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PRÁTICAS CULTURAIS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: QUEM SÃO, O QUE FAZEM, DO QUE GOSTAM OS ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA Este artigo tem por objetivo principal apresentar algumas considerações referentes à pesquisa, que resultou em dissertação de Mestrado (SILVA, 2015) e integra o projeto Práticas Culturais e formação de professores, desenvolvida com financiamento da FAPESP. Destaca-se que esse trabalho acadêmico objetivou mapear as práticas culturais, sobretudo, as práticas de leitura de estudantes de uma universidade pública situada no interior do estado de São Paulo, cotejando-as com a bibliografia analítica sobre cultura escolar, de modo a compreender como ocorre a apropriação dos conhecimentos profissionais pelos graduandos. a obtenção dos dados qualitativos, houve a realização de entrevistas semiestruturadas sobre as práticas pessoais de leitura aplicada a vinte e quatro estudantes, doze do período diurno e doze do período noturno. Destaca-se que tanto a elaboração do questionário quanto a construção do roteiro de entrevista apoiam-se, principalmente, nas contribuições de Pierre Bourdieu e Daniel Roche. Verificou-se que a leitura em redes sociais, sobretudo no facebook, é predominante e, mais do que comunicação e entretenimento, os estudantes também o utilizam como principal meio de obter informações, juntamente com o acesso aos portais. Além disso, contatou-se que a prática de leitura está restrita às atividades obrigatórias, referentes ao trabalho ou à graduação. Esse fato parece indicar que essa prática está muito mais relacionada à leitura formal, vinculada à escola, do que com o gosto de ler. Palavras-chave: Formação de Professores. Curso de Pedagogia. Práticas de Leitura XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 8639 ISSN 2177-336X

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PRÁTICAS CULTURAIS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: QUEM SÃO, O

QUE FAZEM, DO QUE GOSTAM OS ESTUDANTES DO CURSO DE

PEDAGOGIA

Este artigo tem por objetivo principal apresentar algumas considerações referentes à

pesquisa, que resultou em dissertação de Mestrado (SILVA, 2015) e integra o projeto

Práticas Culturais e formação de professores, desenvolvida com financiamento da

FAPESP. Destaca-se que esse trabalho acadêmico objetivou mapear as práticas

culturais, sobretudo, as práticas de leitura de estudantes de uma universidade pública

situada no interior do estado de São Paulo, cotejando-as com a bibliografia analítica

sobre cultura escolar, de modo a compreender como ocorre a apropriação dos

conhecimentos profissionais pelos graduandos. a obtenção dos dados qualitativos,

houve a realização de entrevistas semiestruturadas sobre as práticas pessoais de leitura

aplicada a vinte e quatro estudantes, doze do período diurno e doze do período noturno.

Destaca-se que tanto a elaboração do questionário quanto a construção do roteiro de

entrevista apoiam-se, principalmente, nas contribuições de Pierre Bourdieu e Daniel

Roche. Verificou-se que a leitura em redes sociais, sobretudo no facebook, é

predominante e, mais do que comunicação e entretenimento, os estudantes também o

utilizam como principal meio de obter informações, juntamente com o acesso aos

portais. Além disso, contatou-se que a prática de leitura está restrita às atividades

obrigatórias, referentes ao trabalho ou à graduação. Esse fato parece indicar que essa

prática está muito mais relacionada à leitura formal, vinculada à escola, do que com o

gosto de ler.

Palavras-chave: Formação de Professores. Curso de Pedagogia. Práticas de Leitura

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8639ISSN 2177-336X

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PRÁTICAS CULTURAIS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:

CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA/CULTURAL DE ESTUDANTES

DO CURSO DE PEDAGOGIA

Vera Teresa Valdemarin

Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Biociências de Rio

Claro/UNESP

Resumo: O presente trabalho apresenta à discussão resultados da pesquisa intitulada

“Práticas culturais e formação de professores”, desenvolvida entre 2014 e 2016, com

financiamento da FAPESP – Fundação de amparo à pesquisa do estado de São Paulo – e

vinculada aos trabalhos do GEPCIE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura e

Instituições Educacionais. Seu objetivo visa a compreensão de elementos estruturantes

do processo de formação de professores para a educação infantil e para as séries iniciais

do Ensino Fundamental, nem sempre considerados nas minuciosas prescrições legais

que determinam, em larga medida, a conformação de cursos e de projetos pedagógicos.

A fim de evitar tentações generalizadores ou indiferenciadas, incompatíveis com o

contexto diversificado de modalidades instrucionais e de instituições existente no Brasil,

foram estabelecidas as seguintes delimitações. Os sujeitos da pesquisa são estudantes de

um curso de Pedagogia oferecido por uma universidade pública, localizada no interior

do estado de São Paulo, na modalidade presencial. A amostra é composta por 400

estudantes que ingressaram no curso entre os anos de 2010 e 2014, isto é, 100

estudantes a cada ano, divididos em turmas vespertinas e noturnas. Desses estudantes

foram coletadas informações socioeconômicas por meio de questionário elaborado pela

própria instituição, respondido na ocasião da inscrição para o Exame Vestibular; as

informações sobre as práticas culturais foram obtidas por meio de questionário

produzido no âmbito da própria pesquisa, respondido por 315 estudantes. Outro

conjunto de informações foi obtido por meio de entrevistas temáticas semiestruturadas,

realizadas com 45 estudantes, aleatoriamente selecionados da amostra maior, mas

igualmente distribuídos entre os turnos vespertino e noturno. Tais dados permitem

caracterizar o repertório cultural dos (as) estudantes e indicam a necessidade de investir

em projetos formativos que considerem critérios estéticos e artísticos como necessários

à formação de professores, não necessariamente presentes no arranjo disciplinar do

curso.

Palavras-Chave: formação de professores, curso de Pedagogia, consumo e gosto

cultural.

O projeto de pesquisa: Práticas Culturais e formação de professores

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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O presente trabalho apresenta à discussão resultados da pesquisa intitulada

“Práticas culturais e formação de professores”, desenvolvida entre 2014 e 2016, com

financiamento da FAPESP – Fundação de amparo à pesquisa do estado de São Paulo –,

vinculada aos trabalhos do GEPCIE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura e

Instituições Educacionais. Seu objetivo visa a compreensão de elementos estruturantes

do processo de formação de professores para a educação infantil e para as séries iniciais

do Ensino Fundamental, nem sempre considerados nas minuciosas prescrições legais

que determinam, em larga medida, a conformação de cursos e de projetos pedagógicos.

A análise da bibliografia mais recente sobre formação de professores,

notadamente aquela produzida pelos Programas de Pós-Graduação em Educação, indica

haver incidência maior de estudos sobre estruturas curriculares e sobre a articulação

entre disciplinas de formação geral e de formação profissional (com ênfase no

desenvolvimento dos estágios), corroborando dados já apresentados em textos

referenciais (ANDRÉ, 2009 e 2010; GATTI; BARRETO e ANDRÉ, 2011). Sem a

pretensão de hierarquizar a importância dos problemas educacionais, esta pesquisa

focalizou elementos constitutivos do repertório cultural de estudantes do curso de

Pedagogia, considerando-os como bases sobre as quais se estruturam as ações

formativas e as práticas formalizadas desenvolvidas na instituição. Deve-se ressaltar, no

entanto, que os dados obtidos também constituem informações pertinentes para a

reflexão sobre questões curriculares ou concernentes à profissionalização.

Embora incontroversa, a relação entre cultura e escolarização é bastante

complexa e incita investigações exploratórias, pois “somente o acúmulo sistemático

dessas descrições permitirá compor um quadro compreensivo da situação escolar, ponto

de partida para um esforço de explicação e reformulação, que leve à melhoria da

qualidade do ensino, conforme indicado por José Mario Azanha (1991, p. 67).

Adotando esta perspectiva, a investigação realizada procurou compor um quadro

articulado de informações quantitativas e qualitativas que servisse de base para

descrever o consumo cultural de estudantes e a formação do gosto, manifesto dentro e

fora do ambiente acadêmico, que se objetiva em discursos, símbolos, atitudes e valores.

A fim de evitar tentações generalizadores ou indiferenciadas, incompatíveis com

o contexto diversificado de modalidades instrucionais e de instituições existente no

Brasil, é preciso explicitar a delimitação dos dados obtidos. Os sujeitos da pesquisa são

estudantes de um curso de Pedagogia oferecido por uma universidade pública,

localizada no interior do estado de São Paulo, na modalidade presencial. A amostra é

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8641ISSN 2177-336X

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composta por 400 estudantes que ingressaram no curso entre os anos de 2010 e 2014,

isto é, 100 estudantes a cada ano, divididos em turmas vespertinas e noturnas. Desses

estudantes foram coletadas informações socioeconômicas por meio de questionário

elaborado pela própria instituição, respondido na ocasião da inscrição para o Exame

Vestibular; as informações sobre as práticas culturais foram obtidas por meio de

questionário produzido no âmbito da própria pesquisa, respondido por 315 estudantes.

Outro conjunto de informações foi obtido por meio de entrevistas temáticas

semiestruturadas, realizadas com 45 estudantes, aleatoriamente selecionados da amostra

maior, mas igualmente distribuídos entre os turnos vespertino e noturno. A seguir, são

apresentadas e analisadas as principais informações quantitativas que servem de base

para os outros trabalhos componentes do presente painel.

Caracterização socioeconômica dos (as) estudantes

As informações socioeconômicas foram organizadas a partir de dados

produzidos e fornecidos pela própria Instituição, coletados por meio de questionário

composto de 29 questões, preenchido pelos candidatos aos Exames Vestibulares. Foram

computados os dados dos 400 estudantes aprovados e matriculados, nos períodos

noturno e diurno, no Curso de Pedagogia desta instituição, nos anos de 2010 a 2014.

A amostra selecionada é composta, majoritariamente, por mulheres (92,75%),

solteiras (94,25%), cujas famílias residem em cidades do interior do estado (94,25%),

que declaram ter pele na cor branca (76%) e idade entre 17 e 18 anos (54%), embora

haja um percentual não desprezível (13,75%) de estudantes com idade ente 21 e 24

anos.

