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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ TRABALHO FINAL – ARTIGO CIENTÍFICO PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: esforços para uma ressignificação dos conselhos de classe em uma escola pública estadual de ensino médio noturna de Curitiba SILVANA TEREZINHA MOLIN CONTRERAS CURITIBA dezembro 2009

PRISIONEIROS DO SILÊNCIO · RESUMO Este trabalho teve ... Parti do modelo do conselho de classe que era utilizado na escola até dois ... e cujos filhos estudam nas escolas públicas

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

TRABALHO FINAL – ARTIGO CIENTÍFICO

PRISIONEIROS DO SILÊNCIO:

esforços para uma ressignificação dos conselhos de classe em uma escola

pública estadual de ensino médio noturna de Curitiba

SILVANA TEREZINHA MOLIN CONTRERAS

CURITIBA

dezembro

2009

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Silvana Terezinha Molin Contreras1

RESUMO

Este trabalho teve por objetivo ressignificar o conselho de classe em uma escola estadual de ensino médio noturno, a partir do seguinte problema de pesquisa: de que modo podemos tornar o conselho de classe num dos momentos de reflexão, decisão ,e de ações conjuntas a serem adotadas de modo a garantir e enriquecer o processo de ensino-aprendizagem dos diferentes sujeitos envolvidos? Para responder a esta problemática, mapearam-se as características de alunos e de professores no processo de ensino-aprendizagem-avaliação, por meio de entrevistas e questionários a fim de compreender melhor as redes de interdependência aluno - escola. Para tal, utilizaram-se autores das ciências sociais como Lahire, Bourdieu, Silva, Souza, e da educação, mais especificamente do campo da avaliação, Dalben, Cruz, Candau, Hoffmann, Franco, Esteban, Luckesi, Vasconcelos. Sobre os dados coletados, o que se evidenciou na pesquisa, de modo geral, foi que alunos consideram o processo ensino-aprendizagem-avaliação dependendo do lado que ocupam isto é, aqueles cujo desempenho escolar é melhor, e cujo capital cultural é maior, sentem-se mais preparados, dispostos e seguros para analisar as ações dos professores e da escola, criticando-os quando sentem que isto é necessário, fazendo observações e exigências em relação às questões ligadas aos professores, aos conteúdos e as práticas educacionais. Já os alunos que se encontram em fracasso escolar, demonstram que se sentem incapazes de lançar críticas sobre seus professores ou sobre o modelo da cultura escolar, antes até, assumem o que lhes é oferecido na escola sem muita resistência, pois não se sentem preparados, e tendem a acreditar que são os únicos responsáveis pelo insucesso escolar. Em relação ao sucesso ou fracasso escolar, os professores conseguem menos fazer uma crítica a seu trabalho pedagógico e mais aos alunos, a família, ao entorno da escola e a legislação. Como se trata de uma pesquisa-ação a aplicação do projeto ainda está em vigor.

Palavras chaves: avaliação, conselho de classe democrático.

RESUMEN

Este trabajo tiene por objetivo resignificar el consejo de clase en una escuela estadual de enseñanza media nocturna, a partir del siguiente problema de pesquisa: ¿De que modo podemos tornar el consejo de clase en uno de los momentos de reflección, decisión, y de acciones conjuntas a ser adoptas de modo a garantir y enriquecer el proceso de enseñanza-aprendizaje de los diferentes sujetos envueltos? Para responder a esta problemática, se mapearon las características de los alumnos y de profesores en el proceso de enseñanza-aprendizaje-evaluación, por medio de entrevistas y cuestionarios a fin de comprender mejor las redes de interdependencia alumno - escuela. Para tal, se utilizaron autores de las ciencias sociales como Lahire, Bourdieu, Silva, Souza, y de la educación, más específicamente del campo de la evaluación, Dalben, Cruz, Candau, Hoffmann, Franco, Esteban, Luckesi, Vasconcelos. Sobre los datos colectados, lo que se evidencio en la pesquisa, de modo general, fue que los alumnos consideraron el proceso enseñanza-aprendizaje-evaluación dependiendo del lado que ocupan esto es, aquellos cuyo desempeño escolar es mejor, y cuyo capital cultural es mayor, se sienten más preparados, dispuestos y seguros para analizar las acciones de los profesores y de la escuela, criticándolos cuando sienten que esto es necesario, haciendo observaciones y exigencias en relación a las cuestiones ligadas a los profesores, a los contenidos y a las prácticas educacionales. Ya los alumnos que se encuentran en fracaso escolar, demuestran que se sienten incapaces de lanzar críticas sobre sus profesores o sobre el modelo de la cultura escolar, antes hasta, asumen que lo que es ofrecido en la escuela sin mucha resistencia, pues no se sienten preparados, y tienden a creer que son los únicos responsables por el fracaso escolar. En relación al éxito o fracaso escolar, los profesores consiguen menos hacer una crítica a su trabajo pedagógico y más a los alumnos, a la familia, al entorno de la escuela y a la legislación. Como se trata de una pesquisa-acción la aplicación del proyecto aún está en vigor.

Palabras llaves: evaluación, consejo de clase democrático.

1 Professora pedagoga da Rede Estadual de Educação do Paraná, do Colégio Estadual João Bettega, (ensino fundamental e médio), pós graduada em interdisciplinaridade na educação básica, pedagoga PDE 2008. [email protected]

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INTRODUÇÃO

O artigo aqui apresentado faz parte da conclusão dos estudos do Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE), da Secretaria de Educação do Estado do

Paraná. Este programa é de formação continuada dos professores da rede pública de

ensino da Educação Básica e ocorre de modo integrado com as instituições de ensino

superior, aqui representada pela Universidade Federal do Paraná e que teve como

professora orientadora dos estudos a Profª Dra. Valéria Milena Rohrich Ferreira2, a

quem admiro e agradeço por todo o empenho e a confiança.

O conselho de classe apresenta-se como um dos momentos mais ricos e

também contraditórios do trabalho pedagógico. Ele envolve discussões sobre

concepções de educação, ensino, metodologia, e avaliação. Este artigo apresenta,

portanto, o caminho percorrido e as ações desenvolvidas e aplicadas junto a uma

escola estadual do ensino médio noturno, na direção de tornar o conselho de classe

da escola, uma instância cada vez mais democrática. Para tal, foi necessário

reconhecer e analisar as forças que atuam e estão presentes na organização do

trabalho pedagógico, em especial na questão da avaliação, que resultam no momento

do conselho de classe.

Como pedagoga ligada à rede pública de ensino estadual, há mais de 17 anos

pude constatar que um dos momentos delicados do fazer pedagógico é a construção

e o desenvolvimento do conselho de classe. E como este momento envolve o coletivo

da escola, ainda que em desigualdade de condições, ele é claramente um espaço de

disputa de poder, uma instância de decisões sobre o processo de avaliação do saber

escolar. Sendo assim, com esta pesquisa busquei respostas à seguinte pergunta: de

que modo poderemos tornar o conselho de classe num dos momentos de reflexão e

tomada de decisão de ações conjuntas a serem adotadas de modo a garantir e

enriquecer o processo de ensino-aprendizagem dos diferentes sujeitos envolvidos?

Para buscar possíveis respostas à questão acima, estabelecemos objetivos

específicos para a pesquisa: conhecer e traçar o perfil do aluno da escola noturna de

ensino médio; verificar a visão que o aluno com dificuldades de aprendizagem tem do

2 Doutora em Educação pela PUC-SP/ Programa: História, Política, Sociedade (área de concentração: Educação e Ciências Sociais). Professora do Setor de Educação / DEPLAE da Universidade Federal do Paraná.

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professor do ensino noturno, e vice-versa, qual a visão que o professor tem do aluno

(com dificuldades de aprendizagem) do ensino noturno; compreender quê aspectos da

relação entre professores e alunos contribui para o processo de aprendizagem. Tais

objetivos, aliados ao estudo de teóricos do campo da avaliação, me levariam por

caminhos pelos quais seria possível compreender e reorganizar o conselho de classe.

Parti do modelo do conselho de classe que era utilizado na escola até dois

anos atrás, e percebi que ele acabava por deixar espaços em aberto, perguntas sem

respostas, não levando a maiores contribuições para o processo ensino-

aprendizagem. Ainda que muito importante e tomado a sério pelo grupo, ele se

restringia a apontar os alunos que não sabiam ou não conseguiam aprender. As

discussões para compreender o porquê deste fato e que ações deveriam ser adotadas

para se avançar neste aspecto, não chegavam a acontecer. Isto gerava um clima

tenso, angustiante e pouco proveitoso para o conselho de classe que acabava ficando

esvaziado, girando em torno de si mesmo, sem poder apontar caminhos mais

proveitosos em relação ao processo ensino aprendizagem.

