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Princípios de Direito Minerário

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Princípios de Direito Minerário

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MINERAÇÃO: SIMPLES N A APARÉNCIA, COMPLEXA N A ESSÊNCIA

dinamismo econômico, são excepcionalmente favoráveis para que nelas venhamos a construir verdadeiros "Centros de Pensar o Futt- ro", na iinha da pergunta que nos coloca o mesmo Adauto Novaes, quando salienta: "Mas o que dizer diante das promessas - realidade para muitos - de novos seres criados em laboratórios, os cyborgs, os híbridos biotrônicos, a inteligência aaificial equiparada à dos hiuna- nos, em síntese, diante dos transumanos?"

Para responder a essas indagações, profundamente humanas e desafiadoras, temos nós, da Mineração, que "fazer acontecer", de onde meu convite, a todos do Setor Mineral, para que venhamos a transformar as comunidades das nossas minas em "Centros de Pensar o Futuro do Ser Humano".

Como o caro leitor verificou com a leitura do presente texto, a Mineração, além de constituir uma excelente oportunidade para o Brasil, reúne condições de tomar nosso País o líder ou um dos líderes mundiais mais expressivos da Indúshia Mineral: para tanto, couhibuem e contnbuiráo fortemente nossa extensão temtorial e os ambientes geológicos que dispomos, favoráveis à descoberta de jazidas minerais.

Por outro lado, a sociedade, cada dia que passa - felizmente! - está mais exigente no que respeita à qualidade ambientai das ações humanas, pelo que, ano após ano, as exigências de dispositivos legais, normas, deliberações normativas, etc.etc deverão aumentar e se tor- narem, ano a ano, mais complexas.

E teremos que estar preparados para esse futuro, pois ele irá nos demandar um profissional do Direito atento, competente, estudio- so e profundo conhecedor do arcabouço jurídico: seja um profissional como esse, pois o País e a Mineração precisarão muito de você.

14 BIBLIOGRAFIA

Colunas do Mendo. Publicadas, mensalmente, pela Revista Minérios & Minerales do Brasil.

Capítulo 1

PRINC~PICBS DE DIREITO MINERÁRIO BRASILEIRO

ADRIANO DRUMMOND CANÇADO TRINDADE

Sumário

1 . Uma disciplina autônoma? 2. Complementaridade em face de outros ramos do direito. 3. Princípios de direito minerário. 4. Princípio do interesse nacional e princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. 5. Princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais. 6. Principio da dualidade da propriedade. 7. Prin- cípio da prioridade. 8. Princípio da compatibilidade ambiental. 9. Princípio da função social da propriedade mineral. 10. Comentários finais: o futuro do direito minerá- rio. 11. Bibliografia.

A definição de uma disciplina específica para tratar das ques- tíjes atinentes à exploração mineral e relações jurídicas daí advindas não se cinge a um mero preciosismo acadêmico. A delimitação de uma área do Direito tem muitos outros propósitos que buscam a sistematização, a identificação de institutos próprios, o desenvolvi- mento de métodos de interpretação e, sobreh~do, a definição de princípios autônomos.

É reconhecida a constante interação entre Direito Público e Privado e seus diversos ramos, com a criação de uma verdadeira teia de relações jurídicas que toma complexa a tarefa de traçar uma linha que permita definir a que área do Direito pertence uin dado instituto ou uma relação jurídica. Não raro será possível identificar elementos de vaiados ramos do Direito aplicados a uma situação concreta.

Nem por isso deve ser ignorada a tentativa de se delimitar os ramos do Direito, buscando-se alguma sistematização na medida em que se identifique o campo de atuação de cada área, seu limite de incidência, a fim de que se extraia uma disciplina própria que regerá aquelas situações específicas. Trata-se de analisar se uma dada rela- ção jurídica encerra elementos preponderantemente de Direito Tribu- tário, Direito do Trabalho, Direito Civil ou Direito Penal, por exemplo. A partir dessa definição, será possível entender e delimitar o feixe de regras que incidem sobre a relação e a subsunção ao caso concreto, extraindo-se daí o resultado pretendido pelo operador do Direito.

Da mesma forma que dinâmicas são as relações jurídicas, o ,mesmo pode-se dizer de todo o ordenamento jurídico. E é desejável esse dmamismo do ordenamento e sua especialização, afim de que possa disciplinar as novas relações jurídicas que se estabelecem, assim como as novas situações e potenciais conflitos que surgem. Daí o surgimento de ramos específicos do Direito; como por exemplo o Direito Ambiental, que trata da utilização e proteção dos recursos ambientais e proteção do meio ambiente propriamente dito; o Direito Urbanístico, originado da própria descentralização do Poder e que disciplinará as complexas relações jundico-administrativas em centros urbanos; o Direito Agrário, desenvolvido a partir da utiiização racional da terra e do estudo das relações entre o homem e a propriedade rural, o Direito do Consumidor, concebido a partir da idéia da posição diferenciada em que se encontra o consumidor em face de fornecedores de produtos e serviços.

Partindo dessas concepções, não deveria ser surpresa o deseii- volvimento de um Direito Minerário. Em países com larga tradição na indústria mineral, como Canadá, Austrália, Estados Unidos, não é novidade alguma se falar nessa especialidade. Há muito já se desen- volve uma disciplina própria que busca regular o aproveitamento dos recursos minerais e a relação entre aquele que aproveita tais recursos e o Estado, o proprietário do solo, o meio ambiente, a coletividade e até mesmo outros atores que exercem a mesma atividade. Nossos vizinhos da América Latina, como Chile e Peru, também já desenvol- vem esse setor do direito com maior profundidade. No Brasil, contu- do, a matéria ainda parece ser tratada com desconfiança, talvez pela

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falta de uma vivência e de una cullura da indústria mineral. Não obstante haja uma política setorial do Governo para a mineração, não obstante exista um Código de Mineração e um corpo jundico próprio, não obstante seja mantida uma estrutura administrativa específica para o setor, verifica-se que aprópria Administração, o Judiciário e mesmo operadores do Direito ainda hesitam ao se deparar com princípios e institutos do Direito Miuerário.

Os últimos anos fornecem, todavia, elementos apropriados para o desenvolvimento desse setor. A indústria mineral vem crescen- do a passos largos devido ao crescente aumento da demanda por minerais, e Estados vêm alterando suas legislações em busca de investimentos no setor e dos benefícios adviiidos da exploração mineral. De outro lado, surgem tensões diante de interesses suposta- mente conflitantes, como a preservação do meio ambiente, o acesso ao solo e a seus recursos, a proteção de direitos humanos de trabalha- dores do setor e comunidades afetadas.

O desenvolvimento de uma disciplina com contornos delimita- dos e regras próprias é a forma de o ordenamento jurídico evoluir para prover os administrados com os instrumentos juídicos necessá- rios para que acomodar interesses supostamente conflitantes. No que diz respeito ao domínio, acesso, exploração e aproveitamento dos recursos minerais, assim como no que concenie às relações jurídicas daí advindas, essa disciplina é o Direito Mineráiio.

1 U M A DISCIPLINA AUT~NOMA?

A sistematização do Direito e o reconheciineiito de disciplinas próprias não surgem a partir da mera vontade de uin operador do Direito. É necessária a avaliação técnico-juiídica inediaiile o emprego de critérios para que a avaliação esteja legitimada. Nesse sentido, a definição e a delimitação de uma disciplina própria podem ( ) se valer de elementos históricos, de teorias próprias e de uma inetodologia que possibilite a construção e reproducão da eshuhlra e da diniimica daquela disciplina.

