Upload
others
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Hollywood está encantadacom Ben Afíleck
Argo tem osingredientesque a Academiaprefere: umdrama da vida realcom contornospolíticos ma nontroppo, um clímaxtenso, um finalfeliz
Esteve no topo, foi ao fundo e agora está no topo outra vez. E uma históriade reinvenção - e Hollywood adora isso. O seu Argo vai ser esta madrugadao melhor filme em Los Angeles?
Joana Amaral Cardoso
Esgueirando-se
entre as bar-bas de Lincoln e os tiros deDjango, o efeito Bin Laden ea doença de Amor, Argo er-gueu-se num crescendo comoum dos favoritos ao Oscar de
Melhor Filme. A terceira longa-me-tragem de Ben Affleck é o título deque se fala, o projecto que todos osoutros galardoaram nesta temporadade prémios. O que fará a Academiadas Artes e Ciências Cinematográficascom Ben Affleck?
Para já, uma coisa é certa: Affle-ck está em boa companhia. Hojenas cadeiras do Dolby Theater, em
Ele foi ao topo e depois ao fundo e agoranovamente ao topo. Teve a experiência completado que esta vida em Hollywood pode oferecer.Matt DamonActorLos Angeles, nem ele, nem QuentinTarantino (Django Libertado), nemKathryn Bigelow (OOh3O: A HoraNegra), cujos filmes foram nomea-dos, ouvirão o seu nome na lista doscandidatos a Melhor Realizador. Mashá um punhado de meses não se es-peraria sequer que o nome de Benfosse comparável ao de Tarantinoou Bigelow na lista de nomeaçõesda 85. a edição dos maiores prémiosda indústria.
Com 32 anos de carreira, o actorque começou em pequenos papéis eanúncios mas partilhou um Oscar deMelhor Argumento aos 25 anos comMatt Damon, em 1998, mergulhounuma série de papéis medíocres emfilmes sofríveis ou de papéis simpáti-cos em filmes menores. Quinze anosdepois do seu primeiro e único Os-car, Affleck é um contender. E umasurpresa.
Kenneth Turan, crítico do Los An-geles Times, acredita que o facto denão ter sido nomeado para MelhorRealizador por Argo, título nomea-do para melhor filme, foi o melhorcenário para Affleck. Porque não teressa nomeação "o ajudou junto daAcademia". Por causa dessa narra-tiva, diz o crítico americano ao PÚ-
BLICO, Argo fez uma campanha emcrescendo na temporada de prémios(o melhor filme dos Bafta, prémiosda indústria britânica, o melhor dra-ma e realizador nos Golden Globes,o melhor realizador, argumentoadaptado, elenco e produção paraas respectivas guildas). "Argo é comoa infantaria de Napoleão, tem levadotudo à frente e é um favorito. Se tives-se sido nomeado, isso mudava todaa dinâmica [do crescendo]-"
Na semana passada, a crítica e aimprensa desdobraram o seu rolde previsões. Na Associated Press,no Guardian ou na EntertainmentWeekly, Argo está na frente. O favo-ritismo numérico (12 nomeações)pertence ao filme de Spielberg
sobre o 16.° Presidente dos EUA,Lincoln. O Zeitgeist, criado pelasvitórias sucessivas nas cerimóniasde prémios até agora, a Argo. Umfilme sobre a crise dos reféns ame-ricanos em Teerão em 1979 e a so-lução verídica da sua extracção doIrão através de uma falsa produçãode ficção científica hollywoodesca.É um filme sobre o cinema comoferramenta. Não tem a pungênciade Amor, a pujança de Django oua política de OOh3o, mas tem osingredientes que os votantes da Aca-demia que jogam pelo seguro pre-ferem: um drama da vida real comcontornos políticos ma non troppo,um clímax tenso, um final feliz.
Do colapso à reinvençãoAffleck, classificado pela HollywoodRepórter como "um dos maiores re-alizadores da sua geração", encolheos ombros, ainda não se considera"um verdadeiro realizador", emborasaiba que é esse o seu maior papel nocinema, e está feliz com sete nome-ações do seu filme para os Óscares.O amigo Matt Damon resume: "Elefoi ao topo e depois ao fundo e agoranovamente ao topo. Teve a experi-ência completa do que esta vida emHollywood pode oferecer."
Ben Affleck, nascido na Califórniae vizinho de Matt Damon em Boston,era o homem bem parecido de ¦»
28 anos que, em 2000, fumava du-rante uma entrevista com o New YorkTimes antes da estreia da comédia
romântica Bounce - Um Acaso comSentido. Tinha falhado em castingse feito Perseguindo Amy, Os Malucosdo Centro - Mallrats, de Kevin Smi-th, ou Juventude Inconsciente - Dazedand Confused, de Richard Linklater,títulos que fazem a iconografia doabandono existencial da geraçãodos anos 1990. Só a partir de 0 BomRebelde, de Gus van Sant, apareceuno radar da imprensa - e das revistascor-de-rosa.
