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PRÁTICAS CULTURAIS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: QUEM SÃO, O
QUE FAZEM, DO QUE GOSTAM OS ESTUDANTES DO CURSO DE
PEDAGOGIA
Este artigo tem por objetivo principal apresentar algumas considerações referentes à
pesquisa, que resultou em dissertação de Mestrado (SILVA, 2015) e integra o projeto
Práticas Culturais e formação de professores, desenvolvida com financiamento da
FAPESP. Destaca-se que esse trabalho acadêmico objetivou mapear as práticas
culturais, sobretudo, as práticas de leitura de estudantes de uma universidade pública
situada no interior do estado de São Paulo, cotejando-as com a bibliografia analítica
sobre cultura escolar, de modo a compreender como ocorre a apropriação dos
conhecimentos profissionais pelos graduandos. a obtenção dos dados qualitativos,
houve a realização de entrevistas semiestruturadas sobre as práticas pessoais de leitura
aplicada a vinte e quatro estudantes, doze do período diurno e doze do período noturno.
Destaca-se que tanto a elaboração do questionário quanto a construção do roteiro de
entrevista apoiam-se, principalmente, nas contribuições de Pierre Bourdieu e Daniel
Roche. Verificou-se que a leitura em redes sociais, sobretudo no facebook, é
predominante e, mais do que comunicação e entretenimento, os estudantes também o
utilizam como principal meio de obter informações, juntamente com o acesso aos
portais. Além disso, contatou-se que a prática de leitura está restrita às atividades
obrigatórias, referentes ao trabalho ou à graduação. Esse fato parece indicar que essa
prática está muito mais relacionada à leitura formal, vinculada à escola, do que com o
gosto de ler.
Palavras-chave: Formação de Professores. Curso de Pedagogia. Práticas de Leitura
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
8639ISSN 2177-336X
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PRÁTICAS CULTURAIS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA/CULTURAL DE ESTUDANTES
DO CURSO DE PEDAGOGIA
Vera Teresa Valdemarin
Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Biociências de Rio
Claro/UNESP
Resumo: O presente trabalho apresenta à discussão resultados da pesquisa intitulada
“Práticas culturais e formação de professores”, desenvolvida entre 2014 e 2016, com
financiamento da FAPESP – Fundação de amparo à pesquisa do estado de São Paulo – e
vinculada aos trabalhos do GEPCIE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura e
Instituições Educacionais. Seu objetivo visa a compreensão de elementos estruturantes
do processo de formação de professores para a educação infantil e para as séries iniciais
do Ensino Fundamental, nem sempre considerados nas minuciosas prescrições legais
que determinam, em larga medida, a conformação de cursos e de projetos pedagógicos.
A fim de evitar tentações generalizadores ou indiferenciadas, incompatíveis com o
contexto diversificado de modalidades instrucionais e de instituições existente no Brasil,
foram estabelecidas as seguintes delimitações. Os sujeitos da pesquisa são estudantes de
um curso de Pedagogia oferecido por uma universidade pública, localizada no interior
do estado de São Paulo, na modalidade presencial. A amostra é composta por 400
estudantes que ingressaram no curso entre os anos de 2010 e 2014, isto é, 100
estudantes a cada ano, divididos em turmas vespertinas e noturnas. Desses estudantes
foram coletadas informações socioeconômicas por meio de questionário elaborado pela
própria instituição, respondido na ocasião da inscrição para o Exame Vestibular; as
informações sobre as práticas culturais foram obtidas por meio de questionário
produzido no âmbito da própria pesquisa, respondido por 315 estudantes. Outro
conjunto de informações foi obtido por meio de entrevistas temáticas semiestruturadas,
realizadas com 45 estudantes, aleatoriamente selecionados da amostra maior, mas
igualmente distribuídos entre os turnos vespertino e noturno. Tais dados permitem
caracterizar o repertório cultural dos (as) estudantes e indicam a necessidade de investir
em projetos formativos que considerem critérios estéticos e artísticos como necessários
à formação de professores, não necessariamente presentes no arranjo disciplinar do
curso.
Palavras-Chave: formação de professores, curso de Pedagogia, consumo e gosto
cultural.
O projeto de pesquisa: Práticas Culturais e formação de professores
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
8640ISSN 2177-336X
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O presente trabalho apresenta à discussão resultados da pesquisa intitulada
“Práticas culturais e formação de professores”, desenvolvida entre 2014 e 2016, com
financiamento da FAPESP – Fundação de amparo à pesquisa do estado de São Paulo –,
vinculada aos trabalhos do GEPCIE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura e
Instituições Educacionais. Seu objetivo visa a compreensão de elementos estruturantes
do processo de formação de professores para a educação infantil e para as séries iniciais
do Ensino Fundamental, nem sempre considerados nas minuciosas prescrições legais
que determinam, em larga medida, a conformação de cursos e de projetos pedagógicos.
A análise da bibliografia mais recente sobre formação de professores,
notadamente aquela produzida pelos Programas de Pós-Graduação em Educação, indica
haver incidência maior de estudos sobre estruturas curriculares e sobre a articulação
entre disciplinas de formação geral e de formação profissional (com ênfase no
desenvolvimento dos estágios), corroborando dados já apresentados em textos
referenciais (ANDRÉ, 2009 e 2010; GATTI; BARRETO e ANDRÉ, 2011). Sem a
pretensão de hierarquizar a importância dos problemas educacionais, esta pesquisa
focalizou elementos constitutivos do repertório cultural de estudantes do curso de
Pedagogia, considerando-os como bases sobre as quais se estruturam as ações
formativas e as práticas formalizadas desenvolvidas na instituição. Deve-se ressaltar, no
entanto, que os dados obtidos também constituem informações pertinentes para a
reflexão sobre questões curriculares ou concernentes à profissionalização.
Embora incontroversa, a relação entre cultura e escolarização é bastante
complexa e incita investigações exploratórias, pois “somente o acúmulo sistemático
dessas descrições permitirá compor um quadro compreensivo da situação escolar, ponto
de partida para um esforço de explicação e reformulação, que leve à melhoria da
qualidade do ensino, conforme indicado por José Mario Azanha (1991, p. 67).
Adotando esta perspectiva, a investigação realizada procurou compor um quadro
articulado de informações quantitativas e qualitativas que servisse de base para
descrever o consumo cultural de estudantes e a formação do gosto, manifesto dentro e
fora do ambiente acadêmico, que se objetiva em discursos, símbolos, atitudes e valores.
A fim de evitar tentações generalizadores ou indiferenciadas, incompatíveis com
o contexto diversificado de modalidades instrucionais e de instituições existente no
Brasil, é preciso explicitar a delimitação dos dados obtidos. Os sujeitos da pesquisa são
estudantes de um curso de Pedagogia oferecido por uma universidade pública,
localizada no interior do estado de São Paulo, na modalidade presencial. A amostra é
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8641ISSN 2177-336X
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composta por 400 estudantes que ingressaram no curso entre os anos de 2010 e 2014,
isto é, 100 estudantes a cada ano, divididos em turmas vespertinas e noturnas. Desses
estudantes foram coletadas informações socioeconômicas por meio de questionário
elaborado pela própria instituição, respondido na ocasião da inscrição para o Exame
Vestibular; as informações sobre as práticas culturais foram obtidas por meio de
questionário produzido no âmbito da própria pesquisa, respondido por 315 estudantes.
Outro conjunto de informações foi obtido por meio de entrevistas temáticas
semiestruturadas, realizadas com 45 estudantes, aleatoriamente selecionados da amostra
maior, mas igualmente distribuídos entre os turnos vespertino e noturno. A seguir, são
apresentadas e analisadas as principais informações quantitativas que servem de base
para os outros trabalhos componentes do presente painel.
Caracterização socioeconômica dos (as) estudantes
As informações socioeconômicas foram organizadas a partir de dados
produzidos e fornecidos pela própria Instituição, coletados por meio de questionário
composto de 29 questões, preenchido pelos candidatos aos Exames Vestibulares. Foram
computados os dados dos 400 estudantes aprovados e matriculados, nos períodos
noturno e diurno, no Curso de Pedagogia desta instituição, nos anos de 2010 a 2014.
A amostra selecionada é composta, majoritariamente, por mulheres (92,75%),
solteiras (94,25%), cujas famílias residem em cidades do interior do estado (94,25%),
que declaram ter pele na cor branca (76%) e idade entre 17 e 18 anos (54%), embora
haja um percentual não desprezível (13,75%) de estudantes com idade ente 21 e 24
anos.
Quanto à cor da pele (o questionário adota a mesma classificação do IBGE), há
um percentual significativo (19,25%) de estudantes de cor parda e apenas 4,75% de cor
preta, 1,0% de cor amarela e 0,25% de indígenas. Há que se notar ainda, que a
distribuição segundo a cor da pele, é bastante desigual entre os turnos, com
concentração de pardos (as) e pretos (as) no período noturno. Estes dados indicam a
necessidade de discussões mais aprofundadas sobre a pertinência da norma adotada por
esta universidade, a partir do corrente ano, de reservar vagas para candidatos egressos
de escolas públicas que se autodeclararem pardos, pretos ou indígenas. As políticas
públicas, estabelecidas como norma geral, não incidem sobre as desigualdades
específicas de cursos ou de regiões brasileiras. A distribuição dos (as) estudantes do
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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curso de Pedagogia analisado, segundo a declaração da cor da pele, ainda não é
representativa da distribuição verificada no estado de São Paulo (63,68% de cor branca;
28,55% de cor parda e 6,48% de cor preta, segundo dados do IBGE) ou do país. No
entanto, apresenta índices mais igualitários do que outros cursos da mesma instituição,
ainda mais distantes do ideal pretendido.
