PRISÃO EM PERIODO ELEITORAL.doc

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  • 7/24/2019 PRISO EM PERIODO ELEITORAL.doc

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    Priso e Perodo Eleitoral

    Antonio Carlos da Ponte

    Promotor de Justia

    Objetivando assegurar a regularidade e lisura do

    processo eleitoral e buscando aplacar toda e qualquer forma de

    perseguio, dispe o artigo 236 do Cdigo leitoral que nen!um eleitor

    poder" ser preso cinco dias antes do pleito e quarenta e oito !oras depois#

    nen!um candidato poder" ser custodiado quin$e dias antes das eleies e

    quarenta e oito !oras depois, salvo as !ipteses de priso em flagrante,

    desrespeito a salvo%conduto ou em virtude de sentena penal condenatria

    pela pr"tica de crime inafian"vel&

    O dispositivo legal indicado merece interpretao

    cuidadosa, que no pode se restringir ' gramatical&

    m primeiro lugar, ( de se observar que o

    legislador fi)a um per*odo em que ( proibida a priso do eleitor, no de

    toda e qualquer pessoa, de tal sorte que, se o detido no ostentar tal

    condio, no !aver" qualquer bice a sua custdia& +a mesma lin!a, a lei

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    no veda a priso da pessoa que esteja com os direitos pol*ticos suspensos,

    posto que esta no poder" votar e, tampouco, ser eleita&

    vedao, por e)cluso, incide sobre a priso

    tempor"ria, a priso preventiva e a priso decorrente de deciso de

    pron-ncia& O questionamento que deve ser reali$ado ( se tal norma, oriunda

    de uma legislao de ./60, foi recepcionada ou no pela Constituio

    1ederal de ./& +o ( s& de se perquirir tamb(m se o eleitor que ainda

    no conta com sentena penal condenatria definitiva e, portanto, no

    acusa suspenso dos direitos pol*ticos, pode participar regularmente do

    processo eleitoral, mesmo estando preso cautelarmente& s respostas a tais

    questes no podem restringir%se ao campo da superficialidade, uma ve$

    que afetam diretamente o processo eleitoral&

    O Cdigo leitoral foi elaborado em conturbado

    momento da vida nacional# as liberdades p-blicas no possu*am o destaque

    e o papel que t4m !oje& stamos discorrendo sobre um per*odo em que a

    priso era obrigatria aps a pron-ncia, no e)istindo, portanto, ' (poca, o

    5 2 do artigo 78 do Cdigo de 9rocesso 9enal, fruto da :ei 1leur; .# no

    !avia o instituto da priso tempor"ria, criado mais de vinte e quatro anosdepois2# a priso preventiva no possu*a o alcance que l!e ( dado

    atualmente# e, por fim, a priso administrativa era uma realidade&

    tualmente, em decorr4ncia de preceito

    constitucional, a priso administrativa s pode ser decretada pela

    .:ei n 0&/7., de 22 de novembro de ./

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    autoridade administrativa nas !ipteses envolvendo crimes militares ou

    transgresses militares, nos termos do que preceitua o artigo 0, =nciso :>=,

    da Constituio 1ederal& ?al modalidade de priso continua a e)istir nas

    !ipteses de desertor de navio de guerra ou mercante surto em porto

    nacional# contra estrangeiros em caso de e)pulso, deportao e e)tradio

    @artigos 6., 6/ e . da :ei n 6&.0A8B, etc&, por(m a sua decretao

    dever" ser efetivada pela autoridade judici"ria&

    9or seu turno, a priso tempor"ria s poder" ser

    decretada pelo jui$ de direito nas !ipteses contidas no artigo . da :ei n

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    e)cepcional, tem como principal finalidade no s a preservao da ordem

    p-blica ou econmica e a lisura da instruo criminal, mas, sobretudo, a

    efetiva garantia da reali$ao do julgamento popular nas !ipteses de

    crimes inafian"veis, cuja presena do acusado afigura%se como

    imprescind*vel&

    s prises preventiva, tempor"ria e decorrente de

    deciso de pron-ncia s podem ser decretadas por jui$ de direito, de forma

    fundamentada, desde que presentes os requisitos legais& +o se discute aqui

    prises fundadas em determinaes de autoridades administrativas,

    medidas veementemente repelidas pela Carta de ./, salvo os casos

    envolvendo transgresses militares e crimes propriamente militares&

    eventual e)cluso do processo eleitoral

    daqueles que possuem em seu desfavor um mandado de priso em aberto,

    justifica%se !oje em ra$o da aus4ncia de regulamentao da mat(ria& O

    Erasil, ao contr"rio de pa*ses como o Canad"3, no conta em sua legislao

    eleitoral com cap*tulo prprio destinado ' col!eita de voto de detento

    custodiado em comarca que abranja sua seo eleitoral&

    regulamentao de tal mat(ria no implica em

    simples satisfao de formalidade, mas de medida necess"ria para que se

    evite a cooptao de preso provisrio, de modo que seu voto seja destinado

    de forma vinculada& O ideal seria que a previso legal contemplasse a

    necessidade do detento ser condu$ido, mediante escolta, at( sua respectiva

    3Loi lectorale du Canada @:ei n .&7., de 3. de maio de 2888B destina todo um cap*tulo a col!eita

