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Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes Pré-Iniciação Científica Orientador: Prof. Paulo de Tarso Salles Orientando: Lucas de Oliveira Vieira Aspectos interpretativos do Prelúdio n°1 Resumo: Este texto discute a performance e interpretação do Prelúdio n°1 para violão solo de Heitor Villa- Lobos. Uma busca em nosso folclore e cultura além de diálogos com outros compositores são observados. Sonoridades próprias do violão e suas possibilidades são trabalhadas na obra. Palavras-chave: Villa-Lobos, violão, prelúdio n°1, performance. Introdução Em 1940, Heitor Villa-Lobos compôs sua última obra para violão solo: os Cinco Prelúdios, dedicados à sua segunda esposa Arminda Villa-Lobos, a Mindinha. Este artigo pretende analisar o primeiro dos cinco prelúdios de Villa-Lobos. Tal busca tem a intenção de fornecer ao intérprete um melhor entendimento sobre a obra e seu contexto. Este texto se dividirá em dois importantes pontos. Inicialmente, cabe explicar a origem deste termo tão presente em toda a bibliografia musical, prelúdio, verificar o que foi escrito sobre eles e seus desdobramentos nas mãos dos grandes compositores ao longo da história, e seus possíveis diálogos com os prelúdios para violão de Villa-Lobos. Num segundo momento, o primeiro dos cinco prelúdios será trabalhado de uma forma mais detalhada, uma investigação mais profunda em suas evocações, padrões e desenvolvimento motívico. Além de suas relações com prelúdios de outros compositores.

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  • Universidade de So Paulo Escola de Comunicaes e Artes Pr-Iniciao Cientfica Orientador: Prof. Paulo de Tarso Salles Orientando: Lucas de Oliveira Vieira

    Aspectos interpretativos do Preldio n1 Resumo: Este texto discute a performance e interpretao do Preldio n1 para violo solo de Heitor Villa-Lobos. Uma busca em nosso folclore e cultura alm de dilogos com outros compositores so observados. Sonoridades prprias do violo e suas possibilidades so trabalhadas na obra. Palavras-chave: Villa-Lobos, violo, preldio n1, performance. Introduo Em 1940, Heitor Villa-Lobos comps sua ltima obra para violo solo: os Cinco Preldios, dedicados sua segunda esposa Arminda Villa-Lobos, a Mindinha. Este artigo pretende analisar o primeiro dos cinco preldios de Villa-Lobos. Tal busca tem a inteno de fornecer ao intrprete um melhor entendimento sobre a obra e seu contexto. Este texto se dividir em dois importantes pontos. Inicialmente, cabe explicar a origem deste termo to presente em toda a bibliografia musical, preldio, verificar o que foi escrito sobre eles e seus desdobramentos nas mos dos grandes compositores ao longo da histria, e seus possveis dilogos com os preldios para violo de Villa-Lobos. Num segundo momento, o primeiro dos cinco preldios ser trabalhado de uma forma mais detalhada, uma investigao mais profunda em suas evocaes, padres e desenvolvimento motvico. Alm de suas relaes com preldios de outros compositores.

  • Porqu Preldio? Uma questo que surge inicialmente nesta busca est justamente no ttulo da obra, um termo to presente em toda a bibliografia musical. Preldio, por sua definio original1, indicava uma pea que precedia outra msica ou dana, de carter improvisatrio que os msicos do perodo renascentista e barroco tocavam para conferir a afinao dos instrumentos ou com o simples intuito de aquecimento antes de executar obras de maior envergadura. O termo original prembulo (traduz-se prlogo) do latim praeambulum, adiciona uma funo retrica de atrair a ateno numa audincia introduzindo um tpico. As notaes mais antigas conhecidas de preldios so escritas para rgo, e eram usadas para introduzir msica vocal na igreja. Com o passar do tempo os preldios vieram a se tornar obras mais significativas, de forma no to previsvel. As sees idiomticas e improvisatrias passaram ento a ser escritas, notaes essas usadas pelos estudantes em seus avanos tcnicos. Preldios no repertrio violonstico Preldios so vastamente tocados na bibliografia do violo. No caso dos cinco de Villa-Lobos, todos possuem uma forma bem clara e consistente, indo em direo contrria a outros compositores como os preldios de Trrega (fig. 1-1) e do paraguaio Agustn Barrios, por exemplo, (fig. 1.2). Seus preldios so peas curtas que no apresentam grande instabilidade textural e no figuram sees concretas distintas.