Desta forma, o trabalho partiu de uma pesquisa-ação, iniciada com uma coleta

de dados feita por meio de aplicação de questionários a um determinado grupo de

professores e de alunos a fim de melhor conhecer os aspectos envolvidos no

conselho de classe e, de alguma forma, dar voz aos sujeitos envolvidos.

O questionário aos estudantes foi elaborado com perguntas a serem

respondidas por alunos que apresentassem desempenho nas extremidades, isto é,

alunos com bom rendimento (notas altas) e alunos com baixo rendimento (notas

baixas). A partir daí, buscamos estabelecer minimamente as redes de relacionamento3

entre as realidades vividas pelos alunos na escola e junto à família, no trabalho e no

meio social, isto é, mapeando alguns elementos do capital cultural4 e do desempenho

dos mesmos na vida escolar.

3 Termo utilizado por Bernard Lahire, em sua obra Sucesso escolar nos meios populares na qual ele afirma que é necessário estudar e mapear as “redes de relacionamento” dos alunos, isto é, ele desenvolveu estudo baseado em entrevistas realizadas com 26 famílias de meios populares, cujas origens eram de diferentes países, culturas e capital escolar, e cujos filhos estudam nas escolas públicas francesas. Neste estudo procurou entender e identificar as influências e a importância que o papel das famílias e suas diferentes formações, exercem sobre o desempenho dos filhos nos estudos. Além disso verificou a valoração ou não do saber escolar de acordo com a experiência de vida de cada aluno, além da relação desenvolvida entre o meio social e sua bagagem cultural e escolar, que cada uma das famílias constrói junto ao meio e como interage junto a ele. 4 O capital cultural é uma expressão que parte de Bourdieu, que nela procura expressar o conjunto de valores culturais sociais, educacionais e conhecimentos que podem ser herdados e que também podem ser construídos ao longo dos anos de acordo com as diferentes relações sociais com entre os sujeitos a cultura e o meio. De acordo com o seu capital cultural o sujeito interpreta e interage com o seu cotidiano, estabelecendo suas relações. Assim, o capital cultural pode representar uma ferramenta no modo de enfrentar e organizar a vida dentro de uma determinada cultura, podendo vir a ser um diferencial na vida dos sujeitos, dependendo do tipo de capital cultural que o sujeito traga consigo.

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Foi separada uma amostra de 20 alunos distribuídos entre o 1º, 2º, e 3º anos

do ensino médio noturno sendo respeitada a paridade entre meninos e meninas. O

questionário composto por questões abertas e fechadas foi dividido em quatro

módulos, com assuntos que se voltaram para os temas da vida dos adolescentes

como os seguintes: sua vida, significado de ser jovem, trabalho e por último, estudo e

escola. Foi pedido ainda que os estudantes fizessem um desenho representando o

bom professor e o que não é considerado um bom professor. A intenção era conseguir

captar por meio dos desenhos as impressões mais profundas dos alunos sobre estes

dois conceitos.

Quanto aos professores o questionário a eles direcionado constava de

questões ligadas ao tempo de serviço, aos motivos da escolha da profissão, sua

formação, as dificuldades que encontravam no trabalho pedagógico, as principais

motivações que encontravam no ato de ensinar, além de seus pareceres sobre quais

seriam as características do bom aluno e daquele que não é considerado um bom

aluno.

Para apoiar o levantamento dos dados foram utilizados autores das Ciências

Sociais e da Educação como Silva, Magalhães de Souza, Giroux e Lahire, como

também autores especificamente ligados à temática da avaliação, como Dalben,

Hoffmann, Luckesi, Vasconcelos, dentre outros.

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1 – Escola: um espaço de avaliação e prática.

Podemos afirmar que a escola democrática é aquela que preza, luta e trabalha

no sentido de manter as relações pedagógicas que ocorrem entre professores e

alunos, sendo estes, o epicentro das razões de todo o trabalho da educação. É para

manter a qualidade do que lhes oferecemos é que buscamos melhorar a gestão da

escola. Assim, gestão passa a ser compreendida como um instrumento, um

ferramental que se coloca a serviço da melhoria da qualidade de ensino. Precisa,

portanto, estar balizada pelos princípios da democracia, da igualdade, da

universalidade e da laicidade.

Ao eleger a escola como objeto de estudo, tivemos que analisá-la em seus

diversos aspectos: os legais, teóricos, políticos e práticos. Para que isto acontecesse

também foi necessário que se compreendesse e conhecesse um pouco melhor o

contexto histórico-social no qual a escola está inserida.

Um dos autores que tomei como base para pensar a escola, foi o historiador

Viñao Frago (1998, p.167-183) que afirma que o desenvolvimento da educação nas

sociedades, ao longo de sua história, criou o que ele chama de “cultura escolar”. A

cultura escolar seria, então, o conjunto de teorias, princípios ou critérios, normas e

práticas sedimentadas ao longo do tempo no seio das instituições educativas. Para

Viñao Frago, professores, alunos, pais, familiares e inclusive quem desenvolve as

políticas educacionais, têm uma maneira de agir que os identifica e qualifica como tal.

Assim os diferentes papéis desenvolvidos dentro desta instituição – a escolar - devem

ser analisados dentro da compreensão dessa cultura escolar. Parece-nos que o autor

desvela as relações existentes nos meios educacionais e nos remete a uma nova

pergunta: - Como aproximar-se desta cultura escolar? Quais os mecanismos que

mantém tais condicionamentos e relações? A que interesses atende a cultura escolar?

Esta cultura escolar é de conhecimento de todos? Quais os discursos que a

acompanham? E quem não se adapta a esta cultura, como se sai? E, enfim,

aproximando-nos ainda mais do objeto da presente pesquisa: qual a relação entre a

cultura escolar e os processos de avaliação na escola?

Viñao Frago, também afirma que somado a esta questão cultural existem

outros fatores que estão presentes, como: os atores (os professores, os alunos e

famílias;), os discursos e linguagem, as instituições e sistemas educativos e as

práticas. Para exemplificar a importância dessa relação entre a cultura escolar e o

sucesso do aluno na escola, podemos utilizar o caso do aluno que falta à aula. O

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professor, mergulhado na cultura escolar, acredita e determina como certo que este

aluno ao retornar às aulas, imediatamente o comunique e justifique suas faltas e que,

ainda, pergunte ao professor ou aos colegas qual a matéria que perdeu e a partir daí

já comece a repor tal conteúdo de modo a acompanhar a seqüência das aulas. Assim,

quando o aluno não age deste modo, a maioria dos professores entende que o aluno

está desinteressado e é pouco envolvido. Todavia, devemos nos perguntar, quem de

fato, prepara e orienta o aluno para este tipo de atitude? Ela não é espontânea, estas

atitudes precisam ser ensinadas para o aluno, de modo que após conhecer este

procedimento ele passe a agir assim, naturalmente. Isto se estende ao entorno da

escola, envolve os pais, que esperam ser chamados para ir à escola, e não o

contrário; ou a própria escola que espera que os pais consigam ensinar ao filho aquilo

que ele ainda não entendeu ou não aprendeu na escola; ou ainda que os pais

disciplinem seus filhos do modo como a escola deseja. É certo que as

crianças/adolescentes precisam ser educadas em casa e receber as orientações de

como se relacionar com o grupo, como desenvolver responsabilidades. Mas, quando a

escola chama a família somente para reclamar de que o aluno não age conforme o

esperado (conforme a cultura escolar faz há décadas) esta apenas reforça junto à

família que o aluno não está se “adequando” a escola.

Os atores escolares, sob o modelo da cultura escolar acabam por assumir que

há diferentes papeis e funções para os sujeitos na escola, de acordo com o posto que

ele ocupa no processo sem, muitas vezes, problematizar tais questões. É preciso

identificar, portanto, quais os discursos e as ações utilizadas para a manutenção desta

cultura escolar e como ela pode ser repensada, alterada e assim, utilizada como meio

de superação das dificuldades que se apresentam no processo educacional.

Neste sentido, é preciso saber que esta cultura não é rígida e, portanto, pode

se alterar cada vez mais no sentido democrático e para o sucesso do aluno na escola.

Isto se faz presente, quando em um conselho de classe apresentamos os relatórios

contendo o discurso do professor e o discurso do aluno, ou o discurso da família. O

professor dizendo que faz o melhor, que quer ensinar, mas o aluno não aprende. O

aluno que diz que não entende o que o professor ensina, que de fato não sabe mais

porque não estuda e lhe faltam conhecimentos básicos. E a família quando toma o

aluno, seu filho, como fraco e “sem jeito para os estudos”. Ai entra a escola como

instituição que talvez, ao invés de reforçar estes papeis, poderia articular estes

sujeitos e seus interesses e promover a aprendizagem. Mas na prática isto não é tão

simples. Além da questão das práticas escolares, é necessário destacar que a escola

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está submetida também, a uma legislação que chega até ela já pronta, e na qual a

instituição deverá se apoiar e se submeter. Assim, a escola acaba por ter que acatar

uma decisão ou resoluções, sendo estas, muitas vezes, rígidas e que não permitem

que se oportunize recuperar um aluno ou dar mais tempo aos que mais necessitem.

