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7 INTRODUÇÃO O problema específico baseou-se na coerência dos valores expostos na poética desenvolvida em cada peça esculpida. Não é finalidade deste trabalho, mostrar todos os tipos de discriminação, no entanto, foram selecionadas quatro formas de discriminação para compor esta série. Essas formas foram trabalhadas em relevo nos blocos de concreto celular e representam a forma humana, evidenciando que as representações destas formas simbolizam pessoas menos favorecidas em nosso convívio social, e que sofrem com a discriminação, apenas por não se adequarem a determinados padrões estipulados pela sociedade, sendo eles de beleza, classe ou raça. Para cada peça esculpida foi escolhida a representação de uma pessoa que é diretamente afetada pela discriminação. A escultura em relevo foi utilizada como um retrato, inclusive em sua maneira de expressão. Também foi selecionada uma parte destas representações, destacada como um close de uma imagem, enfatizando este recurso utilizado na fotografia. Entre as figuras retratadas estão: o obeso, o idoso, o negro e o menino de rua. O capítulo I está dividido em duas partes. Na primeira há uma abordagem da escultura, alguns aspectos históricos do relevo, de como ele foi utilizado pelos povos através dos tempos para narrar fatos de sua sociedade. A seguir são levantados aspectos técnicos da talha, do material empregado neste trabalho, ou seja, o concreto celular. A segunda parte do primeiro capítulo trata do tema especificamente, fala da relação entre a arte, sensibilidade e sociedade e discriminação entre os seres humanos. O capítulo II traz a metodologia empregada para o desenvolvimento desta obra, e também um pequeno estudo de alguns cânones empregados por alguns artistas que utilizaram o relevo como linguagem, e sua relação com a minha produção escultórica. A seguir é apresentada a análise dos oito relevos elaborados bem como do conjunto final.

Prado; deives stroppa com respeito à essência

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INTRODUÇÃO

O problema específico baseou-se na coerência dos valores expostos na poética

desenvolvida em cada peça esculpida.

Não é finalidade deste trabalho, mostrar todos os tipos de discriminação, no

entanto, foram selecionadas quatro formas de discriminação para compor esta série.

Essas formas foram trabalhadas em relevo nos blocos de concreto celular e

representam a forma humana, evidenciando que as representações destas formas

simbolizam pessoas menos favorecidas em nosso convívio social, e que sofrem com

a discriminação, apenas por não se adequarem a determinados padrões estipulados

pela sociedade, sendo eles de beleza, classe ou raça.

Para cada peça esculpida foi escolhida a representação de uma pessoa que é

diretamente afetada pela discriminação.

A escultura em relevo foi utilizada como um retrato, inclusive em sua maneira

de expressão.

Também foi selecionada uma parte destas representações, destacada como

um close de uma imagem, enfatizando este recurso utilizado na fotografia.

Entre as figuras retratadas estão: o obeso, o idoso, o negro e o menino de rua.

O capítulo I está dividido em duas partes.

Na primeira há uma abordagem da escultura, alguns aspectos históricos do

relevo, de como ele foi utilizado pelos povos através dos tempos para narrar fatos de

sua sociedade.

A seguir são levantados aspectos técnicos da talha, do material empregado

neste trabalho, ou seja, o concreto celular.

A segunda parte do primeiro capítulo trata do tema especificamente, fala da

relação entre a arte, sensibilidade e sociedade e discriminação entre os seres

humanos.

O capítulo II traz a metodologia empregada para o desenvolvimento desta obra,

e também um pequeno estudo de alguns cânones empregados por alguns artistas

que utilizaram o relevo como linguagem, e sua relação com a minha produção

escultórica.

A seguir é apresentada a análise dos oito relevos elaborados bem como do

conjunto final.

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CAPITULO I

1. ESCULTURA

A escultura é uma das manifestações artísticas mais antigas, sendo os

baixos-relevos esculpidos nas paredes de cavernas e os trabalhos em osso ou argila

os exemplos iniciais dessa arte.

As matérias-primas como o barro, a madeira e a pedra, juntamente com

novas técnicas, passaram depois a ser usadas, bem como os metais.

No séc. XX muitos outros materiais, inclusive os plásticos e resinas, foram

adicionados a essa gama de materiais, ampliando as possibilidades expressivas da

escultura.

Todavia, as técnicas tradicionais tais como a modelagem e a talha, continuam

sendo utilizadas por muitos artistas até hoje.

1.1 ESCULTURA EM PEDRA

Para Wittkower (2001) o homem antigo utilizou praticamente todo tipo de

material para suas esculturas.

De acordo com o autor, nas épocas mais remotas já eram utilizadas desde a

areia e conchas, até mesmo o cristal de rochas e o vidro.

Os escultores mais modernos ampliaram a diversidade desses materiais, tais

como os novos metais, o aço, os materiais sintéticos como o náilon e os plásticos,

contudo, ao longo da história prevaleceram alguns: a madeira e a pedra, sendo que

o bronze pode ser considerado como o terceiro material utilizado em algumas partes

do mundo, como a China, a África, a Grécia e Roma.

A pedra todavia é de uma antiguidade incalculável, dados os utensílios

primitivos encontrados em todas as partes do mundo.

