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“Problemas intrínsecos e graves da expansão mineral, metalúrgica, petrolífera, e hidrelétrica nas Amazônias” A. Oswaldo Sevá Fo. 1 Preâmbulo metodológico: Os estudos que venho fazendo há pouco mais de trinta anos sobre tais temas incluíram alguns surtos intensos de pesquisa de noticiário, de leitura de autores teóricos e dos cientistas sociais que vão a campo, além da compilação e leitura de cartografias, fotos e de vídeo - documentários. Contabilizo uma simples dúzia de permanências inesquecíveis na Amazônia brasileira, em trajetos por estradas ruins e pelo ar, pousando nas grandes e pequenas cidades, conversando com gente de lá e “de fora”, vivendo a constante eclosão da polaridade “nós - e - eles”. É possível concluir, sim, que os conflitos entre o chamado desenvolvimento e forças sociais variadas decorrem principalmente, da Inserção do Brasil na economia-mundo, como foi intitulada a mesa na qual fomos escalados nesse Seminário Nacional Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. 2 Falam tanto em “desenvolvimento”, como falam em “globalização”, pouco mencionam ou não dão destaque aos fatos da acumulação em si, nem à apropriação do quê ainda resta, do quê não foi mercantilizado pelos grandes grupos empresariais e financeiros; omitindo quase sempre que a dita acumulação requer, provoca expropriação de quem lá estava ou detinha a posse, e, que, contabilizada positivamente no âmbito empresarial pode resultar em sangrias nas economias nacionais. Todos desse continente que se preocupam com sua história e seu futuro lembram dos enredos compilados pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano. De fato, são “Las venas abiertas de America Latina”. A expressão “desenvolvimento” quando aqui utilizada, equivale, simboliza acumulação de capital em grande escala, ampliação da economia mercantil, apropriação de terras, de rotas e de recursos. Eis porque é utilizada ideologicamente: é disto que se trata e que não se pode tratar abertamente... A expressão “globalização” aqui cravada adota a amplitude e significado atribuídos pelo cientista social e cultural Pierre Bourdieu: para além da unificação do campo econômico, essa globalização pretende domar todos os campos sociais, em especial o político e o cultural. Recorremos ao seu comentarista ALVAREZ Benavidez, em 2005: Para ello (NT domar todos os campos), utilizará toda una serie de medidas jurídico-políticas com el objetivo de dilapidar todos los obstáculos 1 Arsênio Oswaldo Sevá Filho, formado em Engenharia Mecânica, EPUSP, Mestre em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, Doutor em Geografia Humana e Organização do Território, pela Université de Paris - I. Atualmente Professor Associado da Unicamp, no Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica, e participante do Programa de pós graduação em Antropologia Social, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas; colaborador de promotores públicos, de entidades indigenistas, de defesa regional e de entidades de atingidos por barragens de hidrelétricas. 2 Esse texto foi editado e atualizado especialmente para apresentação na Sessão 1: Inserção do Brasil na economia-mundo, deslocalização e conflitos ambientais do “I Seminário Nacional sobre Desenvolvimento e Conflitos Ambientais” , UFMG, em 03/04/2008.

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“Problemas intrínsecos e graves da expansão mineral, metalúrgica, petrolífera, e hidrelétrica nas Amazônias”

A. Oswaldo Sevá Fo. 1

Preâmbulo metodológico: Os estudos que venho fazendo há pouco mais de trinta anos sobre tais

temas incluíram alguns surtos intensos de pesquisa de noticiário, de leitura de autores teóricos e dos

cientistas sociais que vão a campo, além da compilação e leitura de cartografias, fotos e de vídeo -

documentários. Contabilizo uma simples dúzia de permanências inesquecíveis na Amazônia brasileira,

em trajetos por estradas ruins e pelo ar, pousando nas grandes e pequenas cidades, conversando com

gente de lá e “de fora”, vivendo a constante eclosão da polaridade “nós - e - eles”. É possível concluir,

sim, que os conflitos entre o chamado desenvolvimento e forças sociais variadas decorrem

principalmente, da Inserção do Brasil na economia-mundo, como foi intitulada a mesa na qual fomos

escalados nesse Seminário Nacional Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. 2

Falam tanto em “desenvolvimento”, como falam em “globalização”, pouco mencionam ou não dão

destaque aos fatos da acumulação em si, nem à apropriação do quê ainda resta, do quê não foi

mercantilizado pelos grandes grupos empresariais e financeiros; omitindo quase sempre que a dita

acumulação requer, provoca expropriação de quem lá estava ou detinha a posse, e, que, contabilizada

positivamente no âmbito empresarial pode resultar em sangrias nas economias nacionais. Todos desse

continente que se preocupam com sua história e seu futuro lembram dos enredos compilados pelo

escritor uruguaio Eduardo Galeano. De fato, são “Las venas abiertas de America Latina”.

A expressão “desenvolvimento” quando aqui utilizada, equivale, simboliza acumulação de capital em

grande escala, ampliação da economia mercantil, apropriação de terras, de rotas e de recursos. Eis

porque é utilizada ideologicamente: é disto que se trata e que não se pode tratar abertamente...

A expressão “globalização” aqui cravada adota a amplitude e significado atribuídos pelo cientista

social e cultural Pierre Bourdieu: para além da unificação do campo econômico, essa globalização

pretende domar todos os campos sociais, em especial o político e o cultural.

Recorremos ao seu comentarista ALVAREZ Benavidez, em 2005: “Para ello (NT domar todos os

campos), utilizará toda una serie de medidas jurídico-políticas com el objetivo de dilapidar todos los obstáculos

1 Arsênio Oswaldo Sevá Filho, formado em Engenharia Mecânica, EPUSP, Mestre em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, Doutor em Geografia Humana e Organização do Território, pela Université de Paris - I. Atualmente Professor Associado da Unicamp, no Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica, e participante do Programa de pós graduação em Antropologia Social, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas; colaborador de promotores públicos, de entidades indigenistas, de defesa regional e de entidades de atingidos por barragens de hidrelétricas. 2 Esse texto foi editado e atualizado especialmente para apresentação na Sessão 1: Inserção do Brasil na economia-mundo, deslocalização e conflitos ambientais do “I Seminário Nacional sobre Desenvolvimento e Conflitos Ambientais”, UFMG, em 03/04/2008.

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que coartan sus pretensiones universalistas, es decir, el Estado-nación y más concretamente, el Estado Social

[pg 123].

Mais adiante, ele resume dois fios-condutores da dominação atual, métodos de manipulação

discursiva,ideológica: 1. a articulação de um discurso fatalista e eufemístico – e –

2. a descontextualização dos fatos narrados.

“Los términos económicos surgen de toda boca y lugar como símbolos de liberación, de avance, de progreso, escondiendo la involución de los derechos sociales , el empobrecimiento generalizado y el retroceso del Estado-nación. La descontextualización de los acontecimientos narrados tiene como resultado la creacción de un discurso fragmentado, fruto de un bombardeo contínuo de imágenes sin sentido, sin referente y imbuidas de este cariz fatalista” [ pg 126 ]

Em um artigo apresentado em 2002, experimentamos reduzir os variados significados atual da

expressão “desenvolvimento” à sua doutrina, o desenvolvimentismo, uma panacéia 3. Descartamos aqui

qualquer abrangência maior superposta à palavra desgastada, adjetivações do desenvolvimento fora da

esfera econômica, expressões grotescas como “desenvolvimento ambiental” ou esperançosas como

“desenvolvimento humano”. Adotá-las seria como aceitar que o capital, relação social fundada na

violência física e simbólica, pudesse se atribuir ares de respeitoso da natureza e dos direitos e da

condição humana!

O nosso foco se manterá sobre algo que expressa a acumulação de capital, mas é outra coisa, algo que

está em jogo nas relações internacionais e ao mesmo tempo, nas relações locais: a expansão da infra-

estrutura produtiva pesada, a qual somente se concretiza dentro da lógica do circuito econômico global.

Assim, sempre se faz à custa dos recursos naturais locais, e da renda dos paises e das regiões dentro dos

países onde são realizadas as instalações novas ou ampliadas, essa expansão da infra-estrutura e do

capital fixo. A cada implantação de uma indústria pesada, energética, mineral, metalúrgica, ou

petroquímica, decorre que todos os outros projetos e usos possíveis para os mesmos locais são tornados

indesejáveis, inviáveis, até impossíveis. Em muitos casos, monumentos naturais, locais espetaculares,

sagrados são mutilados ou até aniquilados. Adiante, faremos uma lista desses necrológios.

Assinalemos, desde o início um mecanismo essencial da atualidade internacional:

- materializar e conduzir grandes fluxos de materiais e de energia daqui, - das Américas Central

e do Sul, da Amazônia em especial, mas também da Patagônia, dos Andes, da bacia do Prata –

3 SEVÁ Fo, A . O. “Tópicos de Energia e Ideologia no início do século XXI: desenvolvimentismo como panacéia ? sustentabilidade como guia de corporações poluidoras?” GT “Energia e Meio Ambiente”, do Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós – Graduação em Ambiente e Sociedade , Indaiatuba, S.P. novembro de 2002.

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- para o crescimento do comércio com a América do Norte e com a Europa, e, em proporção

crescente com os mercados asiáticos.

A única possibilidade de reverter historicamente esta rota seria investir cada vez menos na

ampliação dessas capacidades produtivas, limitar de algum modo a implantação dos numerosos

projetos imaginados, delineados, detalhados, submetidos aos bancos e às instâncias de governo. Isto

posto, é comum que comecem a ser retrucadas assertivas retóricas, do tipo “não podemos retroceder”

“o progresso é inexorável”. Vale a pena nos posicionarmos: estamos de pleno direito sendo

discrepantes, pois estamos assentados sobre dois pilares da ciência que são a dúvida criativa e a

curiosidade investigativa. Deve-se, sim, abrir espaço e dar voz a esse

Questionamento do aumento das quantidades produzidas no longo prazo:

# Por acaso, o consumo de eletricidade crescerá eternamente? # Em todos os lugares? Ou somente em alguns dos lugares?

# De modo similar, por acaso o consumo de combustíveis crescerá sempre? # Desses combustíveis que hoje usamos ou de outros? # Combustíveis serão queimados em caldeiras, fornos, motores e turbinas, aquecedores e fogões como hoje se faz?

# # Os metais serão fabricados em quantidade crescente? Os minérios serão extraídos sempre em tonelagem crescente? Todos os tipos de minérios, extraídos em todos os lugares onde se encontram, ou extraídos somente em alguns dos lugares possíveis?

# Pode haver oferta de materiais vegetais e bio - derivados, que sejam alternativos aos materiais sintéticos, aos petro - derivados, aos produtos de minerais não metálicos?

# O quê e quanto pode ser suprido através da montagem de sistemas de coleta e posterior reutilização e re-fabricação de metais caros como alumínio, cobre, níquel, estanho, chumbo, e todas as suas ligas?

# Qual a função atual da busca de reaproveitamento de materiais fabricados e dos descartes e resíduos pós-uso? E qual poderia ser no futuro? # Que significado terá de fato esta garimpagem na superfície, que pode dispensar a ampliação das minas?

A concepção simplista, porém hegemônica – e que recheia o dogma do crescimento indefinido - pode

ser assim expressa: a dimensão futura da economia, e, portanto dos recursos físicos mobilizados será

um simples aumento da dimensão presente. O desafio quase suicida da voraz indústria capitalista é

suprir o mundo, em busca de “atender“ tais aumentos constantes de consumo final, partindo-se, quase

sempre, de matéria prima nova, bruta. Enquanto que a mesma indústria se vale muito pouco do

reaproveitamento mesmo que parcial, de materiais já fabricados, refugados, desativados, sucateados.

A opção conhecida, partir sempre de matéria nova só pode se concretizar por meio do funcionamento

ininterrupto, durante longos prazos, de algumas regiões fornecedoras em cada continente. Dentre elas,

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destaca-se um conjunto de investimentos internacionais de grande porte: Amazônia mineral e

metalúrgica, Amazônia petrolífera e a Amazônia hidrelétrica.4

1. Amazônias minerais e metalúrgicas Iniciamos com um repertorio mais detalhado na Amazônia brasileira. 5 O Estado brasileiro do Pará é

onde fica a expressão regional mais impressionante dessa expansão mineral-metalúrgica e elétrica:

* algumas das maiores minas de minérios metálicos do mundo, garantindo, principalmente, e em

alguns casos, exclusivamente para consumidores estrangeiros, despachos volumosos de materiais

essenciais da indústria moderna, * fabricas químicas (alumina,caulim) e metalúrgicas (alumínio, ferro-

liga) das maiores do mundo, * uma mega-central hidrelétrica, a segunda maior brasileira, Tucuruí, da

Eletronorte conectada a essas instalações industriais e a um sistema de eletricidade de âmbito nacional.

1.1. as minas de bauxita, matéria - prima do alumínio: 1. a mais antiga e maior, em Porto

Trombetas, empresa MRN (Alcoa, NorskHydro,Votorantim,CVRD), na região de Oriximiná e

Santarém, Pará; e que vai devorando os tabuleiros da margem direita do rio Trombetas, afluente

esquerdo do Amazonas, enquanto o seu “beneficiamento”, vai entupindo o Lago do Batata,

anteriormente uma pérola fluvial na margem do Trombetas. (PINTO, 1997) 2. Já está em

funcionamento a nova mina do Capim, em Paragominas, no leste do Pará, escoando por meio de um

mineroduto a sua bauxita para um terminal flúvio-marítimo na boca do rio Tocantins; e 3. começa a ser

preparada a exploração pela Alcoa, da mina em Juruti Velho, a oeste de Santarém, ao lado da faixa de

lagos e furos da margem direita do rio Amazonas.

1.2. a exploração de ferro, de manganês e de cobre, no Leste do Pará, entre Marabá e São Félix do

Xingu, da empresa CVRD; são crateras colossais feitas na Serra dos Carajás, uma caixa d’água

amazônica, espécie de último prolongamento montanhoso do planalto central brasileiro, e que alimenta

três bacias fluviais: a do rio Parauapebas, afluente esquerdo do Tocantins; as de vários afluentes da

margem esquerda do baixo Araguaia, as de rios que desembocam no rio Fresco e na margem direita do

Xingu. Já está sendo explorado e parcialmente beneficiado o minério de níquel, um pouco mais ao sul

de Carajás, perto de Ourilândia e Tucumã. Merecem registro também, em outros estados amazônicos,

as grandes extrações de cassiterita, a matéria-prima para a obtenção do estanho metálico:

4 Nas palestras e conferências onde apresento tal assunto, vou mostrando (em simultâneo com a fala guiada por esse texto), três séries temáticas de pranchas em arquivos .pdf contendo dados técnicos, cartografias, diagramas e fotografias dessas Amazônias e desses tipos de instalação industrial moderna (Estão disponíveis para consulta e cópia de arquivo, na página www.fem.unicamp.br/~seva ). 5 Apesar de ficar discrepante das normas técnicas, sublinharei no meu texto ( mas não nas citações) os nomes das minas, das usinas, das fábricas , ou então, das localidades onde foram implantadas, ou das toponímias de rios ou serras pelos quais ficaram conhecidas, bem como os nomes de empresas e grupos econômicos que as operam; observando que exatamente estes mega-grupos freqüentemente trocam de donos, de nomes, de participações cruzadas em consórcios e em special purpose companies.

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1.3 * no Amazonas, 200 km ao norte de Manaus, a mina Pitinga, da Paranapanema, que mostra nas

fotos de satélite a dimensão de sua conquista, arrasando dezenas de milhares de hectares de matas do

antigo território Waimiri – Atroari, represando vários rios para formar várias bacias de rejeitos, em

seguida escoados para o rio Pitinga, onde a empresa fez uma hidrelétrica própria; logo depois o rio

deságua na represa de Balbina, da Eletronorte, no rio Uatumã, afluente esquerdo do rio Amazonas;

1.4. *e em Rondônia, na localidade de Bom Futuro, amplia-se há mais de quinze anos, uma das

maiores combinações em todo o mundo, de garimpo e mecanização em grande escala (empresa Ebesa,

associação de metalúrgicas brasileiras com o grupo Patiño, fortuna construída no século XX sobre os

lucros da exploração atroz dos indígenas nas minas bolivianos). Lá no Bom Futuro, um modesto serro

com dez mil hectares de área foi inteiramente desmontado, e escavado até dezenas de metros abaixo do

nível do terreno; milhares de toneladas mensais de rejeitos escorrem desde o início dos anos 1990, para

os igarapés da bacia do rio Candeias, afluente direito do rio Madeira; nas vilas do Cachorro Sentado e

outras, iguais ou piores do qualquer cena de faroeste pobre, milhares de homens e famílias garimpam e

se empregam em minerações empresariais, sendo toda a venda do estanho canalizada pela Ebesa.

1.5. Aqui, e em especial na nossa “Amazônia do ouro”, ficam alguns dos maiores garimpos fluviais

do mundo, usando dragas com possantes motores tipo diesel, formando vilas flutuantes, empregando

mergulhadores para vasculhar com equipamentos o fundo dos rios, no caso dos rios da bacia do rio

Madeira, (nos últimos anos, com destaque na região de Apuí, perto da fronteira tríplice AM-RO-MT), o

mais recente surto garimpeiro, também ao longo do Tapajós, e em menor escala no Xingu paraense e na

Volta Grande, região de Altamira. Eis uma mercadoria milenarmente internacional, que nas últimas

décadas está sob o mando de poucos grupos apátridas, poderosos trustes que agem nas principais

regiões auríferas, por exemplo, da Sibéria, da África do Sul, da Austrália, do Brasil.6

Do ponto de vista geo-econômico, esses locais e instalações já foram mencionados como enclaves,

como corredores de exportação, como pólo minero - metalúrgico, mas, de fato são “cidadelas” do

grande capital internacional, e poderiam ser designadas como “territórios empresariais de dimensões

regionais”. São como experimentos em larga escala, de reprodução social econômica do capitalismo em

locais antes desconectados, ou até mesmo pouco povoados, explorando recursos conhecidos.7

6 Por aqui são mais conhecidos o Anglo Gold, os grupos Bozzano Simonsen, Roberto Marinho, o braço MMX do grupo empresarial de

Eike Baptista. Mas pode-se dizer que todas as grandes de mineração acabam mexendo com metais preciosos, mesmo que estejam extraindo calcário, ou fluorita... 7 Uma sinopse atualizada até a década de 1980, desses surtos econômicos minerais em vários locais dos cinco continentes está no artigo de SEVA Fo, 1990 , in LOPES, M, e FIGUEIROA, S. , e algumas regiões em especial nas pesquisas da venezuelana Maria Pilar GARCIA, e dos franceses EGLIN e THERY, v. bibliografia ao final.

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Uma das grandes expressões desta metamorfose reprodutiva do capital como relação social é a assim

chamada “Região do Carajás”, o leste – sudeste do Pará, ou de modo mais esclarecedor, podemos

chamá-la mais adiante, de “Valelândia”, região criada por e para a CVRD – a Vale.8.

1.6. “Conflictos mineros en América” Um dos traços definidores dessa “Amazônia mineral e

metalúrgica” no século XXI é o agravamento dos conflitos, desencadeados sempre com a mesma

engrenagem: as grandes “mining houses” diretamente ou por meio de prepostos e sócios menores no

país entram em disputa pelo ponto, pelo acesso e pela permanência longa, enfim, pela conquista do

recurso. Faz sentido: passaram décadas sobrevoando, furando para sondar, tirar amostras, mapearam,

radiografaram, agora já sabem com bastante detalhe, a geografia, a geologia e a mineralogia de todas as

regiões da América do Sul e do Centro. No site noticioso francês Le Devoir, a investida mineradora no

continente é comparada a um novo “Klondike”, emblema das corridas do ouro no início do século XX,

então como hoje sob os olhos complacentes dos governos. 9

Contudo...muitas vezes o povo de lá não gosta da idéia, não quer entregar a terra, não quer sofrer com

explosões, poeira, barulho de motores, desconfia que os rios fiquem contaminados ou cada vez mais

secos. Posição política bem clara: muitas vezes o povo se considera dono mesmo daquela terra, ainda

que não tenham “os papéis devidos”. Simplesmente não quer ser obrigado a deixar de fazer suas

atividades milenares, nem quer ver prejudicada a produção agrícola e de origem animal que de algum

modo supre a demanda local e as vezes até gera excedentes. Daí essa nova onda de manifestações,

revoltas, insatisfações, plebiscitos, negociações locais e diplomáticas, processos judiciais:

“No se trata de un fenómeno natural sino del fenómeno más asolador que haya generado la mano del hombre sobre la espina dorsal de los pueblos latinoamericanos. Desde las montañas mexicanas hasta el extremo sur de nuestra Tierra del Fuego la nueva fiebre del oro y de algunos otros metales codiciados por la proverbial voracidad del hemisferio norte está sembrando la destrucción de los territorios y de los pueblos que los habitan. Un verdadero tsunami aceptado, tolerado y hasta incentivado por los gobiernos de todos los países andinos y

8 É assunto pesquisado também em seus aspectos sócio –econômicos e urbanos, por geógrafos, arquitetos - urbanistas, planejadores da própria região, como no livro coletivo “Cidade e empresa na Amazônia,. Gestão do território e desenvolvimento local” de Trindade Junior, S.C. e Rocha, G.M., editora Paka-Tatu, Belém, 2002. 9Le Klondike latino-americain “ de Guy Taillefer 19. 01. 2008 . www.LeDevoir.com L'industrie minière n'en fait la plupart du temps qu'à sa tête et les gouvernements locaux font, sauf exception, des yeux doux aux investisseurs étrangers en procédant, au besoin, par intimidation contre les opposants aux projets d'exploitation. Aussi les indigènes de la petite ville péruvienne de Tambogrande font-ils l'histoire en 2002 en parvenant à faire stopper, à l'issue d'un référendum local tenu sous observation internationale où le non l'a emporté à 98 %, le projet d'exploitation de cuivre que se proposait d'y réaliser la société canadienne Manhattan Minerals Corporation (MCC). La victoire de Tambogrande inspire aujourd'hui des efforts de mobilisation un peu partout en Amérique latine. Ceux contre le projet aurifère Marlin de la canado-américaine Glamis Gold, au Guatemala. Ceux contre Ascendant Copper, à Intag, en Équateur. Ceux contre la mine d'argent de Metallica, à San Luis Potosi, au nord du Mexique. Ceux aussi au Chili, contre le projet Pascua-Lama de la multinationale canadienne Barrick Gold, premier producteur d'or au monde, et contre celui d'aluminerie de Noranda à Alumysa... Le 16 septembre dernier, trois districts de la région de Piura, au nord du Pérou, organisaient à leur tour un référendum sur l'implantation d'une minière, britannique celle-ci, Monterico Metals, au confluent de plusieurs rivières irriguant leur vallée agricole: 94 % des votants se sont opposés au projet.

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centroamericanos. Basta leer, aunque fuere someramente las leyes de promoción minera para descubrir en ellas la más absoluta indiferencia por los predecibles estragos ecológicos y económicos que desde hace ya más de una década vienen desencadenando y advertir que ningún beneficio les ha sido retaceado a los inversores mineros en detrimento y perjuicio de los habitantes locales” . 10

E assim cresceram as disputas e as violências em Cajamarca, em La Oroya, em Piura, em

Tambogrande, no Peru; em Pascal Lama, no Chile; em regiões andinas da Argentina e da Colômbia.

Em janeiro de 2008, por ocasião de um encontro político chamado Internor, (oito presidentes regionais

dos departamentos do Norte peruano), em Cajamarca, organizações locais de defesa, paróquias,

educadores, ambientalistas, lançam carta aberta aos presidentes onde relatam:

“Decenas de campesinos están siendo enjuiciados por el delito de haber defendido su agua y su territorio en Cajamarca, Ancash y Piura. Algunos campesinos también han sido asesinados en relación a la expansión de las actividades mineras y existe un clima de creciente violencia, fruto del abuso, que es preciso conjurar inmediatamente por la vía de acuerdos que garanticen la paz social. La vida de las personas, y no solo las inversiones, necesarias para el desarrollo, están siendo puestas en peligro por malas prácticas empresariales como las de Yanacocha y Vale Do Rio Doce en Cajamarca y Majaz en Piura” (www.conflictosmineros.net/al)

O discurso pseudo-modernizante do presidente peruano Alan Garcia vai preparando o terreno para

subtrair as terras comunais e privatizá-las; artigo no site noticioso América Latina en Movimiento, o

caracteriza como um mero panfleto a favor das grandes empresas:

En Tambogrande y Huancabamba (Piura) las comunidades campesinas dijeron: “no queremos que las empresas mineras contaminen nuestra aguas”. A pesar de su fuerza y enorme poder, las empresas canadiense y china tuvieron que dar marcha atrás. Con otra muestra de ignorancia el Señor García escribe: “Aquí todavía discutimos si la técnica minera destruye el medio ambiente, lo que es un tema del siglo pasado”. El Sr. García cree que la nueva minería no afecta al medio ambiente, que la antigua sí. Es eso lo que sostienen las grandes empresas. Estas se atreven incluso a sostener que los llamados mineros informales le hacen más daño al medio ambiente que las grandes empresas. En este punto preciso el Sr. García concuerda con su amigo Bush e insulta a los defensores del medio ambiente llamándoles comunistas y oportunistas. Nunca las grandes empresas mineras tuvieron un presidente como Alan García. Su felicidad no puede ser mayor.11

No Equador, “las mineras” vão pressionando ainda mais, a ponto de pressionar pela votação de

artigos que protejam seus negócios ma nova Constituição do país, em fase de elaboração por uma

Assembléia Constituinte. Seria sacramentar seu poderio e sua impunidade diante dos direitos populares

infringidos e do ambiente destruído e contaminado, conforme artigo escrito em janeiro de 2008 por

10 MERINO, S. Un Tsunami Recorre La Cordillera Sudamericana dejando a su paso desolación y muerte , baixado do site http://www.conflictosmineros.net/al , 15.12.2007 11 “Alan García: Vender la Amazonía y todo el Perú para no ser “perros del hortelano”” artigo de Rodrigo Montoya R. 06.03.2008 no site America Latina en movimiento : http://alainet.org/

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uma deputada constituinte, Monica Chuji, intitulado “Permitir que mineras transnacionales dicten la

nueva Constitución sería re-actualizar la época colonial” . 12

2. “Amazônias petrolíferas” Em cada país amazônico há pelo menos uma ou algumas importantes instalações produtoras de

petróleo cru e de gás associado, que em geral, não são interligadas entre si, mas cada uma delas ligada

ao seu próprio esquema de escoamento e exportação de petróleo, para refinarias dentro e fora do país e

de gás para centros de consumo no país e ou para exportação transoceânica (em forma de GNL, Gás

Natural Liquefeito, em alta pressão e temperatura abaixo de zero graus):

2.1. - No Brasil, nas margens do rio Urucu, no centro do Estado do Amazonas, são as instalações

denominadas pela Petrobrás como “Pólo Arara”, onde extraem óleo cru e gás; construíram dutos de

óleo e de gás ligados ao terminal petrolífero de Coari, no rio Solimões, do qual saem rotas de petróleo

cru para a refinaria de Manaus e outras no Brasil. (GAWORA, 2003). Dali mesmo atualmente é

construído o gasoduto ligando com Manaus, a mais de 300 km de distância. Aumenta a probabilidade

de serem instalados nas regiões próximas, do baixo Juruá e de Carauari, outros “bolsões” de poços com

infra-estrutura de despacho de gás e óleo, e que usem as instalações do sistema Urucu. Mais ao Sul, em

terras acreanas também já se está preparando o terreno jurídico e político para a prospecção; iniciativa

que tende a ser conflituosa, já que mais da metade de superfície estadual fica dentro de Unidades de

Conservação e Terras Indígenas. Caso seja feita a prospecção e seja encontrado óleo cru e ou gás em

quantidade atraente, qualquer rota de despacho dessa região para as refinarias tomaria extensas faixas

de florestas, e utilizaria rios, causando prejuízos, conseqüências típicas desta atividade e haveria a

introdução de riscos ali inéditos. (SEVA e IGLESIAS, 2007).

2.2. – Na Bolívia, o petróleo e principalmente o gás vão sendo extraídos na região de Tarija, perto da

divisa com o Norte da Argentina, na bacia do Paraná, mas também nas partes altas da bacia do rio

Mamoré – Grande, que é amazônico. Partindo do piemonte da região de Santa Cruz de la Sierra; dois

dutos operam desde 1998 e 99: o Gasoccidente ligando com uma usina termelétrica na capital de Mato

Grosso, Cuiabá e o GasBol ligando com São Paulo e o sul do Brasil. A existência de projetos de

12 V. carta das entidades e artigo em http://www.conflictosmineros.net/al/ LA MINERIA Y LA ASAMBLEA CONSTITUYENTE, Montecristi 28.01.2008. “Durante los últimos días ha llamado la atención de nuestra mesa la gran cantidad de solicitudes presentadas por distintos gremios y empresas mineras, especialmente interesadas o involucradas en proyectos de explotación de minerales metálicos a cielo abierto. Parecería que la problemática ambiental se redujera a la problemática minera, cuando en nuestra mesa 5 llamada de “Recursos Naturales y Biodiversidad” durante las primeras semanas de trabajo hemos identificado y debatido 9 grandes temas centrales como son: agua, petróleo, minería, biodiversidad, ecosistemas frágiles, cambio climático, ecología urbana, energías alternativas, biosfera, amparados en las convenciones internacionales y regionales como Agenda 21, el Convenio de Diversidad Biológica, el Convenio 169 de la Organización Internacional del Trabajo (OIT), el Protocolo de Kyoto o la Agenda Ambiental Andina por citar solo algunos de los convenios que el Estado ecuatoriano ha suscrito en los últimos 15 años.”

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gasodutos no sentido inverso, para o Oeste, buscando o litoral do Pacífico para exportação do gás para

os EUA esteve no foco das mais sublevações populares de 2004 na Bolívia, quando caiu o presidente

Gonzalo Sanchez de Losada, e assumiu o seu vice-presidente, tendo que coabitar desde então com o

líder indígena Evo Morales. O qual, agora como presidente eleito, convocou uma Assembléia

Constituinte, e vai aumentando a parte de seu país e da população na renda petrolífera – vorazmente

apropriada pela Petrobras e outras oil sisters durante os governos anteriores.

2.3. - Na Amazônia peruana, uma das regiões problemáticas está perto do interflúvio dos rios

Urubamba e Madre de Diós, onde fica a reserva de gás de Camisea, em evidência há uns 20 anos,

quando foi descoberta, próxima da divisa com o Acre e com a Bolívia. Há pouco foi concluído um

gasoduto para exportação desse gás no litoral do Pacífico e até as cidades de Lima e Callao; também a

partir de Camisea já se projetou despachar gás para o Brasil. A outra região petrolífera fica na

Amazônia peruana mais para o Norte, nas bacias dos afluentes esquerdos do rio Marañon e do

Solimões, os rios Tigre e Mapo, que começam nos Andes equatorianos; dali o petróleo é escoado por

oleodutos para um porto no litoral norte peruano.13

2.3 – Duas zonas petrolíferas, uma no Peru e outra no Equador são vizinhas, nas bacias dos rios Tigre

e Mapo, e também na bacia do rio Putumayo, (que faz as divisas Peru-Colômbia e Equador-Colômbia),

e ambas estão ligadas ao litoral do Pacifico por meio de oleodutos. Um dos casos mais complicados de

expansão petrolífera se desenrola justamente nesta parte mais ao sul da Amazônia equatoriana: vão

sendo concedidas licenças de prospecção e depois, de operação, inclusive para a Petrobrás (após ter

adquirido poços e licenças da empresa argentina Perez Companc), em áreas dentro do Parque Nacional

Yasuní e dentro de Reservas Indígenas onde vivem grupos numerosos que se auto-isolaram, da etnia

Houarani. A política externa brasileira está totalmente envolvida com a atuação de empresas brasileiras

no exterior, e no caso do Equador forçou a aprovação de licenças e de acordos para a operação da

Petrobrás. Fato que tem relação direta com a ajuda do governo Lula na fuga do presidente Guterrez

quando foi deposto por sublevação popular. Internamente a empresa estatal tenta criar uma

unanimidade a respeito de sua imagem moderna e responsável; uma única entidade teve a ousadia de

investigar e mostrar uma parte das mazelas da atuação da estatal nos países vizinhos a FASE -

13 Nem todo o petróleo da Amazônia norte peruana vai para a exportação, pois existe um mercado interno relevante, e uma das refinarias de petróleo do país se localiza em Iquitos, uma das maiores cidades peruanas, na margem do Amazonas. As melhores referências cartográficas dessas instalações, cruzando as reservas e regiões géo-econômicas com a distribuição étnica, acessíveis ao público, estão no portal de uma ONG internacional com sede em Quito: www.oilwatch.org Uma analise pormenorizada dos povos e das atividades de um lado e outro da fronteira Acre-Peru está na pesquisa de doutorado de Marcelo Piedrafita IGLESIAS, cuja tese foi recentemente defendida no PPGAS/MN/UFRJ.

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Federação de Órgãos Assistenciais e Educacionais, “ong” com sede no RJ, (LEROY e MALERBA,

2005), além de tentar mobilizar apoio aqui no Brasil para a causa indígena e ambiental equatoriana.14

Uma das oil sisters, a famosa Texaco, que foi recentemente adquirida por uma irmã maior, a

Chevron, é responsável no mesmo Equador, por uma das maiores áreas contaminadas que se conhece

atualmente. Estimada em 15 mil km quadrados, resultou de seus quase trinta anos de exploração na

selva amazônica mais ao norte do país, perto da fronteira colombiana. Um ano depois de encerrada a

atividade, em 1993, foi depositada numa corte americana uma demanda de responsabilização penal da

empresa, encaminhada por colonos e índios das etnias Siona, Secoya, Cofan, Huaorani e Kitchua, de

oitenta povoados com cerca de 30 mil habitantes. Segundo as fontes consultadas,15 dez anos depois, a

Chevron, mesmo tendo feito algum trabalho de remediação entre 1996 e 98, foi obrigada nos EUA a se

submeter às cortes do Equador; em maio de 2003 iniciou-se o processo na cidade de Lago Agrio,

exigindo reparações da ordem de 6 bilhões de dólares. Dentre as causas da contaminação, que elevou as

taxas de mortalidade por câncer e doenças respiratórias, além de problemas reprodutivos e defeitos

congênitos, estão: 1) a destinação completamente errada do enorme volume de água de formação (que

sobe junto com o petróleo, em emulsão, em proporção de 20% a 80 % da vazão total, com altos teores

de sais e de metais pesados), e que deveria ter sido re-injetada no subsolo profundo; 2) derrames de

óleo inevitáveis nesta etapa industrial, freqüentes no transporte por dutos; o mais recente deles,

ocorrido nos rios Coca, Loco e Quijos, em fevereiro de 2008, obrigou a suspensão do abastecimento de

água na capital da província de Orellana; 3) disseminação de bacias de rejeito ao ar livre, sem

impermeabilização e vazadas diretamente na rede hídrica; a Texaco aterrou muitas delas para que

desaparecessem da vista das equipes de vistoria; 4) as queimas de hidrocarboneto nas tochas de alivio

e nos incêndios absurdos feitos para “limpar” bacias de rejeitos.

2.3. - Na Amazônia colombiana, e na bacia vizinha do Orinoco, nas bacias dos rios que se formam

nos Andes, ficam também áreas petrolíferas: no alto rio Caquetá, no alto Guaviare; com destaque, o

óleo o gás também são explorados por “oil sisters” nos “llanos” drenados pelos rios Meta e Arauca,

ambos afluentes esquerdos do Orinoco, que ficam entre a parte Leste da Colômbia e a parte Oeste da

Venezuela. Quando vista num mapa, esta área geográfica em parte se superpõe com alguns dos

territórios controlados pela guerrilha F.A.R.C.; em geral, todas as zonas petrolíferas colombianas são

objeto de ações dos guerrilheiros, do Exército colombiano e de grupos paramilitares. Voltaremos a isto. 14 FASE- Federação dos órgãos Assistenciais e Educacionais. www2.fase.org.br 15 No site http://www.amazoniaporlavida.org: “El peor desastre petrolero del mundo: Texaco en la Amazonia Ecuatoriana” e link

para o site www.texacotoxico.org

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3. Amazônias hidrelétricas Na escala internacional, é notável o parque hidrelétrico do continente sul americano, uma expressão

aperfeiçoada do grande capital industrial-financeiro, aqui historicamente ancorado a fim de alavancar

uma bela porção de sua acumulação em escala planetária.

A América do Sul é pródiga para a “dam industry”, essa coligação inter setores empresariais descrita

por Mc CULLY, 1996 em seu magistral “Rios Silenciados”. Desde a fase pioneira da eletrificação na

virada dos séculos XIX a XX, aqui desembarcaram os capitais norte-americanos, canadenses,

britânicos, franceses, implantando usinas térmicas e hídricas, bondes e ferrovias, gás canalizado e

iluminação pública. A situação do final do século XX pode ser avaliada pelo mapa seguinte. 16

Nestes países, em muitas de suas principais bacias fluviais, o rio mestre e afluentes importantes foram

barrados; sabemos também que alguns trechos de grandes rios, e em alguns casos, o grande rio inteiro,

foram praticamente monopolizados para a produção de eletricidade. Uma prova empírica geográfica: o

perfil longitudinal desses rios se tornou uma escada de barramentos e espelhos d’água de represas. Fato

crucial, pois é alteração inédita na história do planeta, a qual é naturalizada por engenheiros civis e

16 Para a elaboração desse mapa, foram localizadas 108 dentre as 979 barragens de médio e grande porte (mais de 15 m de altura, e algumas outras em função de área alagada e de potência instalada) na América do Sul, a partir do cadastro do relatório da World Comission on Dams, 2000. (para efeito de comparação, o mesmo relatório compilou 642 barragens na América Central e Antilhas).

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eletricistas, adeptos da “dam industry”, chamando essa escada de “cascata” de usinas, e considerando

que após as cirurgias, o rio está “integralmente desenvolvido”! O quê escamoteiam, procuram abafar?

*problemas sociais na alteração da posse dos terrenos e na interrupção de atividades

econômicas: as obras engendrando conflitos com grupos nativos, moradores antigos, pescadores,

barranqueiros, oleiros das várzeas aluvionais, obrigando as perdas testemunhais e históricas das

localidades, destruindo as matas e culturas agrícolas existentes nas áreas de construção, inundação e

linhas de transmissão; forçando o dramático processo de expulsão e de dispersão, e, em poucos casos,

tentando resolver a sua re-organização sócio econômica em assentamentos rurais e urbanos planejados.

* os prejuízos generalizados e os riscos (erroneamente chamados de impactos ambientais) são

alterações e destruições diversificadas, de várias origens, mas enfim, incidindo sobre a represa, a área

territorial entorno e o rio: as destruições de habitats e a morte de animais, as radicais mudanças na

atividade pesqueira, na caça e na coleta silvestre, na agricultura de vazante, mais o assoreamento e

entupimento dos próprios reservatórios, a proliferação de insetos e de plantas na área alagada; além de

serem verificados estatisticamente eventos considerados inusitados e de risco, como os tremores de

terra induzidos pela obra e os acidentes de extravasamento, de liberação de ondas violentas e de

rompimentos em barragens, com vitimas, e também como as contaminações coletivas pela intoxicação

da água ou dos peixes. 17

* a destruição dos monumentos naturais pelas mega – hidrelétricas. É mais comum associarmos

a destruição dos monumentos naturais com a urbanização das cidades, as rodovias, as pedreiras,

garimpos, mineração em geral, nesse caso as escavações continuadas, com máquinas e explosivos

potentes, podem simplesmente acabar com uma montanha, um pico, uma serra inteira. As barragens e

suas represas também destroem muito, e o seu alvo especial são as quedas naturais, as cachoeiras,

corredeiras, e dentre elas, muitas são monumentais! No Brasil, também se deve contabilizar nesse

passivo as destruições dos saltos de rios com grande altura, o sepultamento sob as represas, de

cachoeiras com grande vazão d’água e de gargantas rochosas, e a perda de algumas planícies de

inundação com arquipélagos e lagoas marginais ao rio. Nos rios da Bacia do Paraná, perdemos no rio

Grande, MG, os canyons de Furnas e de Estreito, a cachoeira e o arquipélago de Marimbondo, no rio

Paraná, o complexo monumental das Sete Quedas de Guairá, sob o lago de Itaipu; nos grandes

formadores, o salto do Avanhadava no rio Tietê, o Canal de São Simão no rio Paranaíba, os Saltos

17 Além dos autores básicos mencionados na bilbiografia, vários casos já havidos estão compilados nos capítulos do livro organizado

por SEVA, 2005 sobre os projetos no rio Xingu, e também em parecer que elaborei para o ISA Instituto SocioAmbiental , em 2007 sobre os riscos dos projetos da hidrelétrica Tijuco Alto no rio Ribeira do Iguape, disponível no sitio www.fem.unicamp.br/~seva

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Grande, Osório e Santiago no Iguaçu. Agora está ameaçado o Salto do Yucumã, longo de vários km,

acidente único no rio Uruguai, (RS-Argentina). No rio São Francisco, foram-se o salto do Sobradinho,

as cachoeiras de Itaparica, Paulo Afonso, em pequena parte preservada e o canyon de Xingó. O surto

de destruição chegou ao rio Tocantins, com o sepultamento do longo trecho de corredeiras e

arquipélagos da Taboca sob a represa Tucuruí, e os seus afluentes, ameaçando pontos turísticos

valiosos, como a Cachoeira da Velha, no Jalapão, a cachoeira Couto de Magalhães no alto Araguaia. E

muitos monumentos fluviais dos rios da bacia Amazônica já estão na mira: no rio Madeira, as

Cachoeiras do Santo Antonio18 e do Ribeirão (divisa Bolívia-Brasil); no rio Ji Paraná, a cachoeira

Tabajara; no Aripuanã, o salto duplo das Andorinhas e Dardanelos, e ...para falarmos apenas dos

maiores projetos, o de São Luis do Tapajós, e os da Volta Grande do Xingu, com sua seqüência de sete

grandes cachoeiras. Na margem esquerda do Amazonas, já houve projeto para barrar o rio Negro perto

de São Gabriel da Cachoeira, para uma mega usina na Cachoeira Porteira próximo da confluência dos

rios Trombetas e Erepecuru, e para a Cachoeira Santo Antonio do rio Jarí, todos locais esplêndidos.

4. “Guerra de conquista” e estreitamento das possibilidades futuras

Apesar do memorial aqui esboçado sobre o avanço do capitalismo sobre a maior e última floresta

tropical mundial, sobre povos sobreviventes, e povoando-a com migrantes de toda sorte, - ainda não

podemos reduzir toda a região nem mesmo a bacia fluvial amazônica a uma soma de “pacote de

instalações” de petróleo e gás, de produção de minérios, concentrados e metais, com um subconjunto

de grandes e médias hidrelétricas. Essas Amazônias não são - nem formarão em tempo breve - um

espaço contínuo, um “naco” ou um “arco” da Amazônia. Mas, outros trunfos da guerra de conquista

amazônica já estão definidos: várias de suas áreas críticas e de seus pontos chave são comandados, de

modo destacado, quase de modo separado, por conglomerados industriais e financeiros. Antes se

chamavam enclaves, que pode não ser um bom nome, na medida em que vão se tornando a regra e não

a exceção, na medida em que o mosaico amazônico passa a ser “polarizado” por vários desses enclaves,

e que eles tendem a se articular entre si, pois integram redes de escala planetária.

Claro que a vida política, no sentido visível, é conduzida por algumas outras instâncias específicas -

as militares, diplomáticas, estratégicas - e intermediada por desenvolvimentistas locais, parceiros

empresariais e dinastias fundiárias, além de grupos religiosos, maçônicos, de associações profissionais -

18 Madeira: o leilão do que não tem preço. Com o rio Madeira e a hidrovia do Pacífico, estão construindo plataformas de exportação de energia e dos recursos naturais da Amazônia , artigo de Luis Fernando Novoa no site do MAB http://www.mabnacional.org.br/noticias/141207_madeira.htm 12/12/2007

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muitos dos quais se tornam lobistas dos grupos mais poderosos. A disputa crucial pela informação e a

presença mega - empresarial em campo, municiada de máquinas possantes, explosivos, combustíveis, o

emprego de olheiros, informantes, pesquisadores sociais, a mobilização de grandes contingentes de

trabalhadores, podem ser todos fatores relevantes para colocar em cheque o sentido e mesmo os limites

da ação do Estado e da República Federativa.

Recomecemos então a caracterizá-los de modo bem rigoroso: os tais “pacotes” de projetos de

investimento visam atuar na ampliação das cadeias produtivas dos combustíveis de petróleo e de gás,

dos minerais e metais de alto conteúdo energético, e na ampliação do suprimento elétrico de grande

calibre, característico de tais instalações. Enquanto isso, devem também ser vistos como

arregimentação humana em grande escala, e que somente se viabilizam com o levantamento de fundos

econômicos substanciais para construir e equipar grandes construções, para depois extrair bons lucros.

Os enredos antes mencionados, localizados, datados, nomeados seus agentes e forças, ainda que de

maneira parcial ou com vieses, confirmam o poderio antiecológico e dos investidores e seus prepostos

locais, e comprovam sua disposição antidemocrática. Se acompanhados tais casos mais de perto e por

períodos mais longos, anos e décadas, ficaria demonstrada a tendência ao que Bourdieu designa como

“bombardeio” de versões e argumentos. Necessários para ocultar o que for possível...

Temos então que ver o outro enredo obrigatório, da região que antes era de outro modo, e depois se

alterou radicalmente: o marco de desequilibro, ruptura ou pelo menos de uma alteração notável, foi

justamente a chegada da mega-obra, mina, usina ou indústria naquele meio de mundo. Desde então, a

história se escreveu pelos confrontos e pelas alianças que resultam da coexistência no mesmo território

dos projetos de quem já estava - e - dos projetos de quem veio depois.

Estreitamento das possibilidades futuras? Pode-se falar deste desfecho? Sim, certamente isto vai se

revelar conforme prosseguir a nova divisão internacional dos conteúdos energéticos, da poluição

industrial e dos riscos químicos. A pista visível é a re-localização dos processos e das mercadorias de

maior prejuízo ambiental regional rumo às regiões ditas propícias, portadoras das mal chamadas

vantagens comparativas.

Onde? Lá onde existam com fartura as jazidas de materiais e de energia hidráulica, e onde haja a

disposição e mesmo a ânsia de colocá-las em exploração, esse tipo de exploração. Lá ou aqui? O que

mobiliza tudo isto é essa possibilidade de transferir enormes fluxos de materiais e de energias entre

países distantes, entre continentes, e de algum modo, de um lado e outro, “todos” ganharem dinheiro.

Prejuízos, vítimas, expropriados, lucros cessantes dos outros, isso não conta!

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A implantação da hidrelétrica de Tucuruí pela empresa estatal Eletronorte, com quase 8.000

megawatts de potência e quase 3.000 km2 de área inundada após completar a segunda etapa - teve a

finalidade de suprir a imensa demanda de energia elétrica das fundições de alumínio. Com isso,

contribuiu bastante para que o Japão desligasse suas fundições quando ainda consumia um milhão de

toneladas por ano. Hoje consome mais de dois milhões de toneladas, fabricadas aqui, na Indonésia, na

Austrália, e até no Golfo Pérsico, onde se obtém eletricidade a partir de gás natural!

De modo similar, a expansão notável das fundições de ferro - ligas para exportação e a exportação de

minério com alto teor de ferro de Carajás ajudam a melhorar a “eficiência” energética e ambiental nas

indústrias siderúrgicas do Pacífico: a japonesa, a chinesa, a coreana. Foi amplamente divulgada em

fevereiro de 2008 o desempenho da CVRD, faturando mais de 60 bilhões de reais e tendo lucro de 20

bilhões. Menos divulgado porém, é que de todo o despacho por meio do imenso corredor de exportação

de ferro do Carajás, que chegou às 100 milhões de toneladas anuais, cerca de 60% desembarca na

China e no Japão.19

Os grandes negociantes chineses além dos indefectíveis norte-americanos de sempre estão sim, no

Pará, a Alcoa, a Alcan, a Reynolds, contando com a alumina de Paragominas, do Juruti ou de Pitinga,

no Amazonas e contando até mesmo com lingotes de alumínio, barras de níquel e de cobre já fundidos,

de alto grau, com bastante calor e eletricidade gastos em seus processos – os tais “recursos naturais

externos”, como disse o banqueiro chinês. 20

O futuro só pode ser mais estreito, pois os minérios se vão de vez, e os lucros da Vale são embolsados

pelos poderosos Bradesco e Previ, e por também poderosos e pouco conhecidos sócios e acionistas no

mundo todo, com destaque para os japoneses da Mitsui. Por aqui os rios ficam barrados, se

adulterando, empobrece o povo ribeirinho, e na prática, quase todos os demais consumidores de

eletricidade no país é que bancam as fabulosas margens de lucro dos oligopólios industriais eletro –

intensivos (dentre outros, os setores alumínio, cobre, níquel, ferro-ligas, celulose e papel) . 21

19O melhor acompanhamento disponível dos negócios da Vale no Pará e no Mundo, é no “Jornal pessoal”, de Lucio Flávio Pinto, editado em Belém a cada quinzena, há vinte anos. Ver especialmente os números 411, da 2ª. Quinzena de fevereiro, e 412, da 1ª. Quinzena d emarço de 2008, justamente logo após o anúncio das performances contábeis da CVRD e da MRN. 20 Na visita diplomática do governo brasileiro ao governo chinês em 2004, na realidade, uma grande missão comercial, industrial e financeira, perguntado se existia algum projeto já escolhido pelo China International Trust and Investment Corporation, para investir no Brasil, o Sr. Mi Zengxin, vice-presidente, disse ao Globo, de 12.09.2004: “Ainda nada fechado. Há anos financiamos a compra de minerais brasileiros, de pequenas empresas, para abastecer metalúrgicas e siderúrgicas na China. Neste momento de crescimento acelerado, a China precisa de recursos naturais externos. Nessa área podemos fazer muito mais negócios”. 21 Fatos detalhadamente estudados por BERMANN em sua tese de doutorado de 1991, e por GITLITZ, 1993, em relatório encomendado pela ong International Rivers. Ver na bibliografia e também no site www.internationalrivers.org.

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5. Militarização de todas as áreas onde se decide fazer os investimentos? Tal retrocesso civilizatório não é raro que ocorra, seja para intervir nos conflitos, seja para tentar

assegurar a continuidade da construção e da operação empresarial em plena área conflagrada ou

próxima dela. Eis aí uma outra questão delicada inerente aos grandes projetos aparentemente civis.

Ilustrando-a: dentre os municípios brasileiros decretados pela ditadura como sendo “de segurança

nacional”, sem poder eleger prefeitos até 1985, estavam aqueles onde funcionavam refinarias de

petróleo e usinas hidrelétricas de grande porte. Apesar disso, colonos prejudicados e enganados pela

usina de Itaipu, PR –Paraguai, em construção acamparam na avenida de acesso à empresa. Depois de

1985, houve vários outros casos dos atingidos bloquearem acessos e ocuparem os canteiros de obras,

por exemplo em Itaparica, BA/PE, Manso, MT, Canabrava, GO, Tucuruí, PA, Itá RS/SC, Campos

Novos, SC, Estreito (MA/TO) para exigir e forçar negociações, ou para fazer cumprir acordos

anteriores. Agora, em 2008, discutem no parlamento a possibilidade transformar tais ações dos

atingidos em delinqüência, sublevação, algo que atente contra a segurança nacional, um preâmbulo

para tratar atingidos e ameaçados por barragens como terroristas.

Outro exemplo dramático: nos anos 2002, 2003, por causa de seqüestros de pessoal técnico e gerentes

de empresas petrolíferas, americanos e até de engenheiros brasileiros, - a opinião pública ficou

informada que a guerrilha FARC operava em uma área petrolífera da Colômbia onde também atuam

empresas de origem brasileira, empregando lá vários profissionais brasileiros. Dentre as áreas

produtoras na Colômbia, uma especialmente complicada é a dos “llanos”, as grandes planícies dos rios

Meta e Arauca, afluentes esquerdos do rio Orinoco, ao lado da fronteira Oeste da Venezuela (onde,

bem perto dali, também se explora petróleo). Um dos estudiosos brasileiros do narcotráfico,

MAIEROVITCH,22 comentando em 2004 o Plano Colômbia, teve que fazer a ponte entre militarização

– cocaína - petróleo, pois isto grassa na Colômbia, e com grande interferência dos Estados Unidos.

“Não foi sem causa que o Plano Colômbia contemplou com milhões de dólares o batalhão do Exército na região petrolífera de Arauca. O batalhão de Arauca guarda os dutos petrolíferos que ligam os poços de extração aos portos do Caribe... Para o presidente Bush, não há insurgência, mas narco-terrorismo. Com poços e dutos instalados na Colômbia, as empresas petrolíferas aplaudem Bush. E as empresas são muitas: Oxxy, Chevron, BP, Global En. &Develop., Texaco, Houston Reliant, Halliburton, Enron.”

22 O juiz Walter Fanganiello Maierovitch ocupou uma secretaria especial da Presidência, de combate ao tráfico de drogas durante uma parte dos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e escreve uma coluna semanal na revista Carta Capital, chamada Linha de Frente. A citação é do artigo “ Os 40 anos das Farc” , pg 47, num 294, Ano X, de 09 de junho de 2004, dessa revista.

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Isso se confirma pelo testemunho público de um líder sindical colombiano, exilado, que pude

registrar no Fórum Alternativo Mundial da Água23, em março de 2005; diz que nessa região Nordeste,

(Bucamaranga, Santander, Arauca, que faz fronteira com os Llanos venezuelanos, dali até o litoral

caribenho), são muitos os assassinatos de líderes sindicais dos trabalhadores; refere-se ao “batalhão de

Arauca” como um esquadrão da morte que cuida dos oleodutos da Oxxy. Para complicar um pouco,

essa mesma região colombiana vive surtos de extração de ouro, prata, platina e de esmeraldas, e por

isso, segundo ele, há casos em que a população que morava em cima das reservas minerais foi

removida por meio de ataques químicos, com produtos tipo herbicidas, desfolhantes. (sem mencionar

explicitamente a fumigação das plantações de coca , custeadas pelos EUA...).

Quando, em março de 2008, a fronteira equatoriana foi violada pelo “raid” de forças colombianas

treinadas e equipadas pelos EUA, à caça do segundo homem da FARC, Raul Reyes, criou-se mais um

conflito diplomático grave, que pode um dia virar mais uma guerra em uma região petrolífera em fase

de expansão. Pois, num raio de 300 a 400 km em torno do povoado mais próximo do bombardeio,

Santa Rosa, na bacia do rio Putumayo, ficam áreas produtoras de petróleo dos três países, já

mencionadas, uma colombiana, no rio Caquetá, uma equatoriana, entre a cidade de Lago Agrio, a bacia

do rio Napo e a área do parque Yasuni, e uma área peruana em fase de intensa prospecção.

6. O debate sofre o futuro é político e não ambiental Empresas fazendo política e priorizando isto; empresas bem poderosas precisando porém, de proteção

militar; empresas enfrentando resistências pontuais e difusas dos povos nativos, dos extrativistas, dos

beiradeiros, dos posseiros. Empresas operando em palácios, parlamentos e escritórios oficiais, ajudando

a fabricar o quadro normativo e regulatório que mais lhes interesse, e obtendo contratos pouco ou muito

lesivos ao Estado que lhe cedeu o serviço. No limite, poderíamos dizer, vão legalizando seus

estratagemas muito rentáveis para eles, às custas do dinheiro curto do povo, abocanhando patrimônios

estatais, extraindo sobre-renda dos consumidores, cada vez mais compulsoriamente pedagiados, cativos

dos “networks” de serviços, cativos da finança privada.

Com tudo isto, apesar disto, mesmo assim...a história nem sempre se repete.

Na Bolívia, em meados do ano 2000, após vários meses de exigências organizadas de muitos setores

sociais e de manifestações políticas diretas, batalhas urbanas e rodoviárias, foi rescindido o contrato e

23Fórum Mondial Alternatif de l’Eau, Genève, Suisse, 17 a 20 de março de 2005. Detalhes em www.fame2005.org , e a cobertura jornalística – da qual participou esse autor – em www.agenciacartamaior.com.br e no seu sítio www.fem.unicamp.br/~seva

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retirou-se do país um consórcio dos americanos da empreiteira Bechtel (conhecida pela ligação com o

ex-secretario de Estado George Schultz) com capitalistas espanhóis e bolivianos, a qual iria operar

durante trinta anos, o serviço de águas e esgotos e construir um novo projeto de hidrelétrica, represa e

aqueduto em Cochabamba. Quatro anos depois, no mesmo país, foram as batalhas da “guerra do gás”,

que de novo forçaram a renúncia e a fuga de um presidente, e ocasionaram um crescimento da política

oposicionista de massas, nas ruas, nitidamente anti-neoliberal, anti-privatização e anti-exportação a

qualquer custo dos recursos do país.24 De modo comparável, nos últimos anos, um poderoso braço

“água e saneamento” do capital industrial-financeiro global - Vivendi, formado inicialmente pelas

empresas de água e esgoto de Lyon, Marseille, rebatizado Veolia, e comandado pelo capital financeiro

europeu Indosuez-Paribas - veio sendo pressionado, e pode também ser expulso do Uruguai

(departamento de Maldonado), da Argentina (Santa Fé), e da maior cidade boliviana, o distrito de El

Alto, em La Paz 25

A manobra empresarial dessas corporações é concebida como conquista territorial, cultural e política.

Claro que a organização da produção mercantil e dos serviços é a atividade-fim, mas não é a única. O

poder também é um fim, a obtenção de legitimidade e de adesão também são metas para elas; melhor

ainda se puderem controlar comportamentos e definir preferências dos ainda chamados de cidadãos.

Os dirigentes dessas empresas e seus cérebros do planejamento, do marketing, seus “intelectuais

orgânicos” elaboram, condicionam, dão acabamento e manutenção, de modo minucioso, nessas

estruturas de pensamento e de influência difundidas – minuciosamente e interminavelmente - na

sociedade. Divulgam dessa maneira aqueles argumentos-clichê, as “respostinhas prontas”, que

dificultam a aceitação de experimentos outros que não os dominantes, que inibem e querem extirpar os

raciocínios alternativos, que aniquilam, pela supressão e pela desinformação, quando não pela

ridicularização e pelo preconceito reles, a conversa sobre todas as demais possibilidades de usos dos

mesmos recursos, da mesma terra, dos mesmos rios. Isto é o que vamos testemunhando por aqui, e que

desafia o projeto de nação, que pode, numa escala mais ampla, vir fragilizar a civilização atual.

24 refs: ORNELAS, Raúl “La guerra del gás: quarenta y cinco días de resistencia y um triunfo popular”, pp 185-194 no. 16, revista Chiapas, Clacso, Bs. Aires, UNAM/IEI, Mexico, 2004; e GARCIA Orellana, Alberto (org) “La “Guerra del agua” – Abril de 2000:la crisis de la política en Bolivia”, La Paz: Fundación PIEB, 2003. 25 No Brasil, o grupo Vivendi se introduziu no mesmo negócio de água e saneamento, quando era a Lyonnaise des Eaux: na operação do sistema da cidade de Limeira, SP; depois também o sistema metropolitano de Manaus, AM; tornou-se sócia da estadual paranaense Sanepar. Na indústria elétrica, através da Tractebel, o grupo Suez adquiriu as usinas hidrelétricas no rio Iguaçu e uma grande termelétrica da antiga Eletrosul, construiu a usina de Canabrava e é sócio na construção da usina de Estreito, ambas no rio Tocantins

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Nas esferas cultas e militantes do primeiro mundo, algumas das quais nunca se entregaram ao mesmo

destino que as empresas e os exércitos do primeiro mundo, tudo isto vai sendo criticado e absorvido de

modo díspar, desigual:

# num pólo, a ecologia social e o eco-feminismo vão tentando re-apropriar o encantamento

iluminista, “re-enchanting humanity” (expressão título de um livro de Murray Bookchin, líder

anarquista falecido em 2006). Projetam um movimento civilizatório, pois enfatizam outros, diferentes

dos convencionais, sentidos para a vida, para a fé, outros significados para as diferenças de gênero e

para a morte.

Hoje a adesão a esta estratégia social parece ser ainda bastante diminuta, mas mesmo pequena, vai

crescendo, pode se definir, se consolidar.

# e, noutro pólo, esse ambientalismo empresarial – tão bem expresso no BSCD-Business Council on

Sustainable Development, e na palavra de seu primeiro "chairman" SCHMIDHEINY - foi um tanto