Pelo emprego de critérios envolvendo a identidade da matéria, é possível distinguir traços que apontam para um conjunto de regras

PRINC~PIOS DE DIREITO MINERÁRIO BRASILEIRO

próprias que devem ser tratadas de uma maneira diferenciada. O primeiro desses critérios que pode ser citado é a questão da identida- de legislativa. O Direito Mineráno brasileiro tem hoje como sua principal fonte um Código de Mineração, instituído pelo Decreto-Lei 22711967. A própria designação de "código" já aponta para um conjunto de regras específicas de uma determinada matéria consoli- dada em um instrumento legal. Esse Código de Mineração veio a ser enriquecido pelo seu Regulamento (Decreto 62.93411968) e, mais recentemente, por outros diplomas legais diuecionados exclnsivamen- te a questões jurídicas atinentes à mineração.' Fato é que, ao editar um código e instituir legislação específica para temas minerános, o legislador reconhece que a matéria tem seu universo própno e, nesse contexto, demanda um tratamento diferenciado.

Lado a lado com a identidade legislativa caminha a doutrina. Já conta décadas a existência de obras jurídicas brasileiras que abordam o regime jurídico da exploração de recursos minerais.' No Direito Comparado, inúmeras são as obras que tratam do tema, algumas delas ultrapassando a barreira dos século^.^ Isso nos per- mite, portanto, apontar também uma identidade doutrirtária de tratamento da matéria.

O Poder Judiciário vem, da mesma forma, reconhecendo que a matéria é dotada de um regime própno e conferindo identidade jurisdicional ao Direito Mineráno. Tanto que, de um lado, reiteradas decisões admitem o tratamento diferenciado dado à disciplina, refle- tindo tal circunstância em ementas de seus julgado^.^ Alguns Estados

1 Confira-se, por exemplo, as Leis 6.56711978, 7,80511989 e 9.31411996, 2 Como exemplo, as obras clássicas de Vivacqua, Anilio. A nova política do siib-

solo e o regime legal das minas. Rio de Janeiro: Pan-americana, 1942; e Bedran, Elias. A nrineraçfio d luz do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Alba, 1957.

3 Nesse oarticular. cabe referência à obra De re metallica. de Georgius Agricola, publicada em 1556.

4 Sáo exemplos os seguintes julgados: Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especi- al n. 601.571RN. acórdão publicado em 26/10/2006; Superior Tribunal de Justiça, Mandado de Seguranca n. 9.953/DF, acórdão publicado em 18.4.2005; Tribunal de . . Justiça de Minas Gerais, Agravo de Instrumento n. 6.542-6, acórdão publicado em 23/11/2006; Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Apelação Cível n. 449.522-7, acórdáo publicado em 4/6/2005.

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chegaram a prever, em sua legislação de organização judiciária, a criação de varas específicas para a matéria, dada a sua parliculanda- de. É o que ocorre, por exemplo, no Estado do Pará, onde foram instituídas varas com competência agrjria, minerána e ambienta1.j

O estudo e aprendizado do Direito Mineráiio demonstram, ainda, que a matéria é dotada de identidade ou autorzomia didática. Já surgem cursos de Direito Minerário no País e até mesmo cadeiras de Direito Minerário em algumas universidades. No exterior, há reconhecidos cursos de pós-graduação voltados para o Direito Minerário. A necessidade de instituições e cursos específicos destina- dos ao estudo da matéria sublinham sua especificidade e regras próprias.

A par de todas essas caractensticas, talvez a mais marcante seja de que o Direito Minerário é dotado de institutos próprios e de princípios próprios. Cite-se, como exemplos de princípios, o interesse nacional, a preponderância do interesse público sobre o interesse privado, a soberania permanente sobre os recursos naturais, a dualidade da propriedade, a prioridade, a compatibiilidade ambiental, a função social da propriedade mineral. Já quanto aos institutos específicos do Direito Minerário é possível relacionar a autorização de pesquisa mineral, a concessão de lavra, a servidão minerána, o processo de disponibilidade, a compensação financeira pela explora- çLo de recursos minerais, entre outros.' Esses institutos e princípios, tal como hoje concebidos, não encontram equivalentes em outros

5 Lei Complementar do Estado do Pará 1411993. 6 William Freire refere-se ao consentimento para pesquisa mineral e ao consenti-

mento para lavn. Regime Jurídico dos Recursos Minerais no Direito Brasileiro: Regime Constitucional Brasileiro e Aproveitamento das Riquezas Minerais. IR: Revista Juiidica, Brasíiia, v. 9, n. 84, p. 16-40, abrillmaio 2007. Outros pontos de vista sobre alguns dos institutos de Direito Minerário, cujo exame vai além do proposto neste artigo, podem ser colhidos em SOUZA, Marcelo Gomes de (org.), Direito Minerário Aplicado, Belo I-Iorizonte: Mandameiilos, 2003. Em especial, os seguintes artigos que integram a citada obra: MORAES, Sérgio Jacques de, Aspectos jurídicos da pesquisa »zi~ierai, p. 39-68: Barbosa, Alfredo Ruy, A natureza juridica da concessão niincránn, p. 69-97; REIS, Nelson Lnra dos, Se>vidão de mina, p. 139-169: OLIVEIRA, Pedro A. Saiomé de, A participação do

compensação financeira pela exploração de recursos minerais e a taxa anual por hectare, ambas já identificadas pela jurispiudência nacional como receitas patrimoniais do Estado.' De outra parte, o Direito Mineráno interagirá com o Direito Arnbiental, buscando conciliar a exploração mineral realizada no interesse nacional e a proteção ambieutal. Incidem, nesse particular, regras relacionadas a estudos de impacto ambiental, compensações ambientais e a recuperação de áreas degradadas.

Outras áreas do Direito poderão, ainda, integrar esse mosaico de regras harmônicas que regularão a exploração mineral. O Direito Processual terá aplicação em procedimentos oriundos e próprios da exploração mineral, como os processos para avaliação de renda e indenização devidas a superficiános. Do Direito Internacional Público, por sua vez, provém o conceito de soberania sobre os recursos nahirais, que traduz a idéia de que a exploração de recursos minerais deve ser realizada em benefício da Nação, buscando atender aos interesses da população?

Afora isso, o simples fato de existir uma política mineral autônoma, que vem sendo concebida e redesenhada por sucessivos Governos, já demonstraria a particularidade do setor e o tratamento específico que deve lhe ser dado, inclusive do ponto de vista jurídico.

As situações particulares que a exploração mineral oferece, como visto, justificam o desenvolvimento de regras específicas que passam a reger as situações criadas e interesses porventura contra- postos em decorrência da atividade. Mais importante que a defini- ção de regras, contudo, é a identificação de princípios atinentes à

8 Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário n. 228.800/DF, acórdão publi- cado em 16/11/2001; Supremo Tribunal Federal, AçZo Direta de Inconstitucionalidade n. 2.586-4/DF, acórdão publicado em 1"/8/2003.

9 Também do Direito Internacional Público surge o conjunto de regras para a exploração de nádulos polimetálicos em mar profundo.

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expIoração mineraI, a partir dos quais será possível sopesar as regras e definir a preponderância de interesses em um ou outro sentido ein situações concretas.

