actividades nas obras de construo, necessria a criao de medidas incentivadoras para aqueles que fazem esforos para a reciclagem dos resduos de construo e penalizaes para os que no participam e tendem a despejar estes resduos em locais imprprios [3].

    Fig.4 Exemplo de resduos de construo na obra do shopping Vivaci da Maia

    No que respeita s demolies, algumas das actividades fulcrais que se podem encontrar numa operao de demolio e das quais resultam obrigatoriamente resduos, so seguidamente elencadas:

    remoo de materiais seleccionados da estrutura pr-existente, com possvel tratamento in situ;

    demolio da estrutura, separao em pilhas diferenciadas de resduos e posterior tratamento com vista reciclagem ou ao depsito;

    limpeza das reas circundantes (remoo de tubagens e de vegetao); preparao do local para venda ou construo.

    Uma forma de combater a incerteza associada constituio dos RCDs, seria a existncia de um plano de demolio ou estudo prvio de demolio, onde fossem identificados os materiais e seleccionadas as tcnicas mais apropriadas. Alguns dos principais aspectos que estes planos deveriam contemplar so seguidamente enumerados [6]:

    reunir e trabalhar estreitamente com o projectista, dono de obra, fiscalizao e empreiteiro;

    efectuar uma lista de materiais reutilizveis; definir prioridades consoante os volumes previsveis dos materiais a reciclar;

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    escolher os materiais que vo ser separados; escolher a sequncia de desmantelamento; identificar os locais ou espaos necessrios onde vo ser separados, desmantelados e

    reciclados os materiais e resduos gerados; dar formao e manter informados, esclarecidos e motivados todos os empregados no que

    se refere s necessidades do processo da reciclagem.

    Surge, no entanto, uma outra actividade que influencia todo o processo doravante na medida em que, garante a capacidade de reutilizao ou de reciclagem dos materiais. A esse processo d-se a designao de demolio selectiva.

    2.2.1. PERIGOSIDADE DOS RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO

    A classificao por cdigos dos resduos de construo e demolio e respectiva perigosidade consta da Portaria 209, de 3 de Maro de 2004, designada por Lista Europeia de Resduos (LER) dos Resduos de Construo e Demolio. Nesta lista, identificam-se os resduos considerados perigosos com a simbologia *, de acordo com critrios estabelecidos na Directiva 91/689/CEE relativa a resduos perigosos. Na Portaria 209/04, no anexo I, so identificados pelos respectivos cdigos, os resduos pertencentes LER e no anexo II so apresentadas as caractersticas de perigosidade atribuveis aos resduos, em conformidade com o anexo III da Directiva 91/689/CEE. A interpretao deste cdigo (LER) baseia-se num nmero de seis dgitos para cada tipo de resduos e, respectivamente, de dois e quatro dgitos para os nmeros dos captulos e subcaptulos. De salientar que, os resduos de construo e demolio (incluindo solos escavados de locais contaminados) pertencem ao captulo 17, logo possuem o cdigo 17 00 00. O excerto da portaria 209/2004, relativa ao captulo 17, referente aos resduos de construo e demolio, encontra-se disponvel para consulta nos anexos deste trabalho.

    No entanto, ser de salientar que, muito poucos materiais com designao de RCD so invariavelmente perigosos, sendo este termo baseado em nveis de toxicidade e inflamabilidade, entre outros aspectos. Ser de destacar, que ser mais fcil realizar o controlo sobre os materiais perigosos e respectiva separao em locais de construo, do que em locais de demolio e por sua vez, ser mais fcil este controlo em construes maiores, do que em construes menores, devido escala do projecto e quantidade de resduos gerada.

    Em qualquer situao existente num ambiente de obra, seja ela de construo ou de demolio, a tendncia para ocorrer o espalhamento, a contaminao e a mistura dos materiais. A contaminao com materiais perigosos para a sade pblica como so exemplo, o amianto, os metais pesados, alguns solventes, fibras minerais, algumas tintas, e os hidrocarbonetos aromticos policclicos (materiais que no seu processo produtivo contactem com fumos de combusto, materiais betuminosos, etc), entre outros, uma das mais graves preocupaes no tratamento dos resduos. Salienta-se que, o amianto foi um constituinte amplamente utilizado na construo civil no passado e por isso, vulgar encontrar este componente nas obras de demolio em materiais tais como, fibrocimento, chapas isotrmicas, pavimentos vinlicos, colas, tectos falsos, isolamentos trmicos e acsticos, isolamento de tubagens, portas corta-fogo, revestimentos em tectos e paredes (tintas), telas impermeabilizantes, tecidos retardadores de incndio, entre muitos outros, requerendo necessariamente o uso de mo-de-obra especializada na sua remoo.

    O conceito de perigosidade relativo e pode ser diferido no tempo, ou seja, os RCDs podem ter na sua constituio materiais que originalmente eram perigosos, ou que se tornaram perigosos por

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    contgio com o ambiente a que foram expostos e por ltimo podem tornar-se perigosos quando so colocados em contacto, ou so misturados com materiais perigosos. Neste sentido, visto que os materiais que abandonam a obra aps demolio, so a matria-prima de todo o processo reciclador, torna-se necessrio um apertado controlo de qualidade, de forma a garantir que o seu grau de contaminao seja o mais reduzido possvel [6].

    2.3. DEMOLIO SELECTIVA [6]

    Quando se tem como objectivo ltimo de uma operao de demolio, o reaproveitamento dos materiais resultantes e respectiva reciclagem, no se podem dissociar os conceitos de demolio e reciclagem. Para a conjugao proveitosa destes dois conceitos, surge a definio de demolio selectiva. O termo, Demolio Selectiva, est forosamente interrelacionado com as actividades de Reciclagem/Depsito em Aterro, na medida em que uma das formas de garantir que no h mistura de materiais devido sua separao na fonte. A demolio selectiva tem como objectivo a produo de resduos reciclveis e/ou reutilizveis com o mnimo de heterogeneidade e sem estarem contaminados por materiais que impeam o processo, ou que diminuam as qualidades finais do produto reciclado. Este processo de demolio surge em oposio demolio dita tradicional que vigora actualmente devido exigncia de ritmos mais acelerados, na qual no so tidos em considerao quaisquer tipos de cuidados de triagem, recuperao de materiais, produtos e componentes. No entanto, nem sempre foi assim em Portugal visto que no passado a demolio dita tradicional era efectivamente selectiva, quando os custos de mo-de-obra eram baixos face ao valor dos materiais e a sociedade tinha um esprito mais recuperador. facilmente perceptvel que a demolio selectiva tem custos inerentes muito superiores aos da demolio tradicional actual, maioritariamente relacionados com o tempo de espera at ao desmantelamento da estrutura do edifcio [7].