E, na maioria das vezes tais legislações não pressupõem a diversidade de

encaminhamentos possíveis nas escolas acabando por orientar de forma homogênea.

Deste modo professores e equipe pedagógica, ainda que conheçam a realidade e as

necessidades dos alunos e da comunidade, se vêem, muitas vezes, impedidos de

poder agir devido a ter que lidar com as imposições e algumas limitações da

legislação.

Por fim, temos as teorias que servem também como base das ações

pedagógicas e revelam um conjunto de referências a serem seguidas e que em nosso

caso, têm buscado orientar os processos democráticos, uma vez que a opção é por

teorias críticas de educação.

Assim, como ponto importante do estudo de Viñao Frago, fica a afirmação de

que, se por um lado, Teoria, Legalidade e Prática não coincidem, por outro, não são

estanques nem diferem totalmente. Elas caminham próximas ou se cruzam e

representam a possibilidade de captar as descontinuidades e rupturas, as inércias e

persistências da cultura escolar e para tanto precisam dialogar. Ficou claro ainda, que

além destes três fatores da cultura escolar, as questões externas à escola, seu

contexto mais amplo, também interferem e precisam ser levados em conta em toda a

análise que se faça desta instituição da sociedade.

Assim quando optei pelo estudo do conselho de classe, considerei o fato de

que esta cultura escolar é muito forte e esta arraigada nas relações pedagógicas

desde a conceituação de avaliação até em questões relacionadas com a prática de

ensinar.

Em princípio me chamou a atenção o fato de que o conselho de classe sempre

foi um espaço onde havia muita disputa de poder, ou seja, professores de diferentes

disciplinas, uns buscando mais poder e importância do que outros. Outra questão é o

fato de que, do modo como os conselhos se estruturavam, sempre se partia dos

problemas apontados pelo professor, culpando-se somente o aluno pelo seu baixo

desempenho. A metodologia, os caminhos, ações e o próprio conceito de avaliação

não eram questionados junto aos professores, isto é, quais as possíveis razões deste

baixo rendimento. Assim, o “culpado”, acabava sendo o aluno. E ainda, a ação

resultante do conselho de classe no sentido de modificar tal situação era a de que a

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família do aluno deveria ser chamada à escola de modo a receber a informação de

que seu filho não estava indo bem e que deveria mudar. Apenas se informava à

família e pedia que ela buscasse conversar e ajudar o aluno, em casa, a superar as

dificuldades apontadas.

Ainda que pareça cômodo agir deste modo, isto gera mal estar e desgaste por

parte dos professores e da escola. Esta cultura escolar existe e se mantém viva há

muito tempo, sendo difícil rompê-la para poder melhor identificar quais as intenções

daqueles que fazem parte do processo. Não se trata de culpar o professor por tal

discurso ou forma de agir. A escola como um todo precisa rever estes conceitos, esta

cultura escolar. É preciso o distanciamento para poder olhar e enxergar o que pode

ser feito e à luz de que razão. Deste modo, minhas dúvidas no sentido de entender os

motivos do desconforto gerado por este tipo de conselho de classe, cresceram. Por

que os professores não consideravam também que suas práticas poderiam estar

equivocadas, ou que não eram adequadas, ou que seus alunos não estavam ainda

preparados para tal conhecimento? E daí, quem os prepararia senão o próprio

professor que ora necessitava que o aluno dominasse aquele conhecimento?

Outro assunto constante nos conselhos de classe é a questão da disciplina, ou

da falta dela, e os males que isso acaba por gerar para o aluno e para o professor

também. Os docentes fazem uma consulta coletiva sobre as notas do aluno, para

saber como ele esta se saindo nas demais matérias, e em alguns casos chega a

combinar que tal aluno poderá ficar retido, pois não está ruim “só comigo” e sim com

os outros também. Ás vezes o comportamento do aluno é um dos pontos negativos,

pois, “tem potencial, mas, não faz”, não se envolve, é indisciplinado e desafiador.

Ocorre que, por vezes esta consulta tem a intenção de tirar da responsabilidade do

professor o fracasso do aluno na disciplina e dissolvê-lo entre todos. Neste caso o

conselho de classe serve para legitimar esta atitude. É um momento de desabafo,

quase um grito de socorro, não admitido por parte da maioria, mas, algumas vezes um

grito de socorro, pois, muitos professores também sofrem com situações em que a

família parece não amparar o aluno em suas necessidades. Então, o aluno é

apresentado ou como “faltoso” e que recebe pouco estímulo em casa ou está “pouco

interessado” pelo conteúdo, ou ainda, não consegue estabelecer relação de

necessidade entre o conteúdo trabalhado na escola e o seu cotidiano, ou ainda é tido

com problemas de comportamento e disciplina.

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2. Avaliação e teoria: em busca da complementação.

Quando falamos em conselho de classe estamos tratando de uma das

instâncias da avaliação. No momento do conselho de classe estamos processando

dados referentes a avaliações anteriores, estamos processando informações,

intenções, emitindo juízos de valor sobre determinadas ações e comportamentos dos

sujeitos. É também nestes espaços do conselho que se decide adotar ou não

mudanças em relação ao processo de ensino e aprendizagem e por que não dizer,

uma mudança do próprio ato de avaliar e suas implicações. O grande número de

evasão, reprovações e desistências, também se deve ao modo de entender e

desenvolver as avaliações. Para Franco (1990), avaliação é uma ação que não

permite a neutralidade. Toda a avaliação está vinculada a uma maneira de conceber o

mundo, o indivíduo e a sociedade. Estas maneiras, portanto, norteiam a prática

pedagógica tanto nas políticas educacionais quanto nas ações da escola e, por

conseguinte da sala de aula. A autora propõe que sempre se procure conhecer os

pressupostos epistemológicos que foram tomados como referência para a avaliação.

Já para Hoffmann, (1995) a avaliação deve ser mediadora e traduz-se em uma

postura de vida. Neste caso a autora comenta que “a teoria da avaliação educacional”

quando inserida no cotidiano escolar, restringe-se a correção de tarefas diárias dos

alunos e registro de resultados, isto é, avaliação é aplicação de instrumentos de

verificação e critérios de análise de desempenho final. A autora comenta que a

avaliação escolar carrega em si um significado de dificuldade, de obrigatoriedade, de

mal necessário, não sendo entendida, muitas vezes, como mediadora, como proposta

dialética. Já quando vista da perspectiva do cotidiano, adota um significado diferente,

que é o de refletir para mudar e melhorar, isto feito de modo mais tranqüilo, o tempo

todo, sem programações ou registros formais, e o excesso de tentativas para resolver

determinados problemas nos amadurece. Deste modo, afirma à autora, a avaliação na

escola deveria seguir o caminho natural que segue o da vida, equivaleria a se dizer

que avaliar é refletir sobre nossas ações e sobre seus resultados.

Candau, (1998), realiza vários estudos e análises e afirma existir uma lacuna

no campo da pesquisa educacional no que se refere à avaliação na ação pedagógica.

Há falta de orientações e formação para os professores no tema avaliação o que

dificulta a compreensão e superação de problemas além de que quase não existem

investigações sobre avaliação, fracasso/sucesso escolar e seletividade. Propõe a

autora que se desenvolvam mais estudos e mais investimentos em pesquisa para

conquistar caminhos mais concretos e formas alternativas de avaliação.

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Esteban, (2002), afirma que a avaliação educacional precisa romper com as

dinâmicas excludentes que se fazem presentes no cotidiano da escola e que

precisamos rever a avaliação na perspectiva democrática. Propõe que se acredite e

que se pratique constantemente o diálogo. Entende a autora que por meio do diálogo

se pode chegar à superação dos preconceitos e a construção de uma sociedade

melhor. A autora relata que no ambiente de sala de aula vivemos constantemente a

ordem e o caos e que assumir esta existência não os coloca como certos ou errados.

Estes precisam ser analisados no contexto. A aceitação de que os conflitos existem e

a busca da compreensão destes, e sua possível superação é marco necessário que

estes movimentos acabam por promover. Defende a autora a idéia de co-evolução

que seria a evolução em função da cooperação estabelecida entre os grupos, e toma

a avaliação como prática de interrogar os outros e a si próprio, como aspectos

positivos do processo. Reforça que a negociação deve ser utilizada para romper as

dicotomias, buscar articulações entre os elementos contraditórios e antagônicos e

produzir novos significados.

Para Luckesi, (2003), no decorrer da história educacional a avaliação foi

utilizada mais como forma de justificar as diferenças sociais, portanto com

características excludentes e de marginalização dos que nela estavam inseridos, do

que de fato para promover o sujeito. Todo este posicionamento baseia-se no modelo

de prática educativa e de sociedade que foram adotados historicamente.