    Fig. 1-1: Preldio de Trrega (una lgrima), uniforme e sem passagens que caracterizem qualquer seo

    distinta.

    1 The Oxford Dictionary of Music, Second Edition. Revised/ Edited by: Michael Kennedy, Associate Editor: Joyce Bourne.

  • Fig. 1-2: Trecho inicial do preldio em d menor de Barrios, que segue homogneo at o final.

    Em contrapartida, os preldios de Villa-Lobos apresentam sees distintas, bem caractersticas e definidas. O esquema abaixo2 procura resumir de forma prtica as estrutura geral de cada pea.

    Preldio n 1 A B A

    Preldio n 2 A B A

    Preldio n 3 A B

    Preldio n 4 A B A A Preldio n 5 A B C A

    Explicados os primeiros conceitos essenciais, seguiremos anlise mais detalhada do Preldio n 1 e seus possveis aspectos interpretativos.

    2 (PIEDADE, Accio Tadeu de Camargo, Uma anlise temtica dos preldios para violo de Villa... Projeto de pesquisa, p.2).

  • Preldio n.1: (Forma A B A) SEO A A primeira seo da pea (fig. 2-1) apresenta a melodia nos bordes do violo. Com um acompanhamento quase que percussivo, usando as cordas soltas do instrumento, unindo a linha meldica forte dos baixos.

    Fig. 2-1: Incio da primeira seo, melodia nos baixos e o incessante acompanhamento, das notas SOL-SI-MI, as trs primeiras cordas soltas do violo.

    Tal forma de escrita pode ser explicada. Villa-Lobos traz elementos de folclore e tradio nacional para suas composies, um exemplo dessa busca e incorporao de tais materiais em sua obra est presente nesta pea, alm de dilogos com preldios de outros compositores. Vejamos de que forma.

  • O canto do Xang O canto do xang trata-se de uma encantao de origem africana que provm das macumbas do Rio de Janeiro. A encantao evoca deuses africanos e Mrio de Andrade grafa o canto entoado pelos cantores nos encontros daquela poca (fig. 2-2). A indicao rtmica grafada exata medida do possvel. Sempre havendo um rubato ou ornamento que escapa a qualquer grafia mtrica, variando, ainda, de cada cantor cada vez que o canto era entoado.

    Fig. 2-2: Canto original grafado por Mrio de Andrade no Ensaio sobre a msica brasileira (p. 104). Quando este canto passa pelas mos de Villa-Lobos, ele trabalhado de maneira que a melodia cantada em primeiro plano recheada por uma harmonia com uma textura percussiva, de forma muito similar ao seu posterior primeiro preldio para violo (fig. 2-3), alguns elementos como o salto inicial e pequenos motivos podem ser sutilmente percebidos.

    Fig. 2-3: Melodia em anacruse saltando e em notas longas, sob a textura percussiva do acompanhamento

    do piano, que se mantm sempre.

  • O tipo-Xang Tal maneira de harmonizao caracterizada ainda em seu sexto quarteto de cordas (fig. 2-4), composto em seu perodo nacionalista, mais um motivo para incorporao destes materiais. A melodia no grave, com o acompanhamento em tessituras mais agudas e em padres rtmicos percussivos foi observada e chegou a ser tipificada como Tipo-Xang, por Eero Tarasti, em um captulo de sua autoria sobre os quartetos de cordas de Villa-Lobos3. Termo provido diretamente da maneira que Villa-Lobos harmonizou o canto, explicado anteriormente, e as passagens claras no seu sexto quarteto de cordas.

