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 · Presidente da República Jair Messias Bolsonaro Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República Jorge Antonio de Oliveira Francisco Subchefe para Assunt

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Brasília Volume 22 Número 127 Jun./Set. 2020

127

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Presidente da República

Jair Messias Bolsonaro

Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República

Jorge Antonio de Oliveira Francisco

Subchefe para Assuntos Jurídicos interino e

Presidente do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência

Jorge Antonio de Oliveira Francisco

Coordenadora do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência

Fernanda Rodrigues Saldanha de Azevedo

Revista Jurídica da Presidência / Presidência da República

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – Vol. 1, n. 1, maio de 1999.

Brasília: Centro de Estudos Jurídicos da Presidência, 1999–.

Quadrimestral

Título anterior: Revista Jurídica Virtual

Mensal: 1999 a 2005; bimestral: 2005 a 2008.

ISSN (até fevereiro de 2011): 1808–2807

ISSN (a partir de março de 2011/on-line): 2236–3645

ISSN (impresso): 2675–4746

1. Direito. Brasil. Presidência da República, Centro de Estudos Jurídicos da Presidência.

CDD 342

CDU 342(81)

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência

Centro de Estudos Jurídicos, Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto,

Anexo II, Térreo, Ala A,

Sala 100 – CEP 70150-900 – Brasília/DF

Telefone: (61) 3411-2863

E-mail: [email protected]

https://revistajuridica.presidencia.gov.br

© Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – 2020

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Revista Jurídica da Presidência

É uma publicação quadrimestral do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência voltada à divulgação de artigos científicos inéditos, resultantes de pesquisas e estudos independentes sobre a atuação do Poder Público, em todas as áreas do Direito, com o objetivo de fornecer subsídios para reflexões sobre a legislação nacional e as políticas públicas desenvolvidas na esfera federal.

Equipe Técnica

Coordenação de Editoração

Fernanda Rodrigues Saldanha de Azevedo

Humberto Fernandes de Moura

Gestão de Artigos

Ana Íris Morais Pessoa

Capa

Filipe do Nascimento Pires

Diagramação

Filipe do Nascimento Pires

Revisão de Texto

Ana Íris Morais Pessoa

Ayla Christina Alves dos Santos

Karina Gomes Mansur Costa

Revisão de Idiomas

Ana Íris Morais Pessoa

Ayla Christina Alves dos Santos

Revisão de Diagramação

Ana Íris Morais Pessoa

Ayla Christina Alves dos Santos

Karina Gomes Mansur Costa

Arte da Capa

Arte digital elaborada a partir de foto de

uma coluna lateral do Palácio do Planalto

com reflexo no piso interno.

Fotógrafa

Bárbara Gomes de Lima Moreira

Estagiários

Ana Beatriz Fumian Gomes

Bruno Costa Sampaio

Erick Vinícius Leal Gonçalves

Felipe Augusto Romão

Helena Dalbone Freire

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Conselho Editorial

Claudia Lima Marques

Doutorado e Pós-Doutorado em Direito

Internacional Privado pela Universidade de

Heidelberg, Alemanha. Professora Titular

do Programa de Pós-Graduação em Direito

da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul, Brasil.

Claudia Rosane Roesler

Doutorado em Teoria do Direito pela

Universidade de São Paulo, Brasil, e

Pós-Doutorado em Teoria do Direito

pela Universidade de Alicante, Espanha.

Professora da Faculdade de Direito da

Universidade de Brasília, Brasil.

Fredie Souza Didier Junior

Doutorado em Direito pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, Brasil,

e Pós-Doutorado em Direito Processual

Civil pela Universidade de Lisboa, Portugal.

Livre-Docente pela Universidade de São

Paulo, Brasil. Professor Associado da

Universidade Federal da Bahia, Brasil.

Gilmar Ferreira Mendes

Doutorado em Direito Constitucional

pela Universidade de Münster, Alemanha.

Docente Permanente do Instituto

Brasiliense de Direito Público, Brasil.

João Maurício Leitão Adeodato

Doutorado em Filosofia Jurídica pela

Universidade de São Paulo, Brasil, e

Pós-Doutorado em Filosofia Jurídica pela

Universidade de Heidelberg, Alemanha.

Livre-Docente pela Universidade de

São Paulo, Brasil. Professor Titular da

Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

Joaquim Shiraishi Neto

Doutorado em Direito pela Universidade

Federal do Paraná, Brasil. Professor do

Programa de Pós-Graduação em Direito da

Universidade Federal do Maranhão, Brasil.

José Claudio Monteiro de Brito Filho

Doutorado em Direito das Relações Sociais

pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, Brasil. Professor do Programa de

Pós-Graduação em Direito da Universidade

Federal do Pará, Brasil.

Luís Roberto Barroso

Doutorado em Direito pela Universidade

do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, e

Pós-Doutorado pela Universidade de

Harvard, Estados Unidos da América.

Livre-Docente pela Universidade

do Estado do Rio de Janeiro,

Brasil. Professor Titular de Direito

Constitucional da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro, Brasil.

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Vera Karam de Chueiri

Doutorado em Filosofia Jurídica pela New

School for Social Research, Estados Unidos

da América, e Pós-Doutorado pela Yale

University, Estados Unidos da América.

Professora Associada da Faculdade de Direito

da Universidade Federal do Paraná, Brasil.

Apropriate articles are abstracted/indexed in:

BBD – Bibliografia Brasileira de Direito /

Rede RVBI

Google Scholar

LATINDEX – Sistema Regional de

Información en Linea para Revistas

Científicas de América Latina, el Caribe,

España y Portugal

ULRICH’S WEB – Global Serials Directory

Maíra Rocha Machado

Doutorado em Direito pela Universidade de

São Paulo, Brasil, com período sanduíche

na Universidade de Barcelona, Espanha, e

Pós-Doutorado pela Universidade de Ottawa,

Canadá. Professora Associada na Escola de

Direito de São Paulo da Fundação Getúlio

Vargas, Brasil.

Misabel de Abreu Machado Derzi

Doutorado em Direito Tributário pela

Universidade Federal de Minas Gerais,

Brasil. Professora Titular de Direito

Financeiro e Tributário da Faculdade de

Direito da Universidade Federal de Minas

Gerais, Brasil.

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Colaboradores da Edição 127

Pareceristas

Adegmar José Ferreira – Prof. Dr. na Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil

Alexandre Araújo Costa – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil

Alexandre Walmott Borges – Prof. Dr. na Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil

Alberto Jorge Correia de Barros Lima – Prof. Dr. na Universidade Federal de Alagoas, AL, Brasil

Antônio Carlos da Ponte – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil

Antônio José Maristrello Porto – Prof. Dr. na Fundação Getúlio Vargas, RJ, Brasil

Antonio Lavareda – Prof. Dr. no Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação, PE, Brasil

Carlos Ari Sundfeld – Prof. Dr. na Fundação Getúlio Vargas, SP, Brasil

Carlos Bolonha – Prof. Dr. na Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Carlos José Cordeiro – Prof. Dr. na Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil

Cláudio Jannotti da Rocha – Prof. Dr. no Centro Universitário do Distrito Federal, DF, Brasil

Clovis Gorczevski – Prof. Dr. na Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, Brasil

Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida – Prof.a Dr.a na Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, SP, Brasil

Daniella Maria dos Santos Dias – Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Pará, PA, Brasil

Danielle Annoni – Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil

Deilton Ribeiro Brasil – Prof. Dr. na Universidade de Itaúna, MG, Brasil

Edimur Ferreira de Faria – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, MG, Brasil

Egon Bockmann Moreira – Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil

Felipe Braga Albuquerque – Prof. Dr. na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil

Flávio Quinaud Pedron – Prof. Dr. na Fundação Mineira de Educação e Cultura, MG, Brasil

Guilherme de Souza Nucci – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil

Hélcio de Abreu Dallari Júnior – Prof. Dr. na Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP, Brasil

Ilton Garcia da Costa – Prof. Dr. na Universidade Estadual do Norte do Paraná, PR, Brasil

João Maurício Leitão Adeodato – Prof. Dr. na Universidade Federal de Pernambuco, PE, Brasil

Laura Beck Varela – Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil

Leandro Novais e Silva – Prof. Dr. na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil

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Marcelo Fernando Borsio – Prof. Dr. no Centro Universitário do Distrito Federal, DF, Brasil

Márcia Correia Chagas – Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil

Margareth Vetis Zaganelli – Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil

Mario Luiz Delgado – Prof. Dr. na Faculdade Autônoma de Direito, SP, Brasil

Mateus de Oliveira Fornasier – Prof. Dr. na Universidade Regional do Noroeste do Estado do

Rio Grande do Sul, RS, Brasil

Pastora do Socorro Teixeira Leal – Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Pará, PA, Brasil

Regina Célia Martinez – Prof.a Dr.a no Centro Universitário de Jales, SP, Brasil

Rogério Greco – Prof. Dr. na Fundação Escola Superior do Ministério Público, MG, Brasil

Sérgio Mourão Corrêa Lima – Prof. Dr. na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil

Sílzia Alves Carvalho – Prof.a Dr.a na Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil

Theresa Rachel Couto Correia – Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil

Valter Foleto Santin – Prof. Dr. na Universidade Estadual do Norte do Paraná, PR, Brasil

Veronica Lagassi – Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Vladimir Passos de Freitas – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PR, Brasil

William Soares Pugliese – Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil

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Luísa NetoPORTO – Portugal

Doutora em Direito pela Faculdade de

Direito da Universidade do Porto (Portugal).

Professora Associada com Agregação da

Faculdade de Direito da Universidade

do Porto (Portugal). Membro do Centro

de Investigação Jurídico-Econômica da

Faculdade de Direito da Universidade do

Porto (Portugal).

E-mail: [email protected]

Autores Convidados

Bruno DantasBRASIL – Rio de Janeiro

Pós-Doutor em Direito pela Universidade

Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor e

Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade

Católica (PUC-SP). Visiting Researcher Fellow

na Benjamin N. Cardozo School of Law (EUA), no

Max Planck Institute for Regulatory Procedural

Law (Luxemburgo) e na Universidade de Paris

1 Panthéon-Sorbonne (França). Professor de

Direito (UERJ, UNINOVE e FGV Direito-Rio).

E-mail: [email protected]

Karyna Batista SposatoBRASIL - Sergipe

Doutora em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Direito pela

Universidade de São Paulo (USP). Professora Adjunta do Departamento de Direito da

Universidade Federal de Sergipe (UFS). Membro do Centro Iberoamericano de Derechos

del Niño (CIDENI).

E-mail: [email protected]

Autores de Artigos em Língua Estrangeira

Autores

Antônio José Maristrello PortoBRASIL – Rio de Janeiro

Doutor e Mestre em Direito pela University

of Illinois (EUA). Vice-Diretor e Professor

da Escola de Direito da Fundação Getúlio

Vargas (FGV Direito-Rio).

E-mail: [email protected]

Daniela Rezende de OliveiraBRASIL – Minas Gerais

Doutora em Direito e Justiça pela

Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG). Mestra em Filosofia do Direito

pela Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG). Professora de Direito da Fundação

Mineira de Educação e Cultura (FUMEC).

E-mail: [email protected]

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Fernanda D. L. DamacenaBRASIL – Rio Grande do Sul

Doutora e Mestre em Direito pela

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

(UNISINOS). Professora do Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade

de Caxias do Sul (UCS).

E-mail: [email protected].

Juliano Scherner RossiBRASIL – Santa Catarina

Doutor e Mestre em Direito pela Universidade

Federal de Santa Catarina (UFSC).

E-mail: [email protected]

Luciano Felício FuckBRASIL – Distrito Federal

Doutor em Direito pela Universidade de

São Paulo (USP). Mestre em Direito pela

Universidade de Munique (Alemanha).

Professor do Mestrado e da Graduação do

Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

E-mail: [email protected]

Marta PalmisanoITÁLIA – Palermo

Doutora em Direito pela Università di

Palermo (Itália). Professora da Università di

Palermo (Itália).

E-mail: [email protected]

Pedro Henrique R. Sales BRASIL – Distrito Federal

Mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense

de Direito Público (IDP). Especialista em

Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de

Estudos Tributários (IBET).

E-mail: [email protected]

Renato Ferreira dos SantosBRASIL – Rio de Janeiro

Mestre em Direito da Regulação pela

Fundação Getúlio Vargas (FGV – Rio).

E-mail: [email protected]

Vicenzo MilitelloITÁLIA – Palermo

Doutor em Direito pela Università

di Palermo (Itália). Diretor da Scuola

Specializzazione Professioni Legali da

Università di Palermo (Itália).

E-mail: [email protected]

Vladimir Passos de FreitasBRASIL – Paraná

Pós-Doutor pela Universidade de São Paulo

(FDP/USP). Doutor e Mestre em Direito pela

Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Professor do Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu da PUCPR.

E-mail: [email protected]

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Editorial _________________________________________________________________ 234

Autores Convidados _________________________________________________ 236

1 A (nova) dimensão processual da autonomia pessoalLuísa Neto__________________________________________________________________ 238

2 Consensualismo, eficiência e pluralismo administrativo: um estudo sobre a adoção da mediação pelo TCUBruno Dantas_______________________________________________________________ 261

Artigo em Língua Estrangeira _____________________________________ 281

3 Enfoque restaurativo y perspectiva comparada de las terminaciones anticipadas en la justicia penal juvenilKaryna Batista Sposato____________________________________________________ 283

Artigos __________________________________________________________________ 308

4 Compensação de empresas estatais pelo acionista controlador: limite material à persecução do interesse públicoAntônio José Maristrello Porto – Renato Ferreira dos Santos_____________ 310

5 Subsídios para pesquisa, desenvolvimento e inovação na Organização Mundial do Comércio: chutando a escada?Juliano Scherner Rossi_____________________________________________________ 334

6 A sobreposição de tributos e o STFLuciano Felício Fuck – Pedro Henrique R. Sales___________________________ 359

7 Resíduos sólidos e crime de poluição: avanços e retrocessos na legislação e na jurisprudência italianasVicenzo Militello – Vladimir Passos de Freitas – Fernanda D. L. Damacena – Marta Palmisano_____________________________________________ 378

Sumário

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8 Análise comparativa entre os mecanismos e os processos legislativos norte-americano e brasileiroDaniela Rezende de Oliveira_____________________________________________ 404

Normas de submissão _______________________________________________ 427

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Editorial

Caros leitores,

A Revista Jurídica da Presidência – RJP publica a sua edição de no 127 como parte do volume no 22.

Abrimos este número com a autora convidada, a Professora Doutora Luísa Neto, docente da Universidade do Porto, em Portugal, que apresenta o artigo intitulado “A (nova) dimensão processual da autonomia pessoal” e analisa se as novas aplicações (neuro)científicas interferem nas relações entre a autonomia e a garantia dos direitos fundamentais em um Estado Democrático de Direito.

Ainda na seção de Autores Convidados, apresentamos o artigo do Professor Doutor Bruno Dantas, que aborda o tema sobre a Mediação no Tribunal de Contas da União – TCU, no texto “Consensualismo, eficiência e pluralismo administrativo: um estudo sobre a adoção da mediação pelo TCU”.

Já na seção Artigos em Língua Estrangeira, a autora Karyna Batista Sposato aponta os mecanismos de simplificação e de abreviação dos processos de sanções aplicadas no âmbito da Justiça Penal Juvenil, ao analisar casos particulares que ilustram a matéria, no artigo “Enfoque restaurativo y perspectiva comparada de las terminaciones anticipadas en la Justicia Penal Juvenil”.

Na sequência, os autores Antônio José Maristrello Porto e Renato Ferreira dos Santos discutem, no texto “Compensação de empresas estatais pelo acionista controlador: limite material à persecução do interesse público”, os fundamentos legais das modalidades de compensação de empresas estatais pelo acionista controlador ocasionadas por prejuízos financeiros decorrentes de operações que importam em perdas ou em retorno econômico aquém dos parâmetros usuais de mercado.

Juliano Scherner Rossi realiza uma análise, com base em estudos de casos, do regime jurídico dos subsídios para pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI) no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), com o objetivo de fornecer informações para a realização de uma política nacional de desenvolvimento, no artigo intitulado “Subsídios para pesquisa, desenvolvimento e inovação na Organização Mundial de Comércio: chutando a escada”.

No texto “A sobreposição de tributos e o STF”, de autoria de Luciano Felício Fuck e Pedro Henrique R. Sales, os autores fazem uma reflexão sobre a decisão do

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Supremo Tribunal Federal de excluir o imposto sobre a circulação de mercadorias (ICMS) da base de cálculo das contribuições sociais incidentes sobre a receita (COFINS e PIS) e a sobreposição de tributos de bens e serviços.

Em seguida, apresentamos o artigo dos Professores Doutores Vicenzo Militello e Marta Palmisano, da Università di Palermo, na Itália, e dos Professores Doutores Vladimir Passos de Freitas e Fernanda Dalla Libera. Os autores apresentam a evolução normativa e jurisprudencial italiana sobre crimes de poluição por resíduos sólidos, ressaltam algumas dificuldades e deficiências nesse assunto e demonstram coincidências desse tema com as leis do Brasil, em pesquisa com título “Resíduos sólidos e crime de poluição: avanços e retrocessos na legislação e na jurisprudência italianas”.

Encerrando esta edição, Daniela Rezende de Oliveira analisa a comparação entre os mecanismos e os processos legislativos dos Estados Unidos e do Brasil, apontando semelhanças e diferenças nos modelos dos dois países.

Mais uma vez, agradecemos às instituições de ensino superior parceiras da RJP, aos consultores ad hoc, que realizam as avaliações dos artigos por meio do sistema duplo-cego (double blind peer review), aos membros do Conselho Editorial, aos servidores da Subchefia para Assuntos Jurídicos, às autoras e aos autores que submeteram e publicaram seus trabalhos neste periódico, cuja contribuição foi essencial para a publicação de mais uma edição.

Esperamos que tenham uma excelente leitura!

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Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 127 Jun./Set. 2020 p. 238-260

238

http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2020v22e127-2303

1 A (nova) dimensão processual da

autonomia pessoal

LuíSA NETO

Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal).

Professora Associada com Agregação da Faculdade de Direito da Universidade

do Porto (Portugal). Membro do Centro de Investigação Jurídico-Econômica da

Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal).

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Espaço para um progressivo e gradual consensualismo também no domínio processual 3 Dignidade, identidade e liberdade: a limitação imposta pelos direitos fundamentais 4 A Atendibilidade do(s) interesse(s) 5 As proibições de prova 6 Conclusão 7 Referências.

RESUMO: São discutidas as implicações das novas aplicações (neuro)científicas e as novas questões colocadas às relações entre a autonomia e a garantia dos direitos fundamentais em contexto processual, que se pretendem equacionar no contexto de um Estado de Direito Democrático. Assim, com suporte em revisão bibliográfica e em pesquisa científica interdisciplinar, avança-se para a discussão da aplicação dos conceitos e princípios jurídicos tradicionais à emergência de novas questões científicas que no plano processual reclamam solução teórico-prática.

PALAVRAS-CHAVE: Autonomia Direitos Fundamentais Processo Neurociências.

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Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 127 Jun./Set. 2020 p. 238-260

Luísa Neto 239

http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2020v22e127-2303

(New) procedural issues regarding personal autonomy

CONTENTS: 1 Introduction 2 Progressive and gradual consensualism in a procedural approach 3 Dignity, identity and freedom: the limitation imposed by fundamental rights 4 Interest(s) to be attended 5 Prohibition of proof 6 Conclusion 7 References.

ABSTRACT: The article addresses the new questions that new (neuro)scientific applications pose to the relations between autonomy and the guarantee of fundamental rights in a procedural context, suitable with the consideration of a due process of law in a Democratic State of Law. Thus, supported on a bibliographic review and on a interdisciplinary scientific research, we move on to the discussion of the application of traditional legal concepts and principles to the emergence of new scientific issues that demand a theoretical-practical solution in what concerns the due process of law.

KEYWORDS: Autonomy Fundamental Rights Due process Neurosciences.

La (nueva) dimensión procesal de la autonomía personal

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Espacio para un progresivo y gradual consensualismo también en el domínio procesal 3 Dignidad, identidad y libertad: la limitación impuesta por los derechos fundamentales 4 El atendibilidad de los intereses 5 Las proibiciones de la prueba 6 Conclusión 7 Referencias.

RESUMEN: Se discuten las implicaciones de las nuevas aplicaciones (neuro)científicas y las nuevas cuestiones planteadas a la relación entre autonomía y garantía de los derechos fundamentales en un contexto procesal, las cuales se pretenden resolver en el contexto de un Estado de Derecho Democrático. Así, apoyados en la revisión bibliográfica y la investigación científica interdisciplinaria, pasamos a la discusión de la aplicación de conceptos y principios jurídicos tradicionales al surgimiento de nuevas cuestiones científicas que a nivel procedimental demandan una solución teórico-práctica.

PALABRAS CLAVE: Autonomía Derechos Fundamentales Proceso Neurociencias.

Page 22:  · Presidente da República Jair Messias Bolsonaro Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República Jorge Antonio de Oliveira Francisco Subchefe para Assunt

A (nova) dimensão processual da autonomia pessoal

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 127 Jun./Set. 2020 p. 238-260

240

http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2020v22e127-2303

1 Introdução

The brain is embodied and the body is embedded in its environment. That trio must operate in an integrated way. (EDELMAN, 2004)1.

A relevância da autonomia da vontade no Direito, face aos Direitos Fundamentais, tem inegáveis reflexos no plano adjetivo da defesa e garantia destes, em uma

perspetiva publicista que aponta para um referencial de inderrogabilidade.Se, no Direito Romano, a actio era um prius relativamente ao ius, hoje o esquema

inverteu-se radicalmente. Se, como lembram classicamente v.g. Satta (1957) e Varela (1993, p. 325-331), são tantas as doutrinas da ação quantos os autores que dela se ocuparam, importa considerar que consideramos hoje o direito de ação precisamente como corolário do triunfo dos sistemas de justiça pública.

Sigamos Antunes Varela (1993, p. 330) e comecemos pela teoria em voga na primeira metade do século passado, que partia da existência e do pleno funcionamento do direito de ação (e do consequente dever de agir por parte do tribunal), antes mesmo de se saber se o direito subjetivo substantivo alegado existia ou não. Não se contestava, então (VARELA, 1993a, p. 357-361), a força ou a dignidade ontológica de um verdadeiro direito e havia mesmo quem, como na lição clássica de Windscheid, considerasse tal direito de ação uma simples manifestação de vida do direito subjetivo privado, ou quem, como Savigny, o visse como verdadeira metamorfose ou meio de tutela após a respectiva violação. Já Antunes Varela (1993c, p. 70) ensina que a relação processual atravessa, na sua formação genética ou estrutural, um duplo momento, sendo uma relação jurídica de constituição sucessiva, não instantânea.

Ora esta relação processual prodrômica de natureza complexa tem sido entendida como uma relação tripla de relações fundamentais entre autor e réu, autor e juiz, juiz e réu – nas conhecidas formulações de Bulow, Wach, Chiovenda ou Betti –, ora como uma relação dupla entre o autor e o juiz e o réu e o juiz – para Hellwig, Manuel Andrade e Alberto dos Reis – ou ainda, finalmente, como uma mera relação linear entre o autor e o réu –, como para Hobler. Acresce que o tema do direito de ação se coloca com uma ainda maior acuidade, v.g. no caso da previsão de responsabilidade por prejuízo decorrente para outrem da violação dos direitos, liberdades e garantias (e mesmo de outros direitos fundamentais), em que parece emergir um verdadeiro dever jurídico de agir face ao Estado e configurar-se o direito

1 O cérebro está incorporado no corpo e o corpo no seu ambiente. Este trio tem que operar de forma integrada (tradução nossa). A frase explana, em síntese, a teoria de Edelman.

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Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 127 Jun./Set. 2020 p. 238-260

Luísa Neto 241

http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2020v22e127-2303

de ação como autêntico direito subjetivo do autor contra o Estado, representado pelo juiz da causa (VARELA, 1993b, p. 12-16).

Maria João Estorninho (1996, p. 109-120 e 121-138) – ainda que em especial sobre a reação da doutrina jurídico-administrativa à fuga para o direito privado – tentou encontrar níveis de privatização do referido direito de ação (Verwaltungsprivatrecht) por meio da teoria dos dois níveis (Zweistufentheorie).

Mas se acentuarmos as vinculações jurídico-públicas da atividade dos tribunais e da administração judiciária, logo há de surgir a vinculação aos direitos fundamentais, por exemplo em temas como o da aplicação das ideias de consenso e oportunidade ao âmbito processual e/ou da controversa questão da prova obtida por meios ilícitos – configuráveis, na expressão de autores como Grumwold e Baum – eventuais pressupostos processuais negativos que conduzam à caducidade da pretensão punitiva (ROXIN, 1987).

2 Espaço para um progressivo e gradual consensualismo também no domínio processual

A discussão da aplicação de instrumentos de justiça informal, soft justice ou justice douce ao eixo da análise processual – como o plea bargaining2 – corresponde a um processo que teve início nos anos 60 e 70, sobretudo nos países de cultura anglo-saxônica (ROBERTS, 1994, p. 232 e ss.).

A utilização de supostas technicalities3 levanta dúvidas quanto à consideração deste oxímoro jurídico e da (i)legitimidade ou do fundamento de um bargaining power4, como discutido por Kipnis (1976), já na década de 70 do século XX.

Se a expressão bargain sugere que talvez alguém receba algo indevida ou imerecidamente, tendo tido acesso a tal solução por meio de um mecanismo de convencimento e coerção – ainda que no sentido de prática constitucionalmente reconhecida nos Estados Unidos pelo Supremo Tribunal Federal (Brady vs. United States, 1970; e Bordenkircher vs. Hayes, 1978) –, estes mecanismos complementares e não alternativos de legalidade e oportunidade devem consistir em mecanismos de seleção (screening ou filtragem), no sentido de não ser, aliás, possível uma legalidade isenta de todo o coeficiente de discricionariedade.

2 Negociação processual (tradução nossa). Têm sido feitas tentativas no mundo jurídico para que antes se possa falar de plea negotiation, o que traduz uma diferença linguística idiomática evidente no contexto anglo-saxónico, sem tradução para a língua portuguesa que a evidencie devidamente.

3 Argumentos ou justificações técnicas (tradução nossa).

4 Poder de negociação (tradução nossa).

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Será a plea bargaining realmente um mal necessário ou apenas um abuso permitido pelo sistema legal? É que, se acentue, o plea bargaining não existe desde sempre, sendo uma ideia relativamente nova em que o sistema norte-americano permite aos advogados induzirem o arguido a uma transação para um suposto aprimoramento da comunidade. Segundo lembra Costa Andrade (1988), Figueiredo Dias fala da possível introdução destas noções de consenso e oportunidade para melhorar sensivelmente as estruturas de comunicação, enquanto Luhmann acentua que a atitude do destinatário da decisão carece de relevo autônomo em sede de legitimação. Mas é mesmo Costa Andrade que vem levantar, neste âmbito, a questão da eventual indesejabilidade do consentimento em um Estado de Direito, em que, precisamente, o âmbito de validade do consentimento tem necessariamente que ser reduzido no que diz respeito aos direitos fundamentais5.

Por que há de pôr-se em causa algo que é aceito e acordado por todas as partes envolvidas? Precisamente porque se há de ter em conta a referida e inelutável vinculação necessária aos direitos fundamentais, limite último da disposição voluntária.

3 Dignidade, identidade e liberdade: a limitação imposta pelos direitos fundamentais

A relação entre liberdade e dignidade é de estrutura difícil, como refere Aharon Barak (2015, p. 175) ou Edward J. Eberle (2002)6. O princípio da dignidade da pessoa humana apresenta-se, no entanto, sempre como nó górdio (Argiroffi, Becchi, Anselmo, 2008).

Ora, para Capelo de Sousa (1995, p. 144), as notas distintivas do homem são a dignidade humana (Menschenwürde), acompanhada sobretudo do conhecimento dela mesma, a individualidade (Individualität) e a sua pessoalidade (Personalität), isto é, a sua relacionabilidade enquanto pessoa. Nesse sentido, o princípio da dignidade da pessoa, que prescreve que os homens devem ser tratados segundo as suas decisões, intenções ou manifestações de consentimento, parece ser tão básico que resulta quase vago como diretiva de moralidade social e é o portal pelo qual o ideal igualitário e abstrato da moral entra no campo do direito e cumpre uma função

5 Em sentido paralelo, quanto à contratualização no domínio das penas, e para o que nos interessa, veja-se MONTEIRO, 1990, p. 13, 14 e 17, notas 56 e 57.

6 Salientando as diversas origens dos conceitos em presença, DORN GARRIDO, 2011. Veja-se ainda WHITMAN, 2004; CARMI, 2008. Em sentido de justificação de proibição, VERHAEGEN, 2007, p. 1659. Em sentido diverso, e que mais acompanhamos, Novais, 2015, p. 86.

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catalisadora na construção dos direitos humanos. Ainda que muitas vezes definida pela negativa e pelo prisma da violação – como para Dworkin ou Mary Midgley –, a dignidade é, assim – e tem que ser, – o respeito pelo valor intrínseco e a exigência de justiça por cada indivíduo.

Em sentido primário e originário, a dignidade é, pois, de apreensão individual, mas em sentido secundário ou derivado, tem por referência a humanidade no seu conjunto e nas suas gerações. Ora, os topoi da constituição aberta de um Estado de Direito de que fala Gomes Canotilho (2011), na esteira de Theodor Viehweg, ganham, assim, uma nova dimensão se entendidos com base em várias ideias antropológicas que sustentem a abertura do homem ao mundo. A Constituição é, então, concebida como tentativa ou proposta de identificação dos pontos de partida concretos da conformação da ordem social em uma determinada situação histórica e deve ter um pressuposto antropológico (RENAUD, 1999; JERÓNIMO, 2011, p. 364 e 381).

Assim, importará centrarmos a análise no referido significado primário de dignidade, necessariamente contextualizada e relativizada, não no sentido de que se lhe atribua menos valor, mas no de que ao seu valor – máximo – correspondem ou podem corresponder diferentes configurações. Haarscher examinou essa ideia dos droits de l'homme como notion à contenu variable7 (HAARSCHER, 1984, p. 329), identificando-se paradoxalmente com aquilo que de mais permanente há no homem como exigência, aquilo sem o qual não existiria a sociedade humana enquanto tal. Sustenta Jorge Miranda (MIRANDA, 2000, p. 183 e 184; MIRANDA, 1978, p. 9-41) que, apesar de o artigo 1o da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelecer o princípio de que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos” e de que “dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”, cada pessoa deve ser compreendida em relação com as demais. Assim, só percebemos convenientemente a afetação do princípio da dignidade da pessoa humana se, quando perguntarmos o que é melhor para o sujeito, não julgarmos o seu futuro e ignorarmos o seu passado.

Claro que a alternativa não é aqui entre o Direito e a simples não regulação. Há outras ordens normativas que devem ser chamadas a intervir, e o Direito deve saber muitas vezes recuar, esperar, não pretender a total e absoluta juridificação, qual Rei Midas que transforma em ouro tudo aquilo em que toca. É este entendimento que se visa sustentar, já que na sociedade hodierna assistimos a uma profusão das chamadas normas jurídicas técnicas.

7 Os direitos humanos como noção de conteúdo variável (tradução nossa).

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Ora, por que é a liberdade comumente considerada um bem?8 Para Joseph Raz (1986, p. 255 -269), para quem as pessoas são atores morais autônomos, com expressão através das próprias decisões, a liberdade é valiosa em parte, precisamente porque tende para fins sociais, ou seja, por procurar uma ideia de compromisso social para o significado moral da escolha individual. Assim, também para Finnis (1983, p. 7), para quem a racionalidade prática é um desses bens auto-evidentes, aliás, imprescindível para identificar os restantes.

No entanto, quer desde o ponto de vista da explicação quer como da justificação, se produz uma espécie de hiato entre os desejos do indivíduo e a sua decisão de atuar, como se percebe claramente quando ambos os cursos de ação que o indivíduo tinha frente a si eram igualmente desejados ou desejáveis (DAVIDSON, 1973).

Há dois tipos de razões pelas quais as pessoas podem querer ver preservadas as suas vidas: interesses de experiência (ou experimental interests) ou critical interests – ainda que de natureza subjetiva e pessoal (DWORKIN, 1995, p. 201-203). Não há que fazer nosso o lamento dos filósofos pela experimentalização dos interesses pessoais, porque não há nada mais natural que o desejo de escolha, v.g de aproximação do prazer e afastamento da dor. É a noção de bem valioso que aqui está também em causa. Há duas categorias de coisas valiosas: as que o são intrinsecamente – porque sagradas ou invioláveis – e as que se tornam valiosas9. Ora, em decisões importantes as pessoas entendem que é crucial que a sua vida contenha não apenas uma variedade de experiências e relações, mas também que tenha uma estrutura que expresse uma escolha coerente entre aquelas. Claro que esse ideal de integridade não define em si um modo de vida, mas pressupõe convicções substanciais. Haverá, ainda, sempre um princípio de autonomia que impõe que o Estado não prescreva soluções impostas e encoraje as pessoas a se (auto)determinar.

4 A atendibilidade do(s) interesse(s)

Ronald Dworkin analisou em “La comunidad liberal” (1996, p. 147-151 e p. 153) as razões pelas quais em uma associação política de estilo hobbesiano as pessoas se interessam pelas demais, chegando à conclusão que podem fazê-lo em dois sentidos: crítico ou volitivo. Entende-se esta distinção como essencial para a explicação do paternalismo, envolvendo considerações sobre a noção de bem-estar. De fato,

8 Vejam-se FELDMAN, 1993, p. 4; MILL, 1962, p. 126-250, e UNGER, 1976, p. 192-223 e p. 238-242.

9 Como também concorda MCINTYRE, 1990. Em sentido discordante, veja-se OTERO, 2008, p. 107-138.

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Dworkin salienta fundamentalmente que as críticas comunitaristas dizem respeito ao paternalismo crítico e não ao volitivo e que não houve suficiente entendimento daquela forma de compreensão. Por exemplo, para Finnis (1983), consentir em ser governado por um amigo é expressão de grande confiança, e como tal é muitas vezes apreciado, podendo ajudar a cimentar e a aprofundar a relação. Como um ato expressivo, o consentimento tem um valor intrínseco. As pessoas estão conscientes disso e podem confiar-se a si próprios ou os seus negócios ao cuidado de outro10, para quem esse gesto de confiança seja bem-vindo.

O mesmo pode ser reconhecido nas nossas relações com o Estado, porquanto o consentimento representa apenas o fim do espectro de uma miríade de processos e ações que levam à formação e à expressão da atitude de confiança no Estado. Assim, Hobbes compreendeu a questão melhor que Locke. Daí que, como defende Raz (1986), as preferências das pessoas deveriam ser livremente perseguidas apenas dentro de certos limites. Dado que as tarefas do Estado concorrem para a promoção do bem-estar e que elas são requeridas para proteger e promover a autonomia apenas nos limites em que esta contribua para o bem-estar comum, parece seguir-se que não necessitam de respeitar as pessoas que prosseguem atividades imorais ou ignóbeis e que tais atividades possam ser suprimidas por ação do Estado, explica Raz (1986, p. 123).

Essa relevância, mesmo que marginal da ideia de consentimento, está inelutavelmente ligada a uma concepção necessariamente subjetivista do bem. No entanto, a maioria dos autores liberais, ainda mesmo os utilitaristas, abandonaram a concepção hedonista do bem por ser demasiado restrita (NINO, 1980, 1989 e 1994) e fundam-se em um valor da satisfação das preferências que se assuma como objetivo e não dependa de preferências, como precisa Thomas Scanlon (1975, p. 655)11.

Assim, o valor da autonomia não só não deriva como nem sequer é compatível com uma visão externa das preferências, independentemente da validade das razões que as determinam de um ponto de vista interno. Mas o liberalismo que pretenda basear-se em um enfoque externo das preferências enquanto meros fatos psicológicos é uma posição autofrustrante.

Rawls, Dworkin ou Ackerman vieram sustentar que o mais importante é a capacidade de escolha e não a respectiva concretização, sendo que o bem mais genérico que está protegido pelo princípio de autonomia é a liberdade de realizar

10 No mesmo sentido, GANDARA-VALLEJO, 1995.

11 No mesmo sentido, DIAS, s. d., p. 45.

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qualquer conduta que não prejudique terceiros, aqui entroncando necessariamente o problema uma vez mais das decisões de consciência (DIAS, s.d., p. 33-35). No fundo, Kant já havia advertido esta possibilidade de o inquisidor estar convencido da justeza da sua ação. Para aquele autor:

de negar é somente a obrigatoriedade (Verbindlichkeit) de uma decisão de consciência que vise uma moralidade, por força da existência de princípios morais que não precisam de demonstração, pois são objectivamente correctos. (KANT, 1983, p. 552).

Pondo o indivíduo no centro do Universo, Rousseau, no seu “Contrato Social” de 1762, criou uma filosofia individualística que se concentrou na importância da independência moral e intelectual do homem, na autodisciplina como base do automelhoramento. Mas Thomas Hobbes, ao defender o Leviathan – o Estado a quem todos devem obediência –, é bem um exemplo de que o direito natural secular pode ter uma tendência para o totalitarismo e desembocar um positivismo. O próprio Kelsen esclareceu que qualquer tentativa para definir um conceito deve ter em conta um ponto de partida do uso comum da palavra, denotando o conceito em questão.

Ao definir o conceito de direito, devemos começar por examinar as seguintes questões: os fenômenos sociais geralmente chamados como direito apresentam uma característica comum que os distinga de outros fenômenos sociais do mesmo tipo? (KELSEN, 1945, p. 4 e 5). A tradição dos direitos positivos, em particular, é pois, de algum modo, filha do utilitarismo e desenvolveu-se como reação contra o que Jeremias Bentham viu como tendências conservadoras que apelavam ao direito natural para desencorajar o uso de legislação de reforma social, enquanto perpetuavam um sistema desumano, inconsistente e ineficiente de direito positivo12. Já para os liberais, e como correlativo do individualismo libertário, o papel do Estado deveria ser reduzido, o que constitui uma forma paternalista de liberalismo que torna claro que a utilidade não incide sobre o que as pessoas querem, mas sobre o que se pensa ser bom para elas (HART, 1959, p. 175-191).

As objeções ao paternalismo são muitas vezes quantificadas em termos de direitos, mas Mill defende que o princípio da liberdade pode ser defendido com base em razões utilitaristas. Ora, este argumento é paradoxal no sentido em que temos que partir da presunção de que os interesses das pessoas foram adversamente afetados por tentativas pretéritas de intervenções paternalistas (LYONS, 1993, p. 174 e 178 e ss.).

12 POSTEMA, 1986, cap. 8; HALÉVY, 1972, p. 155-181.

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5 As proibições de prova

Os interesses processuais – maxime criminais – encontram limites na dignidade da pessoa humana que justificam a nulidade das provas obtidas com ofensa da integridade pessoal, da reserva da intimidade da vida privada, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência, devendo ter-se por abusiva a intromissão, quando efetuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial, quando desnecessária ou desproporcionada, ou quando aniquiladora dos próprios direitos13.

Essas velhas e novas antinomias das proibições da prova radicam na conflitualidade estrutural entre o Estado e o indivíduo, que devem ser essencialmente resolvidos em um Estado de Direito, não se tolerando a perseguição penal à custa da subvalorização e compressão da liberdade. De fato, a admissibilidade de tais provas proibidas faria cair o Estado em contradição normativa. Em um sistema autoreferente, não deve o Estado permitir tais descontinuidades e assimetrias da lei, desencontros da doutrina e jurisprudência, assimetrias entre a lei constitucional e a lei ordinária, e incongruências entre o direito penal substantivo e o direito processual penal, devendo defender-se a inadmissibilidade processual dos meios de prova estigmatizados com a censura da ilicitude material, porque é a que decorre da dupla dimensão dos direitos fundamentais.

Resta aqui questionar-se se o fim do processo é mais o da garantia que o da legalidade. Mas há quem admita, quanto a esses sistemas de administração de provas, a existência de um Estado de necessidade probatório, que não se contenta com uma redução conceitual e metodológica e um paradigma assente na proibição de valoração. Ainda que se verifique aqui, necessariamente, uma tensão centrífuga e orientação para o caso concreto, não se deve, no todo, desprezar o efeito a distância – Fernwirkung, fruit of the poisonous tree doctrine14 – refletido no texto constitucional (por exemplo, noportuguês) e desenvolvido na legislação processual penal ordinária.

Ora, a violação de uma proibição de valoração de prova significa que o proibido aconteceu, id est, que os fatos conhecidos de modo proibido foram valorados, de tal modo que constituíram o fundamento da sentença, e que não interveio, pois, o chamado tele-efeito ou efeito-a-distância-das-proibições-de-valoração. De acordo com

13 Para desenvolvimentos possíveis sobre este tópico, ALBUQUERQUE, 2007; ALEXANDRE, 1998; ANDRADE, 2006; CASANOVA, 2004; CORREIA, 1999; CORREIA, 2006; MENDES, 2004; MOURA, 1990-91; PALMA, 1994; RAMOS RUBIO, 2000.

14 Em uma tradução possível, a doutrina do fruto da árvore venenosa.

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entendimento pacífico, este pressuposto (Beruhensvoraussetzung) só se verifica quando a respectiva violação da lei predetermina causalmente a sentença, isto é, quando, pelo menos, não se possa excluir que, sem a violação da lei, a sentença seria diferente.

Abrantes (1986, p. 11 a 37, em especial, p. 14) refere como sistemas teoricamente possíveis em matéria de provas proibidas: i) a admissibilidade sem restrições, já que a finalidade da prova é a descoberta da verdade; ii) a inadmissibilidade, baseada no fato de o conceito de ilicitude ser válido para toda a ordem jurídica; e iii) a admissibilidade em certas condições.

Maia Gonçalves (1988) é mais peremptório, declarando-se contrário ao fiat iustitia, pereat mundus, que deve, por um lado, ser temperado com o clássico princípio in dubio pro reo, de Stübel, e com a consideração dos seus efeitos extraprocessuais, segundo os quais a presunção de inocência é princípio natural e lógico da prova. É delicada a conciliação entre o inquisitório e o contraditório; entre o acusatório e a livre apreciação das provas; entre o princípio da investigação e a verdade processual.

Igualmente pouco convincentes são as tentativas de perspectivar a lesão de bens jurídicos individuais como elementos das proibições de valoração da prova, com a distinção entre as que importam um atentado direto à dignidade humana ou as que importam em violações da vida privada ou ainda as que derivam da delimitação da esfera da intimidade como área nuclear a gozar de uma tutela absoluta e em relação à qual é pura e simplesmente vedada toda a ingerência das autoridades da perseguição penal. Ainda assim, aqui encontramos uma área interior colocada sob o domínio exclusivo – beherrschbarn Innenbereich – do arguido, sendo a relação social (Sozialbezug) que aparece como critério decisivo de demarcação entre a intimidade, protegida de modo absoluto e posta a coberto de qualquer intromissão do Estado, e os demais espaços de vida privada, que é legítimo sacrificar em nome de interesses prevalecentes da perseguição penal (GONÇALVES, 1988, p. 401 e 402).

Que deve pois o tribunal fazer, por exemplo, quando confrontado perante a produção de prova proibida? Se esta matéria, desde sempre, se apresentou como polêmica, levanta hoje problemas insuspeitados, como os que decorrem de eventual utilização abusiva de material genético e/ou daquelas outras que abordaremos infra. Pondo em causa os direitos da inviolabilidade da pessoa, o direito ao silêncio, enquanto forma de evitar a auto-incriminação, e demais direitos de defesa, e trazendo perigos de justiça paralela, mais do que colocar questões novas – que já encontrávamos embrionariamente no caso de realização de testes de impressões digitais ou testes sanguíneos –, os novos métodos garantem rigor e certeza, em

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termos que acompanham as necessidades do homem do séc. XXI, mas que podem fazer perigar os mais gerais princípios do Direito.

6 Conclusão

É, por exemplo, a relação entre confissão judicial e princípio dispositivo (Dispositionsmaxime) que, como se calcula, mais nos interessa e que tem sido estudada na doutrina alemã na sequência de Von Canstein, desde 1877, e da invocação do princípio da controvérsia (Verhandlungsmaxime) por Gönner, em 180115.

Segundo uma orientação outrora corrente e hoje largamente corroborada, ambos os princípios correspondem, no campo processual, ao princípio privatístico da autonomia da vontade, sendo assim, expressão da liberdade de exercício e de disposição dos direitos (NETO, 2003, passim). Ora, o princípio da Verhandlung não é mais do que um meio técnico, entre outros possíveis, para alcançar a verdade, sem paralelismo com a autonomia privada e tendo na sua base a ideia de responsabilização das partes pela criação do material fáctico da causa.

Pode o arguido ser meio de prova contra si mesmo? Pode ser configurada a possibilidade de um direito ao silêncio corporal ou à não limitação da autodeterminação enquanto subcategoria do direito ao silêncio?16

Hodiernamente, ainda que a questão não seja nova em termos de discussão (CHIAVARIO, 1997), há, hoje em dia, possibilidade acrescida do impacto de técnicas atuais com um grau de suscetibilidade de personalização diferenciada17, relativamente a mecanismos antigos de psicocirurgia, como a trepanação (6.500 a.C.), a lobotomia (1935), o choque de insulina (1952) ou a utilização de drogas. É que a exploração funcional do cérebro pela denominada Ressonância Magnética funcional permite apontar caminhos da ética da neurociência ou neurociência da ética, tal como definida por Adina Roskies (ROSKIES, 2002 e 2006).

15 A doutrina latina tradicional entende o princípio dispositivo num sentido amplo que abrange a Verhandlungsmaxime e a Dispositionsmaxime da doutrina germânica. Sobre a matéria, veja-se, por todos, FREITAS, 1991 e 1991a.

16 Sobre este ponto, veja-se SILVA, 2018 e BRAVO, 2018. Vejam-se ainda – até no contexto da utilização das neurociências – SILVA, 2017, ASHWORTH, 2008; KLAMING & HASELAGER, 2013; e REDMAYNE, 2002.

17 Sobre os impactos pensáveis no Direito em geral, vejam-se CATLEY, 2016; CHANDLER, 2018; COSGROVE, 2015; DICK, 2002; FALLIN, 2018; GAGNON, 2016; LOBEL, 2018; MAHLMANN, Matthias, 2017; MITCHELL, 1990; MOORE, 2016; MORSE, 2016; NORDBERG, 2016; PATTERSON, 2016; RAKOFF, 2016.

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Se a neurociência estuda os processos cerebrais subjacentes ao comportamento humano e o Direito trata da regulação do comportamento humano, ambas as ciências estão destinadas a tornarem-se natural partners (GOODENOUGH e TUCKER, 2010; PARDO e PATTERSON, 2013)18. Mas a forma como podem essas duas ciências se relacionarem bem merece a advertência de Nita Farahany (2012) de impossibilidade de efetiva proteção legal, dado que o sistema regulatório não consegue adaptar-se ao mesmo ritmo das inovações tecnológicas (CHARO, 2005).

Ora, a inteligência artificial surge como objeto de estudo desde os anos 40 do século XX, mas a ligação aos direitos fundamentais, apenas a partir dos anos 70 do mesmo século (IENCA, 2017). E importa discutir aturadamente os limites do âmbito de proteção e delimitação normativa da inteligência artificial19, desde logo, pela suscetibilidade dos bio hackers – no que diz respeito à autocompreensão e aos institutos de consentimento perante heterointervenções.

Repare-se que não estamos a colocar aqui em causa sequer a discussão do fundamento da personalidade20 – como, por exemplo, nos termos que levaram à concessão da cidadania pela Arábia Saudita ao robô Sophia, em outubro de 2017, e/ou à discussão da atribuição da personalidade jurídica a entidades computadorizadas – mas antes à própria discussão da pessoalidade e dos perigos do neurorrealismo nas neurociências.

Importa de fato ponderar sobre a suscetibilidade de aplicação das molduras reflexivas da ética em um balanço entre a defesa do eu e o interesse geral da sociedade: a moldura da decisão ética principialista de Kant e Bentham, a síntese de Beauchamp e Childress, e o precipitado dos princípios de Belmont Report. É que surge gritante a emergência da arquitetura da escolha e do nudging21 (THALER e SUNSTEIN, 2008) como sucedâneo das teorias paternalistas (em especial, libertárias)22. A discussão da rampa

18 Alertando para os perigos: GREELY, 2009 e PRESIDENTIAL Commission FOR THE STUDY OF BIOETHICAL ISSUES, 2014.

19 É de dezembro de 2018 a versão ultimada do Guia ético para a inteligência artificial lançado pela União Europeia, da responsabilidade do HighLevel Expert Group on Artificial Intelligence (AI HLEG).

