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TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 607 PREVIDÊNCIA, POUPANÇA E CRESCIMENTO ECONÔMICO: INTERAÇÕES E PERSPECTIVAS * Francisco Eduardo Barreto de Oliveira ** Kaizô Iwakami Beltrão *** Antonio Carlos de Albuquerque David **** Rio de Janeiro, novembro de 1998 * Os autores agradecem os comentários e sugestões de Maria Tereza Pasinato. ** Pesquisador da Diretoria de Pesquisa do IPEA. *** Superintendente da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE. **** Bolsista da Anpec/PNPE na Diretoria de Pesquisa do IPEA.

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TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 607

PREVIDÊNCIA, POUPANÇA ECRESCIMENTO ECONÔMICO:

INTERAÇÕES E PERSPECTIVAS*

Francisco Eduardo Barreto de Oliveira**

Kaizô Iwakami Beltrão***

Antonio Carlos de Albuquerque David****

Rio de Janeiro, novembro de 1998

* Os autores agradecem os comentários e sugestões de Maria Tereza Pasinato.** Pesquisador da Diretoria de Pesquisa do IPEA.*** Superintendente da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE.**** Bolsista da Anpec/PNPE na Diretoria de Pesquisa do IPEA.

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O IPEA é uma fundação públicavinculada ao Ministério doPlanejamento e Orçamento, cujasfinalidades são: auxiliar o ministro naelaboração e no acompanhamento dapolítica econômica e prover atividadesde pesquisa econômica aplicada nasáreas fiscal, financeira, externa e dedesenvolvimento setorial.

PresidenteFernando Rezende

DiretoriaClaudio Monteiro ConsideraLuís Fernando TironiGustavo Maia GomesMariano de Matos MacedoLuiz Antonio de Souza CordeiroMurilo Lôbo

TEXTO PARA DISCUSSÃO tem o objetivo de divulgar resultadosde estudos desenvolvidos direta ou indiretamente pelo IPEA,bem como trabalhos considerados de relevância para disseminaçãopelo Instituto, para informar profissionais especializados ecolher sugestões.

ISSN 1415-4765

SERVIÇO EDITORIAL

Rio de Janeiro – RJAv. Presidente Antônio Carlos, 51 – 14º andar – CEP 20020-010Telefax: (021) 220-5533E-mail: [email protected]

Brasília – DFSBS Q. 1 Bl. J, Ed. BNDES – 10º andar – CEP 70076-900Telefax: (061) 315-5314E-mail: [email protected]

© IPEA, 1998É permitida a reprodução deste texto, desde que obrigatoriamente citada a fonte.Reproduções para fins comerciais são rigorosamente proibidas.

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SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

1 - INTRODUÇÃO......................................................................................1

2 - POUPANÇA, INVESTIMENTO E CRESCIMENTO ECONÔMICO.......2

3 - POUPANÇA EM UMA ECONOMIA ABERTA.......................................7

4 - DETERMINANTES DA FORMAÇÃO DA POUPANÇA INTERNA......10

4.1 - Determinantes da Poupança das Famílias .....................................114.2 - Determinantes da Poupança das Empresas...................................174.3 - Determinantes da Poupança do Governo.......................................184.4 - Estratégia de Aumento da Poupança Interna .................................20

5 - A CONVERSÃO DE UM SISTEMA DE REPARTIÇÃO EM UM SISTEMA PRIVADO DE CAPITALIZAÇÃO AUMENTA A POUPANÇA? ......................................................................................20

5.1 - O Caso Chileno................................................................................21

6 - POUPANÇA E PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL .........................28

7 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................36

ANEXO.....................................................................................................37

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................38

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RESUMO

Neste estudo analisamos as relações entre a previdência social, o nível depoupança agregada e o crescimento econômico, abrindo deste modo espaço para areflexão sobre a reforma do sistema brasileiro de seguridade social.

Procurou-se demonstrar, ao longo do texto, que os mecanismos responsáveis pelaformação da poupança privada são extremamente complexos e que a formulaçãode políticas com o objetivo de aumentar a poupança interna deveria atentaressencialmente para a redução do déficit público (aumento da poupança dogoverno) no qual a previdência social representa um papel considerável.

Apesar de acreditarmos que uma reforma no sistema de seguridade possa vir a terefeitos positivos sobre a poupança, especialmente no que se refere à criação de umambiente favorável à sua expansão, devemos ressaltar que ela não é suficiente porsi só para um aumento substancial da acumulação de capital, devendo seracompanhada de um leque de mudanças no restante da economia.

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ABSTRACT

In this study we analyze the relations between the social security, the aggregatesavings level and economic growth, opening space for the reflection on the reformof the Brazilian social security system.

We attempt to demonstrate, that the mechanisms leading to the formation ofprivate savings are extremely complex and that the formulation of policies seekingto increase domestic savings would have to concentrate on the reduction of thepublic deficit (increase government savings) in which the social securityrepresents a significant role.

Although we believe that a reform of the social security system could havepositive effects on savings, because of its relation to the creation of anenvironment favorable to savings expansion, we must stand out that it is notenough by itself for a substantial increase of the accumulation of capital. Thus ithas to be followed by an ensemble of changes in the rest of the economy.

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PREVIDÊNCIA, POUPANÇA E CRESCIMENTO ECONÔMICO: INTERAÇÕES E PERSPECTIVAS

1

1 - INTRODUÇÃO

A relevância da discussão dos mecanismos de captação e aplicação de poupançano processo de desenvolvimento talvez nunca tenha sido tão evidente quanto nestemomento. A turbulência dos mercados internacionais de capital mostrouclaramente o quanto pode ser frágil um modelo que se baseie pesadamente emimportação de poupanças alheias como substituição à sua geração interna.

Com efeito, a mobilidade extrema do capital — inclusive o chamado “compor-tamento de manada” — pode abalar seriamente a economia de um país quedepender excessivamente da captação externa de recursos, requerendo aumentosbrutais das taxas de juros e/ou desvalorizações cambiais de magnitude muitasvezes incontrolável.

O caso brasileiro é claramente uma situação de risco, apesar das medidas tomadaspelo governo no final de 1997.1 Essas medidas, por seu forte conteúdo recessivo,só podem ser entendidas como emergenciais, ou seja, justificáveis até que asnecessárias medidas de ajustamento estrutural sejam implementadas. De outraforma, recai-se em uma “armadilha de juros”: taxas de captação de recursosexcessivamente elevadas, embora possam ser um forte incentivo a que osdetentores de poupança emprestem seus recursos, são, do lado dos tomadores,incompatíveis com o retorno dos investimentos no setor real da economia. Alémdisso, os resultados sobre o custo de rolagem da dívida pública podem serdesastrosos, realimentando o déficit fiscal com possíveis necessidades deelevações ainda maiores das taxas de juros. Em conseqüência, paralisa-se oinvestimento, levando concomitantemente à estagnação do crescimento.

Em contrapartida, o Brasil precisa criar, nos próximos 20 anos, 23 milhões deempregos, se desejar absorver no mercado de trabalho todos os novos integrantesde sua população economicamente ativa (PEA). Embora a fecundidade tenhacaído vertiginosamente desde os anos 50,2 as gerações que demandam o mercadode trabalho são numerosas, pois o número de mulheres em idade fértil há 10 ou 15anos ainda era muito grande.3

Em uma análise retrospectiva, observa-se que os mecanismos de captação eaplicação de poupança doméstica no Brasil estão totalmente defasados em relaçãoà nova realidade do país. Com efeito, o modelo de desenvolvimento capitaneadopelo Estado requeria mecanismos de formação de poupança compulsória eaplicação de recursos totalmente diversos daqueles que devem prevalecer em umnovo paradigma. O sistema FGTS e cadernetas de poupança, acoplados,respectivamente, ao financiamento de habitação popular e ao crédito imobiliário,

1 Principalmente a elevação da taxa de juros de um nível de 140 pontos acima das taxas de 30 anosdos títulos do Tesouro americano para 300 pontos (nível de fevereiro de 1998).2 A taxa de fecundidade total (TFT), definida como o número médio de filhos nascidos vivos pormulher durante o seu ciclo reprodutivo, caiu de cerca de 6 em 1950 para 3 em 1980.3 Como resultado das elevadas taxas de natalidade correspondentes à geração que hoje se encontraem idade fértil.

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está praticamente desmantelado. Após anos de políticas inconsistentes ou mesmoirresponsáveis,4 sobraram os passivos do Fundo de Compensação de VariaçõesSalariais (FCVS) e um sistema totalmente disfuncional. Assim os programas deformação de poupança compulsória, valendo-se dos chamados fundos patrimo-niais, foram igualmente deturpados em seu desenho original, que muitas vezes jánão era satisfatório.5 Em resumo, dentro de um novo modelo de desenvolvimentopara o país é fundamental e urgente reconstruir um sistema de captação derecursos junto à sociedade e sua canalização para o financiamento da atividadeprodutiva.

Neste contexto, propomo-nos a analisar as relações entre previdência social epoupança, sublinhando suas conseqüências sobre o nível de investimento ecrescimento econômico, abrindo, deste modo, espaço para a reflexão sobre areforma do sistema brasileiro de seguridade social. Procuramos demonstrar, aolongo do texto, que os mecanismos responsáveis pela formação da poupançaprivada são extremamente complexos e que a formulação de políticas com oobjetivo de aumentar a poupança interna deveria atentar essencialmente para aredução do déficit público (aumento da poupança do governo) no qual aprevidência social representa um papel considerável.

Finalmente, é de capital importância observar a rápida evolução que vemocorrendo nas relações de trabalho e nos próprios processos de produção. O antigoparadigma de produção fordista, cujo corolário eram relações de trabalho formaise rígidas tipo empregador-empregado, em plantas físicas bem definidas eusualmente abrangendo períodos longos de tempo, tem dado lugar a novas ediversificadas formas de geração de bens e serviços, com suas igualmentediversificadas formas de organização de trabalho. Neste contexto, a coletivizaçãoe a padronização parecem estar cada vez mais sendo substituídas pela indivi-dualização e flexibilidade, tanto no que se refere a produtos, quanto no que tangeàs próprias relações de trabalho [ver Rifkin (1996)]. Desta forma, também poresse prisma é fundamental reformar as estruturas de proteção social, de modo aadequá-las a um novo modelo de sociedade.

2 - POUPANÇA, INVESTIMENTO E CRESCIMENTO ECONÔMICO

A noção freqüentemente externada de que um maior esforço de poupança deve serrealizado para que se verifique uma recuperação das taxas históricas decrescimento envolve, de forma direta, um estudo detalhado no que se refere aorelacionamento entre poupança e crescimento econômico. Esta seção procuraanalisar tal relação colocando em evidência as diferentes abordagens teóricas, quemuitas vezes são complementares para uma visão abrangente do tema em debate.

4 Por exemplo, o denominado Plano de Equivalência Salarial que corrigia as prestações segundo asvariações de salários, de forma completamente independente dos saldos a pagar, gerando oschamados “resíduos”.5 Este é o caso do PIS/Pasep, cuja incidência das contribuições em cascata sobre faturamentocontraria princípios elementares de tributação.

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PREVIDÊNCIA, POUPANÇA E CRESCIMENTO ECONÔMICO: INTERAÇÕES E PERSPECTIVAS

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Segundo a teoria econômica ortodoxa, um “preço” (taxa de juros) iguala ademanda por recursos a investir e a oferta. O desejo de acumular poder de compraassim como o desejo de investir dependem da taxa de juros — um de forma direta(positivamente) e o outro de forma inversa (negativamente). Desse modo, verifica-se uma igualdade ex-ante entre poupança e investimento. A existência prévia depoupança é necessária para realizar os gastos em investimento; a poupança possui,assim, uma prioridade causal. Trata-se da teoria tradicional dos fundos emprestá-veis que está associada a um sistema bancário primitivo, sendo este apenas umintermediário financeiro cuja função é acomodar os desejos dos poupadores derecursos com as necessidades dos tomadores [ver Chick (1994)]. Os bancos sãosimples repassadores de poupança aos investidores. Nesse quadro parece bastanteclaro que um aumento da poupança implicaria um aumento do investimento econseqüentemente do produto. O incentivo à poupança leva a uma aceleração docrescimento econômico em um contexto de pleno emprego da capacidadeprodutiva.