A presença majoritariamente feminina no curso de Pedagogia não constitui dado
novo ou surpreendente, já verificada tanto em análises anteriores sobre a mesma
instituição (SANTOS FILHO, 1991) quanto na bibliografia existente (ver, por exemplo,
GATTI e BARRETO, 2009). No entanto, é preciso enfatizar sua relevância social,
mesmo que o foco desta análise não esteja nas questões de gênero. O Resumo Técnico
do Censo da Educação Superior, elaborado pelo INEP (2012) aponta a superioridade
numérica das mulheres na educação superior, conquista indicativa da busca feminina
por melhores “condições de vida e de valorização humana” que “pode ser explicada em
função da tendência de aumento de sua inserção no mercado de trabalho e,
consequentemente, da exigência na elevação da sua escolaridade” (p. 39). Os cursos de
Pedagogia, certamente, contribuíram para essa conquista nacional, uma vez que as
explicações acima citadas são, há mais de uma década, condições reais para o exercício
do magistério. Além disso, de acordo com o mesmo Censo, os cursos de formação de
professores ocupam o segundo lugar no país quanto à oferta de vagas, o que contribui,
portanto, para a obtenção desses índices favoráveis ao aumento da escolarização
feminina.
Os dados desse mesmo Questionário possibilitam caracterizar alguns traços
presentes na condição familiar dos (as) estudantes. 2,5% dos pais são analfabetos e
16,25% possuem curso superior completo, na quantificação dos extremos de
possibilidades. O maior percentual de escolaridade relativo (33,5%) corresponde
àqueles que possuem Ensino Médio Completo, secundado pelos que concluíram o
Ensino Fundamental (17,75%). A incidência de pais que tentaram concluir algum nível
de escolarização, mas não conseguiram, também é significativa, uma vez que 22,25%
possuem Ensino Fundamental Incompleto e 7,5% iniciaram e não concluíram algum
curso superior. O maior percentual, portanto, incide sobre os pais que cursaram ou
iniciaram o Ensino Fundamental (40%).
É possível estabelecer paralelos entre os níveis de escolarização e a ocupação
profissional dos pais dos (as) estudantes, pois 39% foram categorizados como operários
com pouca qualificação (índice semelhante aos que possuem Ensino Fundamental,
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8643ISSN 2177-336X
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completo ou incompleto); 13,25% atuam como profissionais liberais, professores ou
técnicos de nível superior e 3,25% são proprietários ou administradores de grandes ou
médias empresas (ocupações que, em geral, demandam escolaridade de nível superior).
Entre os proprietários ou administradores de pequeno negócio estão 19,5% dos pais e
8,5% dos (as) estudantes indicaram que o pai não exerce atividade remunerada. A
discrepância parece residir, portanto, entre os concluintes do Ensino Médio e a
ocupação profissional exercida.
A ocupação dos pais revela-se um elemento diferenciador expressivo entre os
(as) estudantes matriculados nos períodos diurno e noturno. A quase totalidade dos
filhos de proprietários ou administradores de grande ou média empresa matriculou-se no
curso diurno; o número de filhos (as) de proprietários ou administradores de pequeno
negócio é o dobro no período diurno, assim como o número de filhos (as) de operários
com pouca qualificação é o dobro no período noturno, havendo equilíbrio entre os
turnos com relação aos filhos de técnicos de nível.
Os dados sobre a escolarização das mães dos (as) estudantes resultam em
índices, comparativamente, superiores aos dos pais. O percentual de mães analfabetas é
menor (1,25%) e o daquelas que possuem curso superior completo é maior (17%). A
maior incidência refere-se àquelas que possuem Ensino Médio completo (34,5%) e,
quanto às tentativas sem êxito, 22,75% não completaram o Ensino Fundamental e
3,75% não concluíram a escolarização superior. O nível de instrução paterno e materno
apresenta-se, também, como diferenciador entre os turnos: o percentual de pais com
curso superior completo entre os (as) estudantes matriculados no período diurno é o
dobro do que entre os (as) estudantes matriculados no período noturno e as mães de
estudantes do período diurno que possuem curso superior completo é três vezes maior
do que aquelas do período noturno.
A maior escolarização das mães, no entanto, não se reflete diretamente no
exercício profissional. Apenas 1% é classificada como sendo proprietária ou
administradora de grande ou média empresa – índice menor do que o dos pais nessa
categoria – e todas referem-se aos (às) estudantes matriculados (as) no período diurno.
Embora a escolarização das mães seja superior do que a dos pais, as que não exercem
profissão remunerada apresentam o maior percentual (34,5%) e maior frequência entre
os (as) estudantes do período noturno, secundada por aquelas categorizadas como
operárias com pouca qualificação (31,5%). Um percentual relativamente pequeno de
mães é classificada como proprietária ou administradora de pequeno negócio (7,5%) e
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8644ISSN 2177-336X
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17% são profissionais liberais, professoras ou técnicas de nível superior. O índice de
mães com escolarização de nível superior é o mesmo daquelas que exercem profissões
liberais ou docência, o que permite aventar a hipótese de que as que não trabalham são
aquelas com menor nível de escolarização.
A renda familiar dos (as) estudantes pode ser correlacionada aos índices de
escolarização de pais e mães, pois o maior percentual (48,75%) se encontra entre
aqueles que percebem entre 2 e 4,9 salários mínimos, secundados pelos de menor renda,
isto é, até 1,9 salários mínimos (23,75%). Nos extratos mais altos – renda entre 15 e 20
salários mínimos – estão apenas 2,5% das famílias. E, assim, como outros indicadores já
descritos, os (as) estudantes com maior renda familiar encontram-se matriculados no
período diurno.
A maioria dos (as) estudantes declarou não exercer atividade remunerada
(63,25%) e entre os que trabalham em tempo integral encontram-se 18,75%, índice
semelhante aos que exercem alguma atividade em tempo parcial ou eventualmente e
apenas 6% declararam serem os principais responsáveis pelo sustento das famílias. No
entanto, 42,75% afirmaram pretender trabalhar durante o curso e 25,25% declaram a
intenção de pleitear bolsas de estudo ou auxílio financeiro institucional.
A renda familiar apresenta forte correlação com o tipo de escola frequentado
anteriormente pelos (as) estudantes. 68,75% cursaram todo o Ensino Fundamental e
65% cursaram todo o Ensino Médio comum em escolas públicas e apenas 7% é egresso
de cursos noturnos neste grau. E é nessa modalidade regular de curso que foi realizado o
aprendizado de língua estrangeira (25% declararam ter realizado curso específico) e
foram obtidas as informações sobre os exames vestibulares. A maioria (54%) declarou
ter frequentado cursinhos pré-vestibulares entre 6 meses e um ano (18% o fizeram em
cursinhos comunitários apoiados por instituições) e, deve-se notar que a relação
candidato/vaga para o curso de Pedagogia tenha oscilado entre 2,5 e 3,8 (sendo menor
para o período diurno do que para o noturno) no período abarcado pela pesquisa.
Frente a esses dados, pode-se afirmar que o Curso de Pedagogia, mesmo com as
desigualdades econômicas e quanto à cor da pele, possui um grande potencial para
democratizar o acesso à educação brasileira, particularmente, no estado de São Paulo.
Para 83,75% das famílias, os (as) estudantes são a primeira geração que consegue
ingressar no curso superior público, marca que, se não garante, necessariamente,
melhoria da condição financeira familiar, implica a ampliação de condições culturais e
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8645ISSN 2177-336X
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de oportunidades de exercício profissional distintivo daquelas das mães das mesmas
famílias.
Deve-se apontar ainda que, egressos das escolas públicas nos níveis
fundamentais e médios, esses estudantes depois de formados, devem a elas retornar para
o exercício profissional, uma vez que é no sistema público de ensino que residem as
oportunidades numéricas mais expressivas de empregabilidade, principalmente na
educação infantil e no ensino de primeira à quarta série do ensino fundamental.
Tais elementos devem reforçar o compromisso das universidades públicas com a
formação de lideranças educacionais por meio de projetos pedagógicos diferenciados.
Questões de gosto e consumo cultural
As informações sobre as práticas culturais dos (as) estudantes foram obtidas por
meio de um questionário contendo 25 questões inspirado naquele apresentado por Pierre
Bourdieu na obra A distinção (BOURDIEU, 2008, p. 14), uma vez que objetivava-se
“descobrir as relações inteligíveis que unem escolhas, aparentemente incomensuráveis,
tais como as preferências em matéria de música e de cardápio, de pintura e de esporte,
de literatura e de penteado” (grifo do autor).
Este instrumento foi respondido no ano de 2014, por 315 estudantes
matriculados nas quatro séries do curso, nos dois turnos.
Instados a assinalar a frequência com que praticavam algumas atividades,
verificou-se que o uso da Internet é a atividade mais frequentemente realizada pela
maioria dos (as) estudantes (93,3%), seguida, em ordem decrescente, da leitura (85%),
das atividades domésticas (78%), de passeios (72,3%), assistir televisão (53,3%),
realizar caminhadas (45%) e ir ao cinema (40,3%), além de outras menos votadas. Entre
as atividades raramente praticadas estão as viagens (70,1%), ir ao teatro (65,5%),
assistir a shows (60,6%), fazer compras (60,6%), o esporte e o cinema (entre 54 e 55%
das respostas). As atividades nunca praticadas apresentam simetria oposta àquelas mais
frequentemente praticadas, e incidiram sobre a prática de instrumento musical (68,8%),
de artesanato (51,7%), da dança (34,2%) e dos esportes (18,7%).
A renda familiar dos (as) estudantes e de suas famílias contribui para esclarecer
a escala de atividades indicada. Pode-se notar que as atividades nomeadas como
raramente praticadas envolvem custo e decisão econômica, já aquelas apontadas como
nunca praticadas parecem denotar mais fortemente preferências pessoais (ou falta de) e
estão relacionadas ao âmbito artístico. As mais praticadas são viáveis com pequeno
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investimento financeiro ou ditadas pela necessidade. É preciso ressaltar, no entanto, que
a geografia (a instituição estar localizada no interior do estado) atua negativamente
sobre a frequência a shows e, principalmente, aos espetáculos de teatro. A oferta dessas
modalidades, embora pequena, não é inexistente, uma vez que tais tipos de espetáculos
constam mensalmente da programação oferecida, por exemplo, por instituições culturais
que têm seus custos subsidiados por diferentes entidades.
