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Primeiro capítulo livro Reencontro - Leila Krüger

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Primeiro capítulo do romance Reencontro - Leila Krüger, pela Novo Século editora.

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Reencontro

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Reencontro

Leila Krüger

ColeçãoNOVOS TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

São Paulo 2011

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Krüger, Leila

Reencontro / Leila Krüger.

Osasco, SP : Novo Século Editora, 2011. – (Coleção Novos Talentos da Literatura

Brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

11-08139 CDD-869.93

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

Copyright © 2011 by Leila Krüger

2011IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO ÀNOVO SÉCULO EDITORA LTDA.

Rua Aurora Soares Barbosa, 405 – 2o andarCEP 06023 -010 – Osasco – SP

Tel. (11) 3699.7107 – Fax (11) 3699.7323www.novoseculo.com.br

[email protected]

Letícia Teófi loS4 EditorialAdriano de SouzaFernanda Guerriero AntunesKatiene Oliveira Camila Balthazar

Coordenadora editorialProjeto gráfico e composição

CapaRevisão

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfi co da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

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A todos os que encontrei,Reencontrei

E até desencontrei pela vida,E que acreditaram em mim.

Principalmente Ele,Que acredita até o último suspiro...

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AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas me ajudaram a construir este caminho. Algumas até me acompanharam nele. Peço perdão aos que eu não memorar, mas saibam que, se ajudaram, estão na lista invisível do lado esquerdo do peito.

Cito: meus pais, que permitiram que esta história fosse contada, Rafa, Solange, Maíra, doutora Sara, doutora Litchéia, doutora Lívia, doutor Aldo, Ângela, Elias Ávila, Jandha, Jenni, Deus e a vida... que sempre me inspira... E também me respira.

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“Através de meus graves erros – que um dia eu talvez os possa mencionar sem me

vangloriar deles – é que cheguei a poder amar.”

CLARICE LISPECTOR

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“Eu vejo a tempestade se aproximandoE as ondas, elas ficaram tão altas

Parece que tudo o que sempre soubemos está aqui.”

“ESTRANGED” – GUNS N’ROSES

ESTÁ BEM NO FUNDO. NÃO SE PODE ALCANÇAR... AOS POUCOS, vai roubando o ar. E ela, agora, podia sentir... Foi quando

o sol envolveu sua face e atingiu o fundo de seus olhos, no vento morno da tardinha: ela encontrou o banco. O mes-mo banco de pedra, perto da árvore cinza que remanescia forte, porém triste. Aquela era a sua árvore. Na orla do lago marrom. Mas ela tinha várias árvores ali... E por que lagos eram tristes? Tudo era ainda como há uns seis anos. Naquele domingo, fi m de fevereiro, o dia possuía a superfície do lago com seus últimos raios de luz. Com seus óculos escuros e seu aparelho de MP4 ela se sentou no banco de pedra, ou-vindo “November Rain”. Procurou compreender -se. “No-vember Rain”, do Guns N’Roses, era uma de suas músicas, de uma de suas bandas. E tudo era tão calmo ali que parecia morto.

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Ela sempre fora a menina do olhar longínquo.Aquele era o Parque Farroupilha. Ou Parque da Re-

denção, ou só Redenção, como o chamavam em Porto Ale-gre. Muita gente ia aos domingos à Redenção. Às vezes aos sábados, ou quando a saudade do lugar apertasse. Mas ela durante anos o evitara. As árvores, que agora revia, eram acinzentadas e os gramados desmaiados. Não como uma vez ela os sentia. Os bancos adormecidos, o chafariz sem vida. Uma vez ela gostava de se sentar à beira do lago, com seus fones de ouvido e suas perguntas. Ou mesmo com suas deduções. E lagos eram mesmo tristes, ela agora sabia mais do que nunca... Por quase seis anos não olhara aquele lago. E decidira, naquele domingo de fi m de fevereiro, voltar ao Redenção. Enfrentá -la, e ao lago. Um tipo de reencontro. Sentia -se mal. Precisava pensar. Uma vez aprazia -lhe ir à Redenção para pensar. Já que parques podiam aconselhar. Mas, principalmente, podiam lembrar...