20 A resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, que contém recomendações à Comissão sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica (2015/2103 (INL)). Sobre o tema veja-se ainda GARCÍA, 2018 GUIMARÃES, 2017 e ROGEL, 2018.

21 Alegada boa manipulação (tradução nossa).

22 ARAD & RUBINSTEIN, 2017; GRAND et al., 2005; KAPSNER et alii, 2015; LEPENIES & MALECKA, 2015; MCCLOSKEY, 1980; SCHMIDT, 2017 e WILKINSON, 2013.

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escorregadia para intervenções não consentidas, em especial no caso do nudging23 preventivo ou antecipatório, traz perigos de identificação de estratégias eugênicas a par da possibilidade de técnicas não invasivas de identificação de correlações mentais, abrangidas pelo termo geral de neurotecnologia persuasiva (FERNANDEz et alii, 2015).

As possibilidades de estimulação magnética transcraniana e de estimulação cerebral e, em especial, a discussão quanto ao melhoramento cognitivo (neuroenhancement24) (FARAH, 2002; FARAH et al., 2004; NETO et al., 2017; SAVULESCU e BOSTROM, 2010) por via de um intelligence pill ou intelligent chip25 pode trazer evidentes escolhas à autodeterminação, à privacidade (PERSSON e SAVULESCU, 2012; SENTENTIA, 2004) e à autoconsciência enquanto fundamento da pessoalidade (MACKENzIE, 2011).

Neste sentido, as relações com os tribunais – e o interesse especial no caso das relações com o dever de obediência à lei e a responsabilidade para efeitos do direito dos contratos e do direito penal e probatório26 – sugerem um risco da utilização inadequada ou abusiva, com a criação de formas sem paralelo de intrusão na esfera privada de cada um.

Da suscetibilidade agravada de violação do direito à privacidade, à liberdade de pensamento, de integridade pessoal, de proteção legal contra a discriminação, de direito a um julgamento justo, de proteção contra a não auto-incriminação – hoje longe de uma ingênua configuração de um aparentemente anódino nemo tenetur se ipsum accusare –, pode resultar a eventual emergência de novos direitos: o direito à liberdade cognitiva, o direito à privacidade mental, o direito à integridade mental e o direito à continuidade psicológica, todos ainda sem referência expressa nos instrumentos internacionais dos direitos do homem, mas com apoio consistente na jurisprudence of the mind27, defendida por Glen Boire (BOIRE, 2003) na formulação ampliada da proteção da privacidade, resultante da proteção do artigo 12o da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do artigo 8o da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

23 Persuasão (tradução nossa).

24 Melhoramento cognitivo (tradução nossa).

25 Ferrramentas de melhoramento cognitivo (tradução nossa).

26 Sobre este tópico, vejam-se GORDON, 2018 e zANGROSSI, 2015.

27 Jurisprudência da mente (tradução nossa).

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Nesse sentido, o direito à liberdade cognitiva ou autodeterminação mental – como configurado por Bublitz (2013, p. 251) e Shen (2013) – compreende o direito dos indivíduos de usarem técnicas neurotecnológicas, assim como a proteção dos indivíduos da utilização coerciva e não consentida de técnicas neurotecnológicas.

E é essa uma instância neuro-focalizada do direito à identidade e autonomia pessoal28 que importa claramente proteger.

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2 Consensualismo, eficiência e pluralismo

administrativo: um estudo sobre a adoção

da mediação pelo TCU

BRuNO DANTAS1

Pós-Doutor em Direito (UERJ). Doutor e Mestre (PUC-SP). Visiting Researcher Fellow

na Benjamin N. Cardozo School of Law (EUA), no Max Planck Institute for Regulatory

Procedural Law (Luxemburgo) e na Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne

(França). Professor de Direito (UERJ, UNINOVE e FGV Direito-Rio).

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Da atividade imperativa unilateral à cultura do diálogo: a metamorfose administrativa impulsionada pelo desenvolvimento da governança pública 3 Fundamentos teóricos do consensualismo e a inserção da mediação na Administração Pública: promovendo eficiência e pluralismo administrativo 4 Transação no Poder Público vs. Indisponibilidade do interesse público 5 Sobre a implementação da mediação no Tribunal de Contas da União: fast-track para a homologação de reequilíbrios em contratos de infraestrutura 6 Conclusão 7 Referências.

RESUMO: O artigo tem por objetivo demonstrar o aporte teórico necessário para a implementação de um centro de mediação no Tribunal de Contas da União. Busca-se demonstrar que a mediação é uma técnica que resulta de um amplo movimento de rompimento com o teor vertical que marca o direito administrativo clássico, sendo a sua utilização no setor público imprescindível para a concretização de uma série de objetivos e valores constitucionais. Para tanto, a pesquisa, que adota a técnica dedutiva, desenvolve-se pelo procedimento de revisão bibliográfica nacional e estrangeira, se dedicando, em um primeiro momento, a demonstrar as origens e o desenvolvimento da noção de Administração Pública Consensual para, no final, tecer considerações sobre a implementação de um centro de mediação no Tribunal de Contas da União, bem como sugerir o procedimento que poderia ser adotado para a condução das transações em processos objeto de controle pelo Tribunal.

PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública Consensual Mediação Tribunal de Contas da União.

1 O autor expressa seu agradecimento à gentil acolhida recebida do Institut de Recherche Juridique da Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne, em especial ao professor Loic Cadiet, que o recebeu pessoalmente na Universidade no período em que realizava as pesquisas que deram origem a este trabalho. Agradece também a valiosa colaboração do advogado e especialista em direito processual civil, Caio Victor Ribeiro dos Santos, que dedicou sua inteligência e capacidade de pesquisa para fornecer importantes subsídios a este trabalho.

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Consensualism, efficiency and administrative pluralism: a research on the

implementation of a mediation center in the Federal Court of Accounts

CONTENTS: 1 Introduction 2 From unilateral imperative activity to the dialogues culture: the administrative metamorphosis boosted by the public governance’s development. 3 Consensualism’s theorical foundations and the insertion of mediation of Public Administration: promoting efficiency and administrative pluralism 4 Transaction in the Public Administration versus public interest Unavailability 5 About the implementation of a mediation center in the Federal Court of Accounts: fast-track to the rebalance’s homologation in contract’s infrastructure 6 Conclusion 7 References.

ABSTRACT: The article has the purpose of giving the theoretical contribution needed for the implementation of a mediation center at the Federal Court of Accounts. It seeks to demonstrate that mediation is a technique that results from a wide movement of rupture with the vertical content that traditionally marks the classic administrative law and that its use in the public sector is essential for the realization of several constitutional values and objectives. For this purpose, the research, which adopts the deductive technique, is developed by the national and foreign literature review procedure, seeking, at first, to dive into the origins and reasons for the development of the notion of Consensual Public Administration in order to make, at the end, considerations about the implementation of a mediation center in the Federal Court of Accounts, as well as to suggest the procedure that could be adopted for conducting transactions in proceedings subject to the Court’s adjudication.

KEYWORDS: Consensual Public Administration Mediation Federal Court of Accounts.

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Consensualismo, eficiencia y pluralismo administrativo: un estudio sobre la

adopción de la mediación por TCU

CONTENIDO: 1 Introducción 2 De la actividad imperativa unilateral a la cultura del diálogo: la metamorfosis administrativa impulsada por el desarrollo de la gobernanza pública 3 Fundamentos teóricos del consensualismo y la inserción de la mediación en la Administración Pública: promoviendo eficiencia y pluralismo administrativo 4 Transacción no Poder Público vs. Indisponibilidad del interés público 5 Sobre la implementación de la mediación en el Tribunal Federal de Cuentas: fast-track para a homologación de reequilibrios en contratos de infraestructura 6 Conclusión 7 Referencias.

RESUMEN: El artículo tiene el propósito de dar la contribución teórica necesaria para la implementación de un centro de mediación en el Tribunal Federal de Cuentas. Busca demostrar que la mediación es una técnica que resulta de un amplio movimiento de ruptura con el contenido vertical que tradicionalmente marca el derecho administrativo clásico y que su uso en el sector público es esencial para la realización de varios valores y objetivos constitucionales. Para este propósito, la investigación, que adopta la técnica deductiva, es desarrollada por el procedimiento de revisión de literatura nacional y extranjera, buscando, en primer lugar, profundizar en las orígenes y razones para el desarrollo de la noción de Administración Pública Consensual para hacer, al final, consideraciones sobre la implementación de un centro de mediación en el Tribunal Federal de Cuentas, así como sugerir el procedimiento que podría adoptarse para realizar transacciones en procedimientos sujetos a la adjudicación del Tribunal.

PALABRAS CLAVE: Administración Pública Consensual Mediación Tribunal Federal de Cuentas de Brasil.

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1 Introdução

Colhendo as lições que as transformações do direito no fim do século passado deixavam aos juristas dos mais diversos cantos do mundo, Roger Perrot, ao

diagnosticar a situação vivenciada na França, anotava:

Neste fim de século XX, o jurisdicionado aspira a uma Justiça mais simples, menos solene, mais próxima de suas preocupações cotidianas, aquela que numa palavra se denomina ‘Justiça de Proximidade’. (1998, p. 161-162).

Realmente, desde o fim do século passado, não só o Brasil, mas o sistema jurisdicional de inúmeros países embarcou em um movimento de redimensionamento de sua estrutura de resolução de conflitos que vem, com cada vez mais força, priorizando uma filosofia de desapego à rigidez procedimental e de rompimento com a verticalidade que há muito caracterizou a relação entre Estado-juiz e jurisdicionado (GAJARDONI, 2007).

Os ventos da justiça da proximidade foram tão férteis que não se detiveram apenas sobre a estrutura judiciária e alcançaram também a Administração Pública, abalando dogmas que, por séculos, sua teoria geral manteve incólume.

É certo, como anota Jaques Chevallier (1993, p. 17), que o êxito do direito administrativo, a continuidade de suas teorias centrais, e inclusive a supremacia de que gozou por muito tempo em relação a outros ramos do direito, se deve à estabilidade de seu tecido conceitual, elaborado com notável coesão e coerência pelo coro de duas vozes – doutrina francesa e Conselho de Estado –, o que acabou fazendo dele um núcleo duro e quase inabalável do direito público capaz de opor resistência às históricas intempéries políticas e econômicas que costumam desmantelar as leis.

No entanto, os dilemas próprios do século XXI também têm sua força e foram capazes de provocar a revisão de alguns aspectos desse núcleo conceitual, permitindo o florescer de novas fórmulas e ideias. Uma delas é a transação no Poder Público, que atinge antigas certezas acerca da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.

Neste trabalho o que se busca é demonstrar o aporte teórico necessário para a implementação de um centro de mediação no Tribunal de Contas da União (TCU). Para tanto, servimo-nos de pesquisa bibliográfica e documental, tanto nacional quanto estrangeira, realizando, sobretudo, um cotejo entre a doutrina francesa e a brasileira acerca do tema.

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Com a finalidade de cumprir a tarefa a que nos propomos, dividimos o trabalho em quatro etapas: uma primeira, destinada a abordar a origem e as razões que levaram ao desenvolvimento, na França, das ideias responsáveis pelo rompimento com a verticalidade característica do direito administrativo clássico; uma segunda, na qual passamos a demonstrar como esse fenômeno foi recepcionado no Brasil e a sua importância para a realização da eficiência e do pluralismo administrativo; uma terceira, na qual são feitas reflexões acerca da compatibilidade do consensualismo com o princípio da indisponibilidade do interesse público; e, por fim, uma quarta, que se destina a demonstrar a utilidade e importância de se implementar um centro de mediação no Tribunal de Contas da União, oportunidade em que é sugerido o procedimento que poderia ser adotado para a condução das transações.

2 Da atividade imperativa unilateral à cultura do diálogo: a metamorfose

administrativa impulsionada pelo desenvolvimento da governança pública

O final do século passado foi responsável por demarcar o início de uma grande mudança na arquitetura do Estado contemporâneo. Nesse contexto de transformação, credita-se certa proeminência à França pelo desenvolvimento das bases do modelo de Administração que passou a ser adotado em inúmeros países2. E isso com muita razão: foi ali que uma das mais importantes ideias de gestão do setor privado teria sido aperfeiçoada e adaptada à Administração Pública: a Governança Pública (Gouvernance publique).

A ideia de governança, que vinha sendo trabalhada na Escola de Chicago por estudiosos como Ronald Coase, encontrou na França terreno fértil. Isso se deve ao fato de que a estrutura administrativa daquele país, na segunda metade do século passado, já conhecia os problemas da burocracia pública que o Brasil iria criticar fortemente na virada do século.

A inefetividade era um problema que precisava ser combatido, e, embora houvesse certo ceticismo por parte dos legalistas na superação dessa crise pelo uso de ferramentas da análise econômica, uma série de estudos favoreceu o movimento (CAILLOSSE, 2003, p. 122).

2 A administração da Justiça, é importante destacar, foi tanto influenciada pela ideologia gerencial (gouvernance) que emergiu na França na segunda metade do século passado, e amplamente difundida pela doutrina administrativa (CADIET, 2008, p. 133-150), como pelos notáveis trabalhos da Comissão Florença, capitaneada por Mauro Cappelleti e Bryant Garth, esses bastante difundidos no Brasil pela doutrina processual (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).

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Em uma mesma solução foram colocadas teorias das ciências econômicas e da gestão pública e estas foram aplicadas ao contexto jurídico francês, no que Chevallier (1993, p. 30) chamou de “encontro da crítica gerencial com os desafios liberais no direito administrativo”. A crítica gerencial parte da premissa de que haveria uma contradição entre o direito administrativo e o princípio da eficiência, visto que o direito administrativo constituiria uma “estrutura rígida, uma camisa de força real, que é um obstáculo à ação, um obstáculo à mudança”, não havendo que se falar em eficiência sem que houvesse um afrouxamento das restrições que esse direito impunha.

Sobre esse ponto, arremata Chevallier:

A extensão gradual à Administração de uma racionalidade do tipo gerencial, onde a eficiência tem precedência sobre todas as outras considerações, leva ao questionamento da racionalidade jurídica sobre a qual aquela foi construída: a gestão pressupõe uma ruptura radical com os pressupostos que fundaram o modelo clássico de Administração. (1993, p. 30).

O protesto neoliberal, por sua vez, se resigna contra o fato de que o direito administrativo seja, em essência, “um direito de desigualdade e privilégio: marcado irreversivelmente com o selo da unilateralidade, seria o instrumento para a administração da sociedade pelo Estado; esse modelo estatal de regulação social, a herança de uma "cultura política ultrapassada", seria obsoleta”. (CHEVALLIER, 1993, p. 32; tradução nossa).

É nesse contexto que direito e gestão, assevera Caillosse (2003, p. 123), começam a trabalhar em interação em favor da mesma causa.

A partir dali, a ideia de governança pública se torna um poderoso mecanismo de reforma. Levando na frente o estandarte da modernidade e da eficiência, inspira a crença na necessidade de se promover, em todos os níveis e em organizações sociais de todos os tipos, novos métodos de tomada de decisão e de ação. Confluíam para esse novo olhar outras fórmulas que mostravam êxito na experiência internacional: a Governança Corporativa (Corporate Governance), da qual se extraíam princípios modernos de interação entre acionistas e diretores; a Boa Administração (Good Governance), pela qual se introduziam diretivas de reforma propostas pelas instituições financeiras internacionais para os países em desenvolvimento; e a Governança Global (Global Governance), que definia novos modos de regulação e integração com a sociedade internacional (CHEVALLIER, 2003, p. 203-217).

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Apesar da diversidade, todas essas iniciativas são conjugadas entre si, traduzindo, como anota Chevallier (2003, p. 206), uma verdadeira ideologia gerencial que se pautou, entre outras, nas seguintes diretrizes: (i) resolução de conflitos e erradicação de antagonismos irredutíveis; (ii) rompimento com a lógica do poder, pois as escolhas coletivas passam a não ser mais uma questão só de política, mas de técnica; (iii) mitigação da supremacia unilateral do Estado, que seria apenas mais um ator entre tantos outros envolvidos e capazes de tomar parte nas soluções; e (iv) a possibilidade de acordar certas regras do jogo.

Com efeito, a perspectiva gerencial da governança pública propõe um afastamento da noção hobbesiana e tradicional de Estado (VILLEY, 2005, p. 713), cuja concepção de poder se vê marcada pelo selo da assimetria, desigualdade e unilateralidade. O próprio termo governança, ao invés de governo ou política, foi empregado pelos franceses para que não se lhe fossem atribuídas as conotações negativas que há muito se associa aos últimos (CHEVALLIER, 2003, p. 204).

As técnicas de gestão caracterizadas pela imposição unilateral da dominação, e agasalhadas sob a vagueza do interesse público, já não correspondiam mais à forma como as sociedades contemporâneas mantêm o seu equilíbrio. Com a globalização, o mundo assiste à descentralização e à fragmentação do poder, naquilo que Manuel Castells (2002, p. 427) sintetiza sob a lógica difusa da sociedade em rede, e reformar a estrutura administrativa estatal sem pretender modificar a ideologia subjacente, sem compatibilizar o exercício do poder à sua própria realidade difusa de hoje, seria desrespeitar a clássica lição weberiana acerca da legitimação do poder: para que este se transforme em autoridade é indispensável contar com a adesão daqueles sobre os quais recairá (WEBER, 1979, p. 124-141).

Rompendo com esses paradigmas, que por todos os lados eram atingidos e percebidos obsoletos, a governança pública endereça duas importantes inflexões.

Por um lado, toma-se consciência de que o Estado não atua mais isoladamente na sociedade. O Estado não é o único a bordo, tampouco o único capaz de propor as melhores soluções. Não governa sozinho e não deve prestigiar seu interesse institucional em detrimento do interesse da população. Múltiplos são os atores envolvidos nos processos de tomada de decisão. Nessa conjuntura, a governança implica em um deslocamento das linhas divisórias que separavam o direito público do privado, e também entre as diferentes esferas de atuação (internacional, regional,

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nacional e local). Caem os muros legais por trás dos quais a administração tradicional poderia afirmar suas diferenças (CAILLOSSE, 2003, p. 127)3.

Por outro lado, dessa nova lógica gerencial decorre que as soluções consensuais serão sistematicamente preferidas às fórmulas unilaterais: as escolhas devem ser resultado de negociações e compromissos, levando em consideração os pontos de vistas das partes envolvidas. O Estado aceita discutir em pé de igualdade com os demais atores no âmbito das decisões coletivas. Como assevera Caillosse (2003, p. 127), a ação contratual (grifos nossos) se torna uma das mais marcantes características dessa modernização institucional, constituindo-se como um verdadeiro princípio de regulamentação administrativa.

A governança pública é, portanto, uma abordagem plural e interativa de ação coletiva. Significa, em síntese, que nenhum ator pode controlar sozinho os processos de tomada de decisão, nem mesmo o Estado. Tendo em vista a complexidade dos problemas e a existência de múltiplos poderes, múltiplos atores, trata-se de coordenar sua ação e obter sua cooperação, reduzindo a unilateralidade para estimular a cultura do diálogo.

Philip Schmitter, citado por Jacques Chevallier, fornece um conceito preciso para a expressão:

Governança é um método ou mecanismo para regular uma ampla gama de problemas ou conflitos, pelos quais os atores chegam regularmente a decisões mutuamente satisfatórias ou vinculativas, por meio de negociação e cooperação”, sendo caracterizada por “formas horizontais de interação” entre atores que têm interesses contraditórios, mas que são suficientemente independentes um do outro que nenhum deles pode impor uma solução por si só, sendo suficientemente interdependente para que ‘todos eles’ percam se nenhuma solução for encontrada. (SCHMITTER, 2000, p. 5 apud CHEVALLIER, 2003, p. 207; tradução nossa).

Como destaca Chevallier (2003, p. 207), a promoção de técnicas de governança pode realmente ser considerada ou como um sinal de um declínio irreversível na própria forma do Estado ou como marco de um ajuste nos modos de ação para um novo contexto social.

3 Do original francês: “Mais c’est surtout à l’intérieur même de ces dernières que la modernisation produit ses effets les plus visibles, en déplaçant les lignes du partage entre le droit privé et le droit public. S’employant à repenser l’action publique du point de vue de l’économie de marché où elle s’inscrit, elle l’incite ou, le cas échéant, l’oblige à emprunter les voies du droit commun. C’est ainsi que les vieilles barrières juridiques à l’abri desquelles l’administration classique avait pu affirmer ses différences et se soustraire à l’application du droit de la concurrence sont en train de craquer les unes après les autres”.

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Deveras, o desafio atual não é tanto o de justificar um modelo de Estado cooperativo e horizontal, mas o de criá-lo. Não se trata mais de uma questão filosófica, da qual por considerável tempo, e com razão, se ocuparam os franceses, mas de uma questão de efetivação.

É nesse cenário que se encontra o Brasil, cuja gestão administrativa vem abraçando o consensualismo, mais ciosa que está do equilíbrio necessário entre interesses dos particulares e interesse da coisa pública como forma de boa governança.

3 Fundamentos teóricos do consensualismo e a inserção da mediação na

Administração Pública: promovendo eficiência e pluralismo administrativo

Dentro de um conjunto de mutações mais amplas e diversas que afetam as formas tradicionais do exercício de autoridade nas organizações do mundo atual, sobre as quais há farta literatura científica de inúmeros ramos da epistemologia, a ideia de governança pública foi responsável direta por parte considerável das sementes que levaram ao florescimento, no Brasil, da filosofia do consensualismo na Administração Pública.

A Administração Pública Consensual é resultado desse movimento de modernização da gestão administrativa que rompe com um esquema que se alicerçava na imperatividade unilateral dos atos administrativos para contemplar um modelo pautado no diálogo, negociação, cooperação e coordenação, que não deixa, por isso, de seguir a lógica da autoridade, mas passa a ser matizada, porém, pela lógica do consenso (DI SALVO, 2018, p. 36).

Como o direito processual civil clássico, o direito administrativo foi forjado sob as bases do liberalismo que regia o modelo estatal do século XIX. Naturalmente, a noção de imperatividade do Estado (cuja abstenção na economia em nada diminuía o teor vertical de seu poder) conformou os principais institutos e categorias do direito administrativo, resultando daí o tradicional comportamento estatal manifestado por meio de atos administrativos cujos atributos compreendem uma noção de autoridade que prestigia a unilateralidade e a assimetria entre Administração e administrados (OLIVEIRA; SCHWANKA, 2008, p. 38).

É em sentido diametralmente oposto a esse modelo que surge o consensualismo, por sua vez designando o “emprego em larga escala de métodos e técnicas negociais ou contratualizadas no campo das atividades perpetradas pelos órgãos e entidades públicas” (OLIVEIRA; SCHWANKA, 2008, p. 19). Imbuída de uma tônica semelhante àquela que vem sendo empregada no âmbito jurisdicional (GRINOVER; WATANABE; LAGRASTA NETO, 2008), a condução da ação pública por meio de técnicas consensuais

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Consensualismo, eficiência e pluralismo administrativo

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deve ser visualizada não como mera solução alternativa, como se decorresse apenas de uma necessidade circunstancial imperiosa, mas como uma solução preferencial, que opera a administração da justiça sob a dupla dimensão de uma boa administração: a dimensão econômica, para a eficiência, e a dimensão social, para a equidade (DI SALVO, 2018, p. 38).

A boa administração da justiça, destaca Di Salvo:

[. . .] não impõe um dever-ser que cede às pressões de resultados quantitativos, aliás, a boa administração da justiça concentra-se sobretudo nos meios de distribuição da justiça e na obtenção de resultado segundo um parâmetro de qualidade. (2018, p. 38-39).

Isso se traduz na reprovação à garantia de eficiência a qualquer custo, à revelia da participação do administrado, quando se mostra razoável inseri-lo no processo decisório: a aspiração não é só por resultados quantitativos, mas também qualitativos. Há que se buscar uma efetiva inclusão, tanto porque se lhe exige a democracia administrativa, quanto porque, se o poder, de fato, acha-se difuso em redes, a participação colaborativa no processo decisório clareia o caminho para que o titular da palavra final possa optar pela melhor (e, portanto, mais eficiente) solução.

É importante destacar que o conceito de democracia administrativa está relacionado ao de pluralismo administrativo. Compreende a percepção de que a legitimação democrática do exercício do poder estatal não se conforma tão só pela qualidade das leis e pela subordinação da atuação administrativa a elas. É necessário que concorra, para essa legitimação, a inclusão participativa do administrado. Destaca Di Salvo (2018, p. 27) que “a representatividade do administrado sobre a atuação administrativa é o que passa a dar nova tônica à democracia administrativa, que se vincula à democracia participativa”. Ideia semelhante foi incorporada ao direito processual civil através do conceito de contraditório participativo, que, por sua vez, confere às partes maior representatividade no curso do processo civil, devendo ser consideradas de forma efetiva e incluídas no processo de construção da decisão judicial (CARNEIRO, 2015, p. 58).

Por isso que a doutrina francesa vem aludindo à importância da contratualização da ação pública, que é uma decorrência direta da modernização institucional da Administração Pública. Jean-Pierre Gaudin (1999, p. 28-29 apud OLIVEIRA; SCHWANKA, 2008, p. 20), citado por Oliveira e Schwanka, aponta que na França esse fenômeno, que se imbrica com a descentralização, possui um enfoque de dupla

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renovação: (i) formas de participação e consulta pública e (ii) formas de coordenação entre instituições e atores sociais que participam da ação pública.

Essa política de contratualização compreende uma série de procedimentos de ação pública que implicam em uma negociação explícita de objetivos, compromissos em projetos conjuntos e cooperação financeira dentro de um cronograma preciso entre atores públicos e privados, o que, em última análise, são menos obrigações legais do que compromissos políticos (GAUDIN, 2007, p. 20). Daí porque a expressão governar por contratos (gouverner par contrat), no Brasil recebida pela ideia de Administração Consensual, por sua vez, sinaliza a opção por uma forma de gestão administrativa que abdica da unilateralidade para valorizar o acordo, a negociação, a coordenação, a colaboração, a transação.

É nesse sentido a irretocável síntese feita por Odete Medauar (2003, p. 211):

A atividade de consenso-negociação entre Poder Público e particulares, mesmo informal, passa a assumir papel importante no processo de identificação de interesses públicos e privados, tutelados pela Administração. Esta não mais detém exclusividade no estabelecimento do interesse público; a discricionariedade se reduz, atenua-se a prática de imposição unilateral e autoritária de decisões. A Administração volta-se para a coletividade, passando a conhecer melhor os problemas e aspirações da sociedade. A Administração passa a ter a atividade de mediação para dirimir e compor conflitos de interesse entre várias partes ou entre estas e a Administração. Daí decorre um novo modo de agir, não mais centrado sobre o ato como instrumento exclusivo de definição e atendimento do interesse público, mas como atividade aberta à colaboração dos indivíduos. Passa a ter relevo o momento do consenso e da participação.

Toda essa conjuntura é que viabiliza a mediação como método de resolução de controvérsias na Administração Pública. Resultado da propagação do ideal democrático para além das fronteiras do campo político, a mediação tem por principal função compor conflitos e concertar interesses estatais e privados, incluindo o administrado no processo de densificação do interesse público, que não é monopólio estatal. O interesse público não se confunde com o mero interesse da Administração. Já faz algum tempo, assevera Dallari (2002, p. 16), que “o particular está deixando de ser considerado um adversário da Administração Pública, para transformar-se em agente de realização de interesses públicos”.

A mediação é, portanto, ferramenta adequada para concretizar a eficiência administrativa, seja porque cria uma via menos onerosa, mais célere e mais versátil para a composição do conflito ou para a administração dos interesses, seja

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Consensualismo, eficiência e pluralismo administrativo

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porque concorre para a legitimação do processo decisório mediante a promoção do pluralismo administrativo, revelando-se, assim, imprescindível para dar concretude ao consensualismo.

Antes, porém, de discorrer sobre a implementação da mediação no TCU, convém tecer considerações sobre a compatibilidade da transação com a Administração Pública.

4 Transação no Poder Público vs. Indisponibilidade do interesse público

Ao escrever sobre os desafios da modernização da gestão pública na França, após a década de 1960, Jacques Chevallier (1993, p. 17) anotou que o principal obstáculo à implementação de um modelo eficiente naquele país consistia no próprio direito administrativo, que constituía uma “estrutura rígida, uma camisa de força real, que é um obstáculo à ação, um obstáculo à mudança”. Isso se devia à própria base dogmática do direito administrativo, que aliava a imperatividade e a indisponibilidade como marcas indeléveis da atuação do Estado. Daí porque arremata o professor: “a gestão pressupõe uma ruptura radical com os pressupostos que fundaram o modelo clássico de Administração”4.

De fato, embora há quase duas décadas já se escreva sobre o tema no Brasil, só mais recentemente é que se nota um engajamento mais frutífero pela Administração na implementação de técnicas consensuais. Isso porque, entre outros fatores, pelo menos em um primeiro momento, uma parcela mais cética de estudiosos resistiu apontando que a transação seria incompatível com o princípio da indisponibilidade do interesse público, não estando o gestor autorizado a dispor acerca de um interesse que não lhe pertenceria.

Isso é uma meia-verdade. De fato, tem razão a crítica quanto à impossibilidade de o gestor, em seu próprio interesse, vir a dispor sobre o interesse público. Óbice também não há quanto à transação pelo poder público quando o interesse nela corresponde ao interesse institucional da Administração positivado em lei (v.g., acordo em sede judicial firmado pela Procuradoria de um Município). Situação diversa, porém, é a da transação quando inexistente essa autorização legal. Poderia, nesse caso, o gestor transigir?

4 Do original francês: “Plus le genre, la continuité du droit administratif se manifeste par la stabilisation de son cadre conceptue: forgées de manière progressive, par le choeur à deux voix de la jurisprudence et de la doctrine, les grandes notions sur il il reste se smal amalgamées les un autos aux, en formant un tissu conceptuel remarquablement cohé-rent et homogène; et ce tissu a résisté aux transformations pourtant trois partisans qui ont affecté la place de l'administration dans la société. Tous ces traits expliquent que la suprématie du droit administratif sur le droit constitutionnel n'ait pas été réellement contestée”.

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Não assiste razão à resposta negativa geral a essa questão, uma vez que, ao invocar o princípio da indisponibilidade do interesse público como óbice à transação, o intérprete faz uma leitura desatualizada e assistemática do conjunto de normas que regem, atualmente, o direito administrativo: desconsidera que o interesse público é bem mais amplo que o mero interesse da Administração ou da Fazenda Pública, bem como que o princípio da eficiência pode admitir a transação em preferência à solução unilateral.

A perquirição do conteúdo do interesse público nos leva à clássica definição de Celso Antônio Bandeira de Melo (2009), formulada a partir das lições colhidas na obra de Alessi, que o divide em interesse público primário e secundário, identificando-se o primeiro com o interesse social, o interesse da sociedade ou da comunidade, e o último com o interesse tão só do aparelho estatal como uma entidade personalizada.

O interesse público a ser confrontado pela hipótese não pode ignorar a dupla acepção de sua natureza. Sendo assim, a indisponibilidade do interesse público não pode vedar a renúncia a determinadas posições jurídicas, nem o reconhecimento de direitos legítimos ou trocas bilaterais entre Administração e administrado quando estas se revelarem desejáveis ao interesse público primário. A sociedade tem interesse legítimo no atendimento a suas demandas com a celeridade, economia e qualidade que, em alguns casos, podem ser atingidas por meio de acordos. Transigir, em muitas hipóteses, não significa abrir mão do interesse público, mas atingi-lo de forma mais expedita (DALLARI, 2002, p. 24).

Sob a perspectiva da eficiência, a consensualidade é, também, em diversas situações, preferível. A Administração Pública tem um caráter instrumental, e desde a virada do século o ideal administrativo a que se aspira é o desapego ao formalismo estéril para a adoção de um modelo que olha menos para o procedimento e mais para os resultados. É preciso, nas precisas lições de Dallari (2002, p. 23), “superar concepções puramente burocráticas ou meramente formalísticas, dando-se maior ênfase ao exame da legitimidade, da economicidade e da razoabilidade, em benefício da eficiência”.

A transação é meio para a consecução de um fim pretendido pela Administração. Se esse fim puder ser atingido por uma via mais célere, menos traumática e menos desgastante que a via tradicional, o interesse público em sua dupla dimensão estará satisfeito.

Daí concluir-se que o consensualismo é compatível com a indisponibilidade do interesse público e com a eficiência administrativa, afinal, a transação, se bem

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manejada, não é senão uma via expedida para a materialização do interesse público, ao proporcionar economia de tempo e recursos, além de viabilizar uma concertação de interesses legítimos, evitando os efeitos negativos que podem advir de uma solução adjudicada e unilateral.

5 Sobre a implementação da mediação no Tribunal de Contas da União: fast-track

para a homologação de reequilíbrios em contratos de infraestrutura

O Direito está em constante evolução. Como Jhering gravou no tempo, “o direito não é uma simples ideia, mas uma força viva” (IHERING, 2006, p. 1), devendo mudar para acompanhar o estágio das relações sociais, e isso não poderia ser diferente no âmbito da Administração Pública. A mudança de orientação quanto à função administrativa deve ser acompanhada de equivalentes e necessárias adaptações nos seus meios e modos de controle.

Dentro do cenário de crescente pluralismo administrativo, um setor de ampla relevância é o da infraestrutura. As concessões são permeadas por uma pluralidade de interesses, convergindo, nelas, interesses do setor público, do setor privado e dos próprios usuários do serviço concedido, o que as faz um campo fértil para a implementação de fórmulas consensuais. Já é hora, porém, de tais fórmulas não se limitarem à mera elaboração das cláusulas contratuais, alcançando também a própria modelagem de um procedimento fiscalizatório que prestigie a cooperação em vez da unilateralidade, buscando-se inserir as instâncias controladoras no processo de confecção do contrato. A ideia é adquirir, com essa modelagem, mais segurança jurídica nas contratações públicas.

Sabe-se que há críticas quanto ao ritmo das agências reguladoras e do TCU na análise e no julgamento dos processos de concessão. Não nos deteremos sobre as razões dessa insatisfação. O que salta aos olhos, contudo, é que a as vicissitudes do procedimento legal têm há algum tempo gerado dificuldades para o gestor público na assinatura de aditivos de reequilíbrios econômico-financeiros nos contratos entre a Administração e suas concessionárias.

Isso se deve ao fato de que, atualmente, acaba sendo muito longo o lapso temporal entre o momento em que se exige do gestor uma tomada de decisão quanto ao contrato de concessão e aquele em que a agência ou a Corte de Contas chega a efetivamente a auditar as cláusulas contratuais pactuadas. Não raro, quando da fiscalização, anos depois, são constatadas irregularidades e aplicadas as respectivas

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sanções cabíveis. Desse cenário, inevitavelmente, decorre a insegurança que provoca o temor do gestor em agir.

Como temos sustentado, a hipertrofia do controle gera a infantilização da gestão pública, despertando nos gestores temor semelhante ao de crianças inseguras educadas por pais opressores. Em geral, agências reguladoras e gestores públicos têm evitado tomar decisões inovadoras por receio de seus atos serem questionados, tornando o processo moroso. Ou pior: deixam de decidir questões simples à espera de aval prévio do TCU5.

O que a experiência do TCU tem revelado é que se os reequilíbrios econômico-financeiros nos contratos de infraestrutura não forem homologados imediatamente, o contrato acaba se tornando um cadáver insepulto a assombrar dirigentes de agências e gestores públicos. Daí por que necessário um procedimento mais expedito para a homologação desses aditivos, o que vai ao encontro do pluralismo e da eficiência administrativa, além da segurança jurídica.

5.1 Desenho procedimental para a mediação no Tribunal de Contas da União

Considerando todo o aporte teórico até aqui exposto, bem como a já existência de autorização legal no art. 32, §5o, da Lei no 13.140/2015 (Lei de Mediação), que passou a admitir a mediação pelo Poder Público para “a resolução de conflitos que envolvam equilíbrio econômico-financeiro de contratos celebrados pela administração com particulares”6, buscaremos, adiante, delinear um esquema procedimental que poderia ser adotado, lege ferenda7, para a implementação de uma câmara de mediação no âmbito do TCU destinada à rápida homologação de reequilíbrios nos projetos de infraestrutura.

O objetivo de uma câmara de mediação no TCU seria buscar encurtar a distância entre a pactuação e o controle, o hiato entre o gestor e o auditor, viabilizando um ajuste técnico e cooperativo na metodologia do contrato desde o seu início e a fixação de protocolos, procedimentos e critérios objetivos de uma maneira mais célere, o que já sinaliza a visão do Tribunal em uma costura contratual da qual se obtém segurança jurídica. A ideia vai ao encontro do art. 13, §1o, do Decreto no 9.830/2019,

5 Disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/o-risco-de-infantilizar-gestao-publica-22258401. Acesso em: 14 jun. 2020.

6 Destaque-se, além disso, que autorização semelhante é também admitida pelo art. 11, inciso III, da Lei no 11.079/2014 (Lei das parcerias público-privadas), assim como pelo art. 23-A da Lei no 8.987/1995.

7 A expressão, registrada em latim, significa “lei a ser criada” (tradução nossa).

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que regulamentou as recentes alterações feitas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) pela Lei no 13.655/18, estabelecendo que “a atuação de órgãos de controle privilegiará ações de prevenção antes de processos sancionadores”.

O TCU tem se esforçado em realizar auditorias operacionais que identificam fragilidades, riscos e oportunidades de aperfeiçoamento na gestão governamental quanto à eficiência, e é comum que especialistas – como são os auditores – tenham concepções e fórmulas até mais inteligentes para eventuais problemas identificados. A proposta, com a mediação, evidentemente, não é substituir o gestor, mas aproximá-lo do auditor para, trabalhando juntos desde o início, chegarem às soluções mais eficientes e seguras.

Apesar do foco deste trabalho na utilização da mediação para a realização de reequilíbrios em contratos de concessão, a câmara, naturalmente, estaria habilitada a sediar transações em outros tipos de controvérsias entre o Poder Público e particulares.

A seguir, passamos a delinear o procedimento que reputamos adequado para a condução das negociações, que deverá envolver um esforço conjunto entre o Tribunal de Contas da União, a agência reguladora do respectivo setor, o poder concedente e os particulares envolvidos:

I) A mediação deverá ser iniciada exclusivamente por solicitação da agência reguladora ou do poder concedente dirigida ao Tribunal de Contas da União.

II) O mediador conduzirá o procedimento de comunicação entre as partes, buscando o entendimento e o consenso e facilitando a resolução do conflito, tendo papel ativo na negociação do acordo e mantendo a interação com o relator e com as secretarias especializadas do Tribunal de Contas da União, com vistas a permitir que o acordo tenha tanto quanto possível aderência com parâmetros decisórios admitidos pelo tribunal.

III) Em caso de acordo, o mediador submeterá a minuta à deliberação do conselho diretor ou da diretoria colegiada da agência que, aprovando-a, remeterá à apreciação do Tribunal de Contas da União, que avaliará as concessões recíprocas sob os aspectos da legalidade, legitimidade, economicidade e do interesse público em resolver o conflito sem judicialização e em prazo razoável.

IV) O Tribunal de Contas da União apreciará a proposta de acordo no prazo de trinta dias prorrogável uma única vez por igual período, sendo obrigatória a intervenção do Ministério Público junto ao TCU, que emitirá seu parecer no prazo de dez dias.

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V) Aprovado total ou parcialmente o termo de acordo pelo plenário do Tribunal de Contas da União, a minuta do acordo retorna para a agência reguladora para homologação definitiva e produção de efeitos jurídicos.

VI) O termo homologado pela agência reguladora constituir-se-á em título executivo extrajudicial, só podendo ter seus pressupostos de fato e de direito desconstituídos em caso de dolo ou fraude.

Além disso, normas específicas deverão dispor acerca da organização e composição do Centro de Mediação na estrutura do Tribunal de Contas da União, assim como sobre os critérios de escolha e de responsabilidade dos mediadores, cujos requisitos de capacitação mínima, idoneidade pessoal e experiência profissional para inscrição no cadastro de mediadores poderão ser definidos por regulamento expedido pelo próprio TCU.

6 Conclusão

A mediação no setor público é fruto de um amplo redimensionamento da estrutura do Estado que apesar de ter, na seara administrativa, uma origem diversa daquela que incitou o mesmo movimento na seara jurisdicional, no fim, ambas concorrem para os mesmos objetivos: celeridade, segurança, pluralismo, eficiência e desjudicialização. A ideia de governança pública dos franceses foi responsável por lançar as primeiras sementes que décadas depois levariam ao florescimento da noção de consensualismo no Brasil.

A mediação na Administração Pública vem, mediante o concerto de interesses entre o setor público e privado, aproximando a Administração do administrado, incluindo-o de forma mais efetiva e cooperativa na própria densificação do interesse público, que não é monopólio do Estado. Já não se pode incorrer no equívoco de confundir interesse público com interesse da Administração e, pior, de vedar o avanço do consensualismo em virtude de uma leitura obsoleta acerca do princípio indisponibilidade do interesse público.

Como foi visto, a mediação é ferramenta adequada para concretizar a eficiência administrativa, seja porque cria uma via menos onerosa, mais célere e mais versátil para a composição do conflito ou para a administração dos interesses, seja porque concorre para a legitimação do processo decisório mediante a promoção do pluralismo administrativo, revelando-se, assim, imprescindível para dar concretude ao ideal de consensualismo.

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Dentro desse cenário é oportuna a criação de um centro de mediação no TCU para a solução de controvérsias envolvendo a Administração Pública e o setor privado, sobretudo em questões envolvendo projetos de infraestrutura. Demonstrou-se que, em muitos casos, é imprescindível, para uma condução eficiente e justa da fiscalização, que o TCU avalie imediatamente as minutas dos contratos de concessão objeto de seu controle, participando desde o início na sua elaboração. Isso poderá ser feito mediante o procedimento de mediação, em uma atividade cooperativa que envolveria o TCU, a agência reguladora do respectivo setor, o poder concedente e os particulares interessados.

Conforme o modelo proposto, mediação deverá ser iniciada exclusivamente por solicitação da agência reguladora ou do poder concedente dirigida ao TCU. Havendo acordo, o mediador submeterá a minuta à deliberação do conselho diretor ou da diretoria colegiada da agência que, aprovando-a, remeterá à apreciação do TCU, que avaliará as concessões recíprocas sob os aspectos da legalidade, legitimidade, economicidade e do interesse público em resolver o conflito sem judicialização e em prazo razoável. Aprovado total ou parcialmente o termo de acordo pelo plenário do TCU, a minuta do acordo retorna para a agência reguladora para homologação definitiva e produção de efeitos jurídicos.

O que se busca é fugir à lógica fiscalizatória punitiva viabilizando-se um ajuste técnico e cooperativo na metodologia do contrato mediante a fixação de protocolos, procedimentos e objetivos de uma maneira mais célere.

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Consensualismo, eficiência e pluralismo administrativo

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3 Enfoque restaurativo y perspectiva

comparada de las terminaciones

anticipadas en la justicia penal juvenil

KARYNA BATISTA SPOSATO

Doutora em Direito (UFBA). Mestre em Direito (USP). Professora Adjunta do

Departamento de Direito (UFS). Membro do Centro Iberoamericano de Derechos

del Niño (CIDENI).

Artigo recebido em 2/7/2018 e aprovado em 17/7/2019.

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Bases de la Convención Internacional sobre los Derechos del Niño 3 Antecedentes y marco normativo 4 Legislaciones comparadas y delimitación conceptual 5 Conclusión 6 Referencias.

RESUMEN: El presente texto intenta aclarar el concepto y alcance de las terminaciones anticipadas en el ámbito de la Justicia Penal Juvenil. Parte de la comprensión de tales mecanismos como procesos de simplificación y abreviación de los procedimientos formales de apuración de la responsabilidad de adolescentes tendientes a la justicia restaurativa. Por ello, discute igualmente el enfoque restaurativo en materia de aplicación de las sanciones como derivación de los procesos, en una perspectiva comparada. Con ese objetivo como norte, se ha adoptado una metodología de estudio comparado entre las legislaciones y reglas específicas, teniéndose en cuenta algunos casos particulares que ilustran las principales tendencias en la materia. En una valoración global, las terminaciones anticipadas, las medidas impuestas y las obligaciones derivadas de dichos mecanismos integran el conjunto de medidas socioeducativas definidas en ley e incumben a los Sistemas de Ejecución y al seguimiento de medidas socioeducativas de cada país.

PALABRAS CLAVE: Justicia Penal Juvenil Desjudicialización Terminaciones Anticipadas Legislaciones Comparadas.

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Enfoque restaurativo y perspectiva comparada de las terminaciones anticipadas en la justicia penal juvenil

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Restorative approach and comparative perspective about summaries proceedings

in Juvenile Criminal Justice

CONTENTS: 1 Introduction 2 Baselines of the Convention on the Rights of the Child 3 Antecedents and legal landmark 4 Comparative legislations and concept delimitation 5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: This article intends to clarity the concept and incidence of summaries proceedings in the Juvenile Criminal Justice. It shares the comprehension that these mechanisms can be defined as a type of abbreviation of the formal proceedings used to promote the responsibility investigation, oriented to Restorative Justice. That is the reason for discussing the restorative approach regarding the application of sancionatory measures as a form of diversion proceedings in a comparative perspective. Adopting this objective, it assumes as methodological guidance a comparative study between specific rules and norms and considering particular cases to illustrate the main trends about the subject. In a global evaluation, the summaries proceedings, the imputed measures and all the diversion obligations within these mechanisms are part from the juvenile system, with legal prevision and inside administrative responsibility of each country.

KEYWORDS: Youth Criminal Justice Diversion Plea Bargaining Comparative Law.

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Enfoque restaurativo e perspectiva comparada de mecanismos de abreviação

processual na Justiça Penal Juvenil

CONTEÚDO: 1 Introdução 2 Bases da Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e do Adolescente 3 Antecedentes e marco normativo 4 Legislações comparadas e delimitação conceitual 5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: O presente texto tenta aclarar o conceito e o alcance das resoluções antecipadas no âmbito da Justiça Penal Juvenil. Parte da compreensão de tais mecanismos como processos de simplificação e abreviação dos procedimentos formais de apuração da responsabilidade de adolescentes tendentes à justiça restaurativa. Por isso, discute igualmente o enfoque restaurativo em matéria de aplicação das sanções como derivação dos processos, em uma perspectiva comparada. Com esse objetivo como norte, se adotou uma metodologia de estudo comparado entre as legislações e normas específicas, tendo em conta alguns casos particulares que ilustram as principais tendências na matéria. Em uma valoração global, as resoluções antecipadas, as medidas impostas e as obrigações derivadas de ditos mecanismos integram o conjunto de medidas socioeducativas definidas em lei e se incumbem aos Sistemas de Execução e ao seguimento de medidas socioeducativas de cada país.

PALAVRAS-CHAVE: Justiça Penal Juvenil Desjudicialização Abreviação Processual Legislações Comparadas.

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Enfoque restaurativo y perspectiva comparada de las terminaciones anticipadas en la justicia penal juvenil

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1 Introducción

El presente trabajo tiene por objeto precisar los principales aspectos formales y sustanciales de las formas de terminación anticipada en la justicia

especializada en los actos infraccionales de adolescentes. Resulta necesaria la comprensión de su naturaleza y alcance, pues una indebida utilización de esa herramienta puede comprometer todo el sistema de medidas socioeducativas y, colateralmente, la eficacia del propio sistema de justicia penal juvenil especializado.

El objetivo del trabajo es ofrecer algunos elementos comprensivos que sirvan para resolver el problema de la falta de una ejecución adecuada de las medidas socioeducativas derivadas de procesos de terminación anticipada en la justicia especializada penal juvenil, lo cual es una preocupante realidad en muchos países de la región latinoamericana.