Damon, cuja carreira foi marcada
por melhores escolhas do que a doamigo, confirmava que O Bom Rebel-de "mudou a forma como Hollywoodolhava para Ben". "Subitamente, eleé o deus de bronze em Armaggedon(Michael Bay, 1998) que voou para oespaço e explodiu um asteróide. Foihilariante."
O segredo do sucesso seria o ar deali american boy, o galã que passariaa década entre a acção (Pago para Es-quecer, PearlHarbor), os erros cras-sos (Duro Amor - Gigli) e os franchisescoxos (um fraco Demolidor, um JackRyan susceptível de esquecimento).Qualquer um destes filmes, sobre-tudo Demolidor, Gigli e os "os doisbate-estacas de Michael Bay" - Ar-maggedon e PearlHarbor -, como es-crevia o Guardian, foram "o colapsooficial de Ben Affleck como estrela".Na última década, no entanto, houveLigações Perigosas (2009) ou a suainterpretação do Super-Homem te-levisivo George Reeves em Hollywoo-dland (2006).
"Teve que viver a sua carreira empúblico e as suas falhas, as suas es-colhas - e não foram todas más - e arelação com Jennifer Lopez criaramnos media uma história [negativa]...,mas teve a capacidade de se reinven-tar", diz Turan ao telefone a partir deLos Angeles. E não há nada de queLA goste mais do que "uma históriade regresso e de reinvenção; a indús-tria está encantada com ele". Affleck,com Lopez, aliás, "Bennifer" - aglu-tinação tablóide dos seus primeiros
nomes -, causou na imprensa umareacção adversa que quase assassi-nou a sua carreira, com uma ajuda doprotagonismo do casal em Gigli e novideoclip àejennyfrom the block.
Em 2003, a sua primeira capada Vanity Fair foi a propósito doromance, mas já dizia que queriafocar-se na realização. Exactamen-te dez anos (e três filmes com asua assinatura) depois, está outravez na capa da Vanity Fair e é um"na cama com". Ele, Emma Stonee Bradley Cooper entre lençóis, es-trelas do Hollywood Issue da revista,o novo Ben Affleck realizador, pres-tigiado, aquele-que-não-foi-nomea-do.
Na sua crítica, Kenneth Turan inse-ria Argo na "melhor tradição clássicado cinema", arriscando compararAffleck a Clint Eastwood. Porquê?"Tem a ver com o tipo de filmes quefaz. Clint realiza filmes clássicos deHollywood e esses são também osfilmes de Ben Affleck. Ele não está afazer filmes como Terrence Malick.Faz clássicos de entretenimento co-mo Hollywood costumava produzir",diz Turan.
Agora, em plena corrida ao Oscar
2013, a indústria ama-o. "Neste mo-mento, como se costuma dizer emHollywood, deixavam-no realizar alista telefónica", porque apostariamque, mesmo com o pior dos guiões,ele faria um bom filme. Mas ainda lhefalta a aclamação de uma certa críti-
ca, a do cinema autoral, do cineasta- Charlotte Garson, dos Cahiers dv
Cinema, dizia em Novembro na rádioFrance Culture que "o filme agarra,ainda que o clímax dramático e o seufim sejam lassos, cheios de clichés".Nada de rasgados elogios, nem deequiparações aos mestres.
São apenas três filmes, enfrentauma concorrência experiente e é al-guém que admite que cometeu er-ros, que é um realizador inseguro eque considera que o meio o vê hoje"como alguém em Hollywood quetrabalha". O que é muito melhor doque "o actor blockbuster e depois oactor-desastre", como resumiu aoNew York Times em Janeiro.
Na sua criticaKenneth TuranInseria Argo na"melhor tradiçãoclássica do cinema",comparandoAffleck a Eastwood."Clint realizafilmes clássicosde Hollywood eesses são tambémos filmes de BenAffleck."
Os Óscares estão este ano virados para "dentro"para uma América em crise e convulsão
Jorge Mourinha
Daniel Day-Lewis, o favorito na categoria de melhor actor: Lincoln
Lincoln,
de Steven Spielberg,tem o maior número de no-meações, 12, na 85a edição dosÓscares de Hollywood, esteano apresentados pelo come-diante Seth MacFarlane e com
início às 17h00 de Los Angeles (umada manhã de Lisboa, com transmissãodirecta pela TVI). Daniel Day-Lewis,no papel do Presidente americanoque aboliu a escravatura, parte favo-rito para o prémio de melhor actor,concorrendo com Bradley Cooper(Guia para Um Final Feliz), DenzelWashington (Decisão de Risco), HughJackman (Os Miseráveis) e JoaquinPhoenix (O Mentor). Na categoria demelhor actriz, a vantagem vai para aveterana francesa Emmanuelle Rivaem Amor de Michael Haneke (favorito
para melhor filme estrangeiro), com-petindo com Jennifer Lawrence (Guiapara Um Final Feliz), Jessica Chastain(OOh3OAHora Negra), Naomi Watts(O Impossível) e Quvenzhané Wallis(Bestas do Sul Selvagem).