    Fig. 2-4: Trecho do sexto quarteto de cordas, com novamente a melodia cantada nos graves, acompanhada de maneira homofnica.

    3 JONES, Evan. Intimate Voices. Volume I: Debussy to Villa-Lobos. 2009, p.223.

  • Reforando ainda mais a supracitada tipificao do tipo-Xang, aqui est presente um exemplo dessa organizao em um preldio de Chopin (Op. 28 n6), num possvel dilogo com o primeiro preldio de Villa-Lobos (fig. 2-5). A proximidade entre Chopin e Villa-Lobos foi descrita por Segvia, em seu prefcio sobre os 12 estudos de violo de Villa-Lobos4. A forma que renem ambas as virtudes: a escrita didtica, e ao mesmo tempo rica em vigor, beleza e musicalidade no pensando os estudos como peas montonas com o simples fim de resolver problemas tcnicos.

    Fig. 2-5: Acompanhamento constante na regio aguda, melodia cantado ao baixo.

    Com posse dessas informaes, cabe dizer que o primeiro preldio pra violo de Villa-Lobos tem uma relao direta com o tipo-Xang, vista a maneira que escrita e at mesmo sua textura ao ouvi-lo, tais pontos muito interessantes de serem observados pelo intrprete.

    4 Prefcio de Andrs Segvia para edio Max-Eschig dos "12 Estudos"; Museu Villa-Lobos, 1938.

  • Padres e progresses na primeira seo Seguindo em frente na obra, vemos o uso claro de progresses e padres, um de seus processos composicionais5, tambm na obra para violo. Nestas passagens, mantm-se um padro de posicionamento da mo do violonista, interessante de ser percebido (fig. 3-1).

    Fig. 3-1: Incio do uso de acordes diminutos com stima, em um padro de movimentos consecutivos de segundas descendentes (sol - f#, l - sol#, si l#, d-si, sol#-f), que se resolvem na dominante, que dar

    incio a uma repetio.

    5 Processo muito bem explicado e discorrido pelo maestro Roberto Duarte, no II Simpsio Villa-Lobos. (23 a 25 de nov. de 2012,

    ECA-USP, Anais do II Simpsio Villa-Lobos).

  • O uso novamente de acordes diminutos que descem cromaticamente, com uma constante corda solta (SI). Padro que encerrado pela persistente nota SI presa, enarmonia possvel em virtude da afinao do violo, at a passagem se encerrar na dominante (fig. 3-2). Tambm formando um padro de posicionamento da mo do violonista.

    Fig. 3-2: Padro descendente de acordes diminutos, mais claramente visto com a tablatura.

  • SEO B (Pi Mosso) Nesta segunda seo da pea, o violo busca a sonoridade da viola caipira, instrumento de grande ressonncia em virtude das dez cordas de ao agrupadas em cinco pares6. Mudando a textura, carter e andamento at ento apresentados. A tonalidade passa a ser mi maior, homnima da seo A. O uso de cordas soltas e marcas de acentuao na melodia, e ainda, o arpejo recorrente do acorde de mi maior que remonta uma das afinaes da viola caipira, traz a tona aspectos como grande sonoridade e ressonncia (fig. 4-1).

    Fig. 4-1: Arpejo de mi maior, caracterizando uma das possveis afinaes da viola, alm dos sinais de

    acentuao sobre as cordas soltas, formando uma maior ressonncia na passagem.

    6 (Wolff, D.; Allessandrini, O. Os Cinco Preldios para violo de Heitor... Per Musi, Belo Horizonte, n.16, 2007, p. 1-2.)

  • Tal forma textural e maneira de remeter ao som da viola tambm podem ser vistos no preldio ponteado nordestino de Guerra Peixe (fig. 4-2). Uma composio que pode ser tocada tanto na viola quanto ao violo, confirmando esses laos entre os dois instrumentos.

    Fig. 4-2: Ponteio nordestino, para viola ou violo, com ritmo e melodia bem marcados.