Dado tratar-se de um grupo composto, majoritariamente por mulheres, os
cuidados estéticos apontados com maior incidência foram o corte de cabelo, manicure,
pedicure, depilação, design de sobrancelhas, maquiagem e tratamento químico no
cabelo e, entre aqueles comumente feitos em local especializado estão os que envolvem
resultados mais aparentes, como por exemplo, corte de cabelo e design de sobrancelhas,
seguidos pelos tratamentos químicos.
O gênero preferido de filmes é a comédia romântica, seguido de comédia,
aventura, desenho animado e ação e entre os indicados como menos preferidos estão os
religiosos, suspense, ficção, terror, políticos e de guerra. O critério para tal escolha é a
história contada e não o elenco ou o diretor. As preferências quanto ao gênero
cinematográfico foram corroboradas pela identificação dos filmes assistidos, constantes
de uma lista a eles apresentada. O filme mais apontado foi Meu malvado favorito 2,
seguido de De pernas pro ar 2, Homem de Ferro 3, Wolverine e Minha mãe é uma peça.
A exceção ficou por conta do filme Santiago, uma vez que trata-se de um documentário,
gênero não apontado entre os preferidos. A lista de preferências, portanto, é composta
por blockbusters e filmes nacionais, em geral, com enredos simples, cuja tônica é o
entretimento e não o apuro artístico ou estético.
Os filmes figuram também como o gênero de programa de televisão preferido.
No entanto, é um gênero pouco referendado quando os (as) respondentes foram
solicitados a mencionar cinco nomes de programas vistos com maior frequência. Essa
discrepância pode ser elucidada nas entrevistas realizadas com 25 estudantes que
tematizaram, especificamente, o uso do tempo. Parecer ser possível afirmar que ir ao
cinema não é atividade muito comum entre os (as) estudantes, mas assistir filme é
prática frequente, fazendo uso do aparelho de televisão e dos serviços de streaming e
não da assinatura de TV a cabo.
Quando solicitados a declarar nomes de programas de TV e de cantores
preferidos, a característica mais evidente das respostas obtidas é uma grande dispersão.
Os seriados constituem o gênero preferido entre os programas de televisão, mas os
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títulos apontados resultaram numa grande lista (mais de 50 títulos), sem unanimidades.
A mesma dispersão está presente no gênero reality show, a segunda maior preferência
entre os programas. Embora as competições entre aspirantes a cantores ou a chefes de
cozinha preponderem nas indicações, a oferta é bastante grande e a audiência pode
variar de acordo com as temporadas em exibição. Deve-se notar ainda que a maioria
desses programas pode ser vista em redes de TV abertas, fechadas ou via internet. Os
jornais televisivos (a maioria deles transmitidos por TV aberta) também estão entre os
programas mais vistos, com grande variedade nos títulos indicados.
Tais resultados parecem indicar que foram cumpridas as pretensões alardeadas
pelo marketing específico: o entretenimento é um negócio que não mais está atrelado a
grades fixas de programação, cabendo ao telespectador escolher entre muitas ofertas da
mesma coisa.
Quanto às preferências musicais, o gênero mais apontado é o sertanejo com a
indicação de cerca de vinte e cinco duplas ou artistas; no entanto, quando somados os
cantores e cantoras indicados como preferidos, o total supera o gênero sertanejo, mas
encontra-se dispersa num número muito maior de artistas divididos em gêneros de
classificação não muito precisa, tais como pop, rock nacional, MPB, Axé, entre outros.
Enquanto gênero específico, o segundo com maior índice de respostas é o religioso que
agrupa artistas de diferentes vertentes confessionais, aí incluídos padres, gospel, grupos
evangélicos e até mesmo um grupo de heavy metal religioso.
Embora os resultados não apresentem grandes discrepâncias com relação em
relação ao Relatório Cultura no Brasil (FECOMERCIO, 214), não foi possível precisar
a forma de acesso ao consumo musical. Os programas musicais veiculados pela
televisão não foram mencionados entre os preferidos, os jurados de reality shows
musicais também não aparecem bem posicionados na indicação de artistas preferidos.
Resta assim, como hipótese, a internet como difusora do gosto musical, por ser a
atividade mais mencionada.
Conclusões
Espera-se que o grande volume de dados aqui apresentados possa fomentar
discussões sobre projetos pedagógicos de cursos de Pedagogia, uma vez que considera-
se a caracterização socioeconômica dos (as) estudantes um importante balizador para o
estabelecimento de programas e de organizações curriculares.
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Se, por um lado, é grande o potencial de democratização do acesso ao ensino
público superior contido no curso destinado à formação de professores, por outro lado,
as discussões não podem ficar restritas aos aspectos técnicos da formação. Devem
incidir também sobre a formação geral, sobre a oportunidade para o desenvolvimento de
critérios e de balizadores do gosto e do consumo cultural, abrindo espaços para a fruição
estética. Limitadas por condições econômicas ou geográficas, as respostas dadas pelos
(as) estudantes aos instrumentos de coletas de dados, indicam os bens consumidos e a
presença da instituição escolar como afiançadora de novas oportunidades. A escola, no
entanto, e, notadamente, o curso superior, parece pouco interferir na maneira de
consumir esses mesmos bens culturais, isto é, nas maneiras de apropriação legíveis em
diferentes práticas. Se a posição social ou de origem pode ser considerada uma
referência importante nas trajetórias pessoais, o sentido proporcionado pelo consumo
cultural pode ser modificado por experiências estéticas capazes de interferir na lógica
que preside questões de gosto.
REFERÊNCIAS
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GATTI, B. A. e BARRETO, E. S. de S. (coord.). Professores do Brasil: impasses e
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GATTI, B. A.; BARRETO, E. S. de S. e ANDRÉ, M. E. S. Políticas docentes no Brasi:
um estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011.
SANTOS Filho, J. R. Algumas observações sobre o curso de Pedagogia: dados dos
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SIGNOS CULTURAIS REVELADOS PELA QUASE FOTOGRAFIA
Eduarda Escila Ferreira Lopes
Doutoranda- Pós-Graduação- UNESP/Rio Claro/IB
Resumo
Este trabalho tem por objetivo analisar a fotografia como elemento que aponta indícios
de hábitos e preferências estéticas e, portanto, a cultura de indivíduos e de grupos.
Compreende-se que vários aspectos de formação individual compõem as reações e o
reflexo de um indivíduo diante de uma ideia de fotografia e de sua interpretação. Faz
parte dos estudos que compõem a pesquisa “Práticas Culturais e formação de
professores: estudo sobre os estudantes do Curso de Pedagogia”, financiado pela
FAPESP, que objetiva realizar um mapeamento das práticas culturais dos referidos
estudantes, a fim de contribuir para compreensão de elementos e estruturais do
processo de formação de professores no Estado de São Paulo. Um dos instrumentos
utilizados para a obtenção de dados foi um questionário sobre consumo cultural e
preferências de gosto e o presente trabalho está delimitado à análise das respostas dadas
por 315 estudantes a uma questão que objetivava aferir, especificamente, juízos
estéticos. Utilizando textos de Pierre Bourdieu, Susan Sontag, Roland Barthes, Borys
Kossoy e Walter Benjamin como apoios teóricos, foi possível identificar o uso da
fotografia como linguagem, os critérios que orientam escolhas referentes ao belo, ao
feio e ao interessante e um conjunto de símbolos que os representam.
Palavras-chave: formação de professores; estética e cultura; fotografia.
1. Fotografia como elemento de comunicação
A fotografia como elemento de comunicação está em evidência nas sociedades
contemporâneas, onde o comportamento digital permite que as imagens alcancem cada
vez mais espaço como forma de apresentar uma realidade vivenciada. Entretanto,
historicamente a fotografia é estudada como elemento de transformação técnica e
cultural, que envolve costumes, hábitos e principalmente registros.
Como expressão artística ou forma de linguagem, tem sido objeto de reflexões
instigantes sobre seus usos que se ampliam através das mais diversas expressões
artísticas ou documentais, seja por uma obra de arte, uma notícia, a prova de um crime,
um registro histórico, uma peça antropológica, um instrumento científico ou médico, ou
então, um elemento de uma história em quadrinhos.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
8650ISSN 2177-336X
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Invenção decorrente da revolução industrial, a fotografia teve um papel
fundamental enquanto meio de informação e conhecimento, como apoio às pesquisas e
às artes. Com a fotografia, o conhecimento e outras realidades que até então eram
vividas através de formas escritas ou verbais passaram a ser conhecidos em detalhe.
Sobre a fotografia Walter Benjamin, apontou o efeito das técnicas de reprodução
no consumo e na produção artística: fundição, cunhagem, gravura, tipografia, litografia,
entre outras, modificaram essa relação até que, com a fotografia “a mão encontrou-se
demitida das tarefas artísticas essenciais que, daí em diante, foram reservadas ao olho
fixo sobre a objetiva” (BENJAMIN, 1975, p. 12).
Afirma também que reprodução das imagens possibilitada pela fotografia
obscurece a autenticidade da obra, mas “a técnica pode levar a reprodução de situações,
onde o próprio original jamais seria encontrado” (idem, p. 13) e, ao mesmo tempo em
que estabelece uma relação de proximidade com o espectador opera com deslocamentos
da situação original: “Multiplicando as cópias, elas transformam o evento produzido
apenas uma vez num fenômeno de massas” (idem, p. 14), provocando, desse modo, a
depreciação de eventos únicos e a valorização da exibição.