Quanto à cor da pele (o questionário adota a mesma classificação do IBGE), há

um percentual significativo (19,25%) de estudantes de cor parda e apenas 4,75% de cor

preta, 1,0% de cor amarela e 0,25% de indígenas. Há que se notar ainda, que a

distribuição segundo a cor da pele, é bastante desigual entre os turnos, com

concentração de pardos (as) e pretos (as) no período noturno. Estes dados indicam a

necessidade de discussões mais aprofundadas sobre a pertinência da norma adotada por

esta universidade, a partir do corrente ano, de reservar vagas para candidatos egressos

de escolas públicas que se autodeclararem pardos, pretos ou indígenas. As políticas

públicas, estabelecidas como norma geral, não incidem sobre as desigualdades

específicas de cursos ou de regiões brasileiras. A distribuição dos (as) estudantes do

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curso de Pedagogia analisado, segundo a declaração da cor da pele, ainda não é

representativa da distribuição verificada no estado de São Paulo (63,68% de cor branca;

28,55% de cor parda e 6,48% de cor preta, segundo dados do IBGE) ou do país. No

entanto, apresenta índices mais igualitários do que outros cursos da mesma instituição,

ainda mais distantes do ideal pretendido.

A presença majoritariamente feminina no curso de Pedagogia não constitui dado

novo ou surpreendente, já verificada tanto em análises anteriores sobre a mesma

instituição (SANTOS FILHO, 1991) quanto na bibliografia existente (ver, por exemplo,

GATTI e BARRETO, 2009). No entanto, é preciso enfatizar sua relevância social,

mesmo que o foco desta análise não esteja nas questões de gênero. O Resumo Técnico

do Censo da Educação Superior, elaborado pelo INEP (2012) aponta a superioridade

numérica das mulheres na educação superior, conquista indicativa da busca feminina

por melhores “condições de vida e de valorização humana” que “pode ser explicada em

função da tendência de aumento de sua inserção no mercado de trabalho e,

consequentemente, da exigência na elevação da sua escolaridade” (p. 39). Os cursos de

Pedagogia, certamente, contribuíram para essa conquista nacional, uma vez que as

explicações acima citadas são, há mais de uma década, condições reais para o exercício

do magistério. Além disso, de acordo com o mesmo Censo, os cursos de formação de

professores ocupam o segundo lugar no país quanto à oferta de vagas, o que contribui,

portanto, para a obtenção desses índices favoráveis ao aumento da escolarização

feminina.

Os dados desse mesmo Questionário possibilitam caracterizar alguns traços

presentes na condição familiar dos (as) estudantes. 2,5% dos pais são analfabetos e

16,25% possuem curso superior completo, na quantificação dos extremos de

possibilidades. O maior percentual de escolaridade relativo (33,5%) corresponde

àqueles que possuem Ensino Médio Completo, secundado pelos que concluíram o

Ensino Fundamental (17,75%). A incidência de pais que tentaram concluir algum nível

de escolarização, mas não conseguiram, também é significativa, uma vez que 22,25%

possuem Ensino Fundamental Incompleto e 7,5% iniciaram e não concluíram algum

curso superior. O maior percentual, portanto, incide sobre os pais que cursaram ou

iniciaram o Ensino Fundamental (40%).

É possível estabelecer paralelos entre os níveis de escolarização e a ocupação

profissional dos pais dos (as) estudantes, pois 39% foram categorizados como operários

com pouca qualificação (índice semelhante aos que possuem Ensino Fundamental,

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completo ou incompleto); 13,25% atuam como profissionais liberais, professores ou

técnicos de nível superior e 3,25% são proprietários ou administradores de grandes ou

médias empresas (ocupações que, em geral, demandam escolaridade de nível superior).

Entre os proprietários ou administradores de pequeno negócio estão 19,5% dos pais e

8,5% dos (as) estudantes indicaram que o pai não exerce atividade remunerada. A

discrepância parece residir, portanto, entre os concluintes do Ensino Médio e a

ocupação profissional exercida.

A ocupação dos pais revela-se um elemento diferenciador expressivo entre os

(as) estudantes matriculados nos períodos diurno e noturno. A quase totalidade dos

filhos de proprietários ou administradores de grande ou média empresa matriculou-se no

curso diurno; o número de filhos (as) de proprietários ou administradores de pequeno

negócio é o dobro no período diurno, assim como o número de filhos (as) de operários

com pouca qualificação é o dobro no período noturno, havendo equilíbrio entre os

turnos com relação aos filhos de técnicos de nível.

Os dados sobre a escolarização das mães dos (as) estudantes resultam em

índices, comparativamente, superiores aos dos pais. O percentual de mães analfabetas é

menor (1,25%) e o daquelas que possuem curso superior completo é maior (17%). A

maior incidência refere-se àquelas que possuem Ensino Médio completo (34,5%) e,

quanto às tentativas sem êxito, 22,75% não completaram o Ensino Fundamental e

3,75% não concluíram a escolarização superior. O nível de instrução paterno e materno

apresenta-se, também, como diferenciador entre os turnos: o percentual de pais com

curso superior completo entre os (as) estudantes matriculados no período diurno é o

dobro do que entre os (as) estudantes matriculados no período noturno e as mães de

estudantes do período diurno que possuem curso superior completo é três vezes maior

do que aquelas do período noturno.

A maior escolarização das mães, no entanto, não se reflete diretamente no

exercício profissional. Apenas 1% é classificada como sendo proprietária ou

administradora de grande ou média empresa – índice menor do que o dos pais nessa

categoria – e todas referem-se aos (às) estudantes matriculados (as) no período diurno.

Embora a escolarização das mães seja superior do que a dos pais, as que não exercem

profissão remunerada apresentam o maior percentual (34,5%) e maior frequência entre

os (as) estudantes do período noturno, secundada por aquelas categorizadas como

operárias com pouca qualificação (31,5%). Um percentual relativamente pequeno de

mães é classificada como proprietária ou administradora de pequeno negócio (7,5%) e

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17% são profissionais liberais, professoras ou técnicas de nível superior. O índice de

mães com escolarização de nível superior é o mesmo daquelas que exercem profissões

liberais ou docência, o que permite aventar a hipótese de que as que não trabalham são

aquelas com menor nível de escolarização.

A renda familiar dos (as) estudantes pode ser correlacionada aos índices de

escolarização de pais e mães, pois o maior percentual (48,75%) se encontra entre

aqueles que percebem entre 2 e 4,9 salários mínimos, secundados pelos de menor renda,

isto é, até 1,9 salários mínimos (23,75%). Nos extratos mais altos – renda entre 15 e 20

salários mínimos – estão apenas 2,5% das famílias. E, assim, como outros indicadores já

descritos, os (as) estudantes com maior renda familiar encontram-se matriculados no

período diurno.

A maioria dos (as) estudantes declarou não exercer atividade remunerada

(63,25%) e entre os que trabalham em tempo integral encontram-se 18,75%, índice

semelhante aos que exercem alguma atividade em tempo parcial ou eventualmente e

apenas 6% declararam serem os principais responsáveis pelo sustento das famílias. No

entanto, 42,75% afirmaram pretender trabalhar durante o curso e 25,25% declaram a

intenção de pleitear bolsas de estudo ou auxílio financeiro institucional.

A renda familiar apresenta forte correlação com o tipo de escola frequentado

anteriormente pelos (as) estudantes. 68,75% cursaram todo o Ensino Fundamental e

65% cursaram todo o Ensino Médio comum em escolas públicas e apenas 7% é egresso

de cursos noturnos neste grau. E é nessa modalidade regular de curso que foi realizado o

aprendizado de língua estrangeira (25% declararam ter realizado curso específico) e

foram obtidas as informações sobre os exames vestibulares. A maioria (54%) declarou

ter frequentado cursinhos pré-vestibulares entre 6 meses e um ano (18% o fizeram em

cursinhos comunitários apoiados por instituições) e, deve-se notar que a relação

candidato/vaga para o curso de Pedagogia tenha oscilado entre 2,5 e 3,8 (sendo menor

para o período diurno do que para o noturno) no período abarcado pela pesquisa.

Frente a esses dados, pode-se afirmar que o Curso de Pedagogia, mesmo com as

desigualdades econômicas e quanto à cor da pele, possui um grande potencial para

democratizar o acesso à educação brasileira, particularmente, no estado de São Paulo.

Para 83,75% das famílias, os (as) estudantes são a primeira geração que consegue

ingressar no curso superior público, marca que, se não garante, necessariamente,

melhoria da condição financeira familiar, implica a ampliação de condições culturais e

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de oportunidades de exercício profissional distintivo daquelas das mães das mesmas

famílias.

Deve-se apontar ainda que, egressos das escolas públicas nos níveis

fundamentais e médios, esses estudantes depois de formados, devem a elas retornar para

o exercício profissional, uma vez que é no sistema público de ensino que residem as

oportunidades numéricas mais expressivas de empregabilidade, principalmente na

educação infantil e no ensino de primeira à quarta série do ensino fundamental.

Tais elementos devem reforçar o compromisso das universidades públicas com a

formação de lideranças educacionais por meio de projetos pedagógicos diferenciados.

Questões de gosto e consumo cultural

As informações sobre as práticas culturais dos (as) estudantes foram obtidas por

meio de um questionário contendo 25 questões inspirado naquele apresentado por Pierre

Bourdieu na obra A distinção (BOURDIEU, 2008, p. 14), uma vez que objetivava-se

“descobrir as relações inteligíveis que unem escolhas, aparentemente incomensuráveis,

tais como as preferências em matéria de música e de cardápio, de pintura e de esporte,

de literatura e de penteado” (grifo do autor).

Este instrumento foi respondido no ano de 2014, por 315 estudantes

matriculados nas quatro séries do curso, nos dois turnos.

Instados a assinalar a frequência com que praticavam algumas atividades,

verificou-se que o uso da Internet é a atividade mais frequentemente realizada pela

maioria dos (as) estudantes (93,3%), seguida, em ordem decrescente, da leitura (85%),

das atividades domésticas (78%), de passeios (72,3%), assistir televisão (53,3%),

realizar caminhadas (45%) e ir ao cinema (40,3%), além de outras menos votadas. Entre

as atividades raramente praticadas estão as viagens (70,1%), ir ao teatro (65,5%),

assistir a shows (60,6%), fazer compras (60,6%), o esporte e o cinema (entre 54 e 55%

das respostas). As atividades nunca praticadas apresentam simetria oposta àquelas mais

frequentemente praticadas, e incidiram sobre a prática de instrumento musical (68,8%),

de artesanato (51,7%), da dança (34,2%) e dos esportes (18,7%).

