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Na prática de cuidados continuados existe grande preocupação em promover a autonomia dos indivíduos em situação de dependência e em reforçar as capacidades da família para lidar com estas situações. Quando a família assume os cuidados do seu familiar no domicílio, na maioria das vezes, demonstra dificuldades em prestar cuidados e tenta encontrar alternativas, das quais, a mais frequente é o reinternamento hospitalar sucessivo e o recurso à institucionalização. Assim, surge este estudo subordinado ao tema: Preparação do regresso a casa – dificuldades da família na continuidade de cuidados
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CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM
DE MDICO CIRRGICA
Preparao do regresso a casa
Dificuldades da famlia na continuidade de cuidados
Andrea Susana Coimbra Pereira Antunes de Carvalho
Orientadora: Professora Doutora Maria da Conceio Pinto Madanelo dos
Santos Rxo, Professora Coordenadora da Escola Superior de Enfermagem de
Coimbra
Dissertao apresentada Escola Superior de Enfermagem de Coimbra
para obteno do grau de Mestre em
Enfermagem de Mdico Cirrgica
Coimbra, Maro de 2013
Todos os seres humanos tm direito a que respeitem a sua vida, e s existe
respeito quando a vida alm de ser mantida, pode ser vivida com
dignidade.
DALMO DALLARI
DEDICATRIA
A vocs, meus filhos, que tantas vezes deixaram de estar comigo para que
este trabalho se realizasse
A ti, Filipe, que acompanhaste este percurso, s o suporte e incentivo para este
e outros desafios, e para mim motivo de grande orgulho!
AGRADECIMENTOS
Professora Doutora Maria da Conceio Pinto Madanelo dos Santos Rxo, agradeo
a orientao, leitura atenta e crtica e disponibilidade.
Professora Doutora Isabel Fernandes, agradeo a sua orientao, as sugestes, os
conselhos e a disponibilidade e compreenso.
Agradeo Fundao para a Assistncia, Desenvolvimento e Formao Profissional de
Miranda do Corvo e Residncia Assistida por terem colaborado e facilitado o processo
de recolha de dados.
minha famlia e a todos os que se cruzaram no meu caminho e que me apoiaram
em momentos de descrena e quase abandono deste caminho, s facilitado pela
vossa presena e apoio.
Aos meus colegas enfermeiros que amavelmente sempre me deram fora para
concluir este percurso, agradeo a sua disponibilidade em ajudar-me sempre que
necessrio.
A todos um sincero Obrigada!
LISTA DE SIGLAS
ADFP - Assistncia, Desenvolvimento e Formao Profissional
ADN - cido Desoxirribonucleico
AVC - Acidente Vascular Cerebral
CIPE - Classificao Internacional para a Prtica de Enfermagem
DPOC - Doena Pulmonar Obstrutiva Crnica
OMS - Organizao Mundial de Sade
REPE - Regulamento do Exerccio Profissional dos Enfermeiros
RNCCI - Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados
SNS - Sistema Nacional de Sade
UMCCI - Unidade de Misso para os Cuidados Continuados Integrados
VIH - Vrus de Imunodeficincia Adquirida
RESUMO
Na prtica de cuidados continuados existe grande preocupao em promover a
autonomia dos indivduos em situao de dependncia e em reforar as capacidades
da famlia para lidar com estas situaes. Quando a famlia assume os cuidados do
seu familiar no domiclio, na maioria das vezes, demonstra dificuldades em prestar
cuidados e tenta encontrar alternativas, das quais, a mais frequente o
reinternamento hospitalar sucessivo e o recurso institucionalizao. Assim, surge
este estudo subordinado ao tema: Preparao do regresso a casa dificuldades da
famlia na continuidade de cuidados.
Esta investigao tem como objetivo principal compreender as dificuldades do familiar
cuidador na continuidade de cuidados do utente no regresso a casa. Com este fim
realizou-se uma pesquisa qualitativa sendo que os dados foram analisados com
recurso ao mtodo fenomenolgico adotado por Giorgi (1985). Para a colheita dos
dados recorreu-se entrevista semiestruturada a seis familiares, cuidadores principais
de utentes com alta programada de uma unidade de cuidados continuados para o
domiclio. A partir da identificao das declaraes significativas emergiram como
categorias principais: as dificuldades na continuidade de cuidados; os fatores
facilitadores no regresso a casa, na continuidade de cuidados e as vivncias do
familiar cuidador. Sendo os enfermeiros os principais intervenientes na rede de
cuidados continuados, atravs dos ensinos, do apoio, da disponibilidade
proporcionados ao utente e da promoo na participao nos cuidados, estes tendem
a garantir confiana nos profissionais e possibilitaram a construo de cuidadores
informais preparados para a alta.
Ao compreendermos quais as dificuldades da famlia neste processo importante das
suas vidas, com todas as repercusses que esta situao envolve, esperamos
contribuir para uma melhor compreenso do cuidador, da prtica profissional dos
enfermeiros que se demonstra serem elementos piv deste processo e ainda
colaborar no desenvolvimento do conhecimento em enfermagem. Neste sentido
podemos sugerir a criao de equipas que acompanhem os cuidadores no domiclio e
que sejam detentores de uma rede de apoio via telefone ou internet para colocarem as
questes e problemas que surjam. Considera-se importante potenciar os fatores
facilitadores que so os ensinos, a participao nos cuidados e o apoio dos
profissionais, bem como desdramatizar as situaes, ajudar a ultrapassar as respostas
desfavorveis das famlias, apoiar e acompanhar os cuidadores na sua capacidade de
resistncia durante todo o percurso que poder ser duradouro.
Ana Temudo
Ana Temudo
Ana Temudo
Ana Temudo
Ana Temudo
ABSTRACT
In practice continued care there is great concern in promoting the autonomy of
individuals in situations of dependency and strengthen the capacity of the family to deal
with these situations. When the family takes care of his family at home, in most cases,
shows difficulties in providing care and try to find alternatives, of which the most
common is the hospital readmission and subsequent recourse to institutionalization.
Thus arises this study under the theme: Preparation Homecoming - family difficulties in
continuity of care.
This research aims to understand the main difficulties of family caregivers in continuing
care wearer's back home. To this end we carried out a qualitative research and the
data were analyzed using the phenomenological method adopted by Giorgi (1985). For
collection of data resorted to semi-structured interview to six family caregivers of clients
with high programmed a unit continuum of care for the household. From the
identification of significant statements have emerged as major categories: the
difficulties in continuity of care; facilitating factors in returning home, continuing care
and the experiences of family caregivers. Nurses being the main players in the
continued care network, through the teachings of the support provided to the user the
availability and promotion of participation in care, they tend to ensure confidence in the
professionals and allowed the construction of informal caregivers prepared for high.
By understanding what difficulties the family in this process important in their lives,
with all the consequences that this entails, we hope to contribute to a better
understanding of the caregiver, the professional practice of nurses that demonstrates
elements are pivotal in this process and collaborate in the development of nursing
knowledge. In this sense we suggest creating teams accompanying caregivers at home
and who are holders of a network of support by phone or internet to put the issues and
problems that arise. It is considered important to enhance the facilitating factors that
are teaching, participation in care and support from professionals as well as de-
dramatize situations, help overcome the unfavorable responses from families, carers
support and follow in their resilience throughout the route that can be lasting.
NDICE DE FIGURAS
Figura 1 - Dificuldades na continuidade de cuidados
Figura 2 - Fatores facilitadores no regresso a casa e na continuidade de cuidados
Figura 3 - Vivncias do familiar cuidador
Figura 4 - Dificuldades da famlia na continuidade dos cuidados
NDICE
INTRODUO 19
CAPTULO 1 - ENQUADRAMENTO TERICO 25
1. UM OLHAR SOBRE A FAMLIA 27
1.1. A DOENA NA FAMLIA: O ENVELHECIMENTO E AS DOENAS CRNICAS 31
1.2. A FAMLIA COMO PARCEIRA DE CUIDADOS 37
1.3. NECESSIDADES E DIFICULDADES DA FAMLIA 39
2. CONTINUIDADE DE CUIDADOS 43
2.1. CUIDAR E REABILITAR: O NOVO PARADIGMA DOS CUIDADOS 45
2.2. A NATUREZA DOS CUIDADOS DE ENFERMAGEM 47
2.3. A HOSPITALIZAO: DEPENDNCIA E PERDA DE AUTONOMIA 51
2.4. O REGRESSO A CASA E A CONTINUIDADE DE CUIDADOS 53
CAPTULO 2 - ENQUADRAMENTO METODOLGICO 57
1. METODOLOGIA DE INVESTIGAO 59
1.1. O MTODO FENOMENOLGICO E A ENFERMAGEM 60
1.2. QUESTES E OBJECTIVOS DO ESTUDO 61
1.3. PARTICIPANTES NA PESQUISA 63
1.4. PROCEDIMENTOS E TCNICAS DE COLHEITA DE DADOS 64
1.5. ANLISE DOS DADOS 65
1.6. CONSIDERAES FORMAIS E TICAS 68
CAPTULO 3 - APRESENTAO E ANLISE DOS DADOS 71 1. DIFICULDADES NA CONTINUIDADE DE CUIDADOS 73
1.1. RELACIONADAS COM O UTENTE 74
1.2. RELACIONADAS COM O CUIDADOR 78
2. FATORES FACILITADORES NO REGRESSO A CASA E NA CONTINUIDADE DE
CUIDADOS 87
2.1. ENSINOS REALIZADOS 88
2.2. PARTICIPAO NOS CUIDADOS 93
2.3. APOIO DOS PROFISSIONAIS 99
3. VIVNCIAS DO FAMILIAR CUIDADOR 107
3.1. SENTIMENTOS EVIDENCIADOS PELOS FAMILIARES 107
CONCLUSO 115 BIBLIOGRAFIA 123 APNDICES Apndice I Guio da entrevista
Apndice II Consentimento informado
Apndice III Pedido de autorizao para a realizao de entrevistas
Apndice IV Entrevista transcrita
19
INTRODUO
Nas sociedades contemporneas assistimos a uma vertiginosa evoluo e a
transformaes sociais, demogrficas, sanitrias, tecnolgicas, econmicas, com
reflexos no mbito da sade. A estas transformaes no podemos ficar indiferentes,
como cidados, como utentes e como enfermeiros, cuja componente humanstica e de
cuidar constituem o denominador comum no desenvolvimento de toda a nossa prtica.