A lista de nomeações 2013 pareceprosseguir na celebração do cinema"de prestígio" produzido na "meçado cinema" - onde se poderia inte-grar igualmente A Vida de Pi, de AngLee, o segundo filme mais nomeado,com 11 citações. Mas, este ano, está
particularmente virada para "den-tro" - para uma América em crise econvulsão. Entre os nomeados, fala-se de escravatura (Lincoln, ou Djan-go Libertado, de Quentin Tarantino,com cinco nomeações); de "guerracontra o terrorismo" (00h30 A Ho-
ra Negra de Kathryn Bigelow, cinco
nomeações); da crise dos reféns doIrão (Argo, de Ben Affleck, seis nome-ações); dos desapossados do furacãoKatrina (Bestas do Sul Selvagem, deBenh Zeitlin, quatro nomeações)...
Ironicamente, muitos destes fil-mes sobre a América não receberamdinheiro dos estúdios que gastaramfortunas para os colocar na corridaaos prémios. Oito dos nove nome-ados para melhor filme trazem ologotipo de um dos "seis grandes"(Columbia-Sony, Disney, Fox, Para-mount, Universal e Warner), mas nãocontaram com o seu financiamento;apenas Argo é uma produção intei-
ramente suportada por um deles. Aaposta das majors em concentrar oseu investimento em fitas de grande
orçamento que garantam bilheteiramundial, num momento em que omercado global já representa doisterços das receitas de Hollywood,acaba por forçar os filmes de "meioda tabela" - de onde saem muitas ve-zes os principais nomeados aos Ósca-res - a procurarem outros meios definanciamento, através de pré-vendase de investimento estrangeiro. MasHollywood teima em não aprendera lição: enquanto apostas de granderisco e grande orçamento, como Jo-hn Cárter ou Batalha Naval, morremrapidamente nas bilheteiras, êxitosmais modestos mas também mais emconta, como Lincoln ou Argo, aca-bam por dar os lucros que tanta falta
fazem, mas continuam a ser quaseimpossíveis de financiar.
Lincoln não existiria sem a vonta-de de Spielberg - nem sem a injec-ção de capital indiano que garantiua sobrevivência da produtora Dre-amworks. A Vida de Pi, que estevedurante anos em lume brando, foico-financiado pela China, e o musi-cal Os Miseráveis (oito nomeações) éuma produção essencialmente britâ-nica (à imagem de Arma Karenina eOO7Skyfall, líderes das nomeaçõesnas categorias técnicas).
E não basta a ironia de a Américase mostrar relutante em financiaros filmes que depois ergue comoexemplo do melhor da sua produ-
ção; mais irónico ainda (mas poucosurpreendente) é os votantes da Aca-demia terem preferido obras maisconsensuais como Lincoln, Argo eBestas do Sul Selvagem a filmes mais
provocadores como OOh3OAHoraNegra e Django Libertado, que falha-ram as nomeações nas categoriasde melhor realização, ou O Mentor,nomeado apenas nas categorias de
representação. Mas é também dis-to que falamos quando falamos deÓscares: reflectem o contexto daprodução que recompensam e domomento em que são atribuídos.Logo à noite poderemos tirar todasas conclusões.
Dror Moreh fezum documentáriopara salvar Israel
Em The Gatekeepers, nomeado para um Oscar, seis ex-chefesde um serviço secreto de segurança revelam as tácticas edilemas como guardiões da ocupação. "A falta de estratégiadeixa o Estado judaico à beira do abismo", dizem
Margarida Santos Lopes
uma metralhadora queShaul vai disparan-
do, de rajada, as palavrasque, de início, parecia sus-
"Escute, neste precisomomento em que falamos,
estão duas patrulhas do Exércitoem Hebron, na Cisjordânia, em ope-rações que designamos por 'deixarque eles [palestinianos] sintam anossa presença'. Os soldados an-dam pelas ruas, entram em qual-quer casa, ao acaso, acordam a fa-mília, se estiver a dormir, separamos homens das mulheres, revistamo lugar sem dar qualquer explica-ção e, à saída, lançam granadas,disparam para o ar e prosseguema missão, para incutir o medo e osentimento de perseguição; é sem-pre assim, 24 horas por dia, setedias por semana, desde a Intifadade 2000, com o único objectivo deprolongar a ocupação."