Keynes (1936) apresenta na Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda umacrítica contundente à visão ortodoxa. Segundo este autor, a taxa de juros é o“preço” que concilia o desejo de manter a riqueza na forma líquida com aquantidade de moeda disponível. Keynes afirma que “o juro tem sido usualmenteconsiderado como uma recompensa por não gastar, quando, na realidade, ele é arecompensa por não entesourar”. A formação da taxa de juros torna-se umfenômeno monetário e não real. A taxa de juros assim determinada vai influenciaras decisões de investimento, segundo o conceito de eficiência marginal docapital.6

Desta forma, os determinantes da poupança são essencialmente diferentes dasrazões que dominam as decisões de investir e são, portanto, claramente distintosex-ante. Na realidade, poupança e investimento devem ser iguais ex-post, e essaigualdade garantida por variações no nível de renda. Verificamos, assim, umareversão da causalidade clássica. A poupança pode ser considerada um meroresíduo contábil definido posteriormente. O investimento pode aumentarindependentemente da existência prévia de poupança. Tal conceito está associadoa um sistema bancário desenvolvido, no qual há uma separação completa entrepoupança e crédito que garante a prioridade do investimento sobre a poupançapermitindo uma acumulação superior àquela que seria viável através da simplessoma de poupanças prévias.

Para Keynes um ato de poupança individual não significa necessariamente asubstituição do consumo presente pelo consumo futuro; não constituindo,portanto, a substituição da demanda por consumo presente por uma demanda deconsumo futuro, e sim a diminuição líquida da demanda. Tal diminuição

6 Keynes define a eficiência marginal do capital como “a taxa de desconto que tornaria o valorpresente do fluxo de anuidades das rendas esperadas do capital, durante toda a sua existência,exatamente igual ao seu preço de oferta”, ou seja, a relação entre a renda esperada de um bem decapital e seu preço de oferta. Keynes afirma que o investimento vai variar até o ponto em que aeficiência marginal do capital seja igual à taxa de juros.

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influenciará sem dúvida o estado das expectativas, o que reduzirá provavelmente oconsumo futuro e fará baixar os preços dos bens de consumo independentementeda eficiência marginal do capital podendo enfraquecê-la. A noção de que um atode poupança individual favorece o investimento corrente, na mesma medida emque diminui o consumo presente, é por ele contestada, quando o pleno empregonão se verifica.

Assim, embora o crescimento econômico tenha um efeito positivo sobre apoupança na medida em que aumenta o nível de renda, não podemos afirmar,univocamente, que um aumento no nível de poupança implicará uma aceleraçãodo crescimento. Os estudos empíricos caminham no sentido de confirmar talrelação de causalidade [ver Schmidt-Hebbel et alii (1996) e Reis (1996)]. Osresultados obtidos por Reis mostram que as variações temporais do produtodevem preceder as variações da poupança doméstica assim como as da formaçãobruta de capital fixo.

A situação se torna mais complexa em uma economia aberta, onde os fluxos decapital introduzem uma diferença ex-post entre a poupança interna e o investi-mento interno.

A poupança nacional não será necessariamente utilizada para investimentosinternos, mas poderá ser investida no exterior. No entanto, as evidências empíricasestabelecidas em diversos estudos (como o clássico artigo escrito por Feldstein eHorioka) apontam uma forte correlação entre a poupança interna e o investimentointerno, como mostra o Gráfico 1 [ver Dooley, Frankel e Mathieson (1992),Bhandari e Mayer (1990) e Mamingi (1997)]. Tal fato implicaria uma reduzidamobilidade internacional do capital, já que apenas pequena parte dos investi-mentos internos é financiada pela poupança externa.

Devemos ressaltar que existe uma forte correlação entre poupança e crescimentoeconômico estabelecida em diversos estudos empíricos [ver Schmidt-Hebbel etalii (1996) e Reis (1996)]. No entanto, a identificação dos laços precisos decausalidade entre eles apresenta sérias dificuldades.

Por outro lado, o modelo de crescimento neoclássico tradicional (a um só setor) deSolow estabelece que a acumulação de capital (poupança) só afeta o crescimentona passagem de um estado estacionário para outro. No longo prazo o crescimentoé afetado essencialmente por inovações tecnológicas (consideradas como variáveisexógenas) na medida em que a taxa de crescimento do produto é determinada pelataxa de crescimento da população, da produtividade da mão-de-obra e de outrosfatores técnicos. Contribuições posteriores incluíram nesse modelo a noção decapital humano, já que com o progresso tecnológico necessita-se de mão-de-obraqualificada no processo produtivo. Supondo-se que a acumulação de capitalhumano segue a acumulação de capital físico, podemos afirmar que o nível deinvestimentos influi direta e indiretamente no nível de crescimento e inovaçõestecnológicas [Schimidt-Hebbel, Servén e Solimano (1996)]. Na realidade, tal

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Gráfico 1

Poupança e Investimento: Correlações para 16 Países Industrializados — 1975/87

20,47

Figura 1

Poupança - Investimento Correlações para 16 Países Industrializados1975-87

18,56

16,66

14,75

12,85

Tax

a de

pou

panç

a (%

)

10,94

9,04

7,13

5,22

6,90 8,35 9,81 11,26 12,72 14,17 15,63 17,08 18,54 19,99

Fonte: Bhandari e Mayer (1990).

conclusão é análoga aos resultados dos modelos pioneiros de crescimento instávelde Harrod-Domar, que supõem uma função de produção de proporções fixas eretornos constantes de escala sendo a taxa de crescimento7 dependente dapropensão a poupar (e da relação incremental capital/produto).

Em suma, a noção simplista de que a acumulação de capital (poupança) por simesma é suficiente para garantir o crescimento no longo prazo é claramenteerrônea. Este depende não só da acumulação física em si, mas também daacumulação de capital humano,8 de inovações tecnológicas e sobretudo daeficiência do investimento.

Simonsen (1991) sublinhou a importância desse último item para o crescimento deforma bastante explícita no estudo do caso brasileiro. Segundo este autor, a quedanas taxas de crescimento verificadas durante os anos 80 não está ligada apenas auma diminuição da poupança interna, mas também a uma piora da relaçãocapital/produto: os investimentos se tornaram mais “caros” e menos produtivos.

7 Na verdade, estamos nos referindo aqui à taxa de crescimento “garantida” ou de equilíbrio, quepode ser distinta da taxa de crescimento “natural” ou de pleno emprego que é determinada pelataxa de crescimento da população e pelo aumento da produtividade do trabalho.8 Os gastos em acumulação de capital humano são usualmente considerados como gastos emconsumo, apesar de sua função análoga ao investimento. Parece claro que máquinas tecnologica-mente avançadas necessitam de operadores devidamente qualificados e educados.

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Neste aspecto, pode-se claramente perceber a importância que uma reformulaçãonos sistemas previdenciários pode provocar sobre a produtividade do capital,mesmo não havendo qualquer ganho significativo da taxa agregada de poupança.Em outras palavras, uma nova dinâmica de alocação das poupanças, que leve emconta mecanismos eficientes de mercado na escolha dos investimentos, pode serassociada a um maior crescimento, mesmo que mantendo-se o mesmo nível derecursos poupados pela sociedade.

Devemos ressaltar o fato de que o investimento é influenciado pela incerteza (nosentido knightiano) quanto ao benefício futuro, dependendo, portanto, de fatoressubjetivos como, por exemplo, o rendimento esperado. Nesse quadro, o grau deinstabilidade macroeconômica e institucional afeta o nível de investimento e,portanto, o crescimento econômico.

Também quanto a esse aspecto, a importância do sistema previdenciário ficapatente, na medida em que é responsável pela maior parte dos chamados “passivosocultos” (hidden debts). Esses passivos correspondem às promessas de benefíciosfuturos sem a adequada cobertura atuarial dos sistemas previdenciários,descontados a valor presente, podendo, muitas vezes, superar em muito ospassivos explicitados na forma de dívida pública. No Brasil, estima-se que opassivo oculto represente cerca de 218% do PIB, considerando-se somente osatuais ativos, ou seja, sem levar em conta o estoque de inativos. O Gráfico 2ilustra a magnitude destes passivos para alguns países desenvolvidos.

Gráfico 2Passivos Ocultos da Seguridade Social em Sete Países da OCDE — 1990

(Em % do PIB)

0 50 100 150 200 250

Canadá

França

Alemanha

Itália

Japão

Reino Unido

EUAEstados Unidos

Fonte: Averting The Old Age Crisis, Banco Mundial.

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3 - POUPANÇA EM UMA ECONOMIA ABERTA

Quando um país não tem a capacidade de gerar internamente os recursosnecessários para financiar o investimento, ou seja, quando a poupança interna éinsuficiente para atender à demanda por capital, torna-se necessária a“importação” de poupança do exterior. Notamos que se verifica um superávit (oudiminuição do déficit) na conta de capital e em contrapartida um déficit (oudiminuição do superávit) na conta corrente. A poupança externa é simplesmenteum saldo negativo nas transações correntes com o resto do mundo.

Quando a importação de capitais não apresenta um custo elevado (como é o casodos Estados Unidos), os efeitos negativos são minimizados. Por outro lado,quando não se tem credibilidade no mercado internacional (devido a diversasrazões como, por exemplo, a instabilidade política e macroeconômica) os paísescom excedente de poupança cobram um prêmio pelo risco para emprestar seuscapitais. Há o chamado risco implícito de défault total ou parcial — por exemplo,o risco de uma desvalorização cambial representa um risco de défault parcial paraalguém que investe atualmente dólares no Brasil ou na Coréia. Existe um certoconsenso, segundo os analistas, de que o nível máximo de poupança externa(déficit nas transações correntes com o resto do mundo) desejável se encontrariaem torno de 2% a 3% do PIB.9

A Tabela 1 mostra a composição da poupança no Brasil ao longo do tempo. Nota-se a redução da poupança interna decorrente da despoupança do governo e dainsuficiente poupança privada interna, em simultaneidade com o aumento daimportância do nível de poupança externa.

A Tabela 2 apresenta a classificação de risco da dívida externa em diversos paísesem vias de desenvolvimento segundo duas empresas internacionais de consultoria.

Neste quadro, a taxa de juros interna constitui o principal atrativo para o capitalinternacional. Quando a taxa de juros de um determinado país é superior à taxa dejuros internacional, as poupanças dos países superavitários tenderão a ser investi-das no país. No entanto, se a taxa de juros interna for menor do que a taxa de jurosinternacional, em um modelo de economia aberta, haverá fuga de capitais. Quandoo risco é elevado a taxa de juros deverá situar-se em níveis extremamente altospara captar poupança externa.10

9 A Coréia do Sul apresentou em 1996 um déficit em transações correntes de 5,9% do PIB parauma poupança total de 38,2% do PIB. No caso brasileiro, estimou-se para 1997 um déficit emconta corrente da ordem de 4,2% do PIB. Os países latino-americanos exibem sempre taxas depoupança relativamente reduzidas, fazendo com freqüência uso “excessivo” da poupança externa.10 O caso brasileiro ilustra tal afirmação, já que em meio à recente crise nos mercados financeirosmundiais (outubro de 1997) o governo elevou a taxa de juros de 20,7% para 43,4% a.a. visandoinverter a fuga de capitais.

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Tabela 1Brasil: Composição da Taxa de Poupança — 1980/97(Taxas médias em % do PIB)

Período Poupançado Governo

PoupançaPrivada

PoupançaExterna

PoupançaTotal

1980/85 1,6 15,3 3,2 20,11986/90 -0,9 19,0 0,3 18,4

1991 -1,5 19,2 0,4 18,11992 -3,3 23,3 -1,6 18,41993 -4,2 23,3 0,2 19,31994 -2,6 23,1 0,3 20,81995 -6,2 24,2 2,5 20,51996 -6,1 21,7 3,6 19,11997* -5,1 20,7 4,2 19,8

Fontes: IBGE, BNDES, IPEA e Banco Central.*Estimativas com base em dados das Contas Nacionais.

Tabela 2Classificação de Risco da Dívida Externa de Longo Prazo — Setembro 1996

País Moody’s Standard & Poor’s

Brasil B1 B+México Ba2 BB

Argentina B1 BB-Chile Baa1 A-

Coréia A1 AA-

Malásia A1 A+Tailândia A2 A

Indonésia Baa3 BBB

Fonte: IPEA.Onde os critérios de classificação são os seguintes:Investimento recomendável:Moody’s: Aaa, Aa1, Aa2, Aa3, A1, A2, A3, Baa1, Baa2, Baa3.Standard & Poor’s: AAA, AA+, AA, AA-, A+, A, A-, BBB+, BBB, BBB-.Investimento não-recomendável:Moody’s: Ba1, Ba2, Ba3, B1, B2, B3.Standard & Poor’s: BB+, BB, BB-, B+, B, B-.

