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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros CARLOS, E. A construção de encaixes institucionais e domínio de agência no movimento popular urbano: mecanismos e configurações. In: LAVALLE, A.G., CARLOS, E., DOWBOR, M., and SZWAKO, J., comps. Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós- transição [online]. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2018, pp. 165-209. Sociedade e política collection. ISBN: 978-85-7511-479-7. https://doi.org/10.7476/9788575114797.0006. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. Primeira parte - Movimentos e políticas sociais no Brasil pós-transição Capítulo 3 - A construção de encaixes institucionais e domínio de agência no movimento popular urbano: mecanismos e configurações Euzeneia Carlos

Primeira parte - Movimentos e políticas sociais no Brasil ...books.scielo.org/id/v4cnf/pdf/lavalle-9788575114797-06.pdf · p6_MIOLO_Movimentos Sociais-Adrian.indd 165 09/05/2019

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros CARLOS, E. A construção de encaixes institucionais e domínio de agência no movimento popular urbano: mecanismos e configurações. In: LAVALLE, A.G., CARLOS, E., DOWBOR, M., and SZWAKO, J., comps. Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição [online]. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2018, pp. 165-209. Sociedade e política collection. ISBN: 978-85-7511-479-7. https://doi.org/10.7476/9788575114797.0006.

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license.

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0.

Primeira parte - Movimentos e políticas sociais no Brasil pós-transição Capítulo 3 - A construção de encaixes institucionais e domínio de

agência no movimento popular urbano: mecanismos e configurações

Euzeneia Carlos

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Capítulo 3 A construção de encaixes

institucionais e domínio de agência no movimento popular urbano:

mecanismos e configurações

Euzeneia Carlos

Introdução

No contexto de transformações nas relações entre o Estado e a sociedade civil no Brasil pós-transição, a explicação dos pro-cessos de institucionalização requer a consideração do caráter mutuamente constituído das inter-relações entre essas esferas. Ao contrário das perspectivas estritamente centradas no Estado ou na sociedade civil como esferas dicotômicas e autônomas, o enfo-que dinâmico dessas dimensões como campos em interação, cujas fronteiras são fluidas e imprecisas, permite apreender suas confi-gurações como produto de um processo interativo e contingente de mútua constituição (Skocpol, 1992).

Neste capítulo, o pressuposto de mútua constituição en-tre Estado e sociedade civil e a sua articulação às teorias dos mo-vimentos sociais realça os atores institucionais e os sociais como politicamente relevantes e mutuamente imbricados na conforma-ção da ação coletiva e das interações socioestatais. Essa vinculação analítica é fundamental à compreensão das interconectividades entre atores coletivos e instituições, especialmente no contexto de institucionalização dos canais de mediação pós-Constituição

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Federal de 1988. Ao enfocar a relação entre atores estatais e socie-tários, esta abordagem ascendeu o papel crítico que o Estado e as instituições políticas desempenham na configuração da sociedade civil, possibilitando oportunidades para grupos ou movimentos arquitetar o “encaixe institucional” (engineering fit), ao mesmo tempo em que as restringe a outros, enquanto pontos de aces-so às instituições e de influência política no processo de decisão (Skocpol, 1992, p. 54). Contudo, o reconhecimento amplo do postulado de mútua constituição do Estado e sociedade civil exige que a ênfase na centralidade da configuração institucional dos go-vernos e dos sistemas de partidos, como condicionante crucial da ação de atores políticos e sociais, seja complementada pela noção de que “o condicionamento, além de recíproco, é de índole itera-tiva e molda tanto as capacidades dos atores societários quanto as das instituições políticas” (Gurza Lavalle, Houtzager e Castello, 2011; Gurza Lavalle, Carlos, Dowbor e Szwako, 2017 e neste li-vro). Conferindo o mesmo status ontológico às duas dimensões, não somente o Estado condiciona as capacidades dos atores socie-tários, mas igualmente os últimos são construtores do primeiro.

Os encaixes (fit) conferem aos atores sociais acesso mais per-manente às instituições, ampliando sua capacidade de influência (Carlos, Dowbor e Albuquerque, 2017). Conforme argumentado no capítulo de abertura deste livro, os encaixes são definidos rela-cionalmente como processos intermediários de solidificação insti-tucional derivados de interações socioestatais, que atribuem alguma agência com certa duração aos atores sociais envolvidos na institu-cionalização de demandas e ações. Nesse processo de instituciona-lização de médio alcance, as modalidades de encaixes institucionais podem constituir “domínios de agência”, quando a legitimidade e agência dos atores sociais são reconhecidos pelo Estado em um âm-bito específico de política. Enquanto produto de processos históri-cos de conflito, aprendizagem e cooperação, os domínios de agência possuem perfis configuracionais, sendo compostos por encaixes, ca-

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pacidades de ação e de organização e por capacidades estatais (Gurza Lavalle, Carlos, Dowbor e Szwako, 2017 e neste livro).

Essa abordagem de domínios de agência, que descansa sob o pressuposto de mútua constituição entre instituições políticas e atores sociais, orienta a explicação de processos de institucionali-zação oriundos dessa codeterminação e de construção de encaixes institucionais no Estado. Contudo, o enfoque remete a produção de domínios de agência para processos endógenos à dinâmica de interação socioestatal correspondente, donde resulta a construção das instituições e das capacidades dos atores. Este capítulo busca iluminar elementos dessa endogenia, explorando os mecanismos de construção de encaixes institucionais e domínios de agência, e identificando seu perfil configuracional a partir de estudo de caso emblemático do processo de institucionalização no Brasil pós-transição.

A contribuição deste capítulo consiste assim em analisar o processo histórico de construção de encaixes institucionais e do-mínios de agência, em face de dinâmicas de institucionalização e de interação socioestatal, com base na trajetória de uma organização do movimento popular urbano no Espírito Santo, denominada Fams (Federação das Associações de Moradores da Serra). A Fams representa um caso emblemático do processo de institucionaliza-ção que também ocorreu em outros movimentos e organizações, no contexto brasileiro posterior à redemocratização. Seus encaixes institucionais se tipificam em acessos, órgãos, regras, cargos e ins-trumentos de participação na gestão pública municipal, abarcando desde o orçamento participativo, os conselhos e conferências de políticas públicas, o plano plurianual e plano diretor urbano, até a criação de órgãos em secretarias, a ocupação de cargos comissiona-dos e o gerenciamento de programas e convênios governamentais. Importa indagar como o movimento social emergente no período de transição do regime autoritário, ao longo de três décadas, cons-trói encaixes, na mediação da relação sociedade-Estado, que con-

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ferem acesso mais permanente às instituições e alongam no tempo sua capacidade de influência?

Considerando que os encaixes institucionais derivam ou são construídos por processos históricos de interação socioestatal, este capítulo explora dois mecanismos de sua formação. O primeiro, relativo à gênese relacional do movimento social, consiste na re-lação com instituições na fundação do ator (Igreja católica e par-tidos políticos de esquerda) e a função dessas como “incubadoras institucionais” (Houtzager, 2004). Nesse caso, a interação com grupos religiosos e instituições partidárias na fundação da organi-zação do movimento, ou seja, sua rede de relações pregressa com incubadoras, além de influir positivamente na construção de en-caixes, conduz ao aprendizado institucional necessário à interação com instituições no contexto democrático. O segundo mecanismo se refere à permeabilidade do Estado (Marques, 2006) e sua me-diação por coalizões partidárias e eleitorais. Esse acentua a interde-pendência entre movimentos sociais, partidos políticos e eleições na construção de encaixes institucionais (Skocpol, 1992).1 Assim sendo, “a capacidade de criar domínios de agência varia no tem-po tanto pelo peso do passado quanto pela sensibilidade das ins-tituições à transformação em momentos críticos (Gurza Lavalle, Houtzager e Castello, 2011, p. 51). Adicionalmente, este capítulo busca identificar o perfil configuracional do domínio de agência resultante do processo estudado, considerando três componentes – encaixes, capacidades organizacionais e interações socioestatais.

O argumento geral possui dois componentes. Primeiro: na construção histórica de encaixes e domínios de agência operam dois mecanismos que tencionam a ideia de autonomia dos movi-mentos sociais como ausência de relação com instituições, (i) as

1 Esta abordagem enfoca a relação dos movimentos sociais com as instituições na explicação das interações socioestatais e da institucionalização, ainda que o comportamento dos movimentos seja também moldado pela sua dinâmica interna e por fatores culturais.

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incubadoras institucionais na rede de relações pregressa do movi-mento e o aprendizado decorrente e, (ii) as coalizões partidárias--eleitorais e seu papel na permeabilidade do Estado. Segundo: os padrões organizacionais do ator social e de interação com o Estado se associam à construção de encaixes que, por sua vez, constituem o perfil configuracional do domínio de agência. Tecidos sob en-caixes no Estado, capacidades organizacionais e padrões de coo-peração com as instituições, os domínios de agência prolongam no tempo a influência dos atores sociais, dada a exclusividade de acesso ao Estado e a legitimidade de agir em políticas específicas.