Shaul, que foi sargento, justificaas suas palavras, proferidas numaentrevista ao PÚBLICO, por telefo-ne, com o conhecimento de quemcomandou dois pelotões de 20 ho-mens durante 14 meses em Hebron,até compreender que, "terminada atropa, não podia mais suportar umasituação imoral". Por isso, quandoviu The Gatekeepers, documentáriorealizado por Dror Moreh e nomea-do para o Oscar, ficou maravilhado:"Como ex-militar que ajudou a fun-dar a organização Breaking the Si-lence, foi muito bom, para mim, verseis antigos chefes do Shin Bet [ouShabak, Serviço de Segurança Geral]
quebrarem o silêncio, tal como nósfizemos em Março de 2004."
Da Alemanha, onde o seu filmeganhou o Prémio Cinema for Pea-ce, no Festival de Berlim, Morehcomeça por nos dizer que foi maisfácil fazer o documentário, que du-ra 97 minutos e custou 1,5 milhõesde dólares, do que escolher as sete
pessoas que o acompanharão à ce-rimónia onde poderá ganhar hojeuma estatueta dourada.
Em Los Angeles e também emNova lorque, The Gatekeepers lo-tou salas quando se estreou a 1 deFevereiro; críticos aplaudiram-no;e estrelas de TV, como CristianeAmanpour, da CNN, dedicaram-lhe
talk-shows em horário nobre."O meu trabalho é como um
espelho que coloco defronte dosisraelitas para eles verem como aocupação está a corroer a nossa so-ciedade", afirma Dror Moreh, numaconversa telefónica. "Não podemoscontinuar a viver em negação, a ta-par os olhos e os ouvidos. Se estefilme não resultar, então a esperan-ça está perdida, porque os seis ho-mens que expuseram os seus segre-dos e dilemas não são esquerdistasnem pacifistas; pertencem ao ShinBet, que é mais temido do que oExército; são aqueles que, desde aguerra de 1967, foram encarregadosde manter a ocupação, incluindoescolher, por exemplo, quem se-riam os alvos de assassínios selec-tivos, para dar às nossas vidas umsentido de normalidade."
Como surgiu a ideia de juntarAvraham Shalom (1980-1986), Ya-akov Peri (1988-1994), Carmi Gillon(1994-1996), Ami Ayalon (1996--2000), Avi Dichter (2000-2005)e Yuval Diskin (2005-2011) numaconfissão individual e colectiva?"Foi em 2008, quando rodava umdocumentário sobre o anteriorprimeiro-ministro Ariel Sharon",explica Moreh. "Um dos seus che-fes de gabinete disse-me que Sha-ron ordenou a retirada da Faixa deGaza, em 2005, depois de ler umartigo, no diário YediotAhronot, noqual quatro ex-dirigentes do ShinBet alertavam que a manutençãode colonatos protegidos por umdispositivo militar seria desastro-sa para Israel."
Ora, se a decisão de "Arik" foiinfluenciada pelo parecer de ho-mens que durante muito tempoforam anónimos e invisíveis - mastambém por um documentário,Testemunhos de Guerra (Fog ofWar, 2003), de Errol Morris, so-bre Robert McNamara, chefe doPentágono durante a presidênciade Kennedy -, Dror Moreh conven-ceu-se de que talvez pudesse agitarigualmente o establishment políticoisraelita.
Os guardiõesQuem são, afinal, os seis "guardi-ões" do Sherut haßitachon haKlali
(nome completo, em hebraico, deShabak) que poderão oferecer umOscar ao realizador cuja infância foimarcada pelo filme O Bom, o Mau eo Vilão, de Sérgio Leone e com ClintEastwood, de quem admira DirtyHarry, e que gostava de ter entra-do numa nave espacial em Encon-tros Imediatos do Terceiro Grau, deSpielberg?
Avraham Shalom, o mais velho,com 85 anos, começou a carreiramilitar no Palmach, grupo ("de re-sistência", para os judeus; "terroris-ta", para as autoridades do Manda-to Britânico na Palestina pré-Israel)que precedeu as actuais Forças deDefesa. De 1959 a 1960, já operacio-nal do Shin Bet, colaborou com aMossad (espionagem externa), paracapturar, na Argentina, Adolf Eich-mann. O cérebro do Holocausto foienforcado em Israel, em 1962, de-pois de condenado à morte por umtribunal civil. Em 1972, Shalom foiencarregado pela primeira-ministraGolda Meir de perseguir tambémos autores do massacre dos atletasisraelitas nos Jogos Olímpicos deMunique, ascendendo a directordo Shabak em 1980.