Os princípios representam o núcleo dos valores, diretxizes e idéias de todo ou de uma parcela do ordenainento jurídico - no caso, do Direito Mineráiio. Nesse sentido, os princípios deverão incidir como normas gerais apresentando valores ao Poder Público e aos administrados, a partir dos quais será possível compor as regras que integrarão esse mesmo ordenameiito jurídico. Em outras palavras, as dietrizes e idéias veiculadas pelos princípios deverão ser considera- das quando da elaboração e aplicação de regras. Essa noção de- monstra-se fundamental, pois os princípios poderão - e deverão - tanto informar o legislador no curso do processo legislativo como orientar o iutéiprete.1°

Assim é que se passa para a análise dos princípios que, nessa qualidade, representam o alicerce e conferem validade ao inicro- sistema do Direito Mimerário.

Vale advertir que, devido à influência do Direito Administrati- vo, o Direito Minerário sujeita-se aos princípios orientadores da atividade estatal. Incidem os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, consagrados pelo artigo 37 da Constituição Federal, assim como princípios implícitos à atividade administrativa, c01110 razoabilidade e proporcionalidade. No entanto, esses princípios incidirão sobre o Direito Minerário em conjunto com princípios próprios desse raino, ou mesmo qualificados pela especificidade da matéria. Ideiitificar os princípios aplicáveis 21 disciplina própria que irá reger a exploração mineral é, pois, imprescindível para o desenvolviineilto de uin Direi- to Minerário.

10 Para uma visão sobre os princípios no Direito Brasileiro, Bamso, Luís Roberto e Barcellos, Ana Paula de. O começo da história: a nova interpretação constitu- cional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.), Crises e desafios da co~istituiçüo: perspectivas criricas da reoria e das práticas eorrsrircioo~rais brasileiras, Belo Horizonte: De1 Rey, 2003, p. 469-508.

PRINC~PIOS DE DIREITO MINERARIO BRASILEIRO

4 PRINC~PIO DO INTERESSE NACIONAL E PRINC~'IO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTE- RESSE PRIVADO

Merece um estudo mais detido o interesse nacional de que a atividade mineral se reveste. No Direito Minerário, essa característica pode ser elevada à categoria de princípio na medida em que passa a representar um pressuposto básico para a atividade. O princípio do interesse nacional aplicado à mineração é traduzido pela assertiva de que ao Estado compete fomentar e viabilizar o conhecimento e a transformação de potenciais minerais em riquezas efetivas, não. ape- nas sob o ponto de vista econômico, mas também considerando o desenvolvimento social e a snstentabilidade dos benefícios gerados pela exploração mineral à Nação.

O Estado vale-se de seu domínio eminente sobre os recursos minerais existentes em seu temtório para desenvolver políticas que estimulem a identificação e exploração desses recursos. A menos que seja promovida a transformação da potencialidade de um recurso jacente em riqueza efetiva, de pouco valeriam os recursos minerais de um Estado e menos ainda representariam esses mesinos recursos aos administrados. A mineração assume, por conseguinte, o caráter de catalisador dos benefícios que podem surgir da exploração racional e sustentável dos recursos minerais, traduzindo-se em um interesse da Nação.

Ao reconhecer o interesse nacional que paira sobre a ativida- de," a Constituição Federal traduz a assertiva de que a exploração mineral é um meio a ser percomdo para o desenvolvimento social e econômico do País. Isso não significa que a exploração mineral não possa ser condicionada, mas essa limitação deverá ter ein vista outros interesses de igual relevância, como, por exemplo, a proteção ambiental, a saúde e segurança ocupacional, os direitos huinanos. De sorte que deve o Estado, ao disciplinar a atividade, viabilizar a exploração mineral que representa o interesse nacional, exigindo

11 Constituiçáo Federal, artigo 176.

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daqueles que promovem essa exploração a observância de regras que irão compatibilizar a atividades com outros interesses imalmente - legitimados. A partir daí poderão ser implementadas a exploração racional e a sustentabilidade dos benefícios gerados pela exploração mineral, respeitadas as particularidades de cada situação que se apresenta.

Uma das piincipais exigências feitas a quem realiza a explora- ção mineral - e que, por si só, revela o interesse nacional subjacente - é a de que a exploração seja efetivamente realizada. Se a identificação e a produção de riquezas minerais a partir de recursos minerais de propriedade do Estado, ainda que desconhecidos, representam o interesse nacional, não pode o particular obter o direito de promover a exploração e furtar-se a assim proceder em vista de interesses próprios. Vale dizer, se o princípio do interesse nacional assegura privilégios devido à importância da atividade para o Estado, esse mesmo interesse cria a obrigação inescusável de que a exploração seja levada a cabo. O ordenamento jurídico, portanto, repriine o abuso do direito concedido a um particular que, movido por interes- ses meramente pessoais e contrariamente ao interesse público, não realiza a exploração mineral, apesar de deter todos os meios necessá- rios para tal fim.'=

Como coroláiio do interesse nacional: tem-se qne o interesse público subjacente à atividade inineral deve preponderar sobre o interesse privado. Interesse público, aqui considerado, é a projeção coletiva dos anseios de integrantes de Luna coletividade, são as aspira- ções individuais dimensionadas a um ambiente coletivo. Ao projetar seus interesses particulares para o conjunto, os indivíduos revelam o anseio de que, na qualidade de inembros daquela inesma coletivida- de, sejain-lhes satisfeitos tais interesses considerando o ,apo social em que se inserein como um todo. Com o atendimento desses iiiteresses, o Estado proporciona o bem estar coletivo, como, por exemplo, quando provê as necessidades e utilidades a serein fmídas por seus administrados, tais como a Justiça, a segurança, a saúde, a

12 Código de Mineraçáo, artigos 29, iiiciso ii, e 47, inciso XN.

educação. Em outras palavras, o interesse público não representa a mera soma dos interesses privados, mas na realidade representa os interesses individuais considerados no bojo de uma coletividade e assim qualificados."

Naturalmente, o interesse público não deverá contrariar os interesses particulares de cada um dos integrantes de uma coletivida- de, mas poderá - e invariavelmente contrariará - o interesse privado de um ou outro integrante dessa mesma coletividade. Nem por isso deixará de ser considerado como interesse público. Assim é que, por exemplo, a exploração mineral no interior de uma fazenda pode não corresponder o interesse do proprietário dessa fazenda, pois'com- prometeria outras atividades que porventura fossem levadas a cabo naquele local. Contudo, esse mesmo proprietário muito provavelmen- te não se oporia à atividade de exploração mineral em geral, até porque depende dos produtos gerados pela exploração mineral para realizar as suas próprias atividades como fazendeiro: fertilizantes para . .

a agricultura, maquinjno para a colheita, iusumos para a pecuária.~is, portanto, O interesse individual projetado no âmbito de uma coletivi- dade, cristalizado no desejo de um indivíduo no sentido de que seja realizada a exploração mineral.