A Tabela 3 mostra que a taxa de juros vigente no Brasil é bastante superior à taxade países industrializados, o que possibilita uma significativa captação de recursosexternos.

É importante ressaltar, entretanto, que no longo prazo o déficit nas transaçõescorrentes acaba gerando um problema fiscal, tornando-se, portanto, insustentável.Se a poupança externa é utilizada para financiar o desequilíbrio do setor públicoou um nível maior de consumo e não a formação de capital, logo apresentará

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graves problemas de financiamento,11 mesmo que haja superávit primário, que sedefine como a diferença entre a receita total do governo (menos operações decrédito) e a despesa total (menos os juros e amortizações da dívida).12 O serviçoda dívida pode impor ao país devedor a necessidade de transferir recursos reaispara o exterior. A situação se agrava na medida em que altas taxas de juros fazema dívida pública crescer exponencialmente. A Tabela 4 mostra a evolução dadívida pública e seu custo no Brasil.

Tabela 3Taxa de Juros de Captação de Curto Prazo — 30/10/96

(Em % a.a.)País Taxa Taxa Real

Rússia 80,0 48,30Brasil 24,80 11,80Argentina 7,25 7,05Colômbia 28,10 6,5México 29,34 -0,66Turquia 74,73 -4,57Estados Unidos 5,38 2,38Alemanha 3,16 1,78Japão 0,42 0,42

Fonte: The Economist (02/11/96).

Tabela 4Brasil: Evolução da Dívida, Juros e Custos — 1993/97

1993 1994 1995 1996 1997*

Dívida Líquida Total (% do PIB) 32,7 28,1 29,9 34,4 34,2Dívida Interna (% do PIB) 18,4 20,0 24,5 30,3 30,4Dívida Externa (% do PIB) 14,3 8,1 5,5 4,0 3,8Taxa de Desconto do Banco Central(Fim de Período em % a.a.) 5.757 56 39 24 21

Fontes: Banco Central do Brasil e FMI.* Dados até o mês de setembro.

O Gráfico 3 apresenta a poupança total de diversos países, desenvolvidos e emvias de desenvolvimento, no ano de 1996. Devemos sublinhar o fato de que ospaíses asiáticos (Japão e Coréia) assim como o Chile exibem níveis relativamenteelevados de poupança naquele ano, seguindo uma tendência histórica que, em

11 Uma revisão metodológica no cálculo da taxa de investimento revelou que no Brasil a formaçãobruta de capital a preços constantes alcançou, em 1997, 17,7% do PIB contra 16,5% em 1996 e16,7% em 1995. Neste quadro, os elevados déficits em conta corrente teriam representado pelomenos em 1997 um aumento do nível de investimento e não do consumo público ou privado.12 O déficit público nominal é aquele que inclui os juros nominais da dívida (juros reais maiscorreção monetária), já o déficit operacional exclui dos juros nominais a correção monetária.

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grande parte, está associada ao boom de crescimento. Entretanto, como a recentecrise demonstrou claramente em relação aos chamados “tigres asiáticos”, uma altataxa de poupança não é condição suficiente que previna contra a instabilidadeeconômica. Como já foi discutido, a taxa de poupança elevada é uma dascondições necessárias mas não suficiente para assegurar o nível de crescimentoelevado; não é uma couraça que venha a evitar totalmente o risco de crises.

Gráfico 3Poupança Total em Percentagem do PIB — 1996

0

5

10

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20

25

30

35

40

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Fonte: IMF (1997).

4 - DETERMINANTES DA FORMAÇÃO DA POUPANÇA INTERNA

O que motiva a formação de poupança? Por que o comportamento de poupançavaria entre pessoas, entre regiões, entre países?

Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que se trata, na realidade, da análisede três fenômenos bastante distintos: a geração da poupança no âmbito dasfamílias, das empresas e do governo. Cada um destes agentes econômicos temsuas motivações específicas, horizontes e restrições.

Em segundo lugar, há que se levar em conta o fato de que explicar ocomportamento dos agentes é bastante difícil, especialmente quando estecomportamento envolve uma seqüência de decisões ao longo do tempo.

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Assim, a análise que se segue tem por objetivo simplesmente especular sobrealgumas teorias de formação da poupança, sem qualquer pretensão de serexaustiva e muito menos de tentar qualquer comprovação empírica. De qualquerforma, a simples reflexão sobre estas questões pode levar a algumas indicaçõesquanto ao relacionamento entre previdência e poupança.

4.1 - Determinantes da Poupança das Famílias

A teoria econômica usualmente apresenta as decisões de poupança como escolhasessencialmente intertemporais. Os indivíduos dividem sua riqueza entre oconsumo (a satisfação de desejos correntes) e a poupança, ou seja, a satisfação dedesejos futuros. Nesse quadro, os modelos de tomada de decisões racionais pelospoupadores baseiam-se na maximização de uma função de utilidade intertemporalsujeita a restrição orçamentária.

Dessa forma, em um primeiro momento o nível de poupança parece depender donível de renda. Com efeito, para Keynes, segundo o que chamou de “leipsicológica fundamental”, quanto maior o nível de renda maior o montantepoupado. Indivíduos que apresentam baixos rendimentos têm maior propensão aconsumir, em termos relativos, enquanto aqueles que têm maiores rendimentospoupam uma fração comparativamente maior destes. À medida que o nível derenda aumenta, verifica-se que o consumo aumenta, mas não na mesmaproporção, o que resulta em um aumento relativo da parte da renda reservada àpoupança.

De um modo geral, como uma queda no nível de consumo é sempre indesejada, osindivíduos tendem a poupar durante períodos de afluência para garantir o consumofuturo em períodos mais difíceis. Portanto, se a renda é incerta e os indivíduos sãoavessos ao risco, eles terão maior tendência a poupar (é o que muitos autoreschamam de precautionary saving, resultante da existência de um certo grau deincerteza). Isto significa que as taxas de poupança serão maiores nas economiasque apresentam uma renda mais volátil como, por exemplo, os países nos quais osetor agrário predomina [ver Edwards (1995)]. Assim, o comportamento dopoupador em relação ao risco é uma variável relevante.

Neste ponto, convém introduzir o relacionamento provável entre a existência deum Estado de Bem-Estar Social e o estímulo ou inibição à poupança das famílias.Assim, basta que se imagine uma situação extrema, em que o Estado venha a seresponsabilizar integralmente pela manutenção da renda dos indivíduos, quaisquerque sejam os eventos que venham porventura a acontecer (morte, invalidez,doença, desemprego etc.). Em outras palavras, o risco de flutuação da renda énulo. Nessa situação, não existiriam motivos racionais para a realização deprecautionary saving, visto que qualquer que seja o esforço de poupançaindividual o resultado seria o mesmo. Estendendo-se o raciocínio para um casoreal, em um sistema de repartição, em que ativos de hoje pagam os inativos dehoje na esperança de que no futuro seus proventos de inatividade sejam pagospelas futuras gerações de contribuintes, não há, normalmente, uma clara relação

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entre o que se aporta e o que se recebe. Mais ainda, há sempre a possibilidade daocorrência de free-riders, ou seja, alguém que recebe o máximo pagando ummínimo ou mesmo nada.13 Conclui-se que, no mínimo, um regime de repartiçãonão incentiva um comportamento de poupança.

Milton Friedman introduziu a noção de renda permanente como determinante donível de poupança e de consumo. Segundo este autor, para uma função deutilidade dada o consumo é determinado pela taxa de juros e pela riqueza total doindivíduo (ou seja, o total de recursos disponíveis). Dessa forma, se admitirmos ahipótese de um mercado financeiro perfeito (todo consumidor pode emprestar outomar emprestado à taxa de juros de mercado), o consumo em um período nãodepende somente dos rendimentos do mesmo período, mas igualmente doconjunto de rendimentos antecipados em relação a períodos futuros. Nesse quadro,uma variação da renda só terá efeito sobre o consumo (e conseqüentemente sobreas decisões de poupança) na medida em que houver modificações na riqueza doindivíduo, ou seja, no conjunto de rendimentos que ele espera poder dispor nosdiferentes períodos. O determinante da poupança passa a ser a “renda permanente”que é definida por Friedman como “o montante que um consumidor pode gastar(...) mantendo constante o valor de seu capital” [ver Frois (1991)]. Uma extensãodesse conceito é desenvolvida por Feldstein (1974), ao definir a riqueza (oucapital) do sistema de seguro social (Social Security Wealth).14

Em seguida, Friedman introduz a noção de consumo permanente definida como “ovalor dos serviços que se espera consumir durante um período considerado”. Oconsumo permanente será proporcional à renda permanente, no entanto não haveráqualquer correlação entre a renda transitória (entendida como a diferença entre arenda permanente e a renda efetivamente recebida) e o consumo transitório

13 Na medida em que em um regime de repartição não há direitos de propriedade bem definidos e apartilha do “bolo” de recursos é feita pelo processo político — em que as gerações futuras não têmrepresentação a tendência a situações de free-riding parece inescapável.14 Feldstein define como riqueza bruta do sistema de seguro social “o valor presente no ano t dosbenefícios de aposentadoria que poderiam ser eventualmente reivindicados por aqueles queestejam integrando a força de trabalho ou já aposentados no ano t”. A riqueza líquida do sistema deseguro social é definida como “a riqueza bruta menos o valor presente dos impostos de seguridadesocial a serem pagos por aqueles que integram atualmente a força de trabalho”. São basicamentecalculados da seguinte forma: considera-se um trabalhador solteiro de idade a no ano t. Se ele semantiver solteiro e sobreviver até os 65 anos, terá direito a um benefício de seguro social domontante ba,t. Feldstein estima que a taxa de benefícios anuais para um trabalhador aposentado em

relação à renda per capita disponível varia historicamente em média 41%; logo, ba,t é 0,41 vez a

renda disponível per capita no ano t + 65 - a (Yt+65-a). Finalmente, o valor futuro da renda

disponível é estimado pela projeção da renda atual a uma taxa de crescimento constante: Yt+65-a =

Yt (1+g)65-a. Logo, os benefícios antecipados aos 65 anos são: ba,t = 0,41 Yt (1+g)65-a. Durante aaposentadoria, o benefício anual continua a crescer a uma taxa g; assim, na idade n > 65 obenefício anual é ba,t (1+g)n-65. Seja Si,j a probabilidade de que um homem de idade i sobrevivapelo menos até a idade j e seja d a taxa segundo a qual o indivíduo desconta os benefícios futurosesperados. Aos 65 anos, sua anuidade de seguridade social será: ∑ S65,n ba,t (1+g)

n-65 (1+d)-(n-65)

,

sendo n superior ou igual a 65. No ano t a futura anuidade vale: Aa,t = Sa,65 (1+d)-(65-a)

∑ S65,nba,t

(1+g)n-65

(1+d)-n+65

.

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(diferença entre o valor dos serviços efetivamente consumidos e aqueles que oindivíduo esperava consumir). Entretanto, estudos empíricos em países doTerceiro Mundo mostram que a propensão a poupar referente à renda transitória égeralmente maior do que aquela referente à renda permanente [Gersovitz (1988)].

O tradicional modelo do ciclo de vida desenvolvido por Modigliani estabelece queos indivíduos terão poupanças positivas durante os anos de trabalho produtivo epoupanças negativas quando se aposentarem. A poupança torna possível aoindivíduo adiar uma parte de seu consumo para períodos futuros (aposentadoria,por exemplo) nos quais a renda recebida é menor do que a renda média de toda avida. A teoria baseia-se na hipótese de que os indivíduos preferem manter umaestrutura de consumo relativamente constante ao longo de sua vida. Assim, aformação de um patrimônio possibilita uma compensação à flutuação da renda aolongo do tempo, considerando-se, por exemplo, que esta é maior no período ativoe menor na aposentadoria. Na versão mais simples da teoria do ciclo de vidasupõe-se que o momento exato da aposentadoria assim como o da morte sãoconhecidos pelos indivíduos, não existindo, portanto, incerteza. Supondo-se umnível de renda constante ao longo da vida ativa e nulo no período deaposentadoria, o patrimônio atingiria um ponto máximo no momento da entradana vida inativa diminuindo em seguida e anulando-se no momento da morte. Talmodelo sofreu algumas alterações com o passar do tempo como, por exemplo, aintrodução da noção de incerteza quanto à data da morte, que tem comoconseqüência o surgimento de um resíduo de patrimônio (herança) involuntárioapós a morte.