Foram então descobertas com o passar dos tempos, duas novas técnicas de

trabalhar a pedra, descobriu-se primeiro que friccionando-se um utensílio com areia,

Page 3: Prado; deives stroppa   com respeito à essência

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podia-se aperfeiçoar a forma; mais tarde à partir da existência de instrumentos de

cobre, bronze e ferro, foi marcado então o amadurecimento da escultura.

Os gregos, e logo após os romanos e italianos desenvolveram essas tradições

que remontam a uma era muito antiga, e foi no seio dessas civilizações

mediterrâneas que nasceu o conceito de que esculpir a pedra era o objetivo mais

elevado para a realização dos escultores.

1.1.2 Aspectos Históricos da Escultura

De acordo com Campos (2005), o relevo sendo uma técnica da escultura, era

utilizado na ornamentação de jóias, moedas, anéis e medalhas, etc. É também

utilizada como decoração de grandes superfícies arquitetônicas, servindo como uma

forma de linguagem ornamental, no qual diversos povos gravavam em muros de

seus templos e palácios os fatos de sua civilização.

Um exemplo claro disso é a decoração de templos egípcios, onde podia-se

perceber os relevos na representação dos hieróglifos, das figuras humanas,

apresentando em sua anatomia uma perspectiva convencional quase plana, em

cujos contornos o fundo é abaixado, realçando as cores dos personagens e objetos

representados.

Nas civilizações do Mediterrâneo Oriental, tanto na Mesopotâmia como no

Egito, o baixo relevo estacionou desde 3.000 A.C., exceção feita à estela susiana do

rei Narâm-Sin (fig.01), no ano 2.600 A.C., marco diferencial dos relevos asiáticos

comparados com os do Egito, isto é: fundo plástico, às vezes paisagístico; mais

realismo e anatomia na estilização das figuras de animais, conforme verifica-se nos

seus touros alados, no leão e leoa feridos de British Museum e outros.

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Fig. 01- Estela do Rei Naram-naram-Sin de Akkad .

Século BC. (louvre, Paris).

Fonte: www.fortunecity.es

Campos diz ainda que, posteriormente mesclando-se as técnicas da arte grega,

esta atravessa a Índia e Indochina, e o relevo representa-se como figuras mistas de

homens com animais, sendo algumas de múltiplos braços como seres monstruosos

revestindo os muros dos palácios da Índia.

Todavia na China podemos citar o impressionante friso na Gruta budista

traçando a extraordinária combinação do severo realismo, e delicado idealismo em

suas figuras caracteristicamente budistas.

Voltando ao Ocidente a alguns séculos A C, na civilização micênica, podemos

encontrar na porta principal da cidade de Micenas, os famosos leões em pedra

revelando seu parentesco hitita.

Continua-se então a fase estilística do Templo de Zeus em Olímpia (460 A C )

onde o baixo-relevo já obedecia às leis da perspectiva e da anatomia. Contudo o

auge foi em Atenas, no Partenon.

Em épocas helenísticas quadros em baixo-relevo representavam cenas

campestres com paisagens interpretadas em perspectiva exata.

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Os práticos romanos em suas conquistas cobriram de baixos-relevos Roma,

perpetuando seus feitos militares e festas imperiais.

Podemos observar alguns exemplos destes relevos no Arco de Antonino, na

Coluna de Trajano (fig. 02) e no Ara Pacis (fig. 03), o emprego harmonioso de

algumas figuras bem salientes no primeiro plano, contrastando com outras de tênue

relevo ao fundo.

Fig. 02- A Coluna de Trajano [detalhe] Fig. 03- Ara Pacis, monumento adornado com vários

Escultura em mármore representando relevos em mármore que comemora a paz romana.

cenas triunfais das vitórias de Trajano. Fonte: http://employees.oneonta.edu

Fonte: www.juliolouzada.com.br

A decadência da arte deu-se com a queda do Império Romano no Ocidente,

visto que os muçulmanos nada acrescentaram ao panorama artístico de então, salvo

a combinação geométrica dos arabescos.

A partir do séc. XII surgem no Ocidente os baixos-relevos Românicos e

Góticos, deslumbrantes pelo sentimento religioso, expressando os mais variados

tipos de relevos, sendo que, neles a arte e a ciência comprazem-se na interpretação

da natureza.

Fortificando-se cada vez mais, esse movimento continua no Renascimento com

ainda mais ênfase em sua desenvoltura, devido à eclosão perfeita de todas as artes

plásticas e à fineza demonstrada pelos artistas da época.

Na arquitetura perduravam ainda os relevos com divisões e locais dedicados

exclusivamente a eles, e, devido à riqueza e esplendor deste período, estes vieram

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12

juntamente com a habilidade de seus notáveis artistas, muitas obras de alta

qualidade foram executadas, conforme comprovam as célebres portas do Batistério

de Florença de Lorenzo Ghiberti, síntese de todos os progressos obtidos na arte do

relevo durante o Renascimento. (fig. 04, 05 e 06).

Fig. 04- Porta do Batistério de

Florença, Lorenzo Ghiberti .

Fonte: www.wga.hu/art/g/ghiberti

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Fig. 05- Detalhe do relevo do Batistério

de Florença.

Fonte: www.adopt-a-greyhound.org

Fig. 06- Detalhe do relevo

do Batistério de

Florença.

Fonte: www.wga.hu/art/g/ghiberti/

Foi empregado pelo autor mais de vinte e quatro anos para sua conclusão,

esgotando tudo o que se poderia conceber em matéria de relevo naquela época.