La falta de entendimiento respecto a que las condiciones impuestas en los procesos de terminación anticipada son medidas socioeducativas trae como resultado su incumplimiento y, consecuentemente, una percepción de impunidad e incertidumbre dentro del sistema de justicia juvenil. Ello, lógicamente, produce el debilitamiento y la falta de credibilidad de este sistema, a la vez que, partiendo de la premisa de que las infracciones penales de menor gravedad deben recibir tratamiento proporcional y conforme a las condiciones del adolescente involucrado, no debemos soslayar que hay una tendencia fuertemente preventiva en la aplicación de los mecanismos alternativos de resolución de los conflictos con la ley y de los procedimientos abreviados. La idea central de estos mecanismos es ofrecer respuestas rápidas y ágiles a situaciones episódicas, pero, en ningún caso dejar de ofrecer una respuesta idónea. Cuanto al carácter episódico de la infracción juvenil, distintos autores como Tiffer (2012) y otros, por ejemplo Kaiser (1988), Ostendorf (1998), Schaffstein/Beulke (1998 apud DÜNKEL, 2006) Dünkel (2011) que las conductas transgresoras, incluso delictivas, de los adolescentes deben se considerarse comportamientos desviados con carácter episódico, pues en la mayoría de los casos se tratan de conductas ocasionales.

Así es que se trata de profundizar el tema de las terminaciones anticipadas para, en seguida, adentrarnos al campo específico de su utilización en el ámbito de los sistemas de responsabilidad penal juvenil.

Inicialmente, es importante subrayar que la búsqueda por mecanismos simplificadores y de abreviación de los procedimientos en materia procesal penal es una realidad en todo el mundo. Particularmente, se identifica la influencia del

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modelo estadounidense que ha irradiado a diversas legislaciones fórmulas similares del plea bargaining o acuerdo negociado norteamericano. El plea bargaining de la tradición jurídica anglosajona es justamente la posibilidad de concluir un proceso penal tras una negociación entre el Fiscal y la defensa, ratificada posteriormente por el operador judicial. Dicho proceso de negociación permite que el acusado renuncie al juzgamiento y la discusión de su culpabilidad en troca de una reducción de la pena o de la acusación. Cuando el acusado confiesa su culpa ocurre el guilty plea en la presencia de un juez.

Muchos autores de la ciencia jurídica señalan que dicha necesidad de simplificar el proceso penal está vinculada a los cambios y a las características de las sociedades globalizadas y posmodernas en las cuales los contextos de urgencia son demasiadamente frecuentes. Se suele señalar que el proceso de reforma no solo penal pero judicial como un todo en América Latina y el Caribe es totalmente dependiente del proceso de globalización (FUENTES HERNÁNDEz, 1998). Con todo, en que pese la brutal influencia de esa nueva etapa del desarrollo de la civilización occidental sobre todos y cada uno de los temas políticos y sociales de esta época, es fundamental señalar que muchos de los temas que se presentan como nuevos ya tuvieron vigencia en otra etapa (BINDER, 2004, p. 715).

La ciencia del derecho se ve no sólo confrontada con problemas de interpretación y ponderación frente a los avances tecnológicos y a los cambios socioculturales, como también presenta una tendencia expansionista, con vistas a ofrecer respuestas cada vez más preventivas y rápidas ante los crecientes y nuevos riesgos que las transformaciones sociales producen. Como observa Maria Rosaria Ferrarese (2002, p. 12), la sociedad global tiene una percepción hipertrófica del presente, lo que redimensiona profundamente sea la relación entre pasado y presente, sea la relación entre presente y futuro.

Se evidencia, por lo tanto, una distorsión entre el tiempo del derecho y el tiempo social, lo que resulta en problemas de eficacia y confianza en la propia justicia y en su sistema.

Lo anterior sería motivo del desarrollo de otra tesis, pero, al no ser motivo de este trabajo, basta con hacer referencia a ello.

Sin embargo, no queremos dejar de lado el análisis de cómo la distorsión entre el tiempo del derecho y el tiempo social influencian en la adopción de mecanismos como son las terminaciones anticipadas en materia de responsabilidad de los adolescentes, e incluso el cómo se llega a justificar la utilización de estos

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mecanismos cuando el destinatario también experimenta de manera muy distinta el paso del tiempo, es decir, como la experiencia del tiempo y su paso para los adolescentes es distinto al de los adultos, lo que acaba sirviendo como justificación para que las respuestas adoptadas se fijen en el marco de la celeridad, sin dejar de lado el entendimiento y la proporción del tiempo del derecho y el social, valorando la circunstancia del adolescente.

Luego, las presiones por eficacia y celeridad igualmente se manifiestan en el proceso penal juvenil, comprendido como parte integrante del Derecho Penal Juvenil. De acuerdo con Higuera Guimerá (2003, p. 33), bajo la denominación genérica derecho penal juvenil también se engloba el derecho procesal penal juvenil, correspondiente al derecho procedimental, adjetivo o rituario.

Como ha destacado Faria (1997), el tiempo de los tribunales se concibe a través de una relación de autoridad y orden, que se representa por la posibilidad de agotamiento de todos los recursos y procedimientos. Ya el ritmo acelerado de la sociedad contemporánea confronta el tiempo necesario para la actuación de los órganos jurisdiccionales. Y más, teniendo en cuenta que el tiempo es entendido y vivido de forma diferente por los niños y adolescentes, a la justicia especializada se añade el desafío de responsabilizar en tiempo real, o al menos reducir el tiempo que media entre la comisión del delito y la respuesta judicial (PÉREz, 2007).

De hecho, como señala Beneitez Bernuz (2008) a menudo, oímos entre los expertos de infancia que el tiempo es entendido y vivido de forma diferente por los niños. Lo que significa reconocer que los cambios personales son muchísimos más acelerados en la infancia y adolescencia, y de otra parte el tiempo y la experiencia de vida siendo más cortas para los niños y adolescentes resulta en la percepción más demorada acerca del paso del tiempo.

2 Bases de la Convención Internacional sobre los Derechos del Niño

Parece importante y necesario tener presente, por lo tanto, que los procesos de terminación anticipada en los sistemas de responsabilidad penal juvenil, más allá de ser considerada una tendencia actual en materia de política criminal general, ya bastante diseminada en la mayoría de los ordenamientos jurídicos, reflejan también mandatos normativos de la Convención Internacional sobre los Derechos del Niño (CDN), cuando hace referencia al principio de celeridad y a la desjudicialización en términos de lo establecido por los artículos 40.2.b) y 40.3.c), respectivamente.

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Conforme el artículo 40.2. de la Convención, los Estados Parte garantizarán, en particular que todo niño del que se alegue que ha infringido las leyes penales o a quienes se acuse de haber infringido esas leyes se les garantice, por lo menos que la causa será dirimida sin demora por una autoridad o órgano judicial competente. Ya el artículo 40.3.c) establece que los Estados partes tomarán todas las medidas apropiadas para promover el establecimiento de leyes, procedimientos, autoridades e instituciones específicos para los niños de quienes se acuse o declare culpables de haber infringido esas leyes, y en particular siempre que sea apropiado y deseable la adopción de medidas para tratar a esos niños sin recurrir a procedimientos judiciales, en el entendimiento de que se respectarán plenamente los derechos humanos y las garantías legales.

Ubicar las terminaciones anticipadas, en este escenario de cambio en los sistemas penales y reformas judiciales como un todo, es el primer paso para comprender la naturaleza de dichos mecanismos y además las dificultades que a ellos se agregan cuando el destinatario es un inimputable. Son mecanismos que se insertan en un entorno de cambios jurídicos y sociales que afectan tanto a la funcionalidad y temporalidad de la sanción, como a la concepción de la infancia y sus propias capacidades de integración social, así como a la percepción de la propia infracción (BENEITEz BERNUz, 2001).

Además, esta comprensión posibilita igualmente profundizar acerca de las dificultades que existen a nivel interinstitucional y operativo para la ejecución de las sanciones socioeducativas que se originan de las terminaciones anticipadas, en especial evidenciar la escasez de enfoques conceptuales y metodológicos que orienten una intervención técnica eficiente de los Estados.

Se trata, efectivamente, de comprender las terminaciones anticipadas dentro del conjunto de acciones tendientes a reformar y dinamizar la justicia, como herramienta para promover la modernización del ordenamiento legal y la promoción de los derechos fundamentales de los y las adolescentes y la ciudadanía de ellos, el fortalecimiento institucional y administrativo del poder judicial, y el establecimiento de métodos alternativos de resolución de conflictos como un mecanismo esencial para la solución de los conflictos surgidos de la realización de una conducta subsumible en el marco jurídico penal, con el objetivo de recomponer el tejido social dañado con el mismo.

Las formas de terminación anticipada son mecanismos procesales de abreviación del proceso formal. Por lo tanto, son instituciones procesales que permiten culminar

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y resolver los conflictos, incluso antes de la conclusión de la etapa de investigación preparatoria o inicial, eximiéndose de llevar a cabo las etapas posteriores, que incluyen el juzgamiento. Por ello, denominados mecanismos informales.

Asimismo, se puede definir el proceso de terminación anticipada como un proceso especial y una forma de simplificación procesal (NEYRA FLORES, 2010) que se sustenta en los principios de consenso y oportunidad. Dentro de la naturaleza de este procedimiento, también encontramos sustratos de política criminal, ya que el principal objetivo es la consecución de una rápida y eficaz justicia, con la debida observancia del principio de legalidad.

En la justicia especializada penal juvenil, por su parte, dichos métodos y mecanismos informales se revisten de una doble función: por un lado, ofrecer una respuesta real a la delincuencia primaria y de escasa importancia, no dejando sin intervención las primeras infracciones, y, del otro, minimizar los niveles de estigmatización de la adolescencia y burocratización de la justicia. Esas razones constituyen el fundamento de que, en países como Alemania, se consideren los mecanismos informales (informal respecto a la utilización de los mecanismos estatales, una respuesta soft) en el proceso penal preferenciales frente a la terminación formal del proceso mediante sentencia (CANO PAÑOS, 2004).

Así que en la justicia especializada de inimputables, los procesos de terminación anticipada contribuyen para lograr una efectiva vinculación temporal delito versus medida, para educar mejor y luego favorecer que el joven relacione y entienda la lógica relacional del hecho delictivo con la medida que se le impone como consecuencia. Evidenciándose, por lo tanto, que las consecuencias derivadas de los procesos de terminación anticipada son sanciones socioeducativas que exigen adecuada observancia y debido cumplimiento.

Dichos procesos son acogidos por diferentes países de la región y comprendidos, en general, como mecanismos informales de solución de conflictos, aunque su desarrollo no haya sido homogéneo en todos los países.

Es preciso tener en cuenta que en el marco de la Convención Internacional sobre los Derechos del Niño (CDN) se reconoce el carácter estigmatizante del proceso penal y, por tal razón, el tratamiento de los adolescentes sometidos a la ley penal debe excluir, siempre que sea apropiado y deseable, la utilización de procedimientos judiciales.

Se trata de acoger el principio de intervención mínima a través de los mecanismos de desjudicialización, descriminalización, desinstitucionalización y del

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debido proceso. Luego, terminar anticipadamente el proceso penal juvenil constituye una forma de desjudicialización o diversificación de la intervención penal especial.

La desjudicialización o diversificación de la dicha intervención corresponde a una especie de tercera vía, que expresa, en general, que el Estado, frente a los delitos de bagatela o de mediana gravedad, renuncia a un proceso penal formal y a la imposición de penas desde un punto de vista estrictamente formal. Por eso, se produce una derivación del proceso a una llamada vía alternativa, caracterizada por soluciones de carácter informal sin efectos estigmatizantes.

Cabe añadir que la desjudicialización se está convirtiendo en la vertiente esencial del modelo de justicia juvenil en la región latinoamericana (GONzÁLEz NAVA, 2013), y discurre de las legislaciones domésticas y del Corpus Juris del Derecho Internacional de los Derechos humanos vinculados a la niñez y la adolescencia en conflicto con la ley penal. La expresión Corpus Juris de los Derechos Humanos es un aporte de la Corte Interamericana a la doctrina internacional, que en su opinión consultiva OC-16/1999, manifestó que el corpus juris del Derecho Internacional de los Derechos Humanos está formado por un conjunto de instrumentos internacionales de contenido y efectos jurídicos variados – tratados, convenios, resoluciones y declaraciones.

Para muchos, la justicia para adolescentes debe perfeccionar la ruta de la justicia alternativa como vía principal del tratamiento de los casos. En esa dirección, la desjudicialización o diversificación de la intervención penal obliga a que, en determinados casos, el sistema penal sea referido a otros órganos de control informal, por medio de la remisión o la mediación penal como mecanismo autocompuesto, y a la conciliación, admitiendo, con ello, que el derecho penal juvenil es de ultima ratio.

En ese orden de ideas, el instituto jurídico-procesal de la conciliación constituye un mecanismo de intervención penal mínima que pretende buscar una solución efectiva al conflicto penal, a través de un acuerdo voluntario libre y espontáneo de autocomposición entre acusado y víctima, previo a la imposición de medidas definitivas. Autores como Tiffer, Llobet y Dünkel (2002) definen a este instituto como un acto jurisdiccional voluntario entre el ofendido o su representante y el menor de edad, quienes son las partes necesarias en la conciliación.

Conforme destaca Beneitez Bernuz (2001), en la experiencia española, se demanda que la actividad jurisdiccional de jóvenes no se centre en la búsqueda de un castigo proporcional al daño cometido por más que mantenga cierta relación con el mismo.

Es decir, siguiendo el ejemplo de España y de aquellos países que han adoptado en las legislaciones de los inimputables, el principio de oportunidad y la utilización

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de los métodos alternativos al proceso formal, entendemos que el desafío central es concentrarse en el presente y en la responsabilización en tiempo real. Luego, lo que se espera no es un sistema que gire únicamente al pasado, y por lo tanto nos lleve a una concepción retributiva de la sanción, entendida como la imposición de un mal por el mal cometido. Ni tampoco limitarnos a una mirada hacia al futuro generalmente unida a una concepción preventiva (peligrosista) de la misma.

Para ello, los mecanismos conciliatorios y reparadores se muestran como mecanismos capaces de unir pasado, presente y futuro, y, con ello, restablecer el equilibrio roto y visualizar el daño cometido, resultantes de la infracción. La conciliación puede ser de dos clases en el proceso penal juvenil: (i) aquella por medio de la cual se adquiere una obligación de contenido patrimonial (reparación); y (ii) otra por medio de la cual se contrae una obligación de contenido no patrimonial tendiente a lidiar con las consecuencias del delito y sus efectos e implicancias para el futuro.

Sin embargo, aunque la introducción de dichos mecanismos a las normas y legislaciones en nuestros países cumpla con la tarea de hacer posible que las leyes respondan a las necesidades y exigencias en constante evolución de las sociedades, no parece ser suficiente. Aún que se pueda creer que una vez que se hayan introducido los cambios apropiados a las normas el sistema jurídico, en general, será más sensible a las exigencias de la modernización y desarrollo, las normas no se ejecutan por sí mismas. Se necesitan instituciones apropiadas para asegurar su aplicación correcta y su cumplimiento íntegro y efectivo, es decir, los sistemas jurídicos no constan solamente de normas aplicables, sino también de procesos mediante los cuales se habrán de aplicar esas normas y de instituciones encargadas de dichos procesos (BINDER, 2004, p. 763).

Por ello, la introducción de dichos mecanismos en nuestras legislaciones exige un lógico y necesario replanteamiento de las políticas en la materia.

3 Antecedentes y marco normativo

Como antecedentes de los procesos de terminación anticipada, cabe referirse a la Recomendación R (87) 18, de 17 de septiembre de 1987, del Consejo de Ministros del Consejo de Europa, que ha indicado, en el ámbito de las reformas judiciales, la adopción de mecanismos para simplificar y agilizar los procesos judiciales, sugiriendo abiertamente el modelo del guilty plea estadounidense, como forma de acelerar la justicia. Este instituto abre la posibilidad de la declaración de inocencia o culpabilidad del sujeto, que al aceptar su culpabilidad accede a un sistema legal de beneficios. Como aclaramos anteriormente el plea bargaining de la tradición jurídica anglosajona

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consiste en la posibilidad de concluir un proceso penal tras una negociación entre el fiscal y la defensa, ratificada posteriormente por el operador judicial. Dicho proceso de negociación permite que el acusado renuncie al juzgamiento y la discusión de su culpabilidad en troca de una reducción de la pena o de la acusación. Cuando el acusado confiesa su culpa ocurre el guilty plea en la presencia de un juez.

Así, a poco tiempo, diversos Estados europeos, entre ellos Portugal y España, adoptarían mecanismos de esta clase. España lo ha introducido, por la Ley Orgánica no 7, el 28 de diciembre de 1988, en los artículos 791.3 y 793.3 de la Ley de Enjuiciamiento Criminal. Por otro lado, también lo ha hecho en la Ley del Tribunal del Jurado (LO 5/1995), que ha copiado el mencionado artículo 793.3 de la Ley de Enjuiciamiento Criminal. Conforme señala Anitua (2015), la Ley de Enjuiciamiento Criminal española ya incluía, desde su redacción original de 1882, un mecanismo similar, en su artículo 655, cuál era la conclusión anticipada del proceso, siempre y cuando concurran una serie de circunstancias: a) que la pena solicitada por la acusación sea de prisión menor; b) que exista voluntad concurrente, tanto de la acusación como de la defensa; c) que el defensor no entienda necesaria la continuación del proceso; d) que, habiendo varios acusados, todos estén de acuerdo; y e) que la pena solicitada no sea inferior a la que el tribunal considera procedente, en virtud de la calificación acordada. El mismo autor advierte que, con tales mecanismos, se suprime el juicio, pero no se deja de lado la pena. Por el contrario, cada vez se dictan más penas, en menos tiempo y sin realizarse las importantes funciones del juicio público.

Teniendo en cuenta datos actuales de los países donde se han implantado dichas posibilidades, autores como Montañez Ruíz (2013) han constatado que las negociaciones representan unos porcentajes muy superiores respecto de los procesos que se llevan a juicio, configurando la expresión utilizada por Langbein (1996) de un proceso sin proceso Consta que a principios de los años 1990 el porcentaje aproximado de condenas impuestas en los Estados Unidos tras una negociación supera, conforme a la mayoría de la doctrina, el 90 por ciento. Por ello, el mismo autor indica que en los tribunales estatales (esto es, los de los Estados federados) el 95 por ciento de los delitos son resueltos sin juicio, y de ellos en el 91 por ciento de los casos se impone condena por el método del plea bargaining.

En materia de justicia de inimputables, fue la Recomendación R (87) 20, del mismo año y fecha, del Consejo de Ministros del Consejo de Europa, que ha dado el impulso inicial para el desarrollo de procedimientos de desjudicialización y de

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mediación a nivel del órgano de prosecución a fin de evitar a los jóvenes la asunción por el sistema de justicia penal y las consecuencias derivadas de ello.

Posteriormente, desde la ratificación de la Convención Internacional sobre los Derechos del Niño (CDN), los Estados signatarios han llevado a cabo esfuerzos considerables para buscar mecanismos alternativos al procedimiento formal y evitar la estigmatización individual y social de los adolescentes; esfuerzos que incluyen la puesta en vigencia de códigos y legislaciones que buscan desarrollar los principios de celeridad y de oportunidad tendientes a la desjudicialización, como definen los artículos 40.2.b) y 40.3.c) de dicho documento internacional.

De igual manera, forman parte también del marco normativo, los demás documentos del acervo del sistema de Naciones Unidas en materia de justicia juvenil, como son: las Reglas Mínimas de Naciones Unidas para la administración de justicia de menores (Reglas de Beijing/1985), las Directrices de Naciones Unidas para la prevención de la delincuencia juvenil (Directrices de Riad/1990), las Directrices de acción de Naciones Unidas sobre el niño en el sistema de justicia penal (1997), los cuales, en su conjunto, refuerzan la desjudicializacíon o diversificación como principio rector del sistema especializado, a fin de favorecer a todos los involucrados, es decir, al adolescente, la comunidad, la víctima u ofendidos y a la administración de justicia.

El fundamento legal de la desjudicialización, diversificación o diversión del proceso penal juvenil, respecto de la norma internacional se colige de los artículos 40.3, letra (b), de la Convención Internacional sobre los Derechos del Niño; Regla 11 de Las Reglas Mínimas de las Naciones Unidas para la Administración de Justicia de Menores o Reglas de Beijing; Número 57 de las Directrices de las Naciones Unidas para la Prevención de la Delincuencia Juvenil conocida también como Directrices de RIAD; Número 5.1 de las Reglas Mínimas de las Naciones Unidas sobre las medidas no privativas de la libertad o Reglas de Tokyo.

El Comité de los Derechos del Niño, en su Observación General número 10, señaló que:

(…) los niños se diferencian de los adultos tanto en su desarrollo físico y psicológico como por sus necesidades emocionales y educativas. Esas diferencias constituyen la base de la menor culpabilidad de los niños que tienen conflictos con la justicia. Estas y otras diferencias justifican la existencia de un sistema separado de justicia de menores y hacen necesario dar un trato diferente a los niños. La protección de interés superior del niño significa, por ejemplo, que los tradicionales objetivos de la justicia penal, a saber, represión/castigo, deben ser sustituidos por los de rehabilitación y justicia restitutiva cuando se trate de menores delincuentes (…). (CRC/C/GC/10).

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En ese proceso, se observan aún áreas de mejora para la implementación de los sistemas de responsabilidad penal juvenil y, con ello, el logro de los resultados a partir de la aplicación de sanciones socioeducativas no privativas de la libertad, orientadas a promover resultados de reinserción o reintegración social y de no reincidencia de los adolescentes que han infringido una ley penal.

Es importante destacar que los procesos de terminación anticipada como formas de evitar la judicialización no admiten como consecuencia la imposición de medidas privativas de la libertad. O sea, no es admisible llegar a una solución idéntica a que se llegaría con el término formal del proceso. La aceptación de las condiciones antes de que el proceso termine no puede tener como consecuencia la privación de la libertad del adolescente.

Además de las legislaciones específicas de cada país, igualmente cabe mencionar también el conjunto de directrices que conllevan la necesidad de implementar programas de justicia restitutiva o restaurativa en materia penal. Así, dentro del contexto de Naciones Unidas, el Consejo Económico y Social dicto en 1999, la Resolución 1999/26 sobre la “Elaboración y aplicación de medidas de mediación y justicia restitutiva en materia de justicia penal”, la cual indica que la Justicia Restaurativa es un mecanismo de importancia para resolver las controversias y los delitos leves, y que puede ser la adopción de medidas de mediación y justicia restitutiva, especialmente las que permitan el encuentro entre la persona ofensora y la víctima, así como la indemnización por los daños sufridos o la prestación de servicios a la comunidad, siempre y cuando lo anterior se realice bajo la supervisión de la autoridad judicial u otra competente.

En el año 2000, la Resolución 2000/11, denominada “Declaración de Viena sobre la delincuencia y la justicia: frente a los retos del siglo XXI”, estableció planes de acción nacionales, regionales e internacionales en apoyo a las víctimas, para los casos en que sea procedente la aplicación de la Justicia Restaurativa. Mediante esta, se añadió que las prácticas de Justicia Restaurativa deberán inscribirse en el marco de las prácticas nacionales establecidas y de las circunstancias sociales, culturales, económicas y de otra índole en las que se desarrollen.

Bouchard (1995) defiende que no se trata de una nueva alternativa al modelo rehabilitador y retributivo, y sí que los nuevos procesos enmarcados por la justicia restaurativa cumplen con la tarea de rellenar los huecos que no podían cubrir el derecho penal. De forma que el modelo reparador no es un modelo que venga a sustituir al de justicia, sino que viene a apoyarlo.

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En el mismo año, el Consejo Económico y Social de las Naciones Unidas, dictó la Resolución 2000/14, titulada “Principios Básicos sobre la utilización de programas de justicia restitutiva en materia penal”, la cual fue retomada o aprobada por la Resolución 2002/12. El legado de esa resolución se inscribe en una primera conceptualización de Programa de Justicia Restaurativa, como: “todo y cualquier programa que se utilice de procesos restaurativos y busque alcanzar resultados restaurativos”. Y el establecimiento de que estos se pueden utilizar en cualquier etapa del sistema de justicia penal, siempre que se respete lo dispuesto en la legislación nacional de cada país. En cuanto al funcionamiento propiamente de los programas de Justicia Restitutiva, se establece que los Estados miembros de la Organización de las Naciones Unidas deben considerar la posibilidad de establecer directrices y normas con base legislativa, las cuales rijan la utilización de estos programas.

Es importante señalar que no todo programa de Justicia Restaurativa promueve y representa una efectiva desjudicialización, ya que la intención de estos mecanismos no es evitar la sanción, sino la recomposición del tejido social dañado con la comisión del delito, pues, como hemos visto, incluso en las recomendaciones de Naciones Unidas, la justicia restaurativa puede ser utilizada en cualquier etapa del procedimiento, y no solamente de forma previa al proceso formal. No se debe confundir, por lo tanto, con procesos judiciales abreviados, ya que incluso puede resultar en una superjudicialización de determinados delitos leves, como advierten algunos autores más críticos.

Luego, la desjudicialización y los programas de justicia restaurativa representan dos caminos distintos, que pueden bifurcarse, pero que no se deben confundirse, ya que, como antes hemos expresado, ni toda aplicación de la justicia restaurativa lleva a una desjudicialización (por ejemplo,. al admitir la aplicación de mecanismos de justicia restaurativa en la ejecución de sanciones penales o medidas para adolescentes no implica necesariamente una desjudicialización, ya que dicho camino se llevó a cabo).

Algunas lecciones del profesor Dünkel (2011) confirman que, en términos de tendencias observables en los países europeos, se puede constatar una combinación de los modelos de bien-estar y mínima intervención con elementos de la justicia restaurativa en las justicias especializadas de adolescentes, incluso como efecto de la Recomendación del Consejo de Europa no 20, de 2003.

En ese sentido, podemos identificar tres posibilidades predominantes: (i) situaciones en las cuales la terminación anticipada se produce sin que se imponga

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obligación alguna al adolescente; (ii) situaciones en las cuales la forma de terminación anticipada se realice con resultados indemnizatorios a la víctima y reparatorios del daño causado; y (iii) situaciones que resulten en la imposición de mandatos y obligaciones con enfoque restaurativo.

Sobre el tema de la justicia restaurativa aplicada a la justicia penal juvenil, el reciente documento de Naciones Unidas, intitulado “Promover la Justicia Restaurativa para Niñas, Niños y Adolescentes” (Nueva Iorque, 2016), describe un conjunto de beneficios producidos por la Justicia Restaurativa. Propone que la Justicia Juvenil Restaurativa sea capaz de añadir sus principios y métodos al campo de la justicia especializada, implicando por consecuente que el matiz retributivo, según lo cual la violación a la Ley y el castigo son la eje central, sea sustituido por el matiz centrado en las consecuencias que el delito ha generado a las personas en concreto y a las necesidades de reparación. Así, la Justicia Juvenil Restaurativa busca que el adolescente ofensor se vuelva responsable por las consecuencias de sus actos, procurando que el encuentro con la víctima permita una reconciliación basada en el daño y perdón.

Se persigue igualmente como resultado la restitución del vínculo social, procurando la reintegración del infractor en la comunidad, fortaleciendo el sentimiento de seguridad que fuera dañado, los lazos comunitarios y la cohesión social.

Conforme el modelo y enfoque restaurativo, la responsabilidad es uno de los valores más fundamentales y se proyecta para allá del adolescente ofensor – que debe responsabilizarse por reparar el daño que ha causado y a quien fuera afectado – pero se orienta también para la construcción de responsabilidades mutuas que alcancen el propio ofensor, víctimas y la comunidad, visando a la superación gradual de lagunas sociales y la garantía de derechos.

Un enfoque restaurativo presupone que el adolescente ofensor tenga clareza de las consecuencias de su actuar, especialmente de los impactos para las víctimas y personas cercanas (suyas o de la víctima), tomando responsabilidad por sus ofensas y posicionándose activamente en la dirección a la reparación del daño causado con una perspectiva de futuro. Desde ese punto de vista, emergen posibilidades de reducción de la reincidencia y el fortalecimiento de lazos comunitarios que contribuyen para nuevos atores y mecanismos más avanzados de controle social.

4 Legislaciones comparadas y delimitación conceptual

Tomando el ejemplo de Alemania, que ejerce fuerte influencia en los Estados, con sistema jurídico continental o romano germano francés, se observa la adopción

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de posibilidades de terminación anticipada del procedimiento con base en el principio de subsidiariedad, según el cual los llamados mecanismos informales (frente a la formalidad del proceso) así como las medidas no privativas de la libertad tienen preferencia frente a la terminación formal al proceso mediante sentencia y las medidas de carácter sancionatorio.

La legislación especializada penal juvenil alemana de 1953 (JGG) admite dichas posibilidades, las cuales se encuentran reguladas en los párrafos §§ 45 y 47 y se adopta un Modelo Escalonado de Diversificación. Las terminaciones anticipadas pueden producirse sin que se imponga medida alguna al menor – la llamada diversión to nothing1, o también se admite la imposición de medidas con estricto carácter educativo. Esta última hipótesis conlleva la imposición de mandatos u obligaciones, con la condición previa de la confesión del adolescente. A esto se le denomina proceso judicial abreviado o procedimiento abreviado, que cuenta con un catálogo cerrado de medidas. Al respecto, nos llama la atención el hecho de que la tasa de diversión, en Alemania, haya alcanzado un 69% de la totalidad de las reacciones (CANO PAÑOS, 2004).

Algunos países latinoamericanos presentan tasas similares, como el caso del Ecuador, donde unos 70% de los casos de responsabilización de adolescentes corresponden a formas de terminaciones anticipadas. Con todo en Alemania las medidas impuestas y derivadas de tales procesos cuentan con la ejecución garantizada de los llamados Programas de Diversificación. Conforme relata Cano Paños (2004), a partir de 1978, surgieron en Alemania distintos proyectos de diversificación siendo uno de los más grandes el llamado Brucke (que significa puente), establecidos en las ciudades de Munich y Colônia. Dichos proyectos asistían anualmente a entre 2000 y 3000 jóvenes.

En España, la Ley Orgánica no 5, de 2000, reguladora de la responsabilidad penal de los inimputables contempla los mecanismos de conclusión o terminación anticipada a través de los artículos 18 y 19, que tratan, respectivamente, del desistimiento de inicio del expediente por corrección en el ámbito educativo y familiar, y del sobreseimiento del expediente por conciliación o reparación entre el infractor y la víctima. Se trata de una consecuencia de la adopción del principio de la oportunidad reglada, porque la naturaleza de las infracciones posibilitan distintas salidas alternas del procedimiento: la reparación o la conciliación decididas por el Ministerio Fiscal sólo podrán proponerse cuando se trata de un delito menos

1 Derivação sem consequências ou resultados (tradução nossa).

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grave o falta. En tanto, que las prestaciones en beneficio de la comunidad pueden imponerse, en principio, en cualquier caso.

Para el modelo español, las medidas alternativas son parte de un amplio catálogo de medidas aplicables, que según la exposición de motivos de la ley española, deben primar el interés del joven, dada las características del caso concreto y de la evolución personal del sancionado. Así se concede importante rol a la reparación del daño causado y a la conciliación del delincuente con la víctima como situaciones que, en aras del principio de intervención mínima, y con el concurso mediador del equipo técnico, pueden dar lugar a la no incoación o sobreseimiento del expediente, o a la finalización del cumplimiento de la medida impuesta, en un claro predominio de los criterios educativos y resocializadores sobre los de defensa social esencialmente basada en la prevención general y que pudiera resultar contraproducente para el futuro.

Igualmente, en México, se adopta el principio de la oportunidad y la terminación anticipada del procedimiento en la justicia penal juvenil, siendo que las dichas terminaciones cuentan con el apoyo y la participación social a través de la ejecución de las medidas derivadas, en los Centros de Justicia Alternativa, los cuales se encargan de dar seguimiento, en algunas Entidades Federativas de aquel país, a los acuerdos celebrados para poder beneficiarse de alguna salida alternativa.

En Perú, la aplicación de los criterios de oportunidad resulta en las posibilidades de remisión, decreto penal de sanción, mecanismos de terminación anticipada y otros mecanismos de justicia reparadora. Para parte de la doctrina peruana, la justicia reparadora y la terminación anticipada funcionan como mecanismos transaccionales para lograr el acortamiento del proceso, la reparación del perjuicio y potencializar el efecto educativo del proceso para el adolescente.

Respecto a la legislación brasileña, la remisión está prevista en el Estatuto del Niño y del Adolescente (ley federal no 8.069, de 1990) que de igual modo que en Alemania y España puede ser propuesta por el Ministerio Fiscal antes del inicio del proceso, en su etapa previa o adoptada por el Juez en la audiencia. En los dos casos, solamente se admite la imposición de medidas no privativas de la libertad como condición a la extinción del proceso, después de su total cumplimiento. Cuando propuesta por el Ministerio Fiscal, todavía es más evidente el carácter transaccional del mecanismo.

En el ámbito de la justicia especializada penal juvenil de Ecuador, con arreglo en el Código de la Niñez y Adolescencia (CONA), están previstos

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mecanismos de terminación anticipada del proceso, básicamente dispuestos en Acuerdos Conciliatorios promovidos por el Procurador (artículos 345 y 346), Acuerdos Conciliatorios promovidos por el Juez (artículo 347), la Suspensión del proceso a Prueba (artículo 348) y la Remisión (artículos 351 e 352). Las medidas impuestas y las obligaciones derivadas de dichos mecanismos integran el conjunto de medidas socioeducativas definidas en la ley ecuatoriana e incumben al Sistema de Ejecución y seguimiento de medidas socioeducativas del país.

En el escenario actual, es indispensable racionalizar el uso de los procesos de terminación anticipada y sus consecuencias para que el sistema de medidas socioeducativas en su conjunto y de manera integrada promueva la reducción de la reincidencia y el aumento de la seguridad de la población conjuntamente con la protección de los derechos de los adolescentes.

En todo caso, como aclara Tiffer (2011), hay que considerar que los fines de la justicia penal juvenil deben ser modestos y no pretender, solo a través de ella, subsanar deficiencias sociales, educativas o conductuales de los adolescentes.

No existe en la ley especializada brasileña – Ley no 12.594, de 2012, artículo 35, II e III – referencia expresa a la conciliación, aunque en la legislación adoptada para la regulación del Sistema Nacional de Atención Socioeducativa (Sinase) aparezcan como principios rectores de la ejecución de las medidas socioeducativas la excepcionalidad de la intervención judicial y de la imposición de medidas, debiéndose favorecer la autocomposición de los conflictos; y la prioridad de las practicas o medidas restaurativas, atendiéndose siempre que posible las necesidades de las víctimas.

En la realidad brasileña, las medidas impuestas en el ámbito de las formas de terminación anticipada son en general servicios comunitarios y libertad vigilada, o sea, medidas no privativas de la libertad que se ejecutan a nivel municipal, con elevada participación comunitaria, de ONGs y de distintos servicios públicos. El control, la fiscalización y el seguimiento de las medidas ocurren en el mismo ámbito de control de todas las medidas socioeducativas, incluso aquellas derivadas de sentencia.

De una manera bastante sintética, podemos decir que pese a diferencias contextuales, los procesos de terminación anticipada suelen admitirse mediante la asunción de la responsabilidad por parte del adolescente. Por ello, principalmente, es que se denominan salidas alternativas o alternas al proceso, cuya significación hemos aclarado anteriormente.

La idea de consenso de manera general, en el derecho procesal penal, ha originado las expresiones justicia consensual penal y justicia negociada. Sin

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embargo, algunos autores tratan de distinguir como justicia consensual al modelo que se sostiene en el consentimiento y aceptación del acusado, ya sea bajo la forma de aceptación positiva o bien bajo la forma de ausencia de recurso frente a la resolución de responsabilidad. Por otra parte, la justicia negociada corresponde a las situaciones en la cuales el acusado detenga, frente al conflicto y su solución, un poder de discusión y dialogo frente a la víctima u ofendido.

En general, se concibe el proceso especial de terminación anticipada como una institución consensual (basada en la voluntad de las partes), o sea, una suerte de transacción previa a la etapa final de juzgamiento en la que se voluntariamente se otorgan concesiones recíprocas: para el adolescente acusado, la admisión de la culpabilidad y su responsabilidad por el hecho, para el Fiscal, la adopción de medidas menos estigmatizantes e institucionalizadoras.

Cierto es que la mala utilización de esa herramienta puede servir para tratar con severidad a un adolescente inocente que se declara culpable para evitar el riesgo de una institucionalización; de otro lado, este riesgo resulta todavía más grave que es el que corresponde a la falta de comprensión por parte de los profesionales encargados de operar el sistema de justicia de tratarse de medidas sancionatorias, coercitivamente impuestas que deben rigurosamente ser ejecutadas y cumplidas. No percibir las consecuencias derivadas del proceso de terminación anticipada como verdaderas medidas socioeducativas puede dañar el tejido normativo de exigibilidad de responsabilidad hacia los adolescentes. Deficiencias administrativas y operacionales no pueden poner en riesgo todo el sistema.

Asimismo, tratar la naturaleza de las medidas o condiciones resultantes de los procesos de terminación anticipada es fundamental para evitar disparidades normativas e interpretativas con respecto a las respuestas frente a delitos graves y de escasa gravedad y como garantía de una verdadera coordinación entre las estrategias y acciones que conforman las distintas facetas de la justicia penal juvenil, como resultado de un modelo político criminal propio de un Estado Democrático de Derecho.

Las medidas que resultan de los procesos de terminación anticipada preservan su carácter penal sancionatorio, aunque previas al proceso formal (soft), porque su condición de existencia se basa no en el adolescente o su condición de vida, sino en la realización de un hecho definido como delito, siendo este su verdadero presupuesto de existencia.

Según enfatiza Maria Carmen Gómez Rivero (2001), los presupuestos de la intervención penal, de un lado, y, de otro, las consecuencias que resultan del delito, representan los dos extremos que demarcan el principio y el fin de un figurado

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trayecto con lo cual se puede simbolizar la presencia de la responsabilidad penal. Con el primero, se demarca su punto de partida; con el segundo, la forma como se concretiza la intervención penal. Son las líneas que trazan el sí y el cómo de la respuesta penal frente al delito cometido por el adolescente.

Cabe añadir que las consecuencias derivadas de los procesos de terminación anticipada constituyen providencias de orden público con carácter híbrido: sancionatorio y preventivo. Son sanciones o medidas socioeducativas que, como tales, exigen programas de ejecución y adecuado seguimiento.

5 Conclusión

Ante todo lo expuesto, es posible identificar aspectos conceptuales predominantes que sitúan las terminaciones anticipadas como parte del conjunto de medidas destinadas a dinamizar la justicia ante los cambios e exigencias sociales contemporáneas. Configurándose como mecanismos de resolución alternativa de conflictos en las justicias penales juveniles reflejan con ello la búsqueda de respuestas más ágiles y adecuadas a la naturaleza de las infracciones y las necesidades de los adolescentes.

Las terminaciones anticipadas son mecanismos procesales de abreviación del proceso formal, por tanto son instituciones procesales que permiten culminar y resolver los conflictos, incluso antes de la conclusión de la etapa de investigación preparatoria o inicial, eximiéndose de llevar a cabo las etapas posteriores que incluyen el juzgamiento. Por ello, denominados mecanismos informales.

Por consecuente, las terminaciones anticipadas integran el campo de la política criminal destinada a la administración del delito en la adolescencia y de la justicia especializada penal juvenil, evidenciándose su carácter de mecanismo de prevención y adecuado control del delito en la adolescencia. Al configurar formas alternativas de resolución de los conflictos en aquellos supuestos en los que resulte apropiado, tanto antes del inicio del proceso como durante la tramitación del mismo, resultan en consecuencias con naturaleza sancionatoria.

En términos politicocriminales, las terminaciones anticipadas cumplen con la tarea de no dejar en abandono los casos considerados de escasa relevancia económica y social, favoreciendo el sentimiento de protección social tanto de la víctimas como de los propios adolescentes involucrados en los delitos o faltas, y cumplen con las mismas finalidades de las sanciones, sin generar estigmatizaciones.

Sin lugar a dudas, la introducción de dichos mecanismos en nuestras legislaciones exige un lógico y necesario replanteamiento de las políticas en la

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materia, pues las medidas y obligaciones derivadas de los procesos de terminación anticipada integran el conjunto de sanciones o medidas socioeducativas con carácter sancionatorio y con finalidad preventiva especial educativa.

Dentro del sistema penal especializado, las consecuencias derivadas de los procesos de terminación anticipada constituyen providencias de orden público con carácter hibrido: sancionatorio y preventivo. Son medidas socioeducativas que como tales exigen programas de ejecución y adecuado seguimiento para dotar a los adolescentes de las herramientas necesarias para reintegrarse a la sociedad y evitar los efectos perjudiciales de la judicialización.

La adecuación de las políticas públicas de ejecución imponen la adopción de metodologías y enfoques adecuados, en el ámbito del Sistema de Ejecución y seguimiento de medidas socioeducativas de cada país, a la vez que el no cumplimiento de las condiciones derivadas de los procesos de terminación anticipada puede favorecer sentimientos de impunidad e incluso agravar la reincidencia de parte de los adolescentes.

Se evidencia la relevancia del tema y la necesidad de que la reflexión doctrinaria sea acompañada por la adecuación de las políticas públicas de ejecución socioeducativa, desde una clara definición de las instancias encargadas de la implementación, control y seguimiento de dichas consecuencias en al ámbito del Sistema de Ejecución y seguimiento de medidas socioeducativas de cada país.

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Enfoque restaurativo y perspectiva comparada de las terminaciones anticipadas en la justicia penal juvenil

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4 Compensação de empresas estatais pelo

acionista controlador: limite material à

persecução do interesse público

ANTôNIO JOSé MARISTRELLO PORTO

Doutor e Mestre em Direito pela University of Illinois (EUA). Vice-Diretor e

Professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV – Rio).

RENATO FERREIRA DOS SANTOS

Mestre em Direito da Regulação pela Fundação Getúlio Vargas (FGV – Rio).

Artigo recebido em 15/2/2019 e aprovado em 1/4/2020.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 O sacrifício circunstancial da lucratividade em hipóteses restritas 3 Fundamentos legais para a compensação de prejuízos decorrentes de operações realizadas em prol do interesse público que justificou a criação da SEM 4 A compensação de prejuízos como mecanismo de incentivo econômico à captação de recursos privados 5 Compensação das empresas estatais por operações deficitárias vs. subvenção dirigida às estatais dependentes 6 O limite da compensação 7 A nova sistemática prevista no estatuto social da Petrobras e de suas subsidiárias: a positivação da compensação 8 Conclusão 9 Referências.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discutir os fundamentos legais e o cabimento de qualquer modalidade de compensação a empresas estatais pelo seu acionista controlador por ocasião de prejuízos financeiros decorrentes de operações que, embora legitimamente destinadas a perseguir o interesse público que justificou a criação da companhia, importam em perdas ou retorno econômico aquém dos parâmetros usuais de mercado. Para esse fim, o trabalho analisará os fundamentos legais para a potencial compensação (em especial à luz da publicação da Lei no 13.303/2016, o novo estatuto das empresas estatais), bem como a dinâmica das subvenções econômicas aplicáveis às estatais dependentes. Ao final, será também examinada, a título ilustrativo, a reforma estatutária de sociedades do Grupo Petrobras para incluir previsão semelhante àquela ora defendida, bem como os limites aplicáveis ao modelo de compensação proposto.

PALAVRAS-CHAVE: Empresa Estatal Compensação Prejuízos Acionista Controlador Interesse público.

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Compensation of state-owned entities by the controlling shareholder: material

limits for pursuing of the public interest

CONTENTS: 1 Introduction 2 Circumstantial sacrifice of profitability in specific cases 3 Legal basis for compensation of losses arising out of transactions carried out as a result of the public interest that justified the incorporation of the SEM 4 Compensation of losses as economic incentive to private fundraising 5 Compensation of state-owned entities for loss-making transactions vs. subvention to dependent entities 6 The limits of the compensation 7 The new rules set forth in Petrobras’s bylaws 8 Conclusion 9 References.

ABSTRACT: This article aims to discuss the legal basis for and the feasibility of any kind of compensation of state-owned entities by their controlling shareholders for losses incurred as a result of transactions that, although carried out to achieve the public interest that justified the incorporation of the company, imply on financial losses or economic return below market standards. For this purpose, the paper shall assess the legal rules supporting the favorable position in relation to the compensation (in the context of the publication of the Federal Law No 13,303/2016), as well as the dynamics of economic subvention applicable to dependent state-owned entities. Finally, by way of illustration, the article shall also discuss the main aspects of the reform of the bylaws of certain companies of the Petrobras Group to include similar provisions and the applicable limits to the compensation model proposed herein.

KEYWORDS: State-owned Entity Compensation Losses Controlling Shareholders Public Interest.

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Compensação de empresas estatais pelo acionista controlador

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Compensación de empresas estatales por el accionista controlador: límite material

a la persecución del interés público

CONTENIDO: 1 Introducción 2 El sacrificio circunstancial de la rentabilidad en casos restringidos 3 Base legal para la compensación de perjuicios derivados de operaciones realizadas en beneficio del interés público que justificó la creación de la SEM 4 Compensación de perjuicios como mecanismo de incentivo económico para la captación de recursos privados 5 Compensación de empresas estatales por operaciones deficitarias vs. subvención direccionada a estatales dependientes 6 El límite de compensación 7 El nuevo sistema previsto en los estatutos de Petrobras y sus filiales 8 Conclusión 9 Referencias.

RESUMEN: El presente artículo tiene por objetivo discutir los fundamentos legales y la posibilidad en el sistema jurídico brasileño de compensación a empresas estatales por su accionista controlador en razón de perjuicios soportados como consecuencia de operaciones llevadas a cabo con la finalidad de alcanzar la finalidad social de tales empresas, aunque según el interés público que justificó su creación. Para ello, el trabajo analizará los fundamentos legales que respaldan la posición favorable a la compensación (en el contexto de la publicación de la Ley no 13.303/2016), así como la dinámica de las subvenciones económicas aplicables a las estatales dependientes. Al final, también se examinará la reforma estatutaria de sociedades del Grupo Petrobrás para incluir previsión semejante a aquella ya defendida, así como los límites aplicables al modelo de compensación propuesto.

PALABRAS CLAVE: Empresa Estatal Compensación Perjuicios Accionista Controlador Interés Público.

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1 Introdução

O presente artigo tem por objetivo discutir os fundamentos legais e a aderência ao sistema jurídico brasileiro da possibilidade de compensação a empresas

estatais pelo seu acionista controlador em razão de prejuízos suportados em decorrência de operações levadas a efeito com o fulcro de atingir os fins sociais de tais empresas.

É atualmente reconhecida, em larga medida, a finalidade lucrativa das sociedades de economia mista (SEMs), que, conquanto tenham o Estado como acionista controlador e possam ter suas atividades orientadas de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação (cf. art. 238 da Lei no 6.404/1976 [LSA] c/c art. 4o, § 1o, da Lei no 13.303/2016), devem buscar lucro para remunerar seus acionistas privados

Nesse sentido, Nelson Eizirik (2011, p. 313), sintetizando a dupla finalidade de que se reveste a sociedade de econômica mista, observa que o fundamento da SEM reside na viabilidade de desenvolver-se eficazmente atividade de interesse público e ao mesmo tempo produzir lucros que possam ser apropriados por seus acionistas.

Sobre o tema, a par da ausência de vedação legal à perseguição de lucro por empresas estatais, parece-nos claro que há, ao revés, a mandatória submissão de tais empresas ao regime jurídico das empresas privadas, por força do art. 173, inciso II, da Constituição federal (CF). Positivamente, ao determinar que as estatais se sujeitem a normas de Direito Privado e ao regime jurídico próprio de empresas privadas, a CF impôs a observância da finalidade lucrativa da empresa (pressuposto básico de toda e qualquer empresa, em especial as sociedades anônimas, tipo societário obrigatório para as sociedades de economia mista).

Mais do que desejável, a finalidade lucrativa da SEM é componente indissociável da equação econômica subjacente à própria constituição de tais companhias, que se formam mediante a captação de recursos privados. De fato, se assim não fosse (isto é, pudesse o Estado descuidar-se do fim lucrativo da companhia para buscar apenas o seu fim social), sequer faria sentido a tomada de recursos privados, eis que nenhum investidor encontraria incentivos para se associar ao Estado, sem a expectativa de ter o seu capital remunerado e receber os lucros decorrentes da exploração da atividade econômica.