A nossa sociedade confronta-se com o aumento do nmero de indivduos em
situaes de morbilidade, com elevado nvel de dependncia, que necessitam de um
acompanhamento diferenciado durante toda a vida. A dependncia surge como a
vulnerabilidade sobre a condio da humanidade, que equivale no s a um mero
aspeto fsico, mas tambm a uma condio de fragilidade, quer individual quer social.
A Enfermagem , sem dvida, uma profisso em grande desenvolvimento, atingindo
nveis nunca vistos em outra profisso, que resulta da procura e identificao de todo
um conjunto de conhecimentos prprios, que pretende ser a sua base de atuao. Os
enfermeiros sempre manifestaram a preocupao em pensar sobre aquilo que fazem,
em definir conceitos e teorias sobre as componentes essenciais da disciplina,
procurando a interligao com outras matrias, ensino e investigao, no sentido de
melhorar a qualidade da sua prtica.
Numa atualidade marcada por profundas alteraes nos modelos de gesto e at na
prestao dos cuidados de sade, particularmente com o reforo da entrada de
interesses privados na gesto do sector e com o possvel conflito de interesses da
decorrentes, importa ter bem presente que a sociedade espera dos enfermeiros uma
interveno orientada para as complexas questes do exerccio profissional.
Tal como est institudo nos estatutos da Ordem dos Enfermeiros (O.E.) (2002, p.40),
"o exerccio profissional da enfermagem centra-se na relao interpessoal entre um
enfermeiro e uma pessoa, ou entre um enfermeiro e um grupo de pessoas (famlia,
comunidade) ".
Estar hospitalizado, em situao de dependncia no um processo fcil e
relevante perceber quais so os sentimentos da pessoa internada, bem como os da
sua famlia ou pessoas significativas. Saber o que sentido quer pela pessoa quer
pela famlia importante e um passo para compreender e tentar ajudar. S sabendo
20
o que a pessoa e famlia sentem possvel intervir, indo ao encontro das suas
necessidades.
A permanncia do utente dependente no regresso a casa constitui um momento
particularmente importante na vida das pessoas, extremamente sensvel aos cuidados
de enfermagem, qualidade da tomada de deciso e ao acompanhamento que lhe
est associado. Cuidar de um familiar com dependncia, no regresso a casa,
pressupe integr-lo nos mltiplos cenrios da vida quotidiana, suscetvel de grande
impacto no plano individual, familiar, social e econmico. Neste contexto atribuda
uma elevada complexidade problemtica dos cuidados aos utentes dependentes e
famlia na comunidade, que exigem uma abordagem integradora, de continuidade e de
parceria, isto , uma interveno no mbito da continuidade de cuidados.
Este trabalho posiciona-se numa perspetiva humanista, que se centra na
individualidade pessoal e na conceo de que as aes realizadas pelo homem so
livres, com potencial para aprender e para se desenvolver.
Estrutura da investigao
A introduo deste trabalho aborda a problemtica do estudo assim como a
justificao e a finalidade do mesmo fazendo uma referncia questo de
investigao.
O desenvolvimento deste estudo divide-se em trs captulos: no primeiro captulo
descrita a fundamentao terica encontrada que suporta esta investigao. Como o
tema envolve uma realidade do quotidiano do pas com evidente acrscimo para o
futuro, optou-se por descrever um olhar sobre a famlia como suporte da sociedade, o
impacto da doena na famlia e a sua funo como parceira de cuidados. A
continuidade de cuidados foi outro tema tambm abordado, desenvolvendo-se um
novo paradigma de cuidados assentes no cuidar e reabilitar, a natureza dos cuidados
de enfermagem neste contexto e a sua aplicao na interao com os cuidados no
domiclio.
No segundo captulo descrito o enquadramento metodolgico da investigao e
integra no seu desenvolvimento os objetivos, as questes, os participantes, os
procedimentos e tcnicas de recolha de dados, a anlise dos dados e as
consideraes formais e ticas contempladas na investigao.
21
No terceiro captulo so apresentados os dados da investigao donde emergiram os
temas referentes s categorias construdas: dificuldades na continuidade de cuidados;
fatores facilitadores no regresso a casa e na continuidade de cuidados; vivncias do
familiar cuidador. realizada em simultneo a apresentao dos dados, atravs da
confrontao com estudos na mesma rea temtica. Desta forma foram seguidas
orientaes de Creswell (2007) que refere que a literatura quando incorporada no final
do estudo resulta em comparar os dados que emergiram do estudo.
No final do documento so descritas algumas concluses de todo este percurso, onde
so englobadas as limitaes ao estudo, implicaes para a prtica, para a gesto,
para a formao e para a investigao em enfermagem e sugestes para outros
estudos relacionados com esta mesma temtica.
O Envelhecimento em Portugal
O efeito cumulativo da diminuio da mortalidade e natalidade tem vindo a alterar o
perfil demogrfico da populao portuguesa, cuja caracterstica mais marcante o seu
progressivo envelhecimento, constituindo este uma das maiores conquistas da
sociedade. Contudo, envelhecer com sade, autonomia e independncia, durante o
maior perodo de tempo possvel, considerado um desafio responsabilidade dos
governos, das famlias e da sociedade em geral, para o qual a sociedade atual no
est preparada.
A diminuio das taxas de natalidade e do aumento da longevidade da populao tm
sido dois fenmenos demogrficos responsveis pelo envelhecimento da populao
portuguesa. A prevalncia de doenas crnico-degenerativas, incapacitantes e
dependentes, consequncia direta do aumento da esperana mdia de vida, tm
vindo, de igual modo a assumir um papel preponderante nos problemas que se
colocam ao sistema de sade e de proteo social, constituindo-se um desafio no que
concerne ao desenvolvimento de polticas capazes de dar resposta a estas novas
situaes.
Nos ltimos anos, diversas foram as alteraes observadas a nvel demogrfico,
encontrando-se previstas vrias modificaes para as prximas dcadas, s quais
devemos estar atentos para perceber a necessidade de mudanas e de reorganizao
do Sistema Nacional de Sade (SNS). Relativamente ao impacto do envelhecimento
22
da populao, prev-se que em 2050 Portugal ser um dos pases da Unio Europeia
com maior percentagem de idosos e menor percentagem de populao ativa. Entre
2004 e 2050, a percentagem de idosos portugueses aumentar de 16,9% para 31,9%,
sendo Portugal em 2050, o quarto pas da Unio Europeia com maior percentagem de
idosos. Os pases mediterrneos continuaro a ter uma baixa taxa de natalidade
associada a uma longa esperana de vida (Direco-Geral da Sade, 2005);
Com a evoluo do conhecimento humano e da medicina em particular, verificar-se-
uma mudana do perfil de patologias atravs da descoberta de vrias formas de
tratamentos, paliativos e curativos. O tipo de patologias com maior prevalncia sofreu
uma mudana de certa forma radical: de uma situao em que as doenas agudas
predominavam, temos agora um quadro em que, na maioria dos casos, a perspetiva
a cronicidade (Cruz, 2008);
Segundo o mesmo autor, iro surgir situaes de dependncia e de fragilidade com
elevada necessidade de apoio social e familiar. O aumento da esperana mdia de
vida associado diminuio da natalidade e da mortalidade tem-se refletido no
progressivo envelhecimento da populao e no aumento da prevalncia de pessoas
com doenas crnicas incapacitantes. Deste modo, aumentam tambm os nveis de
dependncia e de dificuldades dessas pessoas, aumentando tambm as
necessidades de apoio social e familiar.
A mudana do perfil das famlias, ou seja, a estrutura familiar tem vindo a modificar-se
nos ltimos anos. Estas alteraes so devidas a casamentos tardios, divrcios mais
frequentes, pelo aumento das famlias monoparentais e unipessoais, e pela diminuio
da taxa de fecundidade. Outro aspeto que se deve salientar a reduo dos ncleos
familiares, muitas vezes associada integrao da mulher no mercado de trabalho,
ficando esta menos disponvel para o desempenho do seu papel de principal cuidador
informal no seio da estrutura familiar tradicional portuguesa (Cabrita, 2004).
Atualmente, tanto o homem como a mulher trabalham, no tendo condies, nem
disponibilidade, para dar apoio a familiares dependentes, o que contribui para o
isolamento dos mesmos. Para melhor exemplificar o que anteriormente foi
mencionado, apresentamos um conjunto de dados que pretendem caracterizar, de
uma forma sucinta, os principais traos e alteraes das famlias em Portugal, tendo
por base alguns indicadores sociodemogrficos que tm refletido o progressivo
envelhecimento da populao portuguesa.
23
Entre 2001 e 2011 verificou-se uma reduo da populao jovem (0-14 anos de idade)
e da populao jovem em idade ativa (15-24 anos) de, respetivamente 5,1% e 22,5%.
Em contrapartida, aumentou a populao idosa (com 65 anos ou mais) cerca de
19,4%, bem como o grupo de populao situado entre os 25-64 anos, que cresceu
5,3%. Ora este fenmeno do duplo envelhecimento da populao, caracterizado pelo
aumento da populao idosa e pela reduo da populao jovem, continua bem
vincado nos resultados dos Censos 2011. H 30 anos, em 1981 cerca de da
populao pertencia ao grupo etrio mais jovem (0-14 anos), e apenas 11,4% estava
includa no grupo etrio dos mais idosos (com 65 ou mais anos). Em 2011, Portugal
apresenta cerca de 15% da populao no grupo etrio mais jovem (0-14 anos) e cerca
de 19% da populao tem 65 ou mais anos de idade. (INE, 2012)
Os Censos de 2011 divulgam que, na ltima dcada o ndice de dependncia total
aumentou de 48 em 2001 para 52 em 2011. O agravamento do ndice de dependncia
total resultado do aumento do ndice de dependncia de idosos que aumentou cerca
de 21% na ltima dcada. Em Portugal, em 2011 o ndice de envelhecimento acentuou
o predomnio da populao idosa sobre a populao jovem. Esta transformao na
estrutura demogrfica da populao portuguesa, aliada a um conjunto de alteraes
sociolgicas que se traduzem, por exemplo, no aumento da proporo de idosos que
vivem ss criou novas necessidades de cuidados de sade e de apoio social.
Para alm dos fatores anteriormente referidos, a procura de cuidados continuados
igualmente determinada por mudanas verificadas com algumas patologias que tm
evoludo para doenas crnicas e degenerativas, assim como pelo nmero de pessoas
com incapacidade psicossocial sem suporte familiar ou social adequado, entre outros
potenciais utilizadores de unidades de internamento ou de apoio domicilirio (Gabinete
de Informao e Prospetiva do Alto Comissariado da Sade, 2009).