Susan Sontag (2014, p.118), adotando outra perspectiva, afirmou que:
(...) a fotografia foi – primeiro, de má vontade, depois com
entusiasmo – reconhecida como uma bela-arte. Mas a própria questão
de ser ou não uma arte é essencialmente enganosa. Embora gere obras
que podem ser chamadas de arte – requerem subjetividade, podem
mentir, proporcionam prazer estético -, a fotografia não é, antes de
tudo, uma forma de arte. Como a língua, é um meio em que as obras
de arte (entre outras coisas) são feitas. Com a língua, podem-se fazer
discursos científicos, memorandos burocráticos, cartas de amor, listas
de comprar no mercado e a Paris de Balzac. Com a fotografia, podem-
se fazer fotos de passaporte, fotos meteorológicas, fotos
pornográficas, raios X, fotos de casamento e a Paris de Atget.
A linguagem fotográfica pode ser comparada a um tipo de escrita, que constrói
narrativas e é possível experimenta-la como representação, como falsidade ou como
captadora do dinamismo da sociedade em constante transformação e mudança e,
indubitavelmente, amplia o domínio do que é visível. Uma fotografia não pode ser
confundida com a existência real das coisas, uma vez que guarda relação mais próxima
com o que é percebido e, nesse processo, pode revelar detalhes inusitados, presentes em
situações conhecidas.
Comporta também discussões sobre a criatividade, sem reduzi-la à condição de
criadora de cópias da realidade. Ela é auto-expressão de quem fotografa e a
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subjetividade do fotógrafo é decisiva na escolha do ângulo, indicando a perspectiva do
observador. Neste sentido, a relação da fotografia não é com o que existe, mas sim com
o que é percebido, o que possibilita à autora apontar a existência de uma forte tendência
para que as coisas reais passem a ser observadas com os atributos das fotografias e, até
mesmo, com decepção.
A fotografia, ainda segundo Sontag (2004), comporta diferentes modos de
aquisição, entre eles, de um objeto ou de uma pessoa, tidos como únicos, eventos ou
informações que não são, necessariamente, experimentados: “De fato, a importância das
imagens fotográficas como o meio pelo qual cada vez mais eventos entram em nossa
experiência é, por fim, apenas um resultado de sua eficiência para fornecer
conhecimento dissociado da experiência e dela independente” (SONTAG, 2004, p.
172).
Se observada conforme o caminho da tecnologia, a descoberta da fotografia
passa pela criação da câmara escura; datas e episódios marcam ensaios retratados por
diversos historiadores que atribuem a invenção ao princípio ótico no século V (a.C.). À
Aristóteles pode ser referida a invenção através da observação da imagem ao sol durante
um eclipse parcial, projetado no solo em forma de meia lua e refletindo por pequenos
orifícios. A câmara escura era usada também como auxiliar ao desenho e à pintura no
século XIV. Experimentos foram sendo feitos ao longo do tempo e resultavam na
obtenção de nitidez cada vez maior das projeções e, neste percurso, nos séculos XV e
XVI a questão ótica já estava resolvida. O momento então era da busca por processos
químicos. A principal pesquisa recaiu sobre um material conhecido na alquimia
renascentista chamado de sais de prata que muda com a ação da luz, ou seja, escurece ao
ser exposto ao sol. Avanços e pesquisas resultaram numa forma de estabilizar a prata
com uso da câmera escura. Movido à paixão por experimentos e pelo registro visual,
Joseph Nicéphore Niépce, militar francês, fez experiências com material litográfico
impresso e a câmara escura. Na primeira experiência, usou papel recoberto de cloreto de
prata exposto à câmara escura conseguindo uma imagem negativa e fraca fixando, em
partes, com ácido nítrico. Teve sucesso posterior, com o uso de betume branco da
Judéia, um verniz que tinha propriedade secante. Expôs uma das placas por 08 horas na
câmara escura e obteve a imagem do quintal da sua casa, em 1826, obtendo o que é
considerada a primeira fotografia do mundo pelo processo chamado de Heliografia.
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A partir daí, em conjunto com outro pesquisador, Louis Jacques Mandé
Daguerre, aperfeiçoa as técnicas através de estudos e experimentos. Concentram
esforços no estudo dos sais de prata expostos na câmara escura e placas de cobre
recobertas com prata polida e sensibilizadas sobre o vapor de iodo de modo a
transformá-las numa superfície fotossensível. Na chapa, era feita uma exposição, que
variava de 20 a 30 minutos, dentro de uma câmara escura. Para a imagem se tornar
visível havia necessidade de se converter o iodeto de prata em prata metálica com o
mercúrio, cujo vapor foi o primeiro sistema de revelação fotográfica comercial. Um
banho fixador dissolvia os halogenetos de prata não revelados e formava as áreas
escuras da imagem. Estava criada a Daguerreotipia, descoberta divulgada com alarde
pelos centros urbanos da época.
Depois de todos os avanços conseguidos na área da fotografia ainda faltava
tornar esta nova descoberta acessível a toda população. Este feito foi conseguido pelo
americano George Eastman, que revolucionou definitivamente a forma de se consumir
fotografia criando a KODAK. A criação de Eastman trouxe para a fotografia uma
situação muito diferente daquela até então existente: a partir do momento que as
câmeras foram simplificadas com a introdução dos rolos de filmes, a preocupação dos
fotógrafos se voltou mais para os motivos a serem fotografados do que a técnica. O
filme era feito pelas indústrias e inúmeros pequenos laboratórios o revelavam e faziam
as cópias. Além disso, era possível, desde, então qualquer pessoa adquirir sua câmera e
produzir suas fotos, transformando a concepção da figura do fotógrafo por meio da
popularização do dispositivo, tornando-o acessível a um grande número de pessoas.
Recentemente, essa popularização alcançou níveis espantosos, tanto no que diz
respeito às próprias máquinas, quanto ao que refere à impressão, compartilhamento e
circulação de imagens. O acoplamento das câmeras fotográficas aos smartphones,
passou a ser um dos componentes mais valorizados na propaganda, em geral, atrelado a
promessas de nitidez e velocidade. A velocidade apresentada nos aparelhos é, na
verdade, apenas uma extensão da velocidade como valor característico das sociedades
atuais e as inovações tecnológicas passaram a plasmar o gosto fotográfico e a câmera
frontal permite inserir o fotógrafo na fotografia. Assim, a fotografia deixa de ser o olhar
do fotógrafo e passa a ser ele próprio:
Uma sociedade se torna „moderna‟ quando uma de suas atividades
principais consiste em produzir e consumir imagens, quando imagens
que têm poderes excepcionais para determinar nossas necessidades em
relação à realidade e são, elas mesmas, cobiçados substitutos da
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experiência em primeira mão se tornam indispensáveis para a saúde da
economia, para a estabilidade do corpo social e para a busca da
felicidade privada (SONTAG, 2004, p. 170).
Fundamentalmente, a essência da produção de imagens de qualquer espécie são
o homem, o tema e a técnica. Em um cenário natural de pequeno ou grande âmbito, em
relação à natureza pura ou criada, tudo constitui a essência do visível fotográfico. A
imagem é o testemunho material e visual dos fatos aos ausentes da cena, ou seja, é pela
fotografia que alguém que não está em determinado local, num determinado momento
em que esteja ocorrendo um fato, poderá ter dele conhecimento.
Entre outros autores, Pierre Bourdieu (2005) fez uso da fotografia em diferentes
pesquisas. No artigo “O Camponês e a Fotografia”, apresenta a fotografia como
sociograma da vida dos camponeses franceses, na década de 1960. Refaz o percurso da
inserção da fotografia na vida dos camponeses mostrando sua importância para eternizar
momentos e demonstrar poder aquisitivo, formas de hierarquização na composição da
imagem. Expõe o momento em que o grupo com poder aquisitivo precisa inserir
elementos de destaque deste novo “viver”: se, de início, a fotografia servia para
eternizar casamentos, cerimônias e apontar os dois grupos e seus poderes econômicos
envolvidos na união, passou a revelar a importância da mulher e das crianças no registro
de família.
Em relação ao entendimento da fotografia enquanto expressão, Kossoy (2014)
afirma que as imagens têm preservado a memória visual do mundo, dos cenários, dos
eventos e das transformações. Sendo assim, a fotografia e seu conteúdo despertam
sentimentos diferentes. Para uns, afeto e ódio, para outros, meio de conhecimento e
informação. A fotografia ainda venceu barreiras metodológicas e passou a ser utilizada
como fonte histórica, mesmo em sociedades que valorizavam apenas a escrita como
forma de transmissão do saber e do conhecimento.
É preocupação do fotógrafo o tratamento estético e o recurso tecnológico, mas,
muito além disso, são dele os filtros documentais que demonstram a expressão pessoal,
seu estado emocional e suas atitudes. Por isso, imagens são representadas de formas
diferentes se consideradas bagagem cultural, sensibilidade e criatividade, carregando
um momento fragmentado e congelado e tornando-o uma possível segunda realidade.
Gostos, estética e fotografia.
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Pierre Bourdieu, tem grande parte de sua obra dedicada ao estudo da cultura, da
formação do gosto, do estilo e dos valores resultantes das condições de vida e, de forma
geral, do entendimento do papel da cultura na caracterização e conformação dos grupos
sociais. Para isso, desenvolve a noção de acomodações materiais e simbólicas e sua
ação sobre o indivíduo e sobre o grupo, além de tratar, por consequência, a relação de
interdependência que existe entre eles. Demonstra que o lugar ocupado na sociedade, a
posição social ou de poder, está relacionada à junção entre elementos materiais e
simbólicos com recorte na oportunidade histórica.
