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POSTOS DE PUERICULTURA: EDUCAO E SADE DE MES E FILHOS

(CURITIBA 1940 1942)

RODRIGUES, Jaqueline dos Santos - jaqmestrado@hotmail.com

Universidade Federal do Paran (UFPR)

Palavras-chave: Mortalidade infantil, puericultura, iniciativa privada.

O presente artigo aborda a trajetria de mobilizaes ocorridas em Curitiba, nos anos

de 1940 1942, pela implantao e manuteno de trs Postos de Puericultura Fundao O

Dia, simultaneamente em bairros operrios, pela iniciativa filantrpica do advogado,

jornalista e diretor do jornal O Dia, Caio Gracco Machado Lima, chamado de maneira

recorrente como Caio Machado1.

Conforme recorte temporal deste estudo, a Puericultura era definida por Martago

Gesteira2 como

parte das cincias mdicas que se ocupa em cultivar a vida e a sade das

crianas, esforando-se por que cheguem ao mundo sadias e fortes e se

desenvolvam normalmente, amparando-as e defendendo-as contra os

mltiplos perigos que ameaam, em conseqncia da ao malfica dos

fatores ambientais e sociais. (GESTEIRA, 1945, p.16 apud SCHRAIBER e

MOTA, 2009, p.121)

O enunciado acima revela um olhar diferenciado s condies da criana desde a tenra idade,

cuidado este favorecido pelas transformaes ocorridas ao longo dos anos quanto valorizao

da criana em seus aspectos poltico, social, cultural, educacional e mdico-cientfico,

oportunizando o aquecimento de debates nacionais acerca das especificidades e

particularidades da sade da criana brasileira, j que o universo infantil

1 Caio Graccho Machado de Oliveira Lima, nasceu em Ponta Grossa (PR), no dia10 de maro de 1885. Era filho

de Vicente Machado da Silva Lima influente poltico do incio da Republica, Chefe do Partido Republicano e

Presidente de Estado. Caio diplomou-se em Cincia Poltica pela Escola de Cincia Poltica de Paris (Frana).

Em 1908, j de volta Curitiba, Caio Graccho elegeu-se Deputado Estadual. Exerceu diversos cargos, entre eles:

Juiz do Tribunal de Contas. Em 1934 elege-se Deputado Estadual , foi diretor do Departamento Estadual da

Criana; autor dos projetos de reforma dos servios de assistncia social e de higiene pblica. Foi jornalista e

diretor do jornal O Dia e dirigiu no Paran os peridicos A Noite, Paran Econmico e Financeiro e Folha

da Manh. Faleceu em 02 de fevereiro de 1954. 2 Joaquim Martago Gesteira (1884 1954) foi pediatra e puericultor, professor e gestor pblico na rea da

sade infantil. Exerceu cargos de inspetor do Servio de Higiene Infantil (1923 a 1930), diretor da Diretoria de

Higiene Infantil e Escolar (1925 a 1930) e do Departamento Estadual da Criana (1935 a 1937), todos exercidos

na Bahia. Criou a revista Pediatria e Puericultura para ser um rgo da Sociedade de Pediatria Brasileira e da

Liga Baiana contra a Mortalidade Infantil.

mailto:jaqmestrado@hotmail.com

2

constituiu objeto de extensa bibliografia de pedagogos, mdicos, socilogos,

bilogos, pediatras, etc. [...] Cuidados especiais aplicaram-se quanto s suas

primeiras idades e pela razo vital de se lhe assegurar um desenvolvimento

sadio sob todos os pontos de vista. Eis porque o problema da sade infantil,

nessas primeiras idades, revestiu uma significao bio-social e humanitria

excepcional importncia e inspirou uma srie de realizaes sociais que se

ampliam em propores cada vez mais largos da sociedade, [...] creches,

lactrios, consultrios para crianas, postos de puericultura, campanhas

alimentares, jardins de infncia e outras instituies e realizaes de natureza

mdico-pedaggicas. [...] Quanto mais vasta essa rde de proteo, maiores

possibilidades surgem para a diminuio de coeficiente de mortalidade

infantil.[...]. (O Dia, 15/02/1940, p.1)

Dentre as preocupaes reveladas no palco de discusso das esferas governamentais e

mdicas estavam os altos ndices de mortalidade infantil, os quais exigiam que medidas

preventivas, higinicas e formativas fossem providenciadas no combate s vidas infantis

ceifadas, j que as cifras revelavam que uma das vils nas causas dos obiturios infantis era a

gastroenterite3 em crianas com faixa etria abaixo de dois anos.