A renda familiar dos (as) estudantes e de suas famílias contribui para esclarecer

a escala de atividades indicada. Pode-se notar que as atividades nomeadas como

raramente praticadas envolvem custo e decisão econômica, já aquelas apontadas como

nunca praticadas parecem denotar mais fortemente preferências pessoais (ou falta de) e

estão relacionadas ao âmbito artístico. As mais praticadas são viáveis com pequeno

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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investimento financeiro ou ditadas pela necessidade. É preciso ressaltar, no entanto, que

a geografia (a instituição estar localizada no interior do estado) atua negativamente

sobre a frequência a shows e, principalmente, aos espetáculos de teatro. A oferta dessas

modalidades, embora pequena, não é inexistente, uma vez que tais tipos de espetáculos

constam mensalmente da programação oferecida, por exemplo, por instituições culturais

que têm seus custos subsidiados por diferentes entidades.

Dado tratar-se de um grupo composto, majoritariamente por mulheres, os

cuidados estéticos apontados com maior incidência foram o corte de cabelo, manicure,

pedicure, depilação, design de sobrancelhas, maquiagem e tratamento químico no

cabelo e, entre aqueles comumente feitos em local especializado estão os que envolvem

resultados mais aparentes, como por exemplo, corte de cabelo e design de sobrancelhas,

seguidos pelos tratamentos químicos.

O gênero preferido de filmes é a comédia romântica, seguido de comédia,

aventura, desenho animado e ação e entre os indicados como menos preferidos estão os

religiosos, suspense, ficção, terror, políticos e de guerra. O critério para tal escolha é a

história contada e não o elenco ou o diretor. As preferências quanto ao gênero

cinematográfico foram corroboradas pela identificação dos filmes assistidos, constantes

de uma lista a eles apresentada. O filme mais apontado foi Meu malvado favorito 2,

seguido de De pernas pro ar 2, Homem de Ferro 3, Wolverine e Minha mãe é uma peça.

A exceção ficou por conta do filme Santiago, uma vez que trata-se de um documentário,

gênero não apontado entre os preferidos. A lista de preferências, portanto, é composta

por blockbusters e filmes nacionais, em geral, com enredos simples, cuja tônica é o

entretimento e não o apuro artístico ou estético.

Os filmes figuram também como o gênero de programa de televisão preferido.

No entanto, é um gênero pouco referendado quando os (as) respondentes foram

solicitados a mencionar cinco nomes de programas vistos com maior frequência. Essa

discrepância pode ser elucidada nas entrevistas realizadas com 25 estudantes que

tematizaram, especificamente, o uso do tempo. Parecer ser possível afirmar que ir ao

cinema não é atividade muito comum entre os (as) estudantes, mas assistir filme é

prática frequente, fazendo uso do aparelho de televisão e dos serviços de streaming e

não da assinatura de TV a cabo.

Quando solicitados a declarar nomes de programas de TV e de cantores

preferidos, a característica mais evidente das respostas obtidas é uma grande dispersão.

Os seriados constituem o gênero preferido entre os programas de televisão, mas os

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títulos apontados resultaram numa grande lista (mais de 50 títulos), sem unanimidades.

A mesma dispersão está presente no gênero reality show, a segunda maior preferência

entre os programas. Embora as competições entre aspirantes a cantores ou a chefes de

cozinha preponderem nas indicações, a oferta é bastante grande e a audiência pode

variar de acordo com as temporadas em exibição. Deve-se notar ainda que a maioria

desses programas pode ser vista em redes de TV abertas, fechadas ou via internet. Os

jornais televisivos (a maioria deles transmitidos por TV aberta) também estão entre os

programas mais vistos, com grande variedade nos títulos indicados.

Tais resultados parecem indicar que foram cumpridas as pretensões alardeadas

pelo marketing específico: o entretenimento é um negócio que não mais está atrelado a

grades fixas de programação, cabendo ao telespectador escolher entre muitas ofertas da

mesma coisa.

Quanto às preferências musicais, o gênero mais apontado é o sertanejo com a

indicação de cerca de vinte e cinco duplas ou artistas; no entanto, quando somados os

cantores e cantoras indicados como preferidos, o total supera o gênero sertanejo, mas

encontra-se dispersa num número muito maior de artistas divididos em gêneros de

classificação não muito precisa, tais como pop, rock nacional, MPB, Axé, entre outros.

Enquanto gênero específico, o segundo com maior índice de respostas é o religioso que

agrupa artistas de diferentes vertentes confessionais, aí incluídos padres, gospel, grupos

evangélicos e até mesmo um grupo de heavy metal religioso.

Embora os resultados não apresentem grandes discrepâncias com relação em

relação ao Relatório Cultura no Brasil (FECOMERCIO, 214), não foi possível precisar

a forma de acesso ao consumo musical. Os programas musicais veiculados pela

televisão não foram mencionados entre os preferidos, os jurados de reality shows

musicais também não aparecem bem posicionados na indicação de artistas preferidos.

Resta assim, como hipótese, a internet como difusora do gosto musical, por ser a

atividade mais mencionada.

Conclusões

Espera-se que o grande volume de dados aqui apresentados possa fomentar

discussões sobre projetos pedagógicos de cursos de Pedagogia, uma vez que considera-

se a caracterização socioeconômica dos (as) estudantes um importante balizador para o

estabelecimento de programas e de organizações curriculares.

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Se, por um lado, é grande o potencial de democratização do acesso ao ensino

público superior contido no curso destinado à formação de professores, por outro lado,

as discussões não podem ficar restritas aos aspectos técnicos da formação. Devem

incidir também sobre a formação geral, sobre a oportunidade para o desenvolvimento de

critérios e de balizadores do gosto e do consumo cultural, abrindo espaços para a fruição

estética. Limitadas por condições econômicas ou geográficas, as respostas dadas pelos

(as) estudantes aos instrumentos de coletas de dados, indicam os bens consumidos e a

presença da instituição escolar como afiançadora de novas oportunidades. A escola, no

entanto, e, notadamente, o curso superior, parece pouco interferir na maneira de

consumir esses mesmos bens culturais, isto é, nas maneiras de apropriação legíveis em

diferentes práticas. Se a posição social ou de origem pode ser considerada uma

referência importante nas trajetórias pessoais, o sentido proporcionado pelo consumo

cultural pode ser modificado por experiências estéticas capazes de interferir na lógica

que preside questões de gosto.

REFERÊNCIAS

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comparativo das dissertações e teses dos anos 1990 e 2000. Revista Brasileira de

Pesquisa sobre formação de professores. V. 1, nº 1, 2009, p. 41-56.

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Educação. Porto Alegre, PUC/RS, v. 33, nº 3, set./dez., p. 6-18, 2010.

AZANHA, J. M. P. Cultura escolar brasileira: um programa de pesquisas. Revista USP,

1990-1991, p. 65-69.

BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP/Porto

Alegre: Zouk, 2008.

BRASIL. Censo da educação superior 2012: resumo técnico. Brasília: INEP, 2012.

GATTI, B. A. e BARRETO, E. S. de S. (coord.). Professores do Brasil: impasses e

desafios. Brasília: UNESCO, 2009.

GATTI, B. A.; BARRETO, E. S. de S. e ANDRÉ, M. E. S. Políticas docentes no Brasi:

um estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011.

SANTOS Filho, J. R. Algumas observações sobre o curso de Pedagogia: dados dos

relatórios da VUNESP. In: MARIN, A. J. O curso de pedagogia: um projeto de

avaliação. Relatório. Araraquara: FCLAr, 1991, mimeo.

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SIGNOS CULTURAIS REVELADOS PELA QUASE FOTOGRAFIA

Eduarda Escila Ferreira Lopes

Doutoranda- Pós-Graduação- UNESP/Rio Claro/IB

Resumo

Este trabalho tem por objetivo analisar a fotografia como elemento que aponta indícios

de hábitos e preferências estéticas e, portanto, a cultura de indivíduos e de grupos.

Compreende-se que vários aspectos de formação individual compõem as reações e o

reflexo de um indivíduo diante de uma ideia de fotografia e de sua interpretação. Faz

parte dos estudos que compõem a pesquisa “Práticas Culturais e formação de

professores: estudo sobre os estudantes do Curso de Pedagogia”, financiado pela

FAPESP, que objetiva realizar um mapeamento das práticas culturais dos referidos

estudantes, a fim de contribuir para compreensão de elementos e estruturais do

processo de formação de professores no Estado de São Paulo. Um dos instrumentos

utilizados para a obtenção de dados foi um questionário sobre consumo cultural e

preferências de gosto e o presente trabalho está delimitado à análise das respostas dadas

por 315 estudantes a uma questão que objetivava aferir, especificamente, juízos

estéticos. Utilizando textos de Pierre Bourdieu, Susan Sontag, Roland Barthes, Borys

Kossoy e Walter Benjamin como apoios teóricos, foi possível identificar o uso da

fotografia como linguagem, os critérios que orientam escolhas referentes ao belo, ao

feio e ao interessante e um conjunto de símbolos que os representam.

Palavras-chave: formação de professores; estética e cultura; fotografia.

1. Fotografia como elemento de comunicação

A fotografia como elemento de comunicação está em evidência nas sociedades

contemporâneas, onde o comportamento digital permite que as imagens alcancem cada

vez mais espaço como forma de apresentar uma realidade vivenciada. Entretanto,

historicamente a fotografia é estudada como elemento de transformação técnica e

cultural, que envolve costumes, hábitos e principalmente registros.

Como expressão artística ou forma de linguagem, tem sido objeto de reflexões

instigantes sobre seus usos que se ampliam através das mais diversas expressões

artísticas ou documentais, seja por uma obra de arte, uma notícia, a prova de um crime,

um registro histórico, uma peça antropológica, um instrumento científico ou médico, ou

então, um elemento de uma história em quadrinhos.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8650ISSN 2177-336X

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Invenção decorrente da revolução industrial, a fotografia teve um papel

fundamental enquanto meio de informação e conhecimento, como apoio às pesquisas e

às artes. Com a fotografia, o conhecimento e outras realidades que até então eram

vividas através de formas escritas ou verbais passaram a ser conhecidos em detalhe.