O tratamento legal dado à exploração mineral já traz, implicita- mente, a aplicação do princípio da preponderância (ou supremacia) do interesse público sobre outros interesses particulares." A menos

13 Vide Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem o interesse público "nada mais é que uma faceta dos interesses dos indivíduos: aquela que se manifesta enquanto estes - inevitavelmente membros de um corpo social - comparecem em tal qualidade. Entáo, dito interesse, o público - e esta já é uma primeira conclusão , s6 se justifica na medida em que se constitui em veículo de realização dos interesses das partes que o integram no piESente e das que o integra60 no fnturo. (...) Donde, o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoaimente têm quando considera- dos em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem". Curso de direito o<lr>iiiiistrarivo. Sáo Paulo: Malheiros, 25. ed., 2008, p. 61.

14 O interesse público poderá adotar outras denominaçóes, como necessidade pública, utilidade pública ou interesse social. Nesse sentido, estabelece o Decreto-Lei 3.3651 1941, 'artigo 5', alínea f: "Consideram-se casos de utilidade pública: (...) o aproveita- mento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidrá~~lica."

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que esses outros interesses privados obtenham uma projeção coletiva representativa de outro interesse público - como enl alguns casos de geração de energia elétrica, passagem de vias de transporte ou de dutos de petróleo e gás - a exploração mineral deverá prevalecer sobre essa outra atividade.

Essa preponderância do interesse público sobre o privado vem traduzida, por exemplo, no artigo 27 do Código de Mineração, que garante aos titulares de autoiização de pesquisa ou de concessão de lavra o direito de entrar e permanecer em áreas públicas e privadas, desde que, neste último caso, arquem com o pagamento de renda pela ocupação da área e indenização por danos causados. Também o artigo 59 do Código de Mineração representa essa mesina preponde- rância, ao assegurar ao titular de concessão de lavra (e de autorização de pesquisa) beneficiar-se de servidões ininerárias.

Existe a possibilidade, em circunstâncias específicas, de que duas situações amparadas pelo interesse público se mostrein conflitantes entre si e mutuamente excludentes. Nesse caso, o admi- nistrador deverá analisar, seguiido essas mesmas particularidades do caso concreto, qual atividade deverá prevalecer." Pode-se dizer, portanto, que o interesse público da exploração mineral não é absolu- to, mas que tende a prevalecer sobre interesses privados em geral e até mesmo sobre outro interesses públicos em determinadas ckcuns- tâncias.

5 PRINC~PIIO D A SOBERANIA PERMANENTE SOBRE O S RECURSOS NATURAIS

Em voga nas décadas de 1950 e 1960, o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais representava tima forma de ruptura dos países em desenvolvimento com o bloco de países de-

15 C6digo de Mineração, art. 42: "A autorizaçáo será recusada se a lavra for conside- rada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilida- de da exploração industrial, a juizo do Goveino. Neste último caso, o pesquisador terá direito de receber do Governo a indenização das despesas feitas com os trabalhos de pesquisa, uma vez qiie haja sido aprovado o Relatório."

senvolvidos, formado por antigas metrópoles coloniais e vistas histori- camente como exploradoras de recursos naturais de suas colônias sem que os conseqüentes benefícios fossem revertidos para as popu- lações l o c a i ~ ? ~

O foro para a construção do citado princípio foi a Assembléia Geral das Nações Unidas, em que os países em desenvolvimento detinham a maioria de votos, o que possibilitava que se manifestassem mediante a aprovação de resoluções. Assim é que, em 1952, foram aprovadas as Resoluções nos 523 e 626, que reconheciam o direito dos Estados de explorar livremente seus recursos naturais para atingir sua independência econômica, como manifestação do princípio da autodeterminação dos povos, inserido naquele contexto histórico de pós-guerra e descolonização. É interessante observar, nesse ponto, que as Resoluções centravam-se apenas no direito de explorar livre- mente os recursos, sem tratar da soberania propriamente dita. Ainda assim, propugnavam ser esse um direito dos povos, demonstrando que o aproveitamento dos recursos naturais deveria ser realizado ein benefício dos povos, e não dos Estados.

A evolução desse conceito apresentou uma nova dimensão, na medida em que deixou de ser um direito de livremente explorar os recursos naturais para ser tratado em um patamar mais elevado, como manifestação da soberania. Mais ainda, essa ,soberania sobre os recursos naturais veio a se transferir, gradativamente, dos povos para os Estados. A Resolução n. 1.803 da AssembIéia Geral das Nações Unidas, de 1962, foi um marco ao consagrar o pnncípio da soberania permanente sobre os recursos naturais, a ser exercido para o desen- volvimento nacional e para o bem-estar dos povos do Estado em questão. Além disso, ao quaiiticar a soberania como permanente, a Resolução demonstrou ser tal soberania inaiienável e inescusável.

Resoluções posteriores da Assembléia Geral das Nações Uni- das vieram a consagrar o princípio da soberania permanente sobre os

16 Para uma vis20 quanto à exploração, pelas meUópoles, dos recursos naturais de suas colônias, GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Laziiia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 38. ed., 1998.

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recursos naturais como um direito dos Estados e delinearam os contornos econômicos e de investimentos advindos dessa soberania. Os esforços, a pa& daí, rumaram para o estabelecimento de uma Nova Ordein Econômica Internacional, sempre reafirmando a sobe- raiua dos Estados, porém não mais fazendo frequentes referências especificamente aos recursos naturais.

Ainda assim e a despeito do que pregam alguns intemacio- nalistas, o pnncípio da soberania pennanente sobre recursos nahuais permanece atual. Tanto é que vários Estados reformularam seus respectivos ordenamentos jurídicos na segunda metade do Século XX, a fim de estipular que os recursos minerais seriam de propriedade do Estado, da Nação ou do povo.17

No Brasil, o princípio da soberania permanente sobre os recur- sos naturais está presente na Constituição Federal, que estabelece que os recursos minerais s5o considerados bens de propriedade da União e, segundo o artigo 176, SI0, devem ser explorados no interes- se nacional. Como jS. considerado anteriormente, o interesse nacional reflete a dimensão da exploração mineral, cabendo ao Estado, na qualidade de legítimo representante de seus administrados, decidi como e quando proceder à exploração mineral. Nessa esteira, ao recepcionar o Código de Mineração, a Constituição Federal consa- grou o livre acesso e a livre exploração dos recursos ~ninerais.'~

17 Para uma analise mais detida do princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais, SCHRIJVER, Nico. Sovereigiity over natural resources: Balanciiig rights and duties, Cambridge: 1997; HOSSAIN, Kamal; CHOWDHURY, Subrata Roy. Perniartent sovereig>ity ovev iinticiul resourres in iiireirrarioiial law: principle and practice, Londres: Francês Printer Publishers, 1984: TRINDADE, Adnano Dnimmond Cançado. Law aiid lhe humanisation of lhe minem1 sector: the case of Brazil, Monografia de mestrado. Centro de Direito e Política Energética, Mineral e do Petróleo (CEPMLP), Universidade de Dundee, 2002.

18 Podem ser citadas exceçóes ao livre acesso e livre exploração dos recursos mine- rais, tanto em razão da substância (os minérios e iuinerais nucleares estão sujeitos ao monopólio da União, segundo o aniga 177, inciso V da Constituição Federal), como em razão do local (o artigo 54 do Código de Mineração prevê a possibilidade de criação de reseivas nacionais dc determinadas substâncias, como por exemplo a Reserva Nacional do Cobre instituída pelo Decreto 89.404, de 24/2/1984).