    dos votos dos presos provisrios&

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    seo eleitoral, onde e)erceria regularmente seu direito de voto# devendo,

    para tanto, ser lavrada ata pormenori$ada por parte dos funcion"rios

    encarregados do acompan!amento legal&

    Fo modo como a legislao encontra%se !oje,

    foroso recon!ecer que tal medida no tem como ser viabili$ada, mesmo

    sabendo que o preso provisrio, na quase totalidade das ve$es, no se

    encontra privado de seus direitos pol*ticos&

    +o que tange ao conte-do do artigo 236 do

    Cdigo leitoral, fa$%se necess"ria a indagao, nas atuais condies, de

    qual o interesse que a sociedade possui em garantir, a qualquer custo, a

    participao no processo eleitoral de pessoa acusada da pr"tica de crime

    grave, justificador da decretao de sua priso cautelar& Certamente, no foi

    objetivo do legislador assegurar a participao pura e simples de

    criminosos, em respeito ao livre e)erc*cio da cidadania no processo

    eleitoral, em detrimento da apurao ou justa punio dos crimes a eles

    atribu*dos&

    Geria um verdadeiro acinte ' Hustia e a traduoda mais pura impunidade, por e)emplo, o comparecimento de um

    !omicida, com priso preventiva decretada, cujo mandado ainda no fora

    cumprido, ' seo eleitoral, o regular e)erc*cio do direito de voto e, depois

    de quarenta e oito !oras, o retorno do criminoso ' clandestinidade&

    interpretao meramente gramatical do artigo 236 do Cdigo leitoral pode

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    levar a tal disparate, enquanto que a interpretao teleolgica ou

    sistem"tica condu$ a outra concluso&

    O escorreito transcorrer do processo eleitoral, que

    deve ser marcado pela lisura, tranqIilidade, ordem, pluralidade e liberdade

    no e)erc*cio da escol!a dos representantes do povo, justifica, em car"ter

    e)cepcional, enquanto no e)iste legislao prpria regulamentando a

    mat(ria, que aqueles que ten!am contra si mandado de priso em aberto,

    sejam alijados do processo de votao& +o se trata de discriminao, mas

    de escol!a, J no processo de ponderao envolvendo o direito%dever do

    voto do sentenciado e o interesse p-blico em ver restabelecida a ordem e

    aplicada a lei em desfavor de seus detratores J, da segunda opo, que

    atende o esp*rito prprio de um stado de Fireito&

    +o foi finalidade do legislador, insiste%se,

    garantir o direito de voto dos criminosos em detrimento do interesse

    p-blico, muito ao contr"rio& preocupao teve causas muito mais nobres,

    que podem ser sinteti$adas na preocupao de que nen!uma pessoa fosse

    alijada ilegalmente do processo eleitoral# tanto que a priso em flagrante, a

    priso em decorr4ncia de sentena penal condenatria irrecorr*vel e odesrespeito ' salvo%conduto continuaram justificando a priso, mesmo '

    (poca da elaborao do Cdigo leitoral&

    avaliao do dispositivo em comento no pode

    ser pueril e, tampouco, ceder ao singelo argumento de que uma norma

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    jur*dica, integrante de lei ordin"ria, que permite a liberdade em

    determinadas situaes, no pode sofrer restries&

    norma jur*dica isoladamente considerada de

    nada vale& Gua validade est" atrelada ao papel que desempen!a no

    ordenamento jur*dico que, por sua ve$, tem como finalidade alcanar os

    valores eleitos por uma dada sociedade como pass*veis de proteo& ste (

    o verdadeiro papel da norma que no pode ser avaliada escoteiramente,

    independentemente da adoo de um sistema jur*dico aberto ou fec!ado&

    O processo eleitoral busca realar a cidadania, um

    dos valores mais caros e verdadeiro alicerce de um stado Femocr"tico de

    Fireito, que no pode ceder aos capric!os de uma interpretao tendenciosa

    que busque apenas poupar o criminoso da justa aplicao da lei&

    an"lise de nossa Constituio 1ederal, em

    consonKncia com o papel que ( destinado ao processo eleitoral no stado

    Erasileiro, condu$ ' inquebrant"vel concluso de que o artigo 236 do

    Cdigo leitoral no foi recepcionado por nossa Carta Dagna&