Neste perodo de estudo e discusso, o Brasil era regido pelos ditames governamentais

estadonovista de Getlio Vargas, com diretrizes polticas traadas com relevantes

contribuies sociais de valorizao e proteo assistncia e amparo maternidade,

infncia e adolescncia. As polticas pblicas destinadas sade da criana era algo que

clamava por maiores investimentos, tanto que na noite de 24 de dezembro de 1939, no Palcio

Guanabara, o Presidente da Repblica fez apologia criana, onde realizou o pronunciamento

oficial referente inteno de delinear aes para a sade materno-infantil no ano vindouro, j

que a ideologia poltica varguista estava pautada na criao do homem novo para o Estado

Novo14

. Isto oportunizou que olhares e interesses polticos fossem direcionados aos

cuidados com a infncia e a criana, pois a mesma cresceria saudvel e til para a nao, pois

era entendida como promessa de futuro cidado trabalhador capaz de alavancar o crescimento

econmico do Brasil, conduzindo o pas ao progresso. Fonseca sinaliza:

Proteger a criana, defender seus direitos, significava por extenso

resguardar a prpria nao. A imagem da criana que se divulgava estava

intimamente associada nova nao que o governo almejava construir

trabalhar a infncia, modelar o futuro cidado, para mudar os rumos do Pas.

3 Gastroenterite - uma infeco que atinge o sistema gastrointestinal ocasionando sinais e sintomas deste

aparelho como as diarrias de leve a intensa, vmitos, alm de perda de apetite, nuseas

http://br.guiainfantil.com/gastroenterite.html, Acesso em: em 10/06/2012, p.1. 4 Sobre o tema ver: FIGUEIREDO, P.A. O Estado Novo e o Homem Novo, Cultura Poltica, n.1, maro de

1941, p.376.

http://br.guiainfantil.com/gastroenterite.html

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Infncia e nao entrelaam-se, formando assim um todo nico.

(FONSECA, 1993, p.102)

Um dos atos governamentais envolvendo polticas pblicas scio-educativas sade das

crianas foi assinatura do decreto-lei n 2024 de 17 de fevereiro de 1940, o qual fixava as

bases da organizao da proteo maternidade, infncia e adolescncia em todo o pas, a

partir da criao no Ministrio da Educao e Sade, o Departamento Nacional da Criana5,

diretamente subordinado ao Ministro do Estado. Estas mobilizaes polticas se tornaram

emergentes frente conjuntura histrica que se apresentava na relao do binmio me-filho

em face s iniciativas preventivas, formativas e educativas.

Ao projetar essas informaes ao perfil de sade das crianas curitibanas, a realidade

que se apresentava quanto aos ndices de mortalidade infantil, contribua ao somar

estatisticamente ao nmero de vidas infantis abreviadas, mas em menor proporo em relao

a outras capitais brasileiras.

[...] o municpio de Curitiba, em 1939, apresenta um coeficiente de

mortalidade infantil baixo em relao s demais capitais brasileiras. Mas, a

mortalidade infantil entre ns constitue um problema srio a resolver.

Folheto Fundao O Dia,6 maio de 1940, (p.8)

possvel supor que concorreram para tal reduo nas cifras de mortalidade infantil as

medidas preventivas pblicas e privadas de cunho filantrpico que aconteceram anteriormente

dcada de 1940, com o estabelecimento de iniciativas e criao de espaos que priorizavam

a sade das crianas e a educao de mes com vistas ao bem estar da criana. Dentre elas

podemos citar a instalao do Instituto Gota de Leite (GANZ, 1996); do Instituto de Higiene

Infantil, da Escola de Puericultura / de Mezinhas; do Hospital de Crianas (AVANZINI,

2011); de Centros de Sade; das aproximaes entre mdicos e mes pelas mdias

5 Entre os estudos referenciados sobre o Departamento Nacional da Criana destaca-se as seguintes leituras: O.

Oliveira, Departamento Nacional da Criana, Boletim do Instituto Internacional Americano de Proteo