A sociedade é vista como uma estrutura que tem como determinantes as relações
materiais e/ou econômicas e simbólicas (status) e/ou culturais (escolares). Desta forma,
a posição de indivíduos e de grupos é resultante da distribuição de recursos e poderes
como capital econômico, cultural, social e simbólico. Sobretudo, o gosto e as práticas de
cultura são tratados pelo autor como somatórias de condições específicas e experiências
específicas vividas, que compõem este elemento dentro do processo individual e do
grupo, ou seja, a trajetória, em especial, a escolarização e as práticas socializadoras
Sobre o gosto, Bourdieu apresenta uma discussão que elimina o gosto como algo
íntimo, sedimentado, indiscutível e alicerça o conceito nas entidades que expedem a
cultura da sociedade capitalista, ora família, ora escola. Portanto, para o autor, o gosto é
resultado do aprendizado adquirido através de diferentes instituições. Elimina o dito
popular de que gosto não se discute, já que gosto representa modos de vida, estilos e
capital cultural e simbólico.
O gosto originado no estilo de vida reúne traços das informações manejadas por
uma pessoa, oriundas de preferências e distinções impostas no grupo, gerando prazer e
um conjunto harmonioso de correspondências.
Sobre a disposição estética, Bourdieu coloca como ponto de partida a própria
imposição provocada pela narrativa da obra que, de certa forma, exige um determinado
capital cultural para sua percepção enquanto obra.
A obra pode ser observada, mas sempre dentro de um contexto histórico e social.
Tem uma intenção do artista, mas também tem uma intenção da obra enquanto registro
condicionado ao modo de produção, à técnica e à intenção do observador. Desta forma,
a diferença entre quem entende e quem não entende esclarece as predisposições
necessárias para a distinção de classes. Como exemplo, cita membros de classes
populares que não têm facilidade de obter julgamento de uma obra de arte moderna, não
possuem capital cultural para tal.
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8655ISSN 2177-336X
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Assim, o senso estético é, para Bourdieu, uma forma de distinção, tornando-se
manifestação dos sistemas de condicionamentos sociais e econômicos ou relacionados a
uma classe ou um grupo. A presença do senso estético faz com que o indivíduo ocupe
lugar privilegiado dentro do grupo, ou seja, serve como forma de classificação
individual ou do grupo que reafirma uma prática. A distinção evidencia-se, desta forma,
na presença ou não do senso estético. De diversas maneiras o autor ratifica essa
constatação com os resultados da pesquisa descrita na obra A distinção (2011). No
mesmo sentido os indicadores como nível de escolaridade, origem de classe social e
econômica, fazem com que os modos de produção se reforcem, conforme explicitado no
excerto:
Sabendo que a maneira é uma manifestação simbólica, cujo sentido e
valor dependem tanto daqueles que a percebem quanto daquele que a
produz, compreende-se que a maneira de usar bens simbólicos e, em
particular, daqueles que são considerados como os atributos da
excelência, constituiu um dos marcadores privilegiados da “classe” ao
mesmo tempo que o instrumento por excelência das estratégias de
distinção, ou seja, na linguagem de Proust, da arte infinitamente
variada de marcar as distâncias”. A ideologia do gosto natural opõe,
através de duas modalidades de competência cultural e de sua
utilização, dois modos de aquisição de cultura. (BOURDIEU, 2011,
p.65)
O julgamento estético, portanto, não é resultado de algo interior, de
sensibilidade, mas sim é uma aptidão social determinada a partir do capital cultural
adquirido individualmente. Da mesma forma que o conhecimento, a formação escolar e
a experiência social são elementos de caráter individual, o gosto também se encaixa
nesta definição. Assim, a expressão do gosto pode ser vista pela própria escolha dos
objetos de consumo e nesta expressão é que está revelada a diferença, o desnível, a
diversidade das práticas que formam a distinção dentre as classes.
Durante a realização da pesquisa que resultou na obra A Distinção, Pierre
Bourdieu coletou declarações dos entrevistados a respeito do que eles julgavam
fotografável e, lhes parecia, portanto, suscetível de ser constituído esteticamente (em
oposição ao que era excluído por sua insignificância, feitura, ou por razões éticas;
BOURDIEU, 2011, p. 38). A questão formulada nessa obra foi integrada ao
questionário respondido por 315 estudantes no âmbito do projeto de pesquisa “Práticas
Culturais dos Estudantes de Pedagogia”, com o objetivo de obter indícios sobre o
potencial de julgamento estético expresso pelos respondentes. A questão formulada era:
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8656ISSN 2177-336X
19
“Com o tema a seguir, o fotógrafo teria chance de fazer uma foto...” e as opções
apresentadas para escolha era: bonita, feia, interessante ou insignificante.
Importante destacar que ao responder à questão os estudantes não contaram com
o auxílio de imagens, pois pretendia-se verificar a existência de uma ideia do tema pré-
existente, isto é, a ideia que os próprios sujeitos possuíam do que deve ou merece ser
fotografado. Tratava-se, portanto, de indagar sobre um valor estético, uma representação
existente em sujeitos possuidores de câmeras fotográficas acopladas a smartphones
acostumados a este tipo de registro, já caracterizados socioeconomicamente em outro
trabalho integrante deste painel. O quadro 1, reúne os temas apresentados e a
quantificação das menções obtidas por cada um deles para as opções bonita e feia.
Quadro 1- temas que resultariam em fotografias bonitas e feias
Temas BONITA FEIA
Mais
votado
Menos
votado
Mais votado Menos votado
Um pôr do sol 265 1
Uma paisagem 253 0
Animais 228 4
Pinturas 222 1
Nuvens 221 0
Uma criança brincando 209 5
Um acidente de trânsito 1 187
Uma briga de mendigos 3 157
Um balcão de açougue 5
Pessoas feridas 8 213
Cenas de violência 3 191
Esportes 0
Uma dança folclórica 1
Mulher amamentando 2
Trabalhador realizando ofício 4
Monumento célebre 5
Beijo 10 Fonte: Questionário sobre práticas culturais dos estudantes do curso de Pedagogia. Elaboração da autora.
A incidência das respostas indica que o senso estético aproxima-se mais da
experiência comum do que de valores artísticos. O belo pode ser definido, formalmente,
a partir de certas características e formas presentes nos objetos. Desde Aristóteles, a
noção do que é belo reúne três atributos: ordem, simetria e proporção. Citado nos mais
antigos documentos de filosofia, o belo pode ser algo que harmonize olhos e ouvidos e
após século XVII, passou a ser usado como sistema de medida e avaliação para
classificar produções humanas.
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O conceito de ordem, primeiro elemento qualificador de belo, é a organização
dos elementos visuais - cor, forma e pinceladas - e suas relações e arranjos baseados
historicamente na geometria. A simetria que é a semelhança, a criação de um eixo, de
um espelho, é um recurso para produzir um objeto belo. Por último, o uso da proporção
como forma de comparar medidas, por exemplo, altura e largura, fazendo uso do
equilíbrio.
O feio, visto como antítese do belo é tudo que é desproporcional, desordenado e
assimétrico tendo como resultado a desorganização da forma, que apresenta
irregularidades morfológicas, distorção e desenho não convencionais.
Os resultados do Quadro 1 evidenciam que as respostas menos votadas como
bonitas coincidem com as respostas mais votadas como feias, com exceção de balcão de
açougue. As menos mencionadas como feias coincidem com as mais mencionadas
como bonitas (uma paisagem, um pôr do sol, animais, pinturas, nuvens, uma criança
brincando); no entanto, a feiura não estaria presente também em esportes, dança
folclórica, uma mulher amamentando o bebê, um trabalhador realizando seu ofício, um
monumento célebre e um beijo.
Nas indicações sobre o que é considerado bonito sobressaem-se os temas ligados
à natureza (que não são mencionados como passíveis de serem feios ou interessantes). A
classificação do que é feio também revela convicção e refere-se a situações humanas
não desejáveis: pessoas feridas, cenas de violência, acidente de trânsito e briga de
mendigos. No julgamento prevalecem as situações adversas ou positivas sem que seja
considerada a possibilidade de estetiza-las por meio de ângulos inusitados ou do
equilíbrio entre forma e proporção. O tema prepondera sobre a imaginação estética e
nem mesmo a tecnologia disponível parece contribuir para alterar o julgamento da
situação, prevalecendo a experiências sobre as imagens artísticas.
Quadro 2 - temas que resultariam em fotografias interessantes ou insignificantes
Temas INTERESSANTE INSIGNIFICANTE
Mais votada Menos
votada
Mais votada Menos
votada
Ritual religioso 214
Multidão 194
Esportes 191 0
Cemitério de sucata 180
Monumento célebre 187
Trabalhador ofício 170 5
Natureza morta 166
Casca de árvore 162
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Dança folclórica 149
Desfile modas 124
Armação metálica 116
Por do sol 36 0
Paisagem 42 1
Pessoas feridas 48
Animais 57 5
Cenas de violência 60
Balcão de açougue 177
Corda 174
Armação metálica 131
Pé de couve 121
Criança brincando 2
Pinturas 5 Fonte: Questionário sobre práticas culturais dos estudantes do curso de Pedagogia. Elaboração da autora.
As indicações sobre as imagens interessantes indicam que, de modo geral, o
senso estético está presente quando os entrevistados citam rituais religiosos.
Interessante são manifestações sobre o que é curioso em exemplos nem sempre
cotidianos. Interessante é algo que inspira simpatia, que merece atenção e provoca
curiosidade. Nos rituais, símbolos, músicas, falas, etapas, cerimoniais e vestimentas
podem ser notadas e aspectos emocionais como a fé podem interferir no resultado. Já o
esporte rende belas fotos pela imagem corporal. O movimento do atleta, a conquista, a
valorização da saúde e da qualidade de vida estão presentes e podem ser apreciadas
diariamente em veículos de comunicação. O cemitério de sucatas, que num primeiro
momento, tem um direcionamento oportuno se remetermos ao senso de sustentabilidade
que é pauta das discussões em todos os colégios e instituições de ensino. Também é
uma referência constante em produções artística, tais como a aberturas de novelas. No que se refere ao que é julgado insignificante, ou seja, desprovido de característica e
atributos extraordinários, tais como um pé de couve, balcão de açougue ou uma corda, a escolha
parece levar mais em conta a função do objeto e seus usos habituais e não suas possibilidades
imagéticas ou fotográficas.