Os séculos XVII e XVIII, apesar do requinte algo frívolo da corte do rei-Sol, e do

faustoso e pesado estilo barroco, nada acrescentam de importante na arte do baixo

relevo, o mesmo sucedendo com os magníficos relevos do arco de “l’Etoile”, no

século XIX.

O baixo-relevo encontra-se ainda muito em voga nas monumentais decorações

modernas como o célebre monumento de Vittório Manuel II em Roma, um friso

privilegiado de talento aplicado na execução desta soberba obra.

Podemos citar ainda excelentes obras de Rodolfo Bernardelli, Augusto Girardet,

Correia Lima, Antonino de Mattos, Calmon Barreto e outros.

Page 8: Prado; deives stroppa   com respeito à essência

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1.2 TÉCNICAS DE ESCULTURA

1.2.1 A talha

Para os procedimentos de escultura em pedra, a talha teve o seu destaque na

escultura. De acordo com Midgley (1982), a talha consiste no processo subtrativo de

uma massa sólida de material, que, mediante o corte de ferramentas especiais,

extrai os excessos exteriores, para reduzir a massa e assim criar uma forma

determinada.

Os limites da escultura talhada estão determinados pela forma e tamanho do

material quando bruto, sendo que a pedra e a madeira podem ser designadas para

pequenas ou grandes escalas, enquanto que em marfim ou pedras preciosas, estas

vêm sempre em pequenos tamanhos.

Várias são as ferramentas utilizadas na execução da talha na pedra, sendo que

alguns têm sido utilizados desde as primeiras talhas após a existência de alguns

utensílios. Dentre esses materiais estão: a Ponta ou Ponteiro, Cinzel Plano, Cinzel

de ponta redonda, Cinzel de unha ou dentado, Boucharde, Martelo de Ponta ou de

Desbastar, Grosas, Furadeira de Arco, Pua e o Arco de Pua (Fig. 07).

Fig. 07 – Ferramentas para a talha

Fonte: WITTKOWER, Rudolf. Escultura.

São Paulo: Martins Fontes, 1989.

Page 9: Prado; deives stroppa   com respeito à essência

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Muitos desses instrumentos já eram conhecidos pelos egípcios, e muito poucos

vieram somar-se ao velho arsenal.

Contudo estes instrumentos não foram utilizados ao mesmo tempo ao longo da

história, sendo que a cada período dava-se primazia a utensílios diferentes.

No entanto de acordo com Wittkower (2001), pode-se afirmar que os principais

instrumentos utilizados com mais freqüência foram e continuam sendo o ponteiro, o

cinzel plano ou de unha (ou dentado), e a pua.

1.2.2 Escultura em Relevo

Relevo é o termo relacionado à escultura para designar as obras que são

projetadas a partir de um fundo ou uma superfície plana e não esculpidas, de forma

que continuam presas ao fundo.

É também uma técnica que constitui uma das partes essenciais da história da

escultura, e tem que ser considerada a parte, tanto pelo tratamento de sua

superfície, como pela ordenação de seus conjuntos.

Clérin (1995) definiu o relevo como esculturas que se inscrevem num plano, e

que possuem uma profundidade variável, sendo uma transição entre a pintura e a

escultura de pleno volume (ou escultura autônoma), e representa geralmente cenas

que são lidas como se lê em um quadro, ou seja, de frente.

Essa frontalidade do relevo obriga o observador a se posicionar diretamente

diante da obra para vê-la, e dessa forma assegura que o efeito da composição de

modo algum seja diluído.

O relevo liga um ponto de apreciação e captação do que está sendo

representado, pois só há um ponto de análise, e, sendo a obra observada de frente

toda a gestualidade e todo o seu significado é essencialmente transmitido.

... o meio relevo interliga a visibilidade da escultura e a compreensão de seu significado, pois do ponto de observação único à frente da obra, todas as implicações gestuais, todo o significado da forma são necessariamente transmitidos. (Krauss, 1998: 15).

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Krauss (1998) descrevendo o relevo, ainda afirmava que este permite ao

observador compreender simultaneamente duas qualidades recíprocas: a forma em

sua evolução no espaço do plano de fundo e o significado do momento representado

em seu contexto histórico.

Mesmo o observador não se deslocando totalmente em torno da obra, recebe a

ilusão de dispor de tanta informação quanto teria se pudesse circunavegar as

formas.

Os escultores desenvolveram maneiras de revelar ao espectador os lados não

vistos dos objetos que criavam nessas superfícies. Por exemplo, tentavam

representar a rotação de um corpo a partir da colocação de uma série de figuras ao

seu redor ou de sombras reais projetadas sobre o plano de fundo pelos elementos

figurativos em relevo.

Existem diferentes tipos de relevos classificados de acordo com o grau de

projeção da escultura, Clérin classificou-os da seguinte forma (1995: 17):

O relevo esmagado (stacciato relievo): cujo relevo é tênue. Os contornos das

figuras são finamente cortados (ex. relevos assírios).

O baixo-relevo (basso-relievo): o avanço de uma figura fora do plano é inferior

à metade de seu volume, sem que haja retenção.

O médio-relevo (mezzo-relevo): o avanço da figura fora do plano é igual ou

ligeiramente superior à metade de seu volume; às vezes, com pequenas retenções.