Ao exercer essa soberania, a União, por um lado, outorga a particulares autorizações e concessões para a exploração de re- cursos minerais, mas, por outro lado, fiscaliza a execução dessas atividades e exige contrapartidas em termos de eficiência,lg e de aspectos ambientaisZ0 e financeir~s.'~ Uma vez acolhido esse prin- cípio proveniente do Direito Internacional, o Direito Minerário reconhece e legitima a propriedade estatal sobre os recursos minerais, na medida em que o Estado assegure o livre acesso e a livre exploração desses mesmos recursos e desenvolva mecanis- mos para multiplicar os benefícios advindos da exploração mineral em prol da coletividade.

6 PRINCIPIO DA DUALIDADE DA PROPRIEDADE

O ordenamento jurídico brasileiro estabelece que a proprie- dade dos recursos minerais e a propriedade do solo não se confun- dem. Essa dualidade, muitas vezes conflituosa, pode ser extraída a partir do exame da Constituição Federal" e da legislação infra- constit~cional.~

Até a Constituição de 1934, vigorava no País o sistema da acessão, segundo o qual os recursos minerais eram acessórios ao

19 Dai a obrigação daquele que explora os recursos minerais de cumprir o plano de aproveitamento econômico aprovado pela Administração Pública; não praticar a lavra ambiciosa; evitar a poluição e o extravio de águas; promover a segurança e a salubridade das instalações (artigo 47 do Código de Mineração).

20 São exigencias dessa natureza a compensação ambiental, a realização de esmdos ~ b i e n t a i s e a recuperação das h a s degradadas pela mineração.

21 E devido o recolhimento de uma compensação financeira pela exploração de recursos minerais, cujos recursos seráo dishibuídos à União, Estado e Município nos quais se realiza a atividade de exploração mineral.

22 Artigo 20: "São bens da União: (...) IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo". Artigo 176: "As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao conces- sionário a propriedade do produto da lavra."

23 Código Civil, migo 1230: "A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais."

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solo e, conseqüentemente, o proprietário do solo também era pro- prietário dos recursos minerais ali encontrado^.^^ Desde 1934, con- tudo, a propriedade dos recursos minerais tomou-se distinta da propriedade do solo?5 Estabeleceu-se, naquele momento, a dua- lidade entre a propriedade do solo e a dos recursos minerais. Essa dualidade foi reiterada pelas Constituições posteriores de 1937:' 1946,27 1967* e 1988.

Mais especificamente na Constituição de 1988, todavia, não só o princípio da dualidade foi empregado, mas também foi atribuída a propriedade dos recursos minerais i União. Essa inovação represen- tou o fim de um debate, pois até então o ordenamento jurídico nacional previa que a propriedade dos recursos minerais era indepen- dente da propriedade do solo. Contudo, o ordenamento não atribuía a propriedade dos recursos minerais a nenhum ente, dando margem a interpretações de que os recursos minerais estariam inseridos na categoria de res nullius. O atual texto constitucional deixa claro que a propriedade dos recursos minerais é da União e que essa mesma propriedade independe da efetiva exploração, ao reportar-se a "jazi- das, em lavra ou não, e demais recursos minerai~"?~

24 Anteriormente, durante o Período Colonial, havia vigorado o sistema regaliano, segundo o qual os recursos minerais eram propriedade do Rei ou da Coroa. No Período Imperial, entre 1823 e 1891, aplicou-se o sistema dominial, pelo qual os bens configuravam uma res cotnmunis pertencentes à Nação.

25 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, artigo 118: "As minas e demais riquezas do subsolo, bem conio as quedas d'água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial."

26 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, artigo 143: "As ninas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água constituem propriedade distinta da propriedade do solo para o efeito de exploração ou apraveitarneiito industrial. O aproveitamento indushial das minas e das jazidas nunerais, das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização federal."

27 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, artigo 152: "As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água, constituem propriedade distinta da da solo para o efeito de enp1ol;lção ou aproveitamento industrial."

28 Constituição Federal de 1967, migo 161: "As jazidas, minas e demais recursos miiierais e os potenciais de energia hidráuiica cons(itiicm propriedade distinta da do solo pua o efeito de explaração ou apmveitanento industrial."

29 Artigo 176 da Constituição Federal.

PRiNCíPIOS DE DIREITO MINERARIO BRASILEIRO

O princípio da dualidade, qualificado atualmente pela proprie- dade da União, reconhece que os recursos minerais merecem um tratamento diferenciado em relação à propriedade fundiána. Busca o Direito, assim, comgir a disposição irregular dos recursos minerais pelo território nacional, com o objetivo de, por intermédio do Estado, reverter para toda a população os benefícios advindos da exploração mineral - e não apenas para os proprietários fundiários onde se encontram os recursos.30 Em outras palavras, o princípio da dualidade da propriedade revela um primado de justiça distributiva.

Reconhecida a dualidade da propriedade fundiária e da propri- edade mineral, esta última atribuída à União, caberá à própna.União disciplinar a exploração dos recursos minerais. A exploração é atual- mente realizada por delegatários da União, segundo regime jurídico próprio do Direito Minerário, e em geral instrumentalizada pela outor- ga de concessões de lavra e autorizações de pesquisa. Obse~e-se que, tendo em vista a dualidade da propriedade, poderá a União ahibuir a propriedade mineral após a lama ao concessionário, confor- me preceituado pelo artigo 176 da Constituição Federal, sem que tal fato represente uma desapropriação do proprietário do solo.

Como conseqüência da dualidade da propriedade, é natural que surjam interesses contrapostos entre o proprietário (ou possui- dor) do solo e o delegatáno da exploração mineral. Ao disciplinar esses interesses contrapostos e assegurar direitos de parte a parte,"' o Direito Mineráno viabiliza a aplicação do princípio da dualidade da propriedade e, conseqüentemente, promove o interesse público re- presentado pela exploração mineral, ao mesmo tempo em que res- guarda direitos do superficiário.

30 SERRA, Silvia Helena. Direiros »,iiierários: formação, condicionan~entos e extinção, São Paulo: Signus, 2000, p. 19.

31 De um lado, o direito do proprietária (ou possuidor) do solo de receber renda pela ocupação da área e indenização par danos causados pela pesquisa mineral (artigo 27 do código de Mineração), a16m da participação do proprietária do solo nos resultados da lavra (artigo 176, parágrafo 2" da ConstiNição Federal). De oiitro lado, o direito do delegatário de exploração mineral de realizar suas atividades em terrenos de domínio público ou particular (artigo 27 do código de Mineração) e de constituir semidáes para pesquisa e lavra (artigo 59 do Código de Mineração).

ADRIANO DRUMMOND CANÇADO TRINDADE

Não é demais observu; por fim, que a dualidade diz respeito à propriedade do solo e dos recursos minerais, e não ao binômio solo- subsolo. É o que se infere da interpretação tanto do artigo 20, inciso IX, como do caput do artigo 176, ambos da Constihlição Federal. Portanto, mesmo naquelas situações em que recursos minerais afloram à superfície, esses recursos constituirão propriedade distinta do solo e estarão sujeitos ao regime do Direito Minerário.

7 PRBNCCPIO D A PRIORIDADE

O acesso à exploração mineral, por intennédio da obtenção de direitos minerários, pode ser promovido de diferentes formas pelo Estado. Admitem-se mecanisinos negociados, donde provêm os coii- tratos de concessão, contratos de traballio ou simplesmente contratos de desenvolvimento mineral;32 assim coiuo mecanismos não-negocia- dos, que decorrem de requerimentos feitos por interessados à Admi- nistração Pública.