    A tendncia dos custos de demolio ser para aumentar, logo, ser necessrio garantir elevadas taxas de reciclagem para tornar este processo vivel economicamente. Por este motivo espalham-se pela Europa mtodos e processos de demolio com o objectivo de maximizar a quantidade de resduos reciclveis e/ou reutilizveis, tendo como consequncia salutar, o menor volume de resduos transportados para aterro. A este tipo de processos e mtodos aplicados na demolio, chama-se demolio selectiva.

    Esta operao encerra uma srie de sub-actividades que podem decorrer na seguinte ordem, sucintamente apresentada:

    remoo selectiva de materiais acessveis com valor comercial, ou materiais que ainda no atingiram o final da sua vida til;

    remoo selectiva de materiais acessveis, que se no forem removidos, obrigaro ao tratamento dos RCDs como materiais perigosos, por exemplo, o amianto;

    remoo selectiva de materiais acessveis, que se no forem removidos, diminuiro o valor dos RCDs aps fragmentao, por exemplo a madeira, o plstico e o gesso;

    tratamento qumico, in situ, dos materiais contaminados por exposio a ambientes agressivos, seguido de remoo dos mesmos.

    Para a seleco de alguns materiais com valor comercial ou aqueles que ainda no atingiram o final da sua vida til, tais como, madeiras, telhas, vidros, caixilharias, serralharias e carpintarias, utilizam-se maioritariamente ferramentas manuais. Neste ponto, pode-se destacar que a indstria da demolio tem evoludo nos ltimos anos no sentido de aperfeioar as tcnicas de demolio de elementos de

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    beto armado, visto que a altura do edifcio, a produo de rudos, vibraes e poeiras so condicionantes que no existiam no passado e que actualmente devem ser tidas em considerao no processo de escolha do mtodo de demolio. Neste sentido, em Portugal proliferam as tcnicas de demolio por mquinas hidrulicas de forma a satisfazer os requisitos anteriores.

    Para a separao dos elementos de beto armado, so utilizadas ferramentas especficas como as tesouras e as esmagadoras hidrulicas (figuras 5 e 6) que permitem a separao dos aos e a triturao do beto. Posteriormente s operaes de remoo dos materiais ditos valiosos, a estrutura desmantelada, ou demolida, com o recurso a equipamento pesado como se podem denominar as tesouras e pinas hidrulicas, martelos hidrulicos, pulverizadores e/ou esmagadoras, escavadoras entre outros. Algumas destas ferramentas so normalmente acopladas a mquinas giratrias, que normalmente desempenham outras funes na construo (figuras 7 e 8). Seguidamente o beto triturado, enquanto o ao mantm a sua dimenso.

    Fig. 5 e 6 Exemplos de pina e tesoura hidrulicas [8]

    Fig. 7 e 8 Operaes de demolio com o auxlio mquinas giratrias de rastos [2] [8]

    Se estas actividades decorrerem com sucesso, dever no final da demolio existir uma larga quantidade de resduo inerte, que ser constituda maioritariamente por beto, tijolos, cermicos e gesso. Enumeram-se, em seguida, algumas das vantagens associadas escolha deste processo de demolio [6] [7]:

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    promove um aumento da reciclagem dos resduos e, por conseguinte, melhora a performance ambiental;

    aumenta a qualidade dos resduos, permitindo a sua utilizao, aps o tratamento da reciclagem, em actividades ou fabrico de produtos de maior valor acrescentado;

    diminui a quantidade dos resduos a depositar em aterro; reduo dos custos em taxas ambientais e em transporte e deposio em aterro; permite a criao de uma nova indstria, com o consequente aumento do nmero de

    postos de trabalho, emprego directo e indirecto, quer no processo de demolio, quer no processo de reciclagem.

    No entanto, os inconvenientes inerentes a este processo prendem-se naturalmente com o factor tempo de espera at ao desmantelamento da estrutura e o impedimento da utilizao de processos de demolio mais expeditos e deveras mais rpidos. Salientam-se, algumas das desvantagens:

    maior morosidade associada fase de demolio; utilizao de mtodos com incorporao de mo-de-obra intensiva; necessidade de utilizar instalaes de reciclagem, fixas ou mveis; necessidade de equipamento especializado, pouco utilizado em obra; necessidade de operrios especializados; requer mais espao disponvel; s permite a utilizao de mtodos expeditos, aps a separao dos materiais.

    A opo por este processo de demolio primordial, quando o fim a que se destinam os resduos resultantes da demolio so a reutilizao e/ou a reciclagem. Actualmente este tipo de processo ainda constitui uma opo demolio tradicional que vigora actualmente, facto que mudaria radicalmente se fossem impostas medidas polticas adequadas tais como, garantir percentagens mnimas de recuperao de materiais e adoptar valores relativamente elevados para deposio em aterro [7].

    Uma das formas de contribuir para facilitar as prticas de demolio selectiva, prende-se com a prpria tcnica de construo que deu origem ao edifcio. Pode-se destacar, que sempre que a construo realizada por camadas, caracterizadas pelo tipo de ligao entre os materiais, o processo de demolio selectiva facilitado e no limite, pode-se at conceber um edifcio com o objectivo ltimo de simplificar a separao dos seus componentes no final da sua vida til. Conclui-se desta forma que a contribuio para uma eficiente gesto de resduos, tem como base o prprio projecto de execuo do edifcio que no futuro ir ser demolido, nomeadamente, alterar a forma de concepo de um edifcio para futuramente originar uma reduo de resduos, atravs da aplicao de materiais com potencial de reutilizao ou reciclagem e encorajar a aplicao de materiais reciclados na nova construo. Estas medidas preventivas, que actuam a montante da prpria execuo da obra, podero ser, talvez mais eficazes do que propriamente a demolio selectiva e posterior tratamento de resduos [7]. A fase de concepo de um edifcio aparece como a fase que mais pode beneficiar o processo de desconstruo, potenciando a maximizao da valorizao dos materiais e componentes do edifcio. Assim, nesta fase que devem ser totalmente conhecidos e identificados os materiais utilizados e que estes sejam facilmente separveis e reutilizveis, acarretando esta preocupao para as fases posteriores de construo, utilizao e demolio do edifcio.