O alto-relevo (alto-relievo): as formas são quase completas (no que se refere

ao volume), mas elas continuam presas ao fundo. Certas partes (os membros, a

cabeça) são completamente destacadas e com retenção.

Page 11: Prado; deives stroppa   com respeito à essência

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1.2.3 Glíptica

Como sendo de grande importância em termos de relevo, também pode-se

mencionar a Glíptica, que de acordo com Campos (2005), é a mais antiga

modalidade de gravura. Contudo é uma arte ainda desconhecida de muitas pessoas

por não se atentarem às suas características.

Isto acontece puramente por razão de nomenclatura, sendo generalizado o

termo gravura para compreender não apenas os trabalhos da Glíptica (camafeus,

selos, sinetes, medalhas etc.), como também as matrizes de impressão

(estamparias, xilogravura, litogravura, fotogravura etc.), e tantos outros similares,

gerando esta confusão entre as muitas formas de gravura.

Porém os processos de Glíptica (que quer dizer gravar, cinzelar) empregam

especialmente a arte do relevo, podendo assim classifica-la como gênero da

escultura, onde pode-se aplicar em pedras preciosas, entalhes, moedas, medalhas

etc. (fig. 08, 09).

Fig. 08- brincos com Fig. 09- Moeda com a utilização da Glíptica. Utilização da Glíptica. Fonte: www.gliptica.ru Fonte: www.gliptica.ru

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2. ARTE, SENSIBILIDADE E SOCIEDADE.

A Arte é o meio de que se utiliza o artista para expressar o que há de mais

intrínseco dentro da alma, tornando físico um sentimento, materializando na obra de

arte o metafísico.

2.1 O PAPEL DA ARTE NA SOCIEDADE

De acordo com Vannucchi (1977), a obra de arte cumpre lembrar a teoria da

criação pura, segundo a qual o homem simplesmente a cria por uma necessidade

íntima de se exprimir, por um transbordamento de algo sentido e vivido dentro de si

próprio e que ele não pode nem reprimir sem mais nem externar sem arte.

Seguindo essa mesma linha de pensamento este trabalho vem com a sutileza

da arte, e através da sensibilidade estética, despertar o espectador para questões

sociais contemporâneas, abordando como tema pessoas menos favorecidas em

nosso convívio social, e que sofrem com a discriminação, apenas por não se

adequarem a determinados padrões estipulados pela sociedade, sendo eles de

beleza, classe ou raça.

É evidente que o objetivo proposto não é mostrar todos os tipos de

discriminação, e tampouco propor uma solução fantástica ou miraculosa para

extinguir esse tipo de pensamento, mas sim fazer com que haja uma menção e

também uma conscientização do problema.

Mandieta (1967) definiu a arte do ponto de vista sociológico como o fenômeno

social de intuição criadora que se concretiza na obra do artista, com o objetivo de

suscitar no homem e na sociedade emoções estéticas, sentimentos de admiração e

sublimação coletivas (p. 54).

Segundo o autor (1967) a Arte só pode surgir a partir de uma função da vida

social humana e, apesar do fato da arte não ter como fim a produção de objetos

úteis, não deve levar a conclusão de que lhe faltem finalidades. Há quem afirme que

a finalidade da Arte é a Arte em si mesma.

Page 13: Prado; deives stroppa   com respeito à essência

19

A Arte para Tolstoy é uma linguagem, ou seja, uma forma de comunicação

humana e, como tal, tem propósito e finalidade.

O artista que cria uma obra artística quer com ela dizer algo à sociedade em que vive. Uma coisa é a Arte carecer de fim utilitário imediato, outra que esteja desprovida de sentido.Em nossa definição, considerando-a em seu conjunto, como fenômeno cultural, assimilamos, entre outros fins o de produzir no homem e na sociedade emoções estéticas. ( Mandieta Y Nunes, 1967: 56).

Segundo Bastide (1971), muitos filósofos demonstraram interesse pela arte e a

partir daí pode-se perceber a influência que essa tinha sobre a vida social dos

indivíduos, pois ela estando e agindo na vida coletiva, pode vir a transformar o

destino da sociedade.

Para Bastide (1971), a Arte não tem por finalidade apenas agradar, mas é

também uma categoria social que visa unificar os desejos dos homens.

A hipótese que norteia esta obra é simplesmente deixar ao espectador uma

forma de reflexão quanto ao “outro”, e não apenas observá-lo na forma exterior, mas

sim captar a semelhança deste como pessoa humana, em sua forma de

pensamento e sensibilidade.

Foi então a partir desta idéia que nasceu a obra “Com respeito à Essência”,

para se tratar deste assunto levando o problema da discriminação para um patamar

a ser discutido.

2.2 DESIGUALDADE E DISCRIMINAÇÃO

É notório que para uma fundamentação científica do assunto mencionado, é

necessário um minucioso aprofundamento específico, por se tratar de um assunto

complexo conforme suas respectivas áreas em sociologia e psicologia, dentre outras

áreas do conhecimento.

Page 14: Prado; deives stroppa   com respeito à essência

20

No entanto deixo claro que este estudo não tem como finalidade servir de

paradigma ou sistematização didática e teórica, mas sim lançar um apelo à

sensibilidade humana.

Afirmava Jean-Jacques Rousseau (1755), que nas mais antigas civilizações já

surgia a desigualdade, a partir do momento em que o homem precisou do auxílio de

outro. No momento que aperceberam ser útil a um só possuir provisão para dois, a

igualdade desapareceu, trazendo assim também outros sentimentos que afastaram

cada vez mais os homens uns dos outros.