Infncia, julho de 1940, p.43/44; VIEIRA, G.F. A Ao do Departamento Nacional da Criana Estado Novo:

Educao, Sade e Assistncia. UFJF: dissertao de mestrado,2003; BARBOSA, M.T. Sobre mes e filhos:

as polticas pblicas de proteo maternidade e infncia em Guarapuava (1940 a 1960). Dissertao

(Mestrado em Educao), Universidade Federal do Paran. Curitiba, 2012; PEREIRA, A. R. V. V. Polticas

sociais e corporativismo no Brasil: o Departamento Nacional da Criana no Estado Novo. Niteri :

ICHF/UFF, 1992. 6 Folheto Fundao O Dia foi uma publicao avulsa, em forma de coletnea, organizada pelo jornal O Dia em

maio de 1940, contendo 36 pginas referentes implantao dos Postos de Puericultura. Est organizado em

editoriais que revelam diversos contatos e articulaes polticas que Caio Machado buscou junto s autoridades

federais, estaduais, municipais na implantao dos Postos de Puericultura; bem como a descrio de alguns

doadores e seus donativos; balancete da movimentao mensal de receita e despesas; apresentao do

funcionamento dos primeiros meses dos Postos de Puericultura; publicao de artigos mdicos referente s

condies da sade infantil, alm da publicao do decreto-lei do governo federal de fevereiro de 1940.

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jornalsticas (TEIXEIRA, 2010) e a radiofnica (LIMA, 1992), alm da fundao do Lactrio,

este inaugurado na mesma data da implantao dos Postos de Puericultura Fundao O

Dia, em 25 de maro de 1940, em comemorao ao Dia da Criana7.

Assim, os preceitos mdico-cientfico sobre higiene e salubridade foram se difundindo,

pois acreditavam que seriam os cuidados mdicos e a educao da populao que

concorreriam para forjar o povo brasileiro. (BERTUCCI e BARBOSA, 2008, p.2). Vieira

afirma (2003, p.5), que a educao e a sade se tornaram veculos de controle, regulao,

integrao e adaptao das crianas, futuras operrias, s mudanas e s novas formas de

sociedade que se procurava construir no Brasil.

Entendendo a importncia destinada sade e educao no Estado Novo, aqui se revela

um ponto de articulao entre o regime estadonovista e os Postos de Puericultura Fundao

O Dia criados em Curitiba, j que estes representariam um local privilegiado para auxiliar a

comunicao entre mdicos e as mes, a fim de educ-las, orient-las e ensin-las

corretamente a cuidarem de seus filhos visando melhorar a sade as condies de vida das

crianas, alm de torn-las aptas no desempenho de seu ofcio de mes-educadoras. Destarte,

os Postos de Puericultura tornaram-se importantes espaos mediadores na educao e sade

de mes e filhos. Como escreveu Sigolo, no a criana doente o que interessa [...], mas a

sade da criana e as condies do meio em que ela vive, expurgando de tudo que possa

perturbar o seu desenvolvimento normal (SIGOLO, 1998, p.26)

A partir desta breve apresentao referente aos encaminhamentos das polticas pblicas

que permeavam assistncia materno-infantil, em contexto nacional e municipal, algumas

questes provocativas e reflexivas se impem: que influncia o plano governamental

estadonovista de Getlio Vargas exerceu sobre a iniciativa de implantao e manuteno dos

Postos de Puericultura Fundao O Dia? O que motivou um jornalista e advogado a

envolver-se nas aes mobilizadoras da sade da criana curitibana e utilizar-se de seu jornal

O Dia na busca de apoio e sustentao para sua proposta de organizao dos Postos,

sensibilizando cidados curitibanos, empresrios, mdicos, comerciantes e polticos? Quais

foram os benefcios desses Postos de Puericultura populao de mes e filhos curitibanos?

Por que os Postos de Puericultura foram encampados pelo governo federal em 1942?