Havia muito tempo o parque dela era o Parcão, bem perto de onde morava. Parque Moinhos de Vento era o nome ofi cial. O Parcão nunca a magoara.

E agora ela precisava beber alguma coisa. Alguma coisa alcoólica, forte, decisiva. Se fosse reparar, andava bebendo bastante. Nem reparava. Tudo era ruço. Inexato, ululante... À sua volta, ali no parque, ecoavam vozes... Ela enxergava vultos. Tudo ainda ali, imbatível: os trejeitos, os sorrisos que nunca deveriam ter acontecido, as promessas e os sentimen-tos inconsequentes... Muitas vezes ela assistira àquelas cenas em sua mente. Àquelas pessoas, àqueles momentos. Agora ela podia tocá -los. Eram sólidos. Feitos de uma matéria in-destrutível e atemporal. Moravam naquele lugar ainda, ines-peradamente. Seu coração fi cou amassado...

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Às vezes se pensa que a ferida está cicatrizada; mas ela continua lá, brava. E aquela continuava lá, estampada nas ár-vores e no lago como tatuagem, com quase seis anos e sem ter envelhecido. Feridas tão bem incrustadas... O lago, um espelho derramado no parque como os sólidos derramados nos quadros de Dalí. Obscuro, recôndito, marrom: o lago era um espelho e uma curva. Na frente do lago ela encontrara uma de suas curvas primordiais. Uma curva, um ponto do caminho em que o rumo muda bruscamente. Alguma coisa termina, e então dói. Ela se encontrava outra vez diante da-quela curva quase seis anos após tê -la encontrado. A curva ainda guardava o aspecto inconfundível de curva. De fi m.

Ela andava pensativa. Aprisionada naquelas culpas en-gavetadas. Considerava agora, ali no lago, a sua vida. Es-tourando pipocas em sua cabeça. Até ia fi cando com dor de cabeça... Suas perguntas à beira do lago... Quem sabe estivesse sofrendo pelos mesmos motivos da época da curva do lago. Havia uns seis anos, em outubro. Ia fi cando sem ar... E o passado se repetia, era isso? Como uma sentença? As coisas não melhorariam... Mal conseguia comer... ou fazer qualquer coisa. Eram os mesmos motivos. Que motivos? Amor. Amor de mentira. Fazia pouco mais de dois meses que seu namoro terminara e ainda a dor não se fatigara. Os sen-timentos não iam embora. Não podia retirá -los com um bisturi, não podia dar ordens ao amor. O fi m de seu namoro – mas não de seu amor...

Na época do segundo grau ela sempre ia à Redenção com seus amigos. Eram de sua turma do colégio, o Marista Rosário, lá do bairro Independência. Mas, às vezes, também ia sozinha ao parque para ouvir música – vício do qual ja-

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mais se libertaria – e pensar. Fumar um baseado... E, é claro, ver o lago e sentir a grama sob seus pés. Parques podiam conversar. Àquela época ela conversava com a Redenção. Gostava de ir lá com Rick. Ricardo, que todo mundo cha-mava de Rick, fora seu primeiro amor. Seu primeiro namora-do, sua primeira vez e sua primeira dor invencível...

Até os amigos dela ele levara. Fora uma curva e tanto, ele... A curva do lago.O parque ainda transpirava Rick. Como ele era? Tinha

cabelos arrepiados e um sorriso bonito. Olhos levemente pu-xados – mas não era oriental. Talvez descendente de índios, parecia. E não era qualquer sorriso que ela achava bonito, mas achava o dele lindo. Podia agora vê -lo tocando violão, sen-tado na grama, talvez “Enter Sandman” ou “Turn the Page”, do Metallica, que ele amava. Naquela época ela começara a gostar de rock, e de Metallica especialmente. Metallica, Guns, Scorpions... Rick a apresentara ao rock. Àquele mundo novo. E podia vê -lo, tocando rock... Com uma garrafa de vodka, ou de Coca -Cola. Com seus cabelos castanhos, moreno-claro e magro, e sempre rindo. Contando piadas, às vezes de mau gosto. Ela tinha em seu âmago que a voz dele era parecida com a de James Hetfi eld, do Metallica. Assim ela a escutava. Ainda agora a escutava, retumbante.