De mais a mais, ao levar a efeito determinada escolha discricionária (qual seja, a de constituir SEM para explorar atividade econômica, dentre outros modelos organizacionais que poderiam ter sido eleitos), fica a Administração Pública

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vinculada às consequências daquela decisão, no que se inclui a observância das normas aplicáveis à sociedade. Na prática, pois, a Administração Pública assume o compromisso de conciliar as finalidades social e econômica da SEM.

A esse respeito, veja-se a ponderação de Filipe de Melo Fonte, para quem a defesa do sacrifício da finalidade lucrativa da SEM:

(...) desconsidera a motivação essencial dos acionistas minoritários, no caso das sociedades de economia mista, que é a obtenção de retorno pelo investimento. Eles são titulares da expectativa de lucro e atendem ao chamado do Estado exatamente porque esse promete atende-la em algum grau. Além disso, como afirmado ao longo do texto, a realização de políticas públicas com as estatais pode, em muitos dos casos, mascaram uma subvenção concedida a certo setor da economia à margem da lei e com prejuízo ao controle social. O abandono ao lucro, portanto, deve ser entendimento como exceção, e não regra. (FONTE, 2015, p. 208).

É igualmente pertinente, no particular, a anotação de Carina Lellis Nicoll Simões Leite:

(...) quando o Estado opta pelo modelo empresarial, ele o faz justamente por admitir que o interesse público a ser perseguido pela empresa estatal pode ser associado a objetivos característicos das empresas privadas. Ainda mais quando decide instituir sociedade de economia mista, em que a pessoa jurídica de Direito Público se associa a particulares. Nesse caso, é ainda mais evidente que a sociedade formada por acionistas públicos e privados deverá almejar resultados econômicos positivos. Uma vez que o Estado atrai os investimentos da iniciativa privada, ele se compromete a remunerá-la por meio da distribuição de dividendos. Ao se associar a parceiros privados, é comum que o ente público esteja procurando investimentos, expertise e capacidade gerencial para aumentar a eficiência na exploração da atividade. Mas, para que a sociedade seja bem-sucedida, necessariamente terá que haver uma composição de interesses, de forma que não se poderá descuidar dos interesses econômicos da companhia (LEITE, 2015, p. 8-109).

Acrescente-se que o possível lucro a ser auferido pela SEM possui múltiplas destinações, as quais, ao final e ao cabo, vêm atender não apenas aos anseios de seus acionistas privados, mas inclusive aos do Estado e da coletividade. Afinal, alternativa ou concomitantemente à sua distribuição na forma de dividendos (que, lembre-se, também serão distribuídos ao Estado, como acionista controlador, e com isso passarão a integrar o Erário para outras destinações quaisquer), o lucro poderá ser também aplicado na melhoria e/ou na ampliação de serviços e produtos oferecidos ao público.

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Pelo exposto (e sem pretensão de esgotar o tema, que não é elemento central do presente trabalho), entendemos correto afirmar que, longe de ser vedada, a persecução ao lucro, nos limites do interesse público que justificou a criação da companhia, pode ser entendida como corolário dos princípios da eficiência e da economicidade, aplicáveis aos entes da Administração Pública.

2 O sacrifício circunstancial da lucratividade em hipóteses restritas

Entretanto, o Estado, controlador de tais sociedades, também tem – por expressa previsão legal – a prerrogativa de orientar as atividades sociais de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação, conforme a ressalva descrita no art. 238 da LSA e no art. 4o, § 1o, da Lei no 13.303/2016.

Tal ressalva permite ao Estado, fundamentadamente, aprovar medidas e operações subjacentes a esse interesse público específico, ainda que o seu retorno ou resultado econômico seja deficitário e sacrifique, de maneira pontual, a lucratividade da sociedade. Isso não o autoriza, vale dizer, a deixar de perseguir, em perspectiva global ou permanente, resultado financeiro positivo – ou seja, a sociedade deve ser lucrativa, mesmo que se veja na posição de circunstancialmente executar projetos deficitários para fins específicos e condizentes com o seu mandato social inspirador (leia-se, o interesse público que justificou a sua criação).

É de se enfatizar que a prerrogativa de orientar as atividades para o atingimento de finalidades sociais se restringe à perseguição do interesse público que justificou a criação da SEM, isto é, não se concede carta branca em favor do acionista controlador para que persiga quaisquer interesses ou objetivos públicos.

Como alerta Astrid Monteiro de Lima Rocha (2016, p. 122):

(...) é justamente no momento de elaboração da lei que autoriza a instituição das sociedades de economia mista que é feito o julgamento da conveniência e oportunidade da intervenção do Estado na economia, e que, portanto, tem o condão de legitimar essa intervenção. Nesse momento, cabe ao Estado – enquanto Poder Público – definir o escopo e limite da intervenção. Tal definição de escopo e delimitação deverá ser feita por meio da determinação do interesse público na lei que autoriza a criação das sociedades de economia mista (e que, consequentemente, autoriza a própria intervenção).

Para que se possa definir com clareza o interesse público que justificou a criação da SEM, entendemos que este deverá ser tido como (i) aquele relevante interesse coletivo descrito na lei de criação da companhia (por isso, a descrição do

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interesse coletivo deve se dar de maneira minuciosa no instrumento legislativo) ou, ao menos – e caso dito interesse coletivo não esteja propriamente descrito na lei em questão –, (ii) deverá o intérprete recorrer ao estatuto social da companhia e, complementarmente, à carta anual de políticas públicas (divulgada na forma do art. 8o, inciso I, da Lei no 13.303/2016).

A aceitação das premissas acima firmadas torna relevante o debate sobre o cabimento de eventual compensação da companhia e/ou de seus acionistas minoritários, para fins de recomposição dos prejuízos causados à companhia (e, indiretamente, ao acionista) como consequência direta da realização de tais operações deficitárias que, conquanto vinculados ao interesse público que motivou a sua criação (e, portanto, legítimos), sacrifiquem a lucratividade da companhia.

Em outras palavras, parece-nos relevante responder à seguinte indagação: verificada hipótese específica em que se revela autorizada a relativização (ainda que de maneira pontual) da finalidade econômica/lucrativa da SEM para a persecução de sua finalidade social, devem a companhia e/ou seus acionistas fazer jus a qualquer forma de compensação?

3 Fundamentos legais para a compensação de prejuízos decorrentes de operações

realizadas em prol do interesse público que justificou a criação da SEM

À luz da atual disciplina aplicável às SEMs, antecipamos que a resposta nos parece ser afirmativa.

É bem verdade que a LSA não traz qualquer modalidade de compensação da companhia (ou de seus acionistas) por atos praticados pelo acionista controlador com o intuito de perseguir o interesse público que justificou a criação da sociedade. Ao que se tem notícia, chegou-se inicialmente a cogitar de tal medida – tanto assim que a redação original do art. 238 da LSA previa compensação ao particular em tais casos –, mas a disposição original veio a ser suprimida do respectivo projeto de lei durante o trâmite legislativo. Consequentemente, o texto final publicado não fez referência à compensação.

Já sob aquele regramento, porém, parte da doutrina sustentava o cabimento de compensação do particular (ou da sociedade) por medidas adotadas em prol do interesse público, do que é exemplo o seguinte pronunciamento de Tavares Borba:

Não se justifica, porém, o sacrifício da sociedade ao proveito público; se, por uma contingência qualquer, o interesse público exigir o esmagamento dos

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demais interesses, cumprirá à pessoa jurídica controladora atribuir à sociedade, ou aos interessados diretamente, uma razoável compensação. (2007, p. 513).

Mario Engler Pinto Junior (2013, p. 335), em sentido contrário, adverte que:

(...) o custo implícito das políticas públicas e condutas de mercado não maximizadoras deve ser suportado pela própria companhia, eis que o Estado (controlador) não comete desvio de conduta quando persegue objetivos publicistas compatíveis com o campo de atuação da companhia controlada.

Para o citado autor, conquanto inexistentes quaisquer mecanismos de compensação do particular e/ou da companhia em casos tais, aos acionistas da companhia é assegurado o direito de recesso, na forma do art. 236, parágrafo único, da LSA.

Modesto Carvalhosa (apud PINTO JUNIOR, 2013, p. 357) é outro a adotar posição contrária à compensação de prejuízos pelo Estado:

O Estado não pode ser compelido a compor prejuízos por ter atendido às razões de Estado. As razões de agir do Poder Público não podem ser consideradas atos ilícitos e fundamento de ressarcimento por danos. Não se pode compor prejuízos decorrentes de atendimento do interesse público. Daí não caber ‘composição de prejuízos’ aos acionistas minoritários, já que age o Estado dentro do objetivo precípuo para o qual foi criada a sociedade de economia mista: atender ao interesse coletivo primário ou da coletividade.

Conquanto se reconheça a omissão da LSA, e sem prejuízo do necessário atendimento do interesse coletivo que justifica a criação da SEM, somos da opinião de que tal circunstância não afasta a recomposição de prejuízos suportados pela companhia como consequência do sacrifício (circunstancial) da sua finalidade lucrativa.

Não desconhecemos a existência de argumentos no sentido de que o risco de atuação para-lucrativa da estatal já seria precificado na decisão de investimento ou de que haveria um trade-off entre a compressão do lucro máximo e a ausência de risco falimentar. Parece-nos, porém, que, não obstante, a atuação para-lucrativa (e não compensada à companhia) traria ao menos dois impactos negativos: (i) a redução do valor de mercado da companhia, já que, ao precificar o ativo com esse fator negativo, o investidor estará disposto a pagar menos (reduzindo-se o valor da ação); (ii) o afastamento de investidores mais avessos ao risco, pois, mesmo que não haja risco falimentar, haveria risco de interferência política e condução dos negócios para objetivos não-financeiros.

A bem da verdade, a compensação de prejuízos da companhia tem, a nosso ver, o condão de funcionar, a um só tempo, como mecanismo de incentivo à captação de

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recursos privados e medida de alinhamento de interesses do controlador (Estado) e dos minoritários (acionistas privados).

A prática reforçaria a sensação de segurança do investidor de que eventual mudança na orientação político-econômica do governo então em exercício (que exerce as prerrogativas de propriedade acionária das empresas estatais) não afetará o seu investimento, na medida em que tal orientação não mais impactaria diretamente o patrimônio social (e indiretamente a sua posição acionária), mas antes seria custeada pelos cofres públicos.

Vale dizer, no que concerne ao argumento de que a compensação dos prejuízos restaria afastada pela faculdade de o acionista exercer o seu direito de recesso, que tal argumento não nos parece pertinente, eis que: a uma, tal direito somente se aplica à hipótese de aquisição, por desapropriação, do controle da companhia pelo Estado; e a duas, a resistência do minoritário em manter-se associado ao Poder Público no âmbito de uma companhia expropriada pode ter outras causas que não a possível ausência de compensação dos prejuízos quando o controlador se desviar da finalidade econômica da SEM, como, por exemplo, a delicada questão reputacional que comumente envolve as empresas estatais (sobretudo no cenário atual de incredulidade nas capacidades de gestão e probidade de tais companhias).

Além disso, cumpre esclarecer que a recomposição financeira de tais operações mediante a simples anulação do respectivo prejuízo (ou com o acréscimo de perspectiva mínima de retorno financeiro) pode não ser suficiente aos olhos de determinado investidor, haja vista que não se estará a assegurar elevadas margens de lucro, o que pode igualmente significar empecilho para a manutenção do acionista nos quadros sociais da estatal.

Não nos parece, portanto, que o direito de recesso previsto no art. 236, parágrafo único, da LSA tenha o alcance a ele emprestado por Mario Engler Pinto Junior.

O arcabouço normativo que permeia a discussão foi substancialmente alterado com o advento da Lei no 13.303/2016, que trouxe dispositivos que reforçam a argumentação em favor da compensação da companhia nas hipóteses ora discutidas.

Referida norma veio em boa hora reforçar os compromissos públicos com boas práticas de governança corporativa, bem como estabelecer limitações e diretrizes à atuação do Estado e da Administração Pública na relação com os particulares.

Nessa linha, Alexandre Santos de Aragão (2018, p. 357), após destacar as mudanças profundas almejadas pela Lei no 13.303/2016, afirma que as bases para a compensação a ser promovida pelo Poder Público foram firmadas pelo § 2o do art. 8o da norma:

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§ 2o Quaisquer obrigações e responsabilidades que a empresa pública e a sociedade de economia mista que explorem atividade econômica assumam em condições distintas às de qualquer outra empresa do setor privado em que atuam deverão:

I - estar claramente definidas em lei ou regulamento, bem como previstas em contrato, convênio ou ajuste celebrado com o ente público competente para estabelecê-las, observada a ampla publicidade desses instrumentos;

II - ter seu custo e suas receitas discriminados e divulgados de forma transparente, inclusive no plano contábil. (BRASIL, 2016).

O dispositivo em foco parece realmente imbuído das finalidades de garantir que:

(I) por um lado, os custos de atos praticados pelas companhias apenas em função de sua natureza de estatal (as obrigações assumidas em condições distintas às de qualquer outra empresa do setor privado em que atuam) sejam devidamente identificados;

(II) por outro, tais atos, bem como seus custos e o respectivo ressarcimento, sejam verdadeiramente negociados entre a empresa estatal e seu controlador, sendo o produto da negociação reduzido a termo em contrato, convênio ou ajuste celebrado entre as partes; e, por fim, que

(III) tais providências observem regime de ampla publicidade, conferindo-se transparência ao mecanismo.

Nas palavras de Renato Ferreira dos Santos (2017, p. 83):

Realmente, ao impor a celebração de “contrato, convênio ou ajuste” entre a empresa estatal e o ente público que exerce as funções de propriedade da companhia (ou seja, aquele que tem competência para determinar a assunção de obrigações particulares), o legislador visou a que fosse negociada a forma de compensação da companhia pelo custos suportados em função das ações executadas em prol do interesse público.

Afinal, os instrumentos mencionados no citado art. 8º são todos de natureza consensual, isto é, são atos negociais e bilaterais. Não fosse necessário o “ajuste” entre as partes no sentido de estabelecer as bases para a compensação da companhia, não haveria de se falar na realização de atos e documentos negociais — nesse cenário, seria suficiente a mera imposição, como sempre se verificou na realidade brasileira, da adoção (legítima ou não) de medidas em observância do interesse público que justificou a criação da SEM.

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Por fim, Alexandre Santos de Aragão (2018, p. 366) afirma:

O art. 8o do Estatuto das Estatais não impede que os objetivos públicos previstos no seu art. 4o, §1o, e no art. 238 da Lei das S.A. possam ser impostos pelo acionista controlador e estatal. (...)

O que o art. 8o do Estatuto das Estatais faz é vedar os mecanismos informais de instrumentalização das estatais para fins públicos; é obrigar a sua identificação prévia (até para verificar se realmente são objetivos públicos institucionais ou não, por mais relevantes que sejam — cf. tópico IV.2.3.1); e é impor que os seus custos, o déficit ou a menor lucratividade da estatal sejam previamente quantificados para que, também previamente, possa ser estabelecida, por ato negocial, a foram através do qual eles serão compensados (...).

4 A compensação de prejuízos como mecanismo de incentivo econômico à captação

de recursos privados

Há, ademais, argumentos de viés econômico a reforçar a necessidade de compensação da companhia pelos custos de operações deficitárias, nos moldes aqui propostos.

Uma vez assentada a obrigação de ressarcimento da companhia pelos custos de ações tomadas em prol do interesse público, ter-se-á como consequência imediata do impacto financeiro para o Erário resultante de tais medidas o desestímulo à adoção de medidas aventureiras (e desprovidas de fundamentação jurídica que a sustente).

As consequências de tal impacto, ainda que não sentidas no curto prazo, serão percebidas no médio e no longo prazo. E assim sendo, tendem, especialmente em períodos de austeridade, a inibir a realização de novas operações deficitárias que não sejam indispensáveis e vinculadas ao interesse público que justificou a criação da SEM.

Nesse passo, a obrigação de compensação da companhia pelos custos decorrentes de medidas de interesse público (mesmo quando legítimas) representa, também, verdadeiro mecanismo de contenção (ou limitação material) de iniciativas estatais desse gênero. Não se espera que tal mecanismo impeça toda e qualquer medida indesejável (mesmo porque os reflexos financeiros da compensação não são imediatos), mas parece-nos inevitável a limitação que dele resulta.

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Parece-nos pertinente o comentário de Armínio Fraga Neto a esse respeito:

(...) por definição, governos têm empresas para impor seus objetivos não econômicos. Estes objetivos sempre têm custos, que deveriam fazer parte do orçamento nacional, disputando espaço com outros usos para os escassos recursos. Não se trata, portanto, de uma questão apenas econômica, mas de ponto fundamental para o bom funcionamento de qualquer democracia digna do nome. (NETO, 2017).

Embora o comentário se destine à defesa da redução do número de estatais, a mesma linha argumentativa seria perfeitamente útil para justificar o mecanismo de compensação: é de se esperar que a perseguição de objetivos não econômicos por meio da criação de SEMs seja igualmente contabilizada no orçamento do Estado, com a destinação de recursos para a compensação dos respectivos prejuízos causados a tais companhias.

De outra sorte, a compensação da companhia em tais hipóteses terá o efeito de preservar o interesse de investidores privados em aportar recursos nas SEMs. Em outras palavras, se de um lado o mecanismo proposto impõe custos expressivos aos cofres públicos, é certo, por outro lado, que também poderá representar incremento na captação de recursos por empresas estatais.

Afinal, o mecanismo de compensação virá endereçar um dos principais riscos percebidos por acionistas privados ao adquirir ações de SEMs, qual seja, o de expropriação de seus recursos para fins não econômicos, assim animando o investidor privado a investir recursos em empresas estatais.

Para fins de analogia, poder-se-ia comparar a situação sob exame a um cenário de compensação perfeita, de acordo com os modelos sustentados pela análise econômica do Direito, que propugnam, ao tratar da responsabilidade civil, a fixação de montante indenizatório apto a deixar a vítima no mesmo estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito danoso.

No caso concreto, ainda que não se esteja a discutir a responsabilização do controlador por prática de ato ilícito (que de fato não se configura), ainda assim nos parece aplicável o modelo de compensação perfeita, com o intuito de, a um só tempo, recompor perdas experimentadas pela companhia e elevar o nível de precaução adotada pelo controlador para orientar o funcionamento dos negócios em prol do interesse público (e.g., com maior cautela e fundamentos relevantes na tomada de decisão).

De mais a mais, a necessidade de compensação da companhia faz com que o Estado, na condição de acionista controlador, internalize os custos de uma decisão

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que, ao final e ao cabo, guarda relação com determinada finalidade social (ou política pública stricto sensu), deixando de compartilhar tais custos com os demais acionistas privados, o que aumentará o seu incentivo a aportar recursos que, mesmo no cenário de compensação, serão importantes para a consecução das atividades da companhia e, em última análise, para o atingimento da finalidade social almejada pelo Estado. Assim, mesmo no cenário de compensação, não se estará a afastar a finalidade social e a necessidade de persecução de objetivos não econômicos pela companhia – em boa medida financiada por investidores privados, em parceria com o ente público.

Com isso, embora ciente dos riscos de prejuízos a serem suportados pela companhia, o acionista terá preservado o seu interesse de investir, desde que seja mantido indene por tais prejuízos. Em outras palavras, a orientação da sociedade para o fim de atender o interesse público que justificou a sua criação deixará de ser empecilho para a captação de recursos pelo Estado.

Portanto, a compensação da companhia pelo sacrifício (circunstancial) de sua lucratividade (mesmo quando isso ocorre em atenção ao comando legal aplicável) pode ser justificada sob dois enfoques:

(I) a preservação do interesse de investimento do acionista privado, que será mantido indene por eventuais prejuízos suportados pela companhia investida, a mitigar o risco de expropriação de seus recursos e de espoliação de seus interesses; e

(II) a limitação material do acionista controlador quando da adoção de medidas em prol do interesse público (mesmo em hipóteses legítimas – o que, em última análise, virá impor responsabilidade fiscal ao Estado), tendo em vista as consequências deletérias da multiplicação de tais iniciativas para os (já gravemente desfalcados) cofres públicos.

A compensação dos prejuízos suportados pela SEM não se dá, explique-se, como forma de reparação de danos, sob a ótica da noção tradicional de responsabilidade civil.

Antes, trata-se de mera subvenção, hipótese de recomposição de prejuízos, com fundamento em argumentos econômicos que justificam o mecanismo. É outro, pois, o fato gerador da compensação, que não tem natureza indenizatória e não resulta, por conseguinte, da prática de ato ilícito por agente ofensor (dada a circunstância de que – conceda-se – não há ato ilícito quando o Estado age dentro dos limites do art. 238 da LSA).

Explica-se: a compensação aqui descrita funciona como verdadeira subvenção econômica concedida pelo Estado, definida pela Lei no 4.320/1964

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como transferência destinada a cobrir despesas de custeio da empresa pública ou privada de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril que venha a ser beneficiada com a medida (cf. art. 12, § 3o).

Essa deve ser, pois, a forma de compensação das SEMs – através de subvenções econômicas concedidas pelo Estado (a exemplo do que ocorre para o custeio de despesas autorizadas das estatais dependentes), como forma de fomentar a atividade econômica prestada pela empresa estatal, como já ocorre em muitos casos, como, por exemplo, o fomento à inovação tecnológica por meio de programa de apoio, mediante a concessão de recursos (não reembolsáveis) de subvenção econômica a empresas para que desenvolvam produtos inovadores ou setores estratégicos da economia.

Natália Bertolo Bonfim (2011, p. 68), ao tratar do interesse público sob uma abordagem quantitativa (segundo a qual o interesse público pode ser entendido como o somatório dos interesses privados), traz interessantes ponderações:

Essa é uma abordagem de cunho quantitativo, vez que qualquer interesse individual pode vir a se transformar em interesse público, desde que esse seja o desejo da maioria dos membros da sociedade. Não haveria, portanto, uma distinção qualitativa entre o interesse público e o interesse privado: em sua essência, estes são iguais e devem ser respeitados. Em função de sua desigualdade perante a ordem democrática, quando um interesse individual é substituído pelo interesse público, deve o particular ser devidamente compensado pela perda da disposição sobre seu interesse, como ocorre, por exemplo, no instituto da desapropriação.

De fato, Alexandre Santos de Aragão (2018, p. 371), ao tratar das políticas desenvolvidas com amparo na possibilidade de persecução do interesse público justificador da criação da estatal, aponta:

(...) tais políticas não podem lhes ser impostas [leia-se, às estatais] sem quantificação e compensações, como se a mera transferência da incumbência do Estado a uma empresa por ele controlada resolvesse de per se o problema de financiamento dessas atividades.

As normas do Estatuto das Estatais, que as protegem de inserções de políticas públicas deficitárias ou menos lucrativas sem a devida compensação e transparência, revelam também um sentido mais amplo de assegurar a responsabilidade fiscal do Estado como um todo.

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Chama-se a atenção para uma questão de suma importância. Definida e justificada a necessidade de compensação, é necessário indicar quem seria o beneficiário da subvenção ora apresentada. Entendemos que o beneficiário da compensação deve ser a própria companhia, e não seus acionistas minoritários. Afinal, o prejuízo resultante de medidas deficitárias destinadas a observar o interesse público que norteou a sua criação é diretamente suportado pela própria companhia, sendo o prejuízo sofrido pelos acionistas meramente indireto e reflexo.

A exemplo do que se verifica em qualquer evento que impacte os resultados da companhia, o efeito direto será percebido pela sociedade (que, não é demais lembrar, tem personalidade e patrimônio próprios); apenas indiretamente serão afetados os acionistas, como consequência do comprometimento do resultado financeiro da companhia (e consequentemente da distribuição de lucros aos acionistas).

Como esclarecem José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho (2009, p. 1.255):

A companhia tem patrimônio próprio e o dano a esse patrimônio não tem efeito direito nos patrimônios dos seus acionistas; este são, todavia, titulares de direito de participar nos lucros sociais e no acervo da companhia, em caso de liquidação, que fundamentam o conceito de ‘prejuízo indireto’ do sócio:

a) todo lucro da companhia pode eventualmente transformar-se – sob a forma de dividendo ou de rateio do acervo líquido – em aumento dos patrimônios dos seus acionistas, e o ato do administrador que causa prejuízo ao patrimônio da companhia, diminuindo o lucro social, pode ser causa de prejuízo indireto ao acionista – na medida em que diminua o dividendo a ela distribuído ou a quota-parte no acervo líquido por ele recebida em caso de liquidação;

b) o valor econômico da ação resulta, em última análise, daqueles dois direitos de participação; e do prejuízo causado ao patrimônio da companhia pode decorrer – indiretamente – diminuição do valor da ação, na medida em que influencie, de modo relevante, a avaliação da ação com base no lucro ou no patrimônio líquido da companhia.

De fato, se os efeitos diretos das ações praticadas com sacrifício de sua finalidade lucrativa recaem sobre a própria companhia, outro não pode ser o destinatário das medidas de compensação a serem adotadas com a finalidade de recomposição de tais prejuízos.

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5 Compensação das empresas estatais por operações deficitárias vs. subvenção

dirigida às estatais dependentes

Cabe, ainda, traçar um paralelo entre a hipótese ora sustentada e a previsão legal de subvenção às empresas estatais dependentes, definidas no art. 2o, § 3o, da Lei Complementar no 101/2000 (que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal) como as empresas controladas que recebam do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária.

Em 2018, o então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão divulgou Boletim das Empresas Estatais Dependentes do Tesouro Nacional segundo o qual, das 47 empresas estatais federais com participação direta da União, 18 se enquadravam no conceito de estatais dependentes (por exemplo, a Embrapa, a Valec e a Ebserh), representando um montante total de R$ 14,6 bilhões de reais gastos em subvenções do Tesouro Nacional ao longo do ano de 2017.

A dinâmica de subvenção do Tesouro Nacional em relação a tais estatais dependentes se assemelha, a nosso ver, ao que se propõe neste artigo: trata-se de montante aportado diretamente pelo acionista controlador (o Estado), com base no que prevê a Lei no 4.320/1964, para o fim de custear determinadas despesas, que é revertido (e contabilizado) diretamente do Tesouro Nacional, sem que haja impacto nas finanças da própria empresa.

O que se sugere, portanto, na esteira da responsabilidade fiscal que deve ser observada pelo Estado (a quem não é lícito repassar à empresa estatal o custo da promoção de determinada política pública stricto sensu), é a ampliação das despesas a serem custeadas pelo Estado, mas com a aplicação do mesmo conceito inerente às subvenções que já são praticadas em relação às estatais dependentes.

É importante mencionar que, no cômputo do valor a ser compensado, deverá ser considerado o mesmo racional aplicável às empresas dependentes no que diz respeito às despesas incluídas no Orçamento de Investimentos do Estado em relação a tais empresas, que devem observar as regras previstas no art. 165, § 5o, II, da CF c/c art. 54 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei no 12.017/2009).

Seriam, assim, acrescidos às despesas custeáveis pelo Estado os prejuízos experimentados pelas empresas estatais (não apenas as dependentes, diga-se) em decorrência da execução de atividades deficitárias com o intuito de perseguir o interesse público justificador da criação da estatal.

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Não se deixa de reconhecer que o custeio de tais despesas pressionaria ainda mais o erário em todas as esferas, contribuindo negativamente, em um primeiro momento, para o (urgente) equacionamento das finanças públicas.

No entanto, trata-se de providência que, além de razoável e dotada de fundamento legal pelas razões já anteriormente expostas, se alinha à necessidade de responsabilidade fiscal do Poder Público, tendo como efeito, em um segundo momento, a conscientização – se não de imediato, no mínimo pela via mais onerosa – do ente público quanto à necessidade de escolha criteriosa dos projetos a serem executados por empresas estatais (e financiados pelo Estado) a fim de promoção do interesse público que justificou a sua criação, desestimulando, também sob essa perspectiva, a adoção de medidas aventureiras com o direcionamento indevido das atividades da estatal.

O deslocamento da responsabilidade pelo financiamento de tais atividades realizadas pelo estatal para o Estado, portanto, deverá se refletir diretamente nos critérios para a tomada de decisão pelo controlador e reforça a percepção de que é necessária a adoção de políticas de austeridade e responsabilidade fiscal, com o propósito de equilibrar as contas públicas.

Mais do que isso, pode contribuir para a percepção – já deflagrada com a revitalização do Plano Nacional de Desestatização (PND) nos últimos anos – de que deve haver, com a maior brevidade possível, uma reordenação da posição do Estado na economia, com a possibilidade de privatização de estatais que possam ser melhor geridas – e custeadas – pela iniciativa privada, o que, de quebra, implicará na redução expressiva das despesas arcadas pelo Estado, dentre outras searas, com o custeio de estatais dependentes e com a compensação de prejuízos nas hipóteses aqui discutidas.

6 O limite da compensação

Há de se discutir, ainda, o critério a ser adotado para o cálculo da compensação a ser realizada em favor da empresa estatal. Nesse particular, duas alternativas principais se colocam: (i) a mera recomposição dos prejuízos suportados (isto é, com a compensação pelo controlador tão somente do montante necessário para zerar a conta e anular tais prejuízos); ou (ii) a compensação pelos prejuízos incorridos, acrescidos de determinada taxa de retorno que seria razoavelmente esperada em projetos da mesma natureza.

Anote-se, inicialmente, que, em termos de incentivo econômico a investidores privados, o efeito da adoção desse mecanismo de compensação será, por razões

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óbvias, tanto mais benéfico quanto mais ampla for a forma de compensação aplicada. Assim é que a compensação não só pelo prejuízo efetivo, mas também pelo retorno econômico esperado, será mais atraente para o investidor do que a mera recomposição de prejuízos.

A segunda (e mais atraente, aos olhos dos investidores) alternativa, porém, gera alguns inconvenientes.

A uma, porque dá lugar a uma inusitada garantia de rentabilidade por parte do acionista controlador em relação aos projetos objeto da compensação devida. De fato, se couber ao controlador não só recompor prejuízos, mas também custear a rentabilidade esperada de certo projeto ou operação, na prática estar-se-á, a um só tempo, eliminando totalmente (e de forma bastante cômoda para a companhia, inclusive) o risco do insucesso do negócio – que será necessariamente rentável, ainda que às expensas do controlador – e pré-fixando o retorno obtido com o desenvolvimento da atividade (prática sem paralelo nas demais operações, mesmo em empresas privadas).

A duas, pois a pré-fixação do retorno econômico ou resultado operacional de determinado projeto, ainda que leve em consideração critérios técnicos e econômicos usualmente aplicados em projetos semelhantes, pode se relevar mais ou menos precisa conforme o caso. Há, nesse particular, a dificuldade de que algumas atividades desempenhadas por empresas estatais em prol de sua finalidade social não guardam tanta semelhança com outras atividades desenvolvidas por empresas privadas do mesmo setor, pela própria natureza excepcional de tais atividades. Isso torna, naturalmente, mais complexa a tarefa de estimar a rentabilidade esperada da atividade com base em parâmetros comparativos.

Por tais razões, nosso entendimento é no sentido de que a compensação deverá ser suficiente para reparar todos os custos negativos (prejuízos) associados à adoção da medida que se desviar da finalidade lucrativa da companhia (que deverão ser identificados e discriminados de forma transparente, conforme prevê o inciso II do § 2o do art. 8o da Lei no 13.303/2016), de modo a anular o impacto da operação deficitária nos resultados da companhia.

Ou seja, a cada vez que o Estado, ainda que fundamentada e legitimamente, orientar as atividades da companhia para a realização do interesse coletivo por trás de sua constituição, deverá identificar e ajustar a compensação dos custos daí decorrentes, recompondo o patrimônio social no exato valor do prejuízo resultante da operação deficitária.

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7 A nova sistemática prevista no estatuto social da Petrobras e de suas subsidiárias:

a positivação da compensação

No dia 15 de dezembro de 2017, a Petrobras aprovou, em Assembleia Geral Extraordinária (AGE), diversas alterações em seu estatuto social, com o intuito de observar as normas para adesão da companhia ao Nível 2 da B3 (segmento específico de listagem de emissores).

Uma das alterações foi a inclusão de previsão de compensação da companhia pela União, sua controladora, por prejuízos suportados em razão de operações ou projetos deficitários executados com a finalidade de realizar o interesse público que justificou a criação da companhia (cf. a redação dos §§ 3o a 6o acrescidos ao art. 3o do estatuto).

Observando o disposto no § 2o do art. 8o da Lei no 13.303/2016, o estatuto da Petrobras, após mencionar que a companhia poderá ter suas atividades, desde que consentâneas com seu objeto social, orientadas pela União de modo a contribuir para o interesse público que justificou a sua criação (art. 3o, § 3o, do estatuto), esclarece o seguinte no § 4o do dispositivo:

§ 4o - No exercício da prerrogativa de que trata o § 3o acima, a União somente poderá orientar a Companhia a assumir obrigações ou responsabilidades, incluindo a realização de projetos de investimento e assunção de custos/resultados operacionais específicos, como aqueles relativos à comercialização de combustíveis, bem como outras atividades correlatas, em condições diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado que atue no mesmo mercado, quando:

I– estiver definida em lei ou regulamento, bem como prevista em contrato, convênio ou ajuste celebrado com o ente público competente para estabelecê-la, observada a ampla publicidade desses instrumentos; e

II– tiver seu custo e receitas discriminados e divulgados de forma transparente, inclusive no plano contábil. (BRASIL, 2016, art. 3o).

No § 5o do art. 3o, o estatuto da Petrobras estabelece procedimento aplicável a hipóteses como as de que aqui se cuida, cabendo, em casos tais, ao Comitê Financeiro e ao Comitê de Minoritários da companhia avaliar e mensurar:

com base nos critérios de avaliação técnico-econômica para projetos de investimentos e para custos/resultados operacionais específicos praticados pela administração da Companhia, se as obrigações e responsabilidades

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a serem assumidas são diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado que atue no mesmo mercado. (BRASIL, 2016, art. 3o).

Se a conclusão for positiva, o § 6o do dispositivo prevê que a União compensará, a cada exercício social, a Companhia pela diferença entre as condições de mercado definidas conforme o § 5o acima e o resultado operacional ou retorno econômico da obrigação assumida".

Tem-se, portanto, a positivação da tese ora sustentada, na medida em que a União, na qualidade de controladora da Petrobras, passou a ter a obrigação de compensação expressa no estatuto social da companhia nas hipóteses de assunção de obrigações ou realização de projetos em condições diversas às de mercado, que seriam praticadas em outras companhias que não tivessem a finalidade social associada à sua criação.

De acordo com a Carta Anual de Políticas Públicas e de Governança Corporativa divulgada em maio de 2018, a mudança se deu baseada no compromisso de que a

[...] contribuição para a consecução desse interesse público [leia-se, aquele que motivou a criação da companhia] deve ser compatível com o objeto social da Petrobras e com as condições de mercado, não podendo colocar em risco nossa rentabilidade e sustentabilidade financeira. (PETRÓLEO BRASILEIRO S.A, 2018).

A mesma redação foi igualmente incluída nos estatutos de outras companhias subsidiárias da Petrobras, tais como BR Distribuidora, Liquigás, Transpetro e Petrobras Biocombustível, com a ressalva de que, no caso das subsidiárias, a obrigação de compensação recai sobre a própria Petrobras (controladora das sociedades).

Embora não desprovida de custos e esforços por parte dos membros dos órgãos sociais responsáveis, parece-nos salutar – sob a perspectiva defendida neste artigo – a inserção de tal sistemática no estatuto das companhias do grupo Petrobras.

O mecanismo inserido no estatuto adota cautelas e parâmetros que nos parecem razoáveis: a par de simplesmente determinar a compensação da companhia pelo controlador, (i) prevê a participação de um órgão técnico (Comitê Financeiro) e outro com maior independência (Comitê de Minoritários) no processo de avaliação dos projetos e (ii) determina a adoção dos mesmos critérios técnicos e econômicos já usualmente adotados pela administração para fins de avaliação das obrigações e responsabilidades a serem assumidas pela companhia (e eventual constatação de que conflitam com as práticas de mercado).

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Ao final, optou-se por solução arrojada no que toca à efetiva compensação: mais do que determinar a mera recomposição dos prejuízos, o estatuto exige a compensação pela União, a cada exercício, considerando não apenas o montante necessário para equacionar perdas, mas sim tendo em vista o resultado operacional ou retorno econômico que seria esperado em condições naturais de mercado.

Trata-se de medida que se reveste de especial relevância quando se recorda que a Petrobras atua em mercado competitivo, concorrendo com empresas privadas, o que só reforça a pertinência de se comparar o resultado de seus projetos e operações com as práticas habituais de mercado.

Essa comparação (assim como a recomposição de eventuais prejuízos) serve, inclusive, para preservar a capacidade concorrencial da Petrobras, que, obrigada a dar concretude à sua finalidade social (em paralelo à finalidade lucrativa que lhe é inerente), vê-se em desvantagem em relação às suas concorrentes privadas, que podem focar a sua atuação comercial única e exclusivamente no desenvolvimento de projetos e atividades lucrativas, eis que não têm a missão de perseguir determinado interesse coletivo julgado relevante.

Em termos práticos, a necessidade de desenvolvimento de projetos deficitários em prol do interesse público que justificou a criação da Petrobras, conquanto legítima, tem o potencial de afetar toda a operação da companhia (e, consequentemente, seus resultados financeiros globais).

Isso porque, na medida em que parte das atividades será frequentemente deficitária, a outra parcela das atividades que, por natureza, pode ser rentável, pode ficar prejudicada, diante da impossibilidade, por exemplo, da adoção de uma política de preços mais arrojada e competitiva que acabaria sacrificando ainda mais o resultado financeiro da empresa (já pressionado pelos negócios deficitários).

Além disso, sendo obrigada a dedicar parte de seus recursos (financeiros, humanos, operacionais etc.) a tais atividades que não lhe geram retorno, a capacidade da companhia de investir e destinar tais recursos (escassos) às atividades rentáveis fica automaticamente prejudicada.

Portanto, uma vez garantida a compensação da estatal pelo acionista controlador, todos esses efeitos deletérios são mitigados (mesmo que não inteiramente afastados), aliviando a pressão financeira ocasionada por tais atividades deficitárias e melhorando a sua posição competitiva no mercado.

É importante a ressalva de que, como já se frisou anteriormente, não se pretende negar a legitimidade da condução dessas atividades deficitárias, quando pertinentes

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e inseridas no permissivo legal e estatutário. Está-se apenas a descortinar alguns dos impactos negativos que essa obrigação tem na operação e nos resultados financeiros da companhia, de modo a realçar os benefícios da política de compensação das estatais por seu acionista controlador também sob essa perspectiva.

8 Conclusão

Concluímos, pois, pela importância da adoção do mecanismo de compensação, que poderá tanto contribuir para a captação de recursos privados pelo Estado, como reforçar a necessidade de responsabilidade fiscal na condução de políticas públicas, pelas razões expostas.

A compensação, já prevista nos estatutos sociais de empresas do Grupo Petrobras, se daria por meio de subvenção econômica, ampliando, assim, as despesas de empresas estatais que devem ser custeadas pelo Estado (concorrendo com as demais verbas do orçamento público), ao invés de repassadas aos demais acionistas.

Embora, no caso da Petrobras, a opção tenha sido diversa, parece-nos mais razoável que a compensação se limite a recompor eventuais prejuízos, sem a garantia de uma margem esperada de retorno financeiro. Não se pode negar, porém, que essa compensação adicional torna o investimento da estatal ainda mais atraente aos olhos do investidor.

Na esteira da responsabilidade pela gestão fiscal, a aplicação da compensação pode, ainda, provocar efeito colateral positivo, qual seja, aumentar o senso de urgência na reordenação do papel do Estado na economia, reforçando a urgência na privatização (ou extinção) de parte das empresas estatais controladas pelos entes federativos.

9 Referências

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas estatais: o regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

BONFIM, Natália Bertolo. O interesse público nas sociedades de economia mista. 2011. 124 f. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico e Financeiro) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo.

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

BRASIL. Constituição [1988]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 set. 2020.

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Compensação de empresas estatais pelo acionista controlador

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 127 Jun./Set. 2020 p. 310-333

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Antônio José Maristrello Porto — Renato Ferreira dos Santos 333

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Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 127 Jun./Set. 2020 p. 334-358

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5 Subsídios para pesquisa, desenvolvimento

e inovação na Organização Mundial do

Comércio: chutando a escada?

JuLIANO SCHERNER ROSSI

Doutor e Mestre em Direito (UFSC).

Artigo recebido em 22/4/2017 e aprovado em 15/1/2019.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Subsídios para pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI) como item de política econômica 3 Conceito econômico e jurídico de subsídio 4 Subsídios no âmbito da Organização Mundial do Comércio 5 Os subsídios para PDI nos painéis da OMC 6 Conclusão 7 Referências.

RESUMO: O artigo analisa o regime jurídico dos subsídios para pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI) no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), com objetivo de informar uma política nacional de desenvolvimento. As conclusões se baseiam em estudo de caso dos precedentes da OMC. Os subsídios para PDI não têm tratamento jurídico diferenciado em relação aos demais tipos de subsídio na OMC. Os programas reconhecidos como lícitos forneceram apoio a uma gama de indústrias ampla (em oposição a setores muito específicos), a prestação de serviços de PDI em benefício do governo ou políticas uniformes de cessão ou renúncia de direitos de propriedade intelectual financiados com recursos governamentais. O baixo número de litígios envolvendo esse tipo de subsídio sugere que os países mantêm um espaço considerável para apoiar a investigação privada.

PALAVRAS-CHAVE: Subsídios Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Organização Mundial do Comércio Direito Internacional do Comércio Política Econômica.

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Subsidies for research, development and innovation in the World Trade Organization:

kicking away the ladder?

CONTENTS: 1 Introduction 2 Subsidies for research, development and innovation as an item of economic policy 3 Economic and legal concepts of subsidy 4 Subsidies and the World Trade Organization 5 Subsidies for research, development and innovation in the Dispute Settlement System 6 Conclusion 7 References.

ABSTRACT: This paper analyses subsidies for research, development and innovation (RDI) within the legal framework of the World Trade Organization (WTO), with the aim of informing a national development policy. The findings are based on a case study of WTO precedents. The subsidies for RDI do not have differentiated legal treatment in relation to the other types of subsidy within the WTO. Programs regarded as lawful provided support to a broad range of industries (as opposed to very specific sectors), the supply of RDI services to government bodies, or uniform policies for the assignment or waiver of intellectual property rights funded by government resources. The low number of litigation involving this type of subsidy suggests that countries retain considerable scope to support private research.

KEYWORDS: Subsidies Research, Development and Innovation World Trade Organization International Trade Law Economic Policy.

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Subsídios para pesquisa, desenvolvimento e inovação na Organização Mundial do Comércio

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Subventions pour la recherche, le développement et l'innovation à l'Organisation

Mondiale du Commerce : rejeter l'échelle?

SOMMAIRE : 1 Introduction 2 Les subventions pour la recherche, le développement et l'innovation (RDI) comme élément de la politique économique 3 Concept économique et juridique de subvention 4 Les subventions et l'Organisation Mondiale du Commerce 5 Les subventions pour la recherche, le développement et l'innovation dans le Système de Règlement des Différends 6 Conclusion 7 Referencias.

RÉSUMÉ : Cet article analyse le régime juridique des subventions pour la recherche, le développement et l'innovation (PCI) au sein de l'Organisation Mondiale du Commerce (OMC), afin d'informer une politique nationale de développement. Les résultats sont basés sur l'étude de cas de jurisprudence de l'OMC. Les subventions pour RDI ont un traitement juridique différent par rapport aux autres types de subventions à l'OMC. Les programmes reconnus comme licites ont supporté à un large éventail d'industries (par opposition à des secteurs très spécifiques), la prestation de services de RDI à l’organismes gouvernementaux ou uniformes politiques de renonciation à des droits de propriété intellectuelle financés par des ressources gouvernementales. Le faible nombre de litiges impliquant ce type de subvention suggère que les pays disposent d'un espace considérable pour soutenir la recherche privée.

MOTS-CLÉS : Subventions Recherche, Développement et Innovation Organisation Mondiale du Commerce Droit International du Commerce Politique Économique.

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1 Introdução

Subsídios são instrumentos de política econômica amplamente utilizados. Também o foram ao longo da história. Do ponto de vista da ciência econômica,

as justificativas para o recurso a subsídios dependerão da escola econômica. Neste artigo, serão abordados aspectos relacionados aos subsídios para pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI) segundo as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e verificado se elas implicam limitação às políticas industriais dos países em desenvolvimento, apesar de ter sido utilizada amplamente na história de desenvolvimento dos atuais países industrializados. Essa é a premissa da obra Chutando a Escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica, de Ha-Joon Chang (2002), a qual será examinada.

Na primeira seção serão abordados alguns aspectos teóricos da economia dos subsídios. Na segunda, os conceitos jurídicos econômicos e de subsídio. A terceira e a quarta seções analisam os subsídios no âmbito da OMC, a partir da análise dos seus painéis, em especial dos quatro painéis Brasil-Canadá em que o tema foi o dos subsídios para PDI. A discussão visa fornecer bases para as decisões de política econômica relativa aos subsídios para PDI, a partir de uma análise jurídica dos precedentes da OMC.

Esta pesquisa tem o método monográfico e a abordagem é indutiva. As fontes são basicamente diretas: os textos das leis brasileiras e internacionais e os precedentes da OMC sobre subsídios.

2 Subsídios para pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI) como item de

política econômica

Duas opções são geralmente consideradas por um país para fomentar sua indústria: o subsídio às empresas do setor ou a imposição de tributos sobre o comércio exterior (tarifas). A segunda opção terá impacto direto nos preços para cima, reduzindo o bem-estar, ao passo que a primeira manterá os preços no nível anterior, com o benefício adicional de aumentar a competitividade das empresas para exportação. A primeira, por outro lado, cria despesa pública (incluindo custos de distribuição dos subsídios), enquanto a segunda, receita. A questão dos subsídios como política econômica normalmente é posta em função da eficiência e dos benefícios sociais líquidos. Em razão das economias de escala e externalidades positivas de produção, governos podem usar subsídios para melhorar o bem-estar

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Subsídios para pesquisa, desenvolvimento e inovação na Organização Mundial do Comércio

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nacional. As decisões sobre os subsídios podem, entretanto, refletir cooptação dos governos por grupos de interesse que institucionalizam suas demandas.

Grande parte da discussão sobre os méritos de políticas de desenvolvimento industrial tem-se centrado sobre a viabilidade administrativa e fiscal das intervenções do governo, os seus requisitos informativos e as suas consequências na economia política. Crítica semelhante foi feita também no estudo de Chang (2002), sobre as capacidades de os países em desenvolvimento adotarem as boas instituições e seus custos.

Objetivos de desenvolvimento são frequentemente ligados ao chamado argumento da indústria nascente (LIST, 1909). Subsídios destinados a promover o desenvolvimento industrial podem ser justificados em falhas de mercado decorrentes de barreiras informativas e problemas de coordenação. Outro argumento é o do transbordamento de conhecimentos (spillover) que surgem do aprendizado pela prática (learning by doing). Segundo o modelo analítico, o aprendizado pela prática permite o aumento da produtividade, diminuindo o custo marginal. Esforços de PDI visam à criação de conhecimento, que tem características de bem público e torna provável que os benefícios do conhecimento gerado para a sociedade excedam a capacidade do criador do conhecimento de apropriar-se dele, gerando externalidade positiva.

O fato de as empresas privadas não tomarem essas repercussões positivas em conta ao tomar sua decisão de investimento em relação à PDI resulta, provavelmente, em insuficiente investimento do ponto de vista da sociedade. Os governos podem, portanto, querer intervir a fim de aumentar o investimento em PDI. A evidência disponível, todavia, é relativamente escassa e não fornece uma imagem muito clara. Os trabalhos existentes na estimativa dos efeitos do learning by doing sugerem que a importância de tais spillovers dependem do setor industrial (OMC, 2006).