Sobre a fotografia Walter Benjamin, apontou o efeito das técnicas de reprodução

no consumo e na produção artística: fundição, cunhagem, gravura, tipografia, litografia,

entre outras, modificaram essa relação até que, com a fotografia “a mão encontrou-se

demitida das tarefas artísticas essenciais que, daí em diante, foram reservadas ao olho

fixo sobre a objetiva” (BENJAMIN, 1975, p. 12).

Afirma também que reprodução das imagens possibilitada pela fotografia

obscurece a autenticidade da obra, mas “a técnica pode levar a reprodução de situações,

onde o próprio original jamais seria encontrado” (idem, p. 13) e, ao mesmo tempo em

que estabelece uma relação de proximidade com o espectador opera com deslocamentos

da situação original: “Multiplicando as cópias, elas transformam o evento produzido

apenas uma vez num fenômeno de massas” (idem, p. 14), provocando, desse modo, a

depreciação de eventos únicos e a valorização da exibição.

Susan Sontag (2014, p.118), adotando outra perspectiva, afirmou que:

(...) a fotografia foi – primeiro, de má vontade, depois com

entusiasmo – reconhecida como uma bela-arte. Mas a própria questão

de ser ou não uma arte é essencialmente enganosa. Embora gere obras

que podem ser chamadas de arte – requerem subjetividade, podem

mentir, proporcionam prazer estético -, a fotografia não é, antes de

tudo, uma forma de arte. Como a língua, é um meio em que as obras

de arte (entre outras coisas) são feitas. Com a língua, podem-se fazer

discursos científicos, memorandos burocráticos, cartas de amor, listas

de comprar no mercado e a Paris de Balzac. Com a fotografia, podem-

se fazer fotos de passaporte, fotos meteorológicas, fotos

pornográficas, raios X, fotos de casamento e a Paris de Atget.

A linguagem fotográfica pode ser comparada a um tipo de escrita, que constrói

narrativas e é possível experimenta-la como representação, como falsidade ou como

captadora do dinamismo da sociedade em constante transformação e mudança e,

indubitavelmente, amplia o domínio do que é visível. Uma fotografia não pode ser

confundida com a existência real das coisas, uma vez que guarda relação mais próxima

com o que é percebido e, nesse processo, pode revelar detalhes inusitados, presentes em

situações conhecidas.

Comporta também discussões sobre a criatividade, sem reduzi-la à condição de

criadora de cópias da realidade. Ela é auto-expressão de quem fotografa e a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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subjetividade do fotógrafo é decisiva na escolha do ângulo, indicando a perspectiva do

observador. Neste sentido, a relação da fotografia não é com o que existe, mas sim com

o que é percebido, o que possibilita à autora apontar a existência de uma forte tendência

para que as coisas reais passem a ser observadas com os atributos das fotografias e, até

mesmo, com decepção.

A fotografia, ainda segundo Sontag (2004), comporta diferentes modos de

aquisição, entre eles, de um objeto ou de uma pessoa, tidos como únicos, eventos ou

informações que não são, necessariamente, experimentados: “De fato, a importância das

imagens fotográficas como o meio pelo qual cada vez mais eventos entram em nossa

experiência é, por fim, apenas um resultado de sua eficiência para fornecer

conhecimento dissociado da experiência e dela independente” (SONTAG, 2004, p.

172).

Se observada conforme o caminho da tecnologia, a descoberta da fotografia

passa pela criação da câmara escura; datas e episódios marcam ensaios retratados por

diversos historiadores que atribuem a invenção ao princípio ótico no século V (a.C.). À

Aristóteles pode ser referida a invenção através da observação da imagem ao sol durante

um eclipse parcial, projetado no solo em forma de meia lua e refletindo por pequenos

orifícios. A câmara escura era usada também como auxiliar ao desenho e à pintura no

século XIV. Experimentos foram sendo feitos ao longo do tempo e resultavam na

obtenção de nitidez cada vez maior das projeções e, neste percurso, nos séculos XV e

XVI a questão ótica já estava resolvida. O momento então era da busca por processos

químicos. A principal pesquisa recaiu sobre um material conhecido na alquimia

renascentista chamado de sais de prata que muda com a ação da luz, ou seja, escurece ao

ser exposto ao sol. Avanços e pesquisas resultaram numa forma de estabilizar a prata

com uso da câmera escura. Movido à paixão por experimentos e pelo registro visual,

Joseph Nicéphore Niépce, militar francês, fez experiências com material litográfico

impresso e a câmara escura. Na primeira experiência, usou papel recoberto de cloreto de

prata exposto à câmara escura conseguindo uma imagem negativa e fraca fixando, em

partes, com ácido nítrico. Teve sucesso posterior, com o uso de betume branco da

Judéia, um verniz que tinha propriedade secante. Expôs uma das placas por 08 horas na

câmara escura e obteve a imagem do quintal da sua casa, em 1826, obtendo o que é

considerada a primeira fotografia do mundo pelo processo chamado de Heliografia.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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15

A partir daí, em conjunto com outro pesquisador, Louis Jacques Mandé

Daguerre, aperfeiçoa as técnicas através de estudos e experimentos. Concentram

esforços no estudo dos sais de prata expostos na câmara escura e placas de cobre

recobertas com prata polida e sensibilizadas sobre o vapor de iodo de modo a

transformá-las numa superfície fotossensível. Na chapa, era feita uma exposição, que

variava de 20 a 30 minutos, dentro de uma câmara escura. Para a imagem se tornar

visível havia necessidade de se converter o iodeto de prata em prata metálica com o

mercúrio, cujo vapor foi o primeiro sistema de revelação fotográfica comercial. Um

banho fixador dissolvia os halogenetos de prata não revelados e formava as áreas

escuras da imagem. Estava criada a Daguerreotipia, descoberta divulgada com alarde

pelos centros urbanos da época.

Depois de todos os avanços conseguidos na área da fotografia ainda faltava

tornar esta nova descoberta acessível a toda população. Este feito foi conseguido pelo

americano George Eastman, que revolucionou definitivamente a forma de se consumir

fotografia criando a KODAK. A criação de Eastman trouxe para a fotografia uma

situação muito diferente daquela até então existente: a partir do momento que as

câmeras foram simplificadas com a introdução dos rolos de filmes, a preocupação dos

fotógrafos se voltou mais para os motivos a serem fotografados do que a técnica. O

filme era feito pelas indústrias e inúmeros pequenos laboratórios o revelavam e faziam

as cópias. Além disso, era possível, desde, então qualquer pessoa adquirir sua câmera e

produzir suas fotos, transformando a concepção da figura do fotógrafo por meio da

popularização do dispositivo, tornando-o acessível a um grande número de pessoas.

Recentemente, essa popularização alcançou níveis espantosos, tanto no que diz

respeito às próprias máquinas, quanto ao que refere à impressão, compartilhamento e

circulação de imagens. O acoplamento das câmeras fotográficas aos smartphones,

passou a ser um dos componentes mais valorizados na propaganda, em geral, atrelado a

promessas de nitidez e velocidade. A velocidade apresentada nos aparelhos é, na

verdade, apenas uma extensão da velocidade como valor característico das sociedades

atuais e as inovações tecnológicas passaram a plasmar o gosto fotográfico e a câmera

frontal permite inserir o fotógrafo na fotografia. Assim, a fotografia deixa de ser o olhar

do fotógrafo e passa a ser ele próprio:

Uma sociedade se torna „moderna‟ quando uma de suas atividades

principais consiste em produzir e consumir imagens, quando imagens

que têm poderes excepcionais para determinar nossas necessidades em

relação à realidade e são, elas mesmas, cobiçados substitutos da

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8653ISSN 2177-336X

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experiência em primeira mão se tornam indispensáveis para a saúde da

economia, para a estabilidade do corpo social e para a busca da

felicidade privada (SONTAG, 2004, p. 170).

Fundamentalmente, a essência da produção de imagens de qualquer espécie são

o homem, o tema e a técnica. Em um cenário natural de pequeno ou grande âmbito, em

relação à natureza pura ou criada, tudo constitui a essência do visível fotográfico. A

imagem é o testemunho material e visual dos fatos aos ausentes da cena, ou seja, é pela

fotografia que alguém que não está em determinado local, num determinado momento

em que esteja ocorrendo um fato, poderá ter dele conhecimento.

Entre outros autores, Pierre Bourdieu (2005) fez uso da fotografia em diferentes

pesquisas. No artigo “O Camponês e a Fotografia”, apresenta a fotografia como

sociograma da vida dos camponeses franceses, na década de 1960. Refaz o percurso da

inserção da fotografia na vida dos camponeses mostrando sua importância para eternizar

momentos e demonstrar poder aquisitivo, formas de hierarquização na composição da

imagem. Expõe o momento em que o grupo com poder aquisitivo precisa inserir

elementos de destaque deste novo “viver”: se, de início, a fotografia servia para

eternizar casamentos, cerimônias e apontar os dois grupos e seus poderes econômicos

envolvidos na união, passou a revelar a importância da mulher e das crianças no registro

de família.

Em relação ao entendimento da fotografia enquanto expressão, Kossoy (2014)

afirma que as imagens têm preservado a memória visual do mundo, dos cenários, dos

eventos e das transformações. Sendo assim, a fotografia e seu conteúdo despertam

sentimentos diferentes. Para uns, afeto e ódio, para outros, meio de conhecimento e

informação. A fotografia ainda venceu barreiras metodológicas e passou a ser utilizada

como fonte histórica, mesmo em sociedades que valorizavam apenas a escrita como

forma de transmissão do saber e do conhecimento.

É preocupação do fotógrafo o tratamento estético e o recurso tecnológico, mas,

muito além disso, são dele os filtros documentais que demonstram a expressão pessoal,

seu estado emocional e suas atitudes. Por isso, imagens são representadas de formas

diferentes se consideradas bagagem cultural, sensibilidade e criatividade, carregando

um momento fragmentado e congelado e tornando-o uma possível segunda realidade.