Em termos metodológicos, o estudo em profundidade da trajetória da Fams se baseia em análise histórica longitudinal des-sa organização do movimento popular urbano, ao longo de um continuum temporal de três décadas (1980-2010), com ênfase no seu padrão organizacional e de interação com o Estado com vis-tas a influenciar o processo político. O modelo analítico buscou explorar os mecanismos intervenientes na construção de encaixes e domínios de agência desde a fundação do ator no contexto de redemocratização, caracterizando o perfil configuracional deste no período pós-transição, decorrente do processo histórico de in-teração e de institucionalização. A investigação densa da Fams foi favorecida por perspectiva multi-method, que conduziu a combi-nação entre instrumentos do método qualitativo e quantitativo, a saber: (1) pesquisa documental formada por 138 arquivos selecio-nados no acervo da organização do movimento popular; (2) en-trevista em profundidade com quatro atores-chave da Fams; e (3) survey de questionário semiestruturado aplicado a 28 ativistas da Fams, selecionados por meio de amostra não aleatória que consi-derou a posição de centralidade do ator no movimento. Os dados provenientes desses diferentes instrumentos metodológicos foram agrupados em torno de temas a fim de verificar a triangulação das

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evidências e promover a validação dos resultados a partir de linhas convergentes de investigação.2

O capítulo segue estruturado em três partes. Após esta in-trodução, a primeira seção discute a relação entre movimentos sociais e instituições nas teorias dos movimentos sociais, com des-taque às contribuições da literatura que atenta para as interações socioestatais no contexto de institucionalização. A segunda analisa o processo histórico de construção de encaixes e domínio de agên-cia pela Fams e seus mecanismos, como as relações com incuba-doras institucionais e seus aprendizados, e as alianças partidárias e eleitorais no contexto de permeabilidade estatal. Finalmente, a terceira seção analisa as configurações do domínio de agência da Fams no pós-transição, caracterizada pela institucionalização de encaixes no Estado, por mudanças nas capacidades organizacio-nais do ator e no seu padrão de interação socioestatal voltado à influência na política pública.

2. Abordagens sobre a relação entre movimentos sociais e insti-tuições políticas

A análise das interações entre os movimentos sociais e as instituições políticas permanece subdesenvolvida nas Teorias de Movimentos Sociais (TMS), pois carece de instrumentos concei-tuais e metodológicos adequados para explicar essas relações em

2 Para maiores informações sobre o desenho de pesquisa, o perfil dos entrevistados, a estrutura do survey e a listagem completa dos documentos examinados da Fams, vide Apêndice Metodológico e Referências Documentais no livro Movimentos sociais e instituições participativas: efeitos do engajamento institucional no contexto pós-transição (Carlos, 2015b), também presente na tese de doutorado da autora (Carlos, 2012). Cabe destacar que o estudo mencionado analisa comparativamente, além da Fams, outras três organizações de movimentos sociais, a saber, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH), o Conselho Popular de Vitória (CPV) e a Associação Capixaba de Proteção ao Meio Ambiente (Acapema), localizados na região metropolitana do Espírito Santo.

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sua complexidade e multidimensionalidade.3 Por sua vez, as abor-dagens que buscam explicar o comportamento e a trajetória dos movimentos sociais a partir de sua relação com as instituições e elites políticas podem oferecer uma contribuição nesse sentido. Após longo hiato, trazer as instituições políticas de volta à análise das interações sociais consiste em relevante complemento às teo-rias tradicionais de movimentos sociais.

A incorporação sistemática do Estado e das instituições, dos partidos políticos inclusive, nos quadros analíticos de movi-mentos sociais implica no reconhecimento da interdependência e mútua constituição entre Estado e sociedade civil. Desse modo se distancia das TMS que supõem uma separação rígida entre esses e a política institucionalizada e analisam a ação coletiva a partir de modelos dicotômicos: protesto-institucionalização, outsider-insider, conflito-cooperação, autonomia-cooptação. A Teoria do Processo Político desenvolveu as teses mais influentes acerca da “instituciona-lização do movimento”, concebida como a sua integração às estru-turas do Estado, a mudança no repertório de confronto e a busca de benefícios concretos por meio da negociação e acordo (Tarrow, 1997; McAdam, Tarrow e Tilly, 2001). A institucionalização do movimento produziria efeitos de complexificação em sua estru-tura organizacional, expressos pela rotinização, burocratização, profissionalização e desmobilização da ação coletiva (Meyer e Tarrow, 1998; Kriesi, 1999; Piven e Cloword, 1979; McCarthy e Zald, 1973). Porém, o modelo dicotômico e conflitivo que abarca essas TMS, além de descuidar da diferenciação nos padrões orga-nizacionais, obstou a compreensão das interconectividades entre movimentos e instituições e da heterogeneidade dos efeitos da ins-titucionalização sobre os atores e as políticas. Conforme argumen-tam Abers e von Bülow (2011), a separação analítica rígida entre

3 Para uma discussão ampliada das teorias dos movimentos sociais e de suas limitações à explicação das relações desses com o Estado, vide: Carlos (2015c).

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sociedade e Estado restringe a compreensão dos movimentos em processos de interação com atores institucionais, pois inibe esses teóricos de explorar a diversidade de conexões entre movimentos sociais e o sistema político, mantendo invisíveis certos tipos de re-lações entre atores coletivos e o Estado.

Ao contrário desses, os estudos acerca da interpenetração entre movimentos e instituições acentuam que a estrutura das ins-tituições e a dos movimentos sociais são mutuamente influencia-das, e que muitos movimentos interagem, constituem relações e formam alianças com agências do Estado, partidos políticos e gru-pos religiosos (Goldstone, 2003; Giugni e Passy, 1998; Hanagan, 1998; Mische, 2008). Embora alguns movimentos se identifiquem como revolucionários claramente outsiders e como opositores às instituições estabelecidas, muitos outros mantêm relações ativas com atores políticos e institucionais, em diferentes contextos his-tóricos e em processos dinâmicos de mútua constituição.

O reconhecimento das interações entre os atores societários e as estruturas diversas é imprescindível à adequada compreensão da complexidade e diversidade dos movimentos, defende Mische (2008). Nesse sentido, as possibilidades de relações dos movimen-tos com o Estado não são reduzidas às interações de poder con-flituosas, mas abarcam as conexões cooperativas ou colaborativas entre os atores em torno da produção de políticas públicas ou de alianças com partidos políticos (Goldstone, 2003; Giugni e Passy, 1998; Hanagan, 1998). Ainda que a visão de movimentos sociais como uma forma específica de contentious politics não deva ser abandonada, é preciso admitir que movimentos sociais se engajam em um conjunto de atividades que não necessariamente implica em relação de conflito com os detentores de poder. Em sociedades complexas, movimentos também cooperam com o Estado, especialmente na solução de problemas públicos, na elaboração e na implementação de políticas. Os movimentos sociais assim “intervém nos processos políticos de duas formas: desafiando as

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políticas ou propostas existentes e colaborando na elaboração e implementação de políticas governamentais” (Giugni e Passy, 1998, p. 82).

Em consonância com esse enfoque, os estudos brasileiros recentes têm contribuído para a compreensão das interações entre movimentos sociais e instituições. Esses demonstram que, no con-texto pós-transição de institucionalização dos canais de mediação, os movimentos sociais combinam uma diversidade de padrões de interação com o Estado em termos de cooperação, conflito e auto-nomia que prescindem da desmobilização (Carlos, 2017; 2015a; 2015b; 2012), incluindo táticas institucionalizadas como a ocupa-ção de cargos públicos (Dowbor, 2012). Em complemento, Silva e Oliveira (2011) demonstram que padrões complexos de relações entre sociedade civil e Estado, mediadas por partidos políticos de esquerda, constituem um “trânsito institucional” que favorece a institucionalização de demandas do movimento. Ao contrário das interpretações de negação e externalidade em face da instituciona-lidade política, predominantes no contexto de redemocratização do país, esses autores constatam um padrão de intersecção entre movimentos e Estado impulsionado pelo trânsito de militantes para agências governamentais (Silva e Oliveira, 2011).