7 Segundo BENCOSTA, M.L. e PEREIRA,A.P.M. Histria, cultura e sociabilidades: representaes e

imagens das festas escolares (Curitiba, 1903-1971) (2006 p.3862), o dia da criana teve sua data modificada,

de 12 de outubro para 25 de maro, por imposio do Estado Novo. Getlio Vargas ao criar em 1940, o

Departamento Nacional da Criana [...], determinava que daquele ano em diante, o dia da criana seria

comemorado em 25 de maro, segundo decreto-lei 2024 de 17 de fevereiro de 1940, Captulo VI (comemorao

do dia da criana), Art. 17.

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As questes inquiridas esto permeadas pelas mobilizaes que Caio Machado assumiu

na implantao e manuteno de Postos de Puericultura em Curitiba, as quais foram

concomitantemente empreendidas s aes que o governo federal impunha s polticas

pblicas de proteo, amparo e assistncia materno-infantil. Machado deflagrou o processo

pela Campanha d O Dia, nos primeiros dias de janeiro de 1940, sinalizando atravs de seu

jornal o

problema da atualidade, problema vital e que reclama uma concentrao de

esforos a uma racional planificao de objetivos que lhe proporcionem

ajustada soluo aos altos interesses brasileiros, o da mortalidade infantil,

derivando-se de apavorante realidade que as cifras cruamente revelam, est a

exigir um reavivamento em sua colocao e est a solicitar uma campanha

que se processe intensa, vigorosa e completa. (O Dia, 08/01/1940, p.1)

Bem como, revelava regularmente ao pblico leitor a importncia e as contribuies

que os Postos de Puericultura tinham na realidade presente,

CENTROS DE PUERICULTURA ou os POSTOS DE

PUERICULTURA, que so organizaes mais simples, onde as

crianas devem ser levadas periodicamente, ainda com sade, e onde

so pesadas, medidas e examinadas pelo mdico, que lhes prescreva a

alimentao conveniente e as precaues higinicas que elas devem

observar. Nos casos de perturbaes leves de sade, sobretudo si

provocadas por infraes de regimen, bastam algumas retificaes

deste, ou si for preciso, algumas medicaes simples, e as crianas

retomam a vida normal, sempre sob vigilncia do Posto. E, assim vo

elas criando-se sadias, e fortes, ao abrigo de surpresas desagradveis

ou perigosas e preparando para o futuro um organismo vigoroso e

resistente. (O Dia, 01/02/1940, p.1)

Com as finalidades dos Postos de Puericultura sendo expostas ao pblico leitor, Caio

Machado desencadeou o processo de mobilizao da populao da capital paranaense em

janeiro de 1940, com o intuito de implantar os postos no ms de maro corrente, dando assim

um tom de brevidade temporal na iniciativa desencadeada em prol sade das crianas. Para

isso publicou que

a prpria realidade est a indicar a necessidade de se multiplicarem as

instituies de amparo e proteo infncia. Eis porque a iniciativa dO Dia

relativa a instalao de Postos de Puericultura [...], adquire expresso

atualssima e profundo significado social. (O Dia, 02/02/1940, p. 1)

As folhas impressas do jornal O Dia se tornaram uma ferramenta de aproximao e

comunicao entre Caio Machado e os cidados curitibanos, os quais eram convidados a

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auxiliarem com donativos, fossem pela doao de recursos materiais, humanos ou financeiros.

Para isso descrevia e relacionava os materiais, equipamentos e produtos necessrios para

prover os Postos de Puericultura que pretendia instalar (mveis, medicamentos, alimentos,

entre outros). Sem a participao coletiva, principalmente da comunidade local, os ideais

filantrpicos traados por Machado ficariam comprometidos e a proposta de implantao dos

Postos de Puericultura seria apenas um ideal a no se concretizar.

Os objetivos traados por Machado era conquistar a credibilidade e a confiana dos

cidados curitibanos e, para isso utilizava uma linguagem direta, de fcil acesso, a fim de

revelar ao seu leitor a necessidade de t-los como co-participantes no processo de instalao

dos Postos:

Todos os que desejarem colaborar na benemrita iniciativa, objetivando sua

colaborao [...] devem noticiar tal resoluo a O Dia e aguardar a

instalao dos postos para onde ser encaminhado o material fornecido. (O

Dia, 01/02/40, p. 1)

Conforme os dias transcorriam, os investimentos e as adeses de parceiros na

Campanha dO Dia cresceram em decorrncia aos apelos que Machado mantinha em seus

editoriais, pois pessoas de diferentes grupos sociais, tais como empresrios, comerciantes,

farmacuticos e cidados comuns, enviaram suas contribuies sede administrativa do jornal

O Dia, situado na Praa Carlos Gomes, 21.