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    2.4. GESTO DE RESDUOS

    2.4.1. LEGISLAO GERAL

    A abordagem a uma eficaz gesto de resduos considera medidas sequenciais com relaes de valor hierrquico entre si, tais como, a primazia da preveno e da reduo reutilizao. Por outro lado, a reutilizao prefervel ao invs do recurso a processos de reciclagem e recuperao (incluindo o uso de resduos como fonte de energia). As medidas de deposio em aterro ou de incinerao sem recuperao de energia, so preteridas face s referidas anteriormente.

    Em Portugal, surge desta forma, o Decreto-Lei 178/2006 que estabelece o regime geral da gesto de resduos, transpondo para a ordem jurdica interna, a directiva n 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 5 de Abril, e a Directiva 91/689/CEE, do Conselho de 12 de Dezembro. Este decreto-lei aplica-se s operaes de gesto de resduos, compreendendo toda e qualquer operao de recolha, transporte, armazenagem, triagem, tratamento, valorizao e eliminao de resduos, bem como, s operaes de descontaminao de solos e monitorizao dos locais de deposio.

    Nesta legislao, atravs do artigo 5, referente ao Princpio da Responsabilidade pela Gesto, identificado como responsvel pelo destino dos resduos, o prprio produtor, salvo se, a produo diria de resduos no exceder 1100 l, situao em que o prprio municpio que fica encarregado da sua gesto. A responsabilidade extingue-se pela transmisso dos resduos a operador licenciado de gesto de resduos ou, pela sua transferncia para as entidades responsveis por sistemas de fluxos de resduos.

    A relao hierrquica da gesto dos resduos pode ser exemplificada da seguinte forma:

    primeira opo - Preveno ou Reduo; segunda opo - Reutilizao; terceira opo - Reciclagem ou recuperao de materiais; quarto opo - Recuperao de energia; ltima opo - Deposio em aterro de forma segura e controlada.

    A relao anterior, est retratada no Decreto-Lei 178/2006, atravs do Princpio da Hierarquia das Operaes de Gesto de Resduos, estabelecendo os seguintes pontos:

    a gesto de resduos deve assegurar que utilizao de um bem sucede uma nova utilizao ou que, no sendo vivel a sua reutilizao, se procede sua reciclagem, ou ainda a outras formas de valorizao;

    a eliminao definitiva de resduos, nomeadamente, a sua deposio em aterro, constitui a ltima operao de gesto, justificando-se apenas quando seja tcnica ou financeiramente invivel a preveno, a reutilizao, a reciclagem, ou outras formas de valorizao;

    os produtores de resduos devem proceder separao dos resduos na origem, de forma a promover a sua valorizao por fluxos e fileiras.

    Neste sentido, a conduta e postura dos produtores e/ou detentores de RCDs face ao processo de reciclagem ter, necessariamente, de ter como base este mesmo princpio e seguir os seguintes preceitos [9]:

    a preveno no fluxo de RCDs de extrema importncia; necessrio que exista uma reduo da produo dos resduos em cada fase do processo de construo, at execuo final da obra, mediante princpios de responsabilidade de gesto correcta por quem os origina;

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    antes do incio da obra, dever ser efectuada uma inventariao dos RCDs que iro ser produzidos, tendo como objectivo proceder identificao dos seus componentes perigosos, os quais, caso existam, devero, sempre que possvel, ser removidos selectivamente e encaminhados para operadores devidamente legalizados, sendo de realar a eventual existncia de material com amianto, cuja remoo e destino se dever revestir de particular ateno;

    a recolha dos RCDs dever ser efectuada em contentores apropriados devendo o transporte ser efectuado de forma a salvaguardar a proteco da sade e do ambiente;

    a triagem dos diversos fluxos de resduos inseridos nos RCDs dever, sempre que possvel, ser efectuada no local de produo devendo, nos casos em que isso no puder ocorrer, o produtor ou detentor proceder ao seu encaminhamento para uma unidade de triagem devidamente legalizada, na qual ser efectuada a separao dos resduos por fluxos especficos, tendo em ateno a sua posterior reciclagem e/ou valorizao;

    promover a reutilizao sempre que tecnicamente possvel; as operaes de gesto de RCDs, nomeadamente, triagem, armazenamento, valorizao

    ou eliminao, devem ser efectuadas por operadores devidamente autorizados/licenciados.

    Algumas definies contidas neste decreto-lei (178/06), so dignas de transcrio, no sentido em que, permitem ao leitor uma melhor apreenso de alguns conceitos mencionados ao longo deste trabalho:

    Centro de recepo de resduos a instalao onde se procede armazenagem ou triagem de resduos inseridos, quer em sistemas integrados de gesto de fluxos de resduos, quer em sistemas de gesto de resduos urbanos;

    Descarga a operao de deposio de resduos;

    Detentor a pessoa singular ou colectiva que tenha resduos, pelo menos, na sua simples deteno nos termos da legislao civil;

    Eliminao a operao que visa dar um destino final adequado aos resduos, nos termos previstos na legislao em vigor, nomeadamente, deposio sobre o solo ou no seu interior, por exemplo em aterro sanitrio, entre outros.

    Fileira de resduos o tipo de material constituinte dos resduos, nomeadamente, fileira dos vidros, fileira dos plsticos, fileira dos metais, fileira da matria orgnica ou fileira do papel e carto;

    Fluxo de resduos o tipo de produto componente de uma categoria de resduos transversal a todas as origens, nomeadamente, embalagens, electrodomsticos, pilhas, acumuladores, pneus ou solventes;

    Instalao a unidade fixa ou mvel em que se desenvolvem operaes de gesto de resduos;

    Plano o estudo integrado dos elementos que regulam as aces de interveno no mbito da gesto de resduos, identificando os objectivos a alcanar, as actividades a realizar, as competncias e atribuies dos agentes envolvidos e os meios necessrios concretizao das aces previstas;

    Preveno as medidas destinadas a reduzir a quantidade e o carcter perigoso para o ambiente e para a sade, dos resduos e materiais ou substancias neles contidas;

    Produtor qualquer pessoa, singular ou colectiva, agindo em nome prprio ou prestando servio a terceiros, cuja actividade produza resduos ou efectue operaes de pr-tratamento, de mistura ou outras que alterem a natureza ou a composio dos resduos;

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    Reciclagem o reprocessamento de resduos com vista recuperao e/ou regenerao das suas matrias constituintes, em novos produtos a afectar ao fim original ou ao fim destino;

