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POTENCIAL DAS PASTAGENS DE CYNODON NA
PECUÁRIA DE LEITE
Duarte Vilela 1
1. Introdução
A lista de vantagens das gramíneas do gênero Cynodon (estrela, bermuda e seus híbridos) é extensa. As principais estão ligadas à sua elevada produtividade por área e à boa qualidade, associadas a: elevada capacidade de resposta à fertilização; grande resistência ao pisoteio; boa capacidade de adaptação a diferentes tipos de solos e de clima. Esse gênero confere boa resistência a solos úmidos e baixas temperaturas, o que o distingue de outros que predominam em condições tropicais. Estes pontos justificam como alternativa promissora para produtores que buscam eficiência na atividade leiteira por meio da intensificação sustentada da atividade.
Considerando esta potencialidade, a Embrapa Gado de Leite iniciou em 1992 uma série de pesquisas com o objetivo de estabelecer as melhores práticas de manejo que pudessem maximizar os benefícios de seu uso para os produtores. Basicamente foram buscadas práticas que pudessem otimizar a produção de leite de vacas da raça Holandesa de elevado potencial genético mantidas em pastagens desta gramínea.
Neste capítulo serão apresentados, de forma cronológica, os resultados obtidos com entre 1992 e 2003. Inicialmente, de 1992 a 1993, com o propósito de dar resposta aos produtores que procuravam uma alternativa ao sistema de produção em confinamento (que requerem grande inversão de capital), compararam-se dois sistemas de produção, um a pasto e o outro em confinamento total. Na seqüência, entre 1993 e 1994, em função da superioridade econômica apresentada pelo sistema a pasto sobre o sistema confinado, avaliaram-se formas e estratégias de fornecimento de concentrado visando otimizar a produção de leite. Em outra etapa, até 1997, foi pesquisada a alternativa de elevar a energia do concentrado, recorrendo-se à adição de energia extra, por meio de gordura protegida ou ingrediente rico em óleo.
De 1997 a 1999, com o objetivo de reduzir o custo de manutenção das pastagens, a pesquisa procurou avaliar diferentes níveis de fertilização nitrogenada. Para finalizar a seqüência de estudos, de 2000 a 2003, avaliaram-se a qualidade do leite produzido e os índices reprodutivos e econômicos, fechando-se assim uma série histórica de 12 anos de pesquisa com produção de leite em pastagem com Cynodon.
Nos capítulos seguintes estas pesquisas serão detalhadas e apresentados os resultados obtidos.
1 Pesquisador da Embrapa Gado de Leite,
2. Comparativo da produção em sistema a pasto com confinamento
2.1 Procedimentos experimentais
Neste primeiro período (abril de 1992 a janeiro de 1993), foram comparados dois sistemas de produção de leite. Um com vacas mantidas em pastagem de coast-
cross com manejo intensivo e o outro com as vacas manejadas em regime de confinamento total. Nesta pesquisa, além de comparar os dois sistemas, procurou-se descobrir a melhor forma de manejar a pastagem de Cynodon, de tal forma a otimizar a produção e fazer frente aos sistemas confinados. Foram utilizadas vacas da raça Holandesa com potencial entre 6.000 e 7.500 kg/lactação. Os experimentos foram conduzidos no Campo Experimental de Coronel Pacheco, uma das bases físicas da Embrapa Gado de Leite, na Zona da Mata de Minas Gerais (21º 33' 22'' de Latitude Sul e 43º 6'15'' de Longitude Oeste), clima do tipo Cwa (mesotérmico), com verão chuvoso, inverno seco e precipitação média anual de 1.500 mm, distribuída de forma irregular. Nos meses menos chuvosos, quando a precipitação ficava abaixo de 50 mm ou quando ocorria veranico, independentemente do mês do ano, a pastagem foi irrigada por aspersão, utilizando-se conjunto de irrigação convencional com vazão de 60 m3/hora. Irrigavam-se os piquetes depois da adubação de cobertura, que era sempre feita após a saída dos animais. O intervalo entre as irrigações era avaliado por tensiômetros de cápsulas porosas, procurando manter o solo em uma faixa de 60 a 65% de água disponível.
No sistema confinado as vacas foram mantidas em instalações do tipo free-stall, recebendo dieta completa, à vontade, à base de silagem de milho e concentrado, variando a relação volumoso/concentrado em função do estádio de lactação.
No sistema a pasto a pastagem foi manejada em rotação e os piquetes divididos com cerca elétrica. O pastejo foi conduzido com um dia de ocupação e descanso de 32 dias no período seco (inverno) e 25 no período chuvoso (verão). Os piquetes sempre manejados de forma a deixar um resíduo em torno de 20 a 25 cm de altura. Os animais tinham livre acesso à água e a sombra artificial proporcionada por sombrite.
Usou-se adubação anual com 360 kg de N, 80 kg de P2O5 e 280 kg de K2O/ha, parcelada em dez aplicações. As vacas somente saíam da pastagem nos horários das ordenhas. Recebiam diariamente 3 kg do concentrado à base de fubá de milho (48%), farelo de soja (35%), farejo de trigo (15%), calcário calcítico (1%), mistura mineral (1%) e, no primeiro terço da lactação, bicarbonato de sódio (1%). Este mesmo concentrado foi fornecido também aos animais do sistema confinado. A qualidade dos alimentos empregados nos diferentes períodos de avaliação pode ser observada na Tabela 1.
Bolsista Nível 1 do CNPq
Tabela 1. Composição química das dietas utilizadas nos dois sistemas de produção e a relação silagem de milho/concentrado (SM/C).
Dieta Fases (semanas) 1 – 12 13 – 26 27 – 40 Confinamento
Matéria seca (%) 61,5 57,0 38,2 Proteína bruta (% na MS) 17,7 15,7 12,0 FDN (% na MS) 42,2 44,2 52,2 DIVMS (% na MS) 74,2 65,1 68,4 Relação SM/C 45/55 55/45 74/26
Pasto de coast-cross Matéria seca (%) 22,7 23,6 24,1 Proteína bruta(% na MS) 17,0 16,4 17,2 FDN (% na MS) 60,3 65,9 59,1 DIVMS (% na MS) 63,4 66,2 61,7
Fonte: Vilela et al. (1996).
2.2 Resultados produtivos e econômicos A produção de leite a pasto suplementado com 3 kg de concentrado foi de 20,8
kg/dia, em média, nas primeiras 12 semanas de avaliação, e de 16,6 kg/dia, na média de todo período avaliado (40 semanas). A produção em confinamento foi em média das 40 semanas, de 20,6 kg/vaca/dia, com teor de gordura de 3,7%, atingindo nas primeiras 12 semanas de lactação, 25 kg/vaca/dia.
Concluiu-se, nas condições em que este trabalho foi realizado, que o pastejo em coast-cross constituiu-se em alternativa viável para a intensificação da produção de leite na Região Sudeste do Brasil, registrando-se produção média diária de 16,6 kg/vaca, com suplementação de 3 kg de concentrado/vaca/dia. A taxa de lotação média da pastagem foi de 5,8 vacas/ha, com produção média diária de 74 kg/ha.
A produção de leite das vacas mantidas em confinamento, consumindo diariamente , em média, 7,8 kg de concentrado e 30 kg de silagem de milho, foi de 20,6 kg/dia e 5.750 kg em 280 dias de lactação. Apesar de a produção de leite ter sido menor no sistema a pasto, a margem bruta foi 32% superior em relação ao sistema em confinamento.
3. Níveis de suplementação concentrada
De 1993 a 1994, deu-se continuidade aos trabalhos, avaliando dois níveis de
concentrado. Um grupo de vacas recebeu 3 e outro 6 kg por vaca, por dia. A avaliação
continuou-se sendo feita com vacas da raça Holandesa, mantidas em pastagem durante o
ano todo. O manejo da pastagem e o concentrado utilizado foram semelhantes ao do
experimento relatado anteriormente. A variação da qualidade do pasto ao longo do ano
(período chuvoso e período seco) pode ser observada na Tabela 2.
Tabela 2. Teores de matéria seca (MS), proteína bruta (PB), fibra detergente neutro (FDN) e digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) no coast-cross.
Estação Composição química ( % MS) MS PB FDN DIVMS
Outono/inverno (período seco) 27,5 15,6 60,7 64,6 Primavera/verão(período chuvoso) 25,2 19,9 53,1 68,3 Fonte: Alvim et al. (1997).
Os resultados deste experimento são relatados a seguir. A taxa de lotação da
pastagem na época das chuvas (5,9 a 6,4 vacas/ha) foi mais elevada do que a da época
da seca (3,0 a 3,7 vacas/ha) e os registros permitiram concluir que com vacas da raça
Holandesa (peso vivo de 576 kg) é possível conseguir taxa de lotação de 3 a 4 UA/ha no
período seco (outono/inverno) e de aproximadamente 6 no período chuvoso
(primavera/verão). Os dados de produção (Tabela 3), mostram que com 3 kg de
concentrado a produção de leite foi de 16,5 kg/vaca e 50 kg/ha na seca e de 17,3
kg/vaca e 103 kg/ha nas águas. Na média do ano 16,9 kg de leite. Ao passar para 6 kg
de concentrado, a produção aumentou para 19,5 kg/vaca e 70 kg/ha na seca e para 20,5
kg/vaca e 131 kg/ha nas águas. Na média do ano, 20,0 kg de leite. Assim, a
produtividade diária por área variou de 50 a 70 kg/ha na seca e de 103 a 131 kg/ha nas
águas /dia para os níveis de 3 e 6 kg de concentrado, respectivamente.