... a ambição devoradora, o ardor de construir sua fortuna relativa [...] inspira todos os homens a uma sinistra inclinação a se prejudicarem mutuamente; uma inveja secreta tão mais perigosa que, para dar seu golpe usa a máscara da benevolência, em uma palavra, concorrência e rivalidade de um lado, de outro, oposição de interesses, e sempre o desejo de tirar proveito às expensas de outrem. Todos esses males constituem o primeiro efeito da propriedade e o cortejo inseparável da desigualdade nascente. (Rousseau, 1985: 97).

Podemos observar que essa conjetura apesar de antiga é ainda bastante

presente em nossa sociedade contemporânea, só que com um adicional substancial

em relação à diversidade de conceitos e barreiras que são ainda maiores hoje em

dia, criando assim mais formas de preconceitos ao longo dos séculos.

Azevedo (1987), também apontou formas de preconceitos coletivos praticados

por alguns povos mais antigos, os quais não eram necessariamente raciais. Os

gregos consideravam bárbaros todos os povos não gregos. Por outro lado os persas

se consideravam superiores ao resto da humanidade, e assim também pensavam

sobre si os germanos, os normandos, os romanos e os bárbaros das estepes da

Ásia, assim como o antagonismo entre os hebreus e samaritanos, entre cristãos e

muçulmanos etc. (p. 24).

Apontou também Azevedo novas concepções do “outro” que estão surgindo:

O outro é aquele que é estranho, diferente não apenas na aparência, mas também nos valores, crenças, estilo de vida, posição social etc... Assim, a prática do racismo tornou-se na sociedade moderna, não apenas mais abrangente em suas formas de negar a dignidade, a igualdade e o respeito a pessoa humana. Assim, o racismo no mundo atual persiste, sendo uma forma de escravidão moderna que fere as pessoas na essência de sua dignidade,

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impedindo-as de compartilhar dos bens sociais para o desenvolvimento pessoal e coletivo.(Azevedo,1987: 27- 28).

A discriminação, no entanto, não surge apenas do fato de ser diferente

fisicamente, mas surge de uma desigualdade social e, também de uma

competitividade em um mundo onde só consegue subir na vida quem fizer do outro

um degrau, redimindo-o, se preciso, à inferioridade.

Além dos malefícios causados pela discriminação dentro do convívio social,

este não apenas deixa evidente a má assimilação de reconhecimento (humano)

recíproco, como também vem atingir diretamente o discriminado, que acredita que

não é parte dos padrões sociais, e acaba se discriminando a si mesmo, através de

seu autoconceito.

De acordo com Oliveira (1984), o autoconceito é a atitude do sujeito frente a

maneira que ele se percebe:

... a auto-imagem constitui-se em um sinônimo de autoconceito, mas com uma ênfase no aspecto social de sua formação; a auto estima por outro lado é abordada em termos de uma atitude valorativa do individuo com relação a si mesmo. (Oliveira, 1998: 16).

Acreditando o discriminado que ele não pode se encaixar em parâmetros de

beleza, classe, cor ou, seja lá qual for o tipo de padrão, isto não vem contribuir para

a erradicação do problema, e sim agravando ainda mais, sendo ele também o

preconceituoso, ou pior desvaloriza a si mesmo, conforme reforça Azevedo (1987):

“... pior que a pobreza, a miséria, o analfabetismo, a marginalização e a doença, é...

a perda da auto visão de valor.” (Azevedo, 1987: 48).

A discriminação inseriu-se em nossa cultura de massa, criando padrões

estipulados mais por uma mídia sensacionalista do que por uma educação mal

aplicada, e certamente esta também é afetada, dada a força com que é subjugada.

Para Crochik (1997), a cultura abrangente de cada região é um agente de muita

responsabilidade na formação de conceitos e pré-conceitos, e desencadeia também

uma série de outros efeitos na sociedade:

Por tanto a cultura tem sua cota de responsabilidade na formação de preconceitos, não só pelo conteúdo que podem fornecer, mas

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22

também, e principalmente pelas configurações psíquicas que fortalece... uma cultura que não favorece a reflexão e a experiência fortalece a existência de indivíduos que não conseguem conviver com a própria fragilidade. (Crochik, 1997: 76).

Os meios de comunicação como sendo de grande viabilidade na manipulação

ideológica de massa, tornam-se grandes vilões na inserção de estereótipos,

fabricando “modelos” e fornecendo padrões para o convívio social.

Um exemplo disso é a grande quantidade de pessoas nas ruas usando roupas

de Cow-boy quando há uma novela que defina esta “moda”, ou adolescentes que

sofrem com anorexia, ou até mesmo o desprezo que sente uma pessoa que não

possui o modelo mais recente de celular, enfim há mais uma infinidade de reações

dessas pessoas atingidas pela perigosa alienação parcial, desencadeada pela

mídia.

A televisão, os romances atuais, os jornais e as revistas, seguindo o ‘Espírito Objetivo’ de nossa época, privilegiam o pragmatismo e o hiper-realismo e, de certa maneira, desvirtuam o pensamento. (Crochik, 1997: 122).