A pesquisa empírica não é conclusiva sobre muitas questões que envolvem a política de desenvolvimento industrial. As experiências de economias do Leste Asiático a partir da década de 1960 com política industrial dominam o debate sobre o papel da intervenção do governo na política de desenvolvimento industrial. Por um lado, especialmente no caso de Coreia do Sul e Taiwan, o Banco Mundial (1993) reconheceu a importância da gestão eficaz dos fundamentos macroeconômicos; por outro, os exemplos da Coreia do Sul, da China e de Taiwan indicam o uso de intervenções seletivas, tais como incentivos aos setores individuais, restrições ao comércio e ao investimento interno estrangeiro direta e um controle apertado do sistema financeiro do setor. A evidência empírica, por outro lado ainda, não permitiu

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concluir se a política industrial fez uma contribuição maior ou menor para o crescimento na Ásia.

Políticas de promoção de exportações são preferíveis para importar políticas de substituição na busca do desenvolvimento industrial por meio de tarifas ou cotas. Do ponto de vista da implementação, segundo Bagwell e Staiger (2004), a promoção de exportações – por meio de zonas de processamento de exportações (ZPEs), por exemplo – tem algumas vantagens em comparação com a substituição de importações. O argumento baseia-se na proposição teórica de que as intervenções de política devem ter lugar o mais próximo possível da fonte da falha de mercado que se propõem a resolver, a fim de minimizar a geração de distorções adicionais no mercado. Três razões quanto à implementação são apontadas como vantagens adicionais dos subsídios: (i) as chances de escolher uma indústria onde o país tenha uma vantagem comparativa são melhores; (ii) os custos de subsídios são mais transparentes do que os das tarifas, pois são identificadas no orçamento; e (iii) o tamanho das exportações é um critério mais transparente de avaliação de desempenho, reduzindo o risco de captura dos órgãos burocráticos por empresas (OMC, 2006).

Do ponto de vista do comércio internacional, a magnitude e a natureza dos efeitos comerciais de subsídios dependem, em parte, se o país subsidiando é grande o suficiente para afetar o preço mundial. Se não for, as quantidades no mercado vão mudar, mas não os preços. Os subsídios à produção para reduzir a importação, aumentando a competitividade das indústrias, resultam em contração do volume do comércio mundial, na medida em que as importações são deslocadas pela produção nacional. Em contraste, os subsídios à exportação expandirão o comércio mundial, uma vez que a produção nacional é vendida no mercado mundial. Se o país subsidiando é grande o suficiente, ambas as políticas tendem a resultar em uma queda nos preços.

No caso específico da PDI, a justificação de subsídios depende da abordagem adotada para sua explicação. As duas abordagens levam a modelos econométricos e resultados próprios.

A teoria neoclássica suporta subsídios à PDI com base no argumento da externalidade positiva: por causa da característica de bem público (não-rivalidade, não exclusividade) da PDI, o nível de despesa privada seria sistematicamente inferior ao nível socialmente ótimo (ARROW, 1962). Isso ocorre, uma vez que os benefícios associados com atividades de PDI são facilmente e livremente disponíveis para quem não está envolvido nos seus esforços. A falta de plena apropriabilidade dos

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Subsídios para pesquisa, desenvolvimento e inovação na Organização Mundial do Comércio

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resultados de PDI reduz o incentivo para o engajamento em PDI pela iniciativa privada e a intervenção governamental, por meio de subvenções, reduziria a extensão dessa falha de mercado. Direitos de propriedade intelectual são uma forma de permitir, pelo lado da demanda, a apropriação dos resultados da PDI, diminuindo os efeitos do free riding. Ao mesmo tempo, todavia, desafiam a natureza de bem público das atividades de PDI, de modo que as externalidades positivas podem igualmente ficar truncadas. Pelo lado da oferta, o governo poderia investir em pesquisa básica em instituições próprias, gerando externalidades positivas pela produção de conhecimento público. Outras falhas de mercado ainda haveria em razão de mercados de capitais imperfeitos; falta de mercados para investimentos de alto risco; barreiras de entrada e saída; ausência de coordenação de investimentos em PDI, levando a duplicações de esforços ou falta de estruturas tecnológicas e instituições de ponte.

Em uma abordagem schumpeteriana, por outro lado, os subsídios se justificariam igualmente pelo efeito de transbordamento (spillover effect) em favor de capacidades dinâmicas das empresas e aumento dos fluxos de conhecimento na economia (PEREz, 2002, 2004; SCHUMPETER, 1961, 1997; CIMOLI et al., 2007).

Subsídios à PDI sofrem as mesmas críticas dos subsídios em geral: a exclusão do investimento privado em PDI (crowd out), a incapacidade dos governos de eleger tecnologias ou trajetórias promissoras – seja por más escolhas, seja por orientação política (government shouldn’t pick winners and losers) –, o rent seeking e o risco de captura dos organismos burocráticos. Nesse sentido, um conjunto de políticas econômicas bem projetadas deve agir como dispositivo de proteção para evitar programas mal elaborados. Do ponto de vista do comércio internacional, igualmente podem gerar potenciais conflitos, visto que aumentam sua produtividade ou seu comércio internacional à custa dos concorrentes, gerando um problema de coordenação (semelhante ao da corrida armamentista, por exemplo).

O uso de subsídios, por outro lado, vai de encontro ao discurso de liberalização do comércio internacional e do conjunto de recomendações de políticas que visam promover o desenvolvimento econômico nos países pobres, conforme políticas do Banco Mundial ou do Fundo Monetário Internacional.

Chang (2002) destaca o paradoxo de que muitos dos países de alta renda de hoje não utilizaram tais políticas quando foram subindo a escada econômica de sucesso no século XIX. Tendo em conta a falta de outros instrumentos de política existentes para promover a indústria nascente e o catching up tecnológico,

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“a proteção tarifária foi uma ferramenta política muito mais importante no século XIX do que em nosso tempo” (CHANG, 2002). As medidas de proteção utilizadas, entretanto, não se resumiram à política tarifária e variaram por país, por tipo de indústria e ao longo do tempo. As políticas incluíram investimento público a fundo perdido, como investimento estatal em pesquisa e desenvolvimento (agrícola, por exemplo), educação técnica e investimento em infraestrutura de transportes; políticas de aquisições governamentais, como em defesa; incentivos financeiros e apoio governamental à produção; concessão de monopólios; subsídios à exportação e barreiras não tarifárias. No campo da tecnologia, envolveram a proibição da sua exportação e de emigração de mão de obra qualificada; a cooptação de mão de obra qualificada estrangeira; espionagem industrial e importação e contrabando de maquinário estrangeiro, com finalidade de modernização do parque industrial.

Os países desenvolvidos, nessa ótica, segundo Chang, estão chutando a escada1 que eles usaram para se tornarem mais ricos e em vez disso estão a impor aos países em desenvolvimento um conjunto de políticas inapropriado para a sua condição econômica e contrários aos seus interesses econômicos. Conforme Chang (2002; tradução nossa), o “quadro que emerge a partir dessa revisão histórica está fundamentalmente em desacordo com a imagem realizada pelos comentaristas neoliberais e certamente por seus críticos”.

3 Conceito econômico e jurídico de subsídio

Definições podem ser mais estreitas ou mais amplas no que se referem a destinatários, forma, objetivos e efeitos de apoio do governo, de modo que a comparação do tamanho relativo das transferências abrangidas por uma definição em relação à outra pode não ser simples. A ausência de uniformidade nos conceitos de subsídio torna a comparação entre países muito difícil. Segundo a OMC (2006), as discrepâncias nos bancos de dados internacionais fazem com que os relatórios setoriais dos ramos industriais são provavelmente mais confiáveis para análises econômicas.

Embora o termo subsídio seja amplamente utilizado em economia, é raramente definido (OMC, 2006). Geralmente é compreendido como uma subvenção governamental em dinheiro para uma entidade do setor privado. Essa é a principal acepção registrada pelos dicionários (AULETE, 2008; OXFORD, 2016). Essa acepção, entretanto, ao privilegiar forma sobre efeito, é um tanto equívoca. A despeito de

1 Expressão criada por List, no National System of Political Economy (LIST, 1909, p. 295).

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Subsídios para pesquisa, desenvolvimento e inovação na Organização Mundial do Comércio

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não serem transferências diretas, benefícios fiscais produzem o mesmo efeito por forma diversa, dado que contabilmente o efeito patrimonial é igual. Efeito análogo se produz por barreiras tarifárias, pois a alta dos preços traduz-se em aumento de receita para os setores beneficiados, mas sem implicar despesa governamental; pelo contrário, aumentando a receita fiscal. Juros menores para determinados setores não são necessariamente financiados pelo governo, mas pelos demais tomadores, que o fazem a juros maiores. Definir subsídios em termos de transferências do governo ou despesas fiscais, portanto, não é necessariamente completa.

A alternativa seria considerar subsídio qualquer programa de governo que beneficie atores privados. A principal dificuldade com essa abordagem é que os destinatários da transferência em dinheiro ou de um benefício fiscal (destinatário direto ou legal) não são necessariamente os beneficiários finais da política (destinatário indireto ou econômico). Por exemplo, o Programa Minha Casa Minha Vida prevê subvenção econômica a pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional (Art. 2o, inciso I, da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009), mas seu efeito final não é diferente de pagamentos diretos às empresas de construção. Da mesma forma, os principais beneficiários dos bens intermediários subsidiados podem não ser os beneficiários dos subsídios, mas as empresas a jusante que utilizam esses produtos como insumos na sua própria produção, beneficiárias indiretas, então, como no caso da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a empresas para a execução de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (Art. 3o, inciso I, Lei no 8.032, de 12 de abril de 1990).

Os efeitos indiretos podem ou não ser pretendidos pelo governo.Outra desvantagem da definição de subsídios exclusivamente em termos

dos benefícios é que há programas governamentais que impõem encargos aos beneficiários, sob a forma de impostos ou regulamentos, que constituem custo para a atividade privada. Serviços governamentais, como a infraestrutura rodoviária, podem ser financiados, ao menos em parte, por meio de tributos sobre a propriedade de veículos ou de pedágio. A construção da infraestrutura rodoviária pode conter um elemento de subvenção que é, na maioria dos casos, difíceis de medir.

Dependendo do contexto, um grande número de programas de governo pode ser considerado subsídios, mas eles podem ser agrupados em pelo menos três categorias (OMC, 2006):

a) Transferência governamental de fundos para produtores ou consumidores, resultando em despesa orçamentária direta ou potencial ou instrução governamental

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de entidades privadas a fazer uma transferência. Exemplos dessas operações são as isenções, as subvenções econômicas, conceituadas conforme Art. 12, § 3o, II, da Lei no 4.320, de 17 de março de 1964, e as garantias de financiamentos pelo Tesouro, por intermédio do Fundo de Garantia para Promoção da Competitividade (Lei no 9.531, de 10 de dezembro de 1997). Quando um governo prevê isenção fiscal, crédito ou garantia de empréstimos, diferimento no pagamento ou outras formas de tratamento fiscal, assunção de passivos preferencial a um indivíduo ou grupo, o seu orçamento é afetado da mesma maneira como se tivesse repassado alguns de seus próprios recursos.

b) Fornecimento de bens ou serviços, sem qualquer custo ou abaixo do preço de mercado, tais como o ensino universitário ou transporte público. Essas transferências também envolvem despesas para o governo, com a diferença de que os beneficiários recebem contribuições em espécie ao invés de fundos que possam dispor.

c) Políticas regulatórias que criam transferências de um grupo para outro. É o caso das tarifas, que permitem a discriminação de preços e de partilha de receitas aos produtores, que estão implicitamente financiados por consumidores domésticos. Essa categoria de transferências inclui subsídios para internalizar certas externalidades, como a poluição do ar pela indústria.

As formas de subsídio podem ser diversas, mas, em razão de os orçamentos públicos serem regulados por lei, ao menos nos países democráticos, todas as suas formas precisam ser definidas, para efeito de elaboração, aplicação e controle dos orçamentos. Isso pode ser feito sem que, todavia, se defina subsídio expressamente, bastando apenas a previsão dos instrumentos, beneficiários e objetivos.

A lei brasileira não dá conceito a subsídio, ao menos não de modo consistente. O Decreto no 1.751, de 19 de dezembro de 1995, que regulamenta as normas que disciplinam os procedimentos administrativos relativos à aplicação de medidas compensatórias, utiliza a definição do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC), mas apenas para efeito de persecução do interesse nacional, ou seja, para investigação de eventuais prejuízos que os subsídios em outros países possam causar ao país (BRASIL, 2004). Para efeito das finanças públicas, utiliza-se prática diversa.

A Constituição, no § 6o do Art. 165, prevê a necessidade da demonstração dos efeitos de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia sobre receitas e despesas, quando da elaboração da lei orçamentária (BRASIL, 2015). Subsídios somente podem ser criados por lei específica

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que regule exclusivamente a matéria, conforme o Art. 150, § 6o. As leis que formam o quadro jurídico do orçamento público, a Lei no 4.320, de 17 de março de 1964, e a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000), não trazem, contudo, definição de subsídio. A primeira apenas define subvenções, em termos genéricos: transferências [correntes] destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, como consta no Art. 12, § 3o (BRASIL, 2012). A segunda prevê que o subsídio será compreendido como renúncia de receita quando implicar redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado, como expresso no Art. 14, § 1o (BRASIL, 2010).

Na ausência de definição legal, as bases jurídicas dos subsídios estão nas modalidades de subsídio previstas na Constituição, segundo as categorias previstas para sua contabilização: financeiro, tributário (ou fiscal) e creditício. Subsídio financeiro (explícito ou direto) é o desembolso realizado por meio da equalização de juros e preços, assunção das dívidas decorrentes de saldos de obrigações de responsabilidade do ente da Federação, cujos valores constam do orçamento. Subsídio creditício (implícito ou indireto) é gasto com programas oficiais de crédito, operacionalizados por meio de fundos ou programas, à taxa de juros inferior ao custo de captação do Tesouro do ente da Federação. Subsídio tributário é o decorrente de renúncias fiscais. O orçamento público, entretanto, considera os subsídios creditício e financeiro como despesas, ao passo que o tributário, por representar receita renunciada, não integra nenhuma dessas categorias, apenas sendo estimado por ocasião do projeto de lei orçamentária anual. Essa particularidade, somada à especificidade das leis que instituem subsídios (BRASIL, 1988, art. 150, § 6o) faz com que o benefício tributário não seja nominado como subsídio no orçamento da União e geralmente sua condição como subsídio seja sequer admitida, preferida a denominação renúncia. A caracterização de subsídio aqui é a de benefício, a qual sofre das insuficiências apontadas no início desta seção.

A Secretaria do Tesouro Nacional (SUBSÍDIO, 2011) define subsídios como a concessão de dinheiro feita pelo governo às empresas para lhes aumentar a renda ou abaixar os preços ou para estimular as exportações do país ou diretamente aos consumidores sob a forma de subvenção econômica. Essa definição aproxima-se da acepção prevista na letra (a), mais acima, mas desconsiderando as operações realizadas por entidades privadas instruídas pelo governo. Os dados da Secretaria do Orçamento Federal indicam diversas modalidades de subsídios sob tal definição:

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subvenções econômicas, equalização de taxas de juros e de preços, remissão de dívidas, garantia e sustentação de preços.

Por último, é importante perceber que a análise econômica não é geralmente muito preocupada com os diferentes tipos de instrumentos de subvenção e a forma como eles funcionam na prática. Pelo contrário, ela tenta identificar as chamadas falhas de mercado e fazer a pergunta se uma intervenção do governo pode ser justificada do ponto de vista do bem-estar.

4 Subsídios no âmbito da Organização Mundial do Comércio

A OMC trata de forma diversa subsídios para bens, gêneros agrícolas e serviços. Os subsídios para a agricultura foram tratados no Acordo Sobre Agricultura e suas disposições diferem das que se aplicam aos produtos não agrícolas. Ele previu o compromisso de redução nas medidas de apoio interno e de subsídios à exportação, mas não foi contemplada a possibilidade de eliminar completamente os subsídios à exportação.

O Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS, na sigla em inglês) igualmente adotou abordagem diversa para os subsídios e não estabeleceu um conjunto de regras, apesar de reconhecer a distorção no comércio em razão deles e a necessidade de regulação (Art. 15). Existe, por outro lado, certa disciplina dos subsídios em virtude das regras da nação mais favorecida (Art. 2o) e do tratamento nacional (Art. 17). A incidência desta, todavia, depende da vigência de compromissos de acesso a mercado (Art. 16) e de seu cronograma, situação que depende da manifestação adicional de vontade dos membros, ou seja, não é automática. Se o compromisso, quando realizado, não contiver cláusula que excepcione subsídios, a empresa estrangeira poderia exigir (ou ao menos ser elegível a receber) o mesmo benefício dado à nacional.

No âmbito do regime internacional do comércio, o ASMC regulamentou sem proscrever os subsídios, limitando seu recurso às situações que não distorçam o comércio internacional.

A definição do Art. 1o do ASMC é mais ampla do que a definição segundo a lei brasileira. Será considerado subsídio a vantagem (i) na forma de receita ou sustentação de preços para promover exportações ou reduzir importações ou (ii) na forma de contribuição financeira governamental – incluindo por meio de fundo financiado pelo governo confiado a entidade privada instruída a realizar funções normalmente de governo e cuja atuação não difira significativamente da

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prática habitualmente seguida pelos governos – que implique transferência direta (subvenções, por exemplo) ou potencial de fundos (garantia de empréstimos, por exemplo), renúncia de receitas públicas (remissão de dívidas ou benefícios fiscais, por exemplo), fornecimento de bens ou serviços além daqueles destinados a infraestrutura geral ou aquisição de bens. É excluído do âmbito da definição eventual isenção ou devolução de tributos sobre produtos destinados à exportação, nos termos do Art. 16 do Acordo Geral de Tarifas e Comércio de 1994 (GATT/1994, na sigla em inglês) e dos Anexos I e III do ASMC. As duas categorias de subsídios são acionáveis, mas a segunda depende do requisito adicional da especificidade, qualidade daqueles que limita, de direito ou de fato, o acesso ao subsídio a determinadas empresas ou indústrias (Art. 1.2).

Assim, em termos da terminologia utilizada na seção anterior, o ASMC exclui do seu âmbito as transferências que caem na terceira categoria, isto é, políticas de regulação. O Painel US-Export Restraints reforçou essa constatação ao concluir que restrições para exportação não constituem subsídio, uma vez que não representam uma contribuição financeira por parte do governo (OMC, 2007). Em US — Large Civil Aircraft (2nd complaint), o Painel estabeleceu que as categorias do Artigo 1.1(a)(1) formam rol exaustivo do que sejam contribuições financeiras (OMC, 2011c).

Embora a definição de subsídios no ASCM se assemelhe às definições comumente encontrados na literatura, a jurisprudência da OMC ilustra que não é simples, na prática, para determinar se uma determinada política do governo está contida na definição ou não. Em US — Anti-Dumping and Countervailing Duties (China), considerou-se que organismos públicos são as entidades que possuem, exercem ou estão investidas de autoridade governamental (OMC, 2011b). Esse julgamento superou entendimento anterior, em Korea — Commercial Vessels, que considerou instituições financeiras estatais como organismos públicos, para efeito do Art. 1.1(a)(1) (OMC, 2004b). Foram consideradas transferências diretas de fundos, por envolver transações com valor econômico que conferem novos direitos aos seus titulares: empréstimos convertidos em capital (debt-for-equity swaps) e renegociação de dívidas (Korea — Commercial Vessels), ações e perdão de dívidas (EC and certain member States — Large Civil Aircraft), mas não a aquisição de serviços (US — Large Civil Aircraft (2nd complaint)) (OMC, 2011c). A análise de renúncias fiscais, para efeito do Art. 1.1(a)(1)(ii), implica comparação com o regime tributário geral que incidiria caso não existisse a medida contestada (US-FSC) (OMC, 2000b).

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Para efeito de análise, vantagem e contribuição financeira são categorias distintas, as quais, em conjunto, determinarão a existência de um subsídio. Vantagem, para efeito do Art. 1.1(b), implica comparação com a situação em que ausente a subvenção, consideradas as condições de mercado, mesmo que sem custos para o governo: “não pode haver ‘vantagem’ para o destinatário, a menos que a ‘contribuição financeira’ faça com que o destinatário esteja em melhor situação que estaria, ausente a contribuição” (Canada-Aircraft) (OMC, 2000c; tradução nossa). Essa interpretação foi reafirmada em US-Lead and Bismuth II e US–Countervailing Measures on Certain EC Products, que concluíram que ativos de uma empresa estatal previamente adquiridos por meio de contribuição financeira do governo, depois privatizada a preço de mercado, não conferem vantagem à adquirente (OMC, 2000c, 2003).

A especificidade dos subsídios diz respeito à limitação do seu acesso a determinados setores ou empresas (Art. 2o). Em US–Subsidies on Upland Cotton, foi reconhecida a especificidade, em razão da limitação do programa de governo a um subconjunto de culturas agrícolas básicas (OMC, 2005a). Igualmente reconheceu-se haver especificidade quando um programa foi utilizado por apenas seis das duzentas empresas elegíveis, em EC — Countervailing Measures on DRAM Chips (OMC, 2005b). Não haverá especificidade, por outro lado, se a elegibilidade das empresas tiver critérios exclusivamente objetivos e condições neutras. O ASMC não refere explicitamente se a especificidade diz respeito a destinatários diretos ou indiretos dos subsídios2, mas foi estabelecido que “o repasse das vantagens sobre insumos dos destinatários diretos para os beneficiários indiretos a jusante não pode ser simplesmente presumido; deve ser certificado pela autoridade investigadora” (OMC, 2004a, p. 157; tradução nossa).

O ASCM presume a especificidade nos casos de subsídios, de direito ou de fato, à exportação (subordinados3 ao desempenho de exportações) e à substituição de importações (subordinados ao uso de produtos domésticos sobre importados) (OMC, 2000a, p. 231; tradução nossa), os quais são proibidos (Arts. 2o e 3o). O Anexo I traz situações exemplos de subsídios à exportação. Em função dessa proibição, é útil na análise econômica e jurídica criar a distinção entre subsídios para exportação e subsídios para produção.

2 Vide discussão na Seção 2.1.

3 No original: contingent. Conforme US — FSC, “‘contingent’ means ‘conditional’ or ‘dependent for its existence on something else’” (OMC, 2000b, p. 34).

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O que sejam subsídios de fato à exportação é o que traz maiores dificuldades de interpretação – visto que subsídios de direito são atribuíveis pelo efeito expresso da lei, regulamento ou outra medida legal –, especialmente considerada a previsão da nota que estabelece que “o simples fato de que subsídios sejam concedidos a empresas exportadoras não deverá, por si só, ser considerado como subsídio a exportação” (OMC, 2000a, p. 231; art. 3.1, nota n. 4; tradução nossa). Em Australia-Automotive Leather II, considerou-se que concessão do governo australiano a empresa com a condição de cumprir metas de vendas especificadas é subordinada ao desempenho de exportações se o mercado interno total for muito menor do que o tamanho das metas de vendas. Em EC and certain member States — Large Civil Aircraft, foi estabelecido um teste para avaliação de que seria subsídio subordinado ao desempenho de exportações, que ocorrerá se:

a concessão do subsídio fornece um incentivo para distorcer as vendas antecipadas de exportação, em comparação com o desempenho histórico do destinatário ou o desempenho hipotético de uma empresa a maximizar o lucro na ausência do subsídio. (OMC, 2011a, p. 456; tradução nossa).

Não sendo proibidos os subsídios, ainda assim podem ser acionáveis. A existência destes, entretanto, não é direta, pois subsídios acionáveis dependem, em boa medida, de meios e efeitos para sua configuração. Neste ponto há análise econômica de impactos. Os efeitos adversos ocorrem a partir do volume de subsídios, os meios, por um lado, e o impacto sobre os produtores nacionais, os efeitos, por outro. Essa abordagem está presente tanto no caso de dano à indústria nacional (Art. 5(a)), quanto no grave dano aos interesses (Art. 5(c)). Os efeitos aqui podem ser sobre preço, participação de mercado ou deslocamento de exportações ou importações.

A proibição de subsídios faz sentido em termos econômicos a partir da assunção de que não há ordinariamente falhas de mercado associadas à atividade de exportação ou de competição contra as importações a serem corrigidas por meio de subsídios. Como apresentado na Seção 2.2, a literatura econômica discute algumas possíveis exceções (como spillovers e barreiras à entrada de competidores). Além disso, no caso dos países em desenvolvimento o uso de subsídios à exportação é por vezes defendida por razões práticas, uma vez que não há instrumentos alternativos disponíveis ou são muito difíceis de usar (OMC, 2006). Aqui se retoma o argumento de Chutando a Escada: fazer valer a presunção de especificidade por princípio, sem considerar os efeitos sobre as possibilidades de desenvolvimento, priva os países em desenvolvimento de políticas usadas no passado pelos atuais países desenvolvidos.

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O Art. 27 do ASMC reconhece o papel dos subsídios em programas de desenvolvimento econômico e estabelece as condições em que, em alguns países em desenvolvimento, é permitida a aplicação de subsídios à exportação de produtos manufaturados, de períodos de eliminação progressiva mais longos, de restrições ao uso de medidas multilaterais contra subsídios de países em desenvolvimento, de limites mínimos especiais para níveis de subsídios e volumes de comércio no contexto de contramedidas contra exportações de países em desenvolvimento e isenção das disposições da Parte III do Acordo (subsídios acionáveis), no que diz respeito ao perdão da dívida, aos subsídios para cobrir os custos sociais e às transferências de responsabilidade quando associadas com a privatização.

A lista dos países livres para o uso de subsídios à exportação, nos termos do Art. 27.2, inclui apenas os menos desenvolvidos, formada majoritariamente por países da África Subsaariana (o único país das Américas sendo o Haiti), e uma lista de países membros enquanto tiverem renda per capita anual inferior a mil dólares (o único país das Américas sendo a Bolívia). Nos demais casos – ou seja, subsídios para substituição de importações e para exportação em países em desenvolvimento que não fizessem parte da lista acima –, cronogramas progressivos de abandono de subsídios foram estabelecidos, mas já encerrados. A extensão de quarenta e três programas foi deferida, nos termos do Art. 27.4, nenhum deles brasileiro. Esses programas ocorrem em países pequenos, sendo a Guatemala o maior, com pouco volume de comércio internacional. A lista completa dos programas sujeitos a extensão consta do Anexo ao documento G/SCM/120.

Dada a redução da validade do recurso a subsídios para o comércio exterior, a constatação de Chang (2002) confirma-se com respeito aos subsídios.

5 Os subsídios para PDI nos painéis da OMC

Subsídios para PDI foram submetidos ao escrutínio da OMC em apenas quatro casos, todos envolvendo aeronaves: Canada – Aircraft, em que foram partes Brasil e Canadá, e o conjunto de ações recíprocas envolvendo Airbus e Boeing entre EUA e União Europeia (European Communities and Certain Member States – Measures Affecting Trade in Large Civil Aircraft; United States – Measures Affecting Trade in Large Civil Aircraft e United States – Measures Affecting Trade in Large Civil Aircraft (Second Complaint)). A aviação envolve tanto custos de entrada elevados como pesados investimentos em PDI e capital físico. Além disso, a produção de aeronaves requer insumos intermediários, muitos deles também de alta tecnologia, desde uma grande variedade de fornecedores.

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Os subsídios a aeronaves podem ter impacto mais amplo sobre o desenvolvimento da tecnologia e do emprego, com o grande potencial de transbordamento.

O ASMC estabelecia originalmente que alguns subsídios para PDI não eram acionáveis, ainda que específicos, desde que eles obedecessem a algumas condições, sendo considerados então benignos: certos tipos de assistência a atividades de pesquisa, a regiões desfavorecidas e à adaptação de instalações existentes às novas exigências ambientais (Art. 8o). Os subsídios não acionáveis foram inicialmente previstos para um período de cinco anos (Art. 31), terminando em 31 de dezembro de 1999, sujeito a extensão, a depender de um consenso na Comissão sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, que nunca chegou a acontecer. Por tal razão, a partir do ano 2000, essa categoria deixou de existir. Os casos analisados, por outro lado, não pertenciam a essa categoria, pois subsídios à exportação sempre foram considerados proibidos.

O caso Canada – Aircraft surgiu em um contexto de disputas entre Brasil (Embraer) e Canadá (Bombardier) no setor de aeronaves regionais de uso civil. Outros casos, mas que não envolveram diretamente PDI foram Canada — Aircraft Credits and Guarantees e Brazil — Aircraft. O Brasil protocolizou uma queixa na OMC, em 1997, alegando que o Canadá estava oferecendo subsídios de PDI para sua indústria de aeronaves que implicavam subsídio à exportação. Especificamente, o programa Technology Partnerships Canada (TPC) ofereceu financiamento para investimento em projetos que resultam em produtos de alta tecnologia para exportação (que representou em torno de 70% das vendas do setor, em 1995), com retorno à base de royalties, o que significa que haveria reembolso apenas nos casos de desenvolvimentos bem-sucedidos. O Canadá argumentou que o TPC foi oferecido a todos os potenciais setores de alta tecnologia e que, portanto, não era específico, conforme Art. 2, do ASMC. O painel da OMC concluiu que o programa era efetivamente ilícito, ao conferir subsídio à exportação, pois implicava contribuição financeira que conferia vantagem econômica subordinada ao desempenho de exportações. A especificidades foi reconhecida em razão de o financiamento pelo TPC, a despeito de estar disponível a vários setores, ter sido expressamente concebido e estruturado para gerar vendas de produtos em particular (OMC, 1999, p. 225; tradução nossa; grifos no original) no setor de aviões regionais. A subordinação ao desempenho de exportações foi reconhecida, na modalidade de fato, pois previsto o TPC para projetos mais próximos do mercado com alto potencial de exportação (OMC, 1999, p. 225; tradução nossa; grifos no original). O Painel aplicou um teste but for para determinar a subordinação do

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subsídio ao desempenho em exportações. Igualmente examinou se a assistência do TPC para a indústria aeronáutica regional canadense não teria sido concedida, se não fosse pelas oportunidades ou receitas antecipadas de exportação. Essa decisão foi confirmada pelo Órgão de Apelação da OMC e o Canadá foi instruído a alterar os termos de seus programas de apoio e retirar os subsídios ilegais. Após a alteração dos programas pelo governo do Canadá, eles foram considerados conformes com o ASMC (OMC, 2000a).

Tal como o litígio Canadá – Brasil, os casos relativos à Airbus e à Boeing surgiram de uma disputa entre os rivais e seus governos. Ela remontava há décadas e culminou no Acordo EUA – UE (União Europeia) sobre Aeronaves Civis de Grande Porte de 1992, que estabeleceu determinados valores de referência para o máximo de suporte de PDI, mas não conseguiu evitar uma disputa bilateral nos anos seguintes. Mesmo após o acordo de Aeronaves Civis de 1992, a quota de mercado da Airbus cresceu constantemente e a Airbus começou a entregar mais aviões do que a Boeing, em 2003. Os representantes comerciais dos EUA e da UE iniciaram em 2004 negociações para modificar o acordo de 1992, mas elas falharam, o que levou os EUA a denunciarem unilateralmente o acordo de 1992 e a acionar a UE e alguns de seus membros (França, Espanha, Alemanha e Reino Unido) por subsídios ilegais para a Airbus. A UE, por sua vez, reconveio aos EUA, por subsídios ilegais à Boeing. A disputa bilateral durou oito anos até as mais recentes decisões do Órgão de Apelação. Os tempos de julgamento revelaram a complexidade dos casos, bem como a importância do setor para os envolvidos.

O caso European Communities and Certain Member States – Measures Affecting Trade in Large Civil Aircraft, movido pelos EUA, cobria mais de trezentas medidas envolvendo subsídios alegadamente ilegais em um período de 40 anos. Os fundamentos adotados aqui foram de subsídios acionáveis, não seguindo os do caso Canada – Aircraft, subsídios proibidos. No que diz respeito aos subsídios a PDI, a OMC examinou vários programas da UE, na grande maioria considerados incompatíveis com o ASMC. No processo, quase não houve controvérsia sobre se as medidas em causa eram subsídios. As contribuições do governo tomaram a forma de “contribuição financeira [...] que envolva a transferência direta de fundos” (Art. 1.1(a)(1)(i)). O Painel focou em determinar se os beneficiários dos subsídios eram específicos. Foram considerados específicos, pois destinados a atividades de pesquisa aeronáutica civil a determinada indústria, a indústria aeronáutica, com objetivo de sua promoção (aqui se está no âmbito dos subsídios à produção, não

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à exportação). No caso dos EC Framework Programs, destinados a uma ampla gama de indústrias, o montante reservado para a Airbus não era igualmente acessível a outras empresas, o que configurou especificidade. Os subsídios fornecidos pelo UK Technology Program (UKTP) foram, por outro lado, considerados lícitos, por ausência de especificidade, uma vez que o financiamento era fornecido por meio de competição a uma ampla gama de setores da economia de base tecnológica (por exemplo, aeroespacial, automotivo, biotecnologia). No que diz respeito ao nexo de causalidade, concluiu-se que os subsídios deslocaram parte significativa do risco de lançar uma aeronave do fabricante para fundos financiadores governamentais que não operavam em condições de mercado e que a capacidade de a Airbus lançar, desenvolver e introduzir no mercado seus modelos era dependente de subsídios. Ao fim, a OMC reconheceu efeitos adversos (Art. 5o) aos interesses dos EUA, cujas consequências foram deslocar as exportações de Boeing para a União Europeia e outros mercados e recomendou a retirada dos subsídios ilícitos ou seus efeitos (OMC, 2011b).

Na ação movida pela UE contra os EUA, caso United States – Measures Affecting Trade in Large Civil Aircraft (Second Complaint), as medidas em causa relativas a PDI diziam respeito a projetos entre Boeing e agências do governo – National Aeronautics and Space Administration (NASA), US Department of Defense (DoD) e US Department of Commerce (DoC). Foram contestados não apenas programas de financiamento, mas igualmente contratos de aquisição de bens e serviços (prestação de serviços). Como apresentado na Seção 4, esse caso estabeleceu que a aquisição não se enquadra na definição de subsídios, mas as situações analisadas buscaram estabelecer se os beneficiários principais eram o governo, como seria de ordinário esperar, ou a própria Boeing, de sorte a configurar contribuição financeira. De fato, alguns foram considerados assim.

Os acordos de PDI com a NASA incluíam contribuições financeiras e acesso a instalações do governo para PDI de aeronaves civis. Alguns deles foram reconhecidos como subsídios ilícitos, pois a pesquisa foi realizada em benefício da Boeing, a pretexto de ela ser contratada para fornecer serviços. O Painel observou que nesses programas nenhuma entidade comercial teria pago para outra realizar PDI no qual o resultado beneficia principalmente o contratado. Em relação à questão especificidade, ele reconheceu que as concessões de subsídio eram feitas com base nas necessidades da Boeing. O mesmo foi encontrado com respeito aos instrumentos de apoio do DoD (mas não os contratos de prestação de serviços), que

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subvencionou a Boeing para a realização de PDI relacionada com tecnologias de uso dual, permitindo-lhe explorar os resultados da pesquisa. A especificidade dos programas foi demonstrada pela limitação a um grupo de empresas ou indústrias. Os programas do Advanced Technology Program (ATP), do DoC, que subvencionam PDI em tecnologias emergentes de alto risco e alto retorno potencial, não foram considerados específicos, por sua vez, por não estarem limitados a um grupo de empresas ou indústrias, uma vez que o financiamento foi espalhado por diversas áreas que incluíam materiais avançados, além de química, biotecnologia e eletrônica. Não foram considerados igualmente específicos o licenciamento e a renúncia de direitos de propriedade intelectual da NASA e do DoD, visto que a atribuição de direitos de propriedade intelectual na PDI financiada por subvenções governamentais e na PDI colaborativa é uniforme, nos termos da legislação americana, a despeito de haver contribuição financeira. Os subsídios foram considerados ilícios por provocar efeitos adversos aos interesses da UEA (Art. 5o). OMC recomendou, então, a retirada dos subsídios ilícitos e a remoção dos efeitos adversos (OMC, 2012).

Os precedentes acima indicam que subsídios para PDI não têm tratamento jurídico diferenciado em relação aos demais tipos de subsídio. Indicam, do mesmo modo, que os conceitos de subsídios são amplos o suficiente para abranger vários tipos de auxílio. De fato, a existência de auxílios que configuram subsídios foi pouco controvertida; as maiores questões disseram respeito à especificidade. Os programas reconhecidos como lícitos forneciam apoio a uma ampla gama de indústrias, como no caso do UKTP e do ATP. Outro tipo de apoio considerado licito é o de prestação de serviços de PDI em benefício do governo, como no caso dos contratos da Boeing com o DoD. Do mesmo modo, políticas uniformes de cessão ou renúncia de direitos de propriedade intelectual financiados com recursos governamentais foram consideradas consistentes com o regime da OMC, por ausência de especificidade. Nesse particular, os dispositivos da Lei de Inovação brasileira (Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004) que tratam da propriedade intelectual com financiamento público são conformes. O caso Canada – Aircraft, no julgamento do recurso pelo órgão de Apelação, ainda fornece indicação de que a orientação para a exportação de programas de subsídios não é suficiente a configurar subsídios proibidos, pois esse fato, por si só, não implica subordinação ao desempenho de exportações.

A despeito do aparente rigor das regras de subsídios para PDI, o baixo número de litígios envolvendo esse tipo de subsídio sugere que os países mantêm um espaço considerável para apoiar a investigação privada. Com efeito, a conclusão

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a que se pode chegar é a oposta, que elas não são suficientemente rigorosas, pois serão ilícitos apenas programas claramente destinados a induzir exportações ou aqueles que fornecem vantagens altamente específicas a determinada empresa ou indústria. Dificuldades de prova, especialmente considerado que os litígios versaram em sua grande maioria subsídios de fato, aumentam custos e riscos do litígio.

6 Conclusão

A literatura schumpeteriana sobre inovação aponta que a eficiência alocativa não é o principal alvo de formulação de políticas de desenvolvimento. A abordagem sistêmica favorece a visão dos fluxos de conhecimento e a identificação de possíveis barreiras. A partir dessa premissa, subsídios podem ser úteis não apenas para remover falhas de mercado, considerada a abordagem neoclássica, mas igualmente promover a integração dos atores da inovação. Países periféricos, como o Brasil, têm outros gargalos e fluxos e conhecimento truncados, especialmente dependentes do fato de os centros de produção de tecnologia de ponta não estarem aqui, o que reduz o potencial de inovações do país.

A utilização de subsídios é uma questão de política econômica interna dos países. Subsídios passam a ser uma questão de comércio internacional na medida em que distorçam o comércio, seja por preço, deslocamento de importações ou exportações, participação no mercado ou redução da produção nacional. Em um litígio no âmbito da OMC sobre subsídios, não apenas as categorias jurídicas devem ser provadas, mas em alguns casos também os impactos econômicos dos subsídios sobre outros membros, de modo que processos dessa natureza são complexos e potencialmente caros.

Quanto à questão proposta por Chang, se há um chute na escada, a resposta é, pela razão exposta ao fim da última seção, ambígua. O regime jurídico internacional de comércio é avesso aos subsídios em geral, à PDI inclusive. Desse modo, em setores que oferecem grandes barreiras à entrada de concorrentes e há grande risco no lançamento de novos modelos, como no caso da indústria de aeronaves civis, tema dos precedentes estudados, a resposta é claramente positiva. Esses setores estão estabelecidos hoje, mas desenvolveram-se em termos de amplo apoio estatal, inclusive à exportação. A indústria de aeronaves, entretanto, é uma dentre tantas que utilizam tecnologias promissoras e não é a única a integrar tecnologias de ponta em produtos de alto valor agregado. Países sem pretensões de liderança na construção de aeronaves, ainda assim,

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podem ser fornecedores de componentes de alta tecnologia ou de subsistemas de aeronaves. Existe margem de escolha.

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6 A sobreposição de tributos e o STF

LuCIANO FELíCIO FuCK

Doutor em Direito (USP). Mestre em Direito pela Universidade de Munique

(Alemanha). Professor do Mestrado e da Graduação (IDP).

PEDRO HENRIQuE R. SALES

Mestre em Direito (IDP). Especialista em Direito Tributário (IBET).

Artigo recebido em 15/8/2017 e aprovado em 22/6/2018.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 RE 574.706: PIS/COFINS sobre ICMS 3 Tributação de tributos no Brasil 4 Transparência e sobreposição de tributos 5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: A recente decisão do Supremo Tribunal Federal de excluir o imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS) da base de cálculo das contribuições sociais incidentes sobre a receita (COFINS e PIS) destacou a sobreposição de tributos sobre bens e serviços, comum no sistema tributário brasileiro. Diversos trabalhos doutrinários criticaram as graves assimetrias nessa prática, mas jamais a Justiça decidira que a parcela do valor de uma venda não é faturamento ou receita para fins de exigência de tributo sobre tal base. A decisão foi sobre duas contribuições, mas a tese pode ser aplicada a todo e qualquer tributo. O artigo defende que a decisão tornará premente uma reforma tributária realmente estrutural, de modo a unificar e simplificar as competências tributárias.

PALAVRAS-CHAVE: Tributação Supremo Tribunal Federal Tributos Indiretos Reforma Tributária.

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A sobreposição de tributos e o STF

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The tax overlap and the Supreme Court

CONTENTS: 1 Introduction 2 RE 574.706: PIS/COFINS over ICMS 3 Taxes over Taxes in Brazil 4 Transparency and tax overlapping 5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: The recent decision of the Federal Supreme Court to exclude the tax over merchandise circulation (ICMS) of the calculation basis of the social contributions imposed on the income (COFINS and PIS) highlighted the tax overlapping over goods and services. Several doctrinal works criticize severe asymmetries in this practice, however the Judiciary had never before decided that the portion of the value of a sale it’s not considered billing for the purpose of tax requirement on that basis. This argument, nevertheless, can be used for any and all tax. This article defends that this decision will become pressing a truly structural tax reform, in order to unify and simplify the taxes responsibilities.

KEYWORDS: Taxation Federal Supreme Court Indirect Taxes Tax Reform.

La sobreposición de tributos y el STF

CONTENIDO: 1 Introducción 2 RE 574.706: PIS/COFINS sobre ICMS 3 Tributación de tributos en Brasil 4 Transparencia y sobreposición de tributos 5 Conclusión 6 Referencias.

RESUMEN: La reciente decisión del Supremo Tribunal Federal de excluir el impuesto sobre circulación de mercancías (ICMS) de la base de cálculo de las cotizaciones sociales incidentes sobre los ingresos (COFINS y PIS) destacó la superposición de tributos sobre bienes y servicios. Diversos trabajos doctrinales criticaron graves asimetrías en esa práctica, pero jamás el poder judicial decidió que la parte del valor de una venta no es facturación para fines de exigencia de tributo sobre tal base. Este argumento, sin embargo, puede ser utilizado para todo y cualquier tributo. El artículo defiende que la decisión hará urgentemente una reforma tributaria realmente estructural, para unificar y simplificar las competencias tributarias.

PALABRAS CLAVE: Impuestos Supremo Tribunal Federal Impuestos Indirectos Reforma Tributaria.

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1 Introdução

A inquietação dos contribuintes brasileiros com a tributação cumulativa não é recente e a distorção sempre foi objeto de contestação. É o caso em que no

cálculo do montante de um tributo devido ele incide sobre outro tributo, quando não sobre si próprio.

Na seara econômica, as demonstrações do efeito deletério da cumulação de tributos já foram trabalhadas à exaustão. Predomina o consenso quanto ao desacerto de se promover a chamada cascata, ou seja, a possibilidade de fazer incidir um tributo na base de cálculo de outro. Cumulatividade, sob o ângulo da atividade produtiva, é um mal a ser erradicado (VARSANO, 2001, p. 57). A despeito desta convicção teórica que cerca a matéria, muito pouco foi feito para evitar o fenômeno, na prática, que ocorre em outros países do mundo de forma extremamente pontual (XAVIER, 1998, p. 4).

O embate do caso concreto remonta à questão do alcance e da definição daquilo que pode ser considerado receita de terceiro para fins de caracterização do conceito de ingresso, com posterior exclusão do imposto estadual sobre circulação de mercadorias e serviços de comunicações e transportes intermunicipais (ICMS) da base de cálculo da contribuição da União devida pelos empregadores para a seguridade social e incidente sobre faturamento e receitas (COFINS). O Supremo acabou perfilhando o entendimento de que o conceito de faturamento está atrelado à revelação de riqueza própria, de modo que o valor a ser destacado para recolhimento futuro de imposto não se enquadre no conceito de faturamento ou receita bruta (BRASIL, 2017). Um dos problemas que a referida tese traz consigo é a extensão do julgado.

Não há como sustentar que a Corte chegou ao resultado isolado da exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS. Ao assentar que o imposto devido deve ter o tratamento jurídico de ingresso, ao fim e ao cabo, coligiu-se que um tributo não pode estar incluído na base de cálculo do outro. Essa tendência, porém, é salutar. Em que pese tenha algum impacto arrecadatório, o entendimento contraria a política fiscal vigente no país, que legitima a cumulatividade e tende a impulsionar uma reforma tributária dita sistêmica.

Antes de tudo, isso decorre do fato de que, do pouco mais de R$ 2 trilhões de tributos arrecadados no país (calculados para o exercício de 2016), cerca de 40% advém de impostos e contribuições que incidem sobre o mercado doméstico de bens e serviços (KHAIR; ARAÚJO; AFONSO, 2005). Dentre eles, desponta o ICMS estadual, que gera cerca de 20% daquela receita tributária nacional, como o tributo

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A sobreposição de tributos e o STF

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que mais arrecada no país. Somadas, as contribuições sociais da União sobre receitas (a geral da COFINS e a específica do PIS/PASEP) também geram mais de 12% da arrecadação nacional; se acrescidos os impostos federais sobre importações e produtos industrializados, chega-se a 16% do agregado. Os tributos aqui citados, acrescidos do imposto municipal sobre serviços em geral (ISS), arrecadam perto de R$ 800 bilhões (isso sem contar os recolhimentos de valores atrasados – como dívida ativa, multa e juros). Esses tributos incidem uns sobre os outros e, no caso do ICMS, ainda incide sobre si mesmo (ao ser apurado com a chamada alíquota por dentro). Esses números, por si sós, dão uma boa noção da enorme dimensão do alcance da recente decisão e tendência do STF.

2 RE 574.706: PIS/COFINS sobre ICMS

O Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu, em março de 2017, o mérito do julgamento do Recurso Extraordinário RE 574.706 (BRASIL, 2017), sob relatoria da Ministra Cármen Lúcia, com repercussão geral. Após mais de uma década de discussão e de primorosos trabalhos sobre o tema objeto do recurso extraordinário mencionado1, havia pouco a inovar sobre o tema. Foi retomada boa parte das teses já ventiladas no julgamento do RE 240.785 (BRASIL, 2014), Rel. Min. Marco Aurélio. Algumas passagens dos votos lançados no julgamento recente reviveram judiciosos debates protagonizados pelos notáveis juízes que compunham a formação da Corte àquela altura.

A discussão tornou-se especialmente acirrada após o voto do Ministro Gilmar Mendes, que entendeu pela inclusão do imposto estadual no cálculo das contribuições. O Ministro destacou que a redução da arrecadação por intermédio de exceções imprecisas e sofisticadas só contribui para tornar mais complexo e oneroso o sistema tributário. Durante extensa manifestação, o Ministro Gilmar Mendes reforçou pontualmente cada um dos argumentos que já havia sustentado no RE 240.785, julgado sob relatoria do Ministro Marco Aurélio. O voto foi marcado por fortes argumentos de princípio lógico, como o dever fundamental de pagar impostos e o princípio do Estado Fiscal2 (Steuerstaatsprinzip), além de apontar a antiga jurisprudência da Corte, que admite a incidência de tributo sobre tributo.

1 Mesmo ousando divergir da conclusão do estudo, reputa-se imprescindível a leitura de extenso e qualitativo trabalho do Professor Humberto Ávila (ÁVILA, 2015).

2 Sobre o princípio do Estado Fiscal: Cf. FUCK, 2017.

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Abordou -se a importância de não desidratar de forma indevida as bases de custeio do sistema, o que pode contribuir para o deficit e para o descontrole do equilíbrio financeiro já tão fragilizado, sobretudo no que tange à previdência social.