O traço distintivo desses mecanismos é a idéia de estimular o risco da pesquisa e lavra mineral em um ambiente de disponibilidade reduzida de informações geológicas. Ao se adotar o regime do "pri- meiro no tempo", ou seja, aquele que primeiro requer os direitos de exploração mineral sobre uma determinada área, o Estado visa a incentivar novas pesquisas e novas descobertas minerais, sobretudo quando o ordenamento jurídico prevê pouca ou nenhuma condição a ser previamente atendida pelo interessado."

Revela-se aí a aplicação da "regra da descoberta", que remon- ta ao período colonial. Não é surpreendente, pois, que esse sistema de prioridade ainda seja largamente adotado na América Latina. Sua aplicação pelo ordenamento jurídico brasileiro revela-o um autêntico

32 OTTO, James; CORDES, Jolm. Tke i.eg~datioio>i of niineiul erircrprises: a global perspective on economics, law and policy. Westminster: Rocky Mountaiii Mine- ral Law Faundation, 2002, p. 4-1 et se*.

33 Há sistemas, por exemplo, em que se exige a comprovação da capacidade técnico- econômica do interessado para que ele tenha acesso aos direitos de exploração mineral a sereni concedidos pelo Estado.

PRINC~PIOS DE DIREITO MINERARIO BRASILEIRO

princípio, a partir do qual serão desenhadas as regras de acesso a direitos minerános.

Segundo o princípio da prioridade (ou princípio da anterioiida- de), o interessado que primeiro requerer à Administração Pública direitos minerários sobre uma determinada área poderá receber tais direitos, desde que seu requerimento esteja corretamente inshuído e a respectiva área não esteja vinculada a outros direitos anteriormente obtidos e em vigência. Poucos são os requisitos que devem ser pre- viamente cumpridos pelo interessado, uma vez que, além da apresenta- ção do pedido na forma exigida pela Administração Pública, deve ser preparado um plano de pesquisa e documentação acessória.34

Pela simplificação do sistema de aquisição de direitos minerários e pela redução de trâmites perante a Administração Públi- ca - já que não haverá a negociação de contratos de concessão ou a realização de processos licitatórios -, o princípio da prioridade busca ampliar o acesso a direitos minerános e incrementar o conhecimento geológico do País. Não trata a prioridade, portanto, de um mero instrumento de organização da burocracia administrativa. Ao coutrá- rio, é a partir do princípio da prioridade que se estabelece toda uma estrutura de outorga e acesso a direitos minerários, com objetivos pré-determinados e traçados no âmbito de uma política própria.

É importante frisar que o princípio da prioridade assegura ao interessado tão-somente o direito de não ver seu requerimento de direitos minerários preterido em face de um requerimento posterior. O ato de apresentar um requerimento à Administração Pública, por con- seguinte, não garante a outorga dos direitos minerários ao interessado. O que é garantido é que, para fins de outorga dos direitos mineráiios, o requerimento precedente seja apreciado prioritariamente em face de requerimentos posteriores visando à mesma área, respeitando-se assim a ordem de manifestação de interesse sobre a área e111 questão.

Não obstante, o princípio da prioridade vem tendo sua aplica- ção de certa forma atenuada no Direito Minerário brasileiro. Nesse

34 Ao contririo de outros paises, o Código de Miiieração brasileiro não prevê a necessidade de compromissos de investimentos mínimos, nem a demonstraçZo de disponibilidade de fundos para a realização da pesquisa mineral.

. , ~54 - " - 4 :a$ ADRIANO DRUMMOND CANÇADO TRINDADE 3"

sentido, em certas situações em que um deteiminado direito ininerário é objeto de renúncia ou é declarado caduco pela Administração Pública, institui-se um procedimento semelhante a uma licitação - denominado "disponibilidade" - para que interessados se habilitem a obter novos ~ e i t o s minerários sobre a mesma área outrora coberta pelos direitos minerários extintos. A Administração Pública, então, apreciará as propostas apresentadas no curso de u n período não pela sua precedência, mas sim levando em conta o mérito das propostas. Tem-se, portanto, que o Direito Minerário hoje aplica o princípio da prioridade pua situações visando à aquisição originária de direitos minerários, ao passo que utiliza a modalidade negocial -na medida em que analisa as propostas de cada interessado - para a atribuição de novos direitos minerános sobre uma área em que, em tese, houve al,.uma forma de exploração mineral recente.

Conquanto atenuada, a aplicação do princípio da prioridade não pode ser desconsiderada. As situações em que a inodalidade negocial é empregada, como nos processos de disponibilidade, de- vem ser entendidas como exceção ao princípio - até porque, uma vez decorrido o período para a apresentação de propostas sem que surjam interessados, novamente voltará à cena o princípio da pnori- dade. Assim, o princípio da prioridade se revela como uma das formas de deinocratização da exploração mineral, buscando ampliar o acesso de interessados em geral aos direitos minerános, tendo sido essa a opção política feita pelo legislador e sobre a qual foi conshuído o ordenamento jurídico ora vigente.

8 PRINC~PIO DA COMPATIBILIDADE AMBIENTAL

Promover a exploração mineral combinada com preseivacão ainbiental pode soar, em um piiineiro momento, como um paradoxo. A exploração mineral envolve um conjunto de atividades que altera- rão substancialmente as características físicas do local em que vier a ser conduzida. Como o impacto ambiental é algo inerente à explora- ção mineral, cabe àqueles que exercem a atividade empregar meca-

' nismos para mitigar, compensar e recuperar o ambiente iinpactado. Em outras palavras, serão utilizadas medidaspaira garatitir a coinpa& bilidade da exploraç50 mineral com o meio h~biente. .

Pelo princípio da compatibilidade ambiental (ou princípio da compatibilidade com o meio ambiente), o empreendedor mineral deverá realizar suas atividades de forma racional, reduzindo o impacto ambiental ao mínimo possível, buscando assim e possibilitar que os ecossistemas se ajustem às alterações causadas pelas ativida- des de mineração," e evitando que seja comprometido o meio ambi- ente das gerações futuras.

O princípio da compatibilidade ambiental vem reunir uma gama de princípios de Direito Ambiental e direcioná-10s especificamente à atividade de exploração mineral, o que lhe conferirá traços distintivos de uma disciplina própria. Assim é que, na definição da compatibilida- de ambiental, haverá influxos do princípio da precaução, revelado pela antecipação de ações e medidas diante de um potencial risco ambiental, ainda que incerto; do princípio da prevenção, direcionado à adoção de ações e medidas que evitem a consumação do dano ambiental; e do princípio da reparação, que define responsabilidades e indenizações em decorrência de danos ambientai~?~

O Direito Mineririo, que no âmbito da compatibilidade ambiental sofre forie influência do Direito Ambiental sem perder a sua identidade própria, aplica os preceitos revelados pelos princípios mencionados acima especificamente direcionados à exploração mùieral. Não se trata daincidência, pura e simples, dos princípios de Direito Ambiental, uma vez que a natureza da atividade mineral deverá ser considerada, mor- mente quando traz em si implícito o impacto ambiental. E como tal atividade está imbuída pelo interesse nacional, é desejável o estabeleci- mento de contornos jurídicos próprios para que se possa compatibilizar o impacto causado pela mineração com a proteção ambiental, que por sua vez também reveste o interesse da coletividade.