Para compartilhar com a populao curitibana os avanos da Campanha dO Dia, e

assim tambm sensibilizar mais colaboradores, o idealizador da iniciativa, publicava

diariamente a relao de doadores e donativos recebidos, bem como mantinha a publicao de

diversos artigos mdicos que enfatizavam a temtica infantil. A publicao de textos e artigos

mdicos nas folhas do O Dia possibilitou o fortalecimento de alianas com mais um grupo de

pessoas que se tornaram fundamentais nesse processo de implantao dos Postos de

Puericultura, os profissionais da rea da sade, j que o conhecimento mdico-cientfico seria

o alicerce para a prtica educativa e formativa s mes. H textos que engrandeciam a

importncia da figura feminina no cuidado com a sade e a imprescindvel presena das mes

nos Postos de Puericultura.

[...]. Os estudos dos mdicos e higienistas mostram que os pequeninos,

quando criados mediante certas regras, por mes cuidadosas e bem

orientadas, sob a direo de um mdico competente raramente adoecem.[...].

(O Dia, 01/02/1940, p.1)

7

A sociedade curitibana correspondia dia a dia aos apelos de Caio Machado, pois j era

prtica da poca os jornais serem meios de divulgao e chamamento da populao as causas

filantrpicas, movimento este j consolidado em dcadas anteriores pelas associaes e

agremiaes8. Segundo Amaral, as aes filantrpicas eram mediadas pela imprensa

jornalstica, pois exerciam um importante papel ao divulgarem as aes das pessoas e

diversas instituies de caridade, pois estimulavam a sociedade a contribuir ainda mais

(AMARAL, 2008, p.7). Para Sanglard, a filantropia [...] dava visibilidade social por se tratar

de uma atividade de utilidade pblica, assim os peridicos tornaram-se bons scios, por

divulgarem as aes de diversas sociedades (SANGLARD, 2003, p.1096).

Machado em sua iniciativa filantrpica elegeu, no perodo de janeiro a maro de 1940,

a primeira folha do jornal, com localizao privilegiada e com letras de destaque para publicar

diariamente os colaboradores da Campanha dO Dia, como por exemplo:

Nesse particular, acrescentamos hoje o registro de uma atitude que alm de

revestir um smbolo de excelsa e comovente significao, revive

intensamente aquele carter de espontaneidade que acentuamos linhas atraz.

Trata-se da contribuio de 1:000$000, por todo os ttulos precisa, feita pelas

lindas crianas Luiz Gil de Leo Filho, e Marilu Caillet Leo, filhinhos do

casal Luiz de Abreu Leo e Didi Caillet Leo. (O Dia, 17/02/1940, p.1)

Alm das ofertas anteriores, a conceituada Farmcia Colombo, de

propriedade do Sr. Joo Pereira da Silva, ofereceu aos postos mais um

variado sortimento de produtos farmacuticos. A Livraria Mundial, de

Frana e Cia Ltda, ofereceu espontaneamente todo o material de escrtitrio

de que ir necessitar o posto [...]. (O Dia 01/03/1940, p.1)

Solidarizando-se iniciativa de O Dia a importante firma conterrnea Mate

Triunfo Ltda. Ofereceu, por intermdio de seu gerente, Caio Graccho de

Souza Gaissler, duzentas caixetas de seu famoso Mate Sazonado. (O Dia

03/03/1940, p.1)

Ainda ontem, o afamado Laboratrio Eutherpico Nacional de S. Paulo fez

valiosssimo donativo aos Postos de Puericultura, doando-lhes os seguintes

produtos: 50 caixas de Novosan Infantil, 30 caixas de Redivan e 30 vidros de

Davicalcio. (O Dia 09/03/1940, p.1)

Importantes donativos em dinheiro foram ontem feitos nos postos e assim

discriminados: um annimo, 500$000; viva Trajano Reis, 100$000; Sr.