O Ministro Dias Toffoli, que havia votado em sessão anterior, suscitou uma complementação de voto e destacou que não poderia a legislação tributária conferir dimensão distinta aos institutos de outras ciências e ramos do direito. Em reforço dos argumentos anteriormente oferecidos, o Ministro fez um cuidadoso resgate dos conceitos contábeis que dão sustentação à tributação na espécie, concluindo que as bases descritas na legislação não comportam a dedução pretendida pelos contribuintes.

O primeiro a divergir da eminente Relatora foi o Ministro Edson Fachin, que entendeu que o faturamento engloba a totalidade do valor auferido com a venda de mercadorias e a prestação de serviços. Em manifestação breve, o Ministro ressaltou que os próprios precedentes da Corte apontam que o modelo brasileiro compreende o pagamento de tributos sobre outros tributos, razão pela qual o conceito de faturamento deve alcançar o valor a ser recolhido a título de ICMS. No mesmo sentido do que já havia sido mencionado por Eros Grau no julgamento anterior, de que “[o ICMS] é custo, tal como salário ou custo da energia elétrica”, o Ministro Roberto Barroso ressaltou não haver distinção entre a dívida de um imposto e as demais despesas operacionais que constam da contabilidade das empresas. Segundo o Ministro, promover a exclusão importaria a conversão da incidência para uma materialidade líquida, o que não seria possível na espécie. O Min. Roberto Barroso destacou, ainda, que a legislação não contempla permissivo para excluir o ICMS da base de cálculo da COFINS.

A despeito dos fundamentos deduzidos pelos Ministros já citados, a relatora do caso, Ministra Cármen Lúcia, e outros cinco ministros votaram pela exclusão do ICMS na base do PIS/COFINS. O principal argumento repousaria no fato de o ICMS não ser uma receita própria, mas um valor repassado ao Estado. Perfilharam esse entendimento os Ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello. Por fim, o Supremo consignou a seguinte tese: “ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS” (BRASIL, 2014).

Durante o julgamento, uma fala específica do Ministro Roberto Barroso chamou especial atenção. O Ministro assentou que o conceito de receita não comportaria a dedutibilidade dos custos operacionais do negócio. Em seguida, afirmou que uma mudança na legislação tributária seria muito oportuna e que não haveria qualquer inconveniência na exclusão do ICMS ou de outros tributos da base de cálculo da

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COFINS pela via legislativa. Essa observação revela um certo reconhecimento de que a solução correta gera um resultado ruim e de que o resultado ideal não poderia ser alcançado sem que fosse modificada a lei. Ora, quando seguir a diretriz vigente nos conduz a um resultado indesejado, o problema não é a decisão da Corte, mas as bases do sistema tributário.

Ainda que seja nociva e disfuncional, a legislação tributária no Brasil adota uniformemente a sistemática de cálculo por dentro e define o conteúdo do critério quantitativo das normas tributária. Não é possível, via judiciário, desautorizar e distorcer conteúdos contábeis técnicos, emprestando-lhes valoração jurídica desconectada de sua significação semântica e científica. No Estado Fiscal, a Administração tributária é o agente legitimado para definição da política pública tributária. Se permitirmos, com certa naturalidade, a revisão das bases adotadas por intermédio de decisões eminentemente políticas, o que se terá é o Supremo Tribunal Federal como nova fonte de política fiscal3.

A rigor, o julgamento do RE 574.706, apreciado sob a relatoria da Ministra Cármen Lúcia, deve ser visto como mais um convite à reforma tributária ampla. O atual modelo, pensado para o formato da economia brasileira do final da década de 1960, tornou-se anacrônico e está colocando a jurisprudência em delicada posição: reconhecer que a leitura correta daquilo que está posto é uma alternativa cujos efeitos são danosos.

Segundo o professor Eurico di Santi, precisamos de uma reforma que redefina nossa identidade e revisite o pacto federativo de 1988.

Reforma fiscal não é um projeto de lei ou emenda constitucional, um pedaço de papel, é um processo de reconstrução de nossa identidade que exige a tomada de consciência sobre fatos políticos, econômicos, jurídicos e crenças que definem o pacto federativo e determinam o papel do Estado e da participação do cidadão nos rumos das políticas públicas.

Esse sentimento começa a encontrar ressonância em decisões judiciais. Daí que muitas vezes, em temas diversos, a Corte tem adotado a ousada postura de deixar de lado o conteúdo do direito em primazia do resultado a que se quer chegar. Acredita-se, aqui, que é chegada a hora de reconhecer e renegar o desempenho pífio do sistema tributário brasileiro e acreditar que, de fato, não há nada mais forte que uma ideia cujo tempo chegou. (SANTI, 2002, p. 54).

3 Sobre o papel do Supremo como um player na definição de políticas fiscais: Cf. FAVETTI, 2003.

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3 Tributação de tributos no Brasil

Registre-se, de início, a premissa de que há um conteúdo semântico mínimo a ser extraído dos termos da Constituição federal. Em suma, vivemos um processo de filtragem constitucional (SCHIER, 1999, p. 160) – admitido neste trabalho como um processo de constitucionalização do direito infraconstitucional, marcado por forte dogmática principialista.

É adotada a ideia de que o conceito constitucional constitui uma diretriz mínima que assegura um espectro, ainda que incompleto, do conteúdo de uma norma constante do texto da Constituição federal. Essa é uma significação superficial que tem por efeito uma delimitação. No direito tributário, esse debate faz-se presente quando as lides envolvem a verificação da ocorrência/inocorrência do fato gerador de alguns impostos, tal como se observa quando se discute o conceito constitucional de renda ou o conceito constitucional de serviço, por exemplo. Não estamos a afirmar que a Constituição seja reveladora de todo o critério material da incidência em si, mas que dela deve ser extraído um conceito apto ao menos a gerar certezas positivas (algo que é) ou negativas (algo que não é), de modo que, ao longo do processo de positivação, o efetivo alcance dos institutos seja revelado.

É aqui entendido que há, de fato, um conceito constitucional para receita e faturamento. E o conceito para cada qual não pode ser sinônimo. A constatação dessa afirmação é relativamente simples: a Lei no 9.718/1998 (BRASIL, 1998b) veio à ordem jurídica e pretendeu afirmar que faturamento seria a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, entendeu que essa expressão quantitativa não corresponderia a faturamento4. Entretanto, com o advento da Emenda Constitucional no 20, de 15 de dezembro de 1998 (BRASIL, 1998a), o texto magno foi alterado para possibilitar ou legitimar a instituição de contribuição baseada, também, na totalidade das receitas auferidas pelos contribuintes:

A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,

4 No julgamento dos recursos extraordinários 346.084 (DJ 01/9/2006 – Rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio), 357.950, 358.273 e 390.840 (todos DJ 15/8/2006 – Rel. Min. Marco Aurélio), houve amplo debate sobre o conceito constitucional de faturamento, para fins de verificação da constitucionalidade do artigo 3o, parágrafo 1o da Lei no 9.718/1998, à luz do artigo 195, inciso I, da Constituição federal de 1988, no período anterior à Emenda Constitucional 20/1998.

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e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (...) b) a receita ou faturamento; (...). (BRASIL, 1998, art. 195).

Logo, há que se presumir que receita seja necessariamente um conceito mais abrangente que faturamento, apto a comportar a totalidade das importâncias auferidas pela pessoa jurídica5. Se os termos fossem sinônimos, não seria fazendo a inserção de um termo idêntico que estaria acobertada pela Constituição uma base antes inválida. Nesse mesmo sentido, Andrei Pitten Velloso afirma que “O termo faturamento passou a ser completamente supérfluo. O faturamento, como já exposto, representa uma parcela da receita, razão pela qual, ao se conferir competência para tributar a receita, autoriza-se a tributação do faturamento” (VELLOSO, 2016, p. 4).

Em 2002, se fez um primeiro experimento de modernização em torno da contribuição ao PIS/PASEP: foi criado o regime não cumulativo, obrigatório aos contribuintes do regime do lucro real (as maiores empresas do país). No ano seguinte, uma emenda constitucional assegurou que as contribuições sociais alcançariam, também, as importações e poderiam ser aplicadas de forma diferenciada por atividade econômica. Em seguida, a Lei no 10.833, de 29 de dezembro de 2003, instituiu a cobrança não cumulativa da COFINS, o que ocorreria a partir de 1o/2/2004. Sob o regime não cumulativo, o PIS/PASEP e a COFINS incidem sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

Diante do quadro descrito, concluiu-se, então, que o regime cumulativo trabalha com a base faturamento – na medida em que tal sistema sempre limitou a tributação ao quanto aferido no desempenho do objeto social da empresa. Esse seria o efetivo alcance do conceito constitucional de faturamento, que, por sua vez, seria sinônimo de receita bruta operacional, a rigor da jurisprudência do STF exposta na ADC 1 (Rel. Min. Moreira Alves, DJ 16/6/1995). O regime não cumulativo, por sua vez, trabalha com base mais ampla – até por admitir a utilização de créditos – e comporta expressão quantitativa mais relacionada ao conceito de receita. Logo, receita seria, de fato, algo maior que faturamento, uma vez que acobertaria valores auferidos fora da atividade finalística da empresa.

5 Quando a questão foi apreciada pelo Plenário em 2005, o Ministro Cezar Peluso, registrando entendimento vencido à época, já vinha entendendo que faturamento deveria ser entendido não só como “receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços”, mas também como as “somas das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais”. Sob tal perspectiva, inequivocamente acertada, faturamento seria sinônimo de receita bruta operacional e não de receita bruta genericamente considerada.

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O Ministro Dias Toffoli, durante os debates que marcaram o julgamento, relembrou imprescindível lição do professor e Ministro Eros Grau ao asseverar que o objeto do faturamento é o preço, enquanto expressão de valor auferido em decorrência do negócio jurídico de compra e venda. Neste ponto, cumpre esclarecer que a máxima de que não se fatura imposto é um sofisma. De fato, não se fatura imposto, mas também não se fatura outra coisa que não o preço. Na decomposição do preço revela-se o imposto. Faturar é processar o pagamento, registrar a saída de mercadoria ou serviço trocados pelo preço. A assertiva de que ninguém fatura imposto é por si uma incongruência conceitual.

No arcaico regime de cálculo por dentro6, reiteradamente confirmado pela jurisprudência pátria7, o preço não comporta segregação entre mercadoria e tributo. Fosse o ICMS calculado por fora, tal qual ocorre com o IPI, o valor da nota fiscal não seria composto apenas pelo preço das mercadorias, mas pelo preço das mercadorias acrescido do ICMS. É importante registrar que o destaque do imposto na nota fiscal serve apenas para viabilizar o aproveitamento do crédito pelo adquirente de uma mercadoria (TOMÉ , 2015, p. 455-471), a fim de dimensionar o desconto que será efetuado no imposto devido pelo vendedor, concretizando, assim, a sistemática da não cumulatividade. A Lei Complementar no 87, de 13 de setembro de 1996, estabelece que o “montante do próprio imposto” (ou seja, do ICMS) integra a base de cálculo do ICMS, “constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle” (BRASIL, 1996, art. 13).

Cumpre observar que o cálculo por dentro é uma decisão política de modelo de realização da não cumulatividade (D’ARAÚJO, 2013, p. 34). Distingue-se, substancialmente, do formato adotado para as contribuições. A diferença básica é que no ICMS o crédito escritural remonta ao imposto cobrado na operação anterior; já na COFINS, o crédito relaciona-se com o valor dos insumos adquiridos para revenda – tal

6 Cumpre recordar, a propósito, o fato de o ICMS ser um imposto não cumulativo que incide sobre a totalidade do valor da operação (artigo 13, I, da LC 87/1996). Essa é a razão pela qual se diz que é calculado por dentro. É calculado por dentro do valor da operação porque não lhe é acrescido: o valor da operação de venda não é o preço da mercadoria mais o ICMS; é simplesmente o preço da mercadoria.

7 O Plenário do Supremo Tribunal Federal ratificou jurisprudência firmada em 1999, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 212209, no sentido de que é constitucional a inclusão do valor do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) na sua própria base de cálculo. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 582461. A Corte entendeu que a inclusão do valor do ICMS na própria base de cálculo do tributo – também denominado cálculo por dentro – não configura dupla tributação nem afronta o princípio constitucional da não cumulatividade.

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como prevê o art. 3o, inciso I, da Lei no 10.833, de 29 de dezembro de 2003 – de forma que não há destaque da contribuição na nota fiscal.

Se o regime fosse idêntico, ambos praticando destaque na nota, falar-se-ia no cálculo por dentro da COFINS. A consequência desse fato seria que a COFINS incidiria sobre o valor dela própria. Talvez o Plenário do Supremo Tribunal Federal não tenha percebido, mas o cálculo por dentro e a exclusão do ICMS da base de cálculo de uma contribuição não convivem. Disso decorre a defesa do fim desse tipo de cálculo, por intermédio de uma mudança legislativa.

Não obstante todos os entraves apontados até o presente momento, ressalta-se outra dificuldade intransponível para admitir o ICMS como um valor de terceiro – que seria a Fazenda estadual. O valor faturado sob preço ingressa no caixa com ampla margem de disponibilidade do contribuinte, que se mostra livre para conferir a destinação que bem entender ao dinheiro. É sabido que uma parcela do valor recebido pela empresa deve ser destinada ao custeio de obrigações ex lege, mas isso não retira a esfera de disponibilidade sobre a respectiva importância. Basta lembrar que o valor devido a título de imposto nunca será de terceiro se o contribuinte tomar a decisão de não pagar o imposto. Diante disso, cabe a seguinte indagação: como poderá existir algo que, concomitantemente, seja de titularidade de terceiro (Fisco estadual), mas que se mantenha sob a disponibilidade integral de outrem (contribuinte)? Essa realidade contraria a lógica. Se o contribuinte decide se paga ou não e quando paga, não exerce mera detenção.

Um fato que não se pode perder de vista é o seguinte: quando a Receita estadual receber o valor do ICMS, o faturamento será um evento que já remonta ao passado. O fato gerador será um evento em um plano cartesiano de lugar e tempo já consumados e que reporta a toda a importância recebida no desempenho da atividade comercial. Não é ingresso porque não entra atrelado ao compromisso subjacente de sair. Pode até não sair, como ocorre na hipótese de inadimplemento. O fato gerador persegue o que entra no caixa por força do desempenho do objeto social, de modo que pouco importa quantos tributos ou fornecedores o administrador deve pagar depois. Não há qualquer tangência entre termos faturamento e dedução. Não é por outro motivo que a receita, isoladamente considerada, produz efetivo aumento no patrimônio, mesmo quando associada a outros elementos ou fatores a serem apurados a posteriori.

É preciso deixar claro, entretanto, como são as coisas. Outra realidade totalmente diversa é o sentimento de como as coisas deveriam ser em um sistema tributário

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racional e eficiente. Responde-se afirmativamente que o ICMS está incluído na base de cálculo da COFINS. Isso ocorre por força do indesejado cálculo por dentro, que deveria ser extirpado do sistema. Não é por outro motivo que aqui se defende, entre outras medidas, a adoção do cálculo por fora, por meio de uma reforma estrutural do sistema tributário. A conclusão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no sentido da exclusão do ICMS, não representa outra coisa que não o reconhecimento do cálculo por fora a fórceps.

4 Transparência e sobreposição de tributos

É forçoso reconhecer que a inclusão de tributos na base de cálculo de outros tributos é uma antiga e enraizada realidade do nosso sistema tributário, mas não deveria ser assim8. Isso não atende aos princípios da boa tributação e, sobretudo, da transparência fiscal, muito menos é comum nas experiências internacionais.

O suprassumo da incidência de tributo sobre tributo é o caso do ICMS estadual que incide sobre si próprio, como decorrência da aplicação sui generis da alíquota por dentro. Assim, para uma alíquota nominal de 17%, por exemplo, não significa que serão devidos R$ 17,00 sobre uma venda de R$ 100,00, como seria esperado pelo senso comum. Nesse caso, a legislação vigente resulta em um débito de R$ 20,50, porque a alíquota definitiva deve ser apurada se dividindo 0,17 por 0,83, uma vez que ela incide sobre si mesma9.

Sobreposição de bases gera cumulatividade, que, por sua vez, gera aumento da carga tributária. A alíquota real do tributo torna-se superior àquela nominalmente constante da lei, pois a exação passa a gravar uma base majorada. Inobstante os equívocos de tal sistemática, a jurisprudência, em inúmeras situações, já admitiu inclusões de valores tributários no cálculo do quantum debeatur de outras exações. Isso não é novidade para ninguém e Kiyoshi Harada (2013) reforça a necessidade de excluir tributação sobre bases sobrepostas, por meio da sugestão:

Por tais razões, aproveitando o momento atual em que se pretende implementar uma minirreforma tributária, sugerimos a aprovação de uma PEC inserindo o § 8o, no art. 150 da CF, vedando a inclusão do valor do

8 O único caso de exclusão expresso na Constituição federal é o do valor do IPI da base de cálculo do ICMS, constante no art. 155, § 2o, inciso XI.

9 Sobre a existência de alíquotas reais e nominais para o ICMS, ver AQUINO, Maria Paula Sanches et al. A ausência de transparência fiscal nos impostos indiretos: a solidariedade como corolário da tributação igualitária (2016).

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tributo na sua própria base de cálculo e na de outro tributo, revogando-se o inciso XI, do § 2o, do art. 155 e a letra “i”, do inciso XII, do § 2o, do art. 155 da CF, com a seguinte redação: ‘§ 8o É vedada a inclusão do valor do tributo na sua própria base de cálculo, bem como a sua inclusão na base de cálculo de outro tributo sempre que a situação configurar fato gerador de ambos ou mais tributos’. A tributação por fora vem de encontro ao princípio da transparência tributária previsto no § 5o desse art. 150 e tem por finalidade dificultar a ação do sonegador. (HARADA, 2013).

É importante registrar, inclusive, que, se não for eliminada, a cumulatividade de tributos plurifásicos prejudica a competitividade do produto nacional no exterior. A mercadoria não exportada diretamente pelo seu produtor sofre uma (ou mais) incidência na cadeia produtiva, sem possibilidade de recuperação ou abatimento deste montante quando da venda ao exterior. Desse modo, restará corrompida a lógica mundial de não exportar tributos, ocasionando a perda de competitividade dos bens nacionais no mercado global. A prática brasileira está longe da adotada no resto do mundo, em que os créditos acumulados no IVA são devolvidos em dinheiro ou aproveitados, inclusive por transferência para outros contribuintes (HARRISON, KRELOVE, 2005).

Em última instância, a cumulatividade gera avanço da tributação para além da riqueza revelada pelo fato imponível e isso é altamente indesejável.

Sob a perspectiva deste artigo, a não cumulatividade é uma técnica, mas também uma diretriz axiológica com força normativa e, sob o prisma econômico, busca concentrar a tributação apenas sobre o valor agregado10. Cumpre ressaltar, entretanto, que não existe um método único para assegurar a não cumulatividade. Tanto a técnica de tributação incidente sobre o valor agregado (IVA) quanto a que adotamos no país – baseada no imposto sobre imposto ou na base sobre base – levam à obtenção de um tributo não cumulativo. O que se deve ter em mente, portanto, é a existência de graus de não cumulatividade ou qualidade de não cumulatividade. Nesse sentido, registre-se que quanto mais o sistema se mostrar apto a expurgar incidências sobrepostas, mais eficiente ele será.

A tributação sobre o consumo no Brasil é uma autêntica façanha e foge completamente do padrão internacional. Certamente, esta é a única nação onde se aplicam quatro tributos sobre bens e serviços: dois deles da órbita federal (PIS/COFINS e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). Todos eles

10 É bom lembrar que sequer o IVA, a despeito de sua denominação, possui como base imponível o valor agregado na operação. Todavia, recebe este nome, pois, para efeito de dedução, o tributo tem como objeto econômico o valor acrescido (TESAURO, 2002, p. 343-75).

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apresentam bases bem pontuais, com a exceção do PIS e da COFINS, que têm base ampla, na medida em que alcançam faturamento e receita. Isso para não falar que, por vezes, a tributação dos lucros (IRPJ e CSLL) também é exigida sobre o faturamento (no caso do regime presumido e do simplificado), bem assim no caso da contribuição previdenciária (no caso das atividades ditas desoneradas e, novamente, do regime simplificado).

Ocorre que aqueles quatro tributos, antes citados, apresentam problemas de difícil ou incerta solução, o que torna sua praticabilidade um verdadeiro emaranhado de regras confusas e repletas de incerteza.

O ISS é um tributo cumulativo, que induz a uma organização ineficiente da economia, normalmente gerada pelo fenômeno da verticalização11. O imposto municipal prejudica a competitividade da produção nacional e onera os investimentos, além de proporcionar uma indefinição quanto a incidência do ICMS. São inúmeros os casos submetidos aos tribunais nos quais o objeto da demanda é um conflito de competência tributária entre o ISS e o ICMS.

O que comumente ocorre é uma dificuldade de enquadramento de determinada situação fática às hipóteses normativas contempladas no texto constitucional, gerando uma sobreposição de tributação sobre um mesmo fato econômico (...). (CHIESA, 2015, p. 41).

O IPI, apesar de ser um imposto não cumulativo, trabalha com um número demasiadamente diversificado de alíquotas, e isso é indesejável. O sistema de créditos fiscais é excessivamente restrito, limitando a apropriação escritural apenas às compras de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem para uso no processo industrial. Há densa controvérsia quanto aos insumos passíveis de creditamento e, assim como ocorre no ICMS, apenas os insumos que se integram ao bem alienado são passíveis de gerar creditamento – regime do crédito físico. Essa restrição gera uma versão deformada da não cumulatidade12. Os problemas relacionados ao ICMS dispensam apresentação. O imposto é um experimento federativo naufragado. Além de apresentar grande parte dos

11 A verticalização ocorre quando uma empresa passa a prestar um serviço que não fazia parte do objeto por ela explorado para atender a si própria, sempre que isso implica um custo menor do que empreender contratação e terceirização.

12 A adoção do crédito físico no Brasil é uma disfunção do sistema, dada a insuficiência do referido método para o fim de expurgar a tributação em sobreposição (DERZI; SANTIAGO, 2007, p. 1).

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problemas que acometem o IPI, o tributo é motivo de forte abalo do pacto federativo, por força da guerra fiscal.

Ao se permitir que a carga avance sobre receitas que não correspondem à efetiva revelação de riqueza, o sistema tributário torna-se disfuncional. As bases devem corresponder à adequada expressão de valor pretendida pela lei, bem como não devem reportar-se às riquezas próprias em trânsito. De toda forma, para expurgar tributos já pagos e desconsiderar recolhimentos futuros, é preciso recortar a base por intermédio de previsões expressas13, ou mesmo fundir as bases e permitir a eliminação pela via de créditos escriturais, o que ocorreria mediante a instituição de um IVA puro e moderno (EBRILL et al., 2001).

A incidência de um tributo sobre outro, quando não sobre si próprio, atende a um princípio maior que marca o atual sistema tributário brasileiro: a opacidade. É impossível saber ao certo quanto é que realmente está incidindo do total de tributos sobre uma mercadoria comprada pelo consumidor ou um serviço a ele prestado.

Não custa mencionar, também, que, ao regulamentar a incidência de PIS e COFINS sobre importações, foi preciso adotar uma enorme e confusa equação matemática para completar todas as incidências sobre aquela que é uma operação simples e fácil de ser apurada – a compra de um bem do exterior.

Aliás, as discussões sobre o impacto do recente julgamento, ora em questão, também refletem esse fato. Embora seja uma questão debatida há décadas, com dimensões para ser chamada de ação do século, não veio a público pelas autoridades fazendárias nenhum estudo fiscal, quanto mais detalhado, que analisasse o teor da medida em discussão e, o principal, simulasse e quantificasse os efeitos sobre a arrecadação.

Só depois de concluída a votação, a imprensa passou a divulgar uma conta de perda anual de R$ 20 bilhões na arrecadação do PIS/COFINS – ainda assim, sem apresentar a memória desse cálculo (G1, 2017). Há de se lamentar que nenhum órgão do Executivo tenha a prática de divulgar análise técnica e específica, incluindo a memória de cálculo, dos impactos que são líquidos e certos na arrecadação, ainda que venham a ser sentidos só no futuro.

A transparência tributária reclama um comentário à parte. Os riscos fiscais foram contemplados na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Esta prevê que, todo ano, como um anexo à lei de diretrizes (LDO), sejam identificados, discriminados e,

13 Confirmando a necessidade de exclusão formal e expressa da base de cálculo do faturamento, vale frisar a menção expressa ao IPI no rol de exclusões referido na legislação. Lei no 10.637, de 2002, art. 1o, § 3o, e Lei no 10.833, de 2003, art. 1o, § 3o; IN SRF no 247, de 2002, art. 24.

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o principal, quantificados os efeitos dos riscos para cada governo decorrentes das principais ações que tramitam na justiça.

Verificamos que o Anexo de Riscos Fiscais da LDO vigente ao tempo do julgamento contemplava essa ação, estimando uma pretensa perda de R$ 250 bilhões. Em que pese a inexistência de maiores explicações, deve ser entendido que este seria o impacto por cinco anos – R$ 50 bilhões por ano. Essa estimativa nebulosa aponta para a necessidade de que não apenas riscos fiscais sejam esclarecidos de forma mais detalhada, mas também sua memória de cálculo deve ser publicada e submetida a debate técnico14. Os demais órgãos de controle, como TCU e/ou IFI do Senado, deveriam examinar periodicamente estes cálculos, bem como discutir os critérios empregados para alcançar sua quantificação.

5 Conclusão

Uma leitura mais ampla da decisão do STF é de que não se decidiu apenas por mudar a forma de cobrar uma contribuição social, mas se deu mais um passo, grande, nesse caso, na direção de construção de um novo sistema tributário no Brasil15. É muito mais do que uma reforma, porque significa mudar uma cultura, aqui enraizada há décadas, seja na legislação recorrente, seja na prática dominante entre autoridades fazendárias. A cultura da opacidade em que se esconde o real ônus imposto por um tributo ao se exigir que ele incida sobre outros tributos, quando não sobre si próprio.

Condizendo com os ditames de uma sociedade moderna e democrática, é aqui defendido que o STF deu um sinal, um recado – seja aos parlamentares que aprovam leis e mesmo mudanças constitucionais, seja às autoridades que formulam e executam a política e a prática tributária: que a transparência nas contas e coisas

14 O Anexo de Riscos Fiscais da PLDO 2019, elaborado segundo os critérios da Portaria 40/15 da AGU, aponta impacto estimado de R$89,44 bilhões, no período de 2003 a 2008. Este valor foi atualizado pela Nota Cetad/Coest no 146, de 7 de outubro de 2014, utilizando a SELIC como indexador e chegou-se ao seguinte valor: 2003 a 2008: R$ 133,6 bilhões, totalizando um valor de devolução aos contribuintes em caso de derrota da União de R$ 250,3 bilhões e uma perda de arrecadação projetada para 2015 de R$ 27,12 bilhões. Para o ano de 2016 foi fornecido um novo cálculo pela Receita Federal do Brasil, em 2.6.2016, no valor de R$ 19,7 bilhões e para o período de 2012 a 2016 um valor de R$ 101,7 bilhões (BRASIL, 2014).

15 A decisão que permitiu excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, tomada em março pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tem sido utilizada como precedente para outros tributos, inclusive por ministros. Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso se valeram do entendimento para autorizar a retirada do ICMS da conta da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB). Disponível em: http://bit.ly/2qHt1SD. Acesso em: 11 out. 2018.

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públicas deve começar já na própria forma como tributos são exigidos e, depois, continuar na forma como alocar os recursos daí decorrentes.

Cresce no cenário institucional brasileiro que a melhor e definitiva solução para as inúmeras e crescentes distorções seja uma reestruturação ampla da tributação sobre o consumo. Não se deveria despender mais tempo e esforços políticos com ajustes pontuais que, muitas vezes, não equacionam os problemas que prejudicam a produtividade no país. É preciso adotar o cálculo por fora, substituir o crédito físico pelo financeiro na apuração e, o principal, fundir todos os tributos incidentes sobre o consumo em um amplo e autêntico imposto sobre valor adicionado (IVA) nacional.

Quando alcançado este padrão de qualidade, discussões sobre tributos na base de cálculo de tributos desaparecerão e as cortes superiores da Justiça não precisarão serem chamadas a buscar soluções fora do sistema para poder racionalizá-lo.

É essencial que a correção de distorções que prejudicam a produtividade passe a ocupar um papel central na agenda de reformas do modelo brasileiro16. Parte desta agenda já é conhecida. No caso da tributação dos bens e serviços, por exemplo, há um quase-consenso entre os especialistas de que é necessário aproximar o modelo brasileiro do padrão de um bom imposto do tipo valor adicionado (IVA).

Mais do que ocupar novamente uma lacuna institucional (e por que não dizer política), esta decisão do STF, de que não se deve cobrar imposto sobre imposto, é mais uma orientação da necessidade de se rever a cultura e a própria estruturação do sistema tributário brasileiro. Só se consegue evitar a incidência de um sobre outro tributo quando se tem um sistema simples, com poucas competências tributárias e reservando a cada uma exclusiva e especifica base de cálculo.

Em conclusão, para que o novo sistema arrecade tanto quanto o atual, em que se usa e se abusa da cobrança de imposto sobre imposto, e sobre si próprio, será preciso mais do que redefinir e limpar o rol de tributos, mas também dotá-los de base o mais ampla possível – evitando-se, ao máximo, incentivos e desonerações – e, na medida do possível, aplicar poucas alíquotas. Tudo isso caminha na direção radicalmente oposta a da cultura tributária reinante no Brasil nas últimas décadas, ou no século. Mais do que uma decisão pontual ou específica, o STF sinalizou que já passa da hora de mudar radicalmente a cultura de tributação no Brasil.

16 Sobre o impacto na produtividade: IEDI, 2015.

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A sobreposição de tributos e o STF

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7 Resíduos sólidos e crime de poluição:

avanços e retrocessos na legislação e na

jurisprudência italianas

VICENZO MILITELLO

Doutor em Direito pela Università di Palermo (Itália). Diretor da Scuola

Specializzazione Professioni Legali da Università di Palermo (Itália).

VLADIMIR PASSOS DE FREITAS

Pós-Doutor (FDP/USP). Doutor e Mestre em Direito (UFPR). Professor do

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (PUCPR).

FERNANDA D. L. DAMACENA

Doutora e Mestre em Direito (UNISINOS). Professora do Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu (UCS).

MARTA PALMISANO

Doutora em Direito pela Università di Palermo (Itália). Professora da Università

di Palermo (Itália).

Artigo recebido em 29/3/2020 e aprovado em 6/7/2020.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 A emergência do Direito Ambiental no sistema jurídico italiano 3 O fenômeno da Ecomáfia e as ferramentas de combate 4 Jurisprudência aplicada à matéria 5 Semântica normativa da poluição por resíduos sólidos no Brasil: algumas reflexões 6 Conclusão 7 Referências.

RESUMO: O presente artigo apresenta a evolução normativa e jurisprudencial envolvendo crimes de poluição por resíduos sólidos na Itália, país que possui tradição no trato de condutas ilícitas ligadas à denominada Ecomáfia. A pesquisa foi orientada pelo método funcionalista e as técnicas de pesquisa utilizadas foram bibliográfica e jurisprudencial. Embora a evolução da legislação penal ambiental na Itália tenha focado mais a questão dos resíduos do que o Brasil, observam-se dificuldades em comum, como a deficiência na apuração dos crimes, a demora nos julgamentos com a consequente possibilidade de reconhecimento da prescrição e as falhas da legislação que permitem aos infratores evitar as condenações e o cumprimento de penas.

PALAVRAS-CHAVE: Resíduos Sólidos Crimes Ambientais no Brasil e na Itália Ecomáfia.

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Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 127 Jun./Set. 2020 p. 378-403

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Solid waste and pollution crime: advances and setbacks in Italian legislation

and jurisprudence

CONTENTS: 1 Introduction 2 The emergence of environmental law in the Italian legal system 3 The Ecomafia phenomenon and the combat tools 4 Jurisprudence applied to the matter 5 Normative semantics of solid waste pollution in Brazil: some reflections 6 Conclusion 7 References.

ABSTRACT: This article presents the normative and jurisprudential evolution involving crimes of pollution by solid waste in Italy, a system that has a tradition in dealing with illicit behaviors linked, for example, to Ecomafia. The research followed the functionalist method and bibliographic and jurisprudential research techniques. Although the evolution of environmental penal legislation in Italy has focused more on the issue of waste than in Brazil, there are difficulties in common, such as the deficiency in the investigation of crimes, the delay in the trials, with the consequent possibility of recognizing the limitation period and flaws of the legislation that allow offenders to avoid convictions and serving time.

KEYWORDS: Solid Waste Environmental Crimes in Brazil and Italy Ecomafia.

Delitos de residuos sólidos y contaminación: avances y retrocesos en la legislación

y en la jurisprudencia italianas

CONTENIDO: 1 Introducción 2 La emergencia del Derecho Ambiental en el ordenamiento jurídico italiano 3 El fenómeno de la Ecomafia y las herramientas de combate 4 Jurisprudencia aplicada a la materia 5 Semántica normativa de la contaminación por residuos sólidos en Brasil: algunas reflexiones 6 Conclusión 7 Referencias.

RESUMEN: Este artículo presenta la evolución normativa y jurisprudencial de los delitos de contaminación por residuos sólidos en Italia, país que tiene tradición en el tratamiento de conductas ilegales relacionadas con la denominada Ecomafia. La investigación se guió por el método funcionalista y las técnicas de investigación utilizadas fueron bibliográficas y jurisprudenciales. Si bien la evolución de la legislación penal ambiental en Italia se ha centrado más en el tema de los residuos que en Brasil, existen dificultades comunes, como la deficiencia en la investigación de los delitos, la demora en los juicios con la consiguiente posibilidad de reconocer la prescripción y la fallas en la legislación que permiten a los infractores evitar condenas y cumplir condenas.

PALABRAS CLAVE: Residuos sólidos Crímenes ambientales en Brasil e Italia Ecomafia.

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Resíduos sólidos e crime de poluição

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1 Introdução

As taxas de resíduos sólidos têm aumentado mundialmente e assumido papel relevante no ranking dos graves problemas ambientais da atualidade. De

acordo com relatório do Banco Mundial (BANCO MUNDIAL, 2019), em 2016, as cidades geraram 2,01 bilhões de toneladas desses resíduos, totalizando 0,74 kg por pessoa, por dia. Com o rápido crescimento populacional e urbanização, estima-se que a geração anual deva aumentar para 3,40 bilhões de toneladas até 2050.

O fracasso das entidades, instituições e estruturas jurídicas na mitigação e enfrentamento desse cenário representa uma perda coletiva e tem a capacidade de minar a convivência digna no planeta, a partir do comprometimento de inúmeros direitos fundamentais, dentre os quais: saúde e ambiente ecologicamente equilibrado

Ciente dessa realidade e a partir do direito comparado e da intersecção entre as esferas penal e ambiental, o presente artigo apresenta a análise da evolução normativa e jurisprudencial do enfrentamento dos crimes de poluição por resíduos sólidos na Itália, sistema jurídico que possui tradição no trato dessas condutas ilícitas, que abrangem, inclusive, a ação de facções criminosas na área, a chamada Ecomáfia.

Por outro lado, este artigo demonstra, também, como a matéria é tratada no Brasil, as diferenças da ação criminosa nos dois países e as dificuldades para punir-se criminalmente os infratores.

A pesquisa foi orientada pelo método funcionalista, o qual pode ser definido como aquele que pretende identificar respostas jurídicas similares ou distintas em conflitos sociais semelhantes, mesmo que ocorram em lugares distintos no mundo.

As técnicas de pesquisa eleitas foram a bibliográfica e a jurisprudencial.

2 A emergência do Direito Ambiental no sistema jurídico italiano

A Itália, como muitos países da Europa e de outros continentes, teve que lidar com os resultados do progresso econômico e as consequências de suas atividades na vida dos indivíduos e da coletividade. A dificuldade de encontrar o equilíbrio entre as diversas necessidades influenciou as respostas regulatórias que o sistema jurídico italiano preparou sobre o assunto. Isso ocorreu a partir do quadro das indicações supranacionais e, em especial, das da União Europeia. Entre elas, assumiu significado particular a definição de um sistema penal para confrontar as ofensas mais graves ao meio ambiente, tendo em vista a importância que o assunto assumiu gradualmente na representação coletiva dos valores envolvidos (AMARELLI, 2015, p. 1).

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Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 127 Jun./Set. 2020 p. 378-403

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Somente no curso do século XX, começou-se a dar maior atenção às diferentes categorias de bens ambientais, essencialmente graças à difusão gradual da consciência das repercussões que os danos e a poluição ambientais podem ter na vida de cada indivíduo. Em um segundo momento, desenvolveram-se algumas formas de interferência no crime organizado, com destaque para organizações do tipo mafiosa, na exploração de atividades com forte impacto ambiental. Essa postura decorreu da necessidade de enfrentamento das relações entre organizações criminosas e economia.

Até recentemente não era possível encontrar, no sistema jurídico italiano, uma definição normativa de ambiente como um bem jurídico a ser protegido legalmente. A referência ao meio ambiente entra na Carta Constitucional Italiana pelos artigos 9o, § 2o (proteção da paisagem), e 32 (proteção da saúde). Em 2001, com a reforma do Título V da Constituição, a noção de meio ambiente aparece no artigo 117, e estabelece competência exclusiva do Estado, sobre a matéria da "proteção do meio ambiente, ecossistema e patrimônio cultural", e concorrente, na "melhoria do patrimônio cultural e ambiental". A ausência de uma formulação de princípios é acompanhada pela falta de referências aos princípios de desenvolvimento sustentável e aos direitos das gerações futuras encontradas em outras constituições, como a alemã (GG, art. 20a). Além disso, a noção de ambiente tem sido interpretada de maneira diversa, sendo por um lado antropocêntrica (na qual sua proteção é funcional para as necessidades de desenvolvimento humano) e, por outro, ecocêntrica (em que ele é protegido como tal), em sentido amplo ou restrito, de acordo com teorias pluralistas ou monísticas (CATENACCI, 1996; SIRACUSA, 2007; DE SANTIS, 2002). As consequentes dificuldades de identificar com precisão o bem jurídico tutelado penalmente, refletem-se na problemática de técnicas e de conteúdos criminalizantes desenvolvidos que não venham a sacrificar os princípios de legalidade, taxatividade e ofensa de relevância constitucional (BERNASCONI, 2008, p. 9; RAMACCI, 2003, p. 34 e ss.).

O deficit do sistema de proteção ambiental é evidente também no nível extrapenal. De fato, não existe um conjunto homogêneo de regras. Com particular referência à regulamentação de resíduos, o assunto está confinado principalmente à legislação existente fora dos Códigos, com pouca eficácia preventiva e dissuasiva. Por outro lado, até recentemente, o Código Penal previa alguns casos, principalmente de perigo abstrato, sem um aparato de sanção adequado e era absolutamente impróprio para o enfrentamento dos eventos mais graves de poluição e desastre ambiental.

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Resíduos sólidos e crime de poluição

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 127 Jun./Set. 2020 p. 378-403

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2.1 Fontes reguladoras italianas sobre Direito Ambiental e gestão de resíduos. O

Texto Único Ambiental: Decreto Legislativo no 152/2006

No contexto de fontes internas, o quadro regulatório é complexo, articulado e multifacetado, resultado de uma estratificação legislativa substancial.

Uma primeira referência normativa é encontrada no nível constitucional, nos artigos 2o, 9o, 32 e 117. A legislação de classificação primária, especialmente no que diz respeito à questão dos resíduos, é vastíssima e composta, dentre outros: pelo Decreto Legislativo no 133, de 11 de maio de 2005 – sobre crimes relacionados à incineração de resíduos; pela Lei no 128, de 2019 – que rege a qualificação dos resíduos; e pela Lei no 117, de 2019 – que transpõe as diretivas relativas aos resíduos. No entanto, a disciplina fundamental nesta matéria está contida no Decreto Legislativo no 152, de 2 de abril de 2006, conhecido como Texto Único em matéria Ambiental (doravante citado pela sigla TUA), que prevê Regulamentos Ambientais, que reformaram toda a legislação ambiental interna (RIVA, 2006).

Em particular, o texto dedica a parte IV à regulamentação de resíduos (artigos 117-266). No entanto, as regulamentações nacionais e europeias, muitas vezes não coordenadas entre si, não especificam o que significa descarte ou transporte de resíduos, nem classificam claramente os resíduos perigosos e não perigosos, criando problemas na aplicação da legislação. Nos artigos 179-182, ações de prevenção e redução da produção de resíduos e recuperação são medidas prioritárias; o descarte é compreendido como uma solução residual. O artigo 183 do TUA fornece a seguinte definição de resíduo: "qualquer substância ou objeto que o detentor descarte ou tenha a intenção ou obrigação de descartar". No artigo 184, os resíduos são divididos, de acordo com sua origem, em resíduos municipais e especiais; de acordo com suas características de periculosidade, em resíduos perigosos e não perigosos; e, conforme seu destino final, em não reutilizáveis e reutilizáveis. A parte IV do texto legislativo também contempla alguns casos de natureza contravencional, que traçam os perfis da conduta do ciclo de gerenciamento de resíduos (RIVA, 2006).

São exemplos dessas tipificações: o abandono de resíduos, nos termos do artigo 255; a atividade não autorizada de gerenciamento de resíduos, nos termos do artigo 256; a criação ou gerenciamento dos chamados aterros ilegais e o aterro realizado e gerenciado na ausência das autorizações prescritas por lei, nos termos do artigo 256, § 3o; a combustão ilícita de resíduos, nos termos do artigo 256 bis; o regulamento sobre a recuperação de locais, nos termos do artigo 257; a violação das obrigações de comunicação, manutenção dos registros e formulários obrigatórios,

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nos termos do artigo 258 (com exceção do parágrafo 4o); o tráfico ilícito de resíduos, nos termos do artigo 259, e as violações inerentes ao sistema de informática (TI) para monitorar a rastreabilidade de resíduos (260 bis). O artigo 260, que previa o crime de atividades organizadas para o tráfico ilícito de resíduos, foi transposto para o art. 452 do Código Penal Italiano.

Os regulamentos setoriais devem ser lidos à luz de quatro princípios fundamentais implementados pelo TUA: poluidor-pagador , prevenção, precaução e desenvolvimento sustentável. No entanto, deve-se notar que, apesar da seriedade das ofensas e das repercussões negativas que resultam na saúde e no meio ambiente, o sistema de sanções previsto é inadequado. Basta pensar no tráfico ilícito de resíduos, punido com multa de 1.550 a 26.000 euros e prisão por até dois anos.

A estratificação legislativa, que tem sido progressivamente testemunhada em questões ambientais, fornece uma imagem não homogênea e inorgânica das fontes reguladoras, especialmente em matéria de resíduos. Além disso, os casos contidos no TUA costumam ser caracterizados pelo surgimento do caráter acessório do Direito Penal em relação às disposições administrativas, de modo que a conduta típica acaba sendo complementada pela não observância de requisitos administrativos, independentemente da verificação de um evento de dano ou perigo concreto (SIRACUSA, 2007, p. 165 e ss.; CATENACCI, 2012).

2.2 A implementação da Diretiva 2008/99/CE na Itália: o Decreto Legislativo

121/2011 e a responsabilidade dos órgãos ambientais

O Direito Internacional e o Direito Europeu desempenharam um papel decisivo na evolução da proteção ambiental, considerando a natureza transfronteiriça do bem jurídico tutelado e o vínculo estreito de interdependência entre a proteção de direitos humanos, desenvolvimento sustentável e proteção ambiental (ROMANO, 2003).

A esse respeito, observe-se a Diretiva 2008/98/CE, relativa aos resíduos, modificada pelas diretivas 2018/851/UE e 2008/99/CE, que dispõem sobre a proteção penal ambiental. Referida diretiva introduziu, no artigo 5o, a obrigação de os Estados-Membros sujeitarem a sanções penais adequadas, proporcionadas, efetivas e dissuasivas algumas violações graves à proteção do ambiente e à gestão de resíduos (Artigos 3o e 4o); os artigos 6o e 7o introduzem a responsabilidade penal das pessoas jurídicas e a adoção, pelas mesmas, de sanções eficazes, proporcionais e dissuasivas. A diretiva 2008/99/CE gerou uma virada histórica no panorama do Direito Penal Ambiental italiano, constituindo também o primeiro caso em que

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um ato europeu impôs, explicitamente, obrigações de incriminação aos Estados-Membros, a fim de garantir, por meio do uso de sanções penais, proteção mais efetiva do patrimônio jurídico ambiental e gerenciamento correto do ciclo de resíduos. A Diretiva 2008/99/CE foi incorporada ao ordenamento jurídico italiano pelo Decreto Legislativo Italiano 121, de 7 de julho de 2011 (DE SANTIS, 2008, p. 668 e ss.).

No entanto, essa intervenção não foi responsável por uma mudança radical de paradigma do sistema penal ambiental. Afinal, a estrutura dos casos incriminadores existentes permaneceu basicamente inalterada, limitando-se às hipóteses tipificadas pelos regulamentos europeus ao contexto de criminalizar situações de perigo, sujeitas a uma antecipação do limiar punível e focadas, principalmente, em exceder valores-limite, na falha da conformidade com os procedimentos administrativos e falta de cooperação com as autoridades de supervisão. As medidas sancionatórias também continuam modestas e, portanto, não particularmente dissuasivas (AMARELLI, 2016, p. 405 e ss.).

O Decreto Legislativo no 121/2011 introduziu o artigo 25 décimo primeiro, previsto anteriormente no Decreto Legislativo no 231/2001, que estendeu a responsabilidade das pessoas coletivas a certos crimes ambientais, incluindo os referidos nos artigos 256, 257, 258 § 4o, 259, 260 do TUA em relação aos resíduos. Essa foi uma posição fundamental adotada pelo legislador, especialmente porque muitas vezes o sujeito realmente responsável por eventos prejudiciais ao meio ambiente é o próprio corpo empresarial, como um centro de interesse autônomo, persistente ao longo do tempo e punível também com relação a crimes de poluição com efeitos diferidos.

Entretanto, mesmo diante desse cenário, a estrutura regulatória pouco consistente persistiu, especialmente à luz da falta de coordenação das disposições recém-introduzidas com o aparato regulador existente.

2.3 A reforma dos crimes ambientais: Lei no 68, de 22 de maio de 2015

As insuficiências do sistema regulatório e a incapacidade de encontrar uma resposta imediata para fenômenos de grande clamor social, como a Ecomáfia ou os grandes danos ao meio ambiente, permaneceram por muito tempo no sistema jurídico italiano, devido a um flagrante vácuo legislativo. A ineficácia do sistema regulatório se manifestou, em todo o seu alcance, nas ocasiões de eventos mais macroscópicos de desastres ambientais. A essa ineficácia, a jurisprudência historicamente subsumiu, no silêncio da lei, no fato típico do chamado desastre inominado, referido no artigo

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434 do Código Penal Italiano. Destaque particular merece a segunda parte do artigo 434, que incrimina, junto com o desabamento dos edifícios, outros desastres dolosos, ampliando a área de tipicidade da provisão e antecipando o limite punível.

A inadequação dessa solução e a resultante interpretação lançaram luz sobre a necessidade de prever um caso ad hoc capaz de lidar com macro eventos de danos ao meio ambiente. Nesse contexto, a Lei no 68, contendo "Disposições relativas a crimes contra o meio ambiente" (ITÁLIA, 2015), marca uma quebra radical da abordagem subjacente ao Decreto Legislativo no 152/2006. A novidade mais importante nesse passo foi a inserção, no Código Penal, do novo título VI bis, dedicado a novos crimes contra o meio ambiente, estruturado na forma de crimes de perigo e danos concretos. Entre os novos delitos, introduziram-se os crimes de atividades organizadas para o tráfico ilícito de resíduos e de omissão na recuperação, nos termos dos artigos 452 e seguintes, do Código Penal Italiano.

Além do artigo 452 décimo quarto, o Decreto Legislativo no 21, de 2018 também introduziu crimes de poluição ambiental (art. 452 bis do código penal); morte ou lesão como consequência do crime de poluição ambiental (art. 452 terceiro); desastre ambiental (art. 452 quarto), crimes culposos contra o meio ambiente (art. 452 quinto); crime de tráfico e abandono de material altamente radioativo (art. 452 sexto); e crime de impedir o controle (art. 452 sétimo), a agravante ecomafiosa (art. 452 oitavo), a “circunstância agravante ambiental" (art. 452 nono), o instituto do arrependimento ativo (art. 452 décimo), a obrigação de restaurar o estado dos locais (art. 452 décimo segundo) e confisco (art. 452 décimo primeiro).