Modigliani e muitos outros em seguida concluíram, a partir de tal hipótese, que aestrutura demográfica representa efetivamente um determinante do nível depoupança, visto que os indivíduos jovens em período ativo terão maior propensãoa poupar do que os idosos. Assim, dentro de um regime de repartição, em umcontexto de envelhecimento demográfico, com transferência crescente de recursospara os idosos, possibilitada pelo progressivo aumento da carga tributária sobre asgerações futuras, verificaremos uma redução da poupança interna ao longo dotempo. Em outras palavras, dentro de um enfoque algo “malthusiano”, haveriauma tendência inexorável à redução da poupança interna com o envelhecimentoda população.

É evidente que se trata de uma conclusão baseada na premissa de caeteris paribus,que, no entanto, não é claramente confirmada pelas evidências empíricasexistentes [ver Masson (1986), Cepal (1996) e Alessie, Lusardi e Aldershof(1997)].

Modigliani sustenta igualmente que o crescimento econômico terá um efeitopositivo sobre nível de poupança privada na medida em que, com o crescimentodo produto, transferido à renda dos trabalhadores através de ganhos deprodutividade dos salários, a poupança positiva dos trabalhadores aumentará emrelação à poupança negativa dos aposentados, fazendo com que a poupança

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agregada aumente. Como já foi observado, as evidências empíricas confirmam umefeito positivo do crescimento econômico para a poupança das famílias.

Observa-se, portanto, dois efeitos em sentido oposto: de um lado, o envelheci-mento populacional deprimindo a poupança agregada das famílias, e de outro, osganhos de produtividade incorporados pelos trabalhadores ativos tendendo aaumentar a poupança. Mesmo reconhecendo-se esta ambigüidade, pode-se afirmarque, também no modelo de Modigliani, um sistema de repartição não favorece emnada a geração de poupança. Aliás, a conclusão de que cargas progressivamentemaiores de contribuições sobre os trabalhadores ativos são necessárias paragarantir a solvência do sistema de sustento dos inativos decorre da hipótese deexistência de um sistema de repartição; em um sistema de capitalização (indivi-dual), em que cada um contribui em sua fase ativa e acumula recursos para suaprópria aposentadoria, esta carga de contribuições é constante no tempo etotalmente independente da transição demográfica. Quanto aos efeitos do ganhode produtividade, é indiferente se o regime é de repartição ou de capitalização.

O relacionamento entre a teoria da renda permanente e o modelo do ciclo de vidacom o sistema de previdência é um tanto ambíguo. Pode-se dizer, em um primeiromomento, que um sistema generoso de previdência em regime de repartição e debenefícios definidos levaria a um acréscimo da renda permanente, e, porconseguinte, a uma propensão maior a poupar.

No entanto, a análise dos efeitos dos programas de seguridade social sobre o nívelde poupança das famílias desenvolvida, notadamente, por Martin Feldsteincaminha no sentido oposto. Segundo esse autor, em sistemas de seguridade socialcapitaneados pelo Estado, os indivíduos esperam receber benefícios elevadosquando se aposentarem, logo terão uma tendência a reduzir sua poupança noperíodo ativo (Feldstein (1974)]. Tal hipótese é baseada no modelo de ciclo devida visto anteriormente.

A seguridade social reduz o nível de poupança na medida em que fornece umarenda durante o período inativo (aposentadoria). O programa de seguridade socialnos Estados Unidos diminuiria, segundo esta lógica, atualmente a poupançaprivada em 60% [Feldstein (1996)]. Apesar da existência de um “efeito deindução à aposentadoria” que aumenta o nível de poupança através de umaumento do tempo esperado de aposentadoria, prevalece o efeito de substituiçãode riqueza que reduz a poupança na medida em que os indivíduos trocam suapoupança pelos benefícios esperados garantidos pelo governo. Desta forma, oEstado do Bem-Estar pode incentivar um comportamento de risco moral (moralhazard) imprudente quanto ao futuro, acompanhado por um consumo excessivono presente. O indivíduo deixaria de poupar no presente já que o Estado garantesua renda futura. Diversos autores sustentam que os elevados níveis de poupançade países asiáticos como Japão (29,8% do PIB em 1996) e Taiwan têm afinidadecom valores socioculturais que responsabilizam o indivíduo pelo seu bem-estar,especialmente na velhice.

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Neste quadro, reformas no sistema de seguridade social que substituam o regimede repartição capitaneado pelo Estado por um sistema de capitalizaçãoadministrado pela iniciativa privada, como a que experimentaram países como oChile, por exemplo, poderão ter um efeito positivo sobre a poupança das famílias.

A escola neoclássica destaca o papel da taxa de juros na formação da poupança. Ataxa de juros seria um prêmio pela espera, recebido por aqueles que sacrificam seuconsumo presente em prol do consumo futuro. Ela garante o equilíbrio entre aoferta (poupança) e a demanda (investimento) de recursos. Dessa forma, umaumento da taxa de juros significaria um maior estímulo a poupar já que o prêmiorecebido seria maior.

Modelos mais recentes, entretanto, sublinham a ambigüidade dos efeitos de umaumento na taxa de juros sobre a poupança das famílias. O efeito será positivo ounegativo, dependendo da intensidade dos efeitos substituição e renda. Quando ataxa de juros sobe, o custo do consumo no futuro cai, estimulando a poupança.Taxas de juros elevadas induzem os indivíduos a abdicar do consumo presentepara um maior consumo no futuro. Por outro lado, um indivíduo “poupadorpositivo” se encontra em melhor situação (o indivíduo se torna de certa formamais “rico”) já que poderá manter o mesmo nível de consumo no futuro a partir deuma poupança menor, o que acaba estimulando seu consumo corrente.

No entanto, estudos empíricos, tanto para países desenvolvidos como para paísesem desenvolvimento, demonstram uma pequena elasticidade da poupança emrelação à taxa de juros [Giovannini (1983)]. Nesse quadro, a poupança não seriasensível a variações na taxa de juros, pelo menos não de maneira significativa. Istoimplica que uma reforma fiscal que resultasse em uma diminuição da taxa de jurosreal não reduziria automaticamente o nível de poupança. Da mesma forma, umareforma financeira que aumente a taxa de juros reais não implicariaautomaticamente um crescimento da poupança privada. Dentro da mesma linha deraciocínio, incentivos fiscais à poupança não seriam eficazes no sentido deaumentá-la.

A relevância desta teoria para o caso de uma reforma previdenciária deve serrelativizada à luz da experiência prática da maioria dos países. Com efeito,incentivos fiscais para a poupança previdenciária têm sido a norma no mundocapitalista, obedecendo ao princípio da tributação da renda diferida: ascontribuições para os planos previdenciários são dedutíveis da base de incidênciados impostos sobre a renda, bem como os rendimentos auferidos pela aplicaçãodas reservas constituídas com estas aplicações; em contrapartida, tributa-se ofluxo de renda dos benefícios assim obtidos, quando futuramente apropriadospelas pessoas físicas.

Alguns autores destacam igualmente as restrições à liquidez como fatordeterminante do nível de poupança. Na maior parte dos modelos teóricos, àmedida que tais restrições tornam-se menos rígidas — ou seja, maior acesso daspessoas aos mercados financeiros —, verifica-se um aumento do consumocorrente e, portanto, uma diminuição do nível de poupança [Edwards (1995)].

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O corolário é que, se uma parte dos consumidores não possui liquidez pararealizar sua cesta de consumo ótima, será obrigada a poupar se não puder efetuarempréstimos. Os indivíduos tentarão aumentar o consumo corrente, mas tal fatonão será possível devido ao racionamento de liquidez. Nesse quadro, reformasfinanceira e do mercado de capitais, no sentido de uma modernização eliberalização, podem apresentar efeitos negativos no que se refere à poupança[Schmidt-Hebbel, Servén e Solimano (1996)] na medida em que estas tornampossível uma expansão dos empréstimos para consumo.

É necessário observar, porém, que tais reformas apresentam efeitos ambíguos.Muitos argumentam que uma reforma financeira e o desenvolvimento do mercadode capitais levariam, em um primeiro momento, a aumento da eficiência daintermediação, através da criação de novos instrumentos financeiros e/ou peloaumento na taxa de juros, induzindo desta forma a uma aceleração do crescimentoe da poupança. Aliás, este tem sido, justamente, o grande argumento para refor-mas estruturais do sistema previdenciário, principalmente em países em que nãohá um mercado de capitais desenvolvido, já que é necessário criar e aperfeiçoarmecanismos financeiros quando se implanta um regime de capitalização.

Outro fator relevante parece ser a presença de instabilidades macroeconômica epolítica. Tanto uma quanto a outra têm efeitos negativos sobre a taxa de poupança.Parece claro que a estabilidade das chamadas “regras do jogo” é essencial tantopara que o nível de poupança se mantenha elevado, quanto para a formação dohábito de poupança. O sistema deve inspirar confiança aos poupadores, sendomudanças institucionais freqüentes mal vistas [ver Simonsen (1991)], resultando,usualmente, em quedas do nível de poupança. A instabilidade tanto políticaquanto macroeconômica afeta as expectativas quanto ao rendimento futuro dosindivíduos e, portanto, as decisões de liquidez (poupar ou manter a renda na formalíquida). A teoria keynesiana da preferência pela liquidez trata essa questão demaneira bastante exaustiva. Neste caso, o elo com reformas previdenciárias éainda mais tênue e indireto. Pode-se afirmar que, na medida em que um novosistema contribua para reduzir o déficit do setor público (inclusive com aexplicitação de passivos ocultos), estar-se-ia caminhando na direção de umaestabilidade econômica maior. Além disso, a própria explicitação de passivos (queantes, por estarem ocultos, poderiam gerar todo tipo de especulação) talvez sejafator decisivo na redução da incerteza dos fornecedores de capital com possíveisrepercussões sobre os spreads.

A política fiscal do governo também parece influenciar o nível de poupança dasfamílias. Aumentos no consumo do governo levarão a uma diminuição dapoupança privada se os indivíduos não valorizam os gastos governamentais[Edwards (1995)]. Por outro lado, um aumento na poupança do governo,geralmente, se traduz em um crescimento do nível de poupança agregada. Apesarde a poupança do governo ter um efeito de crowding-out sobre a poupançaprivada, a substituição de uma pela outra não se dá em uma relação de um paraum, como sugere a equivalência ricardiana simples. Os dados disponíveismostram que, a cada US$ 1 de aumento na poupança do governo, verifica-se umadiminuição de US$ 0,25 a US$ 0,50 na poupança privada [Schmidt-Hebbel,

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Servén e Solimano (1996) e Becker (1997)]. O aumento da poupança do governoatravés da contenção de gastos parece ser mais eficaz, no que se refere à poupançaagregada, do que um aumento da carga tributária.

4.2 - Determinantes da Poupança das Empresas

A análise do comportamento da poupança das empresas, definida como sendo oslucros retidos (não distribuídos às famílias), é igualmente complexa. Uma visãomarshaliana errônea, em que a empresa é simplesmente vista como sendo produtoda vontade de seus proprietários, poderia tentar igualar as motivações empresariaisàs motivações dos indivíduos. No mundo moderno, em que a gerência profissionaltende a ser a regra, cada vez mais essa hipótese parece distanciar-se da realidade.

As decisões empresariais de poupança e investimento respondem a um conjuntocomplexo de fatores, em que mercados de produto, estabilidade econômica,políticas de dividendos, relações com sindicatos, política fiscal são apenas algunsexemplos. Na realidade, existe provavelmente uma enorme variabilidade entresetores de atividade empresarial, forma e composição do capital, e mesmo entreregiões de atuação e portes de empresa. Por outro lado, no que se refere à alocaçãodos recursos poupados, ou seja, no caso do investimento, este se dá (em umaeconomia estabilizada), primordialmente, dentro da própria empresa (ou grupoempresarial), pela expansão das instalações, novas máquinas, equipamentos etc.