Em seu estudo, Abers, Serafim e Tatagiba (2014) demons-tram que a variedade de formas de relação dos movimentos sociais com o Estado compreende “repertórios de interação”, nos quais incluem-se um conjunto de rotinas – protesto, participação insti-tucional, política de proximidade e ocupação de cargos públicos. Conforme explicam as autoras, os repertórios de interação “permi-tem uma combinação criativa de tradições históricas de interação Estado-sociedade em modos que promoveram novas formas de negociação e diálogo” (Abers, Serafim e Tatagiba, 2014, p. 346). A compreensão da multiplicidade de modalidades de relação do movimento social com o Estado constitui relevante contribuição à literatura. Dentre outras, isto indica que nas interações com o

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Estado o movimento pode combinar o engajamento em institui-ções participativas com uma diversidade de repertórios de atuação, na finalidade de direcionar as suas demandas ao Estado e influir na agenda política. Explicar as diversas modalidades de interdepen-dência nas interações socioestatais e avaliar as suas consequências para os atores e as políticas, constitui importante desafio para a agenda de pesquisa que busca incorporar o Estado e as instituições nos quadros analíticos dos movimentos sociais (Gurza Lavalle e Szwako, 2015).4

Neste propósito, o conceito de incubadores institucionais (Houtzager, 2004) assume relevo na explicação das relações entre movimentos sociais e instituições políticas. “Incubadores institu-cionais são atores da elite que estimulam e apoiam a formação de grupos e vão além do papel tradicional dos aliados dos movimen-tos” (p. 166). Isso significa que as elites e instituições políticas po-dem assumir o papel de incubador institucional para o movimento social contencioso, influenciando a formação de atores, em parti-cular de grupos pobres sem recursos e politicamente marginaliza-dos, porque incidem na superação dos obstáculos da ação coletiva. Diferente dos aliados que se restringem ao apoio aos movimentos existentes, os incubadores buscam criar e organizar novos movi-mentos, reconstruindo clivagens políticas e reorientando a con-testação política. Ao fazê-lo, as instituições incubadoras atraem participantes para seus campos ideológico e organizacional e rede-finem as bases de agrupamentos existentes. De modo intencional e crucial os incubadores contribuem para as redes sociais locais, os recursos organizacionais e as estruturas ideológicas necessárias para mitigar os obstáculos da ação coletiva, impactando de modo substantivo a formação organizacional e identitária dos atores so-

4 Para uma análise dos efeitos das interações entre movimentos sociais e Estado sobre os padrões de ação coletiva, vide Carlos (2012, 2015b, 2017). Os impactos dessas relações socioestatais sobre o Estado foram examinadas por Abers e Keck (2013), e sobre a política pública de habitação por Tatagiba e Teixeira (2016).

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ciais (Houtzager, 2004). No estudo do movimento sindical rural o autor demonstra que setores progressistas da Igreja católica, a CUT e o PT assumiram o papel de incubadoras institucionais para o “novo sindicalismo”, com impacto significativo sobre suas identidades coletivas e organização no contexto de fundação. Em última instância, realça o papel do Estado e das instituições políti-cas na formação da ação coletiva e na construção de redes associati-vas nos setores marginalizados, influindo tanto sobre as trajetórias quanto as identidades dos movimentos, com implicações sobre a nossa compreensão das relações entre Estado e sociedade.

À medida que agentes estatais e organizações da sociedade política desempenham papel fundamental na formação de atores coletivos e da vida associativa, em diversos contextos, sua incorporação aos quadros analíticos dos movimentos sociais contribuirá para a compreensão das relações desses com o Estado e as instituições, e dos processos de institucionalização voltados à influência política.

3. A construção histórica de encaixes institucionais e domínio de agência

O processo histórico de construção de encaixes institu-cionais e domínio de agência pela Federação das Associações de Moradores da Serra (Fams) remete aos anos 1980 e 1990 e marca seu desfecho nos 2000. Neste decurso operam dois mecanismos: (i) as relações pregressas do movimento contencioso com incuba-doras institucionais e o aprendizado resultante; (ii) as alianças com partidos políticos e coalizões eleitorais, e seu papel na permeabili-dade do Estado às demandas dos atores coletivos. Recuperar esses dois mecanismos do processo constitutivo de encaixes e domínios de agência é o intuito desta seção.

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3.1 Gênese relacional, incubadoras institucionais e aprendizado na Fams

A gênese relacional do movimento popular da Serra consiste na sua rede de relações pregressa com setores religiosos progressis-tas e instituições partidárias de esquerda, composta ainda por ou-tros movimentos sociais e organizações civis. Com efeito, a Igreja católica e o Partido dos Trabalhadores restaram influentes na for-mação organizacional e identitária do movimento popular porque assumiram o papel de incubadoras institucionais. Nesta seção bus-ca-se argumentar que a relação com incubadoras institucionais na formação do movimento, mediada pela multifiliação de ativistas, gerou aprendizados que favorecem sua propensão a interagir com o Estado e a construir encaixes no contexto pós-transição.

A Fams surgiu em 1980 a partir do trabalho de organização popular das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e das Pastoral Operária e Pastoral Juventude para o Meio Popular da Igreja ca-tólica, do grupo de mulheres atualmente Associação de Mulheres Unidas da Serra (Amus) e das comissões temáticas de moradores, de saúde e de educação. Autodenominada “movimento popular”,5 a Fams congregou uma rede de movimento social composta por múltiplas organizações e atores em interação, sendo essas, associa-ções de moradores, grupo de mulheres, grupo de operários, grupo de jovens e outras entidades do município com objetivos seme-lhantes. A motivação para a fundação dessa organização federativa teve um duplo caráter, o organizacional (unificar, articular e for-talecer os segmentos comunitários) e o reivindicatório (melhorias sociais e urbanas) orientado para o Estado. Atualmente, possui

5 Também chamados “movimentos populares urbanos”, que incluem os movimentos de bairros, vilas e favelas, organizados por entidades (associação de moradores, movimentos comunitários, conselhos populares) ou por lutas específicas, a nível regional ou nacional, transporte, solo urbano, moradia etc. (Gohn, 1988).

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uma estrutura federativa com 125 associações de moradores e suas principais realizações correspondem a setores das políticas sociais, nas áreas de saúde, infraestrutura urbana, transporte coletivo, edu-cação, moradia e meio ambiente.

Na visão dos ativistas, a formação de um movimento fede-rativo, em nível municipal, que agregasse e articulasse as associa-ções de bairros dispersas, fragmentadas e enfraquecidas constituía estratégia eficiente para o reconhecimento de sua legitimidade enquanto canal de mediação da relação entre o Estado e a socie-dade civil. Por conseguinte, as reivindicações por saneamento, transporte, educação, calçamento, saúde e meio ambiente seriam alcançadas por intermédio da organização popular e da defesa dos direitos sociais; ao contrário das práticas políticas então vigentes que vinculavam a aplicação de recursos públicos à intermediação de grupos conservadores. Para os ativistas, não bastava criar uma organização comum aos movimentos, unificadora das bandeiras de lutas e avessa a relações políticas de favor e troca. Era necessário es-truturar as associações existentes e criar outras novas, construí-las formalmente, propor formas organizacionais que favorecessem a participação no processo decisório, o debate dos temas, problemas e soluções, o posicionamento diante de interesses e ideias contrá-rias e o exercício da liderança com representatividade. Enfim, era necessário um longo e sistemático trabalho de educação política voltada à prática democrática, de politização e de conscientização da importância da organização popular e da elaboração da noção de “direitos a ter direitos”.6

Ativistas, movimentos sociais, segmentos religiosos e parti-dos políticos de esquerda atuaram nesse trabalho de organização e politização do movimento popular da Serra. Especialmente a rela-ção com a Igreja católica e o Partido dos Trabalhadores (PT), além

6 O potencial dos movimentos sociais, das décadas de 1970 e 1980, na renovação dos padrões socioculturais, se expressou sobretudo na questão dos “direitos a ter direitos” (Telles, 1994) e de uma “nova cidadania” (Dagnino, 1994).

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de integrantes do movimento estudantil, do movimento sanitaris-ta, do movimento de direitos humanos, do movimento operário e do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Essas diferentes expres-sões políticas atuaram na formação da Fams, manifestando con-sensos, dissensos e tensões que deram a dinâmica do movimento e influenciaram a sua gênese relacional, organizacional e identitária.

A Igreja católica, por meio das CEBs e dos programas pas-torais, contribuiu decisivamente para a formação do movimento popular na Serra e influenciou sua condução por intermédio de ativistas multifiliados que participavam, ao mesmo tempo, de co-munidades eclesiais de base, de movimentos de bairro, de partidos políticos de esquerda, de movimentos de oposição sindical além de outras entidades sociais. É mister ressaltar o caráter informal, des-centralizado e não institucionalizado dessas relações, em grande medida, articuladas por “ativistas multifiliados” que se engajam e entrecruzam movimentos e instituições (Mische, 2003). 7

No setor progressista, a Igreja católica assumiu o papel de incubadora institucional para o movimento popular urbano. Sua contribuição se estende desde a organização dos primeiros grupos de trabalho na periferia da cidade até a criação da Federação das Associações de Moradores da Serra e muitos ativistas a reconhe-cem como o berço fundacional do movimento popular. Na con-cepção dos agentes das CEBs a construção de uma nova sociedade na qual as mazelas sociais fossem sanadas passava pela organização popular e pela autonomia dos movimentos na relação com os po-deres constituídos. No processo formativo de educação popular que empreenderam para as lideranças comunitárias os temas da democracia de base, da capacidade política das classes populares e da sua autonomia do Estado assumiram enfoque principal. Essa es-trutura ideológica que a Igreja forneceu foi fundamental para seu

7 No contexto de transição democrática, a relação de movimentos sociais com setores da Igreja católica e com o Partido dos Trabalhadores foi identificada por estudiosos. Vide, respectivamente, Doimo (1995) e Sader (1988).

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papel de incubadora institucional do movimento popular urbano porque traduziu novo conteúdo em identidades preexistentes. Por seu turno, a formação de líderes comunitários que coordenavam uma variedade de atividades religiosas e sociais foi crucial para superar o obstáculo de recrutar e formar ativistas do movimento. Além de fornecerem experiência e infraestrutura organizacional, capacitação de lideranças e arcabouço ideológico-identitário, as CEBs e pastorais da Igreja contribuíram para expansão das redes sociais locais por meio da conexão entre as comunidades e dos la-ços entre as lideranças e suas bases.