    Recolha a operao de apanha, selectiva ou indiferenciada, de triagem e/ou mistura de resduos com vista ao seu transporte,

    Resduo qualquer substncia ou objecto de que o detentor se desfaz, ou tem a inteno ou a obrigao de se desfazer, nomeadamente, os identificados na Lista Europeia de Resduos, ou outros, entre os quais se encontram os resduos de construo e demolio;

    Reutilizao a reintroduo, sem alteraes significativas, de substncias, objectos ou produtos nos circuitos de produo ou de consumo, de forma, a evitar a produo de resduos;

    Tratamento o processo manual, mecnico, fsico, qumico ou biolgico que altere as caractersticas dos resduos, de forma, a reduzir o seu volume ou perigosidade, bem como, a facilitar a sua movimentao, valorizao ou eliminao aps as operaes de recolha;

    Triagem o acto de separao de resduos, mediante processos manuais ou mecnicos, sem alterao das suas caractersticas, com vista, sua valorizao ou a outras operaes de gesto.

    2.4.2. LEGISLAO ESPECFICA (DECRETO-LEI 46/2008)

    Finalmente, surge em Portugal uma legislao especfica para os resduos de construo e demolio que devido sua importncia careciam de um complemento legislao em vigor, Decreto-Lei 178/2006 (exposto anteriormente). Na gnese do Decreto-Lei 46/2008 esto em causa trs premissas fundamentais, inerentes s obras de construo civil:

    caractersticas quantitativas os RCDs constituem uma fraco significativa dos resduos produzidos;

    caractersticas qualitativas o fluxo de resduos possui uma constituio heterognea com fraces de dimenses variadas e diferentes nveis de perigosidade;

    disperso geogrfica e carcter temporrio das obras a actividade de construo civil apresenta em si prpria algumas especificidades, que dificultam o controlo e a fiscalizao ambiental das empresas do sector.

    O intuito desta legislao inclui a criao de condies legais para a correcta gesto dos RCDs que privilegiem a preveno da produo, o recurso triagem na origem e a outras formas de valorizao. De igual forma, o estabelecimento de critrios de qualidade que induzam a confiana dos potenciais consumidores permitindo-lhes ultrapassar barreiras psicolgicas, tcnicas e de informao incorporao de resduos reciclados na produo de novos produtos, incentivando penetrao destes novos produtos nas trocas comerciais nacionais. Neste sentido, para potenciar a melhoria de qualidade dos produtos reciclados, prev-se a obrigatoriedade de uma metodologia de triagem, ou em alternativa, o encaminhamento para operador de gesto licenciado para realizar essa operao, sendo ainda definidos requisitos tcnicos para as instalaes de triagem e fragmentao. Foi tambm definida uma nova taxa de gesto de resduos especfica para inertes de RCDs, para permitir a reutilizao dos mesmos e para que estes possam constituir concorrncia face aos agregados resultantes da actividade extractiva.

    Destacam-se de seguida, alguns artigos do Decreto-Lei 46/2008 e respectivo contedo que se entendeu possurem informao relevante, digna de ser enfatizada:

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    Artigo 5 Prev a minimizao da produo e perigosidade dos resduos, a maximizao da valorizao e a adopo de mtodos construtivos que facilitem a demolio orientada para a aplicao dos princpios da preveno e reduo e da hierarquia das operaes de gesto de resduos;

    Artigo 7 A utilizao de RCDs em obra deve observar as normas tcnicas nacionais e comunitrias aplicveis e na ausncia destas, devem ser seguidas as especificaes tcnicas definidas pelo Laboratrio Nacional de Engenharia Civil;

    Artigo 10 O novo Cdigo da Contratao Pblica, exige para as obras pblicas, a elaborao de um plano de preveno e gesto de RCDs que acompanhe o projecto de execuo, cujo cumprimento, demonstrado atravs de vistoria, condio de recepo da obra;

    Artigo 11 Nas obras particulares, dispe o Regime Jurdico de Urbanizao e Edificao, que o produtor est obrigado ao cumprimento do regime legal da gesto de RCDs na execuo das obras de urbanizao ou nas obras de edificao;

    Artigo 16 O operador de gesto de RCDs envia ao produtor, no prazo mximo de 30 dias, um certificado de recepo dos resduos recebidos na sua instalao, devendo ser disponibilizada cpia do mesmo s autoridades de fiscalizao, sempre que solicitado.

    Ao abandonarem as obras, os resduos devem ser acompanhados por um documento identificativo do(s) produtor(es), da sua classificao segundo a Lista Europeia de Resduos e da sua quantidade aproximada, regendo-se pelos modelos presentes na portaria 417/2008.

    Em tudo o que no estiver especialmente regulado no decreto-lei mencionado anteriormente, em matria de gesto de RCDs, aplica-se subsidiariamente o Decreto -Lei n. 178/2006, de 5 de Setembro, que institui o Regime Geral de Gesto de Resduos [9].

    Este novo decreto-lei, entrou em vigor em Junho de 2008 e espera-se que, com este, ocorra uma transformao das mentalidades, no sentido de promover a sustentabilidade ambiental das actividades de construo civil aplicveis a uma lgica de ciclo de vida.

    2.5. TRATAMENTO DOS RESDUOS DE CONSTRUO E DEMOLIO

    2.5.1. PROCESSAMENTO IN SITU OU EM CENTRAL

    O processamento dos resduos de construo e demolio, deve permitir a obteno de materiais que satisfaam tanto as exigncias tcnicas, como as exigncias ambientais para a aplicao prevista [10]. As centrais de reciclagem podem ser de separao/triagem ou de triturao, podendo ambos os tipos ser mveis ou fixos [6]. O processamento dos resduos de construo e demolio inclui geralmente quatro operaes principais, a triagem, a reduo primria, a britagem e a peneirao. A operao de triagem serve para remover os componentes indesejveis presentes nos resduos e que podem ser considerados contaminantes ou impurezas (gesso, plsticos, borrachas, madeiras, carto, papel, metais e matria orgnica). Na operao de reduo primria, os resduos sofrem uma diminuio de tamanho e procede-se remoo dos materiais metlicos ainda existentes. A britagem, pode desenvolver-se em duas fases nas quais se continua a reduzir o tamanho dos resduos e no final desta operao que se obtm os agregados reciclados. A opo por efectuar a fragmentao e seleco no prprio local de demolio ou em central depende de alguns factores, entre os quais se destacam:

    a quantidade de RCDs expectvel de se produzir; a capacidade tcnica e a disponibilidade das mquinas; a qualidade requerida para os agregados, em funo do seu destino final;

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    o espao e tempo disponveis no local da demolio; a distncia entre o local de demolio e a central mais prxima e/ou aterros.