A reforma também permitiu o aumento de algumas penalidades por decreto e a duplicação dos prazos de prescrição para os delitos contidos no novo Título VI bis. No entanto, o mesmo regime não foi estendido a outras ofensas ambientais contidas no Código Penal (por exemplo, art. 434), o que vale para os casos de crimes envolvendo os resíduos, com a consequência de que ofensas mais graves podem estar sujeitas a prazos prescricionais menores. Pense-se no crime de combustão ilegal de resíduos, nos termos do artigo 256 bis do TUA, que, apesar das sérias consequências que pode ter sobre a saúde e o meio ambiente, permanece sujeito ao prazo de prescrição comum (COTTU, 2018, p. 273 e ss.). Da mesma forma, a reforma da prescrição não se aplica à responsabilidade das pessoas jurídicas em questões ambientais.

Após a reforma, três tipos de intervenção podem ser observados no projeto geral de combate a danos ambientais (BERNASCONI, 2016; RAMACCI, 2015, p. 68; RIVA, 2015) em matéria de resíduos: por um lado, uma abordagem extra- codicista,

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na qual o perigo de violações prevalece onde o ambiente é protegido apenas indiretamente; por outro lado, uma abordagem codicista, focada em casos de danos e perigos concretos; finalmente, um sistema de emergência, delimitado em razão do âmbito territorial ou do objeto de tutela (CONSULICH, 2018, p. 9 e ss.).

Em relação à responsabilidade de pessoas jurídicas, a Lei no 68/2015 ampliou o catálogo de infrações previstas no artigo 25 do Decreto Legislativo no 231/2001.

Apesar das repercussões certamente positivas produzidas pela reforma, surgem algumas inconsistências que levantam dúvidas sobre sua real eficácia para fins de proteção criminal efetiva do meio ambiente. Basta refletir sobre a falta de coordenação com outras fontes reguladoras, incluindo o Decreto Legislativo no 152/2006, e a redação de muitos tipos criminais que permanecem de difícil aplicação processual, podendo gerar, ainda, conflitos com o princípio da legalidade.

Podem ser destacados, ainda, alguns problemas relacionados à responsabilidade corporativa. A insuficiência da nova disciplina pode ser observada tanto quanto à coordenação entre a parte geral e a especial do Decreto Legislativo no 231/2001, bem como em relação ao catálogo de infrações, que continua a apresentar lacunas incompreensíveis (como a não inclusão do crime de falha na limpeza de locais poluídos, nos termos do artigo 452 do Código Penal Italiano), e ao nível de inconsistências no regime sancionatório.

Ademais, o TUA introduziu a possibilidade de extinguir as sanções ambientais previstas para os crimes de abandono de resíduos, gestão de resíduos não autorizados, dumping ilegal, falha na limpeza, tráfico ilícito de resíduos, através do cumprimento de meras disposições administrativas e multas (artigo 318, TUA). Finalmente, algumas regulamentações do TUA foram necessárias para que as regras fossem efetivamente aplicáveis, bem como uma redução ad unum da legislação especial, que continua a ser estranha ao conteúdo do TUA.

A Corte de Cassação da Itália, no acórdão 46170, de 21 de setembro de 2016, tratou pela primeira vez do crime de poluição ambiental (artigo 452 bis do Código Penal Italiano), que se caracteriza por ser vago e impreciso, especificando os elementos constitutivos e, em particular, o conteúdo da cláusula de abuso e o significado dos conceitos de prejuízo e deterioração significativos e mensuráveis. No que se refere à dimensão judicial de aplicação da legislação, apesar dos esforços realizados até o momento deve-se notar que aproximadamente 26% dos procedimentos de infrações da Corte de Cassação pertencem à esfera ambiental. Dos 19 casos identificados, 6 dizem respeito à matéria dos resíduos. Os dados

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anuais sobre crimes ambientais – "Ecomáfia 2017” –, fornecidos pela associação Legambiente, relatam 25.899 crimes ambientais, mais de 70 por dia. Cerca de 6.000 dizem respeito à gestão de resíduos, com tendência ao crescimento.

3 O fenômeno da chamada Ecomáfia e as ferramentas de combate

Dentre os setores que mais atraem a atenção do crime organizado, as atividades que afetam o meio ambiente são de importância central. Nesse sentido, o termo ecomáfia (LO MONTE, 2003, p. 254 e ss.; BONGIORNO, 2012, p. 126; PLANTAMURA, 2007, p. 73) tornou-se difundido pela associação ambiental Legambiente, com o objetivo de referir-se a associações criminosas dedicadas ao tráfico e ao descarte ilícito de resíduos. O termo evoca dois conceitos diferentes, mas relacionados: "a dimensão sistêmica do crime ambiental" e "a economia suja devido às infiltrações inerentes ao método da máfia” (ROMANO, 2013, p. 237). De fato, o setor ambiental, vinculado a um grande volume de interesses econômicos, muitas vezes presta-se ao interesse de organizações criminosas, que operam por meio de vínculos recíprocos, também em escala transnacional, bem como com instituições e entidades que operam na economia legal. Em complemento, esta realidade acaba sendo potencializada pela legislação inadequada.

A expansão do fenômeno nem sempre é combatida com medidas de prevenção e repressão adequadas para enfrentá-la. No sistema jurídico italiano, os artigos 416 bis e 452 do Código Penal representam dois instrumentos de defesa social. O primeiro pune associações do tipo máfia e o segundo regula as "atividades organizadas para o tráfico ilegal de resíduos”. O tipo que representa o primeiro crime ambiental introduzido no sistema também foi incluído no artigo 51, parágrafo 3 bis, do Código Penal Italiano, entre os assuntos da competência da Direção Distrital Antimáfia.

A ideia foi traçar, normativamente, a estreita conexão com os crimes típicos da máfia organizada. A conduta é complementada por operações múltiplas (já sancionadas como contravenções) referentes a grandes quantidades de resíduos, realizadas abusivamente, no contexto de atividades continuamente organizadas, com o objetivo de obter um lucro injusto. Todavia, esses elementos do tipo se caracterizam pela generalidade e efemeridade, o que torna difícil a aplicação. A provisão regulatória sobre o assunto, portanto, nem sempre é adequada e eficaz. Para combater o fenômeno em sua natureza sistêmica, reflete-se sobre a ausência do crime de associação para delinquir contra o meio ambiente; a esse respeito, todavia,

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podem vir em destaque a agravante ecomafiosa referida no art. 452 oitavo do Código Penal e a agravante ambiental, prevista no artigo 452 nono do mesmo Código.

4 Jurisprudência aplicada à matéria

Para entender o impacto que a questão da proteção criminal ambiental teve sobre a realidade italiana, é necessário verificar sua aplicação, a fim de testar sua capacidade efetiva para combater as formas de ofensa ao bem ambiental. O exame deste artigo se limitará a três eventos de particular importância no debate público italiano, selecionados pela repercussão e seu impacto social, e por serem exemplos da dificuldade de uma tutela ambiental capaz de equilibrar a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento econômico.

4.1 Caso Eternit

Este caso representa o julgamento criminal mais importante celebrado na Itália por mortes e doenças relacionadas à exposição ao amianto. O Tribunal de Turim considerou Stephan Schmidheiny, administrador da Eternit S.A., entre 1974 e 1986, responsável pelo desastre ambiental do qual decorreram doenças profissionais e mortes de milhares de pessoas ao longo do tempo, devido à exposição ao pó de amianto no local de trabalho e nas áreas circundantes, atribuindo-lhe, entre outros, o delito de desastre inominado, referido no artigo 434 do Código Penal Italiano (DE SANTIS, 2012, p. 166 e ss.; VERGINE, 2013, p. 535). A Corte de Apelação de Turim, em junho de 2013, confirmou a sentença de primeira instância, condenando o acusado a dezoito anos de prisão. No entanto, em 18 de novembro de 2014, a Corte de Cassação declarou que a prescrição do crime havia ocorrido antes mesmo da sentença de primeira instância.

A absolvição evidenciou a dificuldade, na ausência de lei específica regulando a prescrição em tais casos, de chegar-se a uma sentença de condenação na maior parte dos crimes de desastres ambientais, não tanto em razão do início dos prazos de prescrição, mas sobretudo em relação ao momento consumativo do crime e ao dies a quo do prazo prescricional (SIRACUSA, 2005, p. 198). Alguns dias após a sentença no caso Eternit, entrou em vigor a Lei no 68/2015, talvez para pôr um fim às controvérsias levantadas por alguns casos de desastres ambientais que ficaram impunes, devido à ausência de um regulamento que discipline expressamente o desastre ambiental.

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Segundo a Corte de Cassação, o momento de consumação do crime de perigo concreto prescinde da morte e das lesões após longos períodos de latência, devido à exposição prolongada ao pó de amianto; a morte e o ferimento, no entanto, não têm o status de elemento constitutivo do tipo, mas representam circunstâncias agravantes. Portanto, segundo uma interpretação constitucionalmente orientada, a consumação não pode ser deslocada além do exaurimento do iter criminoso típico e além do momento em que terminaram as emissões de poeira e resíduos do processamento de amianto, produzidas pelos estabelecimentos. Não além, todavia, de junho de 1986, foi declarada a falência das empresas do grupo. Em outras palavras, o tempus commissi delicti não identificado coincide com a cessação da conduta perigosa e, portanto, o mais tardar no fechamento da fábrica, sem ter que esperar pela produção dos efeitos.

A interpretação da Corte de Cassação, que acabou antecipando o momento de consumação do crime, destinando à prescrição todos os crimes baseados nessa estrutura, frustrou as tentativas dos juízes de primeiro grau e do Tribunal de Apelação de Turim que, a fim de evitar o risco da prescrição, tentaram identificar um momento diferente de consumação no artigo 434 (GATTA, 2014, p. 1-8) do Código Penal Italiano.

O caso Eternit ainda não terminou, pois se desdobrou no processo Eternit bis, dividido em quatro outras demandas: Turim, Vercelli, Reggio Emilia e Nápoles. O Tribunal de Turim condenou o empresário suíço Schmidheiny a quatro anos de prisão, por acusações de homicídio culposo pela morte de dois trabalhadores. No julgamento realizado em Vercelli, houve denúncia por homicídio doloso que resultou na morte de cerca de 400 pessoas. Em Reggio Emilia, o processo também está em andamento. O Foro Criminal de Nápoles, em 25 de janeiro de 2019, acatou a acusação de homicídio com dolo eventual em relação à morte de oito pessoas. Em 31 de maio, o pedido de absolvição por violação do ne bis in idem foi rejeitado no mesmo Juízo Criminal de primeira instância, porque, ao contrário do anterior, o crime de homicídio foi contestado no novo julgamento.

Nesse ponto, é interessante observar como mudou a estratégia processual da acusação. No primeiro julgamento, a Eternit não contestou a responsabilidade pelos homicídios simples e lesões, mas rejeitou um único macro evento de desastre. Essa escolha certamente levou a uma simplificação do ônus da prova, pois a promotoria não precisou demonstrar, em relação aos eventos individuais, a relação causal com relação à exposição a fibras de amianto.

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4.2 Ilva de Taranto

Outro episódio importante, sintomático das lacunas legislativas presentes no sistema jurídico italiano, é representado pela conhecida história da Ilva de Taranto. Ainda em andamento, o evento iniciou um choque institucional entre política e judiciário, na tentativa de definir o delicado equilíbrio entre as necessidades ambientais, saúde e segurança pública, por um lado, e o interesse em manter a produção industrial, por outro (PULITANÒ, 2013, p. 44 e ss.).

A história está ligada à presença, no território de Taranto, da siderúrgica de Ilva, e remonta ao final dos anos 90, quando o Conselho de Ministros declarou Ilva uma área de alto risco ambiental. A grave situação de poluição levou à abertura de investigação, devido ao aumento considerável do número de indivíduos afetados e falecidos, à presença de dioxinas e poluentes depositados em lugares públicos e à morte de milhares de cabeças de gado, atribuíveis às emissões nocivas de usina siderúrgica Ilva.

O Tribunal de Taranto, em 23 de maio de 2014, reconheceu a responsabilidade criminal de todos os acusados pelos crimes de homicídio culposo múltiplo agravado (artigo 589 do Código Penal) e omissão dolosa, pela falta de precaução e prevenção de acidentes, agravadas pela verificação do desastre (art. 437 c.p.).

O Tribunal de Apelação de Lecce (sent. 563, de 2017), em reforma parcial, declarou a extinção da punibilidade, nos termos do artigo 437 do Código Penal, por prescrição, e confirmou a condenação por homicídio culposo somente para três ex-gerentes de fábrica.

Neste meio tempo, em 2012, foi adotada uma medida preventiva de sequestro de algumas áreas da empresa, tendo em vista a existência, na região Tarantina, de uma grave situação de emergência ambiental e sanitária, atribuível às emissões poluentes do estabelecimento Ilva S.A. O embargo foi seguido por uma autorização integrada ambiental (AIA), que impôs o adimplemento de determinadas condições até 2015, anos depois postergado para 2023. O complexo industrial em questão foi declarado planta de interesse estratégico e foram concedidos mais três anos de produção, subtraindo-se a jurisdição criminal (art. 1o, Decreto Legislativo no 207/2012, conv. L. 231/2012). Também foi aplicado o escudo criminal, ou seja, a não punição dos administradores pelos danos causados pela atividade industrial durante o período de implementação do plano de recuperação ambiental (art. 2o).

O Tribunal de Revisão confirmou o sequestro, tendo, todavia, exigido novas condições para a continuação das atividades. Em 26 de novembro de 2012, o juiz de instrução emitiu uma nova ordem de busca e apreensão preventiva de todos os

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produtos produzidos após a apreensão anterior, desde que fossem produto e lucro das atividades criminosas. Isso provocou a intervenção do governo, que aprovou novo Decreto Legislativo para garantir a continuidade da produção, em contraste com o provimento de sequestro e, portanto, privando de eficácia o provimento do juiz. Nesse momento se iniciava um conflito de atribuições perante o Tribunal Constitucional.

O Tribunal de Cassação (acórdão 2659, de 2014) também cancelou a apreensão, por não reconhecer cumpridas as condições estabelecidas nos artigos 19 e 53 do Decreto Legislativo no 231/2001. Por fim (acórdão 45935, de 12 de novembro de 2019), o mesmo Tribunal confirmou a absolvição da alta direção da Ilva, já ordenada pelo Tribunal de Apelação.

Em 2013, a Corte declarou a inadmissibilidade dos recursos. Paralelamente, as intervenções legislativas visavam alcançar um equilíbrio razoável entre interesses constitucionalmente relevantes. No mesmo ano, foi publicado novo Decreto Legislativo no 1/2015, que autorizou a fábrica de Taranto a continuar a produção, mesmo em caso de apreensão criminal, e subtraiu da jurisdição criminal a conduta do Comissário Extraordinário de Ilva e dos sujeitos delegados. Esse decreto foi então alterado pelo Decreto Legislativo no 34, de 2019 (convertido na Lei no 58/2019), e pelo Decreto Legislativo no 101, de 2019 (convertido na Lei no 128/2019), que excluiu a imunidade criminal.

A questão segue em aberto e atraiu o interesse da Corte Europeia de Direitos Humanos que, em 2019, acolheu recurso apresentado por alguns cidadãos residentes nas proximidades de Taranto, buscando a condenação da Itália por não proteger o direito à saúde dos cidadãos e o consequente reconhecimento da violação do direito à vida privada (artigo 8o CEDH e artigo 13 TEDH).

4.3 A emergência de resíduos na Campânia: a Terra das Fogueiras

A emergência dos resíduos em Campânia iniciou com o Decreto Legislativo de 11 de fevereiro de 1994, que proclamou o estado de emergência e nomeou um comissariado extraordinário para a gestão dos resíduos.

A área ficou conhecida como Terra das Fogueiras, expressão utilizada para indicar a vasta zona da Itália meridional, onde ocorriam o enterro de resíduos tóxicos e o desencadeamento de incêndios contínuos, inclusive dentro dos aterros ilegais, para liberar espaço e descartar novos resíduos. Os resíduos urbanos e especiais queimados representam a principal fonte de poluição na área, agora totalmente comprometida, e com a identificação de sérios danos à saúde, ao meio ambiente e à agricultura.

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Atualmente, a Campânia tem a maior taxa de mortalidade por câncer na Europa; além disso, cinco milhões de ecofardos não descartáveis ainda permanecem no território (correspondendo a 6 milhões de toneladas de resíduos). Mesmo diante desse contexto, as instituições públicas permitiram a continuação do regime, reiterando as declarações de estado de emergência e criando a oportunidade de adjudicação de contratos sob o regime de derrogação, violando os princípios de eficiência e bom desempenho da administração, referidos no artigo 97 da Constituição (FORzATI, 2015). Esse regime acabou se tornando uma rotina, durando cerca de 20 anos, atribuindo-se amplos poderes discricionários aos órgãos administrativos.

O fenômeno da Terra das Fogueiras também é resultado de conluios e relações corruptas, que contam com a participação de órgãos políticos, empresários, organizações criminosas e gerentes de serviços de resíduos – que compõem uma rede criminosa de negócios. A ecomáfia local sempre privilegiou o setor de gerenciamento e disposição de resíduos, ligado ao sistema de transporte, aterros, pedreiras e construções.

Esse contexto criou uma situação de impasse que dura anos em Campânia. O quadro caracteriza-se pela alternância de medidas propostas pelas autoridades judiciais por um lado, objetivando travar, emergencialmente, as práticas e o gerenciamento irracional dos procedimentos de descarte de resíduos, e do governo por outro lado, que propõe modelos regulatórios depreciativos que afetam medidas judiciais. A título de exemplo, em 2004, após 10 anos de regime comissarial, a justiça criminal interveio, atuando de forma suplente, e organizou o sequestro preventivo da instalação onde era produzido o Combustível Derivado do Tratamento de Resíduos (Cdr) de Campânia. Essa decisão foi seguida pelo Decreto Legislativo no 14/2005, que em face do sequestro feito, operando como uma blindagem, prevê a transformação das plantas de produção de Cdr em aterros indefinidamente, legitimando seu uso ilegal. Dessa forma, os locais de armazenamento tornaram-se aterros provisórios e legalizados, onde os fardos ecológicos foram depositados enquanto aguardavam a implementação do sistema regional de eliminação de resíduos. Esse regime temporário permanece até hoje.

Em 4 de novembro de 2013, o Tribunal de Nápoles se pronunciou sobre a questão, absolvendo todos os imputados e revogando o provimento de apreensão, declarando que o principal interesse dos imputados era evitar paralisia na coleta e tratamento de resíduos, enquanto o fracasso em atingir o alvo pode desencadear responsabilidades políticas, mas não criminais. A sentença foi fundamentada no artigo 6o do Decreto Legislativo no 90/2008, convertido na Lei no 210/2008 (seguida pelo Decreto

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Legislativo no 172/2008), que prevê um regime de emergência em uma emergência; de fato, "locais, áreas e plantas conectadas à gestão de resíduos" (ITÁLIA, 2008) são militarizados e formalmente transformados em áreas de interesse estratégico nacional, portanto protegidos por requisitos administrativos especiais e protegidos das verificações de legalidade e do cumprimento das normas de segurança.

Em 2014, o Tribunal de Cassação, por meio da sentença 45001, finalmente cancelou a apreensão de 70 hectares de terra, com remessa ao Tribunal de Nápoles, por evidências insuficientes.

Em 17 de janeiro de 2019, o Tribunal de Apelação de Nápoles reconheceu a prescrição de alguns crimes. Por essa razão, condenou apenas alguns dos acusados pelos crimes de desastre ambiental e tráfico ilícito de resíduos, com agravante de tratar-se de crime de máfia. Uma decisão paralela, em 2017, condenou por desastre ambiental dois dos principais responsáveis pelo aniquilamento do território da Campânia, hoje, todavia, encontram-se libertados da prisão pelo benefício do indulto.

Por fim, a Corte de Justiça da União Europeia também interveio na emergência de Campânia e, em 2010, condenou a Itália por violação da Diretiva 2006/12/CE. Em 10 de janeiro de 2012 (decisão Di Sarno), a mesma Corte condenou o país por não atender adequadamente à emergência de resíduos na Campânia, constatando a violação dos artigos 8o e 13 da Corte Europeia de Direitos Humanos.

Em março de 2019, o mesmo Tribunal de Direitos Humanos aceitou novas demandas contra o governo italiano por violação dos direitos fundamentais. As alegações são as de que, a partir do final dos anos 1980, devido à poluição na grande região da Campânia, por meio de derramamento, combustão, enterro de resíduos perigosos e gerenciamento de aterros ilegais, muitos habitantes tiveram a saúde seriamente afetada.

5 Semântica normativa da poluição por resíduos sólidos no Brasil: algumas reflexões

O artigo 225 da Constituição federal estabelece um direito-dever público e privado em relação ao ambiente, de maneira que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (BRASIL, 2020).

Na esfera legal, muito antes da vigência da Constituição de 1988, o artigo 3o, incisos III e IV, da Lei no 6.938, de 1981, trouxe parâmetros orientadores dos conceitos de poluição e de poluidor. Especificamente em relação à poluição por resíduos sólidos, a Lei no 12.305, de 2010, preencheu importante lacuna na legislação

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ambiental brasileira, ao definir resíduos sólidos e estabelecer uma série de institutos e instrumentos para o enfrentamento da questão.

A responsabilidade por danos causados ao meio ambiente no Brasil, decorrente da poluição por resíduos, encontra seu fundamento axiológico na Constituição Federal, que incide diretamente sobre as relações públicas e privadas, com a possibilidade de tríplice responsabilidade (administrativa, civil e criminal). Os crimes ambientais estão previstos na Lei no 9.605, de 1998, com destaque para os tipos previstos nos artigos 54 e 56.

Além das normas citadas, relevantes atos administrativos federais, estaduais e municipais as complementam. Entre eles, 15 Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, que tratam dos mais variados temas (e.g., Resolução no 450/2012, sobre recolhimento, coleta e destinação final de óleo lubrificante usado ou contaminado) (CONAMA, 2012).

Em termos constitucionais, as atribuições e responsabilidades pela coleta e destino dos resíduos sólidos competem aos três entes da Federação. Essa competência ambiental se interconecta com a perspectiva da saúde pública, o que pode ser vislumbrado nos artigos 24, XII e 30, I, da Constituição federal. Vida saudável e ambiente ecologicamente equilibrado são dois pilares constitucionais que miram à existência digna. Exatamente por essa razão, condutas que exponham a riscos ou prejudiquem o ambiente e a vida receberam atenção do legislador constitucional, e foram regulamentadas por legislações infraconstitucionais penais posteriores, vez que o Direito Penal tutela os bens jurídicos mais relevantes para a vida em sociedade.

Todavia, ao contrário de como na Itália, estas modalidades de atividade criminosa não despertam maior interesse das organizações criminosas. O espaço territorial do Brasil é muito maior do que o daquele país e, por isso, é mais fácil e menos custoso aos infratores atuarem em aterros ilegais, os chamados lixões. É verdade que em um momento precedente, ou seja, nas licitações, as disputas originam ações penais pela prática de corrupção e outros crimes conexos.

No entanto, ainda que existam delitos envolvendo fraudes na licitação (BRASIL, 2011) – via de regra as que envolvem o recolhimento de lixo urbano –, os precedentes judiciais são, na maioria, relacionados com a poluição do solo e de recursos hídricos. Nesse contexto, não raras vezes a municipalidade está presente no polo passivo das demandas, seja por ação ou omissão.

Embora já bastante evoluída e, em alguns aspectos, aparentemente mais completa do que a italiana, a legislação penal ambiental brasileira voltada à

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imputação das más condutas de poluição do solo carece de ajustes. Talvez um dos mais relevantes seja a clara definição de critérios de imputação, o que reduziria a abertura típica dos tipos penais ambientais que, por vezes, geram insegurança jurídica. Seria relevante que, passados mais de 10 anos da entrada em vigor da legislação dos resíduos, fosse realizada uma análise acerca da sua efetividade para o ambiente e a sociedade brasileira. O levantamento de dados a esse respeito apontaria alguns indicadores e representaria uma ótima fonte de inspiração para novas proposições e alterações.

O art. 54 da Lei no 9.605, de 1998, é exemplo de tipo penal aberto, com cláusulas normativas, de cunho valorativo, que estão aquém das exigências do princípio da legalidade em sua vertente taxatividade-determinação da lei penal. No entanto, em nenhum momento se cogitou de declarar-se a sua inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da legalidade, porque não há como ser de outra forma, visto que seria impossível ao legislador descrever todas as formas de poluição existentes, nem prever as que surgirão com o tempo. Assim, cabe ao Judiciário definir a existência do crime no caso concreto. Por exemplo, dando o significado de “poluição de qualquer natureza em níveis tais que”.

Em 2010, com a edição da Lei no 12.305, o legislador teve uma segunda oportunidade de rever a tipificação do art. 54, tornando-o mais claro e até reformulando suas penas, já que, para casos graves, 1 ano de reclusão é pena por demais branda. Todavia, no art. 51 da lei de resíduos sólidos, estabeleceu-se que:

(...) sem prejuízo da obrigação de, independentemente da existência de culpa, reparar os danos causados, a ação ou omissão das pessoas físicas ou jurídicas que importe inobservância aos preceitos desta Lei ou de seu regulamento sujeita os infratores às sanções previstas em lei, em especial às fixadas na Lei no 9.605, de 1998. (BRASIL, 2010).

Observe-se que o tipo penal do crime de poluição (art. 54) na Lei no 9.605, de 1998, não se refere especificamente aos resíduos sólidos. Praticamente não se aborda esta específica forma de poluição no Brasil, sendo a norma deficiente na relação entre lixo, saúde e meio ambiente. Em sendo assim, orientado pelo exemplo italiano, um projeto de lei que ampliasse a Lei no 9.605, de 1998, para torná-la mais específica em relação à matéria, poderia considerar a inclusão dos seguintes crimes: atividades organizadas para o tráfico ilícito de resíduos; omissão dolosa pela falta de prevenção de acidentes, agravada pela verificação do desastre; associação para delinquir contra o meio ambiente.

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Outro ponto que mereceria maior atenção na legislação penal ambiental diz respeito à possibilidade de ampliar acordos. Afinal, o objetivo maior da Lei dos Crimes Ambientais é o de reparar o dano causado e não o de prender o infrator, pois as consequências socioambientais e econômicas geradas pelo crime de poluição também têm grande impacto em matéria de saúde pública e refletem diretamente nos cofres públicos (SOBRAL, 2019; COSTA, 2019). Evidentemente, este acordo, seja qual for o nome que se lhe dê, seria mais fácil e adequado nas formas de poluição mais simples do que nos grandes acidentes com mortes, estes, sim, a exigir ação penal e imposição de sanções severas.

Os acordos já existem na esfera penal sob a forma de transação, conforme art. 76 da Lei no 9.099, de 1995, conhecida como Lei dos Juizados Especiais. Muitas destas transações têm se revelado de grande utilidade. Todavia, um aspecto fraco desta opção é o fato de que muitos dos acordos resolvem-se com soluções que não dizem respeito ao meio ambiente. Por exemplo, o infrator concorda com proposta de suspensão do Ministério Público, assumindo o ônus de prestar serviços em uma creche. Esta ação, por mais nobre que seja, nada tem a ver com a restauração do dano ambiental.

Nos crimes de poluição, previstos no art. 54 da Lei no 9.605, de 1998, é possível outro tipo de acordo, este já dependendo de ter sido proposta ação penal, consistente na suspensão do processo (art. 89 da Lei no 9.099, de 1995). O Ministério Público oferece uma proposta ao poluidor e ele, se aceitar, terá o processo suspenso por 2 anos, nos quais deverá reparar o dano ambiental causado ou compensá-lo, caso a restauração seja impossível.

Outro aspecto frágil do sistema de acordos previstos na Lei no 9.099, de 1995, é o da ausência de estatísticas. Realmente, ninguém sabe como e quantas são as transações feitas nos milhares de Juizados Especiais Criminais do Brasil, nem as suspensões dos processos nas Varas Criminas. A inexistência de indicadores impede que se apure o grau dissuasório da processualística adotada em matéria penal ambiental.

No entanto, muitas destas deficiências são passíveis de correção, bastando a vontade firme dos presidentes dos Tribunais Regionais e de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça. Importante também seria a criação de cargos de estatísticos e, consequentemente, o aprimoramento dos dados de forma mais segura.

Registre-se, ainda, a tentativa feita através do Projeto de Lei no 882, de 2019, conhecido como Pacote Anticrime, de estender os acordos a todos os crimes previstos no Código Penal e leis especiais, exceto aqueles considerados hediondos. O Projeto

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criava o art. 28-A, permitindo acordo de não persecução para crimes com pena máxima de 4 anos de reclusão e instituía o artigo 395-A, que permitia acordo em ações penais propostas, conhecido por plea bargain, independentemente da pena imposta.

Ocorre que referido Projeto de Lei foi convertido na Lei no 13.964, de 2019, na qual o art. 395-A foi rejeitado e o art. 28-A foi aprovado apenas para crimes com pena mínima inferior a 4 anos. Com isso o avanço, pelo menos nos processos de crimes ambientais, foi mínimo. Os únicos crimes que poderão, agora, ser objeto de acordo de não persecução penal, são os previstos nos arts. 33, 34, 62, 63, 66, 67, 68, 69 e 69-A, § 1o, da Lei dos Crimes Ambientais, relacionados com condutas de pesca irregular, contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural e a Administração Ambiental, todos com a pena máxima estabelecida em 3 anos de detenção ou multa, ou ambas cumulativamente. Finalmente, registre-se que nas ações penais propostas contra pessoas jurídicas a prescrição vem sendo sistematicamente reconhecida pelos tribunais. Isto porque, não havendo pena corporal, a jurisprudência vem entendendo que a prescrição deve ser calculada sobre a pena de multa, o que significa o reduzido prazo de 2 anos, na forma do art. 114 do Código Penal (BRASIL, 2019). Como é fato notório, raros são os processos no Brasil que terminam em prazo inferior a um biênio. Ainda mais em crimes de poluição, onde a prova é sempre complexa e sujeita a longas discussões, inclusive através de prova pericial. Disso resulta grande impunidade em relação às empresas poluidoras e consequente descrédito na efetividade da Justiça.

6 Conclusão

As constituições ao redor do mundo, depois da grande Conferência da ONU em Estocolmo, 1992, passaram a dar especial atenção à questão ambiental. Disso decorrem inegáveis benefícios como, por exemplo, o estabelecimento de um dever genérico de não degradar.

A Constituição do Brasil, de 1988, no art. 225, foi extremamente incisiva ao estabelecer que o meio ambiente é direito e dever de todos, sendo responsável, quem lhe cause dano, administrativa, civil e criminalmente. Já a Constituição da Itália é mais concisa e previu no art. 117 ser da responsabilidade do Estado e de suas regiões, de forma concorrente, legislar sobre a matéria.

A poluição do solo por descarte irregular de resíduos, que é típico problema ambiental com implicações globais e duradoras, não foi objeto de menção explícita em nenhuma das duas constituições, cabendo à legislação ordinária tratar do assunto.

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Assim, não será demais lembrar que, muito embora o gerenciamento adequado de resíduos seja essencial para a construção de cidades sustentáveis, habitáveis e resilientes, sua concretização continua sendo um desafio.

Essa dificuldade não é apenas brasileira, mas também italiana. Embora a evolução da legislação penal ambiental na Itália tenha focado mais a questão dos resíduos do que no Brasil, observam-se três dificuldades comuns a serem superadas em ambos os países: incongruências e insuficiências normativas, problemas de ordem fiscalizatória e a antiga questão relacionada ao limite do exercício dos Poderes de Estado.

A falta de coordenação das disposições recém-introduzidas com o aparato regulador pré-existente é a receita ideal para dificultar a eficácia de uma norma, pois abre oportunidade de argumentações diversas em diferentes instâncias, com a interposição de recursos que prolongam, por anos, a definição do conflito. Neste ponto, Brasil e Itália encontram-se em igualdade de posição.

Entretanto, talvez o ponto de maior gravidade observado no processo de luta italiano contra os crimes de poluição por resíduos é aquele que contrapõe o exercício dos Poderes Executivo e Judiciário.

No caso italiano, destaca-se o embate entre medidas judicias visando estancar o gerenciamento irracional e ilegal de resíduos e a proposição de ações executivas com vistas a afetar a efetividade das medidas judicias. Na verdade, o que existe, no caso, é uma inadmissível e imoral disputa entre a justiça e a política, essa última orientada por interesses econômicos e políticos. Os Poderes de Estado têm, cada um na medida das suas atribuições, também o dever de primar pelo cumprimento da Constituição e zelar pela saúde e segurança dos cidadãos. Qualquer outra postura representa grave e indesculpável desvio de finalidade e incursão indevida na competência alheia, pois pode comprometer o bem da coletividade. As experiências comparadas também servem para orientar o que não deve ser feito. Afinal, conflitos socioambientais se assemelham, mesmo ocorrendo em lugares distintos do mundo.

Para além das questões apontadas, no caso brasileiro, além do aprimoramento normativo criminal ambiental no que concerne às imputações de crime de poluição por resíduos sólidos, há que se investir na estruturação dos órgãos ambientais e capacitação de agentes para o fim de aprimorar a fase probatória dos processos. Em complemento, qualquer alteração normativa não pode ser feita aos retalhos, mas deve ser realizada de forma sistêmica e conectada.

Especificamente em termos normativos, a Lei brasileira da Política Nacional de Resíduos Sólidos disponibilizou ao País os instrumentos para a gestão de material

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descartável, no mesmo patamar que os países desenvolvidos. O desafio, contudo, continua sendo sua implementação. Aos governos federal e estaduais, a lei atribuiu a obrigação de estabelecer os planos de resíduos, de garantir a infraestrutura para sua disposição adequada e de fiscalizar a lei. A gestão integrada dos resíduos sólidos, incluída a implantação da coleta seletiva, é de responsabilidade dos governos municipais. Para o setor privado, atribuiu-se a obrigação da logística reversa, ou seja, recuperação dos resíduos produzidos pelo setor e sua destinação adequada. E à população, o papel de acondicionar de forma diferenciada seus resíduos e rejeitos, descartando-os corretamente.

Sintetizando tudo o que foi afirmado, é possível concluir que Itália e Brasil necessitam de maior atenção ao descarte de resíduos sólidos e a punição penal é uma boa forma de alcançar-se tal objetivo. Muito embora a Itália disponha de legislação mais precisa, as ocorrências naquele país são mais graves do que as existentes no Brasil. Mas ambos precisam de leis mais claras e abrangentes e eficiência dos seus sistemas de Justiça.

Em suma, o delineamento de responsabilidades para o cumprimento da legislação pode ser aprimorado. Os aprendizados, erros e acertos da Itália são uma boa lente de observação para fins de evolução, que deve ser orientada pelo bom senso e princípio do estado democrático de direito, tendo-se em mente que, especialmente em matéria criminal, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

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Resíduos sólidos e crime de poluição

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Resíduos sólidos e crime de poluição

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8 Análise comparativa entre os mecanismos

e os processos legislativos norte-americano

e brasileiro

DANIELA REZENDE DE OLIVEIRA

Doutora em Direito e Justiça (UFMG). Mestra em Filosofia do Direito (UFMG).

Professora de Direito (FUMEC).

Artigo recebido em 25/5/2017 e aprovado em 29/8/2018.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Common Law x Civil Law 3 Confrontando os modelos legislativos norte-americano e brasileiro: uma análise das implicações para o processo legislativo 4 Conclusão 5 Referências.

RESUMO: Partindo-se da leitura do artigo de David Marcello, o presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise comparativa entre os processos legislativo brasileiro e americano. O texto demonstra que, sob o aspecto teórico, o modelo legislativo brasileiro é muito similar ao norte-americano, tanto no que diz respeito ao processo legislativo, quanto no que se refere à organização dos poderes – em especial, os poderes Executivo e Legislativo. Contudo, sob o ponto de vista prático, o artigo demonstra que esses modelos legislativos se diferem sob diversos aspectos, principalmente, em termos de organização político-partidária, regulamentação das atividades dos grupos de pressão e acerca da participação pública no processo legislativo. Ademais, o presente trabalho demonstra que, no modelo brasileiro, o Executivo participa ativamente de boa parte do processo legislativo, em razão da existência do instituto legislativo da medida provisória.

PALAVRAS-CHAVE: Processo Legislativo Poder Legislativo Legística.

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Comparative analysis between the legislative mechanisms and processes of North

America and Brazil

CONTENTS: 1 Introduction 2 Common Law x Civil Law 3 Confronting North American and Brazilian legislative models: an analysis of the implications for the legislative process 4 Conclusion 5 References.

ABSTRACT: Starting from the reading of the article by David Marcello, the present work aims to make a comparative analysis between the mechanisms and the Brazilian and American legislative process. The text demonstrates that, under the theoretical aspect, the Brazilian legislative model is very similar to the United States model, both with regard to the legislative process and with regard to the organization of powers – in particular, the Executive and Legislative branches. However, from a practical point of view, the article shows that these legislative models differ in several respects, mainly in terms of political-party organization, regulation of lobbying activities and public participation in the legislative process. In addition, the present study demonstrates that, in the Brazilian model, the Executive actively participates in a good part of the legislative process, especially because of the existence of the legislative institute of the provisional measure.

KEYWORDS: Legislative Process Legislative Power Legalization.

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Análise comparativa entre os mecanismos e os processos legislativos norte-americano e brasileiro

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Análisis comparativo entre los mecanismos y los procesos legislativos

norteamericano y brasileño

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Common Law x Civil Law 3 En el caso de los modelos legislativos norteamericano y brasileño: un análisis de las implicaciones para el proceso legislativo 4 Conclusión 5 Referencias.

RESUMEN: A partir de la lectura del artículo de David Marcello, el presente trabajo tiene como objetivo hacer un análisis comparativo entre los mecanismos y el proceso legislativo brasileño y americano. El texto demuestra que, bajo el aspecto teórico, el modelo legislativo brasileño es muy similar al norteamericano, tanto en lo que se refiere al proceso legislativo, como en lo que se refiere a la organización de los poderes - en especial, los poderes Ejecutivo y Legislativo. Sin embargo, desde el punto de vista práctico, el artículo demuestra que estos modelos legislativos se diferencian bajo diversos aspectos, principalmente, en términos de organización político-partidaria, regulación de las actividades de los grupos de presión y acerca de la participación pública en el proceso legislativo. Además, el presente trabajo demuestra que, en el modelo brasileño, el Ejecutivo participa activamente en buena parte del proceso legislativo, en particular, en razón de la existencia del instituto legislativo de la medida provisional.

PALABRAS CLAVE: Proceso Legislativo Poder Legislativo Legística.

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1 Introdução

S egundo Soares (2007, p. 7-34), a Legística se refere ao saber jurídico que se desenvolveu a partir de algumas questões recorrentes na história do Direito,

como, por exemplo, a necessidade de produção de uma legislação de melhor qualidade e mais eficiente, na tentativa de adaptar o direito positivado com as necessidades concretas da sociedade, a necessidade de tornar os textos legais mais acessíveis à sociedade, dentre outros (SOARES, 2007, p. 7).

A Legística possui cinco grandes linhas de investigação, quais sejam: i) teoria ou doutrina da legislação; ii) analítica da legislação; iii) metódica da legislação; iv) técnica legislativa e v) tática da legislação (KARPEN, SCHÄFFER apud SOARES, 2007, p.7).

O presente artigo se remete à última grande linha de investigação mencionada – a técnica da legislação –, que compreende o “estudo dos órgãos, dos procedimentos e dos métodos a fim de influenciar e dirigir a produção legislativa” (SOARES, 2007, p. 8), demonstrando, em linhas gerais, as principais diferenças acerca da estrutura dos Poderes Legislativos – e, via de consequência, de questões relativas aos processos legislativos – dos Estados Unidos da América (EUA) e do Brasil. E, para tanto, traçar-se-á um diálogo com o Professor David Marcello, a partir de seu artigo intitulado Legislative in the United States an Europe: How jurisdictions differ in training drafters and enacting laws.

O texto é dividido em duas partes: a primeira tem como foco o relato das principais diferenças entre os sistemas jurídicos adotados por esses dois Estados – Common Law e Civil Law; compreendidos, respectivamente, pelos EUA e pelo Brasil. Na segunda parte, será feita uma abordagem e distinção entre os poderes e processos legislativos norte-americano e brasileiro, a partir das concepções terminológicas dos conceitos de governo, fidelidade partidária, iniciativa legislativa, comissões legislativas, lobby e participação pública no processo legislativo.

2 Common Law x Civil Law

A principal e primeira análise que a ser feita quando se quer confrontar o modelo legislativo norte-americano com o brasileiro se refere à determinação das diferenças entre os sistemas jurídicos adotados por cada um desses países, pois este é o ponto de partida de toda e qualquer análise que se faça nesse sentido.

No que tange às fontes do direito, o Civil Law caracteriza-se pelo primado do processo legislativo – sendo que as demais fontes assumem um caráter secundário.

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De modo oposto, no Common Law o direito se caracteriza e se revela por meio dos usos e dos costumes e pelos precedentes jurisdicionais – a legislação, nesse sistema, assume um caráter secundário (REALE, 1984, p. 141-142).

O Brasil adota o modelo clássico de sistema jurídico do Civil Law, em que as normas jurídicas positivas assumem papel principal na solução de conflitos jurídicos de natureza tanto pública, quanto privada. Em relação ao direito norte -americano, a adoção do sistema jurídico do Common Law não é absoluta, tendo em vista que, apesar de no plano do Direito Administrativo e do Direito Privado as regras costumeiras e os precedentes judiciais assumirem importância fundamental, no que diz respeito ao Direito Constitucional – sobretudo nos aspectos que envolvem a propositura de emendas constitucionais –, os costumes são deixados de lado e o direito baseia-se em uma constituição rígida, havendo a supremacia das normas editadas pelo Estado em relação aos costumes (REALE, 1984, p. 153-154).

Portanto, diante dessa diferença entre os dois sistemas jurídicos – o norte-americano e o brasileiro –, é imprescindível, também, atentar para o fato de que o processo de aplicação das leis – e demais normas positivas de direito – se difere em cada um desses Estados. Assim, no sistema jurídico norte-americano, o processo de aplicação do direito se faz, via de regra, de modo indutivo (entenda-se, caso a caso), ao contrário do que ocorre no sistema jurídico brasileiro, em que a aplicação do direito se processa, sobretudo, por meio de raciocínio lógico-dedutivo.

Conclui-se, pois, que o modo como se processa a prática jurídica cotidiana no sistema em que o Common Law é vigente não atende às necessidades dos autores dos projetos de lei (MARCELLO, 2006, p. 3). Isso ocorre porque não é comum, no sistema do Common Law, durante a formação dos profissionais do direito, que as leis e os instrumentos legislativos sejam analisados e interpretados em detalhes, por meio da seleção e análise dos termos e das estruturas gramaticais presentes nos textos normativos, para que sejam harmonicamente reinseridos dentro do texto da nova lei e em consonância com todo o ordenamento jurídico vigente (MARCELLO, 2006, p. 3-4).

Conforme se depreende das observações feitas por Marcello, o abismo existente entre teoria e prática do processo legislativo não ocorre de maneira tão acentuada nas Instituições de Ensino de países que adotam o sistema do Civil Law, e isso se dá em razão do fato de haver ali o frequente manuseio da legislação positiva, ao contrário do que ocorre em países que adotam o sistema do Common Law (MARCELLO, 2006, p. 4).

Necessário concordar, pois, com Marcello, que afirma que o sistema do Civil Law assemelha-se e aproxima-se de maneira muito evidente do modo como se

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desenvolve o processo legislativo e, por isso, tem muito mais a oferecer ao processo legislativo do que o sistema do Common Law (MARCELLO, 2006, p. 5).

3 Confrontando os modelos legislativos norte-americano e brasileiro: uma análise

das implicações para o processo legislativo

Para confrontar-se os modelos legislativos norte-americano e brasileiro, deve-se considerar as diferenças – sobretudo as práticas – que envolvem esses dois processos.

No intuito de manter-se um diálogo fiel e didático com Marcello, seguir-se-á a mesma abordagem que foi feita no artigo científico analisado, apontando-se as principais semelhanças e diferenças entre os modelos legislativos norte-americano e brasileiro. Assim, na esteira de Marcello, também serão analisadas as concepções terminológicas dos termos governo, fidelidade partidária, iniciativa legislativa, comissões legislativas, lobby e participação pública no processo legislativo em relação ao poder e ao processo legislativo brasileiro, de modo que esses termos e conceitos sejam analisados e comparados entre estes dois modelos: sistemas norte-americano e brasileiro.

3.1 Governo

No que se refere à forma de Estado e à forma de governo, tanto os EUA quanto o Brasil são federações e assumem a forma de governo presidencialista republicana. Apesar disso, na prática, as formas como o governo e os poderes do Estado se relacionam nesses dois territórios é extremamente diferente. As diferenças, no que se refere ao modo como o Poder Executivo e o Poder Legislativo se relacionam, nos EUA e no Brasil, vão muito além da semântica do termo governo, tendo em vista que assumem repercussões diretas no que diz respeito ao modo como se desenvolve o processo legislativo.

Nos EUA, o termo governo compreende os três poderes do Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário. Ressaltando que, no sistema norte-americano, todos os 50 estados que compõem a Federação – formando o governo federal – estão submetidos ao princípio da separação de poderes. Necessário também mencionar que o exercício do poder do Estado foi limitado, por meio da política do checks and balances (freios e contrapesos), desenvolvida com o intuito de minimizar os constantes conflitos existentes entre os poderes Executivo e Legislativo (MARCELLO, 2006, p. 6). Além disso, nos EUA, a compreensão acerca do princípio da separação dos poderes deve ser levada em consideração quando se quer propor uma lei, ou corre-se o risco

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de se infringir normas constitucionais relativas às prerrogativas e às competências legislativas concernentes a cada um dos poderes, tendo em vista que, no modelo norte-americano, o Poder Executivo não legisla – salvo exceções, como no estado de sítio (MARCELLO, 2006, p. 7).

No Brasil, o princípio da separação dos poderes é entendido de uma maneira bastante peculiar, pois, na prática, o governo federal brasileiro parece não prezar pela autonomia e pela interdependência dos poderes do Estado, sendo que, frequentemente, os poderes Executivo e Legislativo interferem um na esfera de competência do outro. Além disso, no Brasil, o Poder Judiciário é fiscalizado e controlado (administrativa e financeiramente) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – criado pelo Poder Legislativo em 31 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005.

A composição, a organização e a competência do Conselho Nacional de Justiça estão previstas no art. 103-B da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRF/88). É um órgão de colegialidade heterogênea e composição mista, uma vez que é formado tanto por membros do Poder Judiciário como por membros de outras instâncias (advogados, promotores e representantes da sociedade civil) (FIÚzA, 2007, p. 84-86). Nesse sentido, sobre sua natureza jurídica e administrativa, Sampaio afirma que:

O Conselho Nacional de Justiça é órgão administrativo-constitucional do Poder Judiciário da República Federativa do Brasil com status semiautônomo ou de autonomia relativa. A estatura constitucional decorre da sua presença no texto da Constituição. A natureza administrativa é dada pelo rol de atribuições previstas no artigo constitucional 103-B, § 4o, que escapam ao enquadramento, obviamente, legislativo, uma vez que não pode inovar a ordem jurídica como autor de ato normativo, geral e abstrato, e, por submeter-se ao controle judicial, ainda que pelo STF, escapa da feição jurisdicional. (SAMPAIO, 2007, p. 263).

De acordo com Fiúza (2007, p. 85-86), a composição mista do CNJ favorece, ou ainda, possibilita que o princípio da separação dos poderes seja violado, motivo pelo qual afirma que, no Brasil, a cada dia, vemos que o “pacto federativo vem sendo desrespeitado e ignorado, com um governo federal cada vez mais poderoso, centralizador e imperialista” (FIÚzA, 2007, p. 85). No entanto, vale esclarecer que, no aspecto jurídico, o CNJ possui atribuições meramente administrativas, fiscalizadoras e disciplinares, motivo pelo qual não participa da atividade jurisdicional, função típica do Poder Judiciário. Nesse entendimento, no que se refere à sua natureza jurídica, a atuação do CNJ não fere o princípio da separação dos poderes, como também não

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viola o pacto federativo, conforme o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3.367-1/Distrito Federal.