Assim, os “hábitos de poupança empresarial” podem ter e, na prática, freqüente-mente têm condicionantes bastante diversos daqueles de seus proprietários ouacionistas. De qualquer forma, recorrendo-se a uma imagem estilizada, oproblema de partilha/retenção de lucros só tem sentido se existe lucro a reter ou adistribuir. Se o Estado impõe impostos e contribuições sociais que fazem cresceros custos e eliminam ou reduzem os lucros, certamente estará influenciando ocomportamento de poupança das empresas e, em conseqüência, suas políticas deinvestimento.

Aliás, nem mesmo é necessário que essas contribuições e impostos estejamvigorando de imediato; muitas vezes, qual uma “espada de Dâmocles”, a simplesantevisão de uma futura escalada de impostos e contribuições basta para reverterdecisões de poupança e investimento. De fato, as decisões empresariais sãofreqüentemente tomadas considerando-se fluxos de receitas e despesas duranterazoáveis períodos de tempo no futuro. Se existe uma perspectiva de custosadicionais — por exemplo, adições às contribuições sociais que se revertem emum custo maior do fator trabalho —, estas expectativas são, comumente,incorporadas às projeções. Quando não há uma estimativa precisa dessesacréscimos de custo, talvez o reflexo nas decisões empresariais seja até maior: ataxa de retorno mínima de atratividade requerida pelos investimentos pode seelevar de tal forma a inviabilizá-los. A conseqüência é, portanto, que a poupançadestinada a financiar o investimento rejeitado simplesmente deixa de ser feita.

Uma das questões centrais na discussão acerca da poupança das empresas é aexistência do chamado “véu de empresa” (corporate veil). O véu de empresa

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existe se uma redução na poupança das empresas não resulta em um acréscimo dapoupança das famílias, dado um nível de riqueza fixo. A análise clássicaestabelece que, para um nível constante de lucros, se uma empresa decidir reterlucros ao invés de distribuí-los não afetará a poupança privada apesar de afetar apoupança das famílias. Para que tal proposição se verifique é necessário que apropensão marginal a consumir se mantenha constante, apesar das transformaçõesna renda do trabalho, nos ganhos de capital e no pagamento de dividendos. Supõe-se igualmente que não haja restrições à liquidez. Qualquer alteração na propensãomarginal a consumir abre espaço para o surgimento do véu de empresa. Alémdisso, para que o véu de empresa não se apresente é preciso que transformaçõeslíquidas no valor de mercado de uma empresa não se diferenciem detransformações líquidas nos impostos pagos pela empresa.

Vários autores atribuem a existência do véu de empresa a um comportamentoirracional ou à falta de visão em relação ao futuro por parte dos agentes. Aexistência do véu implica que os indivíduos tomarão suas decisões de poupançabaseando-se não somente na sua renda mas também nos lucros retidos nasempresas. Na verdade, não parece haver nenhum método consistente que permitaa divisão da poupança privada em poupança das famílias e poupança dasempresas. Nesse quadro, grande parte das análises sobre o tema se concentra nosefeitos das mudanças relativas ao pagamento de dividendos no consumo agregadodos indivíduos. Os resultados empíricos caminham no sentido de demonstrar aexistência do véu de empresa [ver Garcia (1989)].

Essas conclusões ficam ainda mais reforçadas quando se consideram aglobalização da economia e a agilidade dos mercados de capital. Muitas vezes,não só futuros investimentos deixam de ser feitos, mas também a própria empresamigra para outras paragens. Assim, a estabilidade das regras do jogo sob todos osseus aspectos, incluindo o futuro custo dos programas sociais, talvez seja aindamais importante no cenário da poupança empresarial.

4.3 - Determinantes da Poupança do Governo

A formação da poupança do governo, ou seja, superávit corrente,15 depende de umintrincado conjunto de fatores econômicos, sociais e políticos, no qualdesempenha papel de extrema importância o grau de rigidez na alocação derecursos orçamentários. Assim, dada uma receita relativamente inelástica, um

15 No Brasil, o déficit público consolidado pode ser calculado pelas necessidades de financiamento dosetor público (divulgadas pelo Banco Central) e pelas informações das contas nacionais fornecidas peloIBGE. Utiliza-se o conceito de “acima e abaixo da linha”, tomado emprestado da contabilidade debalanços que define como “acima da linha” as rubricas de receitas e despesas do governo e como“abaixo da linha” o financiamento dessas operações. As contas nacionais permitem uma análise sobre os principais determinantes do déficit público(carga tributária, subsídios, despesas de investimento etc.). Por outro lado, as necessidades definanciamento do setor público procuram medir o déficit através do critério “abaixo da linha”, ou seja,pelo financiamento concedido pelo sistema financeiro e pelo setor privado, não permitindo análisesobre os fatores do endividamento. Teoricamente, os dois critérios deveriam apresentar resultadosiguais com sinal invertido, no entanto, tal fato não se verifica na prática devido aos diferentes critériosde abrangência do setor público, à periodicidade de apuração e ao critério de apropriação das despesas.

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conjunto de despesas correntes que se caracteriza por um alto grau de rigidez, porexemplo, pela existência de um grande conjunto de programas do tipo entitlemente de vinculações de fontes, permite pouco espaço para crescimento da poupançagovernamental.

Outro fator relevante é a existência de programas de seguridade social emrepartição operando em “equilíbrio”, cujas regras de concessão e manutenção debenefícios se achem cristalizadas em dispositivos legais que as tornempraticamente inflexíveis. É claro que, quando estes são deficitários, reduz-se oumesmo torna-se negativa a poupança governamental. A conseqüência é que parteda poupança privada, que de outra forma seria aplicada na formação de capitalfixo com impactos positivos sobre o crescimento econômico, é simplesmenteabsorvida para financiar déficit do sistema de seguridade social. Assim, aconclusão fundamental é que, para aumentar a poupança (ou reduzir adespoupança) do setor público é fundamental equilibrar os sistemas deprevidência.

A teoria econômica caminha no sentido de estudar as escolhas e o comportamentodo governo notadamente através da teoria dos jogos. Diversos modelos assumem ahipótese de que os partidos políticos que se alternam no poder agem de formaestratégica ao longo do tempo.

Segundo Edwards (1995) um incentivo ao aumento da poupança do governodependerá de duas variáveis político-econômicas fundamentais: a probabilidadede o partido não poder continuar no poder no período seguinte e o grau depolarização política. Se a primeira variável apresenta uma probabilidade baixa dese concretizar, a oposição se encontrará no poder quando a política der resultadose ganhará os créditos por seu sucesso, o que obviamente desestimula um esforçovisando ao aumento da poupança do governo. Estudos empíricos mostram quequanto maior o grau de instabilidade política menor será a poupança do governo.

O segundo determinante seria a heterogeneidade das preferências dos diferentespartidos políticos. A análise político-econômica afirma que quanto maior o graude polarização política menor será a poupança do governo [ver Edwards (1995)].A comprovação empírica deste fato no entanto é difícil.

Uma política de incentivos ao aumento da poupança agregada através de umaumento da poupança do governo revela-se a alternativa mais recomendada nasdiscussões sobre o assunto. Isto se explica, em um primeiro momento, pelo fato deum crescimento da poupança pública gerar um aumento da poupança total atravésde ação direta do governo, não dependendo portanto do setor privado (famílias eempresas) e das complexas variáveis comportamentais a ele ligadas. É importantelembrar que existe um efeito de crowding-out entre poupança do governo epoupança privada, fazendo com que (apesar do aumento líquido) a poupançaagregada não aumente tanto quanto a poupança pública.

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4.4 - Estratégia de Aumento da Poupança Interna

Como foi visto até o momento, os mecanismos que governam a geração dapoupança privada não são claros. Um enorme conjunto de variáveis, atuando emlongos intervalos de tempo, parece afetar o processo, dificultando consideravel-mente a identificação de relações de causa e efeito. Diversos estudos analisaram aslimitações de políticas de incentivo à poupança privada, contestando sua eficiência[Engen et alii (1996)]. O aumento no nível de poupança privada de formavoluntária parece ser um processo lento, essencialmente de longo prazo.

Por outro lado, a imposição de esquemas de poupança compulsória podesimplesmente provocar um efeito de crowding-out, ou seja, a substituição dapoupança voluntária pela compulsória.

O aumento da poupança do governo parece ser uma forma direta e eficiente deelevar o nível de poupança interna, apresentando-se assim como a alternativa maisrecomendada. Em termos de formulação de políticas que favoreçam ocrescimento, isto significa que o objetivo deve ser o de equilibrar os sistemas deprevidência, visando à poupança pública, e ao mesmo tempo fazer com que ossistemas previdenciários tenham embutidos os incentivos corretos que estimulemo crescimento da poupança privada.

5 - A CONVERSÃO DE UM SISTEMA DE REPARTIÇÃO EM UM SISTEMA PRIVADO DE CAPITALIZAÇÃO AUMENTA A POUPANÇA?

Em um regime de capitalização, as contribuições aportadas são capitalizadasconstituindo reservas para a cobertura das despesas com benefícios futuros e háuma forte vinculação entre as contribuições que cada indivíduo realiza e osbenefícios recebidos. Já em um sistema de repartição simples os recursosarrecadados em um exercício são utilizados para o pagamento de benefíciosdurante o mesmo exercício, sendo portanto constituído por transferências intra eintergeracionais. O equilíbrio ou excedente deste sistema é vinculado essencial-mente à estrutura demográfica.

Argumenta-se freqüentemente que uma reforma visando à substituição de umregime de repartição por um sistema de capitalização individual elevaria o nívelde poupança interno e conseqüentemente aceleraria o crescimento econômico. Noentanto, os impactos de tal reforma sobre a poupança agregada parecem serambíguos. Aparentemente podemos afirmar que a passagem de um sistema para ooutro aumentaria a poupança, apesar da difícil comprovação empírica [ver Nitsche Schwarzer (1997), Rondanelli (1996) e Schmidt-Hebbel et alii (1996)]; masdevemos ser cuidadosos quanto a resultados demasiadamente positivos. Diversosautores [Beattie e Mcgillivray (1995) e Singh (1995)] sustentam que os efeitos dosistema de seguridade sobre o nível de poupança são reduzidos e dão-se essen-cialmente no longo prazo, contrariando as evidências aportadas por Feldstein.

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Na realidade, dadas a complexidade do fenômeno e as limitações das técnicaseconométricas, é impossível isolar precisamente os diferentes fatores determinan-tes nesta questão, o que acaba proporcionando resultados contraditórios.

5.1 - O Caso Chileno

Diversos autores atribuem o aumento do nível de poupança no Chile depois dosanos 80 a uma série de reformas (incluindo-se a reforma previdenciária), emconjunto com um esforço do governo no sentido de conter seus gastos.

No caso específico da reforma previdenciária no Chile (1981), substituiu-se osistema tradicional por um novo programa privado compulsório, totalmentecapitalizado e administrado por entidades privadas [Associações de Fundos dePensão (AFPs)], sendo o sistema público16 uma opção de second-best destinado àscamadas mais pobres da população. A Tabela 5 mostra algumas características donovo sistema chileno de previdência social.

Tabela 5Características do Sistema de Seguridade Social Chileno — 1981/94

1981 1989 1994Beneficiários: Número 1.400.000 3.470.845 5.014.444

% da Força de Trabalho 36,7 74,2 94,6Contribuintes AtivosNúmero Nd 2.642.757 2.943.479% dos Beneficiários Nd 76,1 58,7Número de Firmas 12 13 21Parte das Três Maiores Firmas 71,3 65,3 52,7Comissão MédiaUS$ por Contribuinte Nd 77 135% do Fundo Nd 4,9 2,1Tamanho do Fundo de Pensão: milhõesUS$

305 4.470 22.435

% do PIB 0,9 17,8 42,2

Fonte: Superintendência de Pensões, Instituto de Economia/UGM.Nd: Não-disponível.

Devemos notar que um sistema de capitalização é por definição auto-equilibrado,já que cada indivíduo passa a receber aquilo que aporta sem qualquer tipo desubsídio cruzado. Recebe-se exatamente o montante que se pagou acrescido derendimentos e descontadas as taxas de administração. Logo, no longo prazo, não 16 Após um bom número de medidas de racionalização que reduziu drasticamente as perspectivasde déficit.