Num mandato marcado por extre-ma violência na Cisjordânia, judeusextremistas cometeram atentadosbombistas que mutilaram os pre-sidentes palestinianos das câma-ras de Ramallah e Nablus, Shalomconseguiu capturar uma célula clan-destina e, assim, abortar um planoque visava a explosão da Cúpula doRochedo, em Jerusalém - o que, se-gundo Moreh, poderia ter desenca-deado uma nova guerra do mundoárabe-muçulmano contra Israel.
Em 1986, Shalom foi constrangidoa demitir-se depois de uma comis-são oficial de inquérito o ter respon-sabilizado pela execução sumáriade dois de quatro palestinianos,que tinham desviado um autocar-ro para obter a libertação de 500prisioneiros. Após a operação deresgate dos reféns, fotos da duplade sequestradores sobreviventes fo-ram publicadas por vários jornaisque desafiaram a censura mostran-do-os algemados e escoltados poragentes armados. Conduzidos aodeserto, os capturados foram es-
pancados e abatidos a tiro - acçãoque o ministro da Defesa de então,Moshe Arens, qualificou de "abso-luta necessidade". Yitzhak Shamire Shimon Peres, chefes do Governoe da diplomacia, respectivamente,apoiaram Shalom (a ordem terá vin-do, aliás, do gabinete do primeiro-ministro). A opinião pública exigiu,porém, que o chefe da Shabak fosseafastado.
Em 1988, na sequência do "casoKav 300" (o número do autocar-ro sequestrado), Yaakov Peri foichamado por Shamir a resolver aprimeira grande crise no Shin Bet,do qual já fazia parte desde 1966.Hoje, aos 49 anos, este ladies'manque tocava trompete na Orques- ->tra Voz de Israel", segundo Moreh,prepara-se para entrar no Knessete no Governo, depois de o seu par-tido centrista, Yesh Atid, lideradopor Yair Lapid, ter sido o segundomais votado nas eleições de Janeiroúltimo.
O maior desafio de Peri foi a Inti-fada de 1987, uma revolta popularespontânea contra a ocupação queeclodiu em Gaza, quando ele era di-rector adjunto do Shabak. Foi tam-bém uma surpresa, constatou DrorMoreh, já que de nada lhe valera "avasta rede de informadores e cola-boracionistas" que havia montadoquando era "responsável pelo sec-tor árabe". Para travar a "guerra das
pedras", Peri mandou assassinar,em Tunes, o ideólogo da subleva-ção e "número dois" da OLP, AbuJihad. Hoje, essa "medida táctica"é reconhecida como "erro estraté-gico" - eliminados os nacionalistaspragmáticos, ganharam peso os is-lamistas radicais. Apesar de tudo,na sequência dos Acordos de Oslode 1992, que levaram ao reconhe-cimento da organização de YasserArafat, Peri ajudou Yitzhak Rabin,sucessor de Shamir, a negociar comos palestinianos.
Não se sabe ainda qual a pastaministerial de que Peri será titular,no próximo Governo de BenjaminNetanyahu, mas Moreh espera queo antigo "guardião" "se mantenhafiel" ao que lhe disse: "Várias vezesdesde 1967 senti que devíamos che-
gar a um acordo e fugir dali [dos ter-
ritórios ocupados], mas não cabe aochefe de uma agência [de seguran-ça] convencer o primeiro-ministro[a fazer a paz]."
Foi Peri quem escolheu o seu su-cessor: Carmi Gillon, que apenasdirigiu o Shin Bet durante dois dosseus 63 anos (1994-96). Emboraoriundo de uma família de magis-trados (o avô foi o único juiz judeuno Supremo Tribunal do MandatoBritânico na Palestina), Dror Morehadmite que Gillon fosse "o menospreparado". O fracasso que ditouo fim da sua chefia foi o assassíniode Rabin, a 4 de Novembro de 1995,por um activista da extrema-direi-ta. Não terá sido fácil, observou orealizador, ter de espiar "colonosjudeus idealistas, com treino mili-tar e apoio de políticos influentes",mas pior foi terem sido ignoradosos seus avisos de que Rabin corriaperigo.
Shimon Peres, que herdou a ca-deira do "primeiro mártir da paz",recusou inicialmente a demissão deGillon, oferecendo-lhe a oportuni-dade de se "redimir". Em 5 de Ja-neiro de 2006, Yahya Ayyash, o "en-genheiro bombista" do movimentoislâmico Hamas, foi decapitado emGaza, quando atendeu uma chama-da num telemóvel armadilhado. Nodia seguinte, Gillon saiu de cena, eo Shin Bet ficou orgulhoso do seu"sucesso". Só que, em Fevereiro eMarço, começou um ciclo sangrentode represálias: quatro atentados sui-cidas mataram mais de 60 civis isra-elitas. Peres, que esperava ganharas eleições nesse ano, foi derrotado
por Netanyahu.Em The Gatekeepers, onde Moreh
usou, assumidamente, tecnologiasde computação para criar "uma re-alidade virtual e uma linguagem ci-nemática, porque não há provas das
operações de um serviço secreto",Gillon descreve como lugar hedion-do um centro de interrogatório emJerusalém, onde "qualquer pessoanormal que ali entre confessarávoluntariamente ter crucificado Je-sus, só para sair de lá". Faz tambémum acto de contrição: "Estamos atornar insuportáveis as vidas demilhões [de palestinianos], a pro-longar o sofrimento humano, e isso
mata-me!"