Silvio Espinheira, 20$000. (O Dia 26/03/1940, p.3)

8 Em CONCEIO (2012, p. 110) as agremiaes organizadas no incio do sculo XX tinham nome de flores,

como o Grmio das Violetas, das Magnlias, das Camlias, das Glicnias, Miostis e Bouquet, com objetivo de

auxiliar as entidades assistenciais.

8

Em meio aos donativos arrecadados, resultado da intensa propaganda e apelos, a

Campanha d O Dia organizou no perodo de 28 de fevereiro a 03 de maro de 1940, uma

exposio do mobilirio e dos aparelhos recebidos e adquiridos para inaugurao e

funcionamento dos Postos de Puericultura Fundao O Dia. A mesma foi aberta visitao

pblica, compartilhando com os visitantes os donativos adquiridos, bem como a possibilidade

de vislumbrar mais colaboradores iniciativa pela sade das crianas curitibanas. Um dos

editoriais do jornal O Dia referente exposio dos mobilirios:

Abre-se hoje, s 16 horas.

Ingressa hoje a iniciativa de O Dia em sua fase concreta de realizaes.

Poder o pblico avaliar, pela exposio do aparelhamento completo [...] o

quanto de conjugao de foras sociais e o quanto de persistncia no esforo

bem dirigido, concentram-se na campanha que O Dia lanou, movimentou e

vai executando de vitoria em vitoria sob um ambiente de vigorosa

solidariedade social e no mera simpatia e, o que lhe caracterizou a estrutura

desde o incio: a espontaneidade que a inspirou e que serviu de base s

numerosas adeses recebidas s contribuies feitas e s manifestaes de

apreo popular. (O Dia, 28/02/1940, p. 1)

Outra estratgia utilizada por Caio Machado foi promover, para a populao curitibana, no

perodo de 18 a 25 de maro de 1940, um ciclo de palestras transmitidas pela Radio Clube

Paranaense PRB-29, enfocando a temtica acerca da Puericultura. A organizao da Semana

de Puericultura contou com o apoio de trs segmentos colaboradores: a Rdio Clube

Paranaense PRB2, alguns pediatras curitibanos e as Samaritanas da Escola de Enfermagem

Izabel Gomm10

. Tal acontecimento tinha como metas sensibilizar, orientar e convidar,

principalmente mes, para participarem como ouvintes das palestras proferidas por pediatras

de Curitiba e pelas chamadas Samaritanas, quanto sade da criana, bem como cumpriam

o protocolo de divulgao da importncia dos Postos de Puericultura Fundao O Dia e sua

data de inaugurao, em 25 de maro corrente.

[...] Ainda homenageando a criana, O DIA, em colaborao com ilustres

pediatras paranaenses, com as Samaritanas e com a PRB-2, promover a

9 HOERNER (2005, p. 16 26; 43-44) aponta que a Rdio Clube Paranaense AM 1430, popularmente conhecida como PRB-2, foi pioneira em radiodifuso no Paran, com data de fundao em 27 de junho de 1924.

Inicialmente seu perodo de funcionamento era nas quartas e sextas feiras, das 8h30 s 9h30. Aos domingos

das 14h s 15h. Para aprofundar: HOERNER V. Rdio Clube: paranaense e pioneira do Paran. Curitiba:

Champagnat, 2005. 10 Samaritanas da Escola de Enfermagem Izabel Gomm: eram alunas matriculadas em curso de auxiliar de enfermagem da Escola de Enfermagem Izabel Gomm que, mesmo antes de formadas, ensinavam as pessoas

cuidados com a sade e socorriam os mais necessitados.

9

Semana de Puericultura, a ter incio depois de amanh, dia 18. Diariamente

ao microfone da PRB-2 falaro um mdico e uma das senhoras das

Samaritanas, explorando temas relacionados com a Puericultura. Em nossa

edio de amanh, divulgaremos o programa completo a ser executado at o

dia 25, Dia da Criana. [...] (O Dia, 16/03/1940, p.1)

A cada noite, as palestras eram proferidas por um pediatra e uma samaritana, com

temas que contemplassem a sade das crianas, pela formao educativa e higinica das mes

pautadas nos princpios ideolgicos estadonovista. Alm das palestras radiofnicas, Machado

compartilhava com os leitores do jornal O Dia as palestras da Semana de Puericultura, onde

transcrevia as falas realizadas pelos convidados em data anterior pela emissora radiofnica

PRB-2. Segundo o registro do jornal O Dia, as palestras eram publicadas na ntegra.