A intensidade do envelhecimento, os aspetos que envolve, assim como os novos
desafios e oportunidades que surgem em consequncia do mesmo, tornam este tema
sempre atual, o que nos motivou ao desenvolvimento desta temtica.
24
Objetivos e questo de investigao
A finalidade deste trabalho destina-se a descrever de forma explicativa os dados
obtidos da aplicao do mtodo de investigao ao estudo do fenmeno, contribuindo
para o aperfeioamento da disciplina cientfica de enfermagem pela extensibilidade
dos resultados na prtica quotidiana e incutir nos profissionais de enfermagem o
estudo da investigao em enfermagem.
Com este estudo de natureza qualitativa, pretende-se compreender as dificuldades
das famlias na continuidade de cuidados, perante o utente dependente e com alta
para o domiclio. A pesquisa qualitativa surge em alternativa pesquisa quantitativa
pois existe a necessidade de compreender as dificuldades sentidas pelas pessoas.
A questo central que orienta esta investigao ser: quais as dificuldades e
necessidades da famlia na continuidade de cuidados pessoa doente aps a
alta de uma unidade de cuidados continuados?
Foram ainda elaboradas as seguintes questes de investigao que complementam a
principal:
Quais as dificuldades da famlia na continuidade de cuidados?
Quais os fatores facilitadores na preparao do regresso a casa?
Quais as necessidades da famlia no regresso a casa?
Como objetivo geral foi definido o seguinte: Compreender quais as dificuldades da
famlia na continuidade de cuidados. Para a concretizao do objetivo geral foram
definidos objetivos especficos:
Conhecer a preparao realizada ao familiar cuidador, para o regresso a casa da
pessoa doente;
Analisar as dificuldades face continuidade de cuidados;
Analisar os fatores facilitadores na continuidade de cuidados.
O esclarecimento das questes e dos objetivos inicialmente delineados permitem-nos
a continuao do trabalho, desenvolvendo algum contedo terico pesquisado que
enquadra a investigao.
Ana Temudo
25
CAPTULO 1
ENQUADRAMENTO TERICO
26
27
ENQUADRAMENTO TERICO
Este captulo visa colocar em evidncia cientfica um processo de investigao, que
tem como objetivo reunir um conjunto de informao sobre a temtica que se pretende
estudar, de modo a dar suporte aos objetivos do estudo. O exerccio de reviso da
literatura permite alargar o alcance dos conceitos considerados na investigao,
integrar a informao produzida por outros investigadores, delimitar e estruturar
melhor o problema (Fortin, 1999, p, 73).
1. UM OLHAR SOBRE A FAMLIA
A contextualizao do papel da famlia e da pessoa de referncia na prtica de
cuidados tem vindo ao longo dos tempos a ser alvo da reflexo dos profissionais de
sade. Desse modo, sabe-se hoje que a famlia assume um papel preponderante
como fator reabilitador da pessoa doente em conjunto com a equipa de sade.
A famlia representa um grupo social primrio que influencia e influenciado por
outras pessoas e instituies. Podemos definir famlia como um conjunto invisvel de
exigncias funcionais que organiza a interao dos membros da mesma,
considerando-a, igualmente, como um sistema, que age atravs de padres
transacionais. No interior da famlia, os indivduos podem constituir subsistemas,
podendo estes ser formados pela gerao, sexo, interesse ou funo, havendo
diferentes nveis de poder, e onde os comportamentos de um membro afetam e
influenciam os outros membros (Minuchin, 1990).
O ser humano no um ser isolado, mas sim membro integrante de uma sociedade e
de uma famlia. De acordo com Johnson citado por Stanhope,
a famlia definida como dois ou mais elementos com origem no mesmo ou
em diferentes grupos de parentesco e que esto envolvidos numa adaptao
contnua da vida, que geralmente habitam na mesma casa, experimentam laos
emocionais comuns e que repartem entre si certas obrigaes. (1999, p. 491-517)
28
Ainda segundo Alarco, a famlia definida como:
Um sistema, um conjunto de elementos ligados por um conjunto de relaes, em
contnua relao com o exterior, que mantm o seu equilbrio ao longo de um
processo de desenvolvimento percorrido atravs de estdios de evoluo
diversificados. (2006, p. 375)
Segundo Phipps et al. (1995), o conceito de famlia tem vindo a ser alterado ao longo
dos sculos. No incio, o conceito referia-se a uma famlia alargada, contudo o
princpio da urbanizao da famlia transformou-a em nuclear: pai, me e filhos.
Existem ainda atualmente as famlias monoparentais, reconstitudas e de adoo.
Tambm Luckmann e Sorense (1998) perspetivam quatro tipos de famlias: famlia
nuclear, constituda por marido, mulher e filhos biolgicos; famlia mista, em que o
marido e/ou a mulher tm filhos de casamentos anteriores e da atual unio, a viverem
em comum; famlia alargada, constituda pelo casal e filhos, avs e outros parentes
sanguneos; e famlias monoparentais, que so famlias de um ou mais filhos em que
existe apenas um progenitor.
A unidade social constituda pela famlia como um todo vista como algo para alm
dos indivduos e da sua relao sangunea, de parentesco, relao emocional,
incluindo pessoas que so importantes para o cliente, que constituem as partes do
grupo. No devemos impor a nossa noo de famlia, mas sim saber que famlia
aquela que o doente define. Cada pessoa pode considerar como famlia o conjunto de
amigos mais ntimos, ou ainda o elemento significativo, sendo este a pessoa com a
qual o indivduo mantm relaes que considera mais importantes do que aquelas que
tem com a prpria famlia (Worsley citado por Almeida et al. 1997).
No que concerne Enfermagem e de acordo com a Classificao Internacional para a
Prtica de Enfermagem, a famlia define-se como um:
Grupo com caractersticas especficas: Grupo de seres humanos vistos como
uma unidade social ou um todo coletivo, composta por membros ligados atravs
da consanguinidade, afinidade emocional ou parentesco legal, incluindo pessoas
que so importantes para o cliente. (CIPE, 2005)
Em todas as famlias, independentemente da sociedade, cada membro ocupa
determinada posio, ou tem determinado estatuto, como por exemplo, marido,
esposa, filho ou irmo, sendo orientados por papis. Estes no so mais do que as
expectativas de comportamento, de obrigaes e de direitos que esto associados a
29
uma dada posio na famlia ou no grupo social (Duvall e Miller citados por Stanhope,
1999).
Apesar do carcter universal com que a famlia se apresenta, as formas de vida
familiar tm variado de sociedade para sociedade e de gerao para gerao,
constatando-se enormes mudanas nos padres das famlias. De facto, o tempo e o
espao surgem, assim, como condicionantes da estrutura do grupo familiar (Machado,
2008). Ao longo do tempo e nas diferentes culturas, o nvel de organizao e
diferenciao foi evoluindo, continuando no entanto a famlia a ser a instituio
sustentadora do desenvolvimento social, psicolgico, cultural e econmico do Homem.
O modelo familiar da nossa sociedade e do nosso tempo o resultado de uma
complexa transformao que teve lugar ao longo dos sculos e que em cada cultura
foi sujeita a mudanas especficas, assumindo conotaes diferentes. por isso que o
sistema organizador do parentesco diferente no Ocidente, no Oriente e nos pases
rabes. As diferenas dependem sobretudo das transformaes e das reorganizaes
econmicas, polticas e religiosas que pertenceram s diferentes sociedades. No
entanto, talvez tenha sido s no nosso momento histrico e nos pases ocidentais que
as mutaes do sistema familiar incluram tambm a subjetividade, a afetividade e o
sentimento.
Segundo Atkinson e Murray (1989), a famlia um sistema social incomparvel,
composto por um grupo de indivduos, cada um com um papel atribudo, e embora
diferenciados, concretizam o funcionamento do sistema como um todo. O conceito de
famlia, ao ser abordado, recorda obrigatoriamente, os conceitos de papis e funes.
Smeltzer e Bare (2005, p. 106) referem que um importante papel da famlia consiste
em fornecer os recursos fsicos e emocionais para manter a sade e um sistema de
apoio nos momentos de crise, como nos perodos de doena.
Nas ltimas dcadas, devido a transformaes e acontecimentos histricos,
econmicos e sociais, verificou-se um acrscimo da participao das mulheres no
mundo laboral, na escolha dos relacionamentos interpessoais (com quem casar, com
quem viver, quantos filhos ter), nas alteraes demogrficas (aumento do nmero de
idosos, diminuio da taxa de natalidade) e na propagao da civilizao urbana
(Carter e McGoldrick, 1995). De acordo com Potter e Perry (2006), as famlias
encaram muitas batalhas, incluindo a mudana nas estruturas e papis na situao
econmica em mudana na sociedade, existindo desafios familiares relacionados com
o divrcio e o envelhecimento dos seus membros idosos. Provavelmente de forma
30
complementar, a sociedade desenvolver estruturas extrafamiliares para se adaptar s
modernas correntes de pensamento e s diferentes realidades sociais e econmicas.
Saliente-se que Stanhope (1999) identificou como funes familiares as seguintes:
geradora de afeto entre os membros da famlia; proporcionadora de segurana e
aceitao social, promovendo um desenvolvimento pessoal natural; proporcionadora
de satisfao de sentimento de utilidade, atravs das atividades que satisfazem os
membros da famlia; asseguradora da continuidade das relaes, proporcionando
relaes duradouras entre os familiares; proporcionadora de estabilidade e
socializao, assegurando a continuidade da cultura da sociedade correspondente;
impositora da autoridade e do sentimento do que correto, relacionado com a
aprendizagem das regras e normas, direitos e obrigaes caractersticas das
sociedades humanas.
Assim reconhece-se que a famlia ao longo da sua histria tem-se confrontado com
profundas modificaes para garantir a sobrevivncia como sistema familiar. Para tal,
foi compartilhando e at mesmo transferindo para outros agentes sociais, algumas das
funes anteriormente consideradas particulares da famlia, especialmente a
socializao e a proteo dos seus membros. Atualmente estas so desempenhadas
em grande medida pela escola, servios sociais e servios de sade. No entanto,
como referem Horton e Hunt, citados por Moreira (2006), as funes de socializao,
afetivas e de proteo adquiriram maior importncia, quer pelas mudanas nas outras
instituies, como pelo conhecimento cada vez maior das necessidades pessoais e
sociais dos indivduos.