Gostos, estética e fotografia.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Pierre Bourdieu, tem grande parte de sua obra dedicada ao estudo da cultura, da

formação do gosto, do estilo e dos valores resultantes das condições de vida e, de forma

geral, do entendimento do papel da cultura na caracterização e conformação dos grupos

sociais. Para isso, desenvolve a noção de acomodações materiais e simbólicas e sua

ação sobre o indivíduo e sobre o grupo, além de tratar, por consequência, a relação de

interdependência que existe entre eles. Demonstra que o lugar ocupado na sociedade, a

posição social ou de poder, está relacionada à junção entre elementos materiais e

simbólicos com recorte na oportunidade histórica.

A sociedade é vista como uma estrutura que tem como determinantes as relações

materiais e/ou econômicas e simbólicas (status) e/ou culturais (escolares). Desta forma,

a posição de indivíduos e de grupos é resultante da distribuição de recursos e poderes

como capital econômico, cultural, social e simbólico. Sobretudo, o gosto e as práticas de

cultura são tratados pelo autor como somatórias de condições específicas e experiências

específicas vividas, que compõem este elemento dentro do processo individual e do

grupo, ou seja, a trajetória, em especial, a escolarização e as práticas socializadoras

Sobre o gosto, Bourdieu apresenta uma discussão que elimina o gosto como algo

íntimo, sedimentado, indiscutível e alicerça o conceito nas entidades que expedem a

cultura da sociedade capitalista, ora família, ora escola. Portanto, para o autor, o gosto é

resultado do aprendizado adquirido através de diferentes instituições. Elimina o dito

popular de que gosto não se discute, já que gosto representa modos de vida, estilos e

capital cultural e simbólico.

O gosto originado no estilo de vida reúne traços das informações manejadas por

uma pessoa, oriundas de preferências e distinções impostas no grupo, gerando prazer e

um conjunto harmonioso de correspondências.

Sobre a disposição estética, Bourdieu coloca como ponto de partida a própria

imposição provocada pela narrativa da obra que, de certa forma, exige um determinado

capital cultural para sua percepção enquanto obra.

A obra pode ser observada, mas sempre dentro de um contexto histórico e social.

Tem uma intenção do artista, mas também tem uma intenção da obra enquanto registro

condicionado ao modo de produção, à técnica e à intenção do observador. Desta forma,

a diferença entre quem entende e quem não entende esclarece as predisposições

necessárias para a distinção de classes. Como exemplo, cita membros de classes

populares que não têm facilidade de obter julgamento de uma obra de arte moderna, não

possuem capital cultural para tal.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8655ISSN 2177-336X

18

Assim, o senso estético é, para Bourdieu, uma forma de distinção, tornando-se

manifestação dos sistemas de condicionamentos sociais e econômicos ou relacionados a

uma classe ou um grupo. A presença do senso estético faz com que o indivíduo ocupe

lugar privilegiado dentro do grupo, ou seja, serve como forma de classificação

individual ou do grupo que reafirma uma prática. A distinção evidencia-se, desta forma,

na presença ou não do senso estético. De diversas maneiras o autor ratifica essa

constatação com os resultados da pesquisa descrita na obra A distinção (2011). No

mesmo sentido os indicadores como nível de escolaridade, origem de classe social e

econômica, fazem com que os modos de produção se reforcem, conforme explicitado no

excerto:

Sabendo que a maneira é uma manifestação simbólica, cujo sentido e

valor dependem tanto daqueles que a percebem quanto daquele que a

produz, compreende-se que a maneira de usar bens simbólicos e, em

particular, daqueles que são considerados como os atributos da

excelência, constituiu um dos marcadores privilegiados da “classe” ao

mesmo tempo que o instrumento por excelência das estratégias de

distinção, ou seja, na linguagem de Proust, da arte infinitamente

variada de marcar as distâncias”. A ideologia do gosto natural opõe,

através de duas modalidades de competência cultural e de sua

utilização, dois modos de aquisição de cultura. (BOURDIEU, 2011,

p.65)

O julgamento estético, portanto, não é resultado de algo interior, de

sensibilidade, mas sim é uma aptidão social determinada a partir do capital cultural

adquirido individualmente. Da mesma forma que o conhecimento, a formação escolar e

a experiência social são elementos de caráter individual, o gosto também se encaixa

nesta definição. Assim, a expressão do gosto pode ser vista pela própria escolha dos

objetos de consumo e nesta expressão é que está revelada a diferença, o desnível, a

diversidade das práticas que formam a distinção dentre as classes.

Durante a realização da pesquisa que resultou na obra A Distinção, Pierre

Bourdieu coletou declarações dos entrevistados a respeito do que eles julgavam

fotografável e, lhes parecia, portanto, suscetível de ser constituído esteticamente (em

oposição ao que era excluído por sua insignificância, feitura, ou por razões éticas;

BOURDIEU, 2011, p. 38). A questão formulada nessa obra foi integrada ao

questionário respondido por 315 estudantes no âmbito do projeto de pesquisa “Práticas

Culturais dos Estudantes de Pedagogia”, com o objetivo de obter indícios sobre o

potencial de julgamento estético expresso pelos respondentes. A questão formulada era:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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“Com o tema a seguir, o fotógrafo teria chance de fazer uma foto...” e as opções

apresentadas para escolha era: bonita, feia, interessante ou insignificante.

Importante destacar que ao responder à questão os estudantes não contaram com

o auxílio de imagens, pois pretendia-se verificar a existência de uma ideia do tema pré-

existente, isto é, a ideia que os próprios sujeitos possuíam do que deve ou merece ser

fotografado. Tratava-se, portanto, de indagar sobre um valor estético, uma representação

existente em sujeitos possuidores de câmeras fotográficas acopladas a smartphones

acostumados a este tipo de registro, já caracterizados socioeconomicamente em outro

trabalho integrante deste painel. O quadro 1, reúne os temas apresentados e a

quantificação das menções obtidas por cada um deles para as opções bonita e feia.

Quadro 1- temas que resultariam em fotografias bonitas e feias

Temas BONITA FEIA

Mais

votado

Menos

votado

Mais votado Menos votado

Um pôr do sol 265 1

Uma paisagem 253 0

Animais 228 4

Pinturas 222 1

Nuvens 221 0

Uma criança brincando 209 5

Um acidente de trânsito 1 187

Uma briga de mendigos 3 157

Um balcão de açougue 5

Pessoas feridas 8 213

Cenas de violência 3 191

Esportes 0

Uma dança folclórica 1

Mulher amamentando 2

Trabalhador realizando ofício 4

Monumento célebre 5

Beijo 10 Fonte: Questionário sobre práticas culturais dos estudantes do curso de Pedagogia. Elaboração da autora.

A incidência das respostas indica que o senso estético aproxima-se mais da

experiência comum do que de valores artísticos. O belo pode ser definido, formalmente,

a partir de certas características e formas presentes nos objetos. Desde Aristóteles, a

noção do que é belo reúne três atributos: ordem, simetria e proporção. Citado nos mais

antigos documentos de filosofia, o belo pode ser algo que harmonize olhos e ouvidos e

após século XVII, passou a ser usado como sistema de medida e avaliação para

classificar produções humanas.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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O conceito de ordem, primeiro elemento qualificador de belo, é a organização

dos elementos visuais - cor, forma e pinceladas - e suas relações e arranjos baseados

historicamente na geometria. A simetria que é a semelhança, a criação de um eixo, de

um espelho, é um recurso para produzir um objeto belo. Por último, o uso da proporção

como forma de comparar medidas, por exemplo, altura e largura, fazendo uso do

equilíbrio.

O feio, visto como antítese do belo é tudo que é desproporcional, desordenado e

assimétrico tendo como resultado a desorganização da forma, que apresenta

irregularidades morfológicas, distorção e desenho não convencionais.

Os resultados do Quadro 1 evidenciam que as respostas menos votadas como

bonitas coincidem com as respostas mais votadas como feias, com exceção de balcão de

açougue. As menos mencionadas como feias coincidem com as mais mencionadas

como bonitas (uma paisagem, um pôr do sol, animais, pinturas, nuvens, uma criança

brincando); no entanto, a feiura não estaria presente também em esportes, dança

folclórica, uma mulher amamentando o bebê, um trabalhador realizando seu ofício, um

monumento célebre e um beijo.

Nas indicações sobre o que é considerado bonito sobressaem-se os temas ligados

à natureza (que não são mencionados como passíveis de serem feios ou interessantes). A

classificação do que é feio também revela convicção e refere-se a situações humanas

não desejáveis: pessoas feridas, cenas de violência, acidente de trânsito e briga de

mendigos. No julgamento prevalecem as situações adversas ou positivas sem que seja

considerada a possibilidade de estetiza-las por meio de ângulos inusitados ou do

equilíbrio entre forma e proporção. O tema prepondera sobre a imaginação estética e

nem mesmo a tecnologia disponível parece contribuir para alterar o julgamento da

situação, prevalecendo a experiências sobre as imagens artísticas.

Quadro 2 - temas que resultariam em fotografias interessantes ou insignificantes

Temas INTERESSANTE INSIGNIFICANTE

Mais votada Menos

votada

Mais votada Menos

votada

Ritual religioso 214

Multidão 194

Esportes 191 0

Cemitério de sucata 180

Monumento célebre 187

Trabalhador ofício 170 5

Natureza morta 166

Casca de árvore 162

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Dança folclórica 149

Desfile modas 124

Armação metálica 116

Por do sol 36 0

Paisagem 42 1

Pessoas feridas 48

Animais 57 5

Cenas de violência 60

Balcão de açougue 177

Corda 174

Armação metálica 131

Pé de couve 121

Criança brincando 2

Pinturas 5 Fonte: Questionário sobre práticas culturais dos estudantes do curso de Pedagogia. Elaboração da autora.

As indicações sobre as imagens interessantes indicam que, de modo geral, o

senso estético está presente quando os entrevistados citam rituais religiosos.