Uma vez observado a influência da mídia na vida das pessoas, pode-se daí ter

uma noção de onde começar a reestruturação da forma de pensamento

humanístico, levando a sério a questão da aceitação do “outro”, trabalhando a

educação e extinguir de uma vez por todas as formas de discriminação de nossa

espécie, com uma reforma de pensamento.

Este trabalho, no entanto, vem ressaltar a igualdade humana em sua essência,

fazendo com que o observador venha refletir que somos todos iguais perante nossa

natureza humana, e é inadmissível que nós como seres cognitivos que somos,

deixarmo-nos levar pela conveniência da ignorância de nos acharmos superiores a

algum semelhante, nos levando à discriminação, seja ela de qual espécie for.

Page 17: Prado; deives stroppa   com respeito à essência

23

CAPITULO II

1. METODOLOGIA

Primeiramente foi selecionado um material que, além de uma boa plasticidade,

também coubesse dentro de um orçamento razoável.

Pelo fato de ser uma série de oito esculturas em relevo, tal escolha direcionou-

se para um material de recente utilização na construção civil, fácil de ser trabalhado,

leve e com uma textura que proporciona um interessante efeito visual na escultura: o

concreto celular.

1.1 CONCRETO CELULAR

O concreto celular é um produto constituído de cal, cimento, areia e pó de

alumínio (um agente expansor que funciona como fermento, fazendo a argamassa

crescer e ficar cheia de células de ar, tornando-a leve), além de água (fig.10).

Logo após cura em vapor à alta pressão e temperatura, dá origem ao silicato de

cálcio, composto químico estável que torna um produto de excelente desempenho

na construção civil.

Sua leveza e plasticidade se fazem revelar também como uma ótima matéria

prima para objetos escultóricos, especialmente para a talha, método este utilizado

neste trabalho.

Para a utilização do concreto celular como matéria prima em escultura, é

necessário tomar uma série de cuidados.

Sendo um material leve, deve-se ter muito cuidado ao talhar, pois um golpe

muito áspero poderá fender a pedra e quebrá-la.

Um outro cuidado muito importante também está em molhar o bloco de

concreto celular, de modo que este venha ficar encharcado.

Isto para um melhor manuseio, evitando que um eventual corte mais forte,

venha lascar demasiadamente a forma esculpida, e também para evitar a inalação

Page 18: Prado; deives stroppa   com respeito à essência

24

da poeira provocada pela talha do bloco seco, pois o pó de alumínio é nocivo à

saúde.

Fig. 10- Blocos de Concreto celular

Fonte: www.vermiculita.com.br

Foram realizados vários desenhos e esboços para a definição exata de cada

peça, mostrando a posição e a forma de cada elemento esculpido nos relevos.

Foram escolhidas quatro formas de representação, sendo essas formas

diretamente ligadas ao tema que envolve toda a composição: são elas pessoas

discriminadas.

Para cada uma dessas quatro formas, foi feita uma pequena seleção em

destaque, e esta foi reproduzida em um outro bloco formando uma duplicação como

um zoom, recurso utilizado na fotografia como mostra o exemplo. (fig. 11 e 12)

Fig. 11- Senhora idosa Fig. 12- Mão de Senhora Idosa

Page 19: Prado; deives stroppa   com respeito à essência

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As medidas desses blocos de concreto celular são: 20 cm de espessura, 30 cm

de largura e 60 cm de altura (fig. 13), sendo que apenas na metade de sua

espessura foi feita a talha, caracterizando assim o relevo.

Houve toda uma preparação para a realização dessas talhas: os blocos foram

mergulhados em um recipiente com água o suficiente para cobri-los, e deixados de

molho por dois dias cada um, e, por ser um material poroso, ele absorve a água,

tornando-se mais plástico e menos nocivo a saúde, pois não libera poeira no ar. (fig.

14, 15).

Fig.13- Medida dos blocos

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Fig. 14- Imersão do bloco Fig. 15- Umedecimento do bloco durante a talha

A seguir, foi feita a medição dos rascunhos e sua transposição para cada bloco,

usando uma fita métrica e um carvão. (Fig. 16, 17, 18).

Fig. 16- Medição passo 1.

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Fig. 17- Medição passo 2.

Fig. 18- Transposição do desenho para a execução da talha.

Com a utilização do formão e do martelo, como ferramentas para dar a

profundidade e o volume das formas, foi iniciado o processo de talha, tomando certo

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cuidado com a intensidade dos golpes sobre o formão, prevenindo assim qualquer

rachadura ou lasca indesejada.(Fig. 19, 20).

Fig. 19- Execução da talha. Fig. 20- Execução da talha 2.

Logo após o término da talha, mais uma vez foi molhada a peça, mas desta vez

para uma lavagem, e, deixada exposta ao sol para a secagem e assim preparar para

o acabamento.

O acabamento dos relevos esculpidos nos blocos se deu com a utilização de

lixas manualmente, e também foi utilizada uma lixadeira, para melhor delinear as

partes lisas do bloco.

Depois dos relevos prontos, estes foram dispostos numa armação em metal

através de encaixes com pinos e cantoneiras para sua fixação (Fig. 21, 22, 23 e 24).

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Fig. 21- Medição para a solda das cantoneiras.

Fig. 22- Cantoneira superior com borboleta para

a fixação da peça já pronta.

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Fig. 23- Conjunto de cantoneiras superior e

Inferior para a fixação das peças.

Fig. 24- Peça pronta já com o suporte encaixado.