    Se o processamento ocorrer no local de origem (figura 9) e o destino final dos agregados for a utilizao na nova construo, os custos de transporte sero significativamente reduzidos. No entanto, por uma questo de transporte de maior quantidade de RCDs poder, de igual forma, fazer sentido efectuar o processamento no local. A grande vantagem associada ao processamento em central fixa de reciclagem (figura 10) prende-se com o maior controlo de todo o processo, nomeadamente, na qualidade final do agregado, reduzindo ao mnimo as quantidades de componentes indesejados, tais como, a madeira e os plsticos. Neste facto, reside toda a desconfiana de mercado associada utilizao de agregados reciclados. Mesmo nos pases em que esta uma prtica comum, a grande barreira aceitao de mercado, parece serem as dvidas que os possveis compradores tm quanto sua qualidade e propriedades.

    Fig.9 Processamento de RCDs em central mvel [11]

    Fig.10 Processamento de RCDs em central fixa [11]

    Em geral, uma melhor gesto do processo induz uma melhor qualidade do produto final agregado reciclado. Para se poderem utilizar os agregados reciclados em distintas aplicaes, til proceder-se sua peneirao para se obterem as vrias granulometrias desejadas (figuras 11 e 12) e garantir a uniformidade de dimenses em cada classe granulomtrica [10].

    Fig.11 e 12 Exemplo de separao granulomtrica de agregados reciclados [2]

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    Na figura 13, apresenta-se um esquema possvel de tratamento de resduos em central fixa de reciclagem.

    Fig.4 Processamento de RCDs [9].

    Fig.13 Esquema de processamento de RCDs em central fixa de reciclagem [11]

    Como referido anteriormente, uma das vantagens associadas utilizao de agregados reciclados, semelhana do que ocorre nos inertes naturais, que o material resultante dos processos de britagem, aps peneirao, pode possuir as granulometrias que se desejar, consoante o destino final pretendido para os agregados. Neste sentido, o aspecto final dos agregados reciclados pode ser obtido como uma receita em que se fazem variar o tamanho e a cor. Estas propriedades, quando o seu destino final no a incorporao em novas amassaduras com ou sem requisitos estruturais, mas sim na decorao de espaos pblicos ou de jardins privados, pode ser uma mais valia para estes agregados, sendo um mercado potencial a explorar. Na figura 14, podem visualizar-se os vrios aspectos finais dos agregados reciclados.

    Fig.14 Aspecto final de composies de misturas de agregados reciclados [12]

    Chegada

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    2.6. IMPACTES AMBIENTAIS ASSOCIADOS PRODUO DE AGREGADOS NATURAIS E RECICLADOS

    Sendo um dos objectivos principais da gesto dos resduos a proteco das matrias-primas naturais, a extraco e processamento destas implica a gerao de impactes ambientais, ainda que, circunscritos ao local da pedreira. No entanto, a proliferao destes impactes concretiza-se atravs do transporte destes at ao utilizador final, tais como, rudo, poeiras, vibraes, entre outros. Alguns dos principais impactes gerados pela extraco e processamento de agregados naturais so seguidamente enumerados [4]:

    rudo e poeiras; poluio do ar (resultante das exploses e das combustes dos motores); vibraes (resultantes das exploses, que podem provocar diaclases nos macios rochosos

    e consequentemente alterar os cursos de guas pluviais e permitir a penetrao de poluio);

    potencial de poluio da superfcie e dos solos adjacentes, devido utilizao de leos e lubrificantes da maquinaria inerente;

    impactes visuais; alterao da forma original do terreno; alteraes dos habitats naturais e possvel destruio de vestgios histricos.

    Torna-se perceptvel que, se os agregados reciclados forem preteridos relativamente aos naturais, no restar outro destino para estes seno o depsito em aterro, ou seja, um segundo impacte causado pela preferncia de agregados naturais ser o depsito adicional por estes provocado. Ainda que no seja possvel a substituio total da actividade produtora pela actividade recicladora, todos os incrementos, mesmo que diminutos, verificados nesta ltima, sero passos em frente na direco do crescimento sustentado [6].

    A reciclagem de RCDs , de igual forma, uma actividade geradora de impactes ambientais muito semelhantes aos da extraco, mas resultando do funcionamento da central mvel ou fixa. Relativamente aos impactes gerados pelo transporte de agregados reciclados, tambm estes so semelhantes aos anteriores, com a excepo da sua possvel reciclagem no local de origem. Anteriormente, foram referidos alguns impactes associados reciclagem da fraco inerte, no entanto, os RCDs so constitudos por outros constituintes no inertes cujo destino mais provvel o depsito ou a incinerao, particularmente para os materiais perigosos. Relativamente aos resduos no inertes, tais como as tintas e os plsticos, ou outros, que se encontram em pequenas quantidades misturados com a fraco inerte, apesar de no serem considerados materiais perigosos, devem ser separados, seno no ser possvel tratar a fraco inerte como tal. 2.7. O PAPEL DOS AGENTES ECONMICOS [4]

    Em qualquer estudo econmico procuram-se identificar os custos de produo associados a um determinado material. Quando o material em questo um bem da natureza e por isso com capacidade esgotvel, constituindo um recurso finito, ou com um ciclo de reposio muito superior vida humana, h determinados custos imensurveis que no so tomados em considerao devido enorme dificuldade em quantific-los. Desta forma, no presente trabalho apenas se referem custos que possam ser transformados em unidades monetrias e que no consideram as externalidades ambientais anteriormente referidas, sendo dado especial nfase ao processo de deciso dos agentes econmicos envolvidos.

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    Todo o processo econmico associado reciclagem, depende de duas decises chave sem as quais no faz sentido este estudo:

    A deciso dos gestores de demolio de efectuarem demolio selectiva dos RCDs para tratamento individual, ou em vez disso, enviar os resduos para depsito em aterro;

    A deciso dos potenciais compradores de agregados para a construo, para usarem agregados primrios (naturais) ou agregados derivados de RCDs (reciclados).