Naquela época, do terceiro ano do Rosário e da turma do Rick, ela começara a aprender guitarra com ele. Inclu-sive ganhara uma guitarra dele, azul e branca. Rick tinha os olhos verdes. Não bem verdes, mas misteriosos. E, quando ria, seus olhos fi cavam mais puxados e brilhantes. Ele a fa-zia rir. Namorara -o por um ano mais ou menos. Um ano e pouquinhos dias. Tiravam sarro que ela era mais alta que

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ele – sempre fora alta, e alcunhavam -no playmobil. Aqueles bonequinhos de plástico. Mas ela nem se incomodava. Só no começo, quando não o amava cegamente ainda.

Mas um dia naquela época há quase seis anos, naquele outubro distante, ela voltara do intervalo da aula e havia um bilhete dentro de seu caderno. Um bilhete sinistro, dizendo que, “se quisesse saber quem era sua melhor amiga, deveria ir à Redenção naquele dia, lá por cinco da tarde, perto do arco”. Primeiro ela achara estranho. Poderia ser uma brin-cadeira. Mas e se não fosse? Ela não tinha ideia de quem o escrevera. Sua melhor amiga na época era a Cathy, todo mundo sabia. Catherine era o nome dela, e todo mundo a chamava de Cathy. E naquela sexta de primavera ela fora à Redenção com sua mochila preta nas costas, umas cinco da tarde. Chegara antes das cinco. Com o coração valente. E pequeno. Para onde deveria ir? Perto do arco. O lugar em que geralmente fi cava com seus amigos quando iam à Re-denção. (Quando ia sozinha preferia o lago.)

E naquele dia, com sua mochila preta, ela chegara ao arco e se escondera atrás de uma árvore. Ali ela encontra-ra sua curva. Começara naquele ponto. Seu discman, no úl-timo volume, tocava “Estranged”, do Guns. Ela, protegida por uma árvore cinza, assistindo a seu namorado, Rick, bei-jando sua amiga Cathy. Sua amiga! E sua melhor amiga... No entanto, Cathy, então ela saberia, nunca fora sua amiga de verdade. As pessoas eram falsas, mesmo as mais queridas. E ela fi cara olhando aquele casal enquanto alguma coisa irre-versível acontecia dentro dela. Em seus rins, seu estômago e seus intestinos. Em seu corpo inteiro. Sem perceber saíra andando, desconjuntada, e chegara ao lago marrom. Sentara-

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-se em um banco de pedra. Primeiro, catatônica. Depois, convulsiva. Chorando. Com vontade de vomitar. Quase vo-mitara, nojo extremo. E atravessara a irreversível curva.

Já fazia cinco anos e quatro meses. Ela olhou para o lago. Marrom ainda, e ermo. E agora, fevereiro, muitos anos após, ela ouvia Guns como daquela vez. Só que era “No-vember Rain”. Repetidamente. Ouvia mil vezes a mesma música, quando era uma das suas. Ela podia ver claramente aquele outubro antigo, de repente: no dia seguinte ao dia do fl agra no arco, terminara seu namoro com Rick e parara de ir às aulas por vários dias. Não conseguira dizer a Rick o motivo do término. Talvez não sobrevivesse. Não atendera às ligações de Cathy. Sua mãe descobrira que faltava às aulas e quase tivera um surto. Obrigara a garota traída a voltar ao colégio com o coração no ânus. Na fenda anal. Ela teria de vê -los – Rick, Cathy, toda aquela corja de amigos falsos. Só lhe restaria o ódio.

Assim, ela perdera todos os seus amigos, seu namorado e tudo o que pensava ter. Perdera seu primeiro amor. O que talvez nunca possa ser esquecido. Afastara -se de todo mundo, também de si própria. Tinha dezessete anos, isso fazia tempo...