Paranóicos profissionaisUm "outsider chamado a reabilitar oShin Bet", em 1996, Ami Ayalon foi oprimeiro a ser contactado por DrorMoreh para o documentário sobreo qual a New York Magazine anotou:"Sabemos que a Terra Santa é umabalbúrdia pecaminosa, quando pa-ranóicos profissionais com licençapara matar nos aparecem comopacifistas." Foi a Ayalon que Mo-reh pediu os números de telefonedos outros, e "todos se mostraramreceptivos, embora o que colocoumais reservas tenha sido AvrahamShalom".
As reservas entendem-se, porquefoi Shalom quem mais surpreendeuMoreh. "Ele compara a ocupação is-raelita dos territórios palestinianosà ocupação alemã da Europa - nãoao Holocausto", realça o realizador."É preciso ter em conta que Shalomnasceu em Viena e que, na Kristall-nacht, conduzido pela mãe à escola,foi espancado quase até à morte porcolegas. Ele diz que sentiu na peleo que significa viver sob um regimeracista." Kristallnacht, ou Noite deCristal, designa os pogroms de 9 deNovembro de 1938, na Alemanha ena Áustria sob domínio de Hitler,quando nazis destruíram 267 sina-
gogas, 7500 lojas e inúmeras casasde judeus. Mais de 90 pessoas fo-
ram mortas; outras 25 mil a 30 milforam deportadas para campos deconcentração. Historiadores desig-nam este acontecimento como "oprimeiro ensaio para a Shoah".
No documentário, Shalom é fron-tal: "Na guerra contra o terrorismo
esqueçam a moralidade." Ou: "Nãohá estratégia, só há táctica." Um li-belo contra os responsáveis políti-cos. Moreh diz que "não podia apa-gar" as palavras de Shalom, ditascom "vergonha, mas também o or-gulho patriótico de quem agiu paradefender e proteger Israel" - por-que "só os judeus podem falar destemodo, e ele sabe do que fala".
Voltando a Ayalon, 68 anos, foi doExército para o Shabak, tendo sido
distinguido, em 1969, com a maiselevada condecoração, a Medalha
de Valor. Quando foi promovido achefe de Estado-Maior da Marinha,já era um veterano dos comandosnavais de elite, um "herói sem me-do". Em cinco anos como chefe doShin Bet, Ayalon teve de travar uma"guerra implacável contra o terror"sob a liderança de três primeiros-ministros: Shimon Peres, Benjamin
Netanyahu e Ehud Barak.Contra o general Barak, Ayalon
concorreu à liderança do PartidoTrabalhista, em 2000. Criticou-oduramente, estilhaçando o mitosobre a cimeira de Camp Davidcom Yasser Arafat e Bill Clinton. Emvez de culpar o líder da OLP porter recusado "a oferta generosa"do "delfim de Rabin" (que previa aanexação da maioria dos colonatosna Cisjordânia), acusou o rival denão se ter preparado. Também ili-bou o líder da OLP de ter planeadoa segunda Intifada, considerando-a "inevitável, devido à frustraçãodos palestinianos". Em 2003, o al-mirante israelita lançou, com o fi-lósofo palestiniano Sari Nusseibeh,ThePeople's Voice: uma (vã) iniciati-va que propunha a devolução dosterritórios ocupados sacrificandoo direito de retorno dos refugiadosde 1948.
No documentário de Dror Mo-reh, o eloquente Ayalon desabafa."Questionamo-nos cada vez menossobre onde vamos parar [se a ocu-pação continuar]. (...) O meu filho,pára-quedista durante três anos e
meio, invadiu Hebron duas ou trêsvezes. Será que isto nos fez vito-riosos? Não creio. A tragédia é queganhámos todas as batalhas, masestamos a perder a guerra."
Avi Dichter, antigo comando daunidade militar Sayeret Matkal, aque pertenceu Barak, foi escolhidopor este para ocupar o lugar de Aya-lon no Shin Bet, em 2000, na alvo-rada da segunda e mais sanguináriaIntifada. Terá sido ele (já envolvidona morte do "engenheiro" Ayyash)quem deu luz verde aos assassíniosde Salah Shehade (2002) e do xequeAhmad Yassin (2004), respectiva-mente, o líder da ala militar e o guiaespiritual do Hamas. Também en-corajou Sharon à retirada unilateral
de Gaza e à construção do "muro deseparação" na Cisjordânia. No do-cumentário de Moreh, "o camaleãoDichter, tão à-vontade na sociedadeisraelita como na palestiniana", re-conhece que "não se pode fazer apaz pela via militar".