As evidncias de estratgias e articulaes polticas de Caio Machado para a

implantao dos Postos de Puericultura Fundao O Dia se tornam cada vez mais ntidas,

pois a Semana de Puericultura foi organizada para que o desfecho das palestras acontecesse

na data de 25 de maro, data esta agendada para a implantao dos Postos de Puericultura nos

bairros curitibanos Porto, Juvev e Mercs e data baixada em decreto-lei pelo Presidente

Getlio Vargas para a comemorao Nacional do Dia da Criana. Assim, a instalao

concomitantemente dos trs Postos de Puericultura em Curitiba dava visibilidade poltica

iniciativa filantrpica de seu idealizador, Caio Machado, e revelava que seu jornal O Dia

comungava dos preceitos ditados pela poltica estadonovista de Getlio Vargas, quanto

assistncia, proteo e amparo ao binmio materno-infantil.

Em data anterior implantao dos Postos de Puericultura, Machado publicou

O DIA chega ao final de uma campanha que empreendeu h pouco mais de

um ms em a qual teve oportunidade de canalizar apreciveis energias de

nossos crculos e instituies sociais em torno de um empreendimento, cujos

objetivos sociais e humanos mobilizam por si a mais vigorosa justificao e

reclamam todo um apoio espontneo, permanente, indefeso e generalizado.

[...] Inaugurando amanh, os postos de Puericultura do Juvev, Mercs e

Porto, O DIA congratula-se com todos aqueles que interpretaram sua

campanha com esclarecido esprito de compreenso social e humano e com

superior viso da realidade contempornea. [...] Os postos [...] sero

inaugurados amanh, respectivamente obedecendo ao seguinte horrio:

Porto: das 9 s 11 horas; Juvev: das 13 s 15 horas e Mercs: das 15 s 17

horas [...]. (O Dia, 24/03/1940, p.1)

Assim, Machado finaliza a campanha dO Dia para a implantao simultnea de trs

Postos de Puericultura Fundao O Dia, na capital curitibana, a qual se efetivou pela

constante participao e colaborao de diferentes setores da sociedade.

10

Nos meses seguintes implantao dos postos, o jornal O Dia mantinha em suas pginas

publicaes que sensibilizavam, principalmente mes para matricularem seus filhos nos

Postos de Puericultura Fundao O Dia, utilizando-se do seguinte chamamento:

Fonte: O Dia, 06/04/1940, p. 1

Outra prtica desenvolvida por Machado em relao aos leitores de seu jornal era a

apresentao dos dados estatsticos referente movimentao dos atendimentos ofertados por

cada um dos Postos de Puericultura Fundao O Dia. Os balancetes iniciaram no ms

seguinte a inaugurao dos Postos e eram publicados regularmente ao longo dos anos de

permanncia dos mesmos. Estes balancetes registravam o nmero de crianas consultadas

(novas e re-exames), medicamentos (fornecidos e receitados), dietas alimentares (fornecidas e

prescritas), injees, curativos e exames de laboratrios. Neste mesmo balancete, havia o

demonstrativo das receitas e despesas em cada Posto de Puericultura Fundao O Dia.

Neste primeiro ms de atividades os postos de Puericultura atenderam a 282

crianas, nmero a que atingem as matriculas feitas nos trs consultrios

instalados pelo O DIA nos bairros das Mercs, do Porto e do Juvev. No

Posto Dr. Trajano Reis (Mercs), o nmero de crianas matriculadas

atingiu a 147; no Posto Dr. Candido de Leo (Juvev), 80 crianas esto j

matriculadas e no Posto Dr. Leocdio Correia (Porto) de 59 esse

nmero. Mas na realidade, ultrapassam de quinhentas as consultas dadas

pelos mdicos, [...], pois a maioria das crianas matriculadas foi atendida

mais de uma vez, para acompanhar o seu desenvolvimento e a aplicao das

indicaes prescritas.[...]. (Folheto Fundao O Dia, maio de 1940, p.25)

Ao decorrer dos anos de 1940 1942, os donativos se mantiveram para a

manuteno dos Postos de Puericultura, sendo que a cada doao recebida, Machado revelava

em publicaes no O Dia a identidade de seu(s) colaborador(es) e seu donativo.