Esta relativa pequena variação na produção individual de leite, média do ano,
dentro da época das águas e da seca, indica que a qualidade da pastagem de Cynodon,
não varia demasiadamente ao longo do ano.
Tabela 3. Produção de leite e taxa de lotação de vacas da raça Holandesa em pastagem de coast-cross nos períodos chuvoso (primavera/verão) e seco (outono/inverno).
Produção de leite (kg/vaca/dia)
Lotação (vaca/ha) Concentrado (kg/vaca/dia Primavera
verão Outono/ inverno
Média Primavera/
Verão
Outono/ Inverno
Média
3 17,3 16,5 16,9 5,9 3,0 4,5 6 20,5 19,5 20,0 6,4 3,7 5,1
Fonte: Alvim et al. (1997).
Na época das chuvas o aumento da quantidade de concentrado
possibilitou aumentar também a taxa de lotação da pastagem. Com 3 kg de concentrado,
conseguiu-se uma lotação de 6,1 vacas/ha entre 1993 e 1994, e 5,8 vacas/ha entre 1994
e 1995. Com 6 kg/vaca, a lotação subiu para 6,5 vacas/ha entre 1993 e 1994 e para 6,3
vacas/ha entre 1994 e 1995. Estes dados mostraram que houve pouca variação na
capacidade de suporte da pastagem no período das chuvas ao passar de 3 para 6 kg de
concentrado/vaca/dia. No período da seca, a lotação média foi de 3,0 vacas/ha com 3
kg de concentrado/vaca e de 3,7 vacas/ha com 6 kg de concentrado. A boa
disponibilidade de forragem permitiu que esta variação acontecesse em pequena escala.
Com 3 kg de concentrado, a produção diária de leite foi 77,9 kg/ha, equivalente
a 28.430 kg/ha/ano. Ao passar o concentrado para 6 kg/dia a produção diária subiu para
104 kg/ha, equivalente a 37.959 kg/ha/ano.
Houve maior persistência da lactação quando as vacas receberam 6 kg de
concentrado do que com 3 kg, assim como, para o dois níveis de concentrado, as curvas
de produção de leite corresponderam a 168 dias de lactação na época da seca e a 197
dias na época das chuvas.
O peso vivo das vacas aumentou no período da seca, em média, 15 e 22 Kg em
1993, 11 e 17 Kg em 1994, e no período das chuvas de 1993/94 32 e 51 Kg e 42 e 59
Kg em 1994/95, respectivamente, ao se fornecerem para os animais 3 e 6 Kg de
concentrado, sendo mais elevado no período das chuvas. Com 6kg de concentrado/vaca
os animais recuperaram mais rapidamente o peso após o parto.
Estimou-se, nas duas épocas do ano, que o consumo total de alimento na base da
matéria seca (MS) foi ao redor de 18,4 e 18,8 kg/vaca/dia, respectivamente para 3 e 6 kg
de concentrado, indicando que não houve restrição de pasto para os animais. Os
resultados demonstraram oscilação na quantidade de forragem mantida na pastagem e
permitiram deduzir que não houve superpastejo, pois a disponibilidade média de
matéria seca na pastagem foi de 6,7 t/ha, na época das chuvas, e 4,5 t/ha, na época da
seca, com a forragem residual sendo de 3,7 t/ha, na época das chuvas, e 2,7 t/ha na
época da seca. O consumo diário de alimentos vindos exclusivamente do pasto foi de
15,8 e 13,6 kg/vaca, respectivamente para 3 e 6 kg de concentrado. A dieta completa
dos animais que receberam 6 kg de concentrado, ou seja, 5,2 kg de MS, foi de melhor
qualidade do que a dos demais animais. Assim, o fornecimento de 6 kg de concentrado,
além de ter promovido maior taxa de lotação na pastagem, promoveu maior produção
de leite por animal e por área.
A literatura mostra produções variáveis de leite de vacas da raça Holandesa em
pastagem de coast-cross. O manejo da pastagem e o potencial de produção dos animais
são alguns fatores que podem modificar a produção de leite. Em Cuba (MARTINEZ et
al.,1980) trabalhos com vacas da raça Holandesa e em regime exclusivo de pastagem
também de coast-cross, conseguiram produções de mais de 13 kg de leite por dia,
correspondente a 4.444 kg/lactação. Neste estudo a pastagem foi adubada anualmente
com 420 kg/ha de N e irrigada na época da seca. Os menores níveis de produção foram
devidos ao menor potencial produtivo dos animais utilizados.
Na Embrapa, a implementação de adubações uniformes e de irrigações
estratégicas manteve a qualidade da forragem e permitiu a menor variação da taxa de
lotação ao longo do ano e a melhor uniformidade da produção individual dos
animais(Tabela 2). Em virtude do manejo adotada, a taxa de lotação obtida na época das
chuvas foi elevada, sendo, apesar de inferior, também expressiva na época da seca,
principalmente pelo fato de os animais não terem recebido volumoso complementar. A
irregularidade na taxa de lotação, observada ao longo do ano, se deve ao fato de
prevalecer, na região, durante a época da seca, condições ambientais adversas (Figura
1), como baixa temperatura e pouca luminosidade, o que reduz a velocidade de
crescimento do pasto. É de se esperar que a oscilação na taxa de lotação e,
conseqüentemente, na produção de leite por área, possa ser solucionada pela
suplementação volumosa na época da seca. Estudos dessa natureza foram conduzidos
demonstrando que, em situações em que a disponibilidade de pasto foi inferior a 4 t/ha,
a suplementação volumosa se torna necessária, independentemente da irrigação. Pode-
se inferir destes estudos que, em condições climáticas adversas, com temperatura e
luminosidade locais inadequadas à produção de determinadas espécies forrageiras,
deve-se orientar os produtores a buscar em forrageiras mais adaptadas, sendo as
espécies do gênero Cynodon uma opção vantajosa, pois têm desenvolvido bem em
regiões com temperaturas mais baixas no inverno e apresentando também boa resposta à
irrigação. ‘ Em condições de temperaturas mínimas inferiores a 16-18° C, a irrigação
não soluciona o problema da estacionalidade de produção de forragens. Em avaliações
sobre as características de crescimento e produção da cultivar Tifton 85, sob condições
irrigadas e de sequeiro (Aguiar et al., 2002), constataram que a irrigação da pastagem
possibilitou aumentos nos fatores de crescimento e de produção da forrageira. A Figura
1 mostra os meses em que a irrigação do Cynodon pode ser mais favorável.
3. Estratégias de suplementação concentrada
No experimento anterior ficou a indagação se a quantidade de concentrado
fornecida no primeiro terço da lactação poderia interferir nos índices produtivos de
vacas da raça Holandesa, o que foi avaliado no experimento conduzido nos anos de
1995 e 1996.
Assim, visando comparar estratégias de fornecimento de concentrado, foi
fornecida uma quantidade fixa de concentrado na base de 6 kg/vaca/dia durante 270 dias
de lactação a um grupo de vacas, e no outro quantidade distribuída de forma decrescente
ao longo da lactação das vacas. Nos primeiros 90 dias de avaliação, recebiam 9 kg e
depois 6 kg (91 a 180 dias) e 3 kg (181 a 270 dias). Nas duas estratégias, as vacas
recebiam ao final do período de avaliação, a mesma quantidade de concentrado, ou seja,
1.620 kg/vaca/270 dias.
Os resultados deste experimento foram os seguintes:
Nos primeiros 90 dias a produção diária das vacas que receberam os 6 kg de
concentrado na quantidade fixa foi de 21,5 kg, e as que receberam quantidade variada (9
kg/dia) produziram 25,3 kg. Nos dois períodos subseqüentes, as produções diárias por
vaca foram de 19,8 e 20,6; e de 13,5 e 11,1 kg, respectivamente. Ao longo dos 270 dias
as produções médias foram de 18,3 e 19,0 kg para a quantidade fixa e variável,
respectivamente. A pouca diferença entre as produções por animal pode ter sido em
função da boa qualidade da forragem disponível nas pastagens. O fornecimento variável
do concentrado prolongou o pico de lactação das vacas durante o primeiro terço da
lactação, porém, promoveu queda mais acentuada nos períodos subseqüentes, o que
coincide com informações da literatura. Esta estratégia de fornecimento possibilitou
também aumentar a taxa de lotação da pastagem, o que era de se esperar, devido ao
efeito de substituição no consumo do pasto pelo concentrado. A alternativa do
fornecimento variável foi mais indicado do que o fixo, pois viabilizou aumento de
produção sem interferir negativamente no peso vivo das vacas e, além disso, não elevou
custo operacional do sistema, pelo contrário, reduziu os custos médios, na medida em
que elevou a produtividade sem incrementar custos.