    Se as opes anteriores no forem encaminhadas para a reciclagem, todo o processo fica inviabilizado nascena. No entanto, ser de realar que os produtos resultantes da reciclagem s podero constituir uma alternativa aos produtos naturais se forem competitivos na relao custo/qualidade. Esta competio tornar-se-ia mais favorvel aos produtos reciclados em zonas onde haja escassez de recursos naturais ou a existncia de barreiras muito rgidas deposio em aterro, o que ainda no constitui realidade em Portugal [13]. Em Portugal, ainda existe, e assim parecer continuar a existir se no houver interveno poltica (como a obrigatoriedade de reciclar ou o estabelecimento de taxas de reciclagem obrigatrias), a preferncia por agregados naturais cujo custo bastante inferior ao dos agregados reciclados, devido aos custos do processo de transformao destes ltimos, constituindo um dos maiores entraves sua penetrao no mercado, originando desta forma uma competio desigual. No contexto europeu, a separao dos materiais RCDs e consequente tratamento em vez do depsito, nem em todos os pases membros da Unio Europeia um requisito legal. Por isso, deve-se ter conscincia, que no um assunto aberto para todos os pases de forma idntica. 2.7.1. A ECONOMIA DA CONSTRUO

    Tem-se plena conscincia de que o emprego de agregados reciclados por parte dos industriais de construo pode resultar apenas do interesse em tornar a sua proposta mais atraente do ponto de vista ecolgico, para ganharem concursos, enquanto outros podem realmente utiliz-los porque acreditam que ambos so capazes de satisfazer as suas necessidades (com algumas ressalvas relativamente aos agregados reciclados). No entanto, a compra de agregados reciclados em vez de agregados primrios, apenas constituir uma hiptese racional por parte dos industriais de construo, considerando apenas a situao de compra directa de agregados pedreira ou central de reciclagem sem a interveno de intermedirios, quando a seguinte inequao for satisfeita:

    TrRCDpErTqQp (1)

    A inequao anterior, no inclui os custos relacionados com a minimizao dos impactes ambientais. Em que cada smbolo representa um custo, nomeadamente:

    Qp - representa o preo dos agregados naturais sada da central de explorao, vulgarmente designada por pedreira, incluindo os custos de minimizao de impactes ambientais associados ao processo;

    Tq - representa o custo de transporte desde a pedreira at ao local da obra; Er - representa os custos adicionais associados utilizao de materiais reciclados de

    RCDs; RCDp - representa o preo do material reciclado sada da central de reciclagem,

    incluindo os custos de minimizao de impactes ambientais associados ao processo; Tr - representa o custo de transporte desde a central de reciclagem at ao local da obra.

    Os termos da inequao anterior podem ser avaliados economicamente da seguinte forma:

    Qp - pode-se assumir que comandado por foras de mercado; no entanto, a curto prazo, este termo ser maioritariamente dependente das opes individuais dos industriais de

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    construo; se as suas escolhas forem favorveis reciclagem, haver uma maior penetrao no mercado dos agregados derivados de RCDs e consequentemente, um aumento do consumo destes produtos; desta forma, ser exercida uma presso sobre o preo dos agregados naturais, tendencialmente para os forar a baixar;

    Tq e Tr - dependero naturalmente da distncia a percorrer desde as respectivas centrais de produo at obra; no h razo aparente para considerar que estes valores sero significativamente diferentes, a no ser que na obra esteja instalada uma central de reciclagem mvel a produzir directamente os agregados derivados de RCDs, anulando o custo de Tr; partida estes valores sero relativamente prximos, visto que, em cidades de grande densidade populacional, tanto as pedreiras como as centrais de reciclagem estaro localizadas na sua envolvente; a tendncia actual para os RCDs percorrerem maiores distncias at aos aterros, visto a sua localizao ser forada a afastar-se das populaes;

    Er representar os custos adicionais que resultam da opo por agregados reciclados, nomeadamente, alguns custos de provvel armazenamento de material e alguns custos associados a tarefas de limpeza no local de aplicao dos agregados, derivados da necessidade de manter os lotes de material armazenado separados e das operaes de funcionamento das mquinas entre os mesmos; quando se tiver como objectivo a produo de beto reciclado, surgem outros custos respeitantes necessidade de pr-saturar os agregados reciclados (praticamente desprezveis) antes de os adicionar misturadora e possvel utilizao de adjuvantes redutores de gua.

    Se a pretenso para utilizar agregados reciclados for com o objectivo de substituir parcial ou totalmente a fraco natural na produo de betes reciclados, deve ter-se presente que os dois tipos de agregados no oferecem equivalentes vantagens tcnicas. Porm, no captulo 3, esta temtica ser aprofundadamente desenvolvida. Pode-se neste ponto salientar, que as diferenas de propriedades mecnicas, fsicas e qumicas dos agregados reciclados, obrigam utilizao de maior quantidade de cimento e gua. Por isso, ao decidir, o industrial de construo deve estar consciente que ter de ajustar as quantidades de materiais para poder tornar os betes resultantes comparveis. No entanto, a deciso chave de utilizar agregados reciclados em nada depende desta diferena, validando a anlise anterior de todo o processo de deciso. 2.8. POSSVEIS MEDIDAS A UTILIZAR PARA PROMOO DA REUTILIZAO E RECICLAGEM DE RCDS

    Algumas das medidas utilizadas nos diferentes estados membros da Unio Europeia, ao longo dos ltimos anos, para a promoo do reaproveitamento dos RCDs so seguidamente identificadas incluindo medidas incentivadoras, bem como, medidas restritivas [4]:

    restries ou barreiras ao depsito de alguns elementos dos RCDs; mono-aterros, ou armazenamento de algumas fraces de RCDs para posterior

    tratamento; utilizao de planos de controlo ambiental; utilizao de medidas fiscais punitivas, como, taxas para depsito ou para agregados

    naturais; utilizao de medidas fiscais positivas, como, subsdios; utilizao de medidas positivas como a implementao de planos de gesto de resduos; suporte financeiro de apoio pesquisa e desenvolvimento de projectos; suporte financeiro de apoio a projectos piloto de demonstrao;

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    utilizao de Acordos Voluntrios entre entidades privadas e pblicas; fornecimento de educao e suporte prtico, orientados especificamente para os RCDs; disponibilizao de servios de informao e aconselhamento, orientados para os RCDs; existncia de trocas de resduos, maioritariamente atravs da Internet; disponibilizao de normas aplicveis reutilizao de RCDs; disponibilizao de meios para a reciclagem, tais como, centrais fixas e equipamentos.