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Elegante e expressivo gesto de delicadeza vem de ter a sra. Avila Quadros

[...] que, entusiasmada perante os nmeros e grandes servios que os Postos

de Puericultura Fundao O Dia, prestam infncia pobre de Curitiba,

enviou aos mesmos a quantia de 70$000. Atitudes como esta demonstram o

carinho com que acompanhado o trabalho de amparo s crianas [...] (O

Dia, 19/06/1941, p.3)

Outra conquista obtida pela implantao dos trs Postos de Puericultura Fundao

O Dia foi fundao da Associao de Puericultura de Curitiba, em fevereiro de 1941, com o

fito de realizar um vasto programa de amparo infncia, vm de ser

fundada nesta Cidade a Associao de Puericultura de Curitiba, a cuja

frente se acham elementos de real projeo em nossos meios sociais e

mdicos. A entidade em questo, para cumprir as finalidades a que se

destina, cuidar da manuteno dos Postos de Puericultura Fundao

O DIA, instalados no Juvev, nas Mercs e no Porto, dessa

maneira zelando pela sade e bem estar da criana paranaense. (Jornal

O Dia, 15/02/1941, p.3)

Ao longo dos anos de 1940 a 1942, os Postos de Puericultura Fundao O Dia,

somaram esforos a outras iniciativas pblicas e privadas que aconteciam em Curitiba com

vistas s prticas preventivas, higinicas e formativas do binmio materno-infantil.

E, como desfecho para este estudo, fundamentada na coletnea denominada Um

jornal a servio da infncia (1948, p.49 50) do pediatra curitibano Homero Braga, um dos

grandes aliados de Caio Machado, ser compartilhado um trecho referente ao ato ocorrido de

encampar os Postos de Puericultura Fundao O Dia pela Legio Brasileira de Assistncia,

em novembro de 1942.

Ao findar o terceiro ano de funcionamento, com os dficits se acumulando,

sem o seu jornal e sem auxlio do governo, Caio Machado decidiu transferir

para a Legio Brasileira de Assistncia todo o acervo dos postos de

puericultura. Na ocasio da transferncia, o nmero de crianas matriculadas

era de 3.871 que alm do primeiro exame foram atendidas em re-exames que

montaram a 12.772, totalizando as consultas dadas pelos mdicos a cifra de

16.643. Haviam sido fornecidos 8.701 medicamentos e receitados 11.398,

num total de 20.099 medicamentos. Foram prescritas 6.647 dietas e

fornecidas gratuitamente 44.589, que d um total de 51.236 refeies. Foram

feitas 8.342 injees, 1.643 curativos, 331 exames de laboratrio e 1.011

banhos de raios ultra-violeta. Com esta soma de servios bem podia a

Associao de Puericultura de Curitiba considerar cumprida a sua misso, no

momento em que, por uma transformao em suas finalidades, a Legio

Brasileira de Assistncia se dispunha a encampar os servios de proteo

maternidade e infncia. A esta transferiu o dr. Caio Machado os seus

postos. [...]. (BRAGA, 1948, p.49-50)

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Portanto, no perodo em que os Postos de Puericultura Fundao O Dia

permaneceram sob os cuidados filantrpicos de Machado, inmeras mobilizaes e

contribuies de diferentes setores da sociedade curitibana concorreram para a implantao e

manuteno dos mesmos. No entanto, vale lembrar que a iniciativa de Caio Machado no foi

uma ao isolada de proteo criana curitibana, j que outras tantas instituies, em

perodos anteriores e no mesmo perodo de fundao dos Postos de Puericultura, tambm

desencadearam aes que visassem reduo das taxas de mortalidade infantil. Lembrando

que a poltica estadonovista impunha diretrizes de investimento no binmio materno-infantil,

baixando decretos-leis em que estados e municpios desenvolvessem polticas pblicas de

assistncia, proteo e amparo maternidade e infncia.

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REFERNCIAS

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Jornal O Dia (1940 - 1942)

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