Mas por que ela se lembrava agora daquilo tudo? Seu amor agora tinha outro nome. Ou seria seu ódio? Talvez fosse difícil às vezes separar um do outro... Chamava -se Eduardo, o nome que a pungia. Edu, seu ex -namorado. Ba-lançou a cabeça: era essa sua faca. Como arrancá -la? Como inventar de repente outra vida? Sentia -se fraca, e aparentava intrepidez. Um esforço tão grande, cingia -se de uma força inexistente. Tinha de desgrudá -lo de seu âmago. Olhou

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seus pulsos: havia cicatrizes neles, daquela época de Rick. Lembrava -se bem de como tinham nascido. Na época do Natal. Para ela, Natais sempre haviam sido naturalmente tristes. Uma e outra vez tinham lhe perguntado das cicatri-zes, Edu mesmo perguntara. Não se pergunta sobre cicatri-zes nos pulsos... Ela dissera que “não queria falar naquilo”. Não conversara nunca sobre aquilo com ninguém. Nem com seus terapeutas. Apenas com seus cadernos... Seus di-ários. Seus verdadeiros amigos. Nada como a compreensão de uma folha de papel.

Ela ajeitou seus cabelos longos, lisos e castanho -escuros tentando afastar as nuvens. Edu surgiu em sua cabeça com a insolência de sempre. Mas ela a queria, ainda. Rick e Edu, ela achava, eram as duas pessoas que amara na vida. Tive-ra outros namorados, mais dois, mas eles não importavam. Seus nomes nada signifi cavam. E quando ela amava, no fi m, acabava do mesmo jeito. Sozinha em um banco de par-que. Aos vinte e dois anos, sentia -se cansada demais para ser jovem. “As coisas vão melhorar”, diziam -lhe às vezes – Nana gostava de dizer –, mas ela não conseguia sentir. E quando ela não sentia... Ela tirou um cigarro do bolso da calça, acendeu -o e fechou os olhos para sentir seus pulmões. Queria sumir... como a fumaça no ar. A fumaça leve. Livre.

Talvez devesse voltar com o antidepressivo. Voltar a fazer terapia. Fizera entre os dezessete e os dezenove, na época da curva do lago – sua mãe a obrigara. Sua mãe dizia que devia voltar a se tratar. Mas sua mãe precisava se tratar também. Seu pai. Eles precisavam. E, na realidade... os antidepressivos nunca tinham parecido ajudar muito. Não por muito tempo. As doses sempre aumentavam... Ela agora precisava de Ri-

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votril... Quer dizer, de paz. Nem que fosse química. Ela queria ser como Nana, que era uma pessoa forte. A pessoa em quem mais confi ava. Sua melhor amiga. Agora tinha uma melhor amiga, que nunca a decepcionara. Não muito... Os relacionamentos de Nana duravam só três meses, e ela talvez fosse um pouco superfi cial às vezes, mas conseguia sorrir sempre. Seu sorriso mudava as coisas. Inclusive Nana conseguia rir de si própria, qualidade invejável. E Nana não tinha medo. Queria ser como Nana, não ter medo e acre-ditar no amor.

Porém, a garota do olhar longínquo sentia falta dele ago-ra, de Edu... De quem a magoara tanto. Seu namoro mais longo. Tá, havia namoros de dois, três, cinco anos – mas seu um ano e meio fora tão intenso. Uma vida. Ela o amava... amara... nem sabia diferenciar. Mesmo que ele, agora via, nunca tivesse merecido. O amor dela nunca coubera nela. Por isso lhe fazia mal. Agora ela começava a entender... E agora, sem ele, ela não sabia mais quem era. Tornara -se, por ele e para ele, outra pessoa.