Contrapondo-se a este modelo, propõe e defende que a avaliação da aprendizagem

escolar deve ser um ato amoroso, que se coloca como acolhedora, isto é, recebe,

aceita, acolhe os atos como são do modo que são, sem julgar. O julgamento é algo

que distingue o certo do errado, o certo inclui, o errado exclui. A avaliação como ato

diagnóstico propõe-se a diagnosticar e incluir o educando pelos mais variados meios,

durante o processo de aprendizagem, apontando sim os eventuais erros, mas antes

acolhendo para depois proceder aos ajustes e direcionamentos necessários a

qualidade do aprendizado. A avaliação deverá estar intimamente ligada a um projeto

de ensino. Fora deste propósito fica descolada e sem objetivo. Requer rigor científico

e metodológico tanto da parte da prática educativa quanto na organização, aplicação

e a apuração dos resultados apontados na avaliação.

De modo geral, os autores acima destacados, têm em comum a preocupação

de que é necessário elevar a qualidade do aprendizado devendo a avaliação estar

contextualizada com o processo de ensino, isto é, desde seu planejamento até a sua

ação, avaliação e intervenção, seguindo um ciclo dialético.

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Mas se a avaliação é um ato acolhedor, como deve ser o Conselho de Classe?

Sobre isso, há autores que têm se dedicado a estudar. Dalben (1995), por exemplo, é,

no cenário nacional, uma das poucas autoras que tem se debruçado a desenvolver o

tema com tanta profundidade. Ela nos apresenta estudos sobre as diferentes

representações envolvidas nas relações internas aos conselhos de classe e as

dimensões subjetivas de suas práticas. A autora propõe um estudo aprofundado sobre

as relações que se estabelecem nos entremeios dos conselhos, dos conceitos que já

chegam prontos, dos julgamentos prévios, da divisão do ato de avaliar, das diferentes

formas de agir de professores e profissionais que atuam em uma mesma escola sob

um mesmo projeto político pedagógico. Aponta ainda os diferentes referenciais

ideológicos ligados a diversas concepções pedagógicas que aparecem nos momentos

de conselho de classe e ainda a divisão do trabalho técnico presente na escola e que

também se reflete no momento do conselho. A autora ensina que devemos estar

atentos em ouvir o que dizem os sujeitos que estão envolvidos no processo e para

fazer limpezas nos discursos, pois, estes podem vir acompanhados por vícios e não

permitem ver o que de fato importa. Dalben propõe que a organização do conselho de

classe se de por etapas, sendo que primeiro o levantamento dos dados via pré-

conselho junto aos professores e alunos, a seguir os pedagogos processam estas

informações e fazem um levantamento do que foi dito e apontado levando a uma

sistematização das informações que serão utilizadas e discutidas pelo coletivo no

conselho de classe propriamente dito, e depois, volta à prática escolar apontando

ações que deverão ser aplicadas sobre os problemas levantados. Tais

encaminhamentos serão do conhecimento coletivo, por via do pós-conselho junto aos

alunos e pais. Torna-se, assim, o processo, um processo dialético.

Outro autor que tem estudado sobre isso e que desenvolveu um modelo de

ação para a organização do conselho de classe é Cruz (2005, p.19). Ele aponta as

etapas que podem ser consideradas no processo de organização do Conselho de

Classe:

Auto - avaliação dos profissionais da escola: professor e equipe pedagógica para tomada de consciência da própria ação, de suas limitações e acertos

Análise diagnóstica das turmas: considerando os vários fatores que influenciam positiva ou negativamente a aprendizagem dos alunos, como o seu contexto de vida, a metodologia utilizada pelo professor, os instrumentos de avaliação, as relações que se estabelecem em sala.

Proposta de ação individual e coletiva: definição e registro das linhas de ação para atender as necessidades de mudança e redirecionamento apontados no diagnóstico das turmas, cabendo à equipe pedagógica da escola o papel de articular as propostas e sua efetivação na prática.

Análise dos casos relevantes: pesquisar as causas e os “porquês” de dificuldades individuais, identificando em que aspectos um aluno precisa progredir, não ficando apenas no simples relato.

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3. Alunos, fracasso e escola: vozes que se calam

Após estudar e conhecer um pouco sobre o que cada autor traz em seus

estudos sobre a avaliação e organização do conselho de classe, o próximo passo foi o

de organizar o trabalho prático desenvolvido na escola, mostrando o quê os dados

empíricos levantados na pesquisa-ação trouxeram de apontamentos.

Em outubro de 2008, desenvolvemos um questionário com questões abertas e

fechadas e iniciamos a aplicação prática do mesmo, para os alunos e para os

professores, do ensino médio noturno. Tínhamos a intenção de levantar dados ainda

em 2008, para podermos ter em mãos informações significativas quando voltássemos

para a escola, de modo a que estas informações fossem divulgadas e utilizadas pelo

grupo de professores e alunos já no início do ano de 2009, como referência e apoio

nas possíveis ações futuras. O questionário dos alunos foi dividido em quatro

módulos, e os temas centrais foram sobre a vida do jovem, o ser jovem, o jovem e o

trabalho, o jovem, o estudo e a escola. Quanto à definição do público que responderia

às questões, foram escolhidos aleatoriamente, 10 alunos com bom rendimento, e 10

com baixo rendimento, de acordo com os boletins emitidos pela secretaria da escola.

Inicialmente foi possível identificar que a maioria dos jovens mora nas

proximidades da escola, junto com suas famílias. A maioria dos alunos trabalha (60%)

e têm emprego com carteira assinada. Dos 12 alunos que trabalham, 6 têm trabalho

fixo, 5 tem trabalho temporário, e 1 faz estágio. Destes 12, nove tem carga horária de

8 horas diárias, um com carga horária de 6 horas, e dois com carga horária de 4

horas. Dos alunos que trabalham 7 encontram-se me fracasso escolar. O que pode

levar a pensar que de fato não lhes resta muito tempo ou possibilidades de estudo

fora da escola. As idades dos alunos variaram de acordo com as séries ficando entre

o intervalo de 16 a 27 anos prevalecendo à média de alunos com 18 anos. Do total de

20 alunos investigados, três são casados, dois já com filhos (2), e um sem filhos, já os

demais são solteiros e vivem com suas famílias. No aspecto número de membros da

família, verificou-se que predominam as famílias de 4 pessoas, as demais variam

desde 3 pessoas a uma única família com 7 pessoas. Tal informação talvez confirme

o fato de que atualmente as famílias têm se mantido em um número mais reduzido.

Se um dos problemas levantados por professores sobre a avaliação – e que

surge apontado nos conselhos de classe - é a falta de atividade de estudo por parte

dos alunos, então era preciso saber se o jovem dedicava tempo aos estudos extras

fora da escola.

14

Dentre as atividades realizadas durante o dia, os alunos relataram diversas

como “ir ao trabalho”, “ajudar em casa” “dormir”, “jogar no computador”, “escola”

“sexo”, “dormir”, “jogar futebol” “assistir TV”, “jogar bola”, (o que nos levou a pensar

que os adolescentes ainda brincam!), e também o fato de que apesar de terem

incluído a escola em suas atividades, não houve a confirmação de que estes jovens

investem algumas horas no estudo, principalmente os alunos do 1º ano do ensino

médio, e justamente aqueles que estão mais fragilizados em termos de notas. Tais

dados confirmam a tese de que os alunos não estudam fora da escola.

Desejávamos identificar se haveria diferenças entre as respostas também

quanto ao rendimento dos alunos e o acesso a um determinado capital cultural

familiar, para tanto foi preciso buscar identificar o grau de instrução dos familiares com

os quais o aluno convive. Com relação a isso foi possível identificar que dos 40

possíveis familiares (pai, mãe e/ou irmão), 16 (dezesseis), concluíram o ensino

fundamental, 1 (um) ensino médio incompleto, 6 (seis) o ensino médio completo, 2

(dois) o ensino superior incompleto, 2 (dois) o ensino superior completo. Estes

últimos dados podem nos remeter ao fato de que os filhos destes pais já se

encontram em situação melhor em relação aos estudos, se comparados à maioria dos

pais (que têm apenas o ensino fundamental). Ou seja, os alunos que se encontram

em fracasso escolar têm famílias cujos estudos chegam até os anos iniciais do Ensino

Fundamental e apenas um no 1º ano do Ensino Médio. Chamou a atenção o

percentual de 40% dos alunos que deixou esta questão em branco, mostrando ou um

desconhecimento sobre o nível educacional dos pais, ou talvez, que estes alunos não

desejavam expor que seus pais têm um baixo nível de instrução (4 alunos deixaram

em branco esta questão, não responderam nada, o que equivale a 8 oito membros, e

5 membros, eram de famílias onde somente um familiar foi citado, perfazendo assim o

total de membros, ou seja, 16+1+6+2+2+8+5 = 40).

O módulo “estudo e escola” nos forneceu boa parte do material para o estudo.