3.2 Fidelidade partidária

Segundo Maciel (2008, p. 2), fidelidade partidária deve ser entendida como “dever que se impõe ao parlamentar de obediência às diretrizes do partido e de permanecer no partido em que tenha sido eleito”. Silva e Santos esclarecem que:

É possível afirmar que a fidelidade partidária é um princípio expressamente adotado na Constituição da República de 1988, em seu art. 17, §1o, que reflete a importância dos Partidos Políticos e da manutenção – ou proteção – de sua ideologia política. Fidelidade partidária não pode, portanto, ser confundida com obediência partidária, ou mera submissão.

[...] Considerando-se que um dos principais elementos de definição do Partido Político é sua ideologia, e que muitos dos mandatários eleitos pelo sistema proporcional (a maioria) se beneficiam dos votos obtidos pela legenda partidária, é importante que este seja um vínculo forte (o vínculo da ideologia partidária entre os filiados, principalmente entre aqueles que exercem mandatos eletivos). (SILVA; SANTOS, 2013, p. 17-18).

Nesse entendimento, outra diferença acerca dos modelos legislativos norte-americano e brasileiro se remete ao relacionamento entre os membros que compõem o Poder Legislativo.

Nos EUA, os legisladores se comportam de forma totalmente autônoma e independente, ao contrário do que ocorre no Brasil, em que a solidariedade e a fidelidade partidária são consideradas valores políticos supremos, em especial, nos momentos em que eles decidem como serão definidos os seus votos em eleições parlamentares.

Segundo Marcello, no modelo legislativo norte-americano, os legisladores votam de maneira muito independente. Além disso, a intensidade da solidariedade e da fidelidade partidária dos membros dos órgãos legislativos norte-americanos varia de um estado-membro para outro, sendo que, em alguns, é quase inexistente (MARCELLO, 2006, p. 7).

Os legisladores norte-americanos agem de forma independente, tendo em vista que é quase que imperceptível a ocorrência de acordos partidários, sem contar que a autonomia entre os membros do Poder Legislativo permite que a decisão dos votos seja tomada com base em diversos fatores, sejam eles sociais, econômicos e/ou políticos (MARCELLO, 2006, p. 7).

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No Brasil, por outro lado, o tema da fidelidade partidária vem sendo, ultimamente, bastante debatido na doutrina e na jurisprudência pátria, impulsionado por uma discussão mais ampla acerca da necessidade de uma reforma política. A Lei Federal no 9.096, de 19 de setembro de 1995, regulamentou o art. 17 da Constituição da República de 1988. Assim, o art. 24 da mencionada lei, em seu capítulo V, intitulado “Da fidelidade e da disciplina partidárias”, estabelece que “(...) o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários (...)”. E o art. 25, da mesma lei, prevê que os estatutos dos partidos políticos podem estabelecer sanções e penalidades para aqueles que se opuserem, por meio de ações ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários. Nesse sentido, no que se refere à fidelidade partidária, à organização dos partidos políticos no Brasil e ao tratamento constitucional dado ao tema, Silva e Santos asseveram que:

Importante pontuar que apesar de a temática referente à fidelidade partidária ter sido introduzida no ordenamento jurídico a partir da Emenda Constitucional no 01 de 1969, designada como “disciplina partidária” pelo art. 152, foi extinta pela Emenda Constitucional no 25 de 1985. Havia, no texto original, previsão expressa de perda de mandato em virtude da inobservância da disciplina partidária. A Constituição da República de 1988 voltou a tratar do tema, em seu artigo 17, sem, contudo, prever sanções pela inobservância ao princípio da fidelidade partidária.

A CR/88, chamada de Constituição Cidadã, ao contrário de seu antecedente, visa proteger o indivíduo e define o Brasil como Estado Democrático de Direito, arrolando diversos direitos e garantias. Trata a questão de forma distinta, sob a rubrica de “fidelidade partidária”.

O art. 152 da EC no 1/69 delimitava a necessidade de regulamentação legal da organização, do funcionamento e da extinção dos partidos políticos, sem fazer qualquer referência à autonomia do Partido Político. Apontava a necessidade de o Partido Político ter seu programa aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral, e trazia como princípio a “disciplina partidária” e a proibição de coligações. Em seu parágrafo primeiro dispunha de forma expressa sobre a possibilidade de perda de mandato – por membros do Poder Legislativo unicamente – daquele que “por atitudes ou pelo voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito”. De certa forma, esse parágrafo traz o conceito de “disciplina partidária” para a EC no 1/69, além da possibilidade de perda de mandato daquele que violar o princípio.

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A CR/88, por outro lado, versa sobre a autonomia do partido, preconizando a liberdade de “criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana” e os preceitos arrolados. Permite a realização de coligações, e dispõe sobre “disciplina e fidelidade partidárias”, definindo, contudo, que os estatutos do partido devem estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (SILVA; SANTOS, 2013, p. 18-19).

Os partidos políticos são parte integrante do jogo democrático, o respeito e a correspondente fidelidade a eles representam o respeito a uma determinada ideologia, da qual se filia o eleitor. Ao votar, se estabelecem quais princípios e valores correspondentes foram escolhidos pelo eleitor, que, como tal, elege uma representação, não podendo posteriormente ser desvirtuada. É o que nos esclarece Reiner, ao afirmar que se deve “coadunar as vontades do parlamentar e do partido, dentro dos princípios gerais que norteiam o programa partidário que foi sufragado pelo eleitor” (REINER, 2001, p. 6).

A questão atualmente colocada é a de como conciliar as posições de foro íntimo do parlamentar que, muitas vezes, acabam sendo contrárias às próprias diretrizes do partido com o estatuto deste. E o mais grave ocorre quando essas diretrizes são contrárias às próprias posições históricas desse mesmo partido. Está se tornando bastante comum os partidos defenderem determinados princípios, quando estão na oposição, e mudarem de posição logo após se tornarem governistas, demonstrando claramente a necessidade de se inserir o tema relativo à fidelidade partidária numa discussão mais ampla acerca de uma reforma política1.

Se o Poder Legislativo brasileiro ainda debate o assunto, após longa discussão, o STF decidiu no Mandado de Segurança (MS) no 26.602/DF2 que a fidelidade partidária constitui verdadeiro princípio constitucional. Com essa decisão, de maneira bem clara, considerou que aquele parlamentar que mudar de partido, sem motivo justificado, perderá seu cargo eletivo, pois este não pertenceria ao congressista, e sim ao partido. No entanto, o STF permite a mudança de partido em casos excepcionais, justificados pelos seguintes motivos: 1) grave discriminação

1 A necessária reforma política, atualmente em ampla discussão no Congresso Nacional, entre outras medidas, defende a denominada cláusula de barreira, que reduziria o número de partidos políticos, evitando a existência dos denominados partidos de aluguel, criaria também um financiamento público das campanhas, evitando a prevalência do poderio econômico, e estabeleceria o voto no partido através da técnica da lista fechada e, por fim, consagraria a fidelidade partidária.

2 MS no 26.602, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 4.10.2007, DJe-197, 17 out. 2008.

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pessoal; 2) criação de um novo partido; 3) mudança substancial do programa partidário ou 4) incorporação ou fusão do partido.

Entretanto, Marcello (2006, p. 8) parece discordar que a fidelidade partidária deva ser considerada como valor político fundamental, eis que acredita que, em decorrência da relativa independência do legislador norte-americano, bem como do fato de desfrutarem de poder para tomar a iniciativa de leis – e, em regra, poderem tomar tal iniciativa no momento em que quiserem – é que o processo legislativo norte-americano deve ser considerado como um dos modelos mais promissores do mundo.

3.3 A iniciativa legislativa

Nos EUA, na maioria das casas legislativas, um legislador isolado tem acesso a todos os meios para tomar a iniciativa quanto às novas propostas de lei, inclusive qualquer um dos membros dos dois maiores partidos americanos – Democrata e Republicano – em que os afiliados são completamente autônomos quanto qualquer outro que não possui afiliação partidária (MARCELLO, 2006, p. 8).

Outra questão interessante é que, em alguns estados norte-americanos, um único projeto de lei pode ser utilizado no Senado e na Câmara dos Representantes (embora, em alguns outros estados, haja a exigência de se utilizar projetos de lei separados). Outrossim, em circunstâncias variadas, um mesmo projeto de lei pode ser proposto por diversos legisladores e, da mesma forma, pode ser recomendado por diferentes Comissões Legislativas (MARCELLO, 2006, p. 8-9).

No modelo legislativo brasileiro3, a iniciativa das leis, conforme nos esclarece Ferreira Filho (2002, p. 206), “não é propriamente uma fase do processo legislativo, mas sim o ato que o desencadeia”. De acordo com o art. 61, caput, da CRF/88, a iniciativa das leis é atribuição das seguintes pessoas ou órgãos: quaisquer membros ou Comissão da Câmara dos Deputados; Congresso Nacional; Presidente da República; STF; Procurador-Geral da República; e o povo. Partindo-se dessa disposição, verifica-se que, no modelo legislativo brasileiro, o poder de iniciativa pode ser classificado como concorrente, reservado ou popular.

3 O modelo legislativo brasileiro prevê que o processo legislativo envolve a elaboração de sete espécies normativas, conforme o art. 59 da CRF/88, quais sejam: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. E as técnicas de elaboração, a redação e a alteração das leis – e outras propostas legislativas – devem atender às determinações estipuladas no parágrafo único do art. 59 da CRF/88, da Lei Complementar no 95, de 26 de fevereiro de 1998, e da Lei Complementar no 107, de 26 de abril de 2001.

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A iniciativa concorrente se refere à possibilidade de a propositura da lei ser constitucionalmente atribuída a mais de uma pessoa ou órgão, desde que preenchidos todos os requisitos e condições previstas para a produção da espécie normativa proposta. Nesse sentido, a propositura de leis complementares e ordinárias é de iniciativa concorrente (art. 61, caput, da CRF/88), como também as propostas de emenda constitucional (art. 60, caput e incisos I, II e III, da CRF/88).

A iniciativa reservada, também denominada privativa ou exclusiva, é aquela cuja apresentação de determinada proposta legislativa versa sobre matéria de competência exclusiva de algum dos órgãos ou pessoas (membros) dos Poderes do Estado – a iniciativa é reservada e exclusiva em razão de sua indelegabilidade4. A iniciativa reservada está prevista, por exemplo, no art. 61, § 1o, da CRF/88, que estabelece as iniciativas privativas do Presidente da República.

De outro modo, a iniciativa popular, como expressão do fenômeno da democracia direta (art. 14, incisos III, da CRF/88), é aquela que pertence aos cidadãos, podendo ser exercida desde que preenchidas as condições previstas no art. 61, § 2o, da CRF/88. Vale esclarecer, ainda, que no processo legislativo brasileiro a iniciativa geral é a regra, sendo a iniciativa reservada a exceção.

O poder de iniciativa popular, no modelo legislativo brasileiro, está previsto no art. 61, § 2o, da CRF/88, sendo que o projeto de lei deve ser apresentado à Câmara dos Deputados, e, para que seja formalizado, deve ser subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento de eleitores de cada um deles.

O poder de iniciativa dos parlamentares (deputados ou senadores, de forma individual ou coletiva) é exercido perante sua casa mediante o depósito do projeto de lei junto à Mesa diretora da Casa a que pertencem. De outro modo, conforme previsto no art. 64 da CRF/88, o Presidente da República deve exercer seu poder de iniciativa perante a Câmara dos Deputados, o mesmo ocorrendo em relação ao STF e aos Tribunais Superiores.

Interessante é que, no Brasil, pelo fato de o poder de iniciativa ser exercido por diversos entes, inclusive pelo Executivo e pelo Judiciário, deparamo-nos, atualmente, com uma verdadeira enxurrada de projetos de lei e outras propostas legislativas, sem contar as inúmeras medidas provisórias editadas todos os anos. Assim, em comparação

4 O poder de iniciativa reservada ao Presidente da República está disposto no art. 61, § 1o, da CRF/88, o reservado ao STF e aos Tribunais Superiores, no art. 96, II, da CRF/88, e ao Ministério Público, a reserva está prevista no art. 127, § 2o, da CRF/88.

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com o processo legislativo norte-americano – e apesar das similaridades entre ambos –, no processo legislativo brasileiro um maior número de propostas legislativas são submetidas ao Legislativo brasileiro, e isso tem impossibilitado – e muito – tanto o andamento das atividades legislativas quanto a atuação dos profissionais do direito, que se deparam, diariamente, com incontáveis novas leis e resoluções normativas, o que inviabiliza, inclusive, a administração da justiça.

3.4 Comissões legislativas

No processo legislativo norte-americano, as Comissões Legislativas, muitas vezes, desempenham a função de limitar o número de projetos de leis que são submetidos à análise dos membros do Poder Legislativo, uma vez que estudam e examinam as proposições legislativas emitindo pareceres (favoráveis ou não aos projetos apresentados) que exercem enorme influência nas deliberações e votações das sessões legislativas. Do mesmo modo, as Comissões Legislativas têm a capacidade de emitir relatório aprovando, emendando, substituindo/alterando ou recusando os projetos de leis. Alguns projetos podem, inclusive, sequer ser apreciados pelas Comissões Legislativas (MARCELLO, 2006, p. 9).

Além disso, nos EUA, as emendas aos projetos de leis podem ser oferecidas pelos legisladores no decorrer do trâmite do processo legislativo – seja dentro das próprias Comissões Legislativas, ou na Câmara dos Deputados, ou na casa de origem da proposta legislativa, ou ainda, alternativamente, perante as Assembleias das Comissões Legislativas –, no qual é realizado um minucioso exame público nos referidos projetos.

Os legisladores norte-americanos, após examinarem as emendas aos projetos de leis, podem aprovar ou desaprovar as propostas de emenda, independentemente do partido no qual encontram-se filiados. Além disso, no sistema estadunidense, os projetos de leis podem ser substancialmente alterados, ou mesmo desviados de sua proposta inicial, dependendo da forma como os debates legislativos estiverem sendo conduzidos, ou se as circunstâncias os guiarem para tais mudanças (MARCELLO, 2006, p. 10).

De outro modo, no Brasil, conforme estabelece o art. 58 da CRF/88, as comissões parlamentares são órgãos técnicos formados por membros do Poder Legislativo presentes em cada uma das Casas Legislativas ou no Congresso Nacional, cuja principal finalidade é estudar e examinar proposições legislativas e apresentar pareceres (SILVA, 1992, p. 449). As principais atribuições das comissões parlamentares são examinar e

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aprovar os procedimentos e etapas do processo legislativo e fiscalizar a atuação do Governo e da Administração Pública. No que se refere ao exercício de suas atividades, elas podem ser classificadas em permanentes (quando funcionam durante toda a legislatura) ou temporárias (criadas para estudar e apreciar uma matéria ou ainda para funcionar durante o recesso parlamentar).

Conforme disposto na CRF/88 e nos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, as comissões parlamentares são divididas em: comissão temática (art. 58, § 2o, da CRF/88), comissão especial ou temporária (art. 74 do Regimento Interno do Senado Federal); comissão mista (art. 166, § 1o, da CRF/88); comissão parlamentar de inquérito (conhecida como CPI, prevista no art. 58, § 3o, da CRF/88, e também nos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal); e a comissão representativa (art. 58, § 4o, da CRF/88).

As comissões temáticas são estabelecidas em razão da matéria que é objeto de análise e apreciação permanente de determinado órgão técnico (exemplos são a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e a Comissão de Defesa do Consumidor). De acordo com o art. 58, § 2o, da CRF/88, são atribuições das comissões temáticas, dentre outras: a discussão e votação de projetos de lei que dispensarem, na forma do Regimento Interno, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa.

De outro modo, as comissões especiais são constituídas em caráter temporário e com o objetivo de apreciar uma matéria específica, extinguindo-se com o término da legislatura ou após o cumprimento da finalidade para a qual foi criada. O art. 74 do Regimento Interno do Senado Federal divide as comissões especiais em: internas (são criadas para uma finalidade legislativa específica) e externas (formadas para representar o Senado Federal em eventos e atos públicos variados).

As comissões mistas são aquelas formadas por membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal no intuito de apreciar, em especial, questões que devam ser examinadas em sessão conjunta do Congresso Nacional. Um exemplo de comissão mista é a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), que possui caráter permanente, cujas atribuições estão previstas no art. 166, §§ 1o e 2o, da CRF/88.

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs), conforme disposto no art. 58, § 3o, da CRF/88, são criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal (em conjunto ou separadamente). Elas possuem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, sendo que a sua finalidade é a apuração de fato determinado e

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por prazo certo. As CPIs não podem praticar atos especificamente jurisdicionais, uma vez que tais atos são exclusivos do Poder Judiciário e suas conclusões e pareceres podem ser encaminhados ao Ministério Público, para que, se for o caso, promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

As comissões parlamentares, no modelo legislativo brasileiro, de uma forma geral, apresentam características muito similares às do modelo norte-americano. Contudo, em razão do fato de, no Brasil, a iniciativa de lei (e outras propostas legislativas) também poder ser exercida pelo Executivo, nem sempre cabe às comissões legislativas a função de limitar o número de projetos de lei que são submetidos à análise dos membros do Poder Legislativo.

De qualquer forma, assim como nos EUA, as comissões legislativas brasileiras também têm a capacidade de emitir relatório aprovando, substituindo/alterando ou recusando os projetos de leis. A diferença está no que diz respeito à possibilidade de se propor emendas legislativas, pois, no modelo legislativo brasileiro, nem todo titular de iniciativa tem o poder para propor emendas. Assim, no Brasil, de acordo com o art. 61 da CRF/88, o poder de iniciativa pertence tanto aos parlamentares (deputados ou senadores, seja de forma individual ou coletiva), como também aos membros do Poder Executivo, ao Procurador-Geral da República, ao STF, aos Tribunais Superiores e ao povo (por iniciativa popular – art. 61, § 2o, da CRF/88) (FERREIRA FILHO, 2002, p. 208-209). De outro modo, o poder de emendar é prerrogativa exclusiva dos parlamentares (Poder Legislativo), na intenção de se evitar que a modificação proposta venha a alterar substancialmente o projeto, originando uma nova proposta legislativa, diversa da original (SILVA, 1964, p. 161-162).

A possibilidade de todo e qualquer projeto de lei poder ser emendado é questão bastante polêmica. Contudo, as dúvidas acerca desse assunto foram solucionadas pelo art. 63 da CRF/88, o qual determina que a proposta de emenda a projeto de lei é proibida apenas em relação aos projetos de iniciativa reservada do Presidente da República (exceto no que se refere à matéria orçamentária) e nos que se relacionam à organização dos serviços e atividades administrativas da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público (FERREIRA FILHO, 2002, p. 210).

No processo legislativo brasileiro, em razão da fidelidade partidária e da possibilidade de formação de blocos parlamentares, em geral, a independência e flexibilidade legislativa dos parlamentares não é absoluta e ilimitada, como no modelo norte-americano.

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Portanto, deve-se concordar com Marcello (2006, p. 10) quando ele afirma que a flexibilidade do legislador norte-americano constitui uma característica relevante do sistema norte-americano, em razão da possibilidade deste participar, simultaneamente, de diferentes coligações político-partidárias.

3.5 O lobby

O termo lobby, vocábulo da língua inglesa, assume a acepção de pessoas ou grupos sociais de pressão que postulam (explícita ou veladamente) os seus interesses perante os diversos membros dos poderes públicos – em especial, perante membros dos poderes Legislativo e Executivo.

Nos EUA, o termo lobby remete, historicamente, à prática de alguns indivíduos ou grupos sociais que se instalavam às portas e entradas dos hotéis em que alguns candidatos e representantes dos poderes Legislativo e Executivo se hospedavam durante o período eleitoral. Os lobistas, por meio dessa prática, exerciam pressão sobre grupos políticos, na tentativa de defender seus interesses e discutir reformas ou propostas legislativas que lhes beneficiassem de alguma maneira. Nesse sentido, o termo lobby pode ser compreendido como a atividade de um grupo social ou de uma organização que tem como objetivo influenciar e pressionar (de forma explícita ou velada) decisões do poder público, em especial na esfera do Poder Legislativo, em benefício de determinados interesses privados (CASTRO; FALCÃO, 2004, p. 122). De acordo com Gozetto, a prática do lobby pode ser descrita de seguinte forma:

Os grupos de interesse agiam nos bastidores, através de ligações espúrias com parlamentares e agentes do governo, no interesse de grandes empresas e outros núcleos poderosos de interesses que recorriam a todo tipo de método ou recurso, inclusive suborno. (GOzETTO, 2012, p. 10).

Portanto, os grupos de pressão – ou lobbies – devem ser compreendidos como forças sociais mobilizadas e organizadas com o objetivo de influir no poder estatal, de maneira a condicioná-lo, desviando as suas decisões em proveito dos interesses defendidos por um conjunto de sujeitos (BIDART CAMPOS, 1961, p. 81).

A figura do lobista é facilmente encontrada no cenário político norte -americano, pois, nos EUA, a sua atuação é livre, permitida e regulamentada – até mesmo porque a fidelidade partidária não é uma exigência no sistema norte-americano. Ressaltando que os lobbies assumem um papel muito significativo no processo legislativo americano.

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Nos EUA, o lobby foi regulamentado pela primeira vez em 1946, pelo Congresso Nacional, e, desde então, várias leis têm sido editadas regulamentando e restringindo a atuação dos lobbies5. Esclarecendo que a regulamentação dos lobbies – e, ainda em alguns casos, a elaboração de Códigos de Ética para os lobbystas, como, por exemplo, o Lobbyist Registration Act, o Code of Ethics e o Campaign Finance Act – tem como objetivo salvaguardar o processo legislativo de influências que visem apenas à proteção de interesses de particulares, além de tentar coibir a prática de corrupção dentro do Poder Legislativo (MARCELLO, 2006, p. 11).

No Brasil, embora existam grupos de pressão exercendo sua influência junto aos poderes estatais a todo instante, não há muita regulamentação a respeito. E, justamente por isso, ou seja, por não haver quase nenhuma regulamentação em relação às atividades desses grupos, é que o conceito de lobby vem, quase sempre, associado à ideia de corrupção, intimidação e ilegalidade de conduta.

Entretanto, a Legística tem entendido que, no decorrer do processo de produção legislativa, o lobby pode (e, por vezes, deve) ser entendido como expressão das forças e de interesses dos diversos grupos que compõem a sociedade civil.

Assim, em razão da falta de regulamentação das atividades dos grupos de pressão, é que a sua atuação é confundida no Brasil com práticas antidemocráticas e corruptas. Nesse sentido, Galante nos esclarece que:

O problema do lobby não se encontra na persuasão implementada por grupos, e, sim, em razão da ausência de regulamentação. Os mecanismos utilizados identificam que há grupos que agem na escuridão, firmando arranjos corporativos que implicam numa troca de benefícios e comprometimento de toda uma estrutura estatal. (GALANTE, 2003-2004, p. 470).

De acordo com Mancuso e Gozetto (2011, p. 121), o lobby não deve ser necessariamente associado a uma prática imoral ou que, obrigatoriamente, representa um mal social. Para os autores, a atividade dos lobistas pode ser lícita ou ilícita. A atividade será lícita se for feita com base nos parâmetros das normas constitucionais, representando uma forma de exercício da liberdade de expressão, manifestação de pensamento e reunião, constituindo-se como instrumento de participação social na tomada de decisões dos poderes públicos. De outro modo,

5 As leis norte-americanas têm requerido e exigido que os lobbies se registrem e, ainda, que divulguem o nome de seus clientes, restringindo seu direito de fazer doações durante as campanhas eleitorais e, muitas vezes, proibindo severamente que façam contribuições durante as sessões legislativas. Acrescenta-se a isso a imposição de que os lobbies emitam relatórios revelando os seus gastos com jantares e diversão proporcionadas aos legisladores (MARCELLO, 2006, p. 10).

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será ilícito o lobby que busca, exclusivamente, obter vantagens indevidas e cuja atividade esteja flagrantemente associada à defesa de interesses ilícitos e/ou que prejudique os interesses da coletividade (MANCUSO; GOzETTO, 2011, p. 121-123). Nesse entendimento, os mesmos autores esclarecem que:

Quando feito de forma ilícita, o lobby acarreta uma série de problemas relevantes. Cada um a seu modo, tanto a mídia, quanto a sociedade civil organizada e órgãos públicos, tais como o Ministério Público, o Poder Judiciário, a Polícia Federal, as Corregedorias e os Tribunais de Contas, dentre outros – têm um papel importante para coibir o lobby ilícito, garantir a punição dos culpados e assim salvaguardar o interesse público. (...)

Entendemos que o lobby não é lícito ou ilícito por natureza ou definição e que uma visão maniqueísta da atividade atrapalha o aprofundamento da análise sobre sua prática no Brasil. Em outras palavras, entendemos que, assim como seria inadequado ignorar a relação existente entre lobby e práticas ilegais, associá-lo exclusivamente à defesa ilícita de interesses significaria desprezar as contribuições positivas que pode proporcionar. Direitos expressos no artigo 5o de nossa Constituição Federal asseguram ao lobby lícito compatibilidade com o ordenamento jurídico de um estado democrático de direito, alicerçado no pluralismo político. Entre eles podemos citar os direitos: (i) à liberdade de manifestação de pensamento (inciso IV); (ii) à expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (inciso IX); (iii) à liberdade de reunião (inciso XVI); à liberdade de associação para fins lícitos (inciso XVII); (iv) ao acesso à informação pública de interesse particular, coletivo ou geral (inciso XXXIII); e (v) de petição aos poderes públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (inciso XXXIV, alínea a). Dessa forma, é possível afirmar que o lobby lícito integra o conjunto de instrumentos à disposição dos segmentos sociais para a promoção de seus interesses. Além dele, a constituição proporciona à sociedade outros meios de participação nas decisões políticas, tais como: (i) as eleições regulares para o preenchimento de cargos públicos dos poderes legislativo e executivo; (ii) o voto em plebiscitos e referendos; e (iii) a iniciativa popular de proposições legislativas. Deve ser ressaltada, ainda, a possibilidade de participação dos interesses organizados em outros mecanismos institucionais, tais como audiências públicas, consultas públicas, conselhos gestores, dentre outros.

O lobby lícito pode constituir-se em instrumento democrático de representação de interesses, ao trazer contribuições positivas para os tomadores de decisão, a opinião pública, os interesses representados e o sistema político como um todo. (MANCUSO; GOzETTO, 2011, p. 121-122).

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Assim, pois, a concepção brasileira tradicional acerca do lobby deveria ser abandonada e o fenômeno deveria ser compreendido como expressão de práticas democráticas e como forma de possibilitar uma maior participação da sociedade civil no processo de produção legislativa.

3.6 Participação pública no processo legislativo

Segundo Marcello (2006, p. 11-12), o processo legislativo norte-americano proporciona diversos momentos e espaços para a participação pública, dando ao cidadão norte-americano um amplo acesso ao processo de elaboração das leis e outras propostas legislativas.

Nos EUA, a publicidade é feita por meio de anúncios comunicando as reuniões das diversas Comissões Legislativas, bem como é feita uma ampla divulgação da agenda de atividades destas – publicidade essa feita por meio da impressa falada e escrita, como também em veículos de divulgação on-line. Ademais, qualquer cidadão pode comparecer e assistir às reuniões das Comissões Legislativas e também podem consultar documentos, registros e atas de reuniões das Comissões – sempre divulgados em sites, jornais, revistas etc. Portanto, as atividades e os debates ocorridos nas reuniões das Comissões Legislativas estão sempre ao alcance dos olhos e da apreciação do público (MARCELLO, 2006, p. 12).

Importante destacar que, conforme ilustra Marcello, existem, inclusive nos EUA, agências reguladoras das atividades das Comissões Legislativas – responsáveis por regulamentar e fiscalizar suas atividades – dando ampla publicidade aos trabalhos desenvolvidos por elas. Essas agências reguladoras possuem ouvidorias para atender aos anseios e às dúvidas dos cidadãos, além de realizar avaliações de impacto legislativo, dando ampla publicidade dos resultados por elas obtidos (MARCELLO, 2006, p. 11-12).

No Brasil, infelizmente, ainda não há agências reguladoras com competência específica para regulamentar, fiscalizar e controlar as atividades das Comissões Legislativas. As atividades das Comissões Legislativas, bem como as atividades e atuações dos parlamentares são divulgadas por meio de publicidade escrita, oral e virtual, assim como acontece nos EUA. De outro modo, as atividades, as discussões e os debates legislativos podem ser acompanhados por meio dos diversos veículos de comunicação, a exemplo do canal de televisão “TV Senado” ou, ainda, pela transmissão nacional via rádio, por meio do programa diário intitulado de “A voz do Brasil”. Além disso, é permitido o acesso às informações acerca da tramitação de

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propostas legislativas e/ou das reuniões e sessões das casas legislativas a todo e qualquer cidadão, seja por meio dos chamados diários oficiais, seja pela possibilidade de assistir às sessões legislativas, a exceção das sessões secretas em que se discutem assuntos referentes à segurança nacional.

Outrossim, vale destacar dois institutos de participação popular legislativa: o plebiscito e o referendo, que constituem, a princípio, institutos da democracia semidireta. Ressaltando que, de acordo com o art. 49, inciso XV, da CRF/88, a competência para convocar tanto o plebiscito quanto o referendo é exclusiva do Congresso Nacional.

No Brasil, o plebiscito (possibilidade de o eleitorado decidir acerca de determinada questão de importância social) é previsto na Constituição federal em diversos dispositivos, em especial, no art. 14, inciso I, em que o instituto é considerado como modalidade de exercício da soberania popular, sendo regulamentado pela Lei Federal no 9.709, de 18 de novembro de 1998. Já o referendo, no modelo legislativo brasileiro, remete à ideia de “participação do povo, mediante voto, mas com o fim específico de confirmar, ou não, um ato governamental ou político” (GALANTE, 2003-2004, p. 444) e está previsto no art. 14, inciso II, da CRF/88.

Ademais, tem-se a audiência pública (art. 58, § 2o, inciso II, da CRF/88) como outra forma de participação pública no processo legislativo brasileiro, constituindo uma alternativa de diálogo entre poder público e sociedade civil, esclarecendo que sua realização se dá na fase constitutiva da produção legislativa.

A audiência pública, que não deve ser confundida com a sessão legislativa, deve ser vista como um espaço público que possibilita o debate entre Estado e sociedade civil e que tem como finalidade a discussão ampla, aberta e transparente das proposições normativas que tramitam no Poder Legislativo (BENEVIDES, 1998, p. 140-144), podendo, inclusive, influenciar as futuras decisões a serem tomadas pelos legisladores (GALANTE, 2003-2004, p. 468).

Ainda, merece destaque a Comissão de Participação Legislativa – comissão legislativa de caráter permanente instalada na Câmara dos Deputados, por meio da Resolução no 21, de 5 de maio de 2001. A Comissão de Participação Legislativa tem como principal finalidade possibilitar que o cidadão exercite sua cidadania política através da apresentação de sugestões de propostas legislativas de entidades da sociedade civil organizadas e vinculadas à comissão.

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4 Conclusão

Conclui-se, pois, que sob o aspecto teórico, o modelo legislativo brasileiro é muito similar ao norte-americano, tanto no que diz respeito ao processo legislativo quanto no que se refere à organização dos poderes – em especial, os poderes Executivo e Legislativo.

Entretanto, do ponto de vista prático, esses modelos legislativos se diferem sob diversos aspectos, principalmente em termos de organização político-partidária, regulamentação das atividades dos grupos de pressão e acerca da participação pública no processo legislativo. Sem contar, ainda, com o fato de que, no modelo brasileiro, o Poder Executivo participa ativamente de boa parte do processo legislativo, sobretudo, pelo fato de que aqui há o instituto da medida provisória, que nos últimos anos vem sendo frequentemente utilizado pelos Presidentes da República de forma indiscriminada e totalmente ilegítima.

Em relação à organização político-partidária brasileira, entendemos que a fidelidade partidária é considerada princípio político supremo em razão da instabilidade ideológica de nossos parlamentares que, comumente, defendem determinados princípios quando estão na oposição e mudam de posição logo após se aliarem às bases governistas, demonstrando claramente a necessidade de se inserir o tema relativo à fidelidade partidária em uma discussão mais ampla acerca de uma futura reforma política.

No que se refere à regulamentação da atuação dos grupos de pressão (lobistas) perante os membros dos Poderes Legislativo e Executivo – que têm sua atividade regulamentada no modelo norte-americano –, percebe-se que, se houvesse a devida regulamentação por parte da legislação brasileira, a pressão econômica e/ou social por eles exercidas poderia ser vista de forma positiva, além de possibilitar um melhor acesso do Poder Legislativo aos anseios dos diversos grupos e segmentos sociais.

Por fim, no que diz respeito à participação pública no processo legislativo brasileiro – e comparando-a ao modelo norte-americano – tem-se convicção de que o problema da falta de exercício da cidadania política não se deve à inexistência de mecanismos de acesso às atividades do Poder Legislativo, e sim à ausência de interesse do próprio cidadão brasileiro, que está sempre alheio aos assuntos relacionados ao direito e ao processo de elaboração e aplicação das leis – certamente por questões de ordem cultural e educacionais.

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5 Referências

BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa. São Paulo: Ática, 1998.

BIDART CAMPOS, Gérman. Grupos de presión y factores de poder. Buenos Aires: Peña Lillo, 1961.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 31 mar. 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN 3.367-1/Distrito Federal. Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ: 17 mar. 2006, DREP: 22 set. 2006. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=363371. Acesso em: 2 abr. 2020.

CASTRO, Celso Antonio Pinheiro de; FALCÃO, Leonor Peçanha. Ciência Política: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2004.

FIÙzA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Que Federação é esta? In: FIÙzA, Ricardo Arnaldo Malheiros; COSTA, Mônica Aragão Martiniano Ferreira e. Aulas de teoria do estado. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 5. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

GALANTE, Elisa Helena Lesqueves. Participação popular no processo legislativo. In: Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano IV, n. 4 e ano V, n. 5, 2003-2004.

MANCUSO, Wagner Pralon; GOzETTO, Ana Cristina Oliveira. Lobby: instrumento democrático de representação de interesses? In: Organicom, São Paulo, v. 8, n. 14, 2011, p. 119-128. Disponível em http://www.revistaorganicom.org.br/sistema/index.php/organicom/article/viewFile/344/384. Acesso em: 30 mar. 2020.

GOZETTO, Andréa Cristina Oliveira. Instituições de Controle em perspectiva comparada: a regulamentação do lobby nos EUA e Brasil. In: 36o Encontro anual da ANPOCS (Anais), Águas de Lindóia/SP, out. 2012. Disponível em: http://portal.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=7971&ltemid=217. Acesso em: 29 mar. 2020.

MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade Partidária: um panorama institucional. Brasília/DF: Senado Federal, 2004. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/101. Acesso em: 5 set. 2020.

MARCELLO, A. David. Legislative in the United States an Europe: How jurisdictions differ in training drafters and enacting laws. In: Tulane Public Law Research Paper, n. 06-14, jun. de 2006. Disponível em: https://poseidon01.ssrn.com/delivery.php? ID=0740711120000830110190970081180870250560180640540340630290050831

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Análise comparativa entre os mecanismos e os processos legislativos norte-americano e brasileiro

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23094071075117085077 004031019026053056124092114084112124028123118039014012004001007108084090114120053043031008005118100025077106088024000067007122080022022098073080085064025105126097126&EXT=pdf. Acesso em: 3 set. 2020.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1984.

REINER, Lúcio. Fidelidade partidária. In: Consultoria Jurídica: Câmara dos Deputados, Brasília/DF, junho de 2001. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-consultoria-legislativa/arquivos-pdf/pdf/107706.pdf. Acesso em: 5 set. 2020.

SAMPAIO, José Adércio Leite. O Conselho Nacional de Justiça e a independência do Judiciário. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

SILVA, José Afonso da. Princípios do processo de formação das leis no direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1992.

SILVA, Adriana Campos; SANTOS, Polianna Pereira dos. O princípio da fidelidade partidária e a possibilidade de perda de mandato por sua violação: uma análise segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Belo Horizonte, ano 11, n. 14, jul./dez. 2013, p. 13-34.

SOARES, Fabiana de Menezes. Legística e desenvolvimento: a qualidade da lei no quadro da otimização de uma melhor legislação. In: Cadernos da Escola Legislativa, Belo Horizonte, v. 9, n. 14, jan./dez. 2007, p. 7-34.

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Normas de submissão de trabalhos

à Revista Jurídica da Presidência*

Condições para recebimento dos artigos

Ineditismo: a Revista Jurídica da Presidência publica apenas artigos inéditos, que não tenham sido divulgados em outros meios (blogs, sites ou outras publicações).

Envio de artigos: somente serão aceitos artigos encaminhados à Coordenação de Editoração da Revista Jurídica da Presidência por meio do sítio eletrônico: https://revistajuridica.presidencia.gov.br.

Número de Palavras: mínimo de 7.000 (sete mil) e máximo de 10.000 (dez mil) no artigo completo, incluindo notas de rodapé e Referências.

Idiomas: os autores podem encaminhar artigos redigidos em Português, Inglês, Francês e Espanhol.

Tipo de arquivo: são admitidos arquivos com extensões .DOC, .DOCX, .RTF e .ODT, observadas as normas de publicação e os parâmetros de editoração adiante estabelecidos.

Requisitos para o(s) autor(es): a Revista Jurídica da Presidência só admite artigos de autores e coautores com, no mínimo, o mestrado em andamento.

Fomento: o autor deve informar à Revista qualquer financiamento, bolsa de pesquisa ou benefícios recebidos, de fonte comercial ou não, declarando não haver conflito de interesses que comprometa o trabalho apresentado.

Composição e formatação dos artigos

Os artigos devem ser digitados com fonte tipo Arial ou Times New Roman, tamanho 12, espaçamento entre linhas 1,5 e texto justificado. A configuração da página deve ser feita no padrão A4 (210 mm x 297 mm), com margens superior e esquerda de 3 cm e inferior e direita de 2 cm.

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As seções iniciais e finais do artigo devem ser denominadas Introdução  e Conclusão, respectivamente.

Os textos submetidos deverão conter os seguintes itens:

1 Título

Deve conter, no máximo, 15 (quinze) palavras, incluído o subtítulo (quando houver), realçado em negrito. Título e subtítulo do artigo devem ter apenas a primeira letra de cada frase em maiúscula, salvo nos casos em que o uso desta seja obrigatório. Exemplo:

A suposta permissão do Código Civil para emissão eletrônica dos títulos de crédito

2 Sumário

Deve ser posicionado logo abaixo do título e reproduzir somente número e nome das seções principais que compõem o artigo.

3 Resumo

Deve ser um texto conciso (até 150 palavras), redigido em parágrafo único, que ressalte o objetivo e o assunto principal do artigo. A enumeração de tópicos não deve ser usada nesse item. Deve-se, ainda, evitar o uso de símbolos e contrações que não tenham uso corrente e de fórmulas, equações e diagramas.

4 Palavras-chave

Indicar até 5 (cinco) termos que classifiquem o trabalho com precisão adequada para sua indexação, separados por travessão.

5 Referências

A indicação das referências deve obedecer ao disposto na NBR 6023 – Informação e Documentação – Referências – Elaboração/Nov. 2018 da ABNT. Esse item deve conter todos os dados necessários à identificação das obras, dispostas em ordem alfabética. A distinção de trabalhos diferentes de mesma autoria será feita levando-se em consideração a ordem cronológica, conforme o ano de publicação. Os trabalhos de igual autoria e publicados no mesmo ano serão diferenciados acrescentando uma letra ao final do ano (Ex. 2016a, 2016b).

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Citações e destaques no texto

As citações realizadas ao longo do texto devem obedecer ao disposto na NBR 10520 – Informação e Documentação – Citações em documentos – Apresentação/ Ago. 2002 da ABNT e adotar o sistema autor-data, segundo o qual se emprega o sobrenome do autor ou o nome da entidade, a data e a(s) página(s) da publicação da qual se retirou o trecho transcrito.

1 Citação indireta ou direta sem o nome do autor expresso no texto: deve apresentar, entre parênteses, a referência autor-data completa. Exemplo:

A criança passa a ocupar as atenções da família, tornando-se dolorosa a sua perda e, em razão da necessidade de cuidar bem da prole, inviável a grande quantidade de filhos (ARIÈS, 1973, p. 7-8).

Mas esse prestígio contemporâneo do Poder Judiciário decorre menos de uma escolha deliberada do que de uma reação “de defesa em face de um quádruplo desabamento: político, simbólico, psíquico e normativo” (GARAPON, 2001, p. 26).

2 Citação indireta ou direta com o nome do autor expresso no texto: deve apresentar, entre parênteses, o ano e a(s) página(s) da publicação. Exemplo:

Duarte e Pozzolo (2006, p. 25) pontuam que a ideologia constitucionalista adota o modelo axiológico de Constituição como norma, estabelecendo uma defesa radical de interpretação constitucional diferenciada da interpretação da lei.

A Licença Compulsória, segundo Roberta Marques (2013, p. 321), pode ser definida como “a permissão de industrialização e comercialização de um produto patenteado, sem o consentimento do titular do monopólio”.

Citações com até 3 (três) linhas devem permanecer no corpo do texto, sem recuo ou realce, destacadas por aspas. As citações com mais de 3 (três) linhas devem ser separadas do texto com recuo de parágrafo de 4 (quatro) cm, 11 pontos, espaçamento entre linhas simples e texto justificado, sem o uso de aspas.

Destaques: os destaques existentes na obra original devem ser reproduzidos de forma idêntica na citação. Caso não haja destaques no original, mas o autor do artigo deseje ressaltar alguma informação, é possível utilizar-se desse recurso atentando-se às normas especificadas abaixo.

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1      Destaques no original: após a transcrição da citação, empregar a expressão “grifo(s) no original” entre parênteses.

2      Destaques do autor do artigo: após a transcrição da citação, empregar a expressão “grifo(s) nosso(s)” entre parênteses.

Outros destaques em trechos do texto devem ocorrer apenas  no estilo de

fonte itálico e somente nos seguintes casos: 1) expressões em língua estrangeira; e 2) realce de expressões.

Tradução de citação em língua estrangeira: as citações em língua estrangeira devem ser sempre traduzidas para o idioma predominante do artigo nas notas de rodapé, acompanhadas do termo “tradução nossa” entre parênteses.

Notas de rodapé: devem conter apenas informações complementares e que não podem ser inseridas no texto. Não devem ser muito extensas nem devem conter citações e devem ser formatadas na mesma fonte do artigo, tamanho 10 pontos, espaçamento entre linhas simples e alinhamento justificado.

Elementos com traduções obrigatórias para outros idiomas

Os elementos Título, Sumário, Resumo e Palavras-chave devem ser obrigatoriamente traduzidos para outros idiomas. Os artigos enviados em Língua Portuguesa devem ter esses itens traduzidos para o Inglês e para mais um idioma, a escolher entre Espanhol e Francês.

Os artigos enviados em Língua Estrangeira devem ter os itens traduzidos para o Português e o Inglês ou, caso esta seja a língua predominante do artigo, para o Francês ou para o Espanhol.

Referências

Todos os documentos mencionados no texto devem constar nas referências, de acordo com o disposto na NBR 6023 da ABNT. Para auxiliar os autores na composição das referências, estão reproduzidos exemplos abaixo:

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1 Livros (manual, guia, catálogo, enciclopédia, dicionário, trabalhos acadêmicos):

Impressos. Exemplos:

BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade social: práticas sociais e regulação jurídica. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

Eletrônicos. Exemplos:

BAVARESCO, Agemir; BARBOSA, Evandro; ETCHEVERRY, Katia Martin (org.). Projetos de filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011. E-book (213 p.). (Coleção Filosofa). ISBN 978-85-397-0073-8. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/projetosdeflosofa.pdf. Acesso em: 21 ago. 2011.

GODINHO, Thais. Vida organizada: como definir prioridades e transformar seus sonhos em objetivos. São Paulo: Gente, 2014. E-book.

2 Coletâneas.

Exemplos:

TOVIL, Joel. A lei dos crimes hediondos reformulada: Aspectos processuais penais. In: LIMA, Marcellus Polastri; SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna (coord.). A renovação processual penal após a constituição de 1988: estudos em homenagem ao professor José Barcelos de Souza. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

AVRITzER, Leonardo. Reforma Política e Participação no Brasil. In: AVRITzER, Leonardo; ANASTASIA, Fátima (org.). Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

3 Periódicos:

Impressos. Exemplo:

MENDES, Gilmar Ferreira. O Mandado de Injunção e a necessidade de sua regulação legislativa. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 13, n. 100, jul./set. 2011, p. 165-192.

PAIVA, Anabela. Trincheira musical: músico dá lições de cidadania em forma de samba para crianças e adolescentes. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. 12 de janeiro de 2002, p. 2.

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Eletrônicos. Exemplo:

COELHO, Fábio Ulhoa. O Projeto de Código Comercial e a proteção jurídica do investimento privado. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 17, n. 112, jun./set. 2015, p. 237-255. Disponível em: https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/1113/1099. Acesso em 16 mar. 2016.

4 Atos normativos.

Exemplos:

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 1 jan. 2017.

BRASIL. Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa, e dá outras providências. In: VADE MECUM. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. 1 CD-ROM, p. 1-90.

5 Projetos de lei.

Exemplos:

BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei no 6.793/2006, versão final. Dá nova redação ao art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=382965&filename=PL+6793/2006. Acesso em: 16 mar. 2016.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei da Câmara dos Deputados no 41/2010. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/96674. Acesso em: 16 mar. 2016.

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6 Jurisprudência:

Impressa. Exemplos:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula no 333. Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública. Diário da Justiça: seção 1, Brasília, DF, ano 82, n. 32, p. 246, 14 fev. 2007.

Eletrônica. Exemplos:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula no 333. Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [2007]. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?&b=TEMA&p=true&t =&l=10&i=340#TIT333TEMA0. Acesso em: 19 ago. 2011.

7 Notícias eletrônicas.

Exemplos:

COSTA, Rodolfo. Ministério da Justiça fortalece consumidor.gov para diminuir conflitos de consumo. Correio Braziliense, 12 mar. 2016. Disponível em: http://blogs.correiobraziliense.com.br/consumidor/ministerio-da-justica-fortalece-consumidor-gov-para-diminuir-conflitos-de-consumo/. Acesso em 16 mar. 2016.

PORTAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Ministro aplica nova lei da infância e garante prisão domiciliar a mãe de filho pequeno. Brasília, 11 mar. 2016. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Ministro-aplica-nova-lei-da-inf%C3%A2ncia-e-garante-pris%C3%A3o-domicil iar-a-m%C3%A3e-de-filho-pequeno. Acesso em: 16 mar. 2016.

Avaliação

Os artigos recebidos pela Revista Jurídica da Presidência são submetidos ao crivo da Coordenação de Editoração, que avalia a adequação à linha editorial da Revista e às exigências de submissão. Os artigos que não cumprirem essas regras serão devolvidos aos seus autores, que poderão reenviá-los, desde que efetuadas as modificações necessárias.

Aprovados nessa primeira etapa, os artigos são encaminhados para análise dos pareceristas do Corpo de Consultores ad hoc, formado por professores doutores das

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respectivas áreas temáticas. A decisão final quanto à publicação é da Coordenação de Editoração e do Conselho Editorial da Revista Jurídica da Presidência.

Direitos autorais

Ao submeterem artigos à Revista Jurídica da Presidência, os autores declaram ser titulares dos direitos autorais, respondendo exclusivamente por quaisquer reclamações relacionadas a tais direitos, bem como autorizam a Revista, sem ônus, a publicar os referidos textos em qualquer meio, sem limitações quanto ao prazo, ao território ou qualquer outra, incluindo as plataformas de indexação de periódicos científicos nas quais a Revista venha a ser indexada. A Revista fica também autorizada a adequar os textos a seus formatos de publicação e a modificá-los para garantir o respeito à norma culta da língua portuguesa.

Considerações finais

Qualquer dúvida a respeito das normas de submissão poderá ser dirimida por meio de mensagem encaminhada ao endereço eletrônico: [email protected].