Conclusões
O potencial artístico dos temas parece não ser relevante para o grupo
prevalecendo no julgamento as experiências sobre o tema, associadas aos espaços social
e escolar. As disposições, que incluem a percepção do mundo social, apreciação de
gostos, preferências e escolhas parecem estar mais atreladas à reprodução da condição
de vida do que às possibilidades criativas e estéticas. Pode-se dizer que a apresentação
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dos temas gerou respostas reveladoras de critérios que subordinam a forma à função ou,
dito de outro modo, dificuldades “para constituir esteticamente objetos quaisquer”
(BOURDIEU, 2011, p. 42). Nesta perspectiva, as diferentes trajetórias sociais
resultariam da relação entre características de condição econômica e social, estilos de
vida e práticas, produtos classificáveis e julgamentos. Uma disposição geral,
sistemática, que diante das necessidades e das condições de aprendizagem faz com que
os esquemas sejam idênticos ou convertidos ao mesmo tempo em bases de uma prática
e também alicerces para novos estilos de vida. Para Bourdieu (2014), as práticas
constituem o estilo de vida numa expressão sistemática da existência, de preferências
(também sistemáticas) e das necessidades. Deste modo, a estética e a narrativa
encontrada nas escolhas dos sujeitos definem características eleitas conforme as
disposições e trajetórias individuais. Compreende-se que vários aspectos de formação
individual que compõem as reações e percepções diante de uma ideia de fotografia.
Sabe-se também que o elemento registrado é fruto da observação de um indivíduo que
compõe o instante definindo-o, registrando na vertente escolhida, influenciado pela
construção do seu próprio ser.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, PIERRE. A Distinção: Crítica Social do Julgamento. Porto Alegre: Zouk,
2011.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In Textos
escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
SONTAG, Susan. Sobre a Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS
http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n26/a04n26.pdf
<http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/6o-encontro-2008-1/Fotografia-
%20do%20analogico%20ao%20digital.pdf
http://www.auladearte.com.br/estetica/belo.htm#axzz42M9DzD1O
http://www.auladearte.com.br/estetica/feio.htm
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PRÁTICAS DE LEITURA: UMA QUESTÃO QUE PERPASSA A
FORMAÇÃO DO PEDAGOGO
Aline Ramiro da Silva
Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Biociências de Rio
Claro/UNESP
Resumo: Este artigo tem por objetivo principal apresentar algumas considerações
referentes à pesquisa, que resultou em dissertação de Mestrado (SILVA, 2015) e integra
o projeto Práticas Culturais e formação de professores, desenvolvida com financiamento
da FAPESP. Destaca-se que esse trabalho acadêmico objetivou mapear as práticas
culturais, sobretudo, as práticas de leitura de estudantes de uma universidade pública
situada no interior do estado de São Paulo, cotejando-as com a bibliografia analítica
sobre cultura escolar, de modo a compreender como ocorre a apropriação dos
conhecimentos profissionais pelos graduandos. a obtenção dos dados qualitativos,
houve a realização de entrevistas semiestruturadas sobre as práticas pessoais de leitura
aplicada a vinte e quatro estudantes, doze do período diurno e doze do período noturno.
Destaca-se que tanto a elaboração do questionário quanto a construção do roteiro de
entrevista apoiam-se, principalmente, nas contribuições de Pierre Bourdieu e Daniel
Roche. Verificou-se que a leitura em redes sociais, sobretudo no facebook, é
predominante e, mais do que comunicação e entretenimento, os estudantes também o
utilizam como principal meio de obter informações, juntamente com o acesso aos
portais. Além disso, contatou-se que a prática de leitura está restrita às atividades
obrigatórias, referentes ao trabalho ou à graduação. Esse fato parece indicar que essa
prática está muito mais relacionada à leitura formal, vinculada à escola, do que com o
gosto de ler.
Palavras-Chave: formação de professores; curso de pedagogia, práticas de leitura.
Introdução
Este artigo tem por objetivo principal apresentar algumas considerações
referentes à pesquisa, que resultou em dissertação de Mestrado (SILVA, 2015) e integra
o projeto Práticas Culturais e formação de professores, desenvolvida com financiamento
da FAPESP. Destaca-se que esse trabalho acadêmico objetivou mapear as práticas culturais,
sobretudo, as práticas de leitura de estudantes de uma universidade pública situada no interior
do estado de São Paulo, cotejando-as com a bibliografia analítica sobre cultura escolar, de modo
a compreender como ocorre a apropriação dos conhecimentos profissionais pelos graduandos.
Com relação ao referencial teórico-metodológico utilizado, aponta-se a
perspectiva da cultura escolar assim como as contribuições dos estudos desenvolvidos
pelos autores dessa área sobre práticas culturais, baseadas, sobretudo, nas proposições
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dos pesquisadores Antonio Viñao Frago, Augustín Escolano Benito, Daniel Roche, José
Mario Pires Azanha, Michel De Certeau, Pierre Bourdieu, Roger Chartier, entre outros.
Para o desenvolvimento da pesquisa, além das investigações documentais, foi
realizado o mapeamento a partir de dados quantitativos provenientes do questionário
socioeconômico da Fundação que realiza concursos públicos e vestibulares respondido
por quatrocentos alunos, sendo duzentos do período diurno e duzentos do período
noturno, cujo período compreende os anos entre 2010 e 2013. Dentre as vinte e nove
perguntas que constituem esse material e que abordam questões como, por exemplo,
estado civil, localização da residência, ano de conclusão do Ensino Médio, profissão,
entre outras, foram selecionadas nove que permitiram a caracterização dos estudantes:
sexo, cor de pele, idade, exercício de atividade remunerada, renda mensal familiar,
escola em que cursou o Ensino Fundamental, escola em que cursou o Ensino Médio,
nível de instrução do pai e nível de instrução da mãe.
O segundo procedimento para coleta e análise de dados quantitativos ocorreu a partir da
construção e aplicação de questionário sobre práticas culturais respondido por trezentos
e quinze estudantes do curso de Pedagogia, com questões acerca do consumo cultural.
De maneira geral, as perguntas englobaram temas acerca das atividades cotidianas, tais
como consumo alimentar, vestuário, lazer, mobiliário, gostos e preferências musicais,
cinema e programas de televisão. Entretanto, tendo em vista o objetivo da pesquisa,
priorizou-se as questões que, direta ou indiretamente, demonstraram potencial analítico
sobre as práticas culturais e, principalmente, sobre as práticas de leitura.
Por fim, para a obtenção dos dados qualitativos, houve a realização de
entrevistas semiestruturadas sobre as práticas pessoais de leitura aplicada a vinte e
quatro estudantes, doze do período diurno e doze do período noturno. Destaca-se que
tanto a elaboração do questionário quanto a construção do roteiro de entrevista apoiam-
se, principalmente, nas contribuições de Pierre Bourdieu e Daniel Roche.
Tendo em vista essas informações, a elaboração deste artigo, incide sobre um
recorte da pesquisa mais ampla, com a finalidade de apresentar, num primeiro momento
e de maneira sintética, a caracterização dos estudantes do curso para, em seguida,
apresentar dados oriundos dos outros dois instrumentos de modo relacional, com a finalidade
de mapear as atividades culturais, analisando, sobretudo, as práticas de leitura.
A partir dos dados empíricos referentes aos quatrocentos alunos ingressantes no curso
obtidos através do questionário socioeconômico, foi possível verificar, entre outros
fatores, diferenças entre os períodos. Entretanto, apesar da distinção, tendo em vista os
índices majoritários, características puderam ser identificadas. Constatou-se que a
presença do sexo feminino é predominante, a maioria dos estudantes se declara branca,
a faixa etária é jovem, correspondendo a dezessete e dezoito anos no ano de ingresso,
mais da metade declaram não exercer atividade remunerada, a renda mensal familiar
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preponderante é baixa, a escola mais frequentada na educação básica é a pública e, por
fim, a maioria possui família escolarizada com a certificação do Ensino Médio.
Em linhas gerais, essa caracterização tornou possível o conhecimento sobre quem é o
estudante do curso de Pedagogia e, além disso, ofereceu subsídio para a compreensão
dos resultados oriundos dos dois instrumentos: questionário sobre práticas culturais e
realização de entrevista sobre prática de leitura.
Com relação ao questionário sobre práticas culturais, é possível reiterar que
participaram dessa etapa da pesquisa trezentos e quinze alunos, sendo cento e quarenta e
nove do período diurno e cento e sessenta e seis do período noturno. Dentre esses,
foram entrevistados vinte e quatro estudantes.
Dentre as vinte e cinco questões que compõem o questionário, foram selecionadas duas
para a elaboração desse artigo: entre as atividades listadas abaixo, quais são aquelas que
você pratica frequentemente, raramente e aquelas que você nunca pratica e assinale os
meios que você utiliza para obter informações. Sublinha-se que a apresentação dos
resultados obedecerá essa ordem bem como as possíveis articulações com os dados
oriundos da entrevista sobre leitura.
Primeiramente, com o propósito de mapear as práticas culturais dos estudantes,
apresenta-se o quadro que reúne as quinze atividades disponibilizadas aos estudantes
para serem assinaladas conforme a frequência. As respostas foram organizadas em
ordem decrescente a fim de favorecer alguns apontamentos.
Quadro 1 - Entre as atividades listadas abaixo, quais são aquelas que você
pratica frequentemente, raramente e aquela que você nunca pratica.
ATIVIDADES FREQUENTEMENTE RARAMENTE NUNCA NR
INTERNET 294 19 0 2
LEITURA 268 45 1 0
ATIVIDADES
DOMÉSTICAS
246 79 6 2
PASSEIO 228 59 8 2
TELEVISÃO 168 130 15 2
CAMINHADA 142 143 27 2
CINEMA 127 173 14 1
ESPORTE 79 174 59 3
VIAGEM 73 221 20 0
COMPRAS 66 191 55 1
SHOWS 66 191 55 1
DANÇA 55 151 108 1
INSTRUMENTO MUSICAL 36 60 217 2
TEATRO 30 206 77 0
ARTESANATO 31 117 163 2
Fonte: Dados obtidos a partir do questionário sobre práticas culturais, tabulados pela profª Eduarda Escila
Lopes e organizados pela pesquisadora.