A Igreja católica agregou ao programa de educação popu-lar das CEBs alguns militantes de partidos e tendências políticas de esquerda que agiam clandestinamente. Com a emergência da Fams, esses ativistas – caracterizados pela multifiliação ao movi-mento popular, ao Partido dos Trabalhadores8 e ao Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP)9 – acompanharam e assessoraram o movimento sistematicamente, imprimindo suas referências identitárias e ideológicas nesse espaço, ora em combi-nação, ora em conflito com os discursos da organização religiosa. Serpa (1990) denominou os agentes pastorais e os grupos políti-cos de esquerda que atuavam conjuntamente no assessoramento do movimento popular da Serra de “assessores pedagógicos”, dado o trabalho de educação popular que realizavam na organização societária.

Discursivamente, esses assessores convergiam quanto à orientação do movimento, particularmente no ideal de “autono-mia” das instituições políticas e do Estado e da organização demo-crática e de base. No entanto, as diferenças entre Igreja e partido político eram substantivas e alimentaram questões polêmicas – ser

8 O Diretório Municipal do PT, na Serra, foi criado em 1980.9 O MEP foi uma tendência política de esquerda voltada à revolução socialista no

país. Após a criação do PT, o MEP manteve-se na organização partidária como corrente política.

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ou não ligado à tendência política, imprimir ou não as orientações definidas por essas tendências nos movimentos – que estiveram na base das divergências desse grupo de assessores. Para os membros das CEBs, a aproximação entre o movimento popular e o ativismo partidário era indesejável, pois contrariava o ideal de autonomia das instituições políticas, ao passo que, para os partidários de es-querda, a Igreja não tinha uma proposta clara para os movimentos de modo que as comunidades eclesiais de base constituíam espa-ço inviável para o confronto político (Serpa, 1990). Por volta de 1980, os assessores vinculados ao PT e ao MEP iniciaram uma atuação independente das CEBs e criaram a Equipe de Apoio aos Movimentos Populares da Serra e Carapina.10 Numa certa simbio-se entre o movimento social e o partido político, a Equipe de Apoio foi estruturada em torno do compromisso com o movimento de bairro, o movimento operário e a organização do PT na Serra.

As implicações da relação do movimento popular com a Igreja era tema debatido no Diretório do PT da Serra e na Equipe de Apoio ao movimento. Esse grupo reconhecia a importância do trabalho realizado pela Igreja no município e a percebia como aliada no duro contexto de transição para a democracia, entre ou-tras razões, pelo despertar da liderança comunitária para o com-promisso político, pelos treinamentos e capacitações organizados, pelo apoio às reuniões, seminários e publicações do movimento. Por outro lado, o grupo avaliou que a Igreja não era mais a única força política que atuava nos movimentos e a substituição do refe-rencial cristão pela consciência de classe operária era fundamental à qualificação do movimento social, baseado em discussões acerca

10 A Equipe de Apoio aos Movimentos Populares da Serra e Carapina foi formada por professores e estudantes da Universidade Federal do Espírito Santo (departamentos de Serviço Social e de Filosofia), que atuavam como ativistas multifiliados a movimentos sociais, partidos políticos e grupos de esquerda, no final da década de 1970 e anos 1980.

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das limitações da instituição eclesial e do referencial cristão para a luta política almejada.

A gênese organizacional e identitária da Fams assim foi constituída na interação com estas duas instituições incubadoras, a Igreja católica e o PT, os quais, apesar das diferenças, convergiam nos princípios de democracia de base e de “autonomia” das insti-tuições políticas e do Estado. Na visão dos atores, aplicar o princí-pio da “democracia de base” evitava a centralização das atividades e do processo decisório, a personificação das conquistas alcançadas na figura do líder comunitário e o engessamento do movimento. Garantir a sua independência do sistema político significava rom-per com as relações patrimoniais e com o clientelismo que mar-caram a relação das organizações sociais com partidos políticos e com os governos, evitar o uso de relações pessoais como via de acesso aos bens públicos e se proteger das tentativas de cooptação. Esses princípios foram processados e reelaborados pelos ativistas em referências identitárias, discursivas e organizacionais, cujos aprendizados nortearam a ação do movimento popular ao longo do tempo.

Na relação com os partidos políticos e o Estado a “auto-nomia” constituiu o princípio discursivo de significativa difusão entre os movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980, acom-panhado da ideia de oposição e enfrentamento dos poderes cons-tituídos. Naturalmente, as práticas políticas do movimento nem sempre convergiram para esse discurso de autonomia e oposição, o qual foi reelaborado em diferentes conjunturas políticas. A rela-ção do movimento popular com os partidos políticos é marcada por tensões e ambiguidades. Por um lado, o movimento realizava críticas às instituições políticas conservadoras, ao interesse políti-co-eleitoral dessas instituições e à manipulação e cooptação. Por outro lado, o movimento desenvolveu uma aproximação com os partidos políticos e tendências políticas de esquerda, mediada pela

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afinidade entre seus projetos políticos.11 Desses últimos, absorveu--se o projeto político de transformação da sociedade, o discurso de que a questão política reflete a luta de classes e o discurso de oposição às instituições e ao Estado como forma de constituição da sociedade autônoma. Os membros do movimento, ao mesmo tempo em que cultivavam uma relação desejável com esses atores políticos, recusavam relacionar-se formalmente com a instituição da qual esses atores eram representantes, a fim de evitar a marca do partidarismo no movimento.

Essa relação ambígua entre o movimento e os partidos po-líticos se ancorava em discursos de “pureza” e “pluralismo” do primeiro frente ao segundo. O movimento se autoproclamava apartidário, baseado na defesa da sua não instrumentalização (ou aparelhamento) pelos partidos políticos e na sua autonomeação como representante dos interesses populares, sem qualquer sec-tarismo ou discriminação de credo religioso, ideologia ou filiação partidária (Fams, 1986, doc. 24).

O movimento precisava apresentar uma face neutra diante da administração pública, a fim de colocar-se como representante de um grupo abrangente da sociedade, sendo, nesse sentido, mais amplo que um partido.12 Como afirmam os ativistas: “a Fams e o movimento popular não têm donos, nem partido político; é movi-mento do povo, cuja preocupação é o interesse e as necessidades do mesmo” (Fams, 1983, doc. 9). Isso também significa, para os ati-vistas, uma tentativa de delimitar os espaços de atuação e garantir o direito de organização popular fora das instituições políticas, o que implica a recusa da mediação dos canais tradicionais na relação

11 Para a noção de projeto político, vide Dagnino (2002). A autora ressalta a importância da afinidade ou coincidência entre os diferentes projetos políticos da sociedade civil e da sociedade política, incluso o Estado.

12 Como explica Cardoso (1988, s/p): “Todas as associações sabem que devem manter uma aparência e um discurso apolítico, mesmo quando sua prática as desmente. Não podem tomar partido porque representam a todos”.

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com o Estado e a busca de uma relação direta e sem intermediação entre o movimento e o Estado. Manter o discurso de apartidaris-mo foi também necessário para evitar divisões internas prejudi-ciais ao movimento, o que é comum quando se vincula a uma sigla partidária. No discurso do movimento, “o partido cria divisões e o movimento precisa construir o consenso, a unidade, a ‘identidade comunitária’”, condição essa necessária ao fortalecimento dos gru-pos organizados que o compõem.

A autonomia dos partidos políticos e o apartidarismo é uma postura política expressa em nível discursivo e referente à relação de independência do movimento do sistema partidário. No nível das práticas, porém, a relação com os partidos é identificada em duas modalidades. Em primeiro lugar, a relação se manifesta no plano ideológico na medida em que crenças, ideias e ideologias são comuns a ambas as organizações e lhes conferem uma afinidade de sentido. Essa conexão ideológica entre movimento e partido é intermediada pela multifiliação de ativistas que atuam conco-mitantemente nesses espaços, os quais ativam um processo de influência mútua de seus discursos e práticas. Em segundo lugar, a relação do movimento com partidos políticos se estabelece no nível pragmático por meio da construção de apoios ou alianças po-líticas, especialmente em dois contextos. No pleito eleitoral para cargos no executivo e legislativo, quando o movimento estabelece apoio político-eleitoral a partidos considerados aliados das causas populares, por exemplo, ao PT, PCB e segmentos do PMDB no início da década de 1980. E na eleição da nova diretoria do movi-mento, ocasião em que as disputas e alianças para a formação das chapas sofrem a interferência de partidos políticos representados no movimento por ativistas multifiliados. Nesse último aspecto, a relevância da Fams como movimento representativo dos interes-ses de amplos grupos da sociedade transformou-a em arena de dis-putas por influência política de partidos de diferentes conotações ideológicas.