  • Outra observao interessante diz respeito tonalidade e a modulao homnima (mi menor -> mi maior), nas sees A e B. Essa transio, que promove uma grande diferena entre as sees por estarem em regies distantes no tocante a campo harmnico, tambm observada novamente nos preldios de Chopin, mais uma vez presente na obra de Villa-Lobos. No preldio Op. 5 e r eol aior de Chopi gota dgua, ofere ua odulao semelhante, desta vez indo da regio do modo maior para seu homnimo menor (d sustenido menor, por enarmonia r bemol menor). Promovendo maiores possibilidades harmnicas e texturais, quase como uma nova seo (fig. 4-3).

    Fig. 4-3: Trecho modulatrio (Db->C#m). Melodia passa a ser cantada ao baixo.

  • Concluses Ao investigar um pouco mais profundamente os caminhos composicionais do primeiro preldio de Villa-Lobos, fica claro que sua construo tem uma relao direta com a organizao denominada tipo-xang em sua primeira parte, que de to clara e irreverente, recebeu essa classificao. Os resultados so, no mnimo, surpreendentes: a evocao de um canto de macumba carioca e posteriormente ainda remetendo ao som de um instrumento original e exclusivamente brasileiro, a viola caipira. Um maior entendimento sobre a pea, ao executante sempre de suma importncia para a melhor performance possvel. No preldio n.1, em especial, os principais aspectos de carter interpretativos que podem ser destacados, so: A percepo da melodia lrica nos bordes do instrumento na sua primeira seo, e, ainda na mesma, a viso dos padres de posicionamento da mo do violonista, que se formam em algumas passagens. Estar ciente da mudana de textura ocorrente entre suas sees, no s neste, mas no cinco preldios de Villa-Lobos, que possuem sees caractersticas e definidas.

  • Referncias ALLE, Paulo de tarso. Villa-Lobos: processos composicionais Capias, P: Editora da Uiap, .

    ANDRADE, Mrio de. Ensaio sobre a msica brasileira pp. -5, 1928. TARASTI, Eero. Villa-Lobos's string quartets. In: JONES, Evan. Intimate voices: the twentieth-century string quartet. Rochester: University of Rochester Press, 2009, pp. 223-255. CHMIT), E. Roert. The piano Works of Claude Debussy pp. -23, Dover Publications, Inc. 2004. WOLFF, Korad. Master of the keyboard pp. 1-15, 187-200, Enl. Ed., 1990. VILLA-LOBOS, Heitor. Cinq Prludes (1940). Paris: ditions Max Eschig, 1954. 5 partituras. Violo. VILLA-LOBOS, Heitor. 12 Etudes (1929). Paris: ditions Max Eschig, 1954. 12 partituras. Violo. VILLA-LOBOS, Heitor. String Quartet No. 6. New York: Associated Music Publisher, Inc. 1993, 1 partitura. Quarteto de cordas.

    CHOPIN, Frdric. Prealudien fr das Pianoforte (1838). 24 partituras. Piano. WOLFF , D.; Allessandrini, O. Os Cinco Preldios para violo de Heitor Villa-Lobos e a transcrio... Per Musi, Belo Horizonte, n.16, 2007, p. 54-66. PIEDADE, Accio Tadeu de Camargo, Uma anlise temtica dos preldios para violo de Villa... Projeto de pesquisa, p.2. FRAGA, Orlado. Os 12 estudos para violo de Villa-Lobos: Como os manuscritos podem interferir na interpretao I: 1 Simpsio Acadmico de Violo da Embap pp. 1-33, 2007. TETA, Ferado Atio A evoluo do choro e sua presena na obra para violo de Heitor Villa-Lobos, com nfase na sute Popular Brasileira I: TCC Curso de Licenciatura em Msica, UDESC pp. 4-6, 2008. II Simpsio Villa-Lobos, 23 a 25 de nov. de 2012, Anais do II Simpsio Villa-Lobos.