Se os anteriores cinco antigosmembros do Shabak já não esta-vam no activo, Yuval Diskin aindachefiava a agência quando Moreh oentrevistou duas vezes, no seu es-critório, "indicador do quão alar-mante ele considera a situação".Sobre o "trabalho sujo" que é o re-crutamento de colaboracionistasdisse: "Pegamos numa pessoa quenão gosta de nós e obrigamo-la a fa-zer coisas que ela nunca imaginaraque poderia fazer."
Evocando Yeshayahu Leibowitz,um dos maiores intelectuais do ju-daísmo, Moreh confrontou Diskincom a avaliação feita, em 1968, peloprofessor que cunhou a controversaexpressão "judeu nazi": a ocupa-ção transformará Israel num Estadopolicial, o que minará a liberdadede expressão e de pensamento, ea democracia. Diskin, que entrouno Shin Bet como operacional em1977 e deixou a direcção em 2011,respondeu: "Subscrevo todas assuas palavras."
Talvez não seja de estranhar es-ta opinião, tendo em conta que,como "coordenador do distrito deNablus", Diskin, hoje com 57 anos,"conhecia bem a realidade doscampos de refugiados", não ape-nas naquela cidade, mas tambémem Beirute e em Sídon, no Líbano,onde esteve após a invasão israeli-ta em 1982. Tendo participado nasnegociações que conduziram aosAcordos de Oslo de 1992, envolveu-se também directamente em con-tactos com os serviços de segurançapalestinianos, jordanos e egípcios,de 1993 a 1997.
Em 2000, foi Diskin quem lideroua operação para "destruir as infra-estruturas militares do Hamas" naCisjordânia. Em 2003, durante umalicença sabática, foi conselheiro deMeir Dagan, o então chefe da Mos-sad - ambos críticos da política deNetanyahu em relação ao programanuclear iraniano (ameaça de guer-
ra), porque "o regime em Teerãonão é irracional". Em 2005, Diskinfoi promovido a director do ShinBet, tendo "aperfeiçoado a doutri-na dos assassínios selectivos de queterá sido o artífice".
Netanyahu e ObamaLisa Goldman, co-fundadora do+972 Magazine, influente websiteque tem contributos de israelitas epalestinianos, viu The Gatekeeperse entrevistou também Dror Moreh.Quando lhe perguntámos quais ospontos fracos e fortes, respondeupela via privada do Facebook: "Es-te filme é importante e poderoso.O objectivo é atrair a atenção dosisraelitas moderados politicamenteque têm ignorado os danos causa-dos à sua sociedade pela ocupaçãocontínua desde 1967 - e isso é con-seguido com eficácia."Uma das fragilidades, observou, é"não mostrar os palestinianos co-mo indivíduos. São vistos em back-
ground, em imagens de arquivo apreto e branco, como prisioneirosou jovens que lançam pedras. Umavez que a maioria dos israelitas tempouca ou nenhuma interacção comos palestinianos, essas imagens sãoas mesmas caricaturas que eles vê-em nos media". Por isso, acrescenta,"ao não mostrar como a ocupaçãoafecta os palestinianos e centrando-se no que ela faz à sociedade dosocupantes, o filme não assume umaposição moral sólida".
Moreh reagiu a esta crítica, dizen-do que não foi seu intuito "fazer umensaio jornalístico", mas mostrar que"o problema de Israel não é apenasde defesa mas político, acima de tu-do." Lisa Goldman disse não esperarque antigos chefes do Shin Bet "expri-missem remorsos pelas suas acções,porque, à semelhança dos agentes daCIA e de outros serviços secretos quetorturam pessoas, a sua tarefa é, por
definição, cometer más acções paraprotegerem as suas populações". Noentanto, em The Gatekeepers, os ex-directores "questionam a eficiênciadas suas más acções, porque sabem
que não protegem ninguém a longoprazo - nem sequer a médio". "Umassassínio conduz a um ataque ter-
rorista, o que conduz a outro assas-sínio, ou a uma rusga nocturna, ouà prisão e tortura de pessoas que atéserão inocentes. Até quando é quevai continuar, sem estratégia nem so-lução à vista? Essa é a questão que ofilme levanta."