Para alm das funes descritas, Lancaster (1999) reala ainda que a famlia tem
como funo proteger a sade dos seus elementos e proporcionar cuidados de sade
quando estes necessitam. A importncia atribuda a esta funo deve-se ao facto de
ser no meio familiar que as pessoas desenvolvem o conceito de sade, adquirem
hbitos de sade e estilos de vida saudveis. portanto com a famlia que vo
desenvolver um sistema de valores, crenas e atitudes face sade e doena.
Como refere Pal citada por Andrade (2000) a famlia e os amigos so importantes
suportes sociais para a pessoa, embora assumam papis distintos nas redes sociais
de apoio. Os familiares so importantes, quer pelo valor dos laos de sangue que se
revelam, quer por manifestaes de amor e interesse, quer por comportamentos de
proteo, aliana e defesa, enquanto a importncia dos amigos reside em serem a
grande fonte de autoestima e realizao pessoal.
31
1.1. A DOENA NA FAMLIA: O ENVELHECIMENTO E AS DOENAS CRNICAS
Sendo a famlia um conjunto de pessoas que se encontram ligadas por laos afetivos,
tm objetivos em comum e um funcionamento especfico. No caso do funcionamento
ser alterado, como quando um dos membros est doente, natural que surjam
dvidas e inseguranas. um momento de tomada de decises e necessrio adotar
determinada postura para que o problema seja solucionado. Ao longo do ciclo vital, a
famlia desenvolve uma homeostasia de padres de relacionamentos e um
comportamento baseados na satisfao das suas necessidades e das suas tarefas e
se este equilbrio alterado pela doena de um dos seus membros, todos os outros
elementos vo ser afetados de acordo com o papel familiar do indivduo que adoece e
as necessidades individuais e do grupo vo modificar-se.
Quando a doena atinge um dos seus membros, a famlia encontra-se tambm
envolvida, em maior ou menor grau, e procura compreender no s a doena
propriamente dita e as respetivas causas, mas tambm o tipo de tratamento.
Igualmente, a famlia tem uma funo teraputica, na medida que d informao
acerca do doente, transmite diretrizes quanto ao modo de agir naquela situao
concreta em que um dos seus membros tem a sua vida alterada. A famlia
desempenha um papel fundamental na sade e doena de um indivduo e os doentes,
em geral, apreciam que os familiares estejam envolvidos nas grandes decises
pertencentes ao processo de sade e doena Stanhope (1999).
Nas situaes em que a famlia se defronta com um dos seus membros continuamente
doente, ou seja, com uma doena crnica, cuja incapacidade vai aumentando de
forma gradual, a adaptao e a mudana dos papis dos seus elementos vai sendo
progressiva. Estas situaes exigem famlia uma transformao dos seus padres
transacionais, para que o prprio sistema familiar evolua sem colocar em perigo a sua
identidade e continuidade (Alarco, 2006). A famlia fica sujeita a uma grande tenso,
tanto pelo risco de exausto fsica e psquica como pelo contnuo acrscimo de tarefas
ao longo do internamento do seu familiar.
At meados do sculo XX, as principais causas de morte e invalidez eram de origem
infeciosa, comeando, a partir da, o incremento de doenas crnicas que incapacitam
ou provocam a morte. A famlia como entidade a cuidar s foi reconhecida a partir dos
anos sessenta. A doena vivenciada pela pessoa como uma agresso conduzindo a
uma incapacidade no indivduo e que se repercute no contexto familiar, sendo a
32
famlia confrontada com novas exigncias para as quais geralmente no est
preparada. A crise surge sempre que a famlia se encontra numa situao
imprevisvel, em que a sua capacidade de adaptao est perturbada. Embora se
reconhea na famlia a sua grande capacidade de evoluo e adaptao, face ao
mundo quotidiano, a situao de doena um acontecimento potencialmente gerador
de crise Stanhope (1999).
Durante este perodo, a famlia precisa reorganizar-se de forma a superar as
dificuldades que iro surgir, tanto nos aspetos afetivos, como no social e econmico.
Perante a doena a vida familiar vulnerabiliza-se sofrendo desajustes relativamente
aos padres de vida em sociedade. Uma das suas caractersticas a indefinio da
sua durao e a exigncia que faz de uma nova gesto de toda a ordem social at
ento vigente; a gesto da cronicidade passa acima de tudo por uma nova gesto do
quotidiano do doente (Fonseca, 1997). De um modo geral, com o incio da
dependncia, o utente e famlia vo confrontar-se com a imposio de horrios, dieta,
medicamentos, regras e cuidados, perante um sem nmero de condicionalismos e
restries. A incerteza, a insegurana, a perda de autonomia, o sentimento de
incapacidade e a alterao dos papis at ento desempenhados, constituem
importantes fatores de rutura ao seu equilbrio.
Face s dificuldades a pessoa e familiares tm que tentar encontrar uma posio de
equilbrio, com a ajuda dos seus mecanismos de defesa e dos recursos que lhes so
proporcionados (Garcia, 2002). Essa mesma famlia necessita de tomar diferentes
decises que envolvem a alimentao, o controlo da ingesto de lquidos, a atividade
fsica, a medicao, a gesto do stress e em simultneo tm de interagir com o
sistema de sade, amigos e empregadores, no sentido de obter o apoio necessrio
para a gesto da sua doena.
Segundo Almeida, Colao e Sanchas (1997), quando um elemento da famlia
hospitalizado, as reaes de cada familiar so diferentes e as alteraes que a doena
provoca na famlia esto relacionadas com o papel social do indivduo que adoece, a
idade, o sexo e com a prpria estrutura familiar. Neste sentido, e de acordo com
Liberado (2004), a doena de um dos membros vai converter-se em doena familiar, e
todos sentiro a influncia negativa do sofrimento e dor. importante que todos os
profissionais de sade estejam despertos para este aspeto, pois, to importante
cuidar do doente, como da famlia que o acompanha.
33
Tambm Friedemann citado por Moreira (2006) defende que a enfermagem de famlia
deve ser praticada em trs nveis de sistemas, tais como ao nvel dos membros
individuais em que vista como o contexto dos cuidados ao indivduo, ao nvel
interpessoal em que se dedica aos processos de tomada de deciso e definio de
papis e ainda ao nvel do sistema familiar em que todo o sistema se torna cliente.
Tambm Pal (1997) refere que o conceito de cuidados de enfermagem famlia
surgiu a partir da interao dos conceitos de abordagem e de terapia familiar, dando
origem a abordagem sistmica pela qual o objeto de interveno a famlia como
unidade.
O Envelhecimento e as Doenas Crnicas
O envelhecimento um processo ao qual esto sujeitos todos os seres vivos, sendo
por enquanto, inevitvel. Assim, para Ermida citado por Cabete (2001, p.3), envelhecer
um processo de diminuio orgnica e funcional no decorrente de acidente ou
doena e que acontece inevitavelmente com o passar do tempo.
De acordo com o enunciado, existem vrias teorias que tentam explicar este
fenmeno. Berger e Mailloux-Poirier citados por Cabete (2001, p.3-4) salientam:
Teoria imunitria em que o sistema imunitrio deixa de reconhecer as clulas do
prprio organismo e comea a gerar anticorpos contra si prprio;
Teoria gentica onde o envelhecimento uma etapa do desenvolvimento
geneticamente programado;
Teoria do erro na sntese proteica atravs da existncia e molculas de ADN
incompetentes e que deixam de funcionar;
Teoria do desgaste em que o organismo se comporta como uma mquina e os seus
componentes deterioram-se com o uso originando deficincias de funcionamento e
paragem;
Teoria dos radicais livres em que o envelhecimento celular originado pela ao
nefasta dos radicais livres do oxignio, originando deficincias no ADN;
Teoria neuro-endcrina em que o sistema endcrino est programado para
desenvolver hormonas que tm efeitos de envelhecimento sobre o sistema
neurolgico.
Nos autores consultados existe a concordncia de que o processo de envelhecimento
universal, intrnseco ao organismo, progressivo e cumulativo, nocivo ao organismo
Ana Temudo
34
como um todo e est associado a uma maior mortalidade e morbilidade. De facto, o
envelhecimento um processo multifatorial que origina uma deteriorao fisiolgica do
organismo e que leva a uma diminuio da capacidade de adaptao s alteraes do
meio ambiente, tais como situaes de doena e hospitalizao. Cada pessoa reage
de forma diferente s situaes, assim como cada um envelhece de forma diferente. O
que comum a diminuio da reserva funcional sendo necessrio cada vez mais
tempo para recuperar o equilbrio. (Philipps, Long, Woods e Cassmeyer, citados por
Cabete, 2001).
Com o envelhecimento surgem modificaes ao nvel orgnico, funcional e
psicossocial podendo estes serem ainda influenciados por fatores externos. A nvel
biolgico, perceciona-se uma lentificao dos processos e perda de capacidades,
diminuio da captao de oxignio, do dbito cardaco, da funo renal, da funo
digestiva entre outras, o que origina uma maior dificuldade na reposio do equilbrio
homeosttico (Berger e Mailloux-Poirier citados por Cabete 2001).
A nvel neuro psicolgico, o envelhecimento envolve algumas modificaes, tais como
uma lentificao de alguns processos, principalmente o tempo de reao. No h
alteraes ao nvel da inteligncia, a memria primria no se modifica mas diminui a
memria sensorial com a consequente reduo da capacidade de processar a
informao recente. Deste modo existe maior dificuldade de adaptao a novas
situaes e ao stress emocional (Cabete, 2001). Neste contexto, podero surgir
problemas relacionados com a comunicao pois existe perda da acuidade auditiva,
(embora a compreenso no se altere) e lentificao do discurso com repetio do
contedo. O idoso continua a comunicar com os outros mas utiliza mais tempo para o
fazer.
A nvel social, pode acontecer alguma retrao da vida social e familiar, embora cada
idoso reaja de forma particular. Grande parte dos idosos possui sade fsica, social e
mental, sendo independentes mesmo em idades bastante avanadas; contudo a
ausncia de sade e a incapacidade aumentam com a idade. Neste sentido, os
problemas de sade dos idosos so sobretudo crnicos pois segundo Hart citado por
Cabete (2001) a maioria das pessoas com mais de 65 anos tem pelo menos uma
doena crnica, sendo frequente que tenham duas ou mais.
De facto, frequentemente se associam as doenas crnicas ao processo de
envelhecimento, no sendo totalmente correto, pois estas existem em todas as idades,
35
havendo mesmo doenas crnicas tpicas dos mais jovens (por exemplo, a diabetes
tipo 1). Contudo, a probabilidade de os idosos contrarem doenas crnicas maior.