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Estando prontos os suportes para a fixação das peças, foi feita uma grande

moldura em ferro (metalon), medindo 2,5 m de altura, por 2.0 m de largura, que,

serve para prender as oito peças distribuídas harmonicamente, formando assim um

conjunto (Fig. 25).

Fig. 25- Painel com os oito suportes para a fixação e as oito peças já pronto.

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2. COM RESPEITO À ESSÊNCIA

O título deste tópico tem por finalidade discutir o conjunto das oito obras

produzidas, que, reunidas em um grande painel resultam na obra única denominada:

“Com Respeito à Essência”.

Esta vem, através da arte, trazer à luz da consciência, uma reflexão no que diz

respeito à verdadeira essência humana.

Uma composição em alto-relevo, que por sua expressão vem causar um

grande impacto no espectador que se depara ante seu conteúdo rico em detalhes e

sentimento.

Vem retratar a forma humana, com figuras representando pessoas que sofrem

com algum tipo de discriminação, e se mostram como retratos de pessoas comuns,

levando ao real, à atualidade representada em relevo, denunciando um sentimento

que vem crescendo a cada dia, dentro de cada um de nós, que já nem podemos

fechar os olhos para esta questão, nem tampouco negar sua existência, visto que

também somos surpreendidos por esse tipo de pensamento.

A representação do conjunto se faz com oito composições, sendo que quatro

delas vem apenas repetir um pedaço de outras quatro.

Esta traz uma reflexão e uma discussão sobre a forma como é tratado o outro,

o semelhante.

O aspecto geral da obra sugere uma narrativa que não possui um cânone

ditado por certas regras específicas dos trabalhos em relevo observados na história,

como o método de repetição da mesma figura para se ter uma visão total dos lados

que o relevo não mostra.

Krauss (1998), discutindo essa narrativa em sua “Questão da Porta do Inferno”,

fala sobre este desejo de transcender a informação parcial que qualquer aspecto

isolado que uma figura pudesse transmitir, e as estratégias que o escultor

neoclássico utilizava para representar o corpo humano:

Seus interesses nos pontos de observação múltiplos provem de uma convicção de que deve encontrar um ponto de vista ideal, que conterá a totalidade de informação necessária a uma apreensão conceitual do objeto. Dizer, por exemplo, que alguém “sabe” o que é um cubo, não pode significar simplesmente que o indivíduo viu tal objeto, pois qualquer observação única de um cubo é

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necessariamente parcial e incompleta. O paralelismo absoluto de seis lados e doze vértices – essencial ao significado geométrico do cubo – jamais poderá ser revelado por uma observação única. O conhecimento que se tem do cubo deve ser o conhecimento de um objeto que transcende as particularidades de uma perspectiva única, da qual só podem ver, no máximo, três lados. Deve ser um conhecimento que faculte ao indivíduo, em certo sentido, ver o objeto a partir de todos os pontos ao mesmo tempo, compreender o objeto até mesmo enquanto o “vê”. (Krauss, 1998: 22- 23).

Nas esculturas de Canova e Thorwadsen As Três Graças, (fig. 26 e 27),

deparamos com essa tradição juntamente com seu significado, o observador não vê

a mesma figura em rotação, e sim três nus femininos representando o mesmo corpo

em três ângulos diferentes.

Fig. 26- Thorwadsen: As Três Graças, Fig. 27- Antonio Canova: As Três Graças,

1821. Mármore. 1813. Mármore.

Fonte: www.thais.it/scultura Fonte: www.thelondonseason.com

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Esta representação feita em relevo distribui os corpos ao longo de um plano

frontal único, de modo a ser legível instantaneamente.

Por outro lado, um grande escultor veio romper com esse princípio, Rodin com

sua esplendorosa “A Porta do Inferno”, retira do grupo de suas repetições a idéia de

composição.

O ato de Rodin fazer a repetição de “As Três Sombras”, alinhando três

exemplares idênticos da forma humana, nada contém da pretensão de revelar um

significado latente do corpo, não contém nada do significado tradicional da

composição. (fig. 28)

Fig. 28- Rodin: As Três Sombras

Bronze.

Fonte: www.soumaya.com

Rodin apenas impõe às suas sombras um significado inflexível e mudo, elas

não criam em si uma definição “coerente”, apenas denotam uma auto-referência da

própria figura.

Vindo essas representações dar essa impressão de não oferecer ao

observador nada mais do que um tríplice do mesmo objeto, Rodin substitui o

conjunto narrativo por um conjunto que não conta coisa alguma.

A forma de expressão utilizada na obra Com Respeito à Essência, traz em seu

conteúdo essa relação, e, talvez uma variação da linguagem utilizada por Rodin em

“A Porta do Inferno”, dada a conjetura utilizada por Krauss (2001), quanto à essa

repetição especificamente de cada figura.

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Também quanto à sua narrativa, pode-se observar uma relação na

representação utilizada por Rodin, pois a figura de cada relevo em si é o seu próprio

ponto focal, não sendo nenhuma destas o destaque do conjunto, e sim todas.

Quando há uma repetição de um detalhe de cada peça, isto permite que, ao

invés de revelar o corpo humano em rotação para a representação de vários ângulos

diferentes, apenas sugira uma discussão sobre muitas formas de discriminação, ou

deixe uma reflexão sobre os mais variados modos da não aceitação do outro.