Interessante são manifestações sobre o que é curioso em exemplos nem sempre

cotidianos. Interessante é algo que inspira simpatia, que merece atenção e provoca

curiosidade. Nos rituais, símbolos, músicas, falas, etapas, cerimoniais e vestimentas

podem ser notadas e aspectos emocionais como a fé podem interferir no resultado. Já o

esporte rende belas fotos pela imagem corporal. O movimento do atleta, a conquista, a

valorização da saúde e da qualidade de vida estão presentes e podem ser apreciadas

diariamente em veículos de comunicação. O cemitério de sucatas, que num primeiro

momento, tem um direcionamento oportuno se remetermos ao senso de sustentabilidade

que é pauta das discussões em todos os colégios e instituições de ensino. Também é

uma referência constante em produções artística, tais como a aberturas de novelas. No que se refere ao que é julgado insignificante, ou seja, desprovido de característica e

atributos extraordinários, tais como um pé de couve, balcão de açougue ou uma corda, a escolha

parece levar mais em conta a função do objeto e seus usos habituais e não suas possibilidades

imagéticas ou fotográficas.

Conclusões

O potencial artístico dos temas parece não ser relevante para o grupo

prevalecendo no julgamento as experiências sobre o tema, associadas aos espaços social

e escolar. As disposições, que incluem a percepção do mundo social, apreciação de

gostos, preferências e escolhas parecem estar mais atreladas à reprodução da condição

de vida do que às possibilidades criativas e estéticas. Pode-se dizer que a apresentação

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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dos temas gerou respostas reveladoras de critérios que subordinam a forma à função ou,

dito de outro modo, dificuldades “para constituir esteticamente objetos quaisquer”

(BOURDIEU, 2011, p. 42). Nesta perspectiva, as diferentes trajetórias sociais

resultariam da relação entre características de condição econômica e social, estilos de

vida e práticas, produtos classificáveis e julgamentos. Uma disposição geral,

sistemática, que diante das necessidades e das condições de aprendizagem faz com que

os esquemas sejam idênticos ou convertidos ao mesmo tempo em bases de uma prática

e também alicerces para novos estilos de vida. Para Bourdieu (2014), as práticas

constituem o estilo de vida numa expressão sistemática da existência, de preferências

(também sistemáticas) e das necessidades. Deste modo, a estética e a narrativa

encontrada nas escolhas dos sujeitos definem características eleitas conforme as

disposições e trajetórias individuais. Compreende-se que vários aspectos de formação

individual que compõem as reações e percepções diante de uma ideia de fotografia.

Sabe-se também que o elemento registrado é fruto da observação de um indivíduo que

compõe o instante definindo-o, registrando na vertente escolhida, influenciado pela

construção do seu próprio ser.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, PIERRE. A Distinção: Crítica Social do Julgamento. Porto Alegre: Zouk,

2011.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In Textos

escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975.

SONTAG, Susan. Sobre a Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n26/a04n26.pdf

<http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/6o-encontro-2008-1/Fotografia-

%20do%20analogico%20ao%20digital.pdf

http://www.auladearte.com.br/estetica/belo.htm#axzz42M9DzD1O

http://www.auladearte.com.br/estetica/feio.htm

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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PRÁTICAS DE LEITURA: UMA QUESTÃO QUE PERPASSA A

FORMAÇÃO DO PEDAGOGO

Aline Ramiro da Silva

Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Biociências de Rio

Claro/UNESP

Resumo: Este artigo tem por objetivo principal apresentar algumas considerações

referentes à pesquisa, que resultou em dissertação de Mestrado (SILVA, 2015) e integra

o projeto Práticas Culturais e formação de professores, desenvolvida com financiamento

da FAPESP. Destaca-se que esse trabalho acadêmico objetivou mapear as práticas

culturais, sobretudo, as práticas de leitura de estudantes de uma universidade pública

situada no interior do estado de São Paulo, cotejando-as com a bibliografia analítica

sobre cultura escolar, de modo a compreender como ocorre a apropriação dos

conhecimentos profissionais pelos graduandos. a obtenção dos dados qualitativos,

houve a realização de entrevistas semiestruturadas sobre as práticas pessoais de leitura

aplicada a vinte e quatro estudantes, doze do período diurno e doze do período noturno.

Destaca-se que tanto a elaboração do questionário quanto a construção do roteiro de

entrevista apoiam-se, principalmente, nas contribuições de Pierre Bourdieu e Daniel

Roche. Verificou-se que a leitura em redes sociais, sobretudo no facebook, é

predominante e, mais do que comunicação e entretenimento, os estudantes também o

utilizam como principal meio de obter informações, juntamente com o acesso aos

portais. Além disso, contatou-se que a prática de leitura está restrita às atividades

obrigatórias, referentes ao trabalho ou à graduação. Esse fato parece indicar que essa

prática está muito mais relacionada à leitura formal, vinculada à escola, do que com o

gosto de ler.

Palavras-Chave: formação de professores; curso de pedagogia, práticas de leitura.

Introdução

Este artigo tem por objetivo principal apresentar algumas considerações

referentes à pesquisa, que resultou em dissertação de Mestrado (SILVA, 2015) e integra

o projeto Práticas Culturais e formação de professores, desenvolvida com financiamento

da FAPESP. Destaca-se que esse trabalho acadêmico objetivou mapear as práticas culturais,

sobretudo, as práticas de leitura de estudantes de uma universidade pública situada no interior

do estado de São Paulo, cotejando-as com a bibliografia analítica sobre cultura escolar, de modo

a compreender como ocorre a apropriação dos conhecimentos profissionais pelos graduandos.

Com relação ao referencial teórico-metodológico utilizado, aponta-se a

perspectiva da cultura escolar assim como as contribuições dos estudos desenvolvidos

pelos autores dessa área sobre práticas culturais, baseadas, sobretudo, nas proposições

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8661ISSN 2177-336X

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dos pesquisadores Antonio Viñao Frago, Augustín Escolano Benito, Daniel Roche, José

Mario Pires Azanha, Michel De Certeau, Pierre Bourdieu, Roger Chartier, entre outros.

Para o desenvolvimento da pesquisa, além das investigações documentais, foi

realizado o mapeamento a partir de dados quantitativos provenientes do questionário

socioeconômico da Fundação que realiza concursos públicos e vestibulares respondido

por quatrocentos alunos, sendo duzentos do período diurno e duzentos do período

noturno, cujo período compreende os anos entre 2010 e 2013. Dentre as vinte e nove

perguntas que constituem esse material e que abordam questões como, por exemplo,

estado civil, localização da residência, ano de conclusão do Ensino Médio, profissão,

entre outras, foram selecionadas nove que permitiram a caracterização dos estudantes:

sexo, cor de pele, idade, exercício de atividade remunerada, renda mensal familiar,

escola em que cursou o Ensino Fundamental, escola em que cursou o Ensino Médio,

nível de instrução do pai e nível de instrução da mãe.

O segundo procedimento para coleta e análise de dados quantitativos ocorreu a partir da

construção e aplicação de questionário sobre práticas culturais respondido por trezentos

e quinze estudantes do curso de Pedagogia, com questões acerca do consumo cultural.

De maneira geral, as perguntas englobaram temas acerca das atividades cotidianas, tais

como consumo alimentar, vestuário, lazer, mobiliário, gostos e preferências musicais,

cinema e programas de televisão. Entretanto, tendo em vista o objetivo da pesquisa,

priorizou-se as questões que, direta ou indiretamente, demonstraram potencial analítico

sobre as práticas culturais e, principalmente, sobre as práticas de leitura.

Por fim, para a obtenção dos dados qualitativos, houve a realização de

entrevistas semiestruturadas sobre as práticas pessoais de leitura aplicada a vinte e

quatro estudantes, doze do período diurno e doze do período noturno. Destaca-se que

tanto a elaboração do questionário quanto a construção do roteiro de entrevista apoiam-

se, principalmente, nas contribuições de Pierre Bourdieu e Daniel Roche.

Tendo em vista essas informações, a elaboração deste artigo, incide sobre um

recorte da pesquisa mais ampla, com a finalidade de apresentar, num primeiro momento

e de maneira sintética, a caracterização dos estudantes do curso para, em seguida,

apresentar dados oriundos dos outros dois instrumentos de modo relacional, com a finalidade

de mapear as atividades culturais, analisando, sobretudo, as práticas de leitura.

A partir dos dados empíricos referentes aos quatrocentos alunos ingressantes no curso

obtidos através do questionário socioeconômico, foi possível verificar, entre outros

fatores, diferenças entre os períodos. Entretanto, apesar da distinção, tendo em vista os

índices majoritários, características puderam ser identificadas. Constatou-se que a

presença do sexo feminino é predominante, a maioria dos estudantes se declara branca,

a faixa etária é jovem, correspondendo a dezessete e dezoito anos no ano de ingresso,

mais da metade declaram não exercer atividade remunerada, a renda mensal familiar

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preponderante é baixa, a escola mais frequentada na educação básica é a pública e, por

fim, a maioria possui família escolarizada com a certificação do Ensino Médio.

Em linhas gerais, essa caracterização tornou possível o conhecimento sobre quem é o

estudante do curso de Pedagogia e, além disso, ofereceu subsídio para a compreensão

dos resultados oriundos dos dois instrumentos: questionário sobre práticas culturais e

realização de entrevista sobre prática de leitura.

Com relação ao questionário sobre práticas culturais, é possível reiterar que

participaram dessa etapa da pesquisa trezentos e quinze alunos, sendo cento e quarenta e

nove do período diurno e cento e sessenta e seis do período noturno. Dentre esses,

foram entrevistados vinte e quatro estudantes.

Dentre as vinte e cinco questões que compõem o questionário, foram selecionadas duas

para a elaboração desse artigo: entre as atividades listadas abaixo, quais são aquelas que

você pratica frequentemente, raramente e aquelas que você nunca pratica e assinale os

meios que você utiliza para obter informações. Sublinha-se que a apresentação dos

resultados obedecerá essa ordem bem como as possíveis articulações com os dados

oriundos da entrevista sobre leitura.

Primeiramente, com o propósito de mapear as práticas culturais dos estudantes,

apresenta-se o quadro que reúne as quinze atividades disponibilizadas aos estudantes

para serem assinaladas conforme a frequência. As respostas foram organizadas em

ordem decrescente a fim de favorecer alguns apontamentos.