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Essa relação do movimento popular com partidos políticos, ora mediada por afinidade ideológica, ora por interesse em aliança política, ou por ambas, significa que o padrão de recusa e oposição à institucionalidade política não é generalizado e nem indiscrimi-nado. Ao contrário, o padrão é seletivo e intermediado pela ava-liação do potencial da coalizão com os atores políticos com vistas a influenciarem a agenda pública. O movimento, assim, convive com o desafio cotidiano de apresentar uma face independente diante do Estado e de construir apoios e alianças político-partidá-rias para consolidação dos seus projetos. Em sua gênese, o padrão de interação seletivo com essas incubadoras institucionais não reduziu o potencial de contestação do movimento, nem significou a elimina-ção do conflito diante de segmentos conservadores do Estado.

Em suma, a Igreja católica e o partido político de esquerda foram incubadoras institucionais na emergência do movimento popular urbano, são parte da gênese relacional do movimento e influíram decisivamente na sua formação organizacional e iden-titária. O papel das incubadoras institucionais na formação do movimento social contencioso contradiz as visões simplistas de autonomia como ausência de relação com as instituições, assu-mindo a acepção um significado mais relacional e contingente. Particularmente as CEBs e o PT agiram intencionalmente na cria-ção e consolidação do movimento, oferecendo suporte técnico e político à organização dos atores e promovendo debates e reflexões de impacto sobre as identidades. Por meio de dinâmicas educativas e da participação de ativistas multifiliados, as concepções e discur-sos enunciados e defendidos pelas incubadoras foram absorvidos e reelaborados em novos aprendizados pelo movimento, não sem divergências e tensões.

Esta seção buscou demonstrar que, sob condições de afini-dade política, identitária ou ideológica, as instituições assumem o

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papel de incubadoras para o movimento social contencioso com escassez de recursos e politicamente marginalizado das decisões políticas (Houtzager, 2004). Esse processo formativo conduz ao estabelecimento de relações entre movimentos e instituições que os conectam numa estrutura relacional de atores e organizações que vão além do papel tradicional de aliados dos movimentos. À medida que criam e organizam novos movimentos, as incubadoras institucionais reconstroem clivagens políticas e reorientam a con-testação política. A despeito da literatura comumente conceber as interações entre movimentos e instituições políticas como aliados e antagonistas, de modo dual, as incubadoras apontam uma con-figuração particular de relações entre movimentos e instituições, mutuamente constitutiva, pois mais que aliados formam identitá-ria e organizacionalmente os movimentos contenciosos.

Argumenta-se que a relação pregressa com as incubadoras institucionais na fundação do movimento, intermediada por ati-vistas multifiliados, constitui um dos mecanismos do processo histórico de construção de encaixes e domínios de agência. Assim sendo, a interação do movimento social com instituições no con-texto de fundação, como partidos políticos de esquerda e organi-zações religiosas, gerou aprendizado institucional e capacidades para construir encaixes na burocracia governamental, uma vez que o impacto significativo das incubadoras sobre as identidades e for-ma organizacional dos atores coletivos produziu aprendizados que favorecem sua predisposição para interações socioestatais, com vistas a influenciar o processo político. Por fim, o aprendizado de-corrente da relação pregressa com as incubadoras favoreceu o re-conhecimento pela Fams da legitimidade dos atores institucionais como interlocutores válidos.

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3.2 Coalizão partidária e eleitoral e permeabilidade do Estado

A relação do movimento social com incubadoras institucio-nais na sua fundação produz aprendizados que favorecem a cons-trução de encaixes institucionais, conforme argumentado. Nessa dinâmica, o segundo mecanismo de construção de encaixes no Estado consiste nas coalizões partidárias-eleitorais e seu papel na permeabilidade estatal. Este vincula-se à relação histórica do movi-mento popular com os partidos políticos de esquerda e a permea-bilidade governamental à proposta de participação social, os quais remetem à similaridade entre os diferentes projetos políticos que subjazem às relações entre a sociedade civil e o Estado. Resgatar o papel das alianças partidárias e eleitorais e da permeabilidade esta-tal na construção de encaixes institucionais é o intuito desta seção.

Esse elemento acentua o papel das alianças partidárias nas eleições para a construção de encaixes institucionais, conclaman-do a interdependência entre movimentos, partidos e eleições (Sckopol, 1992). Na Serra, o movimento popular constituiu vín-culos orgânicos e ideológicos com partidos políticos de esquerda, particularmente o PT, em um processo de simbiose e constitui-ção mútua conduzido por ativistas multifiliados ao movimento e ao partido, que foi influente na gênese de ambos. As relações de cunho ideológico e identitário entre o movimento e o parti-do conduziram ao apoio político da Fams às candidaturas do PT, nos pleitos eleitorais de 1982, 1988, 1992 e 1996, para o executivo local. Esses candidatos eram ativistas multifiliados ao partido e a Fams que atuaram ativamente na fundação do movimento e ocu-param posições de centralidade na sua direção.13

13 São eles: nas eleições de 1982, Salatiel Quiquita de Oliveira, nas eleições de 1988, Pedro Bussinger e de 1992, Brice Bragato. Essa última foi eleita vereadora no município da Serra nas eleições de 1988; dois anos depois eleita deputada

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Nos três primeiros processos eleitorais do período de transi-ção democrática, o PT perdeu as eleições para políticos tradicionais do município que se revezavam no poder – José Maria Feu Rosa (Arena/PDS depois PMDB) e João Baptista da Motta (PMDB depois PSDB). No pleito de 1996, o PT perdeu as eleições para o candidato do PDT Sérgio Vidigal, apoiado por coligação par-tidária que reuniu antigos aliados do Partido dos Trabalhadores, como o PPS (outrora PCB)14 e o PSB. Nas competições eleitorais seguintes o PT deixou de apresentar candidatura própria e pas-sou, juntamente com o PSB, a formar coalizão partidária com o PDT. O movimento popular, por sua vez, estendeu o apoio po-lítico-partidário e eleitoral ao PT à aliança então firmada com a coligação PDT-PT-PSB. Essa estratégia de composição eleitoral potencializou a construção de encaixes no governo municipal, porque incidiu na permeabilidade do Estado ao movimento e às suas demandas.15

Assim, as coalizões partidárias nas eleições municipais, asso-ciadas à permeabilidade estatal à proposta do movimento de im-plementar arranjos participativos na gestão pública municipal, se destacam como mecanismo para a construção de encaixes institu-cionais. De acordo com Marques (1999), “a permeabilidade é pro-

estadual e reeleita para os mandatos 1994-1998 e 2002-2006, pelo PT; em 2010, concorreu ao governo do estado pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

14 O PT e o antigo PCB vivenciaram momentos de apoio mútuo no período de transição do regime autoritário, embora disputassem a hegemonia política e ideológica no interior da Fams. Em geral, ambos os partidos convergiam nos ideais de transformação da sociedade e de unificação das bandeiras de luta em nível municipal, mas polarizavam o debate no interior da Federação e produziam ora situações de consenso ora de conflito e disputa, sobretudo quanto a concepção de relação do movimento com o Estado.

15 Adicionalmente, são evidências da aliança entre o movimento e os partidos da base de sustentação do governo Vidigal: (i) a composição da chapa do executivo, no cargo de vice-prefeito, por ativistas multifiliados ao movimento popular e ao PSB, sendo Valter de Paula (2000 a 2008) e Madalena Santana Gomes (2009 a 2012); (ii) a coordenação de campanhas eleitorais de candidatos da base partidária aliada, por militantes da diretoria executiva da Fams.

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duzida a partir de uma teia de relações e cumplicidades construída ao longo da vida dos indivíduos, incorporando diferentes tipos de elos que se espalham por todas as dimensões do social” (p. 49).16 Na Fams, a construção de pontos de acesso à esfera governamental é tributária da luta histórica empreendida pelos atores sociais na implementação do Orçamento Participativo, a partir da ascensão de grupo político no poder local, conforme veremos.

Nada fortuita, a proposição de gestão participativa de po-líticas públicas ocupa papel singular na Fams desde sua fundação. Uma luta histórica pela construção de encaixes no Estado foi conduzida, com vistas à influência na agenda pública. Nesse mo-vimento, o processo de construção de encaixes iniciou-se frente à perspectiva de um “novo estilo de gestão pública” do governo João Baptista da Motta, em dois mandatos políticos, na gestão 1983-1988, pelo PMDB, e no mandato 1993-1996, pelo PSDB. Ainda que essas experiências tenham sido efêmeras e pouco se converti-do em resultados concretos, elas demonstram a predisposição da Fams em construir encaixes institucionais, em contextos de poten-cial permeabilidade das instituições governamentais e de promessa do governo de reconhecimento da sua legitimidade como repre-sentante de grupos amplos da sociedade civil.

Resta mencionar que, neste contexto de transição do regime civil-militar, a propensão da Fams a participar da primeira gestão Motta valeu-se de sua heterogeneidade interna, da existência de conflitos e disputas ideológicas na organização do movimento e da influência dos militantes do PCB em sua direção.17 Essas divergên-

16 O autor enfatiza o caráter não intencional da permeabilidade do Estado como efeito construído “ao longo das trajetórias dos indivíduos e das organizações e marcado por intensa dependência da trajetória”, ainda que admita que “seja possível delimitar regiões específicas das redes produzidas de forma intencional e orientada a lesar o Estado” (Marques, 2006, p. 33).