Segundo a Organizao Mundial de Sade (OMS) (2002), cerca de 80% das doenas
atuais tm tendncia para a cronicidade, cuja pessoa pode ser cuidada fora do
hospital. A mesma organizao indica que a expanso das doenas crnicas reflete os
processos de industrializao, urbanismo, desenvolvimento econmico, globalizao
alimentar, sedentarismo, consumo de substncias que causam dependncias.
Assim, as pessoas com doenas crnicas abrangem uma grande variedade de
quadros, sendo as mais comuns: alergias, cancros, doenas do sistema sanguneo
(hemofilia, talassmia), doenas do sistema circulatrio (hipertenso arterial,
insuficincia cardaca, doenas isqumicas, reumatismo articular agudo), doenas do
aparelho digestivo (cirrose, colite, crohn, ulceras gastroduodenais, sndromas de mal
absoro), doenas endcrinas e metablicas (addison, diabetes mellitus, obesidade e
disfunes da tiroide), infees (VIH; poliomielite, tuberculose), distrbios do
comportamento e doenas mentais (alcoolismo, drogas, tabaco, doena de alzheimer,
depresses),doenas do aparelho msculo-esqueltico (artrites, farturas,
queimaduras) doenas do sistema nervoso (epilepsia, esclerose mltipla, perda de
audio, AVC, parkinson), problemas visuais, doenas do sistema respiratrio (asma
brnquica, DPOC, fibrose qustica), (Roxo, 2004).
As pessoas com doenas crnicas tm evoluo prolongada e so permanentes, no
existindo cura, afetando negativamente a sade e funcionalidade da pessoa mas
podem ser controladas melhorando a qualidade de vida dos doentes. Associado a tudo
isto frequente a coexistncia de patologia mltipla num doente crnico coexistem
em mdia cerca de cinco condies crnicas, o que significa que cada pessoa tem
necessidades individualizadas pois as interaes farmacolgicas podem ser
problemticas se o seu acompanhamento no for prximo.
Neste sentido, considera-se doena crnica todo o tipo de doena que, no podendo
ser curada, deve ser controlada pelos efeitos cumulativos de medicao, terapia fsica,
suporte psicossocial, educao teraputica (Roxo, 2004). Para Brunner citada por
Roxo (2004), a pessoa com doena crnica definida como portadora de um
transtorno ou incapacidade que se arrasta no decorrer do tempo sem tendncia
espontnea para a cura. Para ter uma doena crnica implica que permanea de
forma residual por um perodo superior a trs meses.
36
Luckmann e Sorensen (1998) identificaram sete problemas tpicos de doentes
crnicos. Apesar de estes serem similares aos de qualquer outro doente, tomam-se
diferentes devido sua permanncia na cronicidade:
Preveno e controlo de crises - o carcter evolutivo e prolongado da doena
crnica leva a que o doente necessite de saber e de implementar formas de reduzir ou
prevenir a ocorrncia de crises, de conhecer os sinais de uma crise eminente e de ter
planeado formas de atuao para as alturas de crise.
Gesto de regimes prescritos - a necessidade de tratamentos prolongados exige
adaptaes de vida que dependem de vrios fatores, como sejam, a aprendizagem, a
aceitao, o fator econmico e outros.
Controlo dos sintomas - a multiplicidade de sintomatologia de uma pessoa com
doena crnica obriga a profundas alteraes de vida do seu portador e famlia; essas
alteraes podem ser desgastantes e prolongadas.
Preveno do isolamento social - a doena crnica provoca, por vezes, reaes de
isolamento que conduzem a solido e depresso, levando, ocasionalmente, a rutura
de relaes prolongadas, como o casamento, sendo, por isso, necessrio manter o
apoio social e o aconselhamento profissional de forma a prevenir maior desgaste.
Adaptao a alteraes - as manifestaes das doenas crnicas na pessoa so
imprevisveis, e as alteraes so to frequentes que tomam a adaptao mais difcil.
A doena crnica passa a fazer parte da identidade da pessoa bem como daquelas
que lhe so mais significativas.
Normalizao do quotidiano - com o objetivo de tornar menos visvel as alteraes,
muitos indivduos, portadores de doena crnica, tentam gerir os sintomas, evitando
determinados locais ou horas do dia para os seus encontros sociais.
Controlo do tempo - dependendo das alteraes provocadas pela doena crnica e
suas implicaes (por exemplo manter ou no o emprego) a perceo e gesto do
tempo alterado, considerando alguns ter muito tempo, outros no.
Para alm de todos estes fatores, a dependncia repercute-se na famlia, nos amigos,
na vida profissional o que a torna um problema social.
Segundo Grelha (2009, p.28), todas as pessoas precisam de ajuda para a realizao
das suas necessidades, contudo, o idoso requer uma ateno especial devido ao
prprio processo de envelhecimento. importante providenciar o seu bem-estar,
dedicar-lhe ateno, estabelecer uma boa relao de ajuda, eficaz para a resoluo
dos seus problemas. A pessoa dependente necessita de ser escutada, de ser aceite,
de ser reconhecida e respeitada a sua dignidade.
37
Para a autora, necessrio dar resposta a este novo contexto social do idoso como
pessoa dependente, pois tm sido efetuados esforos e iniciativas no sentido de
prolongar a vida humana e seria lamentvel se no consegussemos criar as
condies adequadas para que se possa usufruir de qualidade de vida e bem-estar at
ao final de sua vida. Neste contexto, importante preparar os prprios idosos
dependentes e seus cuidadores informais para que se possam organizar com o
objetivo de permanecerem no domiclio durante o tempo possvel.
1.2. A FAMLIA COMO PARCEIRA DE CUIDADOS
Desde os primrdios da Humanidade, so inegveis as virtualidades da famlia, quer
se tenha presente o seu valor institucional, a sua misso humana e social e as suas
mltiplas responsabilidades, quer a consideremos como agente primordial na
promoo da sade dos seus membros.
No contexto sociocultural atual, a famlia desempenha um papel fundamental, sendo
considerada a unidade bsica em que nos desenvolvemos e socializamos.
essencialmente nela e com ela que cada indivduo procura o apoio necessrio para
ultrapassar os momentos de crise que surgem ao longo do seu ciclo vital. No entanto,
importa referir que, atualmente, a famlia constitui tambm uma instituio
problemtica pois falar de famlia falar de um misto de pessoas, de comportamentos,
de atitudes e de sentimentos tpicos e generalizados.
Nos dias de hoje, como instituio sujeita mudana, a famlia demonstra ter
adquirido novas formas e funes. De facto, os diferentes papis dos vrios elementos
da famlia tm sofrido inmeras alteraes com todas as mudanas que tm ocorrido
ao longo das ltimas dcadas. Neste sentido, a famlia no pode ser considerada um
recipiente passivo, nem um fenmeno esttico, at porque tem que se ir ajustando
aos tipos de sociedade em que se insere, s necessidades de vida social e
evoluo natural (Machado, 2008, p. 39-43).
De acordo com Relvas (2006), ao falar-se de famlia ter que falar-se obrigatoriamente
das noes de tempo e de mudana. Para Pinto, Montinho e Gonalves (2008, p. 69-
76), o tempo associa-se s tarefas do desenvolvimento da famlia, aos marcadores
das respetivas fases, aos diversos momentos estruturais que, progressivamente
implicam a famlia em diferentes papis e posicionamentos (intra e extrafamiliares) .
38
A famlia , sem dvida, um recurso importante e fundamental na prestao de
cuidados holsticos ao doente e a sua participao no processo de cuidados
condio essencial de uma vida com uma menor dependncia, sempre que possvel
com permanncia no domiclio. Deste modo deve ser estabelecida, logo que possvel,
uma relao de parceria entre os profissionais que cuidam e tratam do elemento
hospitalizado e os seus familiares, proporcionando-lhes ajuda e envolvendo-os nas
tomadas de deciso, bem como na continuidade de cuidados, clarificando informaes
e detetando outras necessidades muitas vezes enevoadas.
A anlise das normas da prtica de enfermagem, no mbito das vrias especialidades
emanadas da American Nurses Association, inclui a famlia como fenmeno focal e
ligam, claramente, a famlia com a prtica de Enfermagem (Whall e Fawcett, 1991).
Do contexto estratgico do nosso SNS depreende-se a existncia de uma vontade
poltica de criar formas de participao do cidado. Neste sentido, os cuidados
continuados desenvolvem um papel importante para atingir esse objetivo pois torna-se
visvel a experincia e o conhecimento dos utentes e familiares. Neste processo de
cuidados continuados, os enfermeiros demonstram ter um papel ativo no
reconhecimento das experincias adquiridas por parte dos familiares, sendo uma
garantia da mais genuna responsabilizao social, centrada no cidado e
comunidade.
De forma a maximizar o sucesso das intervenes teraputicas deve-se, em primeiro
lugar, ter em considerao a histria social da famlia, ou seja, compreender a sua
estrutura, o seu funcionamento, as suas habilidades de comunicao, os recursos
existentes e a perceo da mesma, face crise inevitvel (Reigada, Carneiro e
Oliveira, 2009). Esta interveno s possvel, na opinio de Neto citado pelos
autores anteriormente referidos, com a realizao de conferncias familiares que
podem funcionar como um precioso instrumento de trabalho.
Com esta estratgia, pretende-se atingir alguns objetivos, que so: facilitar a
comunicao, tornando-se eficaz tanto para o doente, como para a famlia e/ou
equipa; ajudar a equipa na transmisso e clarificao, de forma assertiva e contnua,
de informao relativamente doena e aos objetivos dos cuidados; reforar e
envolver a famlia nas tomadas de deciso, bem como na continuidade de cuidados,
ao longo de todo o processo; e prestar apoio emocional. Em suma, as conferncias
familiares no so mais do que armas para consciencializar, confrontar, envolver,
Ana Temudo
Ana Temudo
39
aceitar, capacitar e reunir, num espao comum, todos os elementos que podem ser
preciosos numa fase to delicada como esta.
Para que esta relao se estabelea de forma segura, a comunicao com o doente e
famlia de extrema importncia, podendo contribuir logo desde o incio para o
estabelecimento de uma relao de confiana. O processo de cuidar tem origem nos
sentimentos e conhecimentos, implica ser-se assertivo e responsvel. Comunicar com
clareza um ingrediente essencial de sucesso, num meio em constante mudana,
como o dos cuidados de sade (Riley, 2004).