Quadro 1 - Entre as atividades listadas abaixo, quais são aquelas que você

pratica frequentemente, raramente e aquela que você nunca pratica.

ATIVIDADES FREQUENTEMENTE RARAMENTE NUNCA NR

INTERNET 294 19 0 2

LEITURA 268 45 1 0

ATIVIDADES

DOMÉSTICAS

246 79 6 2

PASSEIO 228 59 8 2

TELEVISÃO 168 130 15 2

CAMINHADA 142 143 27 2

CINEMA 127 173 14 1

ESPORTE 79 174 59 3

VIAGEM 73 221 20 0

COMPRAS 66 191 55 1

SHOWS 66 191 55 1

DANÇA 55 151 108 1

INSTRUMENTO MUSICAL 36 60 217 2

TEATRO 30 206 77 0

ARTESANATO 31 117 163 2

Fonte: Dados obtidos a partir do questionário sobre práticas culturais, tabulados pela profª Eduarda Escila

Lopes e organizados pela pesquisadora.

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Diante do quadro, observa-se que as práticas de instrumento musical, artesanato e dança

são bem pouco executadas pelos estudantes. A frequência ao teatro também é bem

pequena. Ir a shows, compras, viagem e esportes aumentam um pouco, quando

comparadas a essas atividades anteriores, mas atingem, aproximadamente, uma média

de 22,5%, um valor ainda reduzido.

Já o cinema e a caminhada são atividades um pouco mais praticadas pelos alunos, pois

quase metade dos respondentes faz essa declaração e poucos alunos afirmam que nunca

praticam. Destaca-se que o cinema é a segunda prática realizada fora de casa, depois de

passeio, que envolve investimento financeiro mais executado pelos alunos. Esse dado

particular aproxima-se de investigações mais amplas. Por exemplo, a pesquisa intitulada

“Panorama Setorial da Cultura Brasileira”, elaborada por Jordão e Alluci (2014),

analisou os consumidores da cultura, realizando 1620 entrevistas nas cinco regiões do

país e constatou que na região sudeste a atividade mais realizada fora de casa é o

cinema.

Ainda segundo essa investigação, as atividades que podem ser exercidas no lar são bem

mais frequentes, como assistir à televisão. Ao observar a posição que essa prática ocupa

no quadro acima, nota-se que essa atividade é assinalada por mais da metade dos

respondentes. Entretanto, está bem aquém das três atividades mais praticadas: internet,

leitura e atividades domésticas.

As posições de destaque que a internet e a leitura ocuparam nesse mapeamento são

priorizadas para análise, tendo em vista o objetivo do trabalho e a relação identificada e

entre essas duas práticas no desenvolvimento desta pesquisa.

Embora a leitura tenha sido citada por muitos alunos, duzentos e sessenta e oito

estudantes, problematiza-se o número daqueles que apontaram que raramente leem, ou

seja, quarenta e cinco. Esse dado é preocupante, sobretudo, por se tratarem de alunos

que cursam uma graduação que privilegia a leitura como uma importante prática

acadêmica. Além disso, problematiza-se também qual é a concepção de leitura que os

estudantes têm, ao observar as assinalações daqueles que afirmam que leem

frequentemente e que leem raramente, tendo em vista que não houve qualificação

expressa no questionário sobre essa atividade.

A partir desses dados, as entrevistas procuraram descrever e qualificar as práticas

numericamente mais expressivas, inquirindo sobre o que os estudantes leem, num

primeiro momento e, em seguida, como eles leem e, por fim, hábitos de compra de livro

e armazenamento de materiais escritos. Entretanto, para a elaboração desse artigo

priorizou-se as questões relacionadas ao que os estudantes leem. Desse modo,

selecionou-se as seguintes questões: Você leu hoje? O que você leu? Tendo em vista

suas atividades de rotina, relate aquelas que exigem o ato de ler. Quais são os textos

acadêmicos preferidos? E quais são os textos lidos no ensino básico?

A partir das respostas dos estudantes, mais especificamente sobre a pergunta que

envolveu atividades de leitura realizadas naquele dia, nota-se que a leitura em redes

sociais, sobretudo, no facebook e em e-mails é apontada de forma expressiva por

dezenove estudantes, permitindo inferir que trata-se de prática com forte presença no

cotidiano das pessoas e que se presta a diferentes objetivos, entre eles, a comunicação.

Eu li, eu li um trabalho que eu fiz. Eu tive que fazer umas questões, li o

trabalho, li coisas no facebook (Estudante 4).

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Plano nacional da educação 2001, 2007, 2014, algumas coisas da LDB, da

constituição, os slides do seminário, anotações, os seminários das outras

colegas […] e-mail, facebook bastante (Estudante 16).

Constatou-se que dentre os vinte e quatro estudantes entrevistados, quatorze trabalham,

dez somente estudam e, dentre esses, cinco são alunos bolsistas. Observa-se que apenas

uma estudante do período noturno, dentre os doze entrevistados, não trabalha ao passo

que nove estudantes do período diurno dedicam-se exclusivamente às atividades

acadêmicas. Esse dado é importante porque pode levar à incidência maior de alguns

tipos de leitura.

No meu dia a dia eu acho que o tempo inteiro, eu acho não, eu tenho certeza,

no meu trabalho, eu trabalho em um local que o tempo inteiro eu tenho que

ler, sempre tem atualizações, toda a hora tem coisa nova, informações,

inclusive que eu tenho que buscar porque senão eu não consigo nem fazer os

meus atendimentos. Fora as aulas que me exigem isso no período da tarde,

porque de manhã eu trabalho e a tarde também exige a leitura (Estudante 1).

No meu serviço mesmo eu tenho que ler bastante, porque tudo que eu faço lá

eu tenho que ler muito. Só, tirando isto depois, só da faculdade mesmo

(Estudante 20).

Quanto à prática de leitura como uma atividade não obrigatória, ou seja, que não

é exigida nem pela universidade e nem pelo trabalho, cinco alunos apontaram a leitura

de diferentes gêneros textuais, como por exemplo, romance e história em quadrinho e

um estudante mencionou a leitura de textos teóricos não exigidos pela graduação.

O restante apontou leituras acadêmicas e/ou leituras relacionadas ao trabalho ou feitas

via internet. Destaca-se também que quatro alunos afirmaram que não leram nada

quando questionados sobre a leitura realizada no dia da entrevista.

Tendo em vista a questão que abordou os textos acadêmicos preferidos pelos

estudantes, foi possível a organização das respostas em quatro blocos distintos.

O primeiro conjunto é caracterizado pelo número de citações dos nomes de autores,

sem, contudo, identificar o título do texto ou o livro como a pergunta enunciava, já que

se pôde verificar nas respostas dos estudantes a menção de, no mínimo, o nome de um

autor. O argumento utilizado pela maioria dos estudantes para a não identificação da

obra foi a memória. Vigotsky, que me marcaram, Luria, Leontiev, ai, eu gosto de Paulo Freire, o

que mais, Foucault que a gente está estudando agora, é bem interessante

mais ou menos isso. (Estudante 8).

O segundo agrupamento refere-se à nomeação dos títulos sem a identificação do autor.

Oito estudantes, dentre os vinte e quatro, mencionaram um texto cada. Eu me identifiquei com bastante, mas eu posso dizer o que eu mais me

identifiquei até o presente momento foram o livro “As cem linguagens da

criança”, gostei também do Rousseau […]. (Estudante 5).

O terceiro bloco, identificação do texto e autor, constata-se que sete estudantes

fizeram essa menção.

Da faculdade, assim, não tem nenhum livro que me marcou, acho que o livro

que me marcou acho que era o “Emílio”, do Rousseau (Estudante 20).

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Por fim, há a identificação da área, e, às vezes, não há especificação de título ou

autor pertencente a ela. Seis estudantes citaram Psicologia, três citaram História da

Educação, um apontou Filosofia e um indicou Educação Ambiental.

Ai, e agora, eu preciso... Ah eu gostei bastante dos textos, é de psicologia eu

acho legal, era algo que eu não tinha muito contato e assim eu achei bem

interessante. Agora eu não vou lembrar nome de autor assim específico

(Estudante 7).

Outro dado relevante refere-se aos livros que foram lidos no ensino básico, aqueles que

marcaram a vida do estudante e também aqueles que não marcaram tanto, mas que

foram lidos. De acordo com a citação de livros por cada aluno foi possível identificar

que dezesseis alunos mencionaram até três livros, três estudantes elencaram cinco, duas

estudantes citaram seis livros, uma estudante citou mais do que seis e duas não

lembraram o nome de nenhum. Sim, eu acho que mais, o pro vestibular, que acho que até caiu no vestibular,

“Cortiço”, “Vidas secas”, esses que eu me lembro (Estudante 16).

No ensino fundamental foi meio tenso porque não tinha muita leitura, eram

leituras meio obrigatórias, eram não sei. Eram livros chatos, não eram livros

legais para a idade, por exemplo, a professora só pegava um livro indicado

por tal autor e beleza, colocava lá. Hoje, porque eu “tô” dizendo isso,

porque no estado eles estão lendo “O diário de um banana”, eu acho muito

legal, tipo bastante apropriado pra série. E, na minha escolaridade, eu não

peguei esses tipos de coisa, eram uns textos meio chatos assim e tal. Mas um

texto, um livro que marcou o ensino fundamental foi o “Mistério dos cinco

estrelas”, tudo coleção vaga lume... É, acho que mais esse “O Mistério do

cinco estrelas”, tem também “Viagem à terra do sol”, esse eu lembro mais

ou menos, acho que foram esses dois no ensino fundamental. No ensino

médio eu gostei das Memórias... “Memórias do sargento de milícias”, “Dom

Casmurro”, eu acho que foram esses, assim, de leitura obrigatória foram

esses. “O menino que adivinhava”, que era uma história meio bobinha, sei

lá, eu me diverti, mas era uma história meio bobinha [...] (Estudante 3) .

A maioria dos títulos dos livros sugere, considerando o enunciado da questão e o

conteúdo das entrevistas, que grande parte das leituras apontadas pelos estudantes está

vinculada ao processo de escolarização, a objetivos estritamente escolares. Nessa

perspectiva, mesmo considerando a relevância da memória para essa questão, constata-

se que a prática de leitura anterior ao ingresso no curso foi bastante reduzida, por

exemplo, os livros que compõem a lista de vestibular, considerada em pesquisas como

importante elemento mediador da leitura, apresentaram-se com pouca influência para

essa atividade.