17 O PT da Serra participou das eleições de 1982 lançando candidatura própria para o executivo municipal, estadual e cargos no legislativo. Já o PCB apoiou o candidato do PMDB João Baptista da Motta. Vale lembrar certa afinidade

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cias entre os ativistas multifiliados ao movimento e aos partidos políticos PT e PCB quanto à relação com o Estado foram, mo-mentaneamente, suprimidas, em virtude das expectativas diante do novo governo.

Na sua primeira gestão (1983-1988), Motta foi eleito com o discurso de participação popular na gestão pública, o que convergia com o ideal do movimento de controle social das políticas públi-cas e do orçamento municipal. A crença nesse processo conduziu a eleição da chamada “chapa do consenso” para a coordenação geral da Fams (1983-1985), e monopolizou os seus trabalhos em tor-no da discussão, crítica e proposição ao programa de governo do prefeito Motta. A ideia predominante era que as propostas para a municipalidade deveriam emergir da sociedade civil mediante um processo orgânico e autônomo de tomada de decisões em assem-bleias ampliadas e em seminários, capaz de conferir legitimidade às proposições encaminhadas ao poder público.

Os movimentos populares, articulados pela Fams, discuti-ram e elaboraram propostas de políticas públicas setoriais (trans-porte coletivo, saúde, educação, cultura e turismo) e de canais de participação social na gestão pública (Fams, 1983, doc. 9). Muito se debateu sobre a criação do conselho comunitário que estabele-ceria a mediação entre as organizações societárias e o Estado, além do conselho de saúde, de educação e de transporte. Os ativistas ex-pressavam constantemente o desconhecimento da maneira como se concretizaria a cogestão entre agentes estatais e segmentos da sociedade civil e, nesse aspecto, era tema recorrente nas discussões a desconfiança e o receio de a proximidade com o governo pro-vocar o atrelamento do movimento e a perda de autonomia. No documento intitulado “Propostas da Fams para o Prefeito Motta”, recomendam:

do PCB com a ala do PMDB que acolheu seus militantes quando atuavam na clandestinidade.

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O conselho municipal [comunitário] deverá ser formado por legítimos representantes dos bairros e escolhidos pela associação, que dentro do bairro deverá ser autônoma e por isto mesmo terá que sempre reunir com outros movimentos do mesmo bairro na tentativa de se tirar reivindicações consensuais que serão apresentadas ao conselho. Este deverá ainda ter espaço para participação de representantes de movimentos que sejam de nível municipal como: grupo de operários da Serra, por exemplo. Outro fator importante é que este conselho deverá ter autonomia, sendo, portanto, desatrelado da prefeitura. Nos bairros onde não existirem associações, estas deverão ser criadas com incentivo do conselho e da prefeitura e enquanto não se criarem tais associações, os representantes do conselho nestes bairros sairiam das comunidades de base local ou de outra legítima entidade representativa dos moradores (Fams, 1983, doc. 9).

Entretanto, essa relação de proximidade com o governo Motta foi transitória, pois o movimento recuou já no terceiro ano de sua administração, em 1985, quando avaliou que o governo não estava efetivamente interessado em promover uma política de par-ticipação popular.18 Isso porque esse governo não priorizou a área social, não implementou projetos e propostas advindas dos deba-tes populares, e nem reconheceu a legitimidade do movimento de bairro, ao contrário, estava “atuando até no sentido de desmobi-lizar os movimentos combativos, atraindo lideranças ou apoian-do grupos nos bairros com o único objetivo de criar uma base de sustentação à sua política” (Fams, 1986, doc. 24). Essa avaliação negativa do comprometimento do governo produziu reposicio-namentos no interior do movimento e reelaboração discursiva, a

18 Segundo Serpa (1990), já em 1984 muitas lideranças dos bairros vão se definindo pelo PT e retomando antigas reivindicações. O prefeito Motta reage, com cooptação e incentivando o paralelismo. O PCB deixa o governo e passa a denunciar sua política.

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qual visava reeditar os princípios orientadores da ação coletiva de sua época fundacional, como o ideário de autonomia do sistema político e de organização democrática das bases, naturalmente, não desprovidos de reconfigurações e adaptações ao contexto de redemocratização.

No que diz respeito a segunda gestão Motta (1993 a 1996) foi estabelecida nova dinâmica de interação entre a Fams e o go-verno com vistas a construção de encaixes institucionais, diante de nova promessa velada de “gestão participativa”. Para o movi-mento popular, a conjuntura posterior a Constituição Federal de 1988 exigia ações mais democráticas e participativas da adminis-tração pública e, por isso, concentrou o seu plano de lutas na im-plementação do Orçamento Participativo (OP). Em 1993, a Fams coordenou a mobilização dos moradores para levantamento de prioridades nos bairros e editou a primeira versão do orçamento participativo da Serra a partir de metodologia elaborada pela pró-pria Federação em articulação com outras entidades societárias e alguns técnicos governamentais. No mesmo ano, a câmara muni-cipal aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias que garantiu a participação do movimento popular na discussão do orçamento municipal. Em 1994, o movimento aprovou na câmara de vereado-res e o prefeito sancionou o principal instrumento de sustentação legal do OP, denominado Assembleia Municipal do Orçamento (AMO), pela Lei n.1788/94. A mobilização dos moradores, elei-ção de delegados, escolha das prioridades e deliberação acerca da proposta orçamentária ocorreram nos anos seguintes desse gover-no pela instituição dessa Assembleia Municipal do Orçamento.19

19 Os esforços da Fams para implantação do orçamento participativo não se restringiram a essa gestão, mas remontam à primeira administração de Motta, em 1987, quando o movimento apresentou à câmara municipal um pré-projeto de lei que garantia a discussão popular no orçamento municipal; e ao governo que se seguiu, de José Maria Feu Rosa (1989-1992), em 1991, quando realizou a discussão do orçamento com mais de trinta associações de moradores, à revelia desse executivo local. Ver Carlos (2015).

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A execução dos investimentos orçamentários, contudo, foi sucessivamente ignorada pelo executivo local, que tendeu a não reconhecer aquele processo participativo e a deslegitimar as deliberações societárias. A despeito da organização popular e da coordenação das entidades da sociedade civil pela Fams, o descom-prometimento do governo com o orçamento participativo frustrou maiores êxitos e resultados dessa ação, resguardado o aprendizado político e pedagógico oriundo da participação em si. A ausência de coincidência e compatibilidade entre os projetos políticos da sociedade civil e do Estado e, por conseguinte, de permeabilidade estatal, incidiram negativamente sobre a construção de encaixes com possibilidade efetiva de influir nas políticas públicas.20

Embora imerso em iniciativas malogradas, esse processo his-tórico de construção de encaixes institucionais habilitou os atores societários a arquitetar pontos de acesso e de influência política no Estado, em contexto de permeabilidade governamental me-diado por composição partidário-eleitoral, conforme veremos na seção seguinte. Isso se concretizou a partir das eleições municipais de 1996, com a aliança da Fams à coligação partidária PDT-PT-PSB, acentuando a interdependência entre movimento, partidos e eleições na construção de encaixes.21 Importa destacar o signi-ficado simbólico dessa conjuntura para os ativistas da Fams, qual seja, o “de finalização de uma era de autoritarismo, corrupção e clientelismo nos rumos da vida política local” e o limiar da fase “de instituição e avanço da democracia participativa e popular na gestão pública da Serra” (Fams, 2009, p. 7, doc. 135). Para o mo-vimento, essa mudança representou a absorção de reivindicações históricas na agenda política, especialmente quanto à gestão par-

20 Por outro lado, as promessas estatais não cumpridas podem incentivar a ação coletiva aos moldes de oportunidades não-intencionais criadas pelo Estado (Houtzager, 2004, p. 28).

21 A coalizão partidária PDT-PT-PSB seguiu, na Serra, por quatro mandatos consecutivos (1997 a 2012).

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ticipativa na administração pública. Conforme assinalam, o or-çamento participativo é uma conquista do movimento popular que foi precedida de lutas, avanços e recuos na negociação com a esfera governamental.

4. Encaixes institucionais e domínio de agência: perfil configu-racional no contexto pós-transição

O aprendizado institucional oriundo da construção histó-rica de encaixes via democracia participativa, particularmente a proposição embrionária de conselhos comunitários de políticas públicas e os primeiros experimentos de OP, qualificam os atores societários a arquitetar pontos de acesso no Estado com capaci-dade de influência no processo político, alcançando a autorização governamental e a legitimidade na representação de segmentos da sociedade civil.

No Brasil pós-transição é notório um processo de enga-jamento institucional de movimentos sociais e atores da socie-dade civil na formulação e implementação de políticas públicas. Subjazem a esse fenômeno a multiplicação de instituições partici-pativas nos três níveis de governo, bem como a gestão de convênios e programas governamentais por organizações da sociedade civil. Esse engajamento societário em instituições participativas e agên-cias governamentais remete à habilidade e à predisposição dos ato-res a arquitetar seu encaixe institucional, no contexto político de oportunidades e constrangimentos, isto é, concerne à permeabili-dade do Estado e aos projetos políticos dos governos, às alianças e clivagens partidárias, às relações entre o Executivo e o Legislativo.