Comunicar enquanto arte profissional tem que se aprender, analisar, adaptar ao
contexto e sobretudo treinar, e o enfermeiro tem que recorrer a essa arte na sua
prtica do dia-a-dia, no como mais um instrumento teraputico, mas sim como uma
atitude teraputica. Graas habilidade de perceber e comunicar, o homem
enriquece o seu referencial de conhecimentos, obtm satisfao das suas
necessidades, transmite sentimentos e pensamentos, esclarece, interage e conhece o
que os outros pensam e sentem (Daniel, 1983, p. 65).
Sem dvida que a participao direta da famlia na prestao de cuidados pessoa
doente importante e, como tal, deve ser considerada como a pedra de toque para
uma garantia da continuidade e da qualidade dos mesmos aps a alta hospitalar
(Augusto et al., 2002). imprescindvel que os familiares sejam considerados
parceiros no cuidar, mas tambm como recetores de cuidados, aos quais se deve
dirigir a ateno e a interveno da equipa de enfermagem. Uma famlia envolvida no
processo de cuidados uma famlia unida, esclarecida, cooperante e, certamente,
mais tranquila e menos ansiosa, que no renunciou aos seus papis fundamentais, ou
seja, o de dar assistncia e o de cuidar do seu familiar que se encontra doente e
dependente.
1.3. NECESSIDADES E DIFICULDADES DA FAMLIA
Na nossa sociedade, subjacente ao crescimento, desenvolvimento e sobrevivncia do
ser humano est a noo de satisfao de um conjunto de necessidades. Quando se
fala em necessidades atribumos a noo de valor pois cada pessoa atribui um
significado diferente ao que desejvel para si. Deste modo, as necessidades so
sempre relativas aos indivduos e aos contextos onde esto inseridas e dependem de
valores e de crenas (Moreira, 2006).
40
Deste modo, Maslow citado por Moreira (2006) refere que existem necessidades
fundamentais e cada necessidade ativa um impulso que motiva o indivduo a satisfaz-
la. Refere que existe uma hierarquia de necessidades fundamentais desde as
fisiolgicas, de segurana, pertena, estima e de realizao pessoal. Quando as
primeiras esto satisfeitas necessitamos de satisfazer as de nvel seguinte, sendo as
duas primeiras necessidades de sobrevivncia e as restantes da vida social.
Para Henderson citada por Moreira (2006) o ser humano tem exigncias fisiolgicas e
aspiraes que denomina necessidades fundamentais. Considera-as como uma
exigncia vital, essencial ao ser humano para que assegure o seu bem-estar. A autora
define quatorze necessidades que esto relacionadas com as dimenses que
caracterizam o ser humano que so a componente biolgica, psicolgica, social,
cultural e espiritual. Em cada uma das necessidades podem encontrar-se estas
dimenses. As intervenes de enfermagem devem atender o ser humano na sua
globalidade, em todas as suas dimenses e ainda ajudar os indivduos a satisfazer as
suas necessidades quando estes so incapazes de o fazer por si mesmo, porque
esto doentes ou porque tm dfice de conhecimentos, habilidades ou motivaes
(Phaneuf citada por Moreira, 2006).
Compreendendo a famlia e o doente com a unidade a cuidar, torna-se necessrio que
se compreenda e avalie tambm as necessidades sentidas pelas famlias. A famlia
deve ser vista como a unidade recetora de cuidados para que possa desempenhar a
sua funo de prestadora de cuidados. A famlia desde sempre cuidou dos seus
familiares doentes e o xito depende muito do apoio proporcionado pelos profissionais
de sade.
Segundo Andrade (2009), a permanncia das pessoas mais ou menos dependentes
em suas casas ou em co-residncia, sujeita as famlias a definir e redefinir as
relaes, obrigaes e capacidades, acontecendo frequentemente haver dificuldade
em chegar a um acordo no que diz respeito contribuio de cada um dos membros
nos cuidados ao seu familiar dependente.
Para Moreira (2006) a avaliao das necessidades da famlia obriga ao conhecimento
das reaes do doente, expectativas, grau de informao grau de comunicao entre
os membros, grau de disponibilidade familiar para o cuidar, dificuldades reais, recursos
materiais e afetivos disponveis para enfrentar as dificuldades, quem o cuidador
principal e qual a relao deste com o doente, expectativas reais da famlia e do
41
cuidador principal, quais os padres morais e experincias anteriores de situaes de
crise e ainda como enfrentam a resoluo de conflitos.
Tambm Shaerer et al. citada pela autora referida, explica como necessidades
sentidas pelas famlias a escuta e a expresso, pois o facto da famlia se poder
exprimir, ser escutada e compreendida permite aceitar-se melhor e estar mais
disponvel para cuidar da pessoa. Entende-se que a ateno e o apoio so cruciais
para a estabilidade de todo o sistema. Os autores entendem que a famlia necessita
de informao mdica, psicolgica e de cuidados: ao nvel mdico importante que a
famlia seja informada sobre o estado do doente, o projeto teraputico e os meios para
fazer face s situaes tendo em conta que a doena provoca alterao no organismo
e suas funes e nos projetos de vida do doente e famlia. Para Gomz-Batiste et al.
citados por Moreira (2006), cada profissional da equipa de sade tem um papel na
transmisso da informao ao mdico cabe informar sobre o diagnstico,
prognstico e estratgia teraputica; ao enfermeiro cabe informar sobre os cuidados a
prestar, os efeitos da teraputica e a educao do doente e famlia para a
comunicao.
Ao nvel psicolgico alguns dos autores citados consideram que a famlia deve saber
os meios para analisar as reaes do doente e compreender o que pode fazer por ele.
Segundo Lamau citado por Moreira (2006), o familiar cuidador tem necessidade de
estar e sentir-se acolhido de modo a reencontrar o seu lugar de acompanhante
natural; estar sossegado sobre a qualidade de cuidados e sobre a ateno ao alvio
dos sintomas, em particular a dor; estar informado sobre a evoluo dos sintomas e
tratamentos institudos, para compreender e se adaptar; ser consultado sobre os
hbitos e decises a tomar; estar orientado para se envolver na participao dos
cuidados; estar apoiado e poder exprimir cansao, agonia e tristeza.
Segundo estudos de Verssimo (2001), uma situao de apoio pessoa dependente
exige adaptaes por parte da famlia e pode traduzir-se em diferentes nveis, tais
como o recurso coabitao, adaptaes ou obras na casa, dificuldades econmicas,
entre outras situaes. Para a autora, normalmente na famlia que emerge o
cuidador e os cuidados, assumindo-se o papel de cuidador, frequentemente, por
diversos motivos: o sexo e o estado civil da pessoa dependente, os laos de
parentesco, a proximidade fsica e afetiva, os fatores econmicos e profissionais ou
ainda fatores relacionados com o dever e a religio. As motivaes para assumir a
continuidade dos cuidados so idnticas s que estiveram na origem da situao de
apoio.
42
As necessidades de quem apoia pessoas dependentes advm de muitos fatores,
sendo os seguintes os mais importantes, descritos por Jani-Le Bris citados por
Verssimo (2001): o profissionalismo dos servios prestados ao domiclio e sua
implementao; a acessibilidade e capacidade de acolhimento; o tipo e grau de
dependncia; o estado de sade fsica e psquica do prestador de cuidados; o nvel
econmico; o isolamento social e geogrfico; a ausncia ou presena de outros
cuidadores complementares ou de coabitao; a manuteno ou no uma profisso
ativa.
Segundo estudos recentes e inquiridos diversos cuidadores informais na Unio
Europeia, de entre as maiores necessidades destaca-se a necessidade de terem sua
disposio servios que lhe permitam fazer uma pausa nos cuidados, ou seja, dos
cuidados serem assegurados temporariamente por outra pessoa. Isto implicaria a
necessidade de institucionalizao da pessoa alguns dias da semana, em situao de
frias, doena e internamento da parte do cuidador ou a deslocao de uma pessoa
ao domiclio. So ainda referidos aspetos relacionados como necessidades de
conselhos, informao, troca de experincias com outras pessoas na mesma situao,
assistncia prtica, apoio financeiro, apoio psicossocial e necessidade de material
tcnico (Verssimo, 2001).
Neste sentido, a resposta a estas e outras necessidades s pode ser organizada
perante uma perspetiva holstica e multidisciplinar, em que utente e familiar cuidador
so considerados como um centro e uma interveno organizada e planeada, mas em
que as intervenes e os cuidados so concebidos para e com o utente e cuidador.
43
2. CONTINUIDADE DE CUIDADOS
As situaes de continuidade e dependncia, associadas a mudanas scio-
demogrficas, exigem novas estratgias nas polticas de sade de forma a prestar
uma assistncia de qualidade ao doente em situao de dependncia. Esta realidade,
relacionada quer com as alteraes resultantes das diversas fases do ciclo vida, quer
com situaes agudas geradoras de incapacidades, com perda progressiva de
autonomia, exigem a criao de equipas de sade multidisciplinares que prestem
cuidados/apoio ao doente/famlia.
Sem dvida, dada a situao de vulnerabilidade bio-psico-social em que se encontram
as pessoas e suas famlias devem ser defendidos os cuidados apropriados ao seu
estado de sade, sejam eles de natureza preventiva, curativa, reabilitao ou terminais
(Augusto et al., 2002). Reforando esta ideia, os mesmos autores referem que torna-
se fundamental o envolvimento e a cooperao de toda uma equipa e tambm de
parceiros sociais, permitindo desta forma uma continuidade e otimizao dos cuidados
de sade.
Devido a todos os dados apresentados relativamente evoluo da sociedade, j na
dcada de 90, foi sentida a necessidade de iniciar um modelo de resoluo da
situao e como tal foi assinado um despacho conjunto entre o Ministrio da Sade e
do Trabalho e da Solidariedade Social para a articulao entre o apoio social e os
cuidados continuados, atravs da criao dos Apoios Domicilirios Integrados e das
Unidades de Apoio Integradas. Com o passar do tempo estas unidades revelaram-se
insuficientes e ineficazes para alcanar o objetivo a que se destinavam.
Reconhecendo que esta era uma rea com algumas lacunas no nosso pas, em 2003
foi aprovada a Rede de Cuidados Continuados, que tem sido alvo de diversas
alteraes. O Ministrio da Sade entendeu, por via do Decreto-Lei n 281/2003, de 8
de Novembro, criar um quadro legal especfico que impulsionasse o desenvolvimento
de novas unidades prestadoras de um nvel intermdio de cuidados. Desta forma, os
cuidados continuados visavam colmatar as necessidades resultantes da rpida
alterao que ocorria na estrutura demogrfica do nosso pas, caracterizada por um
aumento da populao dependente e portadora de patologias crnicas, a qual carecia
de uma rede de cuidados adequada, articulada e eficaz.