Livros de coleções, tais como “Primeiro beijo” e “Vaga-lume”, foram citados sem ser

nomeados. Nome de autores, como Machado de Assis, Clarice Lispector, Júlio Verne,

José de Alencar e Eva Furnari também foram mencionados por alguns alunos, sem,

contudo, serem identificados os títulos das obras. Além disso, um estudante, já formado

em outra licenciatura, apontou os livros didáticos sobre ciências e química, indicando os

autores Usberco e Salvador.

É importante mencionar que três estudantes apontaram a leitura de best- sellers, “O

Senhor dos anéis”, “O Hobbit”, “Crepúsculo” e “Harry Potter”, já que também

considerados como mediadores da leitura, também não foram mencionados em grande

proporção pelos alunos.

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De maneira geral, ao cotejar os dados referentes às leituras realizadas na graduação e no

ensino básico, verifica-se que apesar da dificuldade semelhante apresentada pelos

estudantes em lembrar o nome dos textos, há uma inversão nas indicações, visto que há,

sobre as leituras realizadas no ensino fundamental, um número maior de títulos citados

do que na graduação, e, por outro lado, a quantidade de autores mencionados é menor

no ensino básico e muito significativa no ensino superior. Destaca-se, por exemplo, que

durante uma entrevista, um estudante afirmou, sobre os textos da graduação e sobre os

entraves para mencionar títulos “[…] é muita coisa solta” (Estudante 6). Além disso,

pode-se inferir que as leituras realizadas no curso de graduação parecem estar muito

mais associadas a aspectos formais do que relacionadas à recepção de obras

desconhecidas, à aproximação do pensamento do autor, distanciando-se de uma leitura

autônoma e significativa.

Destaca-se que para Chartier (1998, p. 152)

[…] a relação da leitura com um texto depende, é claro, do texto lido, mas

depende também do leitor, de suas competências e práticas, e da forma na

qual ele encontra o texto lido ou ouvido. […] O texto implica significações

que cada leitor constrói a partir de seus próprios códigos de leitura, quando

ele recebe ou se apropria desse texto de forma determinada.

Entende-se que esse “código de leitura” é muito mais do que aprender a ler, visto que

envolve os modos de percepção e acesso às postulações do outro, do autor do texto

(CHARTIER, 1998, p.152). Observa-se, então, um entrave, tendo em vista as

explanações sobre as práticas de leitura dos estudantes anteriores ao ingresso no curso e

também no decorrer dele. Verifica-se que o gosto de ler, a predisposição e recepção,

numa perspectiva ativa, do pensamento objetivado no livro, estão muito mais associados

ao processo de escolarização, caracterizado por uma formalidade defasada no que

concerne à leitura, como apontaram os alunos no decorrer das entrevistas, do que com a

familiaridade pessoal, particular, porque esse aprendizado exige muito esforço.

Nessa perspectiva, se a escolarização básica não conseguiu produzir a necessidade de

uma leitura mais densa, essa questão precisa ser investigada no âmbito do ensino

superior. Partindo do pressuposto de que o esforço é desencadeado pela necessidade,

indaga-se se esse curso de graduação, no decorrer de seus quatro anos, contribuiu para a

construção dessa necessidade que é essencial, seja na posição de aluno de graduação ou

exercendo o ofício docente.

Gráfico 1- Meios para obter informações

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Fonte: Dados obtidos a partir do questionário sobre práticas culturais, tabulados pela profª Eduarda Escila

Lopes.

Semelhante ao quadro sobre as práticas culturais, nota-se que, diante deste gráfico, a

internet é o principal meio que os estudantes declaram para obter informações, seguida

da televisão, dos livros, dos jornais e das revistas. Para complementar essa análise, serão

apresentados dados mais específicos advindos da questão presente no roteiro de

entrevista sobre a forma de acessar notícias.

Nesse sentido, é relevante apontar que no decorrer das entrevistas, um número

considerável de alunos afirmou que o acesso a facebook, seguido dos portais, como por

exemplo, UOL, Terra e G1, é a principal forma de acessar notícias. Considera-se,

portanto, que esse dado pode estar relacionado a uma estatística mais geral.

Recentemente, foi apresentada uma pesquisa através do jornal Folha de São Paulo no

dia 23/06/2015, divulgando que, segundo o relatório sobre Jornalismo Digital, os

brasileiros, quando comparados a cidadãos de outros países, lideram o acesso a

facebook como meio de obter informações, correspondendo a uma média de 70%

diante da média de 41% referente a outras nações.

Às vezes são notícias que vejo no facebook, às vezes eu entro em algum

portal. Eu leio bastante no G1. (Estudante 7).

Não, geralmente são sites de entretenimento mesmo, às vezes estão dando

alguma notícia, a gente vai… (Estudante 14).

Cinco estudantes declararam o acesso a sites específicos de jornais, por exemplo, Folha,

Tribuna, Estadão.

“Estadão”, “Estadão” é o top, sempre esse. De vez em quando “A carta

capital”, tem um site que publica, digamos que são artigo de opinião, que é o

“Pessegadoro”… às vezes o site da “Veja”, da “Superinteressante”, do

“Mundo curioso” e afins. (Estudante 3).

Portais também, mas eu sempre entro no da Folha, eu sempre tô entrando

em sites de jornais também pra ver o que está acontecendo. (Estudante 24).

Quatro estudantes apontaram a leitura de jornal impresso e apenas uma aluna apontou a

leitura de revista impressa. Jornal, que é a Tribuna ,eu prefiro também… em papel. (Estudante 12).

A televisão, assim como se destacou na pergunta do questionário sobre os meios para

obter informações, também foi citada por nove alunos como meio de acessar notícias,

mas em nenhuma entrevista foi mencionada isoladamente, conforme apontam alguns

estudantes:

Vejo pela televisão, mas é mais pela internet. (Estudante 4).

Na internet e na TV, eu assisto alguns jornais, na TV geralmente de manhã.

(Estudante 7).

Conclusões

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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A partir dos dados obtidos e analisados, pôde-se identificar, com relação ao

mapeamento efetuado sobre práticas culturais, que a maioria das atividades que foram

apresentadas aos estudantes, de maneira geral, é pouco executada. Observa-se que esse

dado particular relaciona-se com o resultado obtido através da pesquisa realizada a nível

nacional por Jordão e Alluci (2014). Segundo as pesquisadoras “o consumo de

atividades culturais é realidade ainda distante da maior parte dos brasileiros”

(JORDÃO; ALLUCI, 2014, p. 98).

Outrossim, compreende-se que, as informações referentes à renda e ao exercício de

atividade remunerada, por exemplo, podem indicar que fatores como dinheiro e tempo

disponível precisam ser levados em consideração nas análises. Ainda que os dados

provenientes do questionário socioeconômico apontaram que a maioria dos alunos,

antes de ingressar na universidade, não trabalha, quatorze estudantes, dos vinte e quatro

estudantes entrevistados, declararam que exercem atividade remunerada.

Assim como as outras atividades culturais, a prática de leitura também é influenciada

pela origem familiar, calcada em hábitos e práticas. Entretanto, ela se difere

consideravelmente por estar estritamente vinculada ao processo de escolarização e,

desse modo, é evidente a influência da escola sobre essa prática nos discursos dos

alunos.

Conclusões

Essa constatação associada às analises aqui efetuadas sobre a prática de leitura dos

estudantes indicam a necessidade urgente de debates e ações qualificados para a

formação inicial no curso de Pedagogia, visando a criação de estratégias capazes de

favorecer a esse perfil de estudantes mecanismos para a apropriação dos conhecimentos

profissionais.

Outrossim, a partir dessa pesquisa foi possível identificar algumas tendências

relacionadas à prática de leitura dos estudantes.

Segundo os dados e as análises realizadas, é indiscutível que a leitura ocupa um lugar

privilegiado no cotidiano dos estudantes. Entretanto, é imprescindível caracterizá-la.

Verificou-se que a leitura em redes sociais, sobretudo no facebook, é predominante e,

mais do que comunicação e entretenimento, os estudantes também o utilizam como

principal meio de obter informações, juntamente com o acesso aos portais.

Além disso, contatou-se que a prática de leitura está restrita às atividades obrigatórias,

referentes ao trabalho ou à graduação. Esse fato parece indicar que essa prática está

muito mais relacionada à leitura formal, vinculada à escola, do que com o gosto de ler.

Esses dados também permitem indicar que a leitura, entendida como comunicação, pode

estar causando impactos nos cursos de nível superior, e quando se trata de formação de

professores precisam ser investigados com mais urgência, principalmente quando há a

preocupação com a qualidade do ensino na educação básica, e, em especial, com os

primeiros anos da alfabetização, que são fundamentais para a aprendizagem da leitura.

De maneira geral, os resultados e análises apontam que é preciso desenvolver a

necessidade da leitura nos estudantes bem como sua aprendizagem de modo autônomo e

significativo. Tendo em vista que o futuro professor da educação infantil e dos anos

iniciais da educação básica é originário da escola pública e que, provavelmente, é esse

espaço o seu destino profissional, o ensino superior é o nível de formação que muito

carece de investimento e transformação em prol da qualidade da educação.

REFERÊNCIAS

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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32

Unesp, 1998.

JORDÃO, Gisele; ALLUCCI, Renata Rendelucci. Panorama Setorial da cultura

brasileira 2013-2014. São Paulo: Allucci & Associados Comunicações, 2014.

SÁ, Nelson de. Brasil lidera em pagamento por notícia on line. Folha de São Paulo, São

Paulo, 23 de jun. 2015, Primeiro caderno, p.14.

SILVA, Aline Ramiro da. Práticas de leitura de estudantes do curso de Pedagogia:

entre apropriações e formalidades.. 2015. 132f. Dissertação (Mestrado em Educação)-

Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2015. Disponível em:

<http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/134134/000857050_20181001.pdf?

sequence=1>. Acesso em: 26 fev.2016.

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8670ISSN 2177-336X