O princípio da compatibilidade ambiental deve ser visto, por- tanto, como legitimador da exploração ambiental conduzida em ob- servância à preservação ambiental e ao mínimo impacto. Não

35 Mining, Mine~als and Suslainable Development Project (MMSD. Bi-eakiiig iiew

grviiiid. Londres: Earthscan, 2002, p. 232-233. 36 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ariibiental brasileiro. São Paillo:

Malheiros, 9. ed., 2001.

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ADRIANO DRUMMOND CANCADO TRINDADE

obstante, poderá haver situações - em caráter excepcional, é verdade - em que a exploração mineral será incompatível com proteção ambiental. É o caso, por exemplo, da vedação legal de exploração mineral no interior de reserva extrativista?'

Como medida concreta de aplicação do princípio da compati- bilidade ambiental, pode-se citar, como exemplo, a exigência de se realizar estudos de impacto ambiental e preparar planos de controle ambiental. Outras formas de compatibilidade que vêm sendo empre- gadas pelo Poder Público são as medidas de compensação, tais como a criação e manutenção de unidades de conservação ambiental por aquele que promove a exploração mineral.

Talvez um dos instrumentos mais significativos da compatibilidade ambiental seja a recuperação do meio ambiente degradado. Trata-se de exigência de índole constil~cioual,~~ especifcamente duigida à exploração mineral e que demonstra a preocupação com os efeitos da mineração sobre o meio ambiente." Esse preceito deve ser considerado no bojo dos mecanismos de compatibilidade ambiental, com vistas à sua aplica- ção não somente após, mas também simultaneamente à exploração mineral, sempre que possível.'Não obstmte, vale considerar que pelo estabelecimento de uma obrigação exigível daquele que explora recursos minerais, o próprio legislador constituinte culminou por legitimar a explo- ração mineral mediante o cumprimento de tal obrigaçã~.~

Por derradeiro, mencione-se que tamanha é a importância do princípio da compatibilidade ambiental que os próprios atores da

37 Lei 9.98512000, artigo 18, parágrafo 6". 38 Constituição Federal, artigo 225, parágrafo 2": "Aquele que explorar recursos

núncrais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica enigida pelo 6rgão público competente, na forma da lei."

39 Silvia Helena Seira (p. 28) reporla-se à recuperaçáo do meio ambiente degradado como princípio autônomo, no que é acompanhada por Wdebrando Hermann (p. 15). Já William Freire (p. 17), s partir da exigência constitucional de recuperação do meio ambiente deaadado, avonta vara o smimento de um ainda incivicnte Direito Ambienta1 Mierir io. .

- 40 HERMANN, Hiidebrando. LeaisiacZo niínci-o-ainbicnial uai-a uproveitnn~ento - .

de agregados. disponível em <Iittp:llivww.cetec.briagre,oados/conte~ (visit;i- do em 31/7/2008), p. 15.

PRINCfPIOS DE DIREITO MINERARIO BRASILEIRO

exploração mineral estabeleceram regras próprias de maneira a ajus- tar a atividade mineral à preservação ambiental: são os chamados Princípios de Equador e as Berlin Guidelines. A iniciativa da indús- tria em estabelecer medidas de auto-regulamentação e autocontrole demonstra a preocupação direcionada à questão ambiental e à aplica- ção do princípio da compatibilidade.

9 PRINC~PIO D A FUNÇÃO SOCIAL D A PROPRIEDADE MINERAL

A par de assegurar o direito à propriedade, a Constituição Federal impõe sua utilização racional para que atenda à função social, o que por si só já demonstra que a propriedade não mais representa um direito absoluto. Afora isso, a Constituição volta a se reportar à função social da sociedade ao apontá-la como um dos princípios que deverão reger a ordem e ~ o n ô m i c a ~ ~ - na qual, aliás, a exploração mineral se insere.

Pode-se conceituar jünção social como uma verdadeira exi- gência de que "o uso das riquezas seja vocacionado ao bem geral e L finalidades públicas, dando à mola do progresso, e ao próplio síinbo- 10 externo contemporâneo da liberdade, que é a propriedade, a têmpera da solidariedade"!"

Pela função social, abandona-se a concepção individualista da propriedade para que seja transmutada a visão da propriedade, deixando esta de ser exclusivamente um fim e passando a representar um meio para atingir-se o bem-estar social. Essa concepção tem em vista a propnedade privada, mas pode ser perfeitamente traiisposta para a propriedade mineral pública.

Como já analisado acima, o interesse nacional e o interesse público de que se reveste a exploração mineral têm por principal

41 Constituição Federal, migo 5", inciso XXIII, e artigo 170, inciso iU. 42 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito adrniiiistrativo:. paite

introdutória, parte geral e parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 14. ed., 2006, p. 372.

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objetivo a transformação de uma riqueza potencial em riqueza efetiva. Ainda com base liesses princípios, a iiqueza produzida e os benefícios advindos da exploração mineral devem fluir por toda a coletividade. Cabe ao Estado, portanto, criar os iushumentos legais necessários e asse,war sua aplicação para garantir que tais objetivos sejam atingi- dos, o que representará o exercício da função social da propriedade mineral e, conseqüentemente, a função social da mineração.

A função social da propriedade mineral assume uma dimensão plúrima. Se considerada em face do Estado, representa a obrigação de o Poder Público viabilizar o acesso e o exercício de direitos minerários, atribuir tais direitos a interessados e exigir-lhes o aprovei- tamento adequado. O Estado deve cumprir o seu dever de atribuir função social à propriedade mineral que ele própiio detém. Valendo- se de suas prerrogativas públicas e no exercício de seu dever-poder, o Estado confe~irá direitos rninerários a possíveis interessados, exigirá o exercício desses direitos e fiscalizará seu cumprimento, até porque a exploração mineral se dá no interesse naci0nal.4~

De outro lado, ao se considerar a função social da propnedade mineral em relação ao empreendedor inineral, está configurada a obrigação de o empreendedor promover a exploração de forma racional, gerando o conhecimento dos recursos minerais do País e transformando a potencialidade mineral em iiqueza efetiva.

Considerando-se, por outro prisma, a coletividade, a funçáo social será exercida quando as riquezas e benefícios advindos da exploração mineral possam fluir por toda a coletividade e gerar a sustentabilidade desses mesinos benefícios. Por ser multi-facetjna, a função social da propriedade mineral pressupôe, ainda, a cornpatibili- dade da exploração mineral com a proteção ambiental.

A funçáo social da propriedade inineral impede que a explora- ção se dê motivada unicamente por razões egoísticas. Deve ser promovida, assim, uma apreciação integral dos efeitos da exploração mineral, a fim de que a atividade possa ser globalmente legitimada.

43 SERRA, Silvia I-Ielena. Direitos r>>irier.drios: formação, condicionamentos e extinqão, São Paulo: Signus, 2000, p. 20.