Reforçando o fato de que a avaliação é um processo que ocorre dentro das paredes

da escola e se aplica aos alunos que ali estão inseridos, era necessário levantar

informações sobre fatos ocorridos dentro desta relação escolar pedagógica. Assim,

alguns dados nos remetem a pensar sobre a relação entre professor e aluno. Dos 20

alunos que participaram da pesquisa, 9 já haviam repetido o ano no ensino médio,

tendo estes apontado como principais causas da reprovação, a bagunça, o excesso

de faltas, notas baixas, falta de esforço, e falta de estudo. Destes 9 repetentes, 7

fazem parte daqueles que ainda hoje estão em situação de fracasso escolar. Estas

15

respostas e informações nos remeteram a pensar: quando o aluno atribuiu sua

reprovação à falta de esforço, falta de estudo, estaria ele utilizando parte do discurso

impresso pela escola, pela cultura escolar? E quanto ao excesso de faltas estas

seriam motivadas só devido ao trabalho ou também como sinal de desinteresse pelo

modelo como as aulas são ministradas? Haveria aí oculta uma forma de aversão ou

resistência ao modo como estão postas estas relações intra-escolares? Quando e o

quê deveria ser feito para iniciar a superação desta defasagem?

Nos quadros abaixo apresentamos o comparativo entre alunos e rendimento

escolar, o que nos remete a pensar sobre como está a relação entre aluno, professor

e aprendizado. Vejamos as respostas levantadas neste primeiro quadro organizado a

partir do que os alunos respondem sobre a questão: “o quê os professores poderiam

fazer em sala de aula que ajudaria você a se sair melhor nos estudos, inclusive,

pensando nas suas expectativas sobre as aulas futuras?”

Quadro I

Atitudes que podem facilitar ou dificultar a aprendizagem do aluno e expectativas quanto às aulas - 2008

ATITUDES FACILITAM A APRENDIZAGEM

ATITUDES QUE DIFICULTAM A APRENDIZAGEM

EXPECTATIVAS DOS ALUNOS QUANTO AS AULAS

Ser mais calmo ao explicar a matéria

Gritar com os alunos Aulas mais criativas, divertidas

Conversar mais com os alunos, aproximar-se mais

Desrespeitar Trazer outros materiais

Ser mais atencioso com os alunos, dar atenção.

Não tirar ou esclarecer dúvidas

Aulas mais dinâmicas ou métodos que ajudem a memorizar melhor

Ter respeito Agir de modo muito estressado

Aulas mais lucrativas intelectualmente

Mais companheirismo Generalizar, são todos ruins,

Dirigir a explicação a todos não somente aos que já sabem

Deixar os alunos tirar dúvidas,

Ninguém faz lição. Não abandonar a sala de aula por conta dos indisciplinados

Entender o problema do horário

Discriminação Alternar os tipos de atividades

Ao chegar à sala cumprimentar os alunos

Certificar-se de que os alunos tenham entendido a matéria para então passar para outro conteúdo.

Perceber e falar ao aluno quando o mesmo se sair bem ou melhorar

Evitar só encher o quadro com lição, Dedicar-se mais as aulas Fonte: Questionário aplicado aos alunos do ensino médio noturno do colégio João Bettega.

Percebemos que os alunos apontam a necessidade de maior atenção e, no que

se refere às relações interpessoais, melhor tratamento. Chamamos a atenção para o

fato de que “deixar tirar dúvidas”, ou “ser mais calmo ao explicar as lições” - algo

considerado como necessário e natural dentro do processo de ensino aprendizagem -

16

neste caso, não estão sendo disponibilizado aos alunos. Outra análise que podemos

fazer é sobre o pedido de “não gritar” e a solicitação de que os professores não

generalizem a respeito de questões referentes às tarefas (“ninguém faz a lição”), o

que mostra que há um grupo que faz tarefas e que se sente afetado pelo não

reconhecimento por parte dos seus professores.

Sobre isso, nós, educadores, às vezes, temos por hábito comentar com o grupo

que “todos” não fazem a lição que “todos” estão indisciplinados que “ninguém” está

colaborando. É preciso ter cuidado, isto deve ser revisto, pois, acaba criando por parte

do grupo uma maior resistência e um desânimo naqueles que de fato gostam de

participar.

Outro apontamento é o de que os alunos desejam modelos de aulas mais

criativas, dinâmicas e que tragam um crescimento intelectual, o que mostra que há,

entre os alunos, uma noção de que o contato com a escola deve oferecer a

possibilidade de um crescimento intelectual. Aqui temos um desafio, hoje a juventude

e a adolescência vivem num mundo que valoriza e está rodeado de informações

rápidas, jogos interativos, facilidades tecnológicas e por conta disso, desenvolvem

menor tolerância e paciência para com a escola. Daí alguns comentários sobre o fato

de a escola ser monótona e a crítica ao modo pelo qual as aulas são desenvolvidas:

parecerem lentas, e pouco atrativas.

Contudo, a escola tem sido vista por muitos alunos como a possibilidade e um

espaço de socialização. Os jovens vêm para a escola para o encontro com os

semelhantes, com a turma, com os colegas sendo que esta é vista como um ponto de

encontro do qual o aluno não quer abrir mão. Entretanto, “o estudo” pode ficar

sacrificado e não ser levado tanto em consideração por estes alunos. Poderíamos nos

perguntar: como a escola pode apaixonar seus alunos para que estes venham a

socializar-se também por meio do conhecimento?

Quanto à questão que trata sobre as dificuldades apontadas pelos alunos no

que diz respeito a seus rendimentos escolares, comparando-se as respostas dos

alunos com alto rendimento e os alunos com baixo rendimento, foi possível construir o

quadro abaixo. Vejamos:

17

Quadro II

Quadro demonstrativo sobre as dificuldades encontradas na escola segundo rendimento escolar dos alunos - 2008

ALUNOS COM ALTO RENDIMENTO ALUNOS COM BAIXO RENDIMENTO

Problemas Ações Sugeridas

Problemas Ações sugeridas

“Colegas (alunos) desinteressados”

“Conversar dar uma chance e caso não resolva aluno pode até perder a vaga”

“Alunos irresponsáveis”

“Expulsão seria a solução do problema”

“Falta de professores”

Contratar professores que gostem do que fazem

Dificuldade de aprendizagem

Aluno deveria estudar mais

Falta de explicações das matérias

Aulas não planejadas, “inventadas” no momento,

Faltam funcionários Mandar mais funcionários

Fonte: Questionário aplicado aos alunos do ensino médio noturno do colégio João Bettega.

Ambos apresentam problemas e sugestões, que num primeiro momento

parecem iguais, porém ao analisarmos o modo como eles foram apresentados e

justificados, veremos que há um discurso oculto. Ao que parece os alunos com melhor

rendimento apresentam-se mais críticos em relação aos problemas apontados e

identificam maior número de problemas. Suas sugestões de ações envolvem maior

número de pessoas e seus indicativos de mudança vão além da escola. Demonstram

ter maior domínio da língua falada e escrita, e isto lhes confere certa autonomia para

pensar e sugerir.

Ao contrário, os alunos cujo desempenho é baixo, até apontam problemas

semelhantes, todavia este apontamento se volta especialmente sobre si mesmos,

tornando-os os únicos responsáveis pelos problemas, isto é, os alunos demonstram

que incorporaram e aceitaram o discurso de que os que não estudam (eles), os que

são indisciplinados (eles), os que têm dificuldades de aprendizagem (eles), é que são

os causadores dos problemas e que não parece haver outra solução senão o

afastamento deles mesmos do ambiente escolar, pois afinal, “eles não querem nada

com nada”. Observamos que não houve uma divisão de responsabilidades, nenhum

número de sugestões significativas, e sim, uma aceitação passiva de que as ações

dos alunos é que causam as dificuldades de aprendizagem. Isto nos leva a pensar

que tal fato seja fruto do pouco contato com o conhecimento estruturado, mas também

é um sinal de que os menos preparados também são mais punidos e forçados a uma

aceitação pacifica dos fatos. Isto deixa transparecer que a voz dos alunos que têm

baixo rendimento dificilmente é ouvida. Haveria, portanto, um “silêncio estrutural”

18

(Giroux, 1984), ou seja, o silêncio daqueles sujeitos que são levados a se calar, pois,

também dominam menos o código escrito e isto os coloca sem força ou poder de

expressão, já que não conseguem romper com este silêncio que os aprisiona. Quando

a questão foi saber quais seriam as características marcantes do bom professor, os

alunos divididos entre os de maior ou menor rendimento posicionaram-se sobre as

principais características desta forma:

Quadro III

Características marcantes do bom professor -2008 ALUNOS COM ALTO RENDIMENTO ALUNOS COM BAIXO RENDIMENTO

Passava bastante lição Explicava a matéria muito bem Não brigava Paciencioso decidido Explica bem até a gente entender Dedicado esforçado Mostrava o lado prático das coisas Não falta Deixa o aluno tirar dúvidas Não briga e não xinga Marca outro horário para atender o aluno Atencioso, carismático Conversava como amigo (mesmo assim era respeitado)

Legal, ajudava o aluno que tinha dificuldade

Fazia aulas diferentes Fazia aulas da melhor maneira possível Ensinava bem Fala do futuro Mostra que sem estudos não somos nada Demonstra amor é cuidadosa, mãe Fonte: Questionário aplicado aos alunos do ensino médio noturno do colégio João Bettega.