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Diante do quadro, observa-se que as práticas de instrumento musical, artesanato e dança
são bem pouco executadas pelos estudantes. A frequência ao teatro também é bem
pequena. Ir a shows, compras, viagem e esportes aumentam um pouco, quando
comparadas a essas atividades anteriores, mas atingem, aproximadamente, uma média
de 22,5%, um valor ainda reduzido.
Já o cinema e a caminhada são atividades um pouco mais praticadas pelos alunos, pois
quase metade dos respondentes faz essa declaração e poucos alunos afirmam que nunca
praticam. Destaca-se que o cinema é a segunda prática realizada fora de casa, depois de
passeio, que envolve investimento financeiro mais executado pelos alunos. Esse dado
particular aproxima-se de investigações mais amplas. Por exemplo, a pesquisa intitulada
“Panorama Setorial da Cultura Brasileira”, elaborada por Jordão e Alluci (2014),
analisou os consumidores da cultura, realizando 1620 entrevistas nas cinco regiões do
país e constatou que na região sudeste a atividade mais realizada fora de casa é o
cinema.
Ainda segundo essa investigação, as atividades que podem ser exercidas no lar são bem
mais frequentes, como assistir à televisão. Ao observar a posição que essa prática ocupa
no quadro acima, nota-se que essa atividade é assinalada por mais da metade dos
respondentes. Entretanto, está bem aquém das três atividades mais praticadas: internet,
leitura e atividades domésticas.
As posições de destaque que a internet e a leitura ocuparam nesse mapeamento são
priorizadas para análise, tendo em vista o objetivo do trabalho e a relação identificada e
entre essas duas práticas no desenvolvimento desta pesquisa.
Embora a leitura tenha sido citada por muitos alunos, duzentos e sessenta e oito
estudantes, problematiza-se o número daqueles que apontaram que raramente leem, ou
seja, quarenta e cinco. Esse dado é preocupante, sobretudo, por se tratarem de alunos
que cursam uma graduação que privilegia a leitura como uma importante prática
acadêmica. Além disso, problematiza-se também qual é a concepção de leitura que os
estudantes têm, ao observar as assinalações daqueles que afirmam que leem
frequentemente e que leem raramente, tendo em vista que não houve qualificação
expressa no questionário sobre essa atividade.
A partir desses dados, as entrevistas procuraram descrever e qualificar as práticas
numericamente mais expressivas, inquirindo sobre o que os estudantes leem, num
primeiro momento e, em seguida, como eles leem e, por fim, hábitos de compra de livro
e armazenamento de materiais escritos. Entretanto, para a elaboração desse artigo
priorizou-se as questões relacionadas ao que os estudantes leem. Desse modo,
selecionou-se as seguintes questões: Você leu hoje? O que você leu? Tendo em vista
suas atividades de rotina, relate aquelas que exigem o ato de ler. Quais são os textos
acadêmicos preferidos? E quais são os textos lidos no ensino básico?
A partir das respostas dos estudantes, mais especificamente sobre a pergunta que
envolveu atividades de leitura realizadas naquele dia, nota-se que a leitura em redes
sociais, sobretudo, no facebook e em e-mails é apontada de forma expressiva por
dezenove estudantes, permitindo inferir que trata-se de prática com forte presença no
cotidiano das pessoas e que se presta a diferentes objetivos, entre eles, a comunicação.
Eu li, eu li um trabalho que eu fiz. Eu tive que fazer umas questões, li o
trabalho, li coisas no facebook (Estudante 4).
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Plano nacional da educação 2001, 2007, 2014, algumas coisas da LDB, da
constituição, os slides do seminário, anotações, os seminários das outras
colegas […] e-mail, facebook bastante (Estudante 16).
Constatou-se que dentre os vinte e quatro estudantes entrevistados, quatorze trabalham,
dez somente estudam e, dentre esses, cinco são alunos bolsistas. Observa-se que apenas
uma estudante do período noturno, dentre os doze entrevistados, não trabalha ao passo
que nove estudantes do período diurno dedicam-se exclusivamente às atividades
acadêmicas. Esse dado é importante porque pode levar à incidência maior de alguns
tipos de leitura.
No meu dia a dia eu acho que o tempo inteiro, eu acho não, eu tenho certeza,
no meu trabalho, eu trabalho em um local que o tempo inteiro eu tenho que
ler, sempre tem atualizações, toda a hora tem coisa nova, informações,
inclusive que eu tenho que buscar porque senão eu não consigo nem fazer os
meus atendimentos. Fora as aulas que me exigem isso no período da tarde,
porque de manhã eu trabalho e a tarde também exige a leitura (Estudante 1).
No meu serviço mesmo eu tenho que ler bastante, porque tudo que eu faço lá
eu tenho que ler muito. Só, tirando isto depois, só da faculdade mesmo
(Estudante 20).
Quanto à prática de leitura como uma atividade não obrigatória, ou seja, que não
é exigida nem pela universidade e nem pelo trabalho, cinco alunos apontaram a leitura
de diferentes gêneros textuais, como por exemplo, romance e história em quadrinho e
um estudante mencionou a leitura de textos teóricos não exigidos pela graduação.
O restante apontou leituras acadêmicas e/ou leituras relacionadas ao trabalho ou feitas
via internet. Destaca-se também que quatro alunos afirmaram que não leram nada
quando questionados sobre a leitura realizada no dia da entrevista.
Tendo em vista a questão que abordou os textos acadêmicos preferidos pelos
estudantes, foi possível a organização das respostas em quatro blocos distintos.
O primeiro conjunto é caracterizado pelo número de citações dos nomes de autores,
sem, contudo, identificar o título do texto ou o livro como a pergunta enunciava, já que
se pôde verificar nas respostas dos estudantes a menção de, no mínimo, o nome de um
autor. O argumento utilizado pela maioria dos estudantes para a não identificação da
obra foi a memória. Vigotsky, que me marcaram, Luria, Leontiev, ai, eu gosto de Paulo Freire, o
que mais, Foucault que a gente está estudando agora, é bem interessante
mais ou menos isso. (Estudante 8).
O segundo agrupamento refere-se à nomeação dos títulos sem a identificação do autor.
Oito estudantes, dentre os vinte e quatro, mencionaram um texto cada. Eu me identifiquei com bastante, mas eu posso dizer o que eu mais me
identifiquei até o presente momento foram o livro “As cem linguagens da
criança”, gostei também do Rousseau […]. (Estudante 5).
O terceiro bloco, identificação do texto e autor, constata-se que sete estudantes
fizeram essa menção.
Da faculdade, assim, não tem nenhum livro que me marcou, acho que o livro
que me marcou acho que era o “Emílio”, do Rousseau (Estudante 20).
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Por fim, há a identificação da área, e, às vezes, não há especificação de título ou
autor pertencente a ela. Seis estudantes citaram Psicologia, três citaram História da
Educação, um apontou Filosofia e um indicou Educação Ambiental.
Ai, e agora, eu preciso... Ah eu gostei bastante dos textos, é de psicologia eu
acho legal, era algo que eu não tinha muito contato e assim eu achei bem
interessante. Agora eu não vou lembrar nome de autor assim específico
(Estudante 7).
Outro dado relevante refere-se aos livros que foram lidos no ensino básico, aqueles que
marcaram a vida do estudante e também aqueles que não marcaram tanto, mas que
foram lidos. De acordo com a citação de livros por cada aluno foi possível identificar
que dezesseis alunos mencionaram até três livros, três estudantes elencaram cinco, duas
estudantes citaram seis livros, uma estudante citou mais do que seis e duas não
lembraram o nome de nenhum. Sim, eu acho que mais, o pro vestibular, que acho que até caiu no vestibular,
“Cortiço”, “Vidas secas”, esses que eu me lembro (Estudante 16).
No ensino fundamental foi meio tenso porque não tinha muita leitura, eram
leituras meio obrigatórias, eram não sei. Eram livros chatos, não eram livros
legais para a idade, por exemplo, a professora só pegava um livro indicado
por tal autor e beleza, colocava lá. Hoje, porque eu “tô” dizendo isso,
porque no estado eles estão lendo “O diário de um banana”, eu acho muito
legal, tipo bastante apropriado pra série. E, na minha escolaridade, eu não
peguei esses tipos de coisa, eram uns textos meio chatos assim e tal. Mas um
texto, um livro que marcou o ensino fundamental foi o “Mistério dos cinco
estrelas”, tudo coleção vaga lume... É, acho que mais esse “O Mistério do
cinco estrelas”, tem também “Viagem à terra do sol”, esse eu lembro mais
ou menos, acho que foram esses dois no ensino fundamental. No ensino
médio eu gostei das Memórias... “Memórias do sargento de milícias”, “Dom
Casmurro”, eu acho que foram esses, assim, de leitura obrigatória foram
esses. “O menino que adivinhava”, que era uma história meio bobinha, sei
lá, eu me diverti, mas era uma história meio bobinha [...] (Estudante 3) .
A maioria dos títulos dos livros sugere, considerando o enunciado da questão e o
conteúdo das entrevistas, que grande parte das leituras apontadas pelos estudantes está
vinculada ao processo de escolarização, a objetivos estritamente escolares. Nessa
perspectiva, mesmo considerando a relevância da memória para essa questão, constata-
se que a prática de leitura anterior ao ingresso no curso foi bastante reduzida, por
exemplo, os livros que compõem a lista de vestibular, considerada em pesquisas como
importante elemento mediador da leitura, apresentaram-se com pouca influência para
essa atividade.