    Ser de salientar, que para algumas medidas se tornarem efectivas, necessrio que actuem em paralelo com outras medidas, ou seja, uma medida por si s no pode operar sozinha para se obterem bons resultados. Um exemplo deste facto, o que ainda se passa em Portugal, em que o custo de agregados naturais muito inferior ao dos agregados reciclados. Por isso, no adianta criar condies para desenvolver os processos de reciclagem, se posteriormente no se conseguirem comercializar os agregados reciclados. Em Portugal, os custos de deposio legal representam actualmente uma parcela considervel, principalmente para volumes de resduos indiferenciados, no entanto, ainda no so elevados o suficiente para desmotivar a sua utilizao. Um outro aspecto que no favorece a reciclagem, o facto da deposio ilegal no ser devidamente controlada.

    A aplicao de taxas para depsito em aterro, ou para agregados naturais, no constituir uma medida que contribua para elevados nveis de reciclagem, porque o valor da taxa a implementar teria de ser estabelecida a nveis polticos, antes de ocorrer a alterao dos comportamentos dos engenheiros, empreiteiros e dos agentes demolidores, em zonas com fcil acesso aos aterros ou s pedreiras. No entanto, variando o valor da taxa de forma a corresponder s circunstncias locais, poderia gerar considerveis distores ao comrcio e suscitar a procura de agregados naturais em zonas cujo custo seja inferior. Conclui-se, desta forma, que os custos de deposio em aterro so um factor que influencia significativamente a opo de reciclar. A forma como esses custos so estabelecidos no particularmente relevante, mas o potencial lucro dado aos agentes demolidores, deve ser incentivador o suficiente para que estes separem os diferentes tipos de resduos e que reciclem a maior quantidade possvel. Num pas como Portugal, em que a gesto dos resduos ainda no ocupa um lugar de destaque na sociedade, a implementao de uma taxa para depsito em aterro apenas iria contribuir significativamente para o aumento do volume de resduos depositado ilegalmente.

    Para se atingirem elevados nveis de reciclagem, ser necessrio estabelecer um conjunto de quatro condies, seguidamente enumeradas, sem as quais todo o processo ficar inviabilizado:

    os aterros devem ser bem geridos e o depsito ilegal deve ser pouco comum e sujeito a sanes;

    o detentor de RCDs deve enfrentar custos elevados de depsito em aterro de materiais perigosos ou de resduos misturados (de forma a evitar a contaminao e desincentivar a mistura);

    deve existir a oportunidade de tratamento da fraco inerte (fragmentao e seleco) com vista sua reutilizao e reciclagem;

    deve existir aceitabilidade por parte dos utilizadores de inertes naturais, para a substituio parcial destes por inertes reciclados, combatendo a sua discriminao.

    Das premissas anteriores, reportando-as para a realidade portuguesa, observa-se que em Portugal s recentemente se comeou a prestar verdadeira ateno a estes resduos, principalmente com a recente publicao da nova lei especfica para RCDs. Verifica-se por todo o pas, que os meios de deteco e sancionamento dos depsitos ilegais so ainda ineficazes, originando a proliferao da deposio dos resduos nos stios mais inspitos e inimaginveis, sendo as zonas verdes com fraca densidade

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    populacional um dos locais mais fustigados, como so exemplo os despejos das figuras 15 e 16 seguidamente apresentadas.

    Fig.15 e 16 Exemplos de despejos de RCDs em zonas verdes [14]

    Verifica-se ainda que, nos pases com elevadas taxas de reciclagem, existem legislao e fiscalizao eficazes, bem como vontade poltica e controlo de qualidade apertado. Da anlise da conjuntura actual, pode concluir-se ento o seguinte [6]:

    existe tecnologia adequada; a reciclagem e a reutilizao so j uma realidade e um objectivo na Europa; necessrio existirem objectivos e vontade poltica para reciclar mais, em Portugal.

    A aco dos governantes primordial para facilitar a reutilizao dos resduos das demolies, e dever incidir sobre [6]:

    a formulao de metas polticas e objectivos nacionais, em termos de percentagens obrigatrias de reciclagem;

    a implementao de legislao e sistemas de fiscalizao apropriados; a interveno nos preos, atravs da criao de taxas ambientais para o poluidor e de

    subsdios para o reciclador; a elaborao de normas nacionais sobre as actividades produtoras e recicladoras; a implementao de um sistema de controlo de qualidade sobre as actividades

    recicladoras.

    Uma medida administrativa relativamente simples, e que poderia surtir efeitos positivos, seria o estabelecimento da obrigatoriedade de planos de demolio e planos de gesto dos resduos da resultantes. Esses planos seriam avaliados e aprovados pelas autoridades locais, antes de se proceder respectiva demolio.

    Um bom exemplo nacional de como a interveno dos governantes pode realmente alterar o destino dado aos resduos, a atitude participativa da Cmara Municipal de Montemor-o-Novo perante a gesto dos resduos da sua cidade. Este concelho desenvolveu o projecto REAGIR, Reciclagem do Entulho no mbito da Gesto Integrada de Resduos. Este projecto, co-financiado pelo programa LIFE-AMBIENTE, tem como objectivo assegurar a recolha e destino adequado para os RCDs, dando prioridade valorizao e reciclagem da fraco inerte dos resduos (figuras 17 e 18). Pretende-se, sucintamente, implementar um sistema municipal de recolha selectiva de RCDs, junto de pequenos e grandes produtores com posterior valorizao controlada. Para a concretizao deste projecto foi necessrio definir normas locais de gesto e construir uma unidade piloto de reciclagem da fraco inerte dos RCDs, previamente separada. A aplicao dos agregados reciclados, foi efectuada na

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    reabilitao de vrios caminhos municipais de terra batida, existindo alguma procura com o mesmo fim, por parte de privados. A aplicao destes agregados estendeu-se produo de peas de beto no estrutural com substituio parcial na ordem de 20% [12] [15].