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haverá déficit público causado pelo sistema, o que contribui, como vimos, paraum aumento da poupança interna. A realidade chilena é, porém, algo diferentedesta concepção na medida em que o Estado se apresenta como garantia dosistema em caso de bancarrota ou ainda se a taxa mínima de retorno não foralcançada.17 Alguns autores [ver Uthoff (1997)] sustentam, inclusive, que naprática não houve uma privatização do sistema de seguridade social, já que oEstado regula a demanda (através das contribuições compulsórias), regula a oferta(supervisionando as AFPs), financia parte das pensões e administra e financia oantigo sistema.

Coloca-se freqüentemente o problema do déficit gerado na transição de umsistema de repartição para um sistema de capitalização. Em outras palavras,surgiriam dois tipos de problemas: a) as contribuições dos ativos que financiam opagamento dos inativos no regime de repartição são agora redirecionadas paracontas individuais de capitalização junto às AFPs; e b) os “direitos em aquisição”dos contribuintes no antigo sistema devem ser reconhecidos, através de um ououtro tipo de “bônus de reconhecimento”.

Verifica-se que, na realidade, o déficit não é gerado mas somente explicitado. Osistema de repartição é, na realidade, um compromisso para com os trabalhadorese atuais aposentados que equivale a uma dívida pública implícita (Hidden debt).18

Durante a transição, o Estado será obrigado a honrar seus compromissos com osindivíduos já aposentados, porém não receberá mais contribuições dostrabalhadores ativos. Portanto, a reforma torna esta dívida explícita, o que podeacarretar instabilidade macroeconômica em um contexto de incerteza,influenciando o estado das expectativas. Desta forma, o financiamento da novadívida explícita é um ponto crítico para o sucesso da transição. Se esta éfinanciada por um aumento na dívida do governo não haverá nenhum efeitoconsiderável sobre o nível de poupança [ver Rondanelli (1996)] ou talvez efeitosnegativos devido ao aumento da dívida pública explícita. No entanto, se atransição for financiada por um aumento dos impostos, como qualquer outrapolítica fiscal que vise liquidar a dívida estatal, terá um efeito positivo sobre aacumulação de capital. Poderíamos ainda considerar a possibilidade definanciamento da dívida através de uma redução dos gastos correntes do governo,o que resultaria em aumento significativo da poupança agregada. Outra alternativaseria a utilização de ativos da privatização no processo, embora não sejam, namaioria dos casos, suficientes para financiar a transição.

No que se refere à poupança privada, os sistemas de capitalização podem formarhábitos de poupança acabando com a chamada “miopia”, na medida em queexplicitam a relação entre o ato de poupança e a obtenção de um benefício futuro.O indivíduo toma consciência que deve poupar para consumir no período inativo,afastando-se do comportamento de risco moral (moral hazard). Quando umindivíduo participa de um sistema de seguridade privado ele reconhece a

17 Após a liquidação da AFP.18 O déficit da seguridade social explicitado situa-se em torno de 126% do PIB no Chile.

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importância da poupança para a aposentadoria; notamos aqui um efeito“educativo” da reforma. Mais uma vez a discussão introduzida por Feldstein deveser retomada.

Devemos destacar igualmente que uma reforma do tipo chilena estabelece, deforma compulsória, um nível mínimo de acumulação no sistema de seguridade.Não nos propomos aqui tratar a necessidade ou não da compulsoriedade emsistemas de previdência social, mas somente o impacto desta medida sobre apoupança interna, que dependerá do grau de substituição entre poupançacompulsória e poupança voluntária. Os agentes econômicos podem trocar parte dapoupança voluntária que “naturalmente” fariam pelas aplicações compulsórias,sem alterar o nível de poupança agregada ou ainda diminuindo-o. Há apossibilidade do surgimento de um efeito de crowding-out da poupançavoluntária, causando distorções e ineficiências alocativas assim como perda debem-estar.

É importante ressaltar que, em setembro de 1996, dos 5,5 milhões de contribuintesem idade ativa do sistema chileno somente 2,5 milhões depositaram efetivamentesua contribuição. Grande parte dos excluídos pertence às camadas de baixa renda,vulneráveis ao desemprego e ao trabalho no mercado informal, o que dificulta amanutenção de um ritmo contínuo de depósitos.

No entanto, o efeito mais marcante da passagem de um sistema de repartição paraum regime de capitalização parece ser o desenvolvimento e aprofundamento domercado financeiro.19 Por mercado financeiro desenvolvido entende-se,usualmente, um mercado capaz de realizar suas funções de forma eficiente.Podemos identificar sete funções para o mercado de capitais:

a) a transferência de recursos de capital;b) a acumulação de capital;c) a seleção de projetos e investidores;d) a monitoria da utilização dos recursos;e) a garantia do cumprimento dos contratos;f) a diversificação dos riscos; eg) o registro das transações.

Em um sistema de capitalização a poupança acumulada pelos trabalhadores deveser investida para propiciar o retorno esperado, gerando assim uma demanda porativos financeiros que dinamiza os mercados de capitais tornando disponíveis ummaior número de instrumentos, produtos e serviços de intermediação, além deproporcionar o fortalecimento das entidades fiscalizadoras. Este processo deaprofundamento do mercado pode ter efeitos positivos sobre o nível de poupançana medida em que aumenta a eficiência da intermediação e a produtividade docapital através de uma alocação “ótima” de recursos, acelerando assim o 19 Porém, alguns autores sustentam que existe um risco real de saturação do mercado financeirointerno em países subdesenvolvidos, o que teria um efeito negativo sobre as taxas de rendimento,ver Beattie e Mcgillivray (1995).

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crescimento econômico. Schmidt-Hebbel et alii (1996) destacam ainda adiminuição da necessidade de poupança externa devido ao aumento relativo dosativos domésticos e ao crescimento dos estoques de poupança financeira emdecorrência da diversidade de instituições, produtos e serviços financeiros.

Deve-se sublinhar o fato de que o processo de inovação financeira (por exemplo, autilização crescente de derivativos e a securitização) está intimamente ligado aodesenvolvimento dos fundos de pensões, principalmente nos Estados Unidos eCanadá [ver Davis (1995)].

Por outro lado, como já foi discutido, tal aprofundamento pode levar a umafrouxamento das restrições de liquidez aumentando o consumo em detrimento dapoupança privada.20

As Tabelas 6 e 7 mostram a evolução e aprofundamento do mercado financeirochileno após a passagem para o sistema de capitalização. Notamos que osmontantes transacionados em ações triplicaram em relação ao PIB entre 1980 e1992. Os montantes transacionados em renda fixa (papéis de longo prazo)atingiram 63% do PIB em 1992, enquanto a intermediação financeira chegou a46% do PIB. Ambos os indicadores eram pouco relevantes no início da década de80 (0,21% e 2,66% do PIB, respectivamente). É difícil pensar que tal desenvol-vimento da atividade no mercado de capitais não esteja intimamente ligado aoaumento substancial do volume dos fundos de pensão e, portanto, à reforma dosistema de seguridade social. De fato, os fundos de pensão representavam 35% doPIB em 1992 e estima-se que chegarão a 50% do PIB no final do século.

Os Gráficos 4 e 5 mostram a evolução do nível de poupança no Chile desde adécada de 70, evidenciando os fatos até aqui discutidos. Notamos um crescimentosubstancial da poupança governamental assim como da poupança interna noperíodo “pós-reforma” principalmente a partir de 1986. Porém, até meados dadécada de 80, ou seja, nos primeiros anos do novo sistema, o que se verificou narealidade foi uma queda do nível de poupança interna. A poupança total passou de16,1% do PIB em 1970 para 27,7% em 1996. Evidentemente, tais fatos nãoexplicitam nenhuma relação direta de causalidade entre a reforma do sistema deseguridade social e o nível de poupança.

20 Não nos propomos aqui a debater se os países em desenvolvimento deveriam estimular umsistema financeiro baseado em instituições bancárias (modelos alemão e japonês) ou fomentar osmercados de capitais (modelo anglo-saxão); para uma discussão mais ampla do tema, ver Beattie eMcgillivray (1995).

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Tabela 6Desenvolvimento do Mercado de Capitais e dos Fundos de Pensões — 1980/92

(% do PIB nominal)

Ações RendaFixa

Interme-diação

Financeira

Patri-mônio

Bursátil

Reservasde Cias.

de Seguro

Fundosde

Pensão

FundosMútuos

Fundos deInvestimento

de CapitalEstrangeiro

TítulosEmitidos

porEmpresas

M7-M1

1980 1,99 0,21 2,66 34,09 1,63 Nd 2,59 Nd 0,18 Nd1981 1,15 0,29 4,50 21,60 1,54 0,93 2,09 Nd 0,29 27,941982 0,67 3,74 12,59 26,05 2,40 3,62 2,51 Nd 1,70 32,981983 0,33 6,17 3,62 14,60 2,58 6,41 0,55 Nd 1,50 31,531984 0,27 5,66 3,62 14,26 3,28 8,54 0,54 Nd 1,53 34,691985 0,36 11,62 10,13 14,36 3,51 10,93 0,78 Nd 1,57 40,331986 1,87 27,38 18,50 25,62 4,10 13,37 1,28 Nd 0,89 42,651987 2,85 33,66 28,92 29,85 4,67 14,92 1,56 Nd 1,49 47,611988 2,97 39,76 46,53 31,84 4,83 16,48 1,70 Nd 2,20 47,771989 3,61 51,82 40,95 41,60 5,74 19,69 1,43 0,42 3,75 54,781990 3,12 56,49 21,43 54,22 7,36 26,56 1,72 1,81 4,99 63,541991 6,53 42,03 31,82 95,90 8,69 34,54 2,90 3,27 6,14 66,571992 5,73 63,17 46,45 82,49 9,29 34,53 2,62 3,03 5,49 68,97

Fonte: Arrau (1994).Nd: Não-disponível.

Tabela 7Reforma do Mercado de Capitais Chileno — 1980/93

Data Reforma Conteúdo

Novembro 1980 D.- L. no 3.500 Cria o sistema privado de pensões.Dezembro 1980 D.- L. no 3.538 Lei orgânica da superintendência de valores e seguros (SVS).Agosto 1981 Lei no18.022 Modifica a lei orgânica de Superintendência de Bancos e Instituições

Financeiras (SBIF), ampliando os poderes do superintendente.Outubro 1981Outubro 1981

Lei no18.045Lei no18.046

Lei do mercado de valores.Lei das sociedades anônimas.

Janeiro 1986 Circular 585SVS

Obriga a informar de transações acionárias efetuadas por diretores eexecutivos majoritários.

Março 1986 Circular 601SVS

Obriga a informar qualquer operação ou evento que possa afetarsignificativamente seus negócios.

Novembro 1986 Lei no 18.576 Lei geral dos bancos.Outubro 1987 Lei no18.660 Obrigatoriedade de classificação contínua de risco dos valores de oferta

pública, apoiando as normas de diversificação que afetam os fundos depensão.

Julho 1989 Lei nº18.815 Lei dos fundos de investimento. Permite aos fundos de pensão investir emvalores mobiliários e em capital de risco.

Maio 1993 Circular 776SAFP

Obrigatoriedade de informar de forma padronizada aos afiliados arentabilidade da conta individual.

1993 Projeto de Lei Modifica substancialmente diversas leis do mercado de capitais.21 Cria osFundos de Investimento para o Desenvolvimento de Empresas (Fide).Aperfeiçoa a indústria classificadora de riscos. Flexibiliza os limites deinvestimento das AFPs. Regula os fatores de risco para os investimentosdas AFPs no exterior.

Fonte: Arrau (1994).

21 A reforma caminha na direção da flexibilização dos limites e instrumentos disponíveis para oinvestimento dos fundos de pensão e do fortalecimento das normas reguladoras. Para maioresdetalhes sobre seu conteúdo, ver Arrau (1994).

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Gráfico 4Poupança a Preços Correntes no Chile — 1972/94

(Em % do PIB)

-15

-10

-5

0

5

10

15

20

25

30

1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994

GOVERNO INTERNA PRIVADA

Fonte: IMF (1997).

Gráfico 5Poupança a Preços Correntes no Chile — 1970/96

(Em % do PIB)

-5

0

5

10

15

20

25

30

1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996

INTERNA EXTERNA TOTAL

Fonte: IMF (1997).