Não que ela quisesse voltar para ele. Mas e se pudesse? Ele estava com outra. Mais bonita, ela achava. E sentia raiva dele e de si própria ao mesmo tempo. Raiva de seu cora-ção vagabundo. Vagabundo não, sacana. Sempre gostava das pessoas erradas. E depois fi cava com aquela dor, uma puta dor de dente que não passava. E se passava, voltava. Uma dor chata. Por que as pessoas sempre a trocavam por outras? Por que ela não sabia amar? Nem mesmo se relacionar. Não sabia amar... era isso. Ela até arregalou os olhos, com aquela percepção repentina. Por isso ele se afastara, ela não sabia amar! Mas ele e os outros também não sabiam amar. Ele

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estava agora com uma loira linda – vira -a no Orkut e ao vivo uma vez. E, se diziam à garota do olhar longínquo que ela era bonita, ela não se enxergava assim. Cada vez menos se enxergava assim... Mesmo se fosse não parecia sufi ciente. Ela assoprou a fumaça e lembrou -os juntos, a Barbie e seu ex, na rua Padre Chagas, há poucos dias. Ela fazia Medicina. Praticava esportes. Era popular. Era melhor.

Em um sábado, 15 de dezembro, mais ou menos às vin-te e três horas, Edu ligara e terminara tudo por telefone. Por telefone! Acabara com o fi m de ano dela. Cruel demais aca-bar com o fi m de ano de alguém, com uma ligação... Nana a salvara, um pouco... Ele fi cara tentando explicar, mas era só que não a amava. E ele já devia estar envolvido com a tal loira antes de terminar. As pessoas fi cavam inventando desculpas. Como se pudessem disfarçar, com uma capa um pouco mais bonita, a ausência do amor. À época ela até achava que ele a amava. Ao menos até certa altura do cam-peonato. Mas, depois... depois do fi m... era tão claro que ele não a amara. Ele nunca a amara. Nunca se entregara a ela. Só ela entregara até o que não tinha a ele.

As pessoas importantes iam embora de repente – às ve-zes lentamente.

Ela se humilhara para seu ex -namorado, protestando por suas migalhas de amor. As pessoas que ela queria, no fi m, sempre queriam outras pessoas. Era só questão de tempo. Nana nunca gostara de Edu. Nana sabia das coisas. Devia ter ouvido sua amiga ruiva, sua melhor amiga. Agora a ga-rota do lago, sentada em frente ao lago, queria remover seu coração. Seu lugar de dor. Mas estava ferrada, presa àquele pedaço de carne ingrata. Ela jogou seu cigarro na grama,

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acendeu outro. “Onde foi que eu errei? Onde eu sempre erro?”, inquiria -se. Mas o parque não lhe respondia. Era tudo mistério. Ouvia suas músicas, também sem respostas. Nem Axl Rose1 tinha as respostas. Ele também defi nhava, talvez...

Fevereiro... Os dias passavam devagar. A cigarro e a álcool ela sobrevivia. E também a café, nas horas vagas. Estaria en-trando em depressão? Sua mãe dizia que estava doente. Seu pai não estava nem aí. Mas ele nunca estivera... O terceiro semestre da Odonto ia começar na PUC, mas ela não tinha nenhum ânimo para voltar. Tinha achado que, com o tempo, acostumar -se -ia à vida nova. Aos planos novos. Já passava das seis da tarde, já quase anoitecia. O lago escurecia, também os olhos dela escureciam.

Era 27 de fevereiro, domingo, recém terminara o ho-rário de verão. Ela devia ir para casa, tomar o rumo do bairro Auxiliadora. Mas fi cara sem cigarros... Compraria ali mesmo, na Cidade Baixa. Atravessou o parque até um bar, na Avenida João Pessoa, pediu cigarros e um drinque. Um drinque barato qualquer, para domar sentimentos xucros. Entornou aquela bebida ruim que era sua água, já que se encontrava desidratada. Oca e acabada. Olhava as últimas nuances do entardecer, que ia embora com mais plangência do que sempre. “As coisas mais bonitas são as mais tristes...”, ela pensou, assistindo ao bonito entardecer. Ela queria – mas não sabia – um longo abraço, como os que deviam existir em algum lugar longe dali.

1 Vocalista da banda Guns N’Roses.

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Ana Luiza era a menina do olhar longínquo, perdia -se em sua distância... Bebeu uns três drinques. Levantou -se daquela mesa suja de bar sem saber para onde ir. Anoitecia... É que não havia nenhum lugar onde ela quisesse estar, mui-to menos em sua casa, que nem era um lar...

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