Neste quadro foi possível constatar que o lado afetivo tem um peso grande na

ligação dos alunos com seus professores. Isso confirma a tese que diz que é preciso

se estudar a relação entre as emoções e a aprendizagem, pois há afirmações de que

a aprendizagem ocorre de modo mais intenso quando há uma interação afetiva entre

professor e aluno. “Ser atencioso”, “paciente e não brigar”, foram comuns aos dois

grupos de alunos. Aqui, novamente, alunos com melhor rendimento também

apresentam uma melhor apropriação do código escrito, o que lhes permite uma escrita

mais rica e detalhada. Tal apropriação também lhes confere maior autonomia,

inclusive, nos apontamentos e na identificação do que consideram melhor ou pior,

neste caso o poder de argumentação lhes confere uma visão mais crítica dos fatos e

possibilidades. Os alunos cujos rendimentos não são os melhores, demonstram certa

fragilidade em relação aos argumentos. Parecem sentir que não têm direito de criticar

uma vez que não conseguem, por motivos diversos, devolver aquilo que é esperado

pela escola. A análise nos permite refletir, portanto, sobre o espaço que é dado para

que a “voz” destes alunos seja ouvida e nos faz pensar ainda, no quanto não se

conversa profundamente e honestamente com eles sobre as situações de fracasso,

ensinando a que cada um reflita e questione tanto a sua própria trajetória quanto a de

seus professores e escola. Foi também solicitado aos alunos que desenhassem a forma

19

como percebiam o bom professor e aquele que consideravam como não sendo um bom

professor. Pensava-se que os alunos com problemas de aprendizagem poderiam ter, assim,

outra possibilidade de expressão além da escrita. Foi possível identificar que os alunos em

fracasso escolar, além das dificuldades de expressão como já mencionado, apresentam

pouca riqueza de detalhes também nos desenhos5. Ver desenhos 1 e 2, o que talvez justifique

o quanto a escola deve procurar atender ou se preocupar em ajudar a desenvolver um código

cada vez mais elaborado para seus alunos, por outro lado, a pouca condição de expressão

destes alunos parecem estar fragilizados, com a certeza de que não serão ouvidos, ou que

sua opinião não faz diferença. Idéia de solidão. Já os alunos em sucesso escolar parecem

tanto utilizar-se da linguagem escrita, quanto do desenho, com mais facilidade. Ver desenho 3

e 4.

1 2

3

4

5 Os alunos que participaram da pesquisa, autorizaram a utilização das informações e dos desenhos. Tal autorização está arquivada junto aos documentos do Colégio Estadual João Bettega, e por uma questão ética, optou-se por não divulgar o nome de nenhum dos participantes, conforme combinado incial.

“Há, Há, Há...Vocês fazem

cada piada...enquanto

vocês não para eu não dou

aula...Há...há...ha...

20

4. Com a palavra: os professores...

Um questionário com algumas questões semelhantes às realizadas com os

alunos foi aplicado também a uma amostra de professores do colégio (no ensino

noturno). Neste questionário foram levantadas questões ligadas à trajetória dos

professores, sua formação e o que pensam sobre os jovens.

Participaram da pesquisa 5 professores, dos quais 3 homens e 2 mulheres,

estes com idades entre 41 e 47 anos. Quanto à formação acadêmica, dos 5

professores 4 fizeram seus estudos em universidades públicas e 1 em faculdade

particular. A graduação mais antiga ocorreu em 1987, a seguir em 1990, outros 2 em

1992 e um último em 1993. Todos os professores possuem cursos de pós-graduação,

4 já concluídas e 1 em andamento. Todos os profissionais dedicam-se exclusivamente

ao magistério, 80% dos professores têm carga horária de 60 horas semanais,

divididas entre escola pública municipal, escola pública estadual e instituições

privadas. Este último dado é muito importante, pois, mostra a quantidade excessiva de

horas de trabalho à qual o professor tem se submetido durante a semana, fato este

que tem uma grande chance de comprometer tanto a qualidade do seu trabalho,

quanto à qualidade de sua vida. Todos os professores atuam no ensino médio e dois

destes também no ensino fundamental. Cada professor tem em média um tempo de

serviço que vai de 15 a 20 anos na função do magistério.

Quando perguntado sobre “por que optaram por trabalhar no magistério”,

disseram: “vocação”, “gosto pelo conhecimento”, “tenho aptidão desde o magistério”,

“gosto de atividades físicas e ser atleta”, e “para poder continuar os estudos e

pesquisar na área que gosto”.

Ao se perguntar “O que mais gosta em sua profissão?” As respostas foram às

seguintes: “As descobertas por parte dos alunos quando compreendido o assunto”;

“Gosto de trabalhar com a busca da mudança de visão dos alunos diante da

matemática, desmistificando o paradigma de ser difícil”; “Gosto de poder atuar com

adolescentes”; “Gosto de gente”; “Gosto de ensinar quem quer aprender e aprender a

aprender.” Esta pergunta poderia fornecer informações sobre a relação entre o

trabalho realizado e o prazer, que o mesmo oferece aos que o praticam. Algumas

respostas mostraram-se bem associadas a como os outros reagem ao trabalho do

21

professor e aponta traços da formação dos mesmos: “Gosto de ensinar quem quer

aprender e aprender a aprender.”

Outro fator importante e que precisávamos saber era sobre “o que mudariam

em relação a seu trabalho”? As respostas foram: “a qualidade.”; “mais material

didático disponível para os alunos”; “sistema de avaliação e a disciplina”; “nada”. O

conjunto de informações nos revela que os professores percebem que trabalham em

situações que exigem uma constante atualização, também buscam qualidade, talvez

porque isso se reflita nos resultados obtidos pelo coletivo (a falta de qualidade),

também o sistema de avaliação e a disciplina parecem ser um ponto a ser trabalhado

e modificado, disciplina relacionada a rendimento. E também há quem afirmou que

nada precisa ser modificado, talvez porque não esteja envolvido o suficiente para

levantar questionamentos, o que também poderia ser interpretado como sentimento

de impotência diante do que lhes é apresentado no cotidiano escolar.

A seguir levantamos informações sobre quais seriam as características que

consideravam importantes e que definiriam como sendo a de um bom e de um mau

aluno. As respostas puderam ser organizadas no seguinte quadro demonstrativo:

Quadro IV Como o professor vê o aluno - 2008

O que é ser um BOM ALUNO O que não é ser um BOM ALUNO

É ser interessado, demonstrar interesse Não demonstra interesse Ser participativo, através de perguntas esclarecimento de dúvidas

Não tem respeito

Participar ativamente das atividades propostas Não tem compromisso Que produzam nas aulas Não tem responsabilidade Explora seus conhecimentos para aproveitá-los na vida.

È indisciplinado atrapalha as aulas

Respeita colegas, professores e todo o espaço escolar

Não faz nada, não ta nem ai!

Mostra-se apático É faltoso. Não parece ter projeção futura Fonte: Questionário aplicado à professores do Colégio João Bettega - 2008

Também foi perguntado ao professores “Que atitudes o aluno do noturno

poderia ter em sala de aula que o ajudaria a obter um melhor aprendizado em sua

disciplina?” E as respostas apontaram para: “participar mais das aulas”, “mais atenção

e observação nos conteúdos e sua aplicação no dia-a-dia.”, “empenho, mais esforço e

persistência”, “concentração, disposição e auto-estima.”

22

A seguir se fez necessário abordar as dificuldades que os professores

reconheciam no seu dia-a-dia de trabalho e quais seriam as possíveis sugestões de

ações a serem adotadas para melhorá-las (“Liste as principais dificuldades que você

encontra em sua escola e aponte possíveis sugestões”).