Sobre o timing escolhido pelos"guardiões" para darem o seu tes-temunho e as razões por que nãoagiram mais cedo para evitar queIsrael se transformasse no que al-guém classificou "Estado do ShinBet", a jornalista não quis especu-lar. "O filme é um grito aos israeli-tas para despertarem e mudarem arealidade, antes que seja tarde demais", frisa Lisa. Salvaguarda quenão acredita na mudança: "Achoque já se perdeu muito tempo e queas narrativas [de israelitas e pales-tinianos] estão profundamente en-raizadas."
Yehuda Shaul, um dos co-funda-dores da Breaking the Silence, or-ganização onde veteranos militares
que serviram na Cisjordânia e Gazadesde a segunda Intifada partilhamas suas experiências, "para demons-trar o poder destrutivo da ocupa-ção", diz-nos que preferiu "só vero lado bom do filme". E refere: "Foipreciso coragem para aqueles seishomens saírem da sombra e dize-rem aos líderes políticos: 'Nós cum-primos a nossa parte, garantindo asegurança, mas vocês falharam, por-que não têm uma estratégia' - istopode ser um ponto de viragem."
"As acções militares não servempara acabar com a ocupação, e sim
para a consolidar", acusa Shaul, queestudou num liceu no grande colo-nato de Ma'ale Adumim, na Cisjor-dânia, onde ainda vive uma irmã(que não aprecia o seu activismo), eque agora, aos 30 anos, frequenta aUniversidade Aberta de Jerusalém,para se licenciar em Ciência Políti-ca. "É triste que, em Israel, as pes-
soas falem mais no filme de DrorMoreh por estar nomeado para umOscar do que pela mensagem quetenta transmitir. Também é triste -e uma ironia amarga - que sßrokenCameras, outro documentário no-meado para um Oscar, esteja a serpromovido como 'sendo israelita',quando se trata de uma história deresistência pacífica em BiFin, po-voação da Cisjordânia cercada porcolonatos. Isto é um sinal de quantoa ocupação está entrincheirada nasociedade." Os realizadores são opalestiniano Emad Burnat e o isra-elita Guy Davidi.
Yehuda lamenta que The Gatekee-
pers não tenha influenciado a cam-panha para as eleições de Janeiro,durante a qual "a questão palestinia-na esteve vergonhosamente ausentedo debate político, com excepçãodos partidos árabes de Tzipi Livni,e que o próximo Parlamento sejacomposto por caras novas e velhas"mais interessadas em obrigar osultra-ortodoxos a ir à tropa do quenum acordo de paz".
Dror Moreh discorda que o seu do-cumentário não tenha tido impacto."As últimas eleições representaramuma mudança substancial. Todas assondagens davam a Netanyahu e àextrema-direita maioria absoluta,mas não foi isso que obtiveram, evão ter de negociar uma coligaçãocom as forças centristas que emergi-ram com mais vigor. 0 nosso proble-ma é que, nem israelitas nem pales-tinianos têm líderes audaciosos parafazerem as concessões necessáriasa um compromisso."
O realizador aconselha a que oPresidente dos EUA, no segundomandato, e toda a comunidadeinternacional exerçam pressão so-bre ambas as partes - sobre Israel,para retirar 1,5 milhões de colonosda Cisjordânia, sobre a AutoridadePalestiniana, para desistir do direito
de retorno dos refugiados. "Quantasmais pessoas terão de morrer?"
Em vésperas da grande festa emHollywood, um dos sonhos de DrorMoreh é exibir o seu documentá-rio para Barack Obama num grandeecrã, na Casa Branca, antes de elevisitar Jerusalém e Ramallah, comojá anunciou. 0 analista israelita Aki-va Eldar acredita que Obama "vaicobrar a factura", exigindo que "Bi-bi" não inviabilize mais a solução dedois Estados.
Netanyahu, por seu lado, já fez sa-ber que não vai ver The Gatekeepers."O meu problema com Netanyahu énão saber o que ele quer; creio quenem ele sabe", conclui Dror Moreh."Há quatro anos que nenhum israe-lita é vítima de um atentado plane-ado na Cisjordânia, graças à Auto-ridade Palestiniana, do presidente,Mahmoud Abbas, e do primeiro-mi-nistro, Saiam Fayyad. Mas onde es-teve Netanyahu nestes quatro anos?Esteve a expandir colonatos, e osisraelitas iludiram-se que não existeocupação. É um crime!"
Um dossonhos deDror Morehé exibir odocumentáriopara BarackObama antesde ele visitarJerusalém eRamallah
0 meu trabalho écomo um espelhoque coloco defrontedos Israelitas paraeles verem comoa ocupação estáa corroer a nossasociedade.
Dror MorehRealizador
Este filme éImportantee poderoso.0 objectivo éatrair a atençãodos Israelitasmoderadospoliticamente, quetêm Ignorado osdanos causados àsua sociedade pelaocupação contínuadesde 1967 -e Issoé conseguido comeficácia.
Lisa GoldmanCo-fundadora do
+972 Magazine