5. Nível de energia e proteína do concentrado
A ingestão de energia normalmente é um limitante da produção de leite quando
se utilizam pastagens tropicais. Isto é mais problemático, principalmente no terço inicial
da lactação, quando as vacas não são capazes de consumir energia suficiente para
sustentar a produção e são levadas a mobilizar reservas corporais. A inclusão de uma
fonte extra de energia insolúvel no concentrado pode ser uma forma de incrementar a
densidade. Com o propósito de avaliar o efeito da inclusão de fontes extras de energia no
concentrado de vacas da raça Holandesa em pastagem de coast-cross, entre 1996 e 1998
foram conduzidas pesquisas para avaliar os efeitos da adição diária de 700 g/vaca de
fonte comercial de gordura insolúvel no concentrado. Esta estratégia possibilitou
aumentar a produção de leite (corrigida para 3,5% de gordura) em 3,2 kg/vaca/dia, em
relação ao sistema convencional, sem fonte extra de energia. O aumento da produção, no
entanto, não foi suficiente para cobrir o custo adicional do suplemento (Vilela et al.,
2002).
Em outro experimento (Vilela et al., 2003) foi avaliado o efeito da soja integral
tostada (SIT) na formulação do concentrado fornecido a vacas da raça Holandesa nos
primeiros 100 dias de lactação, de modo que reduzisse o teor de proteína degradada a
nível de rúmen (PDR) e, principalmente, elevasse a energia do concentrado. Assim,
compararam-se concentrados com 80% e 85% de NDT na MS, em que a PDR foi de
15,3 % para 9,3% na MS. As vacas que receberam 9 kg/dia de concentrado, com SIT
durante 100 dias após o parto produziram, em média, 23,6 kg de leite/dia, enquanto as
que receberam a mesma quantidade de concentrado, porém sem SIT, produziram, em
média, 19,7 kg /dia.
Esta informação pode subsidiar importantes decisões para se reduzir o custo da
alimentação de vacas em pastagens, assim como diminuir o risco com transtornos
metabólicos nas vacas em lactação. Dessa forma, em função da boa qualidade e
digestibilidade do pasto (Tabelas 1 e 2), que normalmente apresenta concentração de
proteína bruta entre 15 e 19% na matéria seca (em geral constituída de nitrogênio não-
protéico e de fácil fermentação no rúmen) não se justifica utilizar suplementação com
concentrados que tenham teor de proteína superior a 20%, tão pouco possuam uréia em
sua composição, por ser essa extremamente solúvel a nível de rúmen. Assim, evita-se
excesso de proteína, ou seja, nitrogênio não-protéico na alimentação diária, sabendo-se
que o excesso leva à concentração desproporcional de amônia no rúmen, o que
normalmente causa distúrbios metabólicos que podem refletir no desempenho
reprodutivo, além de elevar o custo da dieta.
Esta pesquisa permitiu concluir que a formulação de concentrado com soja
integral tostada (SIT), como um de seus ingredientes, comparativo a outro sem SIT,
eleva o teor de gordura do leite de 3,4% para 4,1% e a produção de 19,8 para 22,2 kg de
leite/vaca/dia. A produção por área também foi elevada de 122 para 145 kg/ha, tendo
ainda melhorado a persistência da lactação de -0,062 para -0,038kg/dia,
respectivamente.
6. Fertilização nitrogenada sobre a produção de leite
Avaliando, durante dois anos, os efeitos da aplicação de três diferentes níveis de
nitrogênio (100, 250 e 400 kg/ha/ano) numa pastagem de coast-cross, Alvim & Botrel
(2001) concluíram que a produção de leite por vaca não foi afetada pela quantidade de
nitrogênio aplicada na pastagem, no entanto a taxa de lotação melhorou com os níveis
mais elevados de nitrogênio. Esta pesquisa permitiu concluir que aplicações de 100, 250
e 400 kg/ha/ano de N não interferem na produção individual de leite de vacas da raça
Holandesa, no entanto o nível de 250 kg de N/ha/ano otimizou a taxa de lotação da
pastagem e a produção de leite por área, resultando em maior retorno econômico por
unidade de área.
7. Índices reprodutivos
De 2000 a 2003 foi avaliado o efeito de dois níveis de concentrado sobre o desempenho
reprodutivo de vacas da raça Holandesa mantidas em pastagens de coast-cross. Nesta
pesquisa foi observado como se comportavam as vacas em termos de manifestação de cios
pós-parto (identificados por observação visual e por dosagem de progesterona) quando
alterava o fornecimento de concentrado de 3 para 6 kg/dia. Basicamente esta pesquisa foi
conduzida nas seguintes condições: os mesmos animais experimentais foram mantidos
durante três lactações sucessivas; a carga animal foi fixada em 5 vacas/ha; a fertilização da
pastagem foi fixada em 200 kg/ha/ano de nitrogênio; e foi incluída a SIT no concentrado
que apresentou 19,5% de proteína bruta e 85% de NDT na matéria seca. Foram utilizadas
36 vacas da raça Holandesa, com peso vivo médio de 560 kg. O período de ocupação dos
piquetes foi de um dia e o de descanso de 25 a 35 dias, esta variação em função da época
do ano, o maior descanso na seca (outono/inverno) e o menor nas águas (primavera/verão).
Os dados foram coletados durante três anos consecutivos (outubro/2000 a outubro/2003), e
cobriram um total de 108 lactações (três anos com 36 animais por ano).
A pastagem foi fertilizada com 1.000 kg/ha/ano da fórmula 20-05-20, distribuída a
lanço em seis aplicações anuais, sempre após a saída dos animais dos piquetes.
No período da seca (maio a setembro) de 2003, ano em que a disponibilidade de
forragem atingiu nível inferior a 4.000 kg de MS/ha, suplementou-se o pasto com 17
kg/vaca/dia de silagem de milho com 33% de MS. O escore da condição corporal
(ECC) foi estimado com base em avaliações visuais e táteis, atribuindo-se notas que
variaram entre 1 e 5 sendo: 1, muito magra; 2, magra; 3, boa; 4, gorda; e 5 muito gorda.
A produção de leite foi registrada diariamente.
Pelo método visual, os estros (cios) foram identificados pela manhã e pela tarde,
por meio de quatro observadores, sendo dois retireiros e dois técnicos. Não foi utilizado
rufião para auxiliar nesta identificação. A partir de 15 dias depois do parto, amostras de
sangue foram coletadas, uma vez por semana, até a confirmação da prenhez, com a
finalidade de dosar a progesterona, com a qual foi possível identificar estros não
observados pelo método visual e avaliar também os casos de morte embrionária.
As variáveis avaliadas foram dias para manifestação do primeiro estro após o
parto, período de serviço, intervalo de partos, ordem de parição e produção de leite.
A análise de viabilidade econômica entre os dois níveis de concentrados foi feita
mediante a quantificação e análise do resultado monetário e serão apresentadas e
discutidas no capítulo subseqüente.
7.1 Produção e qualidade do leite
Os resultados sobre a produção de leite acompanhados durante três anos, nos diferentes estádios da lactação, estão apresentados na Tabela 4.
Tabela 4. Produção de leite nos três períodos de avaliação e média anual de vacas da
raça Holandesa mantidas em pastagem e recebendo duas diferentes quantidades de
concentrados (média de três anos consecutivos).
Produção de Leite (kg/vaca/dia) Concentrado (kg/vaca/dia)
0-100 (Dias)
101-200 (Dias)
201-330 (Dias)
0 a 330 (Dias)
3 19,0 15,5 12,0 15,5 6 22,2 19,2 16,2 19,1
Média 20,6 17,3 14,1 17,0
Fonte: Vilela et al. (2004c).
As produções foram maiores quando se forneceram 6 kg de concentrado,
independentemente do período avaliado. Registrou-se uma média diária de 3,6 kg de
leite a mais do que aquelas que receberam 3 kg/vaca/dia. Entre os dois níveis avaliados,
cada kg adicional de concentrado estimulou a produção de, aproximadamente, 1,2 kg de
leite. Provavelmente o maior consumo de concentrado permitiu a substituição parcial do
consumo de matéria seca (MS) proveniente do pasto. Neste caso, a maior produção das
vacas ao receberam 6 kg de concentrado foi reflexo da qualidade da dieta,
independentemente do período avaliado, em que nos primeiros 100 dias registraram-se
produções de leite de 22,2 e 19,0 kg/vaca/dia (Tabela 4), respectivamente para 3 ou 6 kg
de concentrado/vaca/dia. Cada unidade de MS ingerida via concentrado estimula
redução no consumo de MS proveniente do volumoso de 0,5 a 0,8 unidades (Holmes &
Wilson,1990), refletindo o efeito substitutivo entre os elementos da dieta.
A importância da participação do concentrado na dieta de vacas em lactação é proporcional ao potencial de produção individual dos animais. O preços do concentrado vai definir a magnitude da margem líquida da atividade, que será logicamente tanto maior quanto menor o preço e maior a produtividade. Em sistemas com produtividade superior a 4.500 kg/vaca, é fundamental que se recorra à suplementação com concentrados, no entanto o nível e o tipo de proteína do concentrado também afetam diretamente os custos de produção.