44
A implementao deste tipo de cuidados, em simultneo com outras atividades
complementares, nomeadamente, a reativao dos cuidados ao domiclio, a promoo
de servios comunitrios de proximidade, bem como o reforo de articulao entre as
instituies envolvidas nesta rea dos cuidados, foi considerada uma resposta eficaz
face s necessidades sentidas por um grupo de pessoas, que apresentem tipos de
dependncia funcional transitria e/ou com patologias crnicas evolutivas, bem como
doentes em fase terminal da sua vida. Os servios prestados garantiram, acima de
tudo, a continuidade de cuidados que muitas vezes falhava na rede de servios ao
nvel dos cuidados de sade primrios e hospitalares, devido a uma articulao
desadequada (Observatrio Portugus dos Sistemas de Sade, 2008).
Existiam ainda situaes de doena que no justificando internamentos longos em
relao aos custos e riscos de sade associados tambm no permitiam que fosse
dada alta plena ao doente para o seu domiclio, as quais podiam exigir cuidados de
natureza preventiva, recuperadora e at mesmo paliativa. As razes de ser da sua
existncia poderiam provir de duas vertentes de diferente ndole: razes de ndole
clnica e razes de ndole social (Observatrio Portugus dos Sistemas de Sade,
2008).
De modo a adequar o SNS a novos problemas de sade, o Conselho de Ministros
aprovou, em 16 de Maro de 2006, o diploma que est na origem da Rede Nacional de
Cuidados Continuados de Sade a Idosos e Dependentes (Campos, 2008) e, pelo
Decreto-Lei n 101/2006 de 6 de Junho, criada a Rede Nacional de Cuidados
Continuados Integrados (RNCCI) no mbito dos Ministrios da Sade e do Trabalho e
da Solidariedade Social. Este Decreto-Lei clarifica que a RNCCI assenta num modelo
de cuidados de sade e de apoio social que se situam entre os de base comunitria
e os de internamento hospitalar () visando contribuir para a melhoria do acesso do
cidado com perda de funcionalidade ou em situao de risco de a perder, atravs da
prestao de cuidados tcnica e humanamente adequados (Decreto-Lei 101/2006,
2006, p.3856). Segundo Campos:
A rede consubstancia uma verdadeira lgica de continuidade de cuidados e de
promoo da autonomia, em desfavor de outras lgicas que assentam na presso
para a libertao de camas nos hospitais de agudos e consequente contratao
de outras, quase sempre indiferenciadas, fora deles. No pode haver lugar a mais
hospitais e camas ditos de retaguarda. So necessrios servios adaptados a
cada tipo de problema, uma vez que as simples camas no promovem a
autonomia de ningum, quando ela ainda possvel. (2008, p.108)
45
Contudo, no so s os centros de sade que assumem um papel relevante nesta
rede de cuidados. A nvel hospitalar, as equipas responsveis pela gesto das altas
dos doentes, que requerem o seguimento dos seus problemas, quer no domiclio quer
em outras unidades da rede, so tambm elementos-chave. Neste modelo, a pessoa,
a famlia e os seus cuidadores devem ser colocados no centro das decises, sendo
conhecida a importncia da sua participao no desenvolvimento destes cuidados que
dependem, igualmente, da articulao entre o sistema pblico de sade e o sector
social.
2.1. CUIDAR E REABILITAR: O NOVO PARADIGMA DOS CUIDADOS
O surgimento da RNCCI reala um novo paradigma no sistema de sade e de apoio
social s pessoas idosas, surgindo como uma abordagem centrada no cuidar e no
reabilitar, que visa promover a autonomia, diminuir a tendncia para a dependncia e
reabilitar as suas capacidades funcionais (Decreto-Lei n 101/2006). Esta viso
apoiada por estudos internacionais que demonstram que os cuidados continuados
revertem algumas situaes de dependncia, reduzem os reinternamentos nos
hospitais, possibilitam a recuperao da funcionalidade, bem como a diminuio da
mortalidade e da institucionalizao (Rubenstein et al.,1984; Applegate et al., 1990;
Miller e Weissert, 2000; Garasen, Windspoll e Johnsen, 2007).
O modelo clssico de prestao de cuidados, baseado no modelo biomdico
tradicional, com o foco de ateno centrado exclusivamente nas alteraes biolgicas
e na doena, no de todo adequado transio epidemiolgica do pas. A RNCCI
constitui-se como um importante recurso de retaguarda para os cuidados ps-agudos,
no se centrando na cura (cuidados agudos), mas no processo que lhe precede, em
que a incapacidade e a dependncia podem surgir, sendo urgente a recuperao, o
mais precoce possvel. Por este facto, a RNCCI alicera-se nos novos paradigmas da
recuperao global e da manuteno, sendo entendidos como processos ativos e
contnuos, por perodos que se prolongam para alm do necessrio para o tratamento
da fase aguda da doena ou de intervenes preventivas, compreendendo: a
reabilitao, a readaptao e a reintegrao social, bem como a proviso e
manuteno do conforto e da qualidade de vida, mesmo em situaes irrecuperveis
(Decreto-Lei n 101/2006).
46
Segundo a Unidade de Misso para os Cuidados Continuados Integrados (UMCCI)
(2007, p.8), o cuidado significa fornecer os melhores cuidados possveis e disponveis
a um individuo e ou familiar/cuidador com uma necessidade, num contexto especfico.
De acordo com a mesma fonte, no cuidar, os profissionais devem:
Aplicar a melhor das evidncias disponveis, associada sua percia profissional;
Atender s expectativas e objetivos das pessoas e da famlia/cuidador;
Envolver e promover a participao das pessoas;
Implementar procedimentos facilitadores da recuperao de capacidades funcionais
e/ou cognitivas que conduzam a uma maior autonomia possvel.
As intervenes dos profissionais que trabalham na RNCCI fundamentam-se no
princpio dos 3 Rs - Reabilitao, Readaptao e Reinsero. Para alm destes trs
aspetos, a promoo da sade e preveno da doena so fundamentais para a
autonomia, independncia e qualidade de vida das pessoas idosas e dos seus
familiares. Neste sentido, a OMS (2002), ao abordar os determinantes para um
envelhecimento ativo, destaca que os sistemas de sade necessitam de investir na
promoo da sade e na preveno da doena. A conceo dos cuidados continuados
na RNCCI coloca novos desafios aos seus profissionais, os quais apontam para a
necessidade de novos conhecimentos e competncias.
Neste sentido, a UMCCI apresenta as Orientaes Gerais de Abordagem
Multidisciplinar e Humanizao em Cuidados Continuados Integrados, onde so
descritas orientaes gerais que norteiam as aes de sade. Neste documento, a
UMCCI desenvolve um conjunto de recomendaes que envolvem: o respeito na
forma como o doente quer ser tratado; o respeito pela sua intimidade, privacidade e
confidencialidade; o fornecimento de informaes sobre a sua situao clnica,
recursos, horrios e servios da unidade; obteno do consentimento informado para
o desenvolvimento do cuidado; disponibilidade de assistncia religiosa e
desenvolvimento de ambientes capacitadores e agradveis.
Estas orientaes desenvolvem, ainda, trs aspetos essenciais na compreenso do
cuidado nestas unidades, que so: os cuidados pessoais, a promoo do autocuidado
e a promoo do bem-estar. Para o desenvolvimento destas atividades importante
no esquecer a famlia, desenvolvendo as competncias, o treino e a capacitao para
poderem cuidar dos seus familiares, envolvendo-os em todas as atividades realizadas
(Unidade de Misso para os Cuidados Continuados Integrados, 2007).
47
Embora alguns dos pontos referidos sejam conhecidos para os profissionais de sade,
em especial para os enfermeiros, o seu contexto irrompe numa nova realidade. Olha-
se para o cuidado pessoa atravs de outra lente, que procura ser mais humana,
otimista e integradora. A viso da cura da doena d lugar a uma viso de cuidado
que procura recuperar a mxima funcionalidade, a qualidade de vida, a autonomia e a
independncia da pessoa.
2.2. A NATUREZA DOS CUIDADOS DE ENFERMAGEM
A sade um bem essencial, necessrio a preservar. Florence Nightingale citada
por Collire (1999, p.288) refere a sade como o conjunto de possibilidades que
permitem vida continuar a desenvolver-se. Deste modo, a Enfermagem enquanto
cincia social e humana tem um papel preponderante devendo fundamentar-se num
corpo de conhecimentos e prticas, caracterizado por transaes pessoais,
profissionais, cientificas, ticas e polticas no cuidar, exigindo aos seus profissionais a
mobilizao de conhecimentos adquiridos na formao base e continuamente
renovados.
No Regulamento do Exerccio Profissional dos Enfermeiros (REPE) -captulo II, artigo
4, n 1 - explicitado que os enfermeiros so profissionais que, na rea da sade,
tm como objetivo:
...prestar cuidados ao ser humano so ou doente, ao longo do ciclo vital, e aos
grupos sociais em que ele est integrado, de forma que mantenham, melhorem e
recuperem a sade, ajudando-os a atingir a sua mxima capacidade funcional to
rapidamente quanto possvel (Ordem dos Enfermeiros, 1998)
Ainda neste documento, no artigo 8, relativamente ao exerccio da atividade
profissional dos enfermeiros, referido que tem como objetivos fundamentais a
promoo da sade, a preveno da doena, o tratamento, a reabilitao e a
reinsero social em complementaridade funcional em relao aos demais
profissionais de sade (Ordem dos Enfermeiros, 1998).
Ainda Collire (1999, p. 285) refere que o campo de competncias dos cuidados de
enfermagem situa-se "por um lado, em relao a tudo o que melhora as condies
que favorecem o desenvolvimento da sade com vista a prevenir, a limitar a doena e,
por outro, em relao a tudo o que revitaliza algum que esteja doente. O tradicional
modelo de prestao de cuidados centrado na perspetiva biomdica substitudo por
48
um modelo que tem como finalidade melhorar a qualidade de vida e bem-estar,
reabilitao com vista mxima independncia possvel, adaptao s limitaes e
perdas de autonomia (Navalhas citado por Luz, 2003).