Fica a critério do observador com a fruição da obra, poder refletir sobre essas

repetições da imagem destacadas como um close, que utiliza a linguagem da

escultura, num realismo contemporâneo, como um retrato fotográfico.

Cada bloco de concreto celular traz em seu corpo apenas a metade esculpida,

vindo esta a ser representada em relevo, formando uma figura.

Estando estas figuras agrupadas em um único conjunto, porém separadas

entre si, ou seja, em cada bloco há apenas uma figura diferente, a parte não

esculpida (o fundo do relevo), vem sugerir ser a essência em comum entre todos, e

essas estão interligadas no espaço.

Esta ligação entre cada relevo, pode estar simbolizando essa igualdade entre

todos os seres humanos em comum, cuja essência nada diferencia-se uma da outra,

demonstrando total irracionalidade da parte daquele que enxerga uma diferença

entre as pessoas.

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2.1 AS FIGURAS

A seguir serão mostradas as oito figuras que compõem a obra Com Respeito à

Essência e suas respectivas repetições.

2.1.1 Senhora Idosa

Fig. 29 – Senhora Idosa. Fig. 30- Mão de Senhora.

Esta obra mostra uma senhora muito idosa, de olhar triste e cansado.

As linhas e os efeitos de luz e sombra no seu rosto reforçam as rugas na testa,

nos olhos e na boca murcha.

Os mesmos recursos foram utilizados para conseguir uma maior

expressividade na composição, focando a atenção do observador para a mão que

segura o tecido.

Para este ponto específico converge nosso olhar, e por isso ele foi destacado

como um close na repetição da figura.

Sugere toda a angústia e ao mesmo tempo a resistência de uma pessoa que

ainda sobrevive.

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2.1.2 O Garoto

Fig. 31. -O Garoto Fig. 32 – Parte de Garoto

Esta figura se apresenta na forma de um menino de perfil, logo se percebe que

se trata de um menor abandonado.

É uma escultura em alto-relevo, e mostra uma criança frágil e de pés descalços

se protegendo do frio com as pernas envoltas em seus braços, como forma de

escapar do frio da calçada, sendo justamente esse o destaque dessa peça.

O rosto permanece escondido exatamente como a mídia os apresenta, contudo

não há como encobrir este mal da sociedade, que já aprendeu a conviver com um

problema tão sério.

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2.1.3 O Negro

Fig. 33 - O Negro Fig. 34- Parte de Negro

Esta é uma figura que se apresenta quase de perfil e ao mesmo tempo de

frente, se posiciona em três quartos, reforçado pela utilização de um eixo próprio da

figura, com uma leve perspectiva.

Possui uma expressão realista, estagnada e um olhar profundamente longínquo

que estabelece uma comunicação, e, uma inconformidade com a forma como é

ainda tratado o negro.

Mesmo com a textura do concreto celular é possível observar uma leveza nas

formas que são lisas, e com efeitos de luz e sombra através do contraste entre os

volumes.

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2.1.4 O Gordo

Fig. 35- O Gordo Fig. 36- Parte de Gordo

A figura dessa peça se mostra de costas, diferentemente de muitas peças em

relevo conhecidas ao longo da história.

Ele parece se esconder de um mundo padronizado e de uma sociedade que o

discrimina apenas por não ser magro, julgando-o fora dos padrões de beleza.

Com os efeitos de luz e sombra em seus volumes, podemos ter a nítida

impressão de uma pessoa obesa com a sinuosidade das formas nas linhas paralelas

que cruzam o eixo central da figura.

Justamente esse ponto foi reproduzido como um close da figura, ressaltando a

gordura de seu corpo untuoso.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que o conceito de Arte não subsiste apenas isolado em questões

filosóficas, sendo ele subjugado ao contexto social ao qual é exposto, bem como à

cultura na qual está inserido, foi apontada uma necessidade de uma experiência

prática ao estudo sobre a discriminação.

Com isto foi realizado tal experimento, o de desenvolver uma série de

esculturas em relevo, de modo que estas viessem debater uma questão social, a

discriminação.

Como é de grande importância a escultura dentro do estudo das Artes Visuais,

e o relevo está diretamente relacionado com a escultura e as artes em geral, esta

pesquisa veio trazer um melhor conhecimento, e ao mesmo tempo, uma experiência

a mais, abrindo caminhos para estudos posteriores e uma maior bagagem científica,

pois ocasionou problemas, e a busca da solução para os mesmos.

Foi-me permitido o desenvolvimento da criação, possibilitando um rendimento

de minha parte no que diz respeito à criatividade, solução de problemas e também,

pude acrescentar uma boa experiência referente à arte como um todo, e à escultura

em seu método de criação.

Quanto ao tema, foi feita uma pesquisa com alguns nomes da psicologia,

filosofia e sociologia, dando um suporte teórico, que revelou-se de grande utilidade

na formação do pensamente até mesmo de ordem pessoal.

Pude obter grande satisfação no resultado das pesquisas, bem como no

término dos trabalhos práticos, dando-me motivação suficiente para futuros projetos

em grande escala, que contribuirão para o amadurecimento de minha expressão

poética e de minha carreira artística.

Enfim, a obra “Com Respeito à Essência” é apenas a primeira entre muitas

outras obras que pretendo realizar sobre o tema da discriminação, pois esta foi

realmente a porta de entrada para a manifestação de um sentimento da minha parte

que só pôde ser externado através da arte.

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