Essa apreciação não se cingirá a aspectos econômicos, mas também levará em conta aspectos ambientais e sociais na apreciação do empreendimento mineiro, no intuito de que seus reflexos sejam avalia- dos e revertidos para a coletividade. Considera-se, no exercício da função social, o resultado global da exploração mineral.44

Esses elementos estão previstos no atual ordenamento jurídico páirio. A adoção e aplicação do princípio da prioridade têm por objetivo proporcionar o maior acesso a direitos minerários. A realiza- ção de estudos de impacto ambiental, que consideram ainda elemen- tos sociais, oferece uma reflexão integrada acerca das conseqüências da atividade mineral frente ao meio ambiente. As obrigações de exercer a exploração mineral, caso tenham sido outorgados direitos minerá~ios,"~ e de submeter-se ao poder de polícia da Administração P ú b l i ~ a , ~ ~ compelem o empreendedor mineral a exercer a atender a função social. Nessa mesma esteira, oubras obrigações que refletem a função social da propriedade mineral são o aproveitamento racional da jazida mineral, o exercício da atividade direcionado ao bem-estar do empreendedor mineral, dos trabalhadores e dos supeifíciátios, e a distribuição dos resultados da exploração mineral à coletividade.'z7

Um outro ponto para o qual deve-se atentar é o fato de a exploração mineral envolver recursos não-renováveis. Isso significa que, exaurida a jazida, não há se falar em novos recursos no local. Diante dessa constatação, a função social da propriedade mineral exigirá que o aproveitamento dos recursos seja eficiente e que não haja desperdício. Ademais, ainda que os recursos não sejam renováveis, os benefícios decorrentes da exploração mineral deverão ser sustentáveis, para que subsistam e se multipliquem após a exaustão da jazida e o fechamento da mina.

44 SERRA, Silvia Helena. Direitos rnineiúrios: formação, condicionamentos e extinção, São Paulo: Signus, 2000, p. 27-29.

45 Código de Mineração, artigos 29, inciso ii, e 47, inciso X i V . 46 Código de Mineração, aitigo 13. 47 HERMANN, Hildebrando. Legislaçáo niineiv-n~~ibieirrol paro aprvveifamcnto - ~

de agregados. disponível em <http://www.cetec.br/ag~egados/conteudoh (visita- do em 31/7/2008), p. 13.

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Em suma, não basta que a exploração mineral esteja embasada pelo interesse público. É necessário contemplar esse mesmo interesse público sob um ponto de vista dinâmico, condicionando-o ao exercí- cio da função social da propriedade mineral. Os direitos qualificados pelo interesse público subjacente à mineração encontram, assim, un dever jurídico contraposto de que a atividade mineral resguarde o exercício da funçáo social. Como consectário, a exploração inineral torna-se legitimada na medida em que a função social da propriedade mineral seja exercida, e não poderá ser atacada enquanto as circuns- tâncias assim permanecerem. Ao mesmo tempo, gerará, tanto no Estado como no empreendedor mineral, o dever e a expectativa de manter a exploração mineral ajustada a essa mesma função social.

Identificados os princípios, o que se pode esperar do Direito Minerátio? Já foi dito que o Direito Minerátio representa uin inicro- sistema de normas que regem o domínio, o acesso, a exploração e o aproveitamento dos recursos minerais, e as relações jurídicas daí originadas, congregando os princípios e valores que orieiitarão o intérprete na análise de situações criadas e interesses porventura contrapostos à exploração mineral. Progressos recentes da matéria apontam para uma expansão da aplicabilidade de suas normas, que já deixaram de tão-somente regular como deve ser realizada a explora- ção mineral e passaram a considerar também aspectos ambientais, econôinicos e sociais da atividade, apontando para o conceito de sustentabilidade.

Projeta-se, assim, a continuidade da evolução do Direito Minerário nessa direção. Emum primeiro estágio, o Direito Minerjno simbolizava um mero conjunto de regras que disciplinavam o aprovei- - . tamento racional dos recursos miuerais. No estágio seguinte, passou- se a considerar também os aspectos ambientais da exploração mineral e a mitigação de seu impacto no meio ambiente. O terceiro estágio já concebe outros interesses a serem atendidos pela exploração mineral, como, por exemplo, a socialização de seus benefícios. Por fim, o

quarto estágio projeta uma nova dimensão, em que a exploração mineral deve tomar em conta direitos humanos, direitos de minorias, participação pública, entre outros aspectos? Diante dessa evolução, pode-se afirmar que o Direito Minerário brasileiro hoje, em seu dinamismo, já transita entre o terceiro e o quarto estágios.

Diante dessa tendência de integrar novos aspectos antes não incluídos no Direito Minerário, os princípios que representam o núcleo de valores dadisciplina deverão ser considerados no direcionamento da aplicação do Direito Minerário. Por conter os valores que orientam a formação e o emprego de regras aplicáveis à matéria, os princípios serão de grande valia no tratamento legal a ser dado a situações aparentemente conflitantes e não previstas na legislação específica, até mesmo pela ponderação de seus valores. -

A ampliação do escopo do Direito Mineráno, no longo prazo, poderá também implicar uma revisão de seus princípios, com a recepção e acomodação de novos valores no núcleo central da disciplina. Tanto é que uma boa parte dos princípios aqui examinados foi concebida à luz da evolução do Direito Mineráno ao longo dos estágios já referidos. Tome-se, como exemplo, o princípio da função social da propriedade mineral, cuja existência seria inconcebível no primeiro estágio do Direito Mineráno.

Por ora, subsistem os princípios aqui examinados, que vêm orientando a aplicação do Direito Minerário na atualidade. Contudo, seria ingenuidade imaginar que, atingido o quarto estágio de evolução, o Direito Minerário permanecerá estanque e não mais comportará desenvolvimentos. Pelo próprio dinamismo do Direito, espera-se que surjam outros estágios e o Direito Minerário evolua de fonna a considerar novos atores, novos anseios e novos valores. E, como sinal dessa evolução, naturalmente serão concebidos novos princípios que poderão se somar ou gradativamente substituir os princípios hoje existentes à luz de um novo cenáiio.

49 BASTIDA, Elizabeth. Mineral law: N,ew Directions? Iii: BASTIDA, Elizabeth; WALDE, Thomas; WARDEN-FERNANDEZ, Janeth (eds.). h~teinntio>ial arid cor>iparutive i~rinerul law o>rd policy. Holanda: Kluwer Law Intemational, 2005, p. 416-417.

ADRIANO DRUMMOND CANÇADO TRINDADE

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Capítulo 2

PEDRO A. GARCIA

Suniário

1. Introdução. 2. A Regulação da Mineração no Brasil. 3. A mineração sob a ótica das autoridades concorrenciais. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.

O acelerado crescimento do setor mineral, fortemente infiuenci- ado pela nova organização geopolítica mundial, deu origem a um contínuo movimento de consolidação de ativos e concentração em- presarial, o qual, muito embora tenha o potencial de gerar benefícios sócio-econômicos na maior parte dos casos, deve ser cuidadosamen- te acompanhado pelas autoridades competentes, ein seus aspectos regulatórios e concorrenciais, sob pena de que os próprios feuános micro e macroeconômicos torrier~i-se óbices adicionais na busca do tão discutido e almejado desenvolvimei~to sustentável da mineração. Paralelamente ao interesse das autoridades regulatórias, no sentido de maxinzizar o aproveitamento dos recursos naturais da União, cone a responsabilidade das autoridades de defesa da concorrência, até certo ponto limitadora do interesse regiilatório, de proteger a livre concorrência e reprimir o abuso do poder econômico.

Nesse contexto, é importante que se compreendam os funda- mentos jurídico-econômicos basilares das perspectivas regulatóiia e antitruste do setor, como forma de coingir eventuais equívocos e antecipar inelhorias na administração da indústria minerária brasileira.