Livros de coleções, tais como “Primeiro beijo” e “Vaga-lume”, foram citados sem ser
nomeados. Nome de autores, como Machado de Assis, Clarice Lispector, Júlio Verne,
José de Alencar e Eva Furnari também foram mencionados por alguns alunos, sem,
contudo, serem identificados os títulos das obras. Além disso, um estudante, já formado
em outra licenciatura, apontou os livros didáticos sobre ciências e química, indicando os
autores Usberco e Salvador.
É importante mencionar que três estudantes apontaram a leitura de best- sellers, “O
Senhor dos anéis”, “O Hobbit”, “Crepúsculo” e “Harry Potter”, já que também
considerados como mediadores da leitura, também não foram mencionados em grande
proporção pelos alunos.
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De maneira geral, ao cotejar os dados referentes às leituras realizadas na graduação e no
ensino básico, verifica-se que apesar da dificuldade semelhante apresentada pelos
estudantes em lembrar o nome dos textos, há uma inversão nas indicações, visto que há,
sobre as leituras realizadas no ensino fundamental, um número maior de títulos citados
do que na graduação, e, por outro lado, a quantidade de autores mencionados é menor
no ensino básico e muito significativa no ensino superior. Destaca-se, por exemplo, que
durante uma entrevista, um estudante afirmou, sobre os textos da graduação e sobre os
entraves para mencionar títulos “[…] é muita coisa solta” (Estudante 6). Além disso,
pode-se inferir que as leituras realizadas no curso de graduação parecem estar muito
mais associadas a aspectos formais do que relacionadas à recepção de obras
desconhecidas, à aproximação do pensamento do autor, distanciando-se de uma leitura
autônoma e significativa.
Destaca-se que para Chartier (1998, p. 152)
[…] a relação da leitura com um texto depende, é claro, do texto lido, mas
depende também do leitor, de suas competências e práticas, e da forma na
qual ele encontra o texto lido ou ouvido. […] O texto implica significações
que cada leitor constrói a partir de seus próprios códigos de leitura, quando
ele recebe ou se apropria desse texto de forma determinada.
Entende-se que esse “código de leitura” é muito mais do que aprender a ler, visto que
envolve os modos de percepção e acesso às postulações do outro, do autor do texto
(CHARTIER, 1998, p.152). Observa-se, então, um entrave, tendo em vista as
explanações sobre as práticas de leitura dos estudantes anteriores ao ingresso no curso e
também no decorrer dele. Verifica-se que o gosto de ler, a predisposição e recepção,
numa perspectiva ativa, do pensamento objetivado no livro, estão muito mais associados
ao processo de escolarização, caracterizado por uma formalidade defasada no que
concerne à leitura, como apontaram os alunos no decorrer das entrevistas, do que com a
familiaridade pessoal, particular, porque esse aprendizado exige muito esforço.
Nessa perspectiva, se a escolarização básica não conseguiu produzir a necessidade de
uma leitura mais densa, essa questão precisa ser investigada no âmbito do ensino
superior. Partindo do pressuposto de que o esforço é desencadeado pela necessidade,
indaga-se se esse curso de graduação, no decorrer de seus quatro anos, contribuiu para a
construção dessa necessidade que é essencial, seja na posição de aluno de graduação ou
exercendo o ofício docente.
Gráfico 1- Meios para obter informações
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Fonte: Dados obtidos a partir do questionário sobre práticas culturais, tabulados pela profª Eduarda Escila
Lopes.
Semelhante ao quadro sobre as práticas culturais, nota-se que, diante deste gráfico, a
internet é o principal meio que os estudantes declaram para obter informações, seguida
da televisão, dos livros, dos jornais e das revistas. Para complementar essa análise, serão
apresentados dados mais específicos advindos da questão presente no roteiro de
entrevista sobre a forma de acessar notícias.
Nesse sentido, é relevante apontar que no decorrer das entrevistas, um número
considerável de alunos afirmou que o acesso a facebook, seguido dos portais, como por
exemplo, UOL, Terra e G1, é a principal forma de acessar notícias. Considera-se,
portanto, que esse dado pode estar relacionado a uma estatística mais geral.
Recentemente, foi apresentada uma pesquisa através do jornal Folha de São Paulo no
dia 23/06/2015, divulgando que, segundo o relatório sobre Jornalismo Digital, os
brasileiros, quando comparados a cidadãos de outros países, lideram o acesso a
facebook como meio de obter informações, correspondendo a uma média de 70%
diante da média de 41% referente a outras nações.
Às vezes são notícias que vejo no facebook, às vezes eu entro em algum
portal. Eu leio bastante no G1. (Estudante 7).
Não, geralmente são sites de entretenimento mesmo, às vezes estão dando
alguma notícia, a gente vai… (Estudante 14).
Cinco estudantes declararam o acesso a sites específicos de jornais, por exemplo, Folha,
Tribuna, Estadão.
“Estadão”, “Estadão” é o top, sempre esse. De vez em quando “A carta
capital”, tem um site que publica, digamos que são artigo de opinião, que é o
“Pessegadoro”… às vezes o site da “Veja”, da “Superinteressante”, do
“Mundo curioso” e afins. (Estudante 3).
Portais também, mas eu sempre entro no da Folha, eu sempre tô entrando
em sites de jornais também pra ver o que está acontecendo. (Estudante 24).
Quatro estudantes apontaram a leitura de jornal impresso e apenas uma aluna apontou a
leitura de revista impressa. Jornal, que é a Tribuna ,eu prefiro também… em papel. (Estudante 12).
A televisão, assim como se destacou na pergunta do questionário sobre os meios para
obter informações, também foi citada por nove alunos como meio de acessar notícias,
mas em nenhuma entrevista foi mencionada isoladamente, conforme apontam alguns
estudantes:
Vejo pela televisão, mas é mais pela internet. (Estudante 4).
Na internet e na TV, eu assisto alguns jornais, na TV geralmente de manhã.
(Estudante 7).
Conclusões
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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A partir dos dados obtidos e analisados, pôde-se identificar, com relação ao
mapeamento efetuado sobre práticas culturais, que a maioria das atividades que foram
apresentadas aos estudantes, de maneira geral, é pouco executada. Observa-se que esse
dado particular relaciona-se com o resultado obtido através da pesquisa realizada a nível
nacional por Jordão e Alluci (2014). Segundo as pesquisadoras “o consumo de
atividades culturais é realidade ainda distante da maior parte dos brasileiros”
(JORDÃO; ALLUCI, 2014, p. 98).
Outrossim, compreende-se que, as informações referentes à renda e ao exercício de
atividade remunerada, por exemplo, podem indicar que fatores como dinheiro e tempo
disponível precisam ser levados em consideração nas análises. Ainda que os dados
provenientes do questionário socioeconômico apontaram que a maioria dos alunos,
antes de ingressar na universidade, não trabalha, quatorze estudantes, dos vinte e quatro
estudantes entrevistados, declararam que exercem atividade remunerada.
Assim como as outras atividades culturais, a prática de leitura também é influenciada
pela origem familiar, calcada em hábitos e práticas. Entretanto, ela se difere
consideravelmente por estar estritamente vinculada ao processo de escolarização e,
desse modo, é evidente a influência da escola sobre essa prática nos discursos dos
alunos.
Conclusões
Essa constatação associada às analises aqui efetuadas sobre a prática de leitura dos
estudantes indicam a necessidade urgente de debates e ações qualificados para a
formação inicial no curso de Pedagogia, visando a criação de estratégias capazes de
favorecer a esse perfil de estudantes mecanismos para a apropriação dos conhecimentos
profissionais.
Outrossim, a partir dessa pesquisa foi possível identificar algumas tendências
relacionadas à prática de leitura dos estudantes.
Segundo os dados e as análises realizadas, é indiscutível que a leitura ocupa um lugar
privilegiado no cotidiano dos estudantes. Entretanto, é imprescindível caracterizá-la.
Verificou-se que a leitura em redes sociais, sobretudo no facebook, é predominante e,
mais do que comunicação e entretenimento, os estudantes também o utilizam como
principal meio de obter informações, juntamente com o acesso aos portais.
Além disso, contatou-se que a prática de leitura está restrita às atividades obrigatórias,
referentes ao trabalho ou à graduação. Esse fato parece indicar que essa prática está
muito mais relacionada à leitura formal, vinculada à escola, do que com o gosto de ler.
Esses dados também permitem indicar que a leitura, entendida como comunicação, pode
estar causando impactos nos cursos de nível superior, e quando se trata de formação de
professores precisam ser investigados com mais urgência, principalmente quando há a
preocupação com a qualidade do ensino na educação básica, e, em especial, com os
primeiros anos da alfabetização, que são fundamentais para a aprendizagem da leitura.
De maneira geral, os resultados e análises apontam que é preciso desenvolver a
necessidade da leitura nos estudantes bem como sua aprendizagem de modo autônomo e
significativo. Tendo em vista que o futuro professor da educação infantil e dos anos
iniciais da educação básica é originário da escola pública e que, provavelmente, é esse
espaço o seu destino profissional, o ensino superior é o nível de formação que muito
carece de investimento e transformação em prol da qualidade da educação.
REFERÊNCIAS
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
8669ISSN 2177-336X
32
Unesp, 1998.
JORDÃO, Gisele; ALLUCCI, Renata Rendelucci. Panorama Setorial da cultura
brasileira 2013-2014. São Paulo: Allucci & Associados Comunicações, 2014.
SÁ, Nelson de. Brasil lidera em pagamento por notícia on line. Folha de São Paulo, São
Paulo, 23 de jun. 2015, Primeiro caderno, p.14.
SILVA, Aline Ramiro da. Práticas de leitura de estudantes do curso de Pedagogia:
entre apropriações e formalidades.. 2015. 132f. Dissertação (Mestrado em Educação)-
Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2015. Disponível em:
<http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/134134/000857050_20181001.pdf?
sequence=1>. Acesso em: 26 fev.2016.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
8670ISSN 2177-336X