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Animais Direitos, relações e exageros

Press Review page - ULisboa · da há muito tempo pelo pensador inglês Jeremy Bentham. É da autoria deste habitante do mundo entre os longínquos anos de 1748 e 1832 a senten-ça

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AnimaisDireitos, relações e exageros

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OS HOMENS

QUE QUEREM

LIBERTAR

OS ANIMAIS

texto Nuno Costa Santos

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Em vez de se ir para a internetdebitar opiniões iradas sobreos direitos dos animais, que taller alguns livros de gente queestudou e sabe do assunto?Uma visita aos livros depensadores da ética Peter

Singer e Pedro Galvão.

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Acabado

de almoçar umas beringelasrecheadas com uma abundante carnedentro, abri o livro Libertação Animal,do filósofo da ética Peter Singer, e levei abofetada da primeira frase: "Este livro ésobre a tirania dos animais humanossobre os não humanos." Pousei a obraem cima da mesa, junto à chávena de

café, e pensei: a almoçarada serviu para matar afome - e a gula - deste animal humano tiranete

que vos escreve. Um bicho autocrata, sim, quequer melhorar, mas que já fez as contas à vida esabe que será tão fácil converter-se ao

vegetarianismo como o partido Vox organizaruma festa reaggae.

Mas estou aqui para aprender. E por isso visitoesta obra polémica e clássica, publicada em 1975.E outras. E interessante verificar que, logo no iníciodo livro, Singer faça questão de afirmar que não é,

digamos, grande fã de animais. E de sublinhar,com frases fortes, o que não o interessa defender:"Este livro não faz apelos sentimentais à simpatiapor animais 'fofinhos'." No seu projeto, herdeirodos movimentos de libertação dos anos 60, umgato siamês doméstico que foi ao cabeleireiro valetanto como uma ratazana despenteada. O livro édestinado às pessoas que batalham pelo fim da

opressão e da exploração "e pretendem que o prin-cípio moral básico da igual consideração de inte-resses não se restrinja arbitrariamente à nossa

própria espécie". Estamos entendidos.Singer coloca aluta contra o sexismo e o racismo

ao lado do combate ao que designa como especis-mo, preconceito contra os interesses dos mem-bros de outras espécies. O seu ponto é a igualdadeentre animais humanos e não humanos, defendi-da há muito tempo pelo pensador inglês JeremyBentham. É da autoria deste habitante do mundoentre os longínquos anos de 1748 e 1832 a senten-ça inequívoca: "Poderá existir um dia em que o res-to da criação animal adquirirá aqueles direitos quenunca lhe poderiam ter sido retirados senão pelamão da tirania." E foi ele que apontou a capacida-de de sofrimento dos animais, reconhecível, comonota Singer, pelo conjunto de sinais exteriores e

por se saber que animais como mamíferos e avestêm sistemas nervosos muito semelhantes ao nos-so.

A completar esta ideia está a apresentadaporPedro Galvão, professor de Ética, Filosofia Moder-na e Pensamento Crítico na Faculdade de Letras

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da Universidade de Lisboa, noutro livro que tenhoaqui em cima da mesa para amansar a crueldadee, claro, fazer nascer a culpa: Ética com Razões, edi-ção da Fundação Francisco Manuel dos Santos,datada de 20 15.

Conta Galvão que no dia 7 de julho de 20 12 umgrupo de cientistas das áreas das neurociências

apresentou publicamente a "Declaração de Cam-bridge sobre a Consciência". E o que diz a Declara-ção? Que existem várias provas a indicar que osanimais não humanos têm - por favor não dur-mam-"os substratos neuroanatómicos, neuro-químicos e neurofisiológicos de estados conscien-tes", bem como a capacidade de apresentar com-portamentos intencionais. Traduzindo aqui para oCarlos Mário, meu parceiro antigo de café: a bicha-rada também tem consciência.

Voltemos a Singer. A dado passo - página 1 60 -, osacerdote ético (não é uma crítica) , volta a dar ummurro amável no leitor-pecador : "Comprem umbom livro de cozinha vegetariana e verificarão queser vegetariano não é sacrifício." E o escriba volta a

lembrar a carne dentro da beringela. E passa-lhepela cabeça a ideia de aproveitar os saldos pré-na-talícios de algumas livrarias para trocar a ElenaFerrante pelo receituário vegetal.