Deste modo, Luz (2003, p. 33-34) refere que o indivduo precisa de um profissional
que estabelea uma relao assente na igualdade e d relevo ao ensino de modo a
permitir aos indivduos fazerem escolhas esclarecidas. O enfermeiro, por lidar
diretamente com o processo sade-doena, deve ter como objetivo principal a
promoo da sade fsica e mental. A proximidade ao indivduo permite desenvolver
competncias comunicacionais, motivacionais e pedaggicas, sendo por isso o
profissional de sade capaz de constituir elos de ligao entre o indivduo, a famlia e
a comunidade, assegurando assim a continuidade dos cuidados, assente numa
perspetiva holstica que contemple a sua integrao na famlia e na comunidade de
origem.
Como defende Martins (2006), o cuidar concretiza-se atravs de uma viso holstica,
pelo que, em contexto de trabalho e no mbito da prestao de cuidados, o enfermeiro
deve atender ao todo, comunidade, mesmo quando aqueles se destinam a
indivduos ou grupos especficos. Para que tal seja possvel, os cuidados devem
basear-se numa interao entre enfermeiro e utente, indivduo, famlia, grupos e
comunidade, tal como preconizado no REPE (artigo 5, n 1), para a caracterizao
dos cuidados de enfermagem (Ordem dos Enfermeiros, 1998)
No n 4, do artigo anteriormente mencionado, referido que os cuidados de
enfermagem englobam, de acordo com o grau de dependncia do utente, as seguintes
formas de atuao:
Fazer por substituir a competncia funcional em que o utente esteja totalmente
incapacitado;
Ajudar a completar a competncia funcional em que o utente esteja parcialmente
incapacitado;
Orientar e supervisionar, transmitindo ao utente informao que vise mudana de
comportamento para a aquisio de estilos de vida saudveis ou recuperao da
sade, acompanhar este processo e introduzir as correes necessrias;
Encaminhar, orientando para os recursos adequados, em funo dos problemas
existentes, ou promover a interveno de outros tcnicos de sade, quando os
problemas identificados no possam ser resolvidos s pelo enfermeiro;
Ana Temudo
49
Avaliar, verificando os resultados das intervenes de enfermagem atravs da
observao, resposta do utente, familiares ou outros e dos registos efetuados.
Atendendo especificidade da prestao dos cuidados de enfermagem nas unidades
da RNCCI, a Ordem dos Enfermeiros (2009, p. 16), atravs do Referencial do
Enfermeiro para a Rede Nacional de Cuidados Continuados, clarifica as competncias
dos enfermeiros. Assim, as prticas dos cuidados de enfermagem devem reger-se por:
Prestar cuidados, assentes nos diagnsticos de enfermagem, no planeamento das
intervenes e na avaliao dos resultados, visando o cuidado ou o encaminhamento
dos clientes, numa estrutura integrada e articulada, em ordem a perseguir a melhoria
do bem-estar e conforto das pessoas em situao de dependncia;
Identificar situaes de risco potencial e de crise, bem como realizar anlise,
proposta e implementao de solues para os problemas encontrados;
Intervir no sentido de procurar criar as condies para a manuteno das pessoas
no seu ambiente, gerindo os meios e recursos disponveis para o acompanhamento
em domiclio, na garantia de prestao dos cuidados necessrios, com qualidade e em
segurana;
Contribuir para a gesto de casos e monitorizao da continuidade e qualidade dos
cuidados;
Assegurar o apoio e o suporte emocional s famlias ou prestadores informais de
cuidados, capacitando-os para a integrao do doente no seio da famlia;
Potenciar a integrao do doente no seio da famlia, contribuindo para a efetividade
dos cuidados e eficcia dos servios prestados pelas instituies do SNS;
Incentivar as pessoas, familiares ou outros para a organizao de aes de
autoajuda e/ou voluntariado, sendo o enfermeiro o dinamizador e organizador dos
grupos, enquanto como um recurso profissional para s pessoas com dependncia e
suas famlias;
Identificar as lacunas ou constrangimentos e realizar planos de interveno para os
suprir, com a finalidade de melhorar a qualidade dos cuidados prestados pessoa
dependente e sua famlia ou cuidadores informais;
Contribuir para a existncia de informao - registos de enfermagem - que
traduzam as prticas dos enfermeiros e os resultados de sade sensveis aos
cuidados de enfermagem.
Como podemos constatar, as competncias dos enfermeiros na RNCCI, dirigem-se
no s ao indivduo doente, mas tambm sua famlia. A nova conceo de cuidados
Ana Temudo
Ana Temudo
50
de sade - cuidados continuados - foca a sua ateno nas limitaes dos doentes que
deles necessitam e ainda na manuteno e no desenvolvimento das suas
capacidades, atravs de um planeamento de ao diferenciado e personalizado que,
ao potenciar a sua capacidade funcional e/ou autonomia nas atividades de vida
dirias, promova a sua qualidade de vida.
Compreende-se que tal como para outros profissionais de sade, tambm para o
enfermeiro este seja um desafio, uma vez que pela adequao das suas competncias
exigncia dos cuidados, poder contribuir para a melhoria dos mesmos. Assim,
direcionando a ateno para a enfermagem e tal como referido no REPE pela Ordem
dos Enfermeiros (1998), o enfermeiro o profissional a quem foi atribudo um ttulo
profissional que lhe reconhece competncia cientfica, tcnica e humana para a
prestao de cuidados de enfermagem gerais ao individuo, famlia, grupos e
comunidade e que atua em complementaridade funcional com outros profissionais de
sade, pelo que se deve ter presente que a qualidade da sade uma tarefa
multiprofissional.
Quanto qualidade da sade, nomeadamente no que diz respeito qualidade dos
cuidados de enfermagem, o Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, no artigo 76, alnea
a) do n 1, refere que o enfermeiro tem o dever de exercer a profisso com os
adequados conhecimentos cientficos e tcnicos () adotando todas as medidas que
visem melhorar a qualidade dos cuidados (Ordem dos Enfermeiros, 2009, p. 69-70).
Simultaneamente, na prestao dos mesmos, o enfermeiro deve ter presente que as
suas competncias, mais que um somatrio de conhecimentos e habilidades, devem
traduzir o respeito pela individualidade de quem recebe os cuidados, alicerando-se
numa parceria que valorize o papel da pessoa na edificao do seu projeto de sade.
Independentemente do tipo de intervenes desenvolvidas, interdependentes ou
autnomas, o seu campo de ao passa, como j foi referido, pela promoo da sade
e pela preveno da doena assim como pelo tratamento, reabilitao e reinsero
social, atendendo a que a atuao dos seus profissionais est dotada de idntico
nvel de dignidade e autonomia de exerccio profissional, em relao aos demais
profissionais de sade, tal como referido no artigo 8 do REPE.
No documento da Rede Nacional de Cuidados Continuados - Referencial do
Enfermeiro relativamente atuao dos enfermeiros face s pessoas em situao de
dependncia, explicitado que os enfermeiros substituem, ajudam e
complementam as competncias funcionais dessas pessoas, ao nvel da satisfao
51
das suas necessidades fundamentais. Neste contexto, os enfermeiros orientam a sua
interveno para a satisfao dessas necessidades, a mxima independncia na
realizao das suas atividades da vida, os processos de readaptao e adaptao
funcional aos dfices, ajudando a pessoa/alvo de cuidados a construir o seu projeto de
sade (Ordem dos Enfermeiros, 2009, p.12).
No contexto das intervenes a desenvolver junto da pessoa em situao de
dependncia, relativamente aos padres de qualidade dos cuidados de enfermagem, a
Ordem dos Enfermeiros defende que o enfermeiro conjuntamente com o cliente
desenvolve processos eficazes de adaptao aos problemas de sade (2001, p.14) e,
simultaneamente maximiza o bem-estar dos clientes e suplementa/complementa
as atividades de vida relativamente s quais o cliente dependente (2001, p.13).
Paralelamente ao que foi referido e ainda de acordo com o mesmo documento so
funes de todos os enfermeiros especialistas, independentemente da sua rea de
formao:
Promover a formao de profissionais de sade, cuidadores e cidados;
Realizar sesses de educao para a sade integrando redes de apoio;
Definir indicadores para os cuidados de enfermagem;
Avaliar os ganhos em sade decorrentes das intervenes especializadas de
enfermagem;
Promover a continuidade dos cuidados pela articulao entre equipas e instituies;
Contribuir com dados e resultados para a investigao e para a melhoria dos
cuidados de enfermagem.
Assim, face aos seus conhecimentos devem os enfermeiros ser um elo de ligao
entre o utente e os familiares cuidadores, revertendo a qualidade desta relao
sempre em favor da pessoa cuidada.
2.3. A HOSPITALIZAO: DEPENDNCIA E PERDA DE AUTONOMIA
Tal como foi referido nos captulos anteriores, os cuidados continuados revertem
algumas situaes de dependncia e reduzem os internamentos hospitalares, o que
no invalida que estes devem estar sempre preparados para receber os utentes que
em situaes crticas exigem naturalmente o regresso ao hospital.
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A palavra hospital deriva do latim medieval e designava, no ponto de vista de
Howarth e Leaman (2001), um local amigvel que acolhia peregrinos em viagem e
estranhos. Aqui, eram prestados cuidados aos pobres, desamparados, idosos, rfos,
doentes ou feridos. O termo hospital ter sido utilizado para designar o retiro para os
doentes pobres ou para os loucos, bem como uma instituio para o cuidado
temporrio dos doentes. Modernamente, o seu uso tem vindo a restringir
gradualmente o significado do termo que passou a referir um local de tratamento dos
doentes e acompanhamento dos doentes terminais.
O internamento pode representar uma srie de ameaas: ameaa vida e
integridade corporal, exposio vergonha, desconforto devido dor, cansao,
alteraes alimentao, privao da satisfao sexual, restrio de movimentos,
isolamento, risco de alteraes financeiras, risco de rejeio dos outros face sua
situao, incerteza quanto ao futuro, separao da famlia e amigos, dependncia dos
outros para o bem-estar (Cabete, 1999 b).
Estar internado no propriamente uma experincia em que a pessoa se sinta bem:
est num ambiente diferente do seu, longe das pessoas que considera significativas, o
tempo passado com os familiares no suficiente, j para no falar do fato de estar
rodeado de aparelhos que pouco sabe para que servem. Tudo isto pode provocar
sentimentos de angstia e stress na pessoa, bem como na famlia. Para alm das
ameaas que possa sentir face sua vida e ao seu bem-estar e das privaes ao seu
bio-psico-sociais, a pessoa internada est dividida entre duas culturas (a sua e a da
instituio) estando colocado num universo do qual nem sempre