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Alguns autores afirmam que a reforma do sistema de seguridade social chilenoseria responsável por um aumento da poupança da ordem de 6,6% do PIB[Rondanelli (1996)]. Talvez os efeitos indiretos da reforma sobre a acumulação decapital sejam mais significativos que os diretos, na medida em que contribuempara a criação (tanto no plano econômico como no institucional) de um ambientefavorável à expansão da poupança e do investimento. Neste quadro, a reformaprevidenciária só apresentaria resultados significativamente positivos se acom-panhada por reformas e medidas em outras áreas, visando garantir a estabilidademacroeconômica e política. Desta forma, o aumento do nível de poupança noChile pode ser igualmente atribuído às reduzidas taxas de inflação, às taxas dejuros reais positivas porém ajustadas à produtividade do capital, ao fortalecimentofinanceiro do setor público, à reforma bancária que fortaleceu o mercado eassegurou os depósitos, ou ainda às taxas de crescimento econômico que foramsuperiores a 5% durante vários anos [ver Uthoff (1997)].

A Tabela 8 apresenta de forma detalhada alguns efeitos da reforma sobre apoupança interna segundo os cálculos de Holzmann (1997). Devemos notar quesomente em 1989 obtiveram-se os primeiros efeitos líquidos positivos e que areforma exibe custos fiscais crescentes.

Tabela 8Reforma Previdenciária e seus Efeitos sobre a Poupança — 1981/94

(Em % do PIB)

Efeitos LíquidosTotais

PoupançaPrivada Criada

ContribuiçãoLíquidaa

PoupançaLíquidab

Custos Fiscaisda Reformac

1981 -0,2 1,3 0,9 0,4 -1,51982 -2,2 2,6 1,7 0,9 -4,81983 -1,8 3,0 1,5 1,5 -4,81984 -1,1 3,7 1,5 2,2 -4,81985 -0,2 4,4 1,5 2,9 -4,61986 -0,9 3,9 1,6 2,3 -4,71987 -0,2 4,6 1,6 3,1 -4,81988 -0,9 3,8 1,6 2,2 -4,71989 1,6 6,0 1,9 4,2 -4,51990 3,4 8,6 1,9 6,7 -5,31991 3,2 8,4 2,4 6,1 -5,31992 2,6 7,7 2,8 4,9 -5,11993 2,8 8,2 2,4 5,7 -5,41994 2,0 7,6 2,2 5,4 -5,6

Fonte: Holzmann (1997).a Contribuição das pensões para os fundos mais outras contribuições, menos comissões epagamentos de benefícios.b Mudanças no valor dos ativos dos fundos de pensão excluindo-se os ganhos de capital.c Contribuição do Estado para os fundos de pensão excluindo-se prestações de assistênciasocial.

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6 - POUPANÇA E PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

Desde meados da década de 80, o Estado brasileiro perdeu seu papel de grandegerador de recursos para financiamento do investimento interno, na medida emque a poupança estatal tornou-se fortemente negativa. Tal fato é evidenciado pelaconstatação de que, durante a década de 70, a poupança do Estado correspondeu amais de 1/3 da poupança interna [ver Werneck (1986)]. Na realidade, segundoalguns autores, o ônus do ajuste relativo à crise do endividamento externo duranteos anos 80 recaiu essencialmente sobre o Estado, contribuindo assim para a erosãode sua capacidade de gerar poupança. Desta forma, a redução da poupançagovernamental não teria sido em hipótese alguma causada por um aumento dosgastos em consumo do governo, que teriam se mantido constantes no período. Adiminuição da poupança estatal não foi compensada por um aumento da poupançaprivada, o que evidentemente levou a uma redução da poupança interna (verTabela 1 e Gráfico 6).

Gráfico 6Evolução da Poupança no Brasil —1971/97

(Em % do PIB)

-10

-5

0

5

10

15

20

25

30

35

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

Governo Privada Interna Externa Total

Fonte: IBGE.

No que se refere à poupança privada, apesar de ter apresentado uma melhora nofinal da década de 80, verificou-se novamente uma queda no início dos anos 90[ver Além e Giambiagi (1997)]. O aumento do consumo devido à estabilização e

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ao Plano Real, somado ao novo dinamismo dos mecanismos de crédito e aoenfraquecimento das restrições de liquidez, certamente contribuiu para a diminui-ção da acumulação privada no período.

O recurso à poupança externa encerrou-se freqüentemente no Brasil com crises nobalanço de pagamentos. Na realidade, notamos uma participação expressiva dapoupança externa no nível de poupança total durante os anos 70 e a partir de 1995(ver Gráfico 6 e Tabela 1). Durante a década de 70 a abundância de liquidezinternacional permitiu a existência de consideráveis déficits em conta correnteresultantes de uma política econômica que procurou manter a taxa de investimentosuperior a 25% do PIB, não levando em consideração a gravidade do novo quadrode restrições externas. A desaceleração do crescimento do comércio internacionalassim como o aumento da taxa de juros paga pelo Brasil tornaram-se os grandesresponsáveis pela deterioração do balanço de pagamentos na década de 70 queoriginou, em parte, a crise brasileira da década de 80, caracterizada pelo excessivoendividamento externo, inflação fora de controle e estagnação. No períodorecente, o endividamento externo se insere na estratégia de estabilização cambialdo Plano Real.

Neste quadro, a poupança privada reduzida assim como a “despoupança” dogoverno impõem limites ao crescimento sustentado da economia brasileira,tornando-o dependente dos voláteis capitais internacionais. O Gráfico 6 apresentaa evolução do nível de poupança no Brasil desde a década de 70, explicitando astendências anteriormente discutidas.

O sistema de seguridade social brasileiro, por sua vez, é baseado em um regime derepartição, no qual os benefícios dos inativos de hoje são financiados pelos ativosde hoje. O sistema sempre apresentou vícios e erros (agravados com aConstituição de 1988) devido à falta de rigor técnico e a liberalidade excessiva.Abriu-se, desta forma, espaço para inúmeros abusos e disparidades que dificultamou impossibilitam seu financiamento e, portanto, sua sustentabilidade no longoprazo. Desta forma a previdência social é, e será ainda mais no futuro, responsávelpor parte do déficit governamental e conseqüentemente pela redução da poupançainterna no Brasil.

A Tabela 9 demonstra que eventuais superávits primários gerados pelo Tesourofederal tendem a ser totalmente consumidos pelo déficit do sistema de previdênciasocial. Nota-se que, em 1997, o Tesouro realizou um superávit de R$ 20 bilhões,no entanto este foi em grande parte absorvido pelo saldo negativo da previdênciasocial de cerca de R$ 19 bilhões.

Existem evidências que o problema é maior em níveis estadual e municipal do queem nível federal, embora não haja informações precisas. Como demonstra aTabela 10, há um comprometimento muito elevado das receitas estaduais com afolha de pessoal. Estima-se que dentro de mais alguns anos diversos estados emunicípios terão despesas com inativos iguais aos gastos com o pessoal ativo. Noano de 1995 todos os estados se encontravam acima do limite legal (definido na

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lei Rita Camata) de 60% de comprometimento da receita com gastos de pessoal, oque pode levar à insolvência da maioria dos tesouros estaduais no curto prazo.

Tabela 9Resultado Primário do Governo Federal — 1997

Saldo doTesouro1

Saldo da PrevidênciaSocial2

Saldo do SeguroDesemprego3

Resultado Primário doGoverno Federal

Em R$Milhões

20.002 -19.285 3.606 4.323

% do PIB 2,38 -2,30 0,43 0,52

Fonte: Boletim de Finanças Públicas do CGFP/IPEA.a O saldo do Tesouro é obtido pela subtração da receita líquida do tesouro (receita total menostransferências a estados/municípios) e despesas (pessoal e encargos ativos, outros custeios ecapital, saúde, demais, operações oficiais de crédito).b O saldo da Previdência é dado por: receita do INSS (arrecadação bancária e outros, transferênciasa terceiros) menos despesas do INSS (benefícios previdenciários e despesas operacionais) mais, noque se refere aos servidores públicos inativos, o saldo entre as contribuições ao plano deseguridade social dos servidores e despesas com aposentadoria e pensões.c O saldo do seguro desemprego é constituído pela arrecadação do PIS/Pasep menos segurodesemprego mais abono.

Tabela 10Gastos com Pessoal e Número de Servidores Estaduais — 1995

Estados Número de Ativos eInativos

Relação entre Gasto comPessoal e Receita Líquida (%)

Espírito Santo 77.000 91Santa Catarina 115.000 90Alagoas 76.000 88Piauí 80.000 85São Paulo 932.000 85Rio Grande do Norte 103.000 82Rio Grande do Sul 271.000 81Distrito Federal 130.000 81Goiás 143.000 80Pernambuco 134.000 78Paraná 180.000 77Minas Gerais 491.000 72Paraíba 99.000 70Rio de Janeiro 290.000 70Ceará 106.000 66Bahia 190.000 65Média — 78,6

Fonte: Mare.

Desta forma, os objetivos de uma reforma da previdência devem atentar para oequilíbrio do sistema de seguridade, o que resultaria em um aumento da poupançado setor público. Evitaríamos, deste modo, que parte da poupança privada, que de

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outra forma seria aplicada na formação de capital físico, seja desviada para ofinanciamento do déficit previdenciário.

Embora as recentes tentativas de reforma do sistema tenham por objetivo suaviabilização, notadamente através da redução do déficit e das disparidadesobservadas, ainda constituem iniciativas tímidas e insuficientes no longo prazo. Osubstitutivo do Senador Beni Veras à Proposta de Emenda Constitucional (PEC)no33 de 1996 (aprovado em plenário pelo Senado em outubro de 1997) tem, entresuas principais propostas, o fim da aposentadoria proporcional por tempo deserviço, estabelecendo-se uma aposentadoria por tempo de contribuição comlimites de idade de 53 anos para homens e 48 anos para mulheres. Estes limitesdeverão crescer progressivamente até atingir 60 anos para homens e 55 anos paramulheres. Em relação ao tempo de serviço que ainda faltaria para a aposentadoriapelas regras atuais, haverá um acréscimo de 20% no caso da aposentadoriaintegral e de 40% no caso da proporcional. No que se refere aos funcionáriospúblicos, o valor da aposentadoria não poderá mais ser superior ao daremuneração do servidor em atividade, proibiu-se e fixou-se um teto para aacumulação de aposentadorias no serviço público e foi vedada a contagem detempo de contribuição fictício. No tocante ao Regime Geral de Previdência Social(RGPS) e ao Regime do Servidor Público, estabeleceram-se novos critérios paraaposentadorias especiais: somente professores de educação infantil e trabalhadoresque exercem atividades que prejudicam sua saúde teriam direito a se aposentarextraordinariamente.

Tais medidas eliminam alguns absurdos do sistema de previdência socialbrasileiro amparados pela lei, porém não atacam os problemas estruturaisrelacionados com a transição demográfica e as grandes transformações domercado de trabalho.

Há um relativo consenso, entre os técnicos da área, de que a reforma daprevidência aprovada no Senado se encontra distante do que seria financeiramentedesejável para a viabilização do sistema. O Gráfico 7 apresenta os futuros déficitsgerados pelo RGPS segundo as regras atuais da Previdência (Base) e com areforma (PEC-33). Para o cálculo foi considerado todo o universo de contribuintese beneficiários, urbanos e rurais, do RGPS, e a receita considerada igual àcontribuição incidente sobre a folha de salários. A taxa de formalização foiconsiderada constante no tempo e a evolução demográfica baseada nas projeçõesde Camarano et alii (1991). As medidas estudadas apresentam-se descritas aseguir, tendo sido consideradas apenas as que apresentavam maior impactofinanceiro:22

a) eliminação das condições para a aposentadoria antecipada — aposentadoriaespecial de professores (exceto os de ensino fundamental), jornalistas e aeronautas

22 Para uma apresentação completa das bases da projeção, assim como do cenário macroeconômicoe parâmetros utilizados no modelo, consultar Oliveira, Beltrão e Souza (1998).

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passariam a ter regras de aposentadoria iguais às do restante da população desegurados; e

b) limite de idade para aposentadoria por tempo de serviço.

Gráfico 7Déficit(-), Superávit(+) RGPS em cada Ano para Diferentes

Alternativas — 1998/2028(Em % do PIB)

-7%

-6%

-5%

-4%

-3%

-2%

-1%

0%

1998 2003 2008 2013 2018 2023 2028

BASE PEC-33

Fonte: Grupo de Seguridade Social/IPEA.