A construção de encaixes institucionais pelos atores coleti-vos compreende um processo histórico, conforme visto. Na Fams consubstanciou-se por meio da institucionalização de arranjos participativos de intermediação da relação entre sociedade ci-vil e Estado, a partir de meados da década de 1990. Os encaixes

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construídos pelo movimento popular e autorizados pelo poder público correspondem à implementação de instrumentos de par-ticipação no nível municipal, tendo como principal interlocutor o Executivo e, em menor proporção, o Legislativo e setores privados. O conjunto de encaixes institucionais forjados no Executivo mu-nicipal abarca o orçamento participativo, os conselhos municipais de políticas públicas, as conferências setoriais, o plano plurianual e o plano diretor urbano participativo, o gerenciamento de pro-gramas de participação social e de convênios governamentais e a ocupação de cargos comissionados nos órgãos de execução dos me-canismos de participação. O Quadro 1 descreve essa configuração de encaixes na Fams.

A capacidade de influência política dos encaixes foi poten-cializada pelo estabelecimento de convênios, contratos e termos de parceria com órgãos do governo e empresas privadas, que via-bilizaram a infraestrutura, a contratação de serviços técnicos espe-cializados e o desenvolvimento das atividades do movimento. Os convênios foram destinados a cursos de capacitação de lideranças populares, ao aluguel da sede da organização do movimento e a pro-jetos culturais, ao passo que os termos de parceria sustentaram pro-jetos de comunicação social, projetos educacionais e a participação em congressos de outras entidades. Entre esses contratos, destaca-se o repasse de recursos do governo municipal para a Fams coordenar os programas de participação popular na gestão pública, como a instalação anual da Assembleia Municipal do Orçamento (AMO) que regula o OP e as discussões do Plano Plurianual (PPA) e do Plano Diretor Urbano participativo (PDU). (Quadro 1).

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Quadro 1: Encaixes institucionais da Fams no governo municipal (1997 a 2010)

Tipos de encaixes Descrição PeríodoOrçamento participativo Participação e representação como de-

legados nas assembleias do OP1997 a 2010

Conselhos gestores Representação como conselheiros nos seguintes conselhos gestores de polí-ticas públicas: Conselho Municipal de Educação, Conselho Municipal de Meio Ambiente, Conselho Municipal de Política Urbana ou do Plano Diretor Urbano, Conselho Municipal de Habitação, Conselho Municipal de Turismo, Conselho Municipal Interativo de Segurança ou de Segurança Urbana, Conselho Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal de Cultura, Conselho Municipal da Mulher, Conselho Municipal do Idoso, Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Conselho Municipal da Juventude, Conselho da Cidade, Conselho Municipal Antidrogas, Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional

1997 a 2010

Conferências setoriais Participação e representação como delegados nas conferências de políticas públicas

1997 a 2010

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Convênios com Executivo Coordenação da AMO (Assembleia Municipal do Orçamento) que estru-tura as discussões e deliberações do orçamento participativo nos bairros e regiões da cidade

2011 a 2010

Coordenação da participação po-pular no Plano Diretor Municipal Participativo (PDMP), por meio da instalação de instâncias de discussão com a população das regiões da cidade

2008

Realização do I Festival Popular de Cultura da Serra “Lei Chico Prego”

2007

Garantia de infraestrutura física para o funcionamento da Federação

2008 a 2010

Convênio com Legislativo Realização de curso de capacitação de lideranças populares “Projeto Formando Líderes”

2005 a 2007

Cargos comissionados no Executivo

Coordenador geral do NAOP (Núcleo de Acompanhamento do Orçamento Participativo)

1997 a 2010

Fonte: Pesquisa Movimentos sociais e instituições participativas (2012).

O engajamento do movimento popular nos encaixes cons-truídos assumiu centralidade em suas atividades, com efeitos sobre seu padrão organizacional. É neste contexto que ocorre, na Fams, um processo de complexificação organizacional caracterizado por especialização funcional, profissionalização, financiamento públi-co e privado e formalização das estratégias de ação (Carlos, 2015b, 2012). Do ponto de vista do funcionamento da Fams, a comple-xificação organizacional tanto é indício do investimento dessa nos encaixes quanto corresponde a condições sob as quais os encaixes operam, dado que se converte em competências ou capacidades so-ciais. Sua especialização funcional consiste na maior especificação

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dos órgãos, mediante a criação de novos organismos e de mais pre-cisão nas atribuições dos mesmos. A especialização das funções visa ajustar sua estrutura funcional às múltiplas possibilidades de participação e representação na elaboração e implementação de políticas públicas, ampliando sua atuação em setores que favo-recem maior conhecimento sobre o funcionamento da máquina pública e o modus operandi do Estado. Esse amoldamento da estru-tura funcional do movimento à funcionalidade do Estado conduz os atores coletivos à discussão de políticas públicas de modo mais enfático, algo notadamente caro tratando-se de associações tradi-cionalmente afeitas a reivindicações pontuais e concretas.

A profissionalização é caracterizada pela integração de pro-fissionais temporários (remunerados ou voluntários) no interior da organização do movimento, voltados ao suporte técnico ou jurídico nas áreas de secretaria, comunicação, contabilidade e advocacia. Nesse processo de complexificação organizacional, o financiamento das atividades foi incrementado por recursos dos setores público e privado, mediante convênios e termos de parce-ria, conforme destacado. Essa diversificação das fontes de autos-sustentação financeira da Fams possui consequências para a sua estrutura funcional, na medida em que, demandando maior aqui-sição de conhecimentos técnicos especializados, aumenta a neces-sidade de assessoria de profissionais e de especialização temática.

Acompanha essa configuração na Fams o acréscimo de novos objetivos e as mudanças nas estratégias de ação. As transformações nos objetivos significaram a incorporação de novas finalidades ao objetivo fundacional, como a elaboração e gestão de políticas pú-blicas, a implementação de programas e projetos governamentais e o estabelecimento de convênios, colaborações e parcerias com ór-gãos públicos, setores privados ou da sociedade civil. Ao passo que as mudanças nos repertórios correspondem à “formalização das estratégias de ação”, caracterizada pela preponderância de reper-tórios formais, rotinizados e previsíveis em prejuízo dos protestos

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públicos. Na Fams, esse padrão organizacional complexo e forma-lizado é combinado a uma dinâmica de mobilização, dado pelo in-cremento no associativismo civil e pela pluralização das esferas de participação. Nesses termos, a complexificação organizacional não corresponde à burocratização e à desmobilização do movimento, na medida em que o formato inovador das IPs gera incentivos à expansão do associativismo e à emergência de novas formas de mo-bilização das coletividades (Carlos, 2015b, 2012). 22

O processo de transformação no padrão organizacional do movimento, de diversificação e modernização funcional, com-preende diferentes estratégias, habilidades e competências dos atores societários para ampliar sua influência na agenda pública por meio da construção de domínios de agência. Gurza Lavalle e Bueno (2011) identificaram na ecologia organizacional da socie-dade civil, em São Paulo e na Cidade do México, um padrão si-milar de distintas competências dos atores da sociedade civil para influenciar as políticas públicas que nomeiam de “diferenciação funcional” – uma estratégia de fortalecimento institucional de êxito no universo das organizações sociais.

Essas mudanças organizacionais na ação coletiva são exten-sivas às transformações na relação sociedade-Estado, conforman-do novos padrões de interação socioestatal (Carlos, 2015b, 2017, 2012). Na Fams, o estabelecimento de nova concepção de relação com o Estado ocorreu em prejuízo das categorias de antagonismo e oposição, outrora preponderantes, e da ascensão das de coope-ração, parceria, proximidade e diálogo. Nesse caso, o padrão de interação cooperativo tornou-se emergente, caracterizado pelo estabelecimento de relações de colaboração na elaboração de polí-ticas públicas e na implementação de programas do governo. Com

22 Para maiores informações sobre os efeitos do engajamento institucional em instituições participativas e agências governamentais sobre o padrão organizacional da Fams, vide: Carlos (2015b, 2012), Capítulos 3, 5 e 8. Para uma síntese dessa discussão, vide: Carlos (2015a).

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efeito, os encaixes institucionais e as interações socioestatais se constituem mutuamente, associando dada configuração de acessos ao Estado a determinado padrão de relação.

Cabe assinalar que a cooperação compreende “a relação en-tre duas partes baseada na concordância quanto aos fins de uma dada ação, que envolve uma colaboração ativa com o objetivo de atingir cada finalidade” (Giugni e Passy, 1998, p. 84). A coopera-ção é definida a partir do nível pragmático da concordância, isto é, quando a relação de colaboração se converte em ações concre-tas, podendo ser de três formas: consulta, quando os atores não institucionais colaboram com informações relevantes à tomada de decisões; integração, quando os atores agem na implementação de decisões mediante a atuação em comitês, grupos de trabalho ou agências governamentais; e delegação, quando o Estado trans-fere a responsabilidade para o movimento no nível operacional. Desse modo, a cooperação se estabelece no plano da solução de problemas sociais e da contribuição com o Estado na elaboração, implementação ou execução de políticas públicas, em que movi-mentos sociais colaboram com o seu conhecimento e informação sobre uma política pública. No entanto, é preciso advertir que nas relações de cooperação (i) a concordância quanto aos fins da ação raramente é completa, dada a assimetria de poder e de interesses entre os atores societários e os estatais; (ii) a cooperação com o Estado não é extensiva ao nível do consenso quanto às políticas governamentais; (iii) os movimentos são ambivalentes e utilizam uma estratégia de combinação de conflito e cooperação (Giugni e Passy, 1998).