Umas páginas à frente, lança o pânico entre oscomensais clássicos: o peixinho, porque sofre e é

em muitos casos raro, também é de evitar e os

crustáceos, com células nervosas muito seme-lhantes às nossas, devem ser deixados sossegados.A certeza do sofrimento dos peixes perante as for-mas como são capturados será reforçada no livroÉtica no Mundo Real, de 20 1 6, onde se pode en-contrar uma reflexão, diremos, mais moderada:"Precisamos de aprender a capturar e matar peixede maneirahumanitária."

Alguns dos capítulos deste Ética noMundoßeal,que reforçam de modo atualizado as teses de "li-bertação Animal", têm títulos curiosos: "Os ovos éti-cos da Europa", "Se os peixes pudessem gritar" e "Os

chimpanzés também são pessoas". Este último ca-pítulo defende, a partir do caso de um chimpanzéde nome Tony, a ideia de que "pessoa" não se refere

apenas aos seres humanos. Os chimpanzés, alega,sofrem quando perdem entes queridos e muitostêm capacidade de previsão e antecipação. Paraalém disso, as melhores agências de investigaçãomédica já não usam chimpanzés nos testes e expe-riências. Pedro Galvão exprime a suaideia desta

forma: "Se entendermos que a consciência de si é acapacidade distintiva das pessoas, poderemos ter

de dizer, então, que os chimpanzés e os golfinhossão pessoas. Pessoas não humanas, mas pessoas."

Refira- se que o pensamento de Pedro Galvão é

atrativo para quem considera que a dúvida e anuancesão necessárias para se chegar a conclu-sões sobre problemas complexos. O capítulo"Além da vidahumana" cria boaimpressão porapresentar um pensamento menos linear do queo adotado pelo militante Singer. Na introdução aolivro, Galvão revela um desejo: "Espero que (...)este livro iniba a arrogância." Soberba de quem é

demasiado afetivo para ser razoável no que defen-de. "É que esta atinge mais facilmente quem aindanão compreendeu como, em muitas questões éti-

cas, é difícil descobrir onde para a verdade."Defende: Por causa da sua vida mental, uma

grande parte dos animais tem interesses fortes.Um dele é o "interesse em não sofrer". Segundo atese de Galvão, há, no entanto, diferenças entre amorte de um animal humano e um animal nãohumano. Os primeiros perdem mais quando mor-rem. Dois motivos. A esperança de vida dos ani-mais costuma ser substancialmente inferior à hu-mana. A morte de um animal não o priva de "aper-feiçoamento moral, íMeteestético e busca da

compreensão da realidade".

Outra reflexão que fica deste livro aconselhável aquem quer pensar estas questões com serenidadeé esta: no que toca ao consumo de produtos obti-dos pela criação intensiva de aves e mamíferos háque pesar entre o interesse dos humanos e o inte-resse dos animais. É possível, diz, satisfazer neces-sidades humanas de alimento, vestuário e calçadosem recorrer a produtos de criação intensiva. E é,sublinha o também organizador da antologia 05Animais Têm Direitos?, porque há quem faça o es-

forço de resistir à facilidade de comprar o que estámais à mão ou a preço mais baixo que "o mercadooferece mais e melhores opções a queira comer,vestir-se e calçar-se recusando uma prática emque os animais são muito maltratados sem verda-deiranecessidade".

Por fim, os códigos e as leis nesta matéria. Noque se prende com a legislação, Peter Singer fazum balanço positivo. A lei, nota, está a começar amostrar sinais de mudança. A Suíça, no ano de1992, tornou-se o primeiro país a incluir na sua

constituição uma declaração a proteger a digni-dade dos animais - e aAlemanha fez o mesmo dezanos depois. A União Europeia, em 2009, mudouo seu tratado fundamental, passando a incluir adeclaração de que, sendo os animais seres sen-cientes, a União Europeia e os seus Estados mem-

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bros, "ao formularem políticas para agricultura,pescas, investigação e várias outras áreas, têm de'ter decididamente em conta as exigências debem- estar dos animais". Aposição de Singer, Pe-dro Galvão acrescenta, no seu livro publicado hátrês anos,o que se passa em Portugal no mesmo domínio.O ânimo é menor, considerando-se que o paísnão é exemplo algum. "Os avanços significativosneste domínio, como a proibição recente da ven-da de cosméticos testados em animais, têm che-gado ao nosso país apenas por iniciativa da UniãoEuropeia." A lei não favorece, mas o cidadão é li-vre de ser consciencioso - e, sim, ético. "Mas,como é evidente, a lei portuguesa não proíbe nin-guém de levar a sério os interesses dos animais."

Singer põe a lutacontra o racismoao lado do combateque designa comoespecismo, contraos interessesdos membrosde outras espécies.