Quadro V Principais dificuldades encontradas pelo professor e possíveis sugestões/2008

Dificuldades Sugestões no geral Indisciplina Professores mais responsáveis e dedicados Falta de valores Professores inovadores Falta de estudos Estudar mais Falta de responsabilidade Mudar a forma de avaliação Falta de educação Mudança de postura de todo o corpo docente. Falta de dedicação Cobrança mais atuante Desinteresse Ausência na escola (faltas) Conscientizar os alunos Falta de limites Fonte: Resposta dos professores em relação às dificuldades encontradas e as possíveis sugestões para buscar superação. Colégio João Bettega 2008

Para finalizar, foi solicitado aos professores que dissessem de que modo a

equipe pedagógica poderia apoiar os alunos e os professores no fazer pedagógico

(Com relação à aprendizagem como e quando o pedagogo poderia ajudar?) foram

elencadas as seguintes ações: “oferecendo estratégias didáticas e pedagógicas”; “nos

momentos onde o aluno demonstra dificuldade de aprender, mas também quando lhe

falta vontade”; “o pedagogo deve sempre auxiliar o professor, independente da época

do ano e da disciplina”; “que o pedagogo mostre ao aluno uma visão de futuro, os

objetivos para uma melhoria de vida do aluno na parte financeira e afetiva”;

“conversas que levem o aluno a conscientizar-se de seu papel e mostrar que é preciso

fazer planos para o seu futuro em longo prazo.”

5. Da apresentação à prática do projeto: um caminho em construção...

Uma vez que os dados coletados já estavam sistematizados, iniciamos a

implementação do projeto junto à escola propondo para o coletivo ações que nos

levassem a ressignificação do conselho de classe.

Buscarei, a partir de agora, narrar os fatos, as tensões e os embates que se

desenvolveram na tentativa de aprofundar as práticas democráticas na escola. O

trabalho de implantação iniciou-se de fato na primeira reunião pedagógica que a

23

escola propôs em fevereiro do ano de 2009, junto aos professores. Na ocasião foram

apresentados os resultados sobre os dados empíricos levantados na pesquisa inicial

de 2008 (os dados que neste artigo constam nos itens 2 e 3), sendo que a

participação dos professores, da equipe pedagógica e da direção foram intensas e

estes se mostraram favoráveis e dispostos a colaborar com a construção do projeto.

O principal objetivo do projeto era o da mudança gradativa, baseada nos dados

empíricos, na forma de se organizar e construir uma relação mais democrática na

escola. Os desafios consistiriam em uma mudança no olhar para com os alunos em

fracasso escolar, na forma de entender o processo de avaliação e, por conseguinte,

no modo como os modelos anteriores do “fazer” o conselho de classe precisavam ser

revistos e trabalhados por todos os envolvidos no processo, desde a direção, equipe

pedagógica, professores, até alunos, e família, assim a relação pedagógica deveria

ser repensada, por todos os envolvidos.

Quanto aos alunos e à comunidade o contato com o projeto aconteceu

igualmente já nas primeiras semanas de aula e todas as turmas envolvidas foram

convidadas a conhecer os seus principais conteúdos. Muitos alunos apenas ouviram,

alguns chegaram a comentar sobre como era bom poder ter participado da pesquisa

(fato que foi interpretado como afirmação de que os alunos querem ter suas vozes

ouvidas). Durante as reuniões temas como avaliação, cultura escolar, hábitos de

estudo, coletividade, democracia, foram apresentados e discutidos, em grupo, como

parte do processo de formação. Falamos sobre os diferentes papéis que os alunos

têm no cenário escolar e das expectativas que os professores e que a escola têm

sobre seus comportamentos e ações e também, sobre o que eles, os alunos, pensam

sobre seus professores, sobre a cultura escolar (o modo com que organiza tempos,

espaços, normas, regras, idéias etc), seus estudos e tudo mais o que rodeia a escola.

Os alunos, em sua maioria, demonstraram identificação com os dados apresentados.

Em outro momento foi feita a eleição dos representantes de classe, até para que

pudéssemos obter um elo imediato de ligação entre os alunos os professores e a

equipe da escola. Os alunos representantes reuniram-se constantemente com a

direção e equipe pedagógica para imprimir uma identidade de grupo. Surgiu aqui a

indicação de que poderíamos retomar o grêmio da escola, que já existia, mas, que

nos últimos cinco anos não mais atuava.

A comunidade foi abordada durante reuniões convocadas pela direção e

pedagogia, para a apresentação do trabalho em conjunto com outros assuntos. Os

pais que compareceram as reuniões mostraram-se interessados, uma vez que foram

24

abordados temas sobre como a família pode e deve estar próxima dos filhos,

valorizando as ações que estes desempenham na escola, preocupando-se em lhes

manifestar o interesse por seus estudos, mesmo que neste caso estivéssemos

falando de alunos com idades acima de 14 anos (idade em que muitos pais já pensam

não ser mais necessário tanto acompanhamento, haja vista que os filhos são mais

independentes, alguns até já fazem estágio ou trabalham).

5.1 O primeiro conselho de classe

A preparação para o conselho de classe do primeiro trimestre deu-se durante

as reuniões pedagógicas anteriores, quando disponibilizamos aos professores textos

para serem lidos, com temas ligados a avaliação e educação. Aproximadamente uns

20 dias antes das datas agendadas em calendário, para o conselho de classe, foi

iniciado o pré-conselho em hora atividade. Nela, os professores, individualmente,

registraram suas impressões em uma ficha própria que foi desenvolvida sobre o

processo de ensino aprendizagem da turma, fazendo um levantamento sobre a

aplicação dos conteúdos do planejamento inicial, quais foram as dificuldades que a

turma apresentou neste item, e quais as sugestões de possíveis encaminhamentos e

adequações para o próximo trimestre. Quanto aos alunos também foi elaborada uma

ficha com questões ligadas aos conteúdos, a aproveitamento, relacionamento,

disciplina, pontos positivos e negativos das ações que aconteceram durante o

trimestre na relação pedagógica e sugestões para possíveis alterações.

Neste dia do conselho de classe participaram os professores, os alunos via

representantes de classe, estes participando pela primeira vez, além de membros do

Conselho Escolar e APMF. Estes últimos trouxeram representatividade de pais e

funcionários, que neste modelo estavam participando do conselho também pela

primeira vez. Após entregar os documentos sínteses por série, que diziam respeito

aos pontos levantados com as dificuldades e sugestões de superação, tanto para

alunos quanto para os professores e a seguir, alunos, comunidade, pais, se reuniram

em grupos para responder com base nos documentos recebidos a seguinte questão

norteadora:

Diante do que foi apresentado e em função do objetivo de buscar uma melhor relação

ensino x aprendizagem, quais ações deverão ser adotadas já no 2º trimestre para

assegurar uma melhora no trabalho coletivo?

E das ações a serem implantadas o que corresponderá a cada um dos sujeitos

envolvidos no processo? (professores, alunos, pedagogos, funcionários, pais direção).

25

Nossa intenção era que todos ficassem juntos, porém, o hábito da separação

falou mais alto e quase que naturalmente, professores, alunos e comunidade

reuniram-se com seus pares. Assim, nós, pedagogas, e a direção nos mesclamos nos

grupos. Após a discussão dos apontamentos levados pelas pedagogas foi feita uma

plenária onde todos ouviram as propostas dos demais e a partir destas foram tirados

encaminhamentos para serem adotados no próximo período e no o pós-conselho.

Tamanho foi o interesse de alguns alunos em participar que uma das alunas

representantes mesmo tendo pedido transferência da escola nos dias próximos ao

conselho, pediu para poder participar e fez questão de comparecer contribuindo com o

trabalho que já fora iniciado anteriormente.

Os alunos foram claros ao se colocarem ao grupo, elogiaram os professores e

em seguida iniciaram reivindicando, uso de textos mais curtos, de aulas mais

dinâmicas, de mais paciência durante as explicações, de falta de tempo para fazer os

trabalhos fora da escola, pedindo mais atenção dos professores, materiais

alternativos, explicação para todos e não somente para os que já sabem, informar aos

alunos sobre os resultados dentre outros.

A seguir os professores apresentaram suas propostas sobre os temas relativos

a cada uma das turmas, apontaram como problemas: a falta e o uso de materiais de

apoio; o fato de que os alunos não estavam fazendo as lições e as tarefas; alunos que

mesmo tendo o livro não traziam; a falta de conhecimentos básicos impedindo que se

caminhasse mais rápido em relação a novos conteúdos; as faltas de alguns alunos.

Sugeriram ações como: revisar e retomar conteúdos básicos já para o próximo

planejamento; optar por atividades em conjunto para desenvolver espírito de equipe;

reforçar as regras do contrato pedagógico por parte do coletivo da escola.

Depois deste momento, os alunos e pais foram dispensados, pois, novamente

aqui, contrariando o planejamento inicial que previa que todos estivessem juntos até o

final, apresentaram-se, veladamente, resistência em se ter os alunos presentes em

discussões sobre aquilo que acontece dentro da escola, da sala de aula e na relação

pedagógica. Isso talvez demonstre que ainda é preciso que nós, educadores,

entendamos que podemos abrir este espaço sem que tenhamos ameaçado o nosso

papel e a nossa função de professores. Vale observar que após a liberação dos

alunos, alguns professores expressaram-se verbalmente: “agora sim vai começar o

conselho”; “podemos falar agora?”. Tais comentários, não estão sendo julgados - de

fato modificar um comportamento e atitudes que estão arraigadas à nossa formação,

26

não é fácil - mas eles apontam para o fato de que mudanças não acontecem apenas

porque estão definidas no papel, elas precisam ser trabalhadas pensadas desejadas e

construídas e não apenas determinadas. Também cabe afirmar que estas novas

ações requerem uma formação por parte de todos os envolvidos.