    Fig.17 Esquema de recepo, descarga e triagem dos resduos abrangidos pelo projecto REAGIR [12]

    Fig.18 Esquema de fragmentao, crivagem e armazenamento dos agregados reciclados produzidos no mbito

    do projecto REAGIR [12]

    Uma outra iniciativa de mbito multimunicipal, no sentido de implementar um Sistema Integrado de Gesto de RCDs, surgiu com o projecto CONVERTER numa Associao de Municpios do Alentejo (figura 19). Esta associao surge para tratar o conjunto dos RCDs produzidos em cada municpio, maximizando as quantidades enviadas para valorizao e minimizando os custos unitrios de gesto. Alguns dos objectivos a atingir eram a estimativa das quantidades e caractersticas qualitativas dos resduos produzidos em cada concelho, recuperar tcnica e economicamente os locais de deposio ilegal (recuperao do passivo ambiental da regio), assim como, analisar a viabilidade da abertura de um Centro de Triagem e Valorizao (CTV) e a instalao de Ecocentros. Uma outra medida a implementar seria a criao de uma marca de certificao que permita identificar os empreiteiros que fomentem a aplicao de boas prticas de proteco do ambiente [16].

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    Fig.19 Identificao dos oito municpios envolvidos no projecto CONVERTER [16]

    Este projecto culmina com a abertura de um Centro de Triagem e Valorizao de RCDs, instalado numa antiga escombreira em Beja (figura 20). Numa tentativa de incentivar a demolio selectiva e respectiva triagem dos resduos na origem, so aplicadas diferentes tarifas conforme o grau de separao dos resduos, sendo que, os resduos no triados podem atingir preos por tonelada at o dobro do preo dos resduos triados [16].

    Fig.20 Localizao do novo Centro de Triagem e Valorizao de RCDs do projecto CONVERTER [16]

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    3 PROPRIEDADES DE AGREGADOS E BETES RECICLADOS DE RCDs ALGUNS CASOS DE ESTUDO

    3.1. REINCORPORAO DE AGREGADOS RECICLADOS EM NOVAS AMASSADURAS

    3.1.1. INTRODUO

    Das mltiplas aplicaes possveis para os agregados reciclados, como j referido, a que lhe confere maior valor tcnico a aplicao em novos betes. Com este captulo, pretende-se dar a conhecer ao leitor qual o estado de conhecimento sobre o tema, reincorporao de agregados reciclados em novas amassaduras.

    Dos resduos granulares, a maioria dos seus componentes so capazes de ser valorizados e reutilizados. Estes componentes podem ser divididos em dois grupos, os materiais inertes e os no-inertes, como so exemplo as madeiras, o papel, os plsticos, o gesso e os resduos contaminantes como o amianto. Dos materiais base de pedra, estes podem subdividir-se em agregados de maior granulometria, de beto e de alvenaria e partculas de areia, sendo estes resduos os que possuem capacidade para serem utilizados como materiais secundrios na construo de edifcios [17]. No sentido de atribuio de maior qualidade tcnica e consequentemente maiores oportunidades de mercado para os agregados reciclados de beto, conveniente efectuar a separao destes dos elementos de alvenaria e de eventuais resduos que possam afectar a sua qualidade. Os agregados de alvenaria, apesar da sua importncia, no so alvo deste estudo, sendo no entanto de ressalvar que podem ter amplas aplicaes em bases e sub-bases de pavimentos de estradas.

    Desde meados dos anos setenta que as atenes comearam a focar-se no aproveitamento dos resduos de construo e demolio, em que muitos investigadores dedicaram o seu trabalho caracterizao e inventariao das propriedades dos agregados resultantes, ao estabelecimento de requisitos mnimos para a sua utilizao segura em beto e na definio das propriedades dos betes reciclados [18].

    Neste captulo, ser analisada a possibilidade de utilizao de agregados finos e grossos reciclados de beto, atendendo s suas caractersticas e propriedades que induzem nos novos betes, com base em estudos existentes sobre esta problemtica. Relativamente a este tema, pretende-se de igual forma enfatizar, que uma possibilidade que os potenciais produtores de beto devem ponderar e at que percentagens destes materiais podem incorporar, conforme a qualidade final dos betes a garantir. Existe actualmente uma especificao do Laboratrio Nacional de Engenharia Civil (LNEC), publicada recentemente [10], que contm j algumas indicaes nesse sentido. Convm salientar, a priori, que a realidade prtica associada utilizao deste tipo de betes incorpora algumas

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    Resduos

    Tratamento 1

    Resduos contaminados

    Materiais reutilizveis

    Deposio segura Tratamento 2

    Resduos inertes Resduos no-inertes

    Reutilizao / Combusto

    Controlo tcnico

    Elevada qualidade tcnica?

    Sim, elevada aplicao tcnica

    No, outros fins

    Fins menos nobres

    Tratamento 3

    Produtos puros

    Elevada aplicao tcnica

    dificuldades inerentes aos agregados reciclados, nomeadamente, a forma, a rugosidade e a quantidade de argamassa aderente.

    3.1.2. TRATAMENTO DE SEPARAO

    Para se obter uma melhor qualidade dos produtos finais, agregados grossos e/ou agregados finos, ser necessrio empregar diferentes tcnicas de separao dos resduos. O objectivo a alcanar com este tratamento ser a remoo dos contaminantes com a utilizao do menor nmero de passos ao longo do processo. Primeiramente sero removidos os contaminantes e posteriormente sero separados os resduos em inertes e no-inertes. Dependendo do tipo de aplicao a que se destinam os resduos, o tratamento ser constitudo por um maior ou menor nmero de passos, conforme o nvel de qualidade final pretendida para os agregados, como exemplo, o esquema representado na figura 21 [17].

    Fig.21 Esquema sucinto de tratamento de separao de qualidade crescente [17]

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    3.1.3. SEPARAO DAS FRACES INERTES

    A fraco inerte constitui na maioria das vezes, em obras de demolio de edifcios de beto armado, a maior percentagem dos resduos, incluindo inertes de beto e de alvenaria, sendo estes passveis de serem reciclados e posteriormente utilizados como agregados secundrios em construes novas. Devido a esta mistura de fraces, a reutilizao de RCDs est limitada a fins menos nobres, como exemplo a aplicao destes produtos na construo de estradas ou como material de enchimento. A qualidade tcnica desta mescla de agregados impede a sua utilizao em produtos de beto de qualidades elevadas, porque a fraco de alvenaria afecta negativamente as propriedades mecnicas do beto. Desta forma, ser necessrio empregar tcnicas de separao, para se poderem utilizar os agregados em aplicaes individuais de maior exigncia [19]. 3.1.3.1. Tcnicas de Separao aplicveis aos resduos

    As propriedades mais comuns para separao de materiais so: granulometria, densidade, susceptibilidade magntica e cor. Nos dois tipos de inertes mais frequentes, de beto e de alvenaria, as diferenas mais marcantes entre si, so a densidade, a cor e a percentagem