Foram considerados os limites etários de 53 anos para homens e 48 anos paramulheres para a concessão de todas as aposentadorias por tempo de serviço eespeciais, inclusive professores.23 Esses limites cresceriam progressivamente atéatingir 60 e 55 anos, respectivamente se homens ou mulheres.24

Nota-se que, embora a reforma reduza consideravelmente o déficit futuro, ainda seenfrentará uma situação distante do equilíbrio ou superávit a longo e médioprazos, já que os problemas estruturais do sistema não são solucionados.

A Tabela 11 mostra as economias proporcionadas pela PEC-33 para o RegimeJurídico Único (RJU) tanto em nível federal quanto municipal, assim como para oINSS segundo os cálculos do grupo de seguridade social do IPEA.

23 Pela emenda PEC-33, os professores do ensino fundamental em efetivo exercício em sala de aulacontinuariam a fazer direito à aposentadoria quando completassem 30 e 25 anos, respectivamentese homens ou mulheres. Ocorre que, ao nível federal praticamente não há docentes de ensinofundamental.24 Esse limite etário seria usado para os novos entrantes no sistema.

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Tabela 11Economias Proporcionadas pela PEC-33 — 1998/2000/2007(Em R$bilhões de 1996)

1998 1999 2000 Acumulado (1998/2007)

RJU FederalRedutor do valor dos benefícios acimade R$ 1.200

0,04 0,08 0,12 1,46

Limites de idade para AP TSa 0,92 1,22 1,55 23,41Eliminação da aposentadoria especialpara professoresb

0,17 0,24 0,31 4,91

Subtotal RJU federal 1,13 1,54 1,98 29,78RJU-estadual/municipalRedutor do valor dos benefícios acimade R$1.200

0,05 0,11 0,17 2,09

Limites de idade para AP TSa 1,31 1,75 2,21 33,48Subtotal RJU estadual/municipal 1,36 1,86 2,38 35,57INSSEliminação da aposentadoria especial 0,39 0,52 0,62 5,61Limites de idade AP TS 0,94 1,44 2,03 42,18Subtotal INSS 1,33 1,96 2,65 47,79Total geral 3,82 5,36 7,01 113,14

Fonte: Grupo de Seguridade Social/IPEA.a Cinqüenta e três anos para homens e 48 para mulheres crescendo até 60 (H) e 55 (M), adicionalde 20% do tempo que falta para a aquisição de direito à aposentadoria por tempo de serviçosegundo as regras atuais.b Professores , jornalistas e aeronautas passam a se aposentar segundo a regra geral.

A Tabela 12 apresenta os efeitos econômicos e financeiros da PEC-33 sobre oRGPS até o ano 2007. Notamos que apesar de se verificar uma redução dos gastose um incremento das receitas comparativamente ao sistema atual, a previdênciasocial continuará deficitária (estima-se que no ano 2000, mesmo com a PEC-33, odéficit será de cerca de R$ 3,2 bilhões de 1996).

Por outro lado, os fundos privados de pensão com um patrimônio da ordem deUS$ 76 bilhões e cerca de 6 milhões de participantes em 1997 representam umaalternativa promissora para o financiamento da retomada do crescimento susten-tável diante das restrições do balanço de pagamentos. Porém, são necessários maisliberdade e profissionalismo no relacionamento com os fundos que podem realizarinvestimentos essenciais em infra-estrutura e em pequenas e médias empresas.

Os chamados “fundos de pensão” são formados, no Brasil, por dois grandesgrupos de entidades: as chamadas entidades abertas de previdência privada(EAPP) e as entidades fechadas (EFPP). Enquanto as primeiras são, usualmente,empresas independentes e abertas ao público em geral, as EFPPs são organizadascomo sociedades civis sem fins lucrativos tendo clientela restrita. Os planos decapitalização das EFPPs são oferecidos somente aos empregados das empresaspatrocinadoras. As cotas de capitalização são pagas pelo afiliado e pela empresapatrocinadora, contrariamente às EAPPs, em que o pagamento de cotas corre

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unicamente por conta do afiliado. Os fundos de pensão abertos podem ter finslucrativos contrariamente às entidades fechadas. As entidades abertas possibilitamo acesso à previdência privada para aqueles que não dispõem de acesso aos fundosfechados como, por exemplo, pequenos empresários e autônomos com rendasuperior ao teto de aposentadoria do sistema de previdência público.

Tabela 12Efeitos Econômicos e Financeiros da PEC-33 sobre o RGPS(Em R$ bilhões de 1996)

INSS 1998 1999 2000 Acumulado1998/2007

Gastos1. Sistema atual 56,57 60,88 65,46 799,262. Pec-332.1. Fim de aposentadorias especiais 56,20 60,38 64,87 794,302.2. Limite de idade para aposentadorias por tempo de serviço 55,47 59,37 63,50 764,55Receitas1. Sistema atual 51,32 55,34 59,62 723,872. Pec-332.1. Fim de aposentadorias especiais 51,33 55,36 59,66 724,522.2. Limite de idade para aposentadorias por tempo de serviço 51,55 55,80 60,31 736,85Déficit1. Sistema atual 5,25 5,54 5,83 75,392. Pec-332.1. Fim de aposentadorias especiais 4,87 5,01 5,21 69,782.2. Limite de idade para aposentadorias por tempo de serviço 3,92 3,57 3,19 27,70

Fonte: Grupo de Seguridade Social/IPEA.

As grandes empresas estatais foram pioneiras no patrocínio de fundos de pensãofechados, o que explica a predominância dos fundos “públicos” em relação aosprivados neste setor. No entanto, os planos de previdência destas empresas sãoalvo de grande polêmica, essencialmente devido a abusos cometidos no cálculodos benefícios, nos repasses e na utilização de recursos. A atual forma de controlee regulação incidentes sobre as EFPPs e EAPP é exercida por três órgãos doEstado não necessariamente articulados entre si: o Ministério da Previdência eAssistência Social (MPAS), o Ministério da Fazenda através da Susep e o BancoCentral. Permitiu-se às empresas, tanto estatais como privadas, criar programas deaposentadoria sem o devido planejamento, gerando considerável ônus para aspatrocinadoras e para o Estado no longo prazo. A inexistência de mecanismoseficientes de regulação e controle estatal tem prejudicado o bom funcionamento, odinamismo e a credibilidade do setor. Faz-se necessário que se promovam arevitalização e a articulação das atuais instâncias de regulação e controle assimcomo a criação de instâncias com o objetivo de garantir a liquidez e credibilidadedo sistema.

Uma característica marcante do conjunto das aplicações do setor é que, com odesenvolvimento do mercado de capitais e instrumentos financeiros, os títulospúblicos outrora dominantes cederam espaço para outros ativos como ações epapéis bancários que constituem atualmente 65,7% da carteira de aplicações dos

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fundos. No entanto, a experiência internacional mostra-nos que a participação dostítulos públicos nos investimentos dos fundos de pensão varia de acordo com ascondições de mercado, a instabilidade econômica e as necessidades financeiras.Os ativos imobiliários representam uma parte considerável dos investimentos(15,3% em 1997) por constituírem uma aplicação de risco relativamente baixo. ATabela 13 apresenta de forma mais detalhada a carteira consolidada dos fundos depensão no Brasil.

Tabela 13Participação dos Ativos nas Aplicações Totais dos Fundos de Pensão — 1994/97

(Em %)

1994 1995 1996 1997

Ações 39,1 29,5 30,9 28,7Títulos públicos 3,8 4,4 5,7 3,5Papéis bancários 23,9 26,5 29,0 37,0Debêntures 1,9 5,2 4,8 3,9Ativos imobiliários 19,0 20,7 18,0 15,3Operações internas 9,7 11,3 9,1 9,4Outros 2,6 2,5 2,4 2,2

Fonte: Abrapp.

Nesta tabela podemos notar que a previdência privada no Brasil é compara-tivamente pequena (ver Gráfico 8), gerando assim um montante de recursos para oinvestimento e crescimento econômico muito abaixo de seu potencial.

Gráfico 8Ativos dos Fundos de Pensão — 1996

(Em % do PIB)

ATIVOS DOS FUNDOS DE PENSÃO (EM % DO PIB) 1996

0

20

40

60

80

100

120

140

Ho

lan

da

Su

íça

Áfr

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Su

l

Din

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Fra

nça

Arg

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Fontes: Abrapp e The Coming Global Pension Crisis, 1997.

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7 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os modelos de previdência social, baseados em um sistema de capitalização, sãoconsiderados por muitos um paradigma de eficiência capaz de solucionar osproblemas enfrentados atualmente pelos regimes tradicionais, possuindo igual-mente efeitos extremamente positivos sobre o nível de poupança interno ecrescimento econômico, afetando desta forma os chamados fundamentos macroe-conômicos.

Ao longo deste trabalho, porém, apresentamos diversas ressalvas quanto ao “mito”dos regimes de capitalização, enfatizando a complexidade das relações entre asdiversas variáveis. Apesar de acreditarmos que uma reforma no sistema deseguridade possa vir a ter efeitos positivos sobre a poupança, especialmente noque se refere à criação de um ambiente favorável à sua expansão, devemosressaltar que ela não é suficiente por si só para um aumento substancial daacumulação de capital, devendo ser acompanhada de um leque de mudanças norestante da economia. Os efeitos diretos mais significativos de uma reforma destetipo seriam, como vimos, um possível aumento da poupança do governo atravésda redução do déficit previdenciário e o aprofundamento do mercado financeiro.Enquanto o primeiro afeta positivamente a poupança agregada se apresentandoassim como a alternativa mais promissora, o segundo tem relações ambíguas econfusas com o nível de poupança.

É importante notar que a ampliação da poupança é limitada pelo fato de que, apósum período de crescimento dos fundos de pensão, chega o momento em que osparticipantes se aposentam e começam a sacar seus recursos. A partir daí toda aexpansão da poupança relativa ao sistema previdenciário decorrerá essencialmentedo crescimento demográfico.

Desta forma, devemos nos resguardar quanto a expectativas demasiadamenteotimistas em relação aos resultados deste tipo de reforma, principalmente quandoconsideramos os complexos mecanismos que se inserem no processo de formaçãode poupança e suas relações com o crescimento econômico. É essenciallembrarmos que o aumento das taxas de poupança deve ser acompanhado de umcrescimento da eficiência dos investimentos, da acumulação de capital humano,inovações tecnológicas e outros fatores para um crescimento sustentável doproduto.

Apesar de contribuir para o processo de acumulação de capital e crescimentoeconômico, a seguridade social não é capaz em si de solucionar o problema dadiminuição do ritmo de crescimento do produto.

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ANEXO

O IBGE divulgou em dezembro de 1997 um novo sistema de contas nacionaispara os anos de 1990 a 1996 baseado no System of National Accounts (1993) dasNações Unidas. Apesar das modificações na metodologia de cálculo, o sistemanão apresenta ainda uma estimativa da taxa de poupança independente doinvestimento (formação bruta de capital fixo), o que impossibilita uma percepçãomais precisa do nível de acumulação de capital no Brasil.

As novas contas foram divulgadas a preços correntes, sendo que não maisproduzir-se-ão dados a preços constantes de um ano-base, mas somente a preçosdo ano anterior, o que resulta em uma redução da diferença entre as séries a preçoscorrentes e a preços constantes, à exceção dos anos de inflação alta. Elimina-seassim o problema do aumento da diferença entre a taxa de investimento(poupança) a preços correntes e a preços constantes à medida que se afastava doano-base (ver Tabelas 14 e 15).

Tabela 14Evolução da Taxa de Investimento (FBCF) a Preços Constantes de 1980 e aPreços Correntes — 1990/95

(Em % do PIB)

Ano Correntes Constantes

1990 21,6 15,51991 18,8 15,21992 18,9 14,01993 19,2 14,41994 19,6 15,31995 19,2 16,6

Fonte: IBGE.

Tabela 15Novo Sistema de Contas Nacionais: Taxa de Investimento (Poupança Total) aPreços Correntes e Constantes — 1990/97

(Em % do PIB)

Preços Constantes(1990)

Preços Constantes(1995)

Preços Constantes(1996)

Preços Correntes

1990 20,7 20,6 19,3 20,71991 19,5 19,4 18,2 18,11992 18,3 18,2 17,1 18,41993 18,5 18,5 17,3 19,31994 20,0 20,0 18,7 20,81995 20,6 20,5 19,2 20,51996 20,5 20,4 19,1 19,11997* 21,9 21,1 19,8 Nd

Fonte: IBGE.* Estimativa IPEA/DIPES/GAC.

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