Nos dias que se seguiram ao conselho de classe foi organizado o pós-

conselho, durante o período de aula, com as turmas em que tanto pedagogo quanto

alunos e professores representantes fizeram as apresentações sobre as ações que

foram apontadas para melhorar o convívio e a qualidade do ensino.

5.2 O segundo conselho de classe

Os preparativos para o conselho de classe do segundo trimestre, foram os

mesmos do primeiro, porém, agora foi necessário reformular a ficha de pré-conselho

fazendo algumas adequações para sabermos se o que tinha sido proposto no primeiro

conselho de classe tinha gerado resultados.

As fichas de pré-conselho foram preenchidas e as pedagogas fizeram a

sistematização e análise das informações coletivas, mantendo um olhar ético,

procurando destacar as opções de melhorias. No segundo conselho de classe a

reunião iniciou-se com a presença de todos os segmentos da escola, professores,

alunos por representatividade, APMF, equipe pedagógica.

Como o tempo seria menor uma vez que todos os turnos da escola estariam

reunidos no mesmo horário optou-se por se fazer uma leitura inicial do material

levantado pelos professores e alunos. Neles constavam os pontos positivos

alcançados, os pontos negativos ou considerados não atingidos e os apontamentos

das possíveis ações para a busca da superação.

Os professores apontaram que as atividades diferenciadas que foram aplicadas

no segundo trimestre resultaram em melhor rendimento para os alunos, o aumento

significativo do interesse de alguns alunos pelos conteúdos, o bom resultado atingido

nas atividades de pesquisa orientada seguida de apresentações e o esforço de alguns

alunos em acompanhar as aulas. Como pontos a melhorar: o excesso de faltas

prejudicando a retomada dos conteúdos na volta (desconhecimento por parte dos

alunos de que estes devem avisar ou justificar suas faltas e em seguida procurar

saber o que foi dado em sua ausência); alunos que não trazem materiais e que não

fazem atividades propostas, (“não vou fazer professor...”, e a seguir entrega a

atividade ou avaliação ao professor sem sequer ter tentado resolver); falta de

27

conhecimentos básicos; indisciplina e falta de interesse. Quanto às ações propostas

ficaram mantidas as propostas no trimestre anterior e acrescidas de que deveriam ser

priorizadas as elaborações e apresentações dos trabalhos desenvolvidos pelos alunos

para os alunos e professor, motivar para que estudem fora da escola também, propor

aulas utilizando recursos diversos (tv pen drive, filmes, teatro, música), estimulando a

participação de todos.

Quanto ao grupo dos alunos estes apresentaram como pontos positivos as

constatações de como a maioria dos professores está disponível, explica bem, e

utiliza material acessível. Como pontos negativos surgiram: problemas de

relacionamento entre professor e alunos (neste caso foi citado em qual disciplina

havia um problema de relacionamento entre alunos e professores); discussões devido

à indisciplina, desrespeito; atividades muito extensas; dificuldades com determinados

conteúdos de determinadas disciplinas; lições para casa sem muitas explicações; e

professores que se ausentam da sala de aula. As sugestões para melhoria foram

reforçar o uso do “espelho”6 de sala por todos os professores; mais reuniões com os

alunos bagunceiros (demonstrando talvez que os alunos desejam que seja feito algo

com os alunos que prejudicam os colegas com conversas, indisciplina), cabendo aqui

a possibilidade de uma investigação futura, mais detalhada, junto aqueles alunos que

mais conversam, buscando obter seus pontos de vista.

Desta vez, as tensões foram mais evidentes e marcantes principalmente por

parte de alguns professores que entenderam que alguns comentários realizados no

coletivo priorizaram mais as vozes dos alunos do que as dos professores. A equipe

pedagógica, então, sugeriu um questionamento: até que ponto nos interessa ouvir o

que nossos alunos dizem com maior ou menor propriedade sobre nosso trabalho?

Deixá-los falar implica em perdermos nossa autoridade em sala de aula? Como

podemos nós, educadores, manter o equilíbrio entre as diversas vozes, entre os

diversos sujeitos, professores, alunos, direção, comunidade e escola? A impaciência

e a intolerância foram muito acentuadas, vindo, inclusive, a alterar e impedir que os

trabalhos prosseguissem como planejados. Assim, novamente houve a dispensa dos

alunos, e após acalorada discussão entre o grupo de professores, ficou acertado que

seriam feitos os encaminhamentos das ações possíveis e que seria necessário

retomar em futura reunião os casos dos alunos em especial com notas baixas e

implicações de rendimentos, ou faltas. Alguns professores também relataram que

6 Mapeamento utilizado para organizar a sala de aula e determinar em qual lugar cada um dos alunos deverá sentar, pode ser feito obedecendo a ordem alfabética, ou ainda, o critério do professor.

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gostariam que o conselho tivesse sido feito nos moldes anteriores, pois sentiam falta

de poder falar mais sobre os alunos.

A pedido dos professores, de modo a complementar o conselho de classe do

2º trimestre, foi sugerido que se fizessem reuniões por séries onde se discutiram

questões individuas ligadas aos rendimentos dos alunos e implementação de ações

para o último trimestre. O pós-conselho deu-se nos dias seguintes, conforme modelo

anterior. Assim com o clima mais tenso, porém não menos rico, o conflito nos levou a

dar uma nova direção para os trabalhos. As resistências foram maiores neste segundo

conselho de classe, mostrando que não é simples propor mudanças em ações e

práticas tão arraigadas em nosso cotidiano e aos nossos conceitos educacionais.

CONCLUSÕES

Desde o início da pesquisa em 2008, meu principal objetivo era o de conhecer,

estudar e sugerir modificações no modo como o conselho de classe acontecia.

Pretendia apontar algumas ações que pudessem torná-lo mais democrático, mais

participativo, e que nele, fosse possível identificar, pontuar e propor ações

pedagógicas que revertessem em benefício do processo de aprendizagem dos alunos

e que melhorasse o ensino, por parte dos professores.

A elaboração deste estudo me rendeu trocas de experiências e também a

constatação de que o grupo de professores procura resistir a mudanças no conselho

de classe mostrando-se fiel ao modelo antigo, o de identificar seus sujeitos por

números, apontar culpados, e legitimar no coletivo, alguns resultados de fracasso.

Constatei que meu objeto de estudo era também de interesse de outros profissionais

ligados a educação, isto é, o desejo de imprimir nova identidade ao conselho de

classe. A busca por torná-lo mais democrático legitimando-o como um espaço de

discussão e construção sobre o fazer pedagógico, onde as várias vozes se

manifestem e os diferentes segmentos possam atuar de modo a contribuir para a

melhoria do processo de ensino aprendizagem.

Constatei que a mudança ocorre de modo lento, tem que ser entendida

desejada e assimilada pelo coletivo, deve ser construída, aceita e não imposta.

Confirmei, no decorrer do trabalho a grande força que tem o coletivo, sobretudo o dos

professores, e que eles podem aceitar ou rejeitar idéias quando se unem. Todavia, o

conselho de classe não poderá sozinho promover toda a mudança que se espera. As

mudanças precisam ser pensadas e concretizadas, não só contando com a

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participação do coletivo escolar, mas também com novas políticas públicas

desenvolvidas pelas mantenedora, de modo a garantir outros espaços e tempos para

discussões e práticas coletivas na escola. È preciso rever a própria condição do

magistério, que se continuar a ter que atuar em condições limitadas, tanto do ponto de

vista financeiro, quanto o das impostas pelo próprio modelo atual de escola, não

chegará a superação das dificuldades. Se não houver mudança, o conselho de classe

será um engodo, um pilar sobre o qual nos escondemos para falar sobre democracia.

Observei que meu estudo aprofundou-se mais na categoria dos alunos, uma

vez que estes me pareceram ter menos espaço, vez e voz no processo, e sendo

assim, cabe pensar: - quando os conselhos de classe passem a dar voz aos alunos,

quem se expressará? A voz de que grupo será ouvida?

- Uma vez que mesmo dentro do grupo dos alunos, há aqueles que não

dominam os códigos elaborados, nem bem os escritos, nem tão bem os falados e que

sequer conseguem se manifestar, mesmo que a escola procure abrir espaços, pois,

afinal, estes alunos já se sentem fracassados, vindo a reforçar que estes são

aprisionados por seu próprio silêncio.

Este trabalho deverá continuar, pois, acredito que os conselhos de classe

democráticos são momentos indispensáveis na prática escolar e na transformação da

mesma.

Meus especiais agradecimentos a todos da escola, aos professores, equipe

pedagógica, direção, aos alunos e a comunidade pelo apoio e consideração junto a

este estudo.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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