Neste contexto de construção de encaixes no Estado o mo-vimento deixou de ser caracterizado como ator e âmbito para a confrontação política e passou a se perceber como instância para o diálogo e a colaboração com aqueles com os quais se pode alcançar resultados para suas ações, ainda que a cooperação não signifique a eliminação do conflito. Para o movimento popular, a construção de

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relações de cooperação com o Estado favorece o resultado de suas ações porque com acesso aos órgãos públicos e a espaços institucio-nais os atores societários alcançam o reconhecimento da sua legiti-midade. Em outros termos, relações de proximidade e cooperação com os governos são relevantes ao atendimento das reivindicações do movimento, ao estabelecimento do diálogo e da proposição, à representação e à participação nas instituições participativas, à dis-cussão, à fiscalização, ao acompanhamento de políticas públicas e à gestão de programas e convênios governamentais. Em suma, as interações colaborativas têm como consequências o atendimento a demandas históricas do movimento e a sua influência política na agenda pública.

Em face do conjunto de encaixes construídos, das capacida-des organizacionais e das interações socioestatais cooperativas, a percepção do movimento de influência na agenda pública reme-te ao seu domínio de agência. As capacidades de agência do ator consistem seja na legitimidade de agir, na autorização e no reco-nhecimento pelo Estado, seja na institucionalização de demandas históricas, especialmente de canais participativos de mediação da relação com a esfera estatal e o acesso aos órgãos públicos. Particularmente, os encaixes institucionais conferem à Fams a in-fluência política e o domínio de agência para coordenar processos de democracia participativa (conduzir a instalação anual do OP por meio da AMO, dirigir o órgão municipal NAOP, implemen-tar instrumentos de participação no PPA e no PDU), sendo re-conhecida sua expertise nesse campo e conferida a autorização do governo para agir em seu nome. A articulação entre os encaixes produz o domínio de agência que qualifica as capacidades de ação da Fams, concernente ao desenho e implementação de instituições participativas em prol de políticas urbanas e sociais, cujas expertises e papéis específicos são reconhecidos. À configuração desse domí-nio de agência soma-se, além dos encaixes institucionais, o padrão de complexificação organizacional e o padrão de interação coope-

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rativo. Encaixes, capacidades organizacionais e cooperação assim se coadunam na construção de domínios de agência.

Do ponto de vista das consequências mais gerais desse pro-cesso de institucionalização para o movimento, por outro lado, os ativistas reconhecem os riscos à sua autonomia: risco de depen-dência e submissão, de atrelamento e cooptação; de perda da au-tonomia e de distanciamento da base social; de impedimento de ações contrárias e críticas ao governo; de vinculação da imagem do movimento com a do governo; e da perda da capacidade de discus-são e proposição. Isso porque o exacerbamento da cooperação e de vínculos institucionais com o Estado pode reduzir sua potencial capacidade de pressão e influência, favorecendo a dependência dos atores coletivos.

Na Fams, a relação de colaboração com o governo nos encai-xes arquitetados tem obstado um posicionamento crítico e indepen- dente dos atores coletivos, ainda que os ativistas associem esse padrão ao êxito nos resultados das suas ações e ao acesso à esfera política. Com efeito, dependência, submissão e atrelamento são as categorias que traduzem ali uma autonomia frágil, configurando, assim, um padrão de interação cooperativo e dependente. Vale ressaltar que dependência é aqui entendida como a dificuldade de sustentar po-sições de modo independente dos interesses estatais e da agenda política governamental, mas não se confunde com cooptação, isto é, com a mudança de objetivos dos ativistas.

A heterogeneidade da Fams, revelada nas percepções de “ganhos” e “perdas” das interações cooperativas via encaixes ins-titucionais e domínio de agência, desnuda um movimento po-tencialmente em conflito e sujeito a reposicionamentos frente à institucionalidade política. Contudo, as disparidades internas têm sido contidas pela regra de composição de chapas introdu-zida na última década,23 a qual estabelece a proporcionalidade na

23 A composição de chapa foi instituída pelo Estatuto Social da Fams de 2003 (Art. 79).

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distribuição de cargos da diretoria segundo o número de votos obtidos no congresso pelas chapas concorrentes, o que tende a suprimir a oposição e a fortalecer a política de alianças internas mediadas, em geral, por acordos com partidos políticos da base aliada do governo. Em decorrência da relevância política que assu-me um movimento social, a não formação de alianças pode gerar facciosismo entre os grupos participantes, o acirramento de dispu-tas e o enfraquecimento da unidade necessária à implementação do programa de lutas gerais. Por outro lado, a formação de aliança puramente instrumental, ou seja, descolada de afinidades ideoló-gicas, pode acarretar a descaracterização do movimento e abrandar os vínculos entre as lideranças e suas bases.

5. Conclusão

Nos processos de institucionalização no Brasil pós-transi-ção assume proeminência a construção histórica de encaixes ins-titucionais e domínios de agência. Na abordagem deste estudo, a ênfase nos processos temporais e no caráter mutuamente constitu-tivo das relações entre Estado e sociedade atenta para as configura-ções dessas esferas como condicionantes da construção de acessos institucionais e de influência política.

Nesse bojo, este capítulo buscou demonstrar que os encaixes institucionais no Estado são historicamente construídos mediante processos de interação com instituições na fundação do movimen-to e de aprendizado institucional, bem como de permeabilidade do Estado aos atores societários e às suas demandas. Esses remetem aos mecanismos de construção de encaixes e domínio de agência. Por um lado, a gênese relacional do movimento, expressa nas relações pregressas com incubadoras institucionais, em particular segmen-tos da Igreja católica e partidos políticos de esquerda, sobretudo o PT, afetam positivamente a capacidade dos atores sociais a arquite-tar encaixes no Estado, mediante processos reificados de interação

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em torno da produção de políticas. A relação com instituições na fundação do movimento favorece o aprendizado institucional e o reconhecimento dos atores estatais como interlocutores válidos, na medida em que funcionam como incubadoras institucionais. As conexões do movimento social com partidos políticos e grupos religiosos na sua fundação são intermediadas pela multifiliação dos ativistas que se engajam e entrecruzam entre movimentos e insti-tuições. Por outro lado, a permeabilidade do Estado ao setor de política demandado pelo movimento amplia as possibilidades de encaixe e interferência nas decisões políticas. Conforme eviden-ciado, a porosidade estatal é potencializada quando a relação entre atores institucionais e societários é mediada por coalizões partidá-rias e eleitorais, conclamando a interdependência entre movimen-tos, partidos e eleições na construção de encaixes no Estado.

Os encaixes forjados pela Fams são extensivos às trans-formações organizacionais e na relação sociedade-Estado, com destaque aos processos de complexificação e modernização organi-zacional do movimento, por um lado, e a emergência do padrão de interação socioestatal cooperativo, por outro. Estas novas formas organizacionais, repertórios, estratégias e identidades dos atores societários compreendem habilidades e competências de fortale-cimento institucional com vistas à influência na agenda pública. Particularmente, o padrão de interação cooperativo estabeleceu nova linguagem de relação com o Estado voltada à elaboração e implementação de políticas públicas. Nesse aspecto, encaixes e in-terações socioestatais se constituem mutuamente com vistas à in-fluência no processo decisório, podendo se converter em domínio de agência.

Especialmente, os encaixes institucionais e domínio de agência da Fams consistem na sua capacidade de interferência em processos de participação da sociedade civil na definição de políti-cas públicas, em diversos setores, seja no orçamento municipal seja nas políticas sociais e urbanas. A influência desse ator é percebida

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mediante o atendimento de suas demandas históricas a exemplo da institucionalização de canais de participação e, por intermédio desses, de suas demandas em termos de políticas sociais e de infraes-trutura urbana, mas também do acesso aos órgãos governamentais por meio da ocupação de cargos públicos e da implementação de programas do governo.

Por fim, resta mencionar que a influência política e domí-nio de agência da Fams veio acompanhada de fragilização da sua autonomia na relação com o Estado. O movimento popular da Serra parece diante de um cenário de trade-off quando é preciso para obter influência política, fragilizar a autonomia. A institucio-nalização dos encaixes construídos pela Fams ao longo do tempo conduziu o movimento à interferência na agenda pública e nas políticas governamentais, não obstante às custas de maior inde-pendência na definição dos procedimentos e objetivos da ação. Especificamente nesse caso, uma dimensão parece operar em de-trimento da outra, afinal, “a relação entre movimentos sociais e sistema político é permeada por uma tensão intrínseca entre os princípios da autonomia e a da eficácia política” (Tatagiba, 2010, p.67). Averiguar sob quais condições a influência e a autonomia podem ser combinadas no domínio de agência é questão para estu-dos futuros desta agenda de pesquisa.

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