As produções de leite por área foram de 77,8 e 94,0 kg/ha/dia para os níveis de 3 e 6 kg de concentrado/vaca/dia, respectivamente, projetando-se produção potencial anual acima de 31.000 mil kg de leite/ha. Em relatos anteriores, registrou-se produção média anual de leite próxima a 37 mil kg/ha, com taxa de lotação de 5,1 vacas/ha. A diferença foi que se utilizou 380 kg/ha de nitrogênio e 304 kg/ha de potássio, aplicados em cobertura e fracionados em dez aplicações.
A Tabela 4 mostra que, com 6 kg de concentrado, foi possível uma produção média diária, por vaca, em 330 dias, de 19,1 kg de leite e com 3 kg, 15,5 kg/vaca/dia, mantendo-se lotação de 5,0 vacas por ha. As pequenas variações na produção por área e na taxa de lotação podem ser explicadas pelo fato de a quantidade de nitrogênio utilizada (200 kg/ha) tendo menor do que a relatada nos estudos citados anteriormente (360 kg/ha/ano) e a produção por animal, pelo fato de se ter utilizado os mesmos animais experimentais durante três lactações sucessivas, ao passo que nos estudos anteriores houve reposição de animais ao término de cada experimento.
Em sistemas de produção a pasto, com animais de maior potencial produtivo, é importante a suplementação concentrada para que o seu potencial seja manifestado. As pesquisas da Embrapa Gado de Leite mostram que ao dobrar a quantidade de concentrado, ou seja passando de 3 para 6 kg/vaca/dia, é possível aumentar a lotação da pastagem de Cynodon em 50% e com isto reduzir em 11% o custo operacional relativo à pastagem.
Não houve diferença na produção de leite entre anos (2000 a 2003), como também entre estações do ano. A própria estabilidade na qualidade da pastagem entre anos e ao longo dos anos avaliados interferiu positivamente nestes resultados, possivelmente influenciada pelo manejo utilizado, ou seja, com fertilizações regulares ao longo do ano, distribuídas em seis aplicações e facilitadas pelo uso da irrigação.
Na Tabela 5 são apresentadas: estimativas do consumo de matéria seca proveniente do pasto; e a estimativa do consumo total de matéria seca das vacas que receberam as duas diferentes quantidades de concentrado.
Tabela 5. Estimativas do consumo diário de matéria seca (kg/vaca) proveniente do pasto e do consumo total (kg/vaca).
Variáveis Período1
Chuvas
Seca
Consumo de MS do pasto (kg/vaca/dia)
15,9 14,5
kg de concentrado/vaca/dia2
3 6 3 6 Consumo total de MS (kg/vaca/dia) (pasto + concentrado)
18,7 21,4 17,2 20,0
Consumo total de MS (% PV)
3,4 3,9 3,1 3,6 1 Valores médios de amostragens realizadas mensalmente, em cada época. 2 Concentrado com 92% de matéria seca.
A pequena diferença observada no consumo de MS proveniente do pasto entre
as duas épocas avaliadas (1,4 kg de MS/vaca) foi, certamente, devido à fertilização e à irrigação que estimularam a rebrota constante das plantas, mantendo a qualidade da forragem ao passar da época seca para a época chuvosa. Também a temperatura, que não chegou a atingir valores excessivamente baixos na época seca (Figura 1), fez com que o consumo de pasto não alterasse significativamente entre as duas épocas do ano. Na seca, a disponibilidade e a qualidade da MS não se reduziram muito. Isto fez com que o consumo de MS também continuasse sem muita alteração. O manejo correto da pastagem, com fertilizações freqüentes, irrigações estratégicas e períodos racionais de pastejo e de descanso, é fundamental para uma adequada produtividade. No caso do resíduo pós-pastejo, o menor valor médio foi observado na época seca (3.994 kg de MS/ha) e, dentro desta época, o menor valor ocorreu em agosto (2.524 kg de MS/ha). Considerando que é recomendável um resíduo de pelo menos 2.000 kg de MS/ha para se evitar a degradação da pastagem e garantir um bom vigor da rebrota, recomenda-se que pastagens de Cynodon sejam utilizadas até a altura mínima de 20 a 25 cm, o que representa um resíduo pós-pastejo de 2.000 a 2.500 kg de MS/ha.
O consumo total de MS (pasto mais concentrado) manteve-se em percentual
médio de 3,3 e 3,8% do peso vivo dos animais, respectivamente, para 3 e 6 kg de
concentrado. Este fato permitiu concluir que não houve restrição de alimento para os
animais e que o consumo total de MS foi adequado. Conforme o NRC (2001), espera-se
consumo diário de MS de 15,5 a 19,7 kg/cabeça, no caso de vacas da raça Holandesa
com peso vivo médio de 550 kg e produção diária de leite entre 15 e 20 kg. Fica
evidente, portanto, que a produção de leite obtida neste estudo não foi limitada pelo
consumo de MS, tampouco pela qualidade da forragem.
Não foi observada diferença para o escore corporal dos animais entre os dois
níveis testados de concentrado. O escore corporal varia em função do método adotado, e
os valores mais altos sempre indicam animais com mais reserva corporal. No entanto,
tanto o excesso como o baixo peso vivo a época do parto provocam transtornos nas
vacas, sendo mais freqüentes os problemas metabólicos, redução de produção, menores
taxas de concepção e dificuldades no momento da parição. Vacas muito gordas são mais
propensas à cetose, pois consomem menos alimentos logo após o parto e mobilizam
reservas corporais. A sugestão dos especialistas nesta questão é que o escore corporal
varie de acordo com o estágio de produção, conforme a seguinte escala: início da
lactação, 2,50 a 3,25; meio da lactação, 2,75 a 3,25; e final da lactação, 3,00 a 3,50. No
presente estudo os escores observados enquadram-se no intervalo sugerido para início
da lactação, porém, estão abaixo dos valores sugeridos para o meio e para o final da
lactação. Considerando que as vacas mobilizam reservas corporais e perdem peso para
suprir o balanço energético negativo, possivelmente isto não ocorreu neste estudo,
permitindo inferir que o consumo de nutrientes foi suficiente para atender às exigências
necessárias para mantença, produção e reprodução.
Não houve diferença no teor de gordura do leite entre os dois níveis de
concentrado (3,6 e 3,5 %). A produção corrigida para 3,5% de gordura do leite foi maior
para o fornecimento de 6 kg de concentrado/vaca/dia do que para 3 kg, registrando
produções de 16,0 e 19,5 kg/vaca/dia, respectivamente.
Foi observada diferença entre os tratamentos somente para o teor de proteína; no
entanto, esta diferença foi de apenas 0,2 unidade percentual a mais no teor proteico do
leite produzido pelos animais que receberam 6 kg/dia de concentrado. Aumentos no
consumo de concentrado acima de 50% da matéria seca total da dieta, normalmente
resultam em aumentos nos teores de proteína do leite, o que não ocorreu no presente
estudo ( Tabela 6). A produção de proteína do leite está diretamente relacionada ao
nível de produção da vaca. Isto se confirmou neste estudo, no qual foram observadas
produções de 16,0 e 19,5 kg de leite/vaca/dia, para um consumo diário de 3 ou 6 kg de
concentrado, respectivamente. O maior consumo das vacas que receberam 6 kg de
concentrado pode ter permitido o maior crescimento da flora microbiana do rúmen.
Tabela 6. Valores médios de proteína, gordura e lactose do leite produzido por vacas
Holandesas mantidas em pastagem, recebendo por dia 3 ou 6 kg de concentrado.
Concentrado
(kg/vaca /dia)
Proteína (%)
Gordura (%)
Lactose (%)
3 2,9 3,6 4,4
6 3,1 3,5 4,3
Média
3,0 3,5 4,3
Fonte: Vilela et al. (2004b).
O Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem
Animal – RIISPOA (Brasil, 2002) exige valores de proteínas acima de 2,9%. Portanto,
o nível médio de proteína do leite oriundo de ambos os tratamentos atende à exigência
mencionada.
Embora não tenha sido observada diferença para o teor de gordura do leite, com
o aumento da ingestão de concentrado, houve tendência de decréscimo para esta
variável. O decréscimo na concentração da gordura muitas vezes está associado ao
aumento na suplementação de concentrados energéticos e ao fornecimento de fontes de
amido de rápida fermentação ruminal. De acordo com o artigo 476 do RIISPOA,
considera-se leite normal o produto que apresenta, entre outros atributos, teor mínimo
de gordura de 3,0%. O leite produzido neste estudo atende a tal exigência, pois manteve
valor médio de 3,5%.
Cada componente do leite pode, em algum grau, ser influenciado pelo estado
nutricional da vaca. Sendo assim, a nutrição pode ser considerada como responsável por
50% da variação no conteúdo de gordura e de proteína do leite. No entanto, no teor de
lactose ocorre pouca alteração (Fredeen, 1996), fato também observado no presente
estudo. Dos três principais componentes do leite (proteína, gordura e lactose), a lactose
foi a que menor alteração sofreu em função dos tratamentos, com diferença de 0,02
unidade percentual, mantendo valor médio de 4,3% e atendendo às exigências do
RIISPOA, que exige uma lactose mínima de 4,3%.
As médias relativas à uréia, sólidos totais e contagem de células somáticas
(CCS) encontram-se na Tabela 7.
Tabela 7. Valores médios de uréia, sólidos totais (ST) e contagem de células somáticas
(CCS) do leite produzido por vacas Holandesas mantidas em pastagem por três anos
consecutivos, recebendo 3 ou 6 kg de concentrado/dia.
Concentrado
(kg /vaca/dia)
Uréia
(mg/dL)
ST
(%)
CCS
(x 103 /mL)
3 10,2 11,9 579
6 9,8 11,9 795
Média
10,0 11,9 687
Fonte: Vilela et al. (2004b)
Os níveis de uréia e de sólidos totais não variaram com a mudança na quantidade
de concentrado. Os valores médios de uréia no leite enquadram-se na faixa de 12 a 18
mg/dL (Jobim & Santos, 2000). Neste caso, os valores obtidos neste estudo estão pouco
abaixo destes limites. As concentrações de uréia, tanto no plasma sangüíneo como no
leite, são consideradas bons indicadores do metabolismo energia/proteína em vacas
leiteiras e, atualmente, são utilizadas como ferramentas para avaliação do status
nutricional de um animal ou mesmo de um rebanho ou grupo de animais. Concentração
mais elevada de uréia sugere desequilíbrio na relação proteína/energia da dieta,
normalmente com excesso de proteína e, neste caso, a ingestão de energia não estaria
em níveis adequados. Os fatores nutricionais que favorecem altos níveis de uréia no
leite são o excesso de nitrogênio degradável no rúmen, que ocorrem com a ingestão
excessiva de uréia, através do concentrado ou forrageiras tenras e fertilizadas com
nitrogênio, que por sua vez favorecem o aumento dos níveis de proteína que chegam
aos compartimentos pós-ruminais, ou mesmo a falta de sincronização nas taxas de
degradação ruminal entre as fontes de nitrogênio e energia da dieta (Baker et al., 1995).
Deduz-se, portanto, que não houve ingestão excessiva de proteína pelos animais e que a
ingestão de matéria seca foi proporcional às necessidades, indicando que os níveis de
concentrado não interferiram no metabolismo do nitrogênio de vacas com produção de
até 19 kg de leite/dia mantidas em pastagem de coast-cross.
Os teores de sólidos totais, com valor médio de 11,9%, está de acordo com as
exigências do RIISPOA, que determina um mínimo para esta variável de 11,5%, assim
como o teor médio de sólidos não-gordurosos (8,4%), obtido subtraindo-se o teor de
gordura do leite do teor de sólidos totais, o que também atende à Instrução Normativa
n° 51 do MAPA, que entrará em vigor a partir de julho de 2005 para as Regiões Sul,
Sudeste e Centro-Oeste do País.
A mastite (clínica e subclínica) é um dos principais fatores que interferem na
qualidade do leite. A principal mudança em decorrência dessas enfermidades é o
aumento das células somáticas, que indicam o estado sanitário do úbere. A contagem de
células somáticas em leite normal, produzido por animais sadios, é normalmente menor
que 3 x 105 ccs/mL de leite. Qualquer aumento nesse valor indica condição anormal do
úbere (Laranja da Fonseca & Santos, 2000). Para Brito & Brito (1998), esse valor varia
de 5 x 104 a 1 x 105 ccs/mL de leite. Segundo esses mesmos autores, contagens acima
de 2,5 x 105 ccs/mL de leite permitem assegurar, com 80% de certeza, a presença de
infecção na glândula mamária.
Considerando estes valores, pode-se afirmar que o leite produzido no presente
estudo, para ambos os níveis de concentrado (3 ou 6 kg de concentrado), ficou acima do
nível máximo de 3 x 105 ccs/mLe estabelecido na literatura. Contudo, atendem aos
níveis máximos estabelecidos pela IN/51, de 1 x 106 ccs/mL de leite.
Conclui-se que os níveis de concentrado avaliados podem seguramente ser
utilizados sem qualquer prejuízo às características qualitativas do leite de vacas da raça
Holandesa mantidas em pastagem de coast-cross, atendendo aos padrões
regulamentares vigentes. Embora tenha ocorrido diferença para o teor de proteína do
leite em função do nível mais elevado de concentrado, as variáveis gordura, lactose,
uréia, sólidos totais e contagem de células somáticas não sofreram influência dos níveis
de concentrado utilizados.
7.2 Desempenho reprodutivo
Em relação ao desempenho reprodutivo da produção de leite a pasto, a
persistência na lactação foi maior quando as vacas receberam 6 kg de concentrado em
relação às de 3 kg (redução de 0,27 e de 0,35 kg de leite/vaca/dia, respectivamente), fato
já anteriormente observado em outros estudos.
Como já comentado, a ingestão de energia é um fator limitante da produção de
leite em pastagens tropicais, principalmente no terço inicial da lactação, quando as
vacas não são capazes de consumir energia em quantidade suficiente para sustentar
níveis mais elevados de produção. Ocorre, nesta situação, uma mobilização de reservas
corporais (NRC, 2001), com conseqüente perda de peso. No presente estudo as vacas
que receberam 6 kg de concentrado pesaram em média 578 kg, e com 3 kg perderam
peso após o parto, chegando a um peso de 543 kg. No final da lactação, no entanto,
tenderam a recuperar o peso para os níveis registrados do início do experimento.
Observou-se diferença para o Escore de Condição Corporal (ECC) entre os dois
níveis de concentrado (Tabela 8), semelhante ao que aconteceu com o peso vivo das
vacas experimentais. O ECC varia em função do método adotado na avaliação, com os
valores mais altos sempre indicando vacas com melhor condição corporal. Tanto o
excesso como o baixo peso vivo das vacas ao parto provocam transtornos, ou seja,
problemas metabólicos, redução de produção, menores taxas de concepção e dificuldade
no momento da parição.
Tabela 8. Efeito do nível de concentrado sobre o escore da condição corporal (ECC) de
vacas Holandesas em pastagem de coast-cross nos três períodos da lactação e a média
de todo o período avaliado.
Concentrado (kg/vaca/dia)
ECC
Início Meio Final Média 3 2,68 2,50 2,64 2,61 6 2,89 2,98 2,97 2,95
Média 2,79 2,74 2,81 2,78
Fonte: Vilela et al. (2004a).
Ferguson et al. (1994) sugerem patamares diferentes para o ECC e apresentam
tabela com valores variando de acordo com o estádio de produção, sendo para o início
da lactação de 2,50 a 3,25; meio da lactação de 2,75 a 3,25 e final da lactação de 3,00 a
3,50. No presente estudo os ECC observados enquadram-se no intervalo sugerido para o
início da lactação, porém estão abaixo dos valores sugeridos para o meio e para o final
com o fornecimento de 3 kg de concentrado. As vacas mobilizam reservas corporais e
perdem peso para suprir o balanço energético negativo, o que possivelmente não
ocorreu neste estudo com o fornecimento de 6 kg de concentrado, indicando que o
consumo de nutrientes foi suficiente para atender às suas exigências referentes à
mantença, produção e reprodução. Com o fornecimento de 3 kg de concentrado as vacas
tenderam a recuperar o peso vivo e o escore corporal no final da lactação, mas a níveis
inferiores as que receberam 6 kg de concentrado, evidenciando maior mobilização de
reservas corporais neste caso.
O longo período de anestro pós-parto é o principal problema reprodutivo na
pecuária bovina. O ideal seria um intervalo de partos máximo de 365 dias, o que exige
período de serviço não superior a 85 dias. Para as vacas desta pesquisa, que
apresentaram boas condições corporais por ocasião do parto, a qualidade do pasto e as
suplementações foram suficientes para estimular o primeiro estro antes dos 85 dias
verificado pela dosagem de progesterona (Tabela 9).
Observou-se que as vacas, ao permanecerem no experimento por mais de uma
lactação, tiveram tendência em reduzir o intervalo parto-primeiro estro. Na primeira
parição este intervalo foi de 91 dias pela observação visual e de 68 dias pela
progesterona, caindo, na segunda parição, para 85 e 60 dias, respectivamente.
Conforme trabalhos conduzidos com vacas mestiças Holandês x Zebu em
pastagem de capim-elefante suplementada com 6 kg/dia de concentrado durante os
primeiros 21 dias após o parto, e depois, ajustando a quantidade a cada 14 dias de
acordo com a produção (Derez et al., 2002), não encontraram diferenças entre os
tratamentos para o intervalo parto-primeiro estro e parto-concepção.
No presente trabalho, pela dosagem de progesterona, verificou-se que 3 kg de
concentrado/dia foram suficientes para se obter intervalo parto-primeiro estro dentro do
limite desejável (inferior a 85 dias), contudo ligeiramente superior ao registrado para 6
kg de concentrado. A identificação visual superestimou o intervalo parto-primeiro estro.
Comparando os 364 estros observados pelos dois métodos, verificou-se que 44% não
foram identificados visualmente, mostrando deficiência deste método, que pode
comprometer a eficiência reprodutiva do rebanho e a rentabilidade da atividade. A
quantidade de 3 kg de concentrado não teve influência sobre o reinício da atividade
ovariana luteal cíclica pós-parto. Por meio da dosagem de progesterona foi possível
identificar 30% de casos de morte embrionária, que ocorreram em embriões com idade
média de 38 dias nas vacas que receberam 6 kg de concentrado e 40 dias nas que
receberam 3 kg.
Tabela 9. Efeito do nível de concentrado sobre o intervalo parto-estro de vacas
Holandesas em pastagem, com estro identificado por observação visual e dosagem de
progesterona.
Concentrado (kg/vaca/dia) Intervalo parto/estro (dias) Observação visual Progesterona 3 99,9 67,8 6 72,9 54,5
Média 86,4 61,0
Fonte: Vilela et al. (2004a).
O intervalo de partos não foi diferente entre as vacas com 3 ou 6 kg de
concentrado/dia, respectivamente 444 ou 436 dias, provavelmente em razão da boa
condição corporal ao parto, com os animais apresentando reserva corporal suficiente
para atender à reprodução, em caso de possível balanço energético negativo no pós-
parto. O intervalo de partos médio de 14,3 meses encontra-se nos limites preconizados
zootecnicamente para vacas com as características das utilizadas na pesquisa. Embora o
intervalo parto-primeiro estro médio, verificado por meio do método da dosagem de
progesterona, tenha sido de 61 dias, o intervalo de partos médio de 435 dias representa
um período de serviço de 150 dias, ou seja, 85 dias a mais do que o primeiro estro
verdadeiro pós-parto. Esta diferença de tempo entre o primeiro estro pós-parto e a
concepção pode ser explicada por vários fatores, entre eles: alta taxa de cios não
identificados pelo método visual (44%), o que elevou o intervalo parto-primeiro estro
médio para 86,4 dias; elevado índice de morte embrionária (30%); e outros como
qualidade do sêmen, horário de inseminação e estresse calórico.
Para se proceder à análise econômica, o experimento foi interpretado como um
processo de produção de leite em que houve aumento na quantidade de concentrado
fornecido para as vacas de 3 para 6 kg/vaca/dia. Aumentando o concentrado, alguns
indicadores físicos de produção melhoraram, como: a produção média por vaca (15,5
para 19,1 litros/dia); a produtividade da terra (77,8 para 94,0 litros/ha/dia); a
manifestação de cios (99,9 dias para 72,9 dias); o intervalo de partos (444 para 436) e a
persistência da lactação ( -0,35 para -0,27 kg de leite/vaca/dia). À luz destes resultados,
quantificou-se monetariamente para examinar a viabilidade do aumento de concentrado.
Os valores resultantes dos cálculos encontram-se no próximo capítulo.
A alimentação à base de pasto apresenta menor custo do que outros tipos de
alimento de qualidade similar (Holmes, 2001). Dietas com forte participação de grãos e
concentrados raramente serão econômicas para a atividade leiteira. Em países onde o
concentrado tem maior peso na dieta, a atividade leiteira será atrativa somente quando
o preço do leite for pelo menos 1,5 a duas vezez maior do que o preço do concentrado
(Holmes, 2001). Para as condições da Nova Zelândia − tradicional produtor e
exportador de leite, com produção focada em pastagens, concentrado normalmente
importado e a preço elevado − essa afirmativa é válida, uma vez que o País necessita
ser competitivo no mercado internacional para manter sua supremacia no comércio
mundial de lácteos. Por outro lado, em países onde o preço do concentrado é
competitivo, sendo possível a troca de 1 kg de leite por mais de 2 kg de concentrado, o
seu uso para vacas leiteiras passa a ser economicamente viável (Cowan, 1996).
Os programas de melhoramento genético e seleção de raças conseguiram ganhos
em produtividade que não foram acompanhados por aumentos significativos na
capacidade de ingestão de nutrientes dos animais mais produtivos, principalmente
quando mantidos em pastagens tropicais. Com isso, as vacas de alto potencial genético,
superior a 4.500 kg/lactação, necessitam receber dietas mais ricas em nutrientes, o que
normalmente é feito por meio de concentrados, mais eficientes em razão do baixo
incremento calórico e fácil manuseio, transporte e armazenamento. Desta forma, a
utilização de níveis mais elevados de concentrado torna-se viável por possibilitar aos
animais expressarem o potencial de produção.
Para o caso de vacas de menor potencial produtivo, provavelmente a adição de
quantidades maiores de concentrado não teria produzido o mesmo resultado. Na revisão
de Cowan (1996), para lactações completas, foram observadas respostas de 1,0 a 1,4 kg
de leite por kg de concentrado, e de apenas 0,3 a 0,5 kg de leite por kg de concentrado
para avaliações de curta duração (menos de dois meses). No Brasil, vários estudos
avaliaram, no período das águas, a viabilidade da suplementação concentrada de
pastagens para vacas mestiças HZ com potencial de até 4.500 kg/lactação (Aronovich et
al., 1965; Lucci et al. 1969; Vilela, 1978; Deresz et al., 1994). Em todos eles a
suplementação mostrou-se não ser econômica.
Concluiu-se, após três anos de pesquisa, que os dois indicadores de reprodução
(tempo para manifestação do estro depois do parto e intervalo de partos) de vacas
Holandesas mantidas em pastagem de boa qualidade, apesar de não terem sido
influenciados pela suplementação concentrada, sendo mantidos nos limites
tecnicamente recomendados, o retorno econômico foi diferente. Concluiu-se ainda que a
observação visual de estros não é um método preciso para identificar cios, causando
prejuízos para a exploração pecuária.
8. Morfogênese da pastagem Paralelamente a esta pesquisa foi também conduzido estudo sobre a
morfogênese da pastagem de coast-cross, durante os meses de outubro e novembro
(primavera) de 2000, fevereiro e março (verão) e maio-junho (outono) de 2001. O
objetivo foi estimar as taxas de aparecimento, alongamento e senescência de folhas e
identificar o perfilhamento das plantas. Foram feitas observações das folhas emergentes
e seus comprimentos, assim como da senescência das folhas adultas. Tais observações e
registros, realizados durante o período de descanso, iniciavam três dias após a saída dos
animais dos piquetes e foram repetidas por um período de 30 dias na primavera, 27 dias
no verão e 28 dias no outono.
Amostras de lâminas foliares, emergentes e expandidas, após medição de seus
comprimentos, foram secadas em estufa a 65 oC e pesadas a fim de estabelecer o fator
de conversão entre comprimento e o peso seco (mm de lâmina foliar/perfilho
transformado em mg de MS de lâmina foliar/perfilho). Esse procedimento permitiu
estimativas das taxas de crescimento e senescência de folhas por perfilho. Foram
contados os perfilhos para estimativa da densidade populacional por unidade de área. A
taxa de acúmulo líquido de MS de lâminas foliares por área foi obtida multiplicando-se
o acúmulo de MS/perfilho pelo número de perfilhos/área.
Nos experimentos em que se avaliaram os aspectos produtivos (produção e
qualidade do leite) e reprodutivos, complementa-se a metodologia com as seguintes
informações:
O consumo diário de matéria seca do pasto foi estimado pela diferença entre as
quantidades disponível (acumulada no mês) e residual (após um dia de pastejo) e a taxa
de lotação (5 vacas/ha).
Na véspera e imediatamente após o pastejo, foram estimadas as quantidades de
forragem disponível e residual da pastagem. As quantidades tiveram como referência a
forragem cortada antes (disponível) e após o pastejo (residual). Os cortes foram
realizados a 8 cm acima do nível do solo. O local deste corte foi determinado por meio
da utilização de quadrado de meio metro de lado. Toda a vegetação existente abaixo do
estrato de 8 cm foi desconsiderada.
Quanto ao estudo da morfogênese da pastagem, as taxas de alongamento e
aparecimento de folhas variaram conforme a estação de crescimento (Tabela 10). Maior
taxa de alongamento foi observada no verão, sendo 30% superior às obtidas nas duas
outras estações. Por sua vez, a taxa de aparecimento de folhas, expressa em folhas por
dia, foi mais alta na primavera e mais baixa no verão e outono. Enquanto na primavera,
uma folha apareceu a cada 3,1 dias, no verão e no outono o intervalo para aparecimento
de folhas foi de 3,7 e 4,2 dias, respectivamente.
Em geral, segundo a literatura, as taxas de aparecimento e alongamento de folhas
aumentam com a temperatura. Por essa razão, o tamanho final da folha, determinado
pela relação taxa de alongamento/taxa de aparecimento, incrementa com a temperatura.
Como reflexo do menor intervalo de tempo para aparecimento de folhas, os perfilhos
crescidos na primavera apresentaram maior número de folhas de menor tamanho.
Entretanto, folhas crescidas no verão, sob temperaturas mais elevadas, apresentaram
maior tamanho, devido, principalmente, a mais alta taxa de alongamento foliar (Tabela
10).
A duração média de vida das folhas é o determinante do equilíbrio entre o fluxo
de crescimento e o fluxo de senescência. Não foi observada senescência de folhas
durante os períodos avaliados nas estações de verão e outono. Deduz-se que a vida útil
das folhas do capim Cynodon durante estas estações de crescimento é superior a 28
dias. Na primavera, foi observado início de senescência de folhas aos 24 dias, com taxa
média de 2,49 mm/dia. Uma vez iniciada a senescência das folhas, não ocorre mais
acúmulo de MS na pastagem. Este é, portanto, o momento mais adequado para a
entrada dos animais nos piquetes.
Tabela 10. Variáveis morfogênicas e estruturais do capim Cynodon dactylon cv. coast-
cross, conforme a estação de crescimento
Estações Variáveis
Morfogênicas
Estruturais
Alongamento
(mm/dia/perfilh
o)
Apareciment
o
(Folhas/dia)
Númer
o
(Dias/f
olha)
Númer
o
folhas
Tama
nho
folha
(cm)
Número
perfilhos/
m²
Primavera
24,54 0,33 3,1 9,3 74,0 2.428
Verão
31,27 0,27 3,7 7,3 115,0 2.974
Outono
23,43 0,24 4,2 6,8 96,0 3.021
Média
26,20 0,28 3,6 7,9 93,0 2.770
Fonte : Vilela et al. (2004d).
Os efeitos da idade sobre a relação caule/folha e teores de proteína e fibra dessas
partes da planta revelaram que a partir de 28 dias, à medida que a idade do capim
aumenta, em termos de MS diminui a porcentagem de folhas e aumenta a de caules,
com a porcentagem de proteína diminuindo e o teor de fibra em detergente neutro
aumentando, tanto nas folhas quanto nos caules. Aos 28 dias de idade o coast-cross
apresentou, em termos de MS, 70% de folhas e apenas 30% de caules. Aos 100 dias
essa relação se altera. Sob pastejo, recomenda-se entrar com os animais na área, no
máximo, aos 28 dias de descanso no período das chuvas, caso contrário a forragem não
apresenta qualidade para estimular adequadamente a produção de leite.
O número de perfilhos não variou com as estações de crescimento, apresentando
valor médio de 2.770 perfilhos/m2, considerado aquém do desejável, que seria em torno
de 5 mil perfilhos/m2. Esta deficiência pode ser atribuída a mais intensa utilização do
pasto e, conseqüentemente, a menor altura residual do relvado, ou seja, abaixo de oito
centímetros. Além disso, neste trabalho, após a retirada dos animais dos piquetes, a
altura residual foi de 20 cm, o que contribuiu para diminuir a incidência de radiação
solar na base dos perfilhos.
O perfilhamento é favorecido, entre outros fatores, pela intensidade de radiação
solar que alcança o nível do solo. Pastagens submetidas a pressão de pastejo alta
caracterizam-se por apresentar numerosos e pequenos perfilhos, enquanto presença de
perfilhos grandes e pouco numerosos são características de pastagens submetidas a
pastejo menos intenso.
O acúmulo total de MS de lâminas foliares foi mais alto no verão e mais baixo
no outono e primavera (Tabela 10). Conseqüentemente, a taxa de acúmulo de MS (kg
de MS de lâminas foliares/ha/dia) estimada no período de verão foi 35% superior a da
primavera e 41% a do outono. Comportamento explicado pelas melhores condições de
crescimento observadas durante o verão, como alta disponibilidade de água, maiores
temperaturas e mais radiação (Figura 1), e reflete a mais elevada taxa de alongamento
foliar, característica morfogênica de alta correlação com o rendimento forrageiro.
Os resultados obtidos sugerem que as taxas de acúmulo de MS de lâminas
foliares calculadas por meio das características morfogênicas e estruturais da pastagem
foram superestimadas. Deve-se considerar que as taxas de 83,9, 89,5 e 125,6 kg de
MS/ha/dia (Tabela 11) refletem a produção de lâminas foliares. Na literatura são
encontradas taxas de acúmulo total de MS (colmo + folha) de coast-cross, estimadas
pelo método de corte, variando de 15,7 a 96,2 kg de MS/ha/dia. Logo, a produção de
leite nesta pesquisa, para os dois níveis de concentrado estudados, não foi prejudicada
pela disponibilidade de forragem, tanto na avaliação morfofisiológica (Tabela 11)
quanto pelo método de corte (Figura 2).
O fator limitante da produção individual de leite tem sido o teor de fibra das
forrageiras tropicais, que varia entre 65 e 70% de FDN. Nesta condição a vaca consegue
um consumo máximo de 7 kg de FDN /dia (aproximadamente 10 kg de MS).
Para sistemas que exploram pastagens, produtividades individuais elevadas são
mais difíceis de se alcançar e nem sempre são interessantes do ponto de vista
econômico. Leva a crer que otimizar a produção por vaca não é prioridade. Mais
interessante se torna otimizar a estrutura do rebanho, alcançando a quantidade máxima
possível de vacas em lactação, a lotação animal adequada na pastagem e adequar o
desempenho reprodutivo, buscando com isto a produtividade mais adequada da terra.
Tabela 11. Acúmulo total e taxa de acúmulo de MS de lâminas foliares de capim
Cynodon dactylon cv. coast-cross, conforme a estação de crescimento.
Acúmulo de lâminas
Estação
Total
(kg/ha)
Diário
(kg/ha/dia)
Primavera
2.401 83,9
Verão
3.396 125,6
Outono
2.505 89,5
Média
2.731 98,1
Fonte: Vilela et al. (2004d)
Em trabalho conduzido com vacas mestiças Deresz et al. (2002), concluíram que
para se obter taxa de lotação de 6 vacas/ha, produzindo 12 a 14 kg de leite por
cabeça/dia, é necessário que cada vaca tenha disponibilidade diária de capim de 80-100
kg de matéria verde ou de 15 a 18 kg de matéria seca. A disponibilidade excessiva de
pasto, ou seja, o subpastejo, pode resultar em menores produções, devido ao acúmulo de
fibra e ligeira queda no teor de proteína. A pressão excessiva de pastejo (superpastejo),
estimula o desenvolvimento de plantas invasoras, retratando a situação de uma
pastagem degradada e, conseqüentemente, com baixa produtividade. O ideal é manter
uma oferta de pasto acima de 4.000 kg de MS/ha, ou 40 kg de MS disponível por
animal e, no mínimo, um resíduo pós-pastejo de 2.000 kg de MS/ha, para garantir o
vigor da rebrota.
A variação na disponibilidade de forragem ao longo do ano, ilustrada na Figura 2,
desperta atenção para a possibilidade de produtores se especializarem na produção
estacional de leite, devido a melhor qualidade e maior oferta de pastagem no período de
outubro até maio. Ou então, conservar o excesso de forragem produzida nesse período,
método ainda pouco difundido pela dificuldade de se utilizar a técnica de ensilagem ou
fenação durante as chuvas.
Concluiu-se que o resíduo após o pastejo foi suficiente para garantir vigor à rebrota,
mantendo a perenidade e a sustentabilidade do sistema. A densidade de perfilhos não variou
com a estação de crescimento. A taxa de alongamento foliar e o tamanho das folhas foram
mais elevados no verão, enquanto a taxa de aparecimento foliar e o número de
folhas/perfilho foram mais altos na primavera. A taxa de acúmulo de MS de lâminas
foliares foi mais elevada no verão e mostrou estreita relação com a taxa de alongamento e o
tamanho da lâmina foliar.
9. Outras forrageiras do gênero Cynodon utilizadas em pastagem
Em revisão sobre o manejo de pastagem do gênero Cynodon, Vilela & Alvim,
1998 concluíram que, entre as gramas bermuda, o Tifton 85 tem boas características
para corte e pastejo e o coast-cross tem surpreendido pelo potencial que apresenta em
termos de capacidade de suporte e qualidade da pastagem para vacas de leite, afirmativa
essa confirmada pelos resultados apresentados neste capítulo.
De janeiro de 1998 a março de 1999 foram também avaliadas diferentes
cultivares de Cynodon do grupo das bermudas e das estrelas, sob condição de pastejo
rotacionado sem irrigação, utilizando vacas secas como instrumento de corte.
Concluíram, após dois anos, que, entre as bermudas, a cultivar que apresentou melhor
cobertura do solo, vigor de rebrota, produção de matéria seca e capacidade de suporte,
foi a Florakirk. Contudo, prosseguindo a pesquisa por mais dois anos, percebeu-se que a
Florakirk não mantinha a persistência anterior, indicando possibilidade de esta cultivar
não tolerar períodos longos de pastejo, sendo mais indicada para corte.
Entre as gramas estrela destacou-se o Florico, que tem elevada digestibilidade, e
a Florona, que se diferenciou pela persistência e dominância sobre outras espécies
forrageiras, que produzem mais sob déficit hídrico e não mais tolerantes a geadas.
O manejo pode também ser decisivo e ter grande impacto sobre a qualidade.
Quando bem manejados, a diferença na produção e qualidade entre cultivares é mínima,
e a qualidade decresce sobremaneira após cinco a seis semanas de rebrota. Com resíduo
após pastejo de 20-25 cm de altura ou 2.000 a 2.500 kg de matéria seca por hectare,
manejou-se corretamente as forrageiras de gênero Cynodon.
Em relação à estacionalidade da produção de forragem, observou-se que as
principais forrageiras desse gênero têm condições de permitir lotação no inverno
próxima a 50% da realizada no período do verão, evidenciando sua boa adaptação em
condições tropicais.
10. Considerações finais O sumário dos resultados experimentais entre 1992 e 2003 pode ser visualizado
na Tabela 12. Pela variação dos resultados pode-se concluir sobre o potencial da
pastagem de coast-cross em condições tropicais para vacas leiteiras, tanto em relação à
capacidade de suporte, quanto em produção por animal e por área, suplantam muitas
forrageiras tropicais, com registros na literatura nacional e internacional, como as do
gênero Brachiaria, Panicum, Setaria, dentre outras.
Considerando os dados agregados durante os 12 anos de pesquisa e comparando-
os na estação seca (outono/inverno) em relação à estação das chuvas (primavera/verão),
a variação na taxa de lotação foi praticamente o dobro, ou seja, 3,0 a 3,8 para 5,9 a 7,2
vacas/ha, respectivamente, com reflexo na produção diária de leite por área, que
registrou variação de 50,5 a 96,9 para 93,8 a 145,4 kg/ha, respectivamente. Outra
informação interessante, ao considerar esses dados, foi a produção de leite no primeiro
terço da lactação, que variou de 20,8 a 25,5 kg/vaca/dia, sendo maior nas situações em
que se forneceu o concentrado de mais alta energia (85% de NDT na MS), distribuído
de forma variável, ou seja, 9 kg/vaca/dia nos primeiros 90 a 100 dias de lactação. O fato
mais animador foi que as reservas corporais das vacas nesse período não foram
comprometidas ao ponto de interferir nos índices reprodutivos.
As elevadas produções médias de leite alcançadas, associadas às altas taxas de
lotação, resultaram em produções anuais que variaram de 28.430 a 37.959 kg de leite/ha,
refletindo o grande potencial dessa forrageira para suporte aos sistemas futuros de
produção de leite em condições tropicais.
Quanto às perspectivas para os futuros sistemas de produção, pode-se antecipar que
terão seus destinos associados à preservação ambiental. A preocupação com os efeitos
negativos dos impactos ambientais incorpora-se no dia-a-dia dos negócios, exigindo
tecnologias que preservem a fauna e a flora e, particularmente, promovam melhor
gerenciamento do uso dos insumos agrícolas e em especial da água. O desafio a enfrentar é
o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, tanto do ponto de vista econômico quanto
ambiental. As pastagens de Cynodon estão alinhadas com essa tendência. Além disso, fica
evidente que esta gramínea tem capacidade de oferecer forragem em quantidade e
qualidade suficientes para sustentar, durante todos os meses do ano, os elevados índices de
produtividade necessários para a sobrevivência dos futuros sistemas de produção.
Tabela 12. Resultados dos experimentos com vacas da raça Holandesa em pastagem de
coast-cross na Embrapa Gado de Leite.
Produção diária de leite
Ano Concentrado
(kg/vaca/dia)
Taxa de lotação
(vaca/ha)1
kg/vaca kg/ha
92/93 3,0 5,8 16,6 74,0
93/95 3,0 4,5 16,9 77,9
6,0 5,1 20,0 104,0
95/96 6,0F2 5,0 18,5 87,3
9-6-3V3 5,1 19,8 95,2
96/97 9-6-3N4 4,6 17,7 72,4
9-6-3E5 4,6 20,0 80,4
97/98 9GV16 6,0 (19,8) 9 (112,0)
9GV27 6,0 (22,2) (150,6)
00/03 3,08 5,0 15,4 76,4
6,0 5,0 19,1 94,2
Variação 3,0 – 6,0 4,5 – 6,0 16,6 – 20,0 72,4 – 104,0
1Total : Considerando-se as médias anuais das vacas experimentais e vacas extras; 2 F =
Fixo; 3 V= Variável; 4 N = Variável e Energia normal; 5 E= Variável e Energia extra, com
gordura protegida;6 GV1= Concentrado sem SIT (23,5%PB e 80% NDT); 7GV2=
Concentrado com SIT (19,5% PB e 85% NDT) , fornecido 100 dias após o parto, 8
médias de três lactações. 9 Resultados entre parênteses não computados na variação por
representarem apenas 100 dias de lactação.
Nesse contexto, a ampliação do conhecimento sobre modelos de simulação
como instrumento para auxiliar na avaliação da eficiência de utilização do nitrogênio da
dieta, principalmente de animais de alto potencial de produção, e das perdas desse na
forma de amônia, nitrato e outros para o meio ambiente e os impactos sobre a poluição
ambiental, será uma demanda futura da sociedade, exigindo cada vez mais dos centros
de pesquisa o monitoramento desse efeito. Os altos índices de produtividades obtidos,
alinhados aos indicadores nutricionais, como a uréia no leite, evidenciam que a
formulação de concentrados com níveis elevados de energia foi uma decisão correta
para suplementar pastagens com Cynodon fertilizadas e irrigadas.
Pasto, na visão da moderna tecnologia, pressupõe sistemas sustentáveis e com
elevada capacidade de suporte, semelhantemente aos apresentados nesse capítulo com
forrageiras do gênero Cynodon. A modernização dos sistemas de produção de leite pelo
uso intensivo de pastagens é um processo que está sendo estabelecido de maneira
irreversível em vários países de clima tropical, onde as variáveis climáticas favorecem a
produção durante o ano todo e a custos competitivos. Nesses países, temperatura e
luminosidade estimulam a produção de biomassa e viabilizam alta produtividade por
área, como demonstrado na Tabela 12.
Sendo a água um recurso natural limitado e dotado de valor econômico, deve-se
recomendar a irrigação para regiões onde não há impedimentos de temperatura e
luminosidade. A irrigação, além de significar acréscimo de garantia de produção,
proporciona aumento de produtividade e de qualidade para várias culturas, inclusive
para pastagens com forrageiras do gênero Cynodon, como evidenciado anteriormente.
Aliado a tudo isso e para enfrentar a concorrência externa, os sistemas de
produção que se projetam para o futuro deverão se pautar na elevada produtividade,
quaisquer que sejam as suas características tecnológicas. Será cada vez mais premente o
uso intensivo e racional dos fatores de produção, buscando-se o equilíbrio entre
rendimentos biológicos e rentabilidade. Dentro do ambiente econômico de busca da
eficiência para competir no mercado, os produtores de leite deverão substituir a velha
equação "lucro máximo = produção máxima" por outra expressão da forma "lucro
máximo = nível ótimo de produção ".
Na escolha do sistema “vaca/alimento”, o enfoque sistêmico é muito importante.
O sistema de alimentação de uma fazenda produtora de leite se torna a estrutura básica
de produção com impactos relevantes na estrutura de custos fixos e na capacidade de o
sistema maximizar os lucros. Como os métodos de maximização de lucros são válidos,
independentemente do cenário político, espera-se que os sistemas que sobreviverem no
futuro sejam aqueles que conseguirem dominar e aplicar estes métodos no seu processo
decisório.
Outro componente que deve ser considerado para conseguir melhor eficiência
técnica, em função de uma melhor eficiência alimentar refere-se às características da
vaca, que deve se adequar ao pastejo e à produção fora do regime confinado. A mesma
raça não apresenta desempenho semelhante em ambientes diferentes. Ambiente, nesse
contexto, significa o sistema de produção, ou seja, uma combinação de clima,
topografia, alimentação, sanidade, manejo e gerência. Animais mais pesados têm
maiores custos de manutenção. No entanto, vacas menores, independentemente da raça,
possuem melhor eficiência alimentar e possibilitam maior produção por área pastejada.
A estrutura do pasto apresenta alta correlação com o consumo realizado pelo
animal em pastejo, sendo determinante na avaliação do valor nutritivo da planta, que
por sua vez está diretamente relacionado com a produção animal. Informações a
respeito das características morfogênicas e estruturais de gramíneas em condições
tropicais, são importantes para expressar o potencial das forrageiras, a semelhança dos
estudos desenvolvidos com as do gênero Cynodon, a fim de se obter eficiência máxima
de utilização das pastagens.
Sistemas a pasto são tecnicamente menos produtivos. Porém, são
economicamente mais competitivos, como demonstrado no primeiro experimento
conduzido em 1992, em que a produção de leite a pasto foi 20% menor do que em
confinamento, mas produziu uma rentabilidade 32% maior. Os sistemas a pasto são
praticados em mais de 80% das propriedades leiteiras existentes nos países de clima
tropical. No Brasil não é diferente, e assim deverá continuar, devido ao menor custo de
produção, conseqüência do menor gasto com alimentos concentrados, mão-de-obra e
instalações; menos problemas na questão do manejo dos dejetos e dos odores; e menos
agressivo ao meio ambiente. As forrageiras do gênero Cynodon, notadamente entre as
bermudas, o coast-cross e o Tifton, e entre as estrelas, principalmente o Florona, podem
ocupar espaço importante nos futuros sistemas de produção de leite. As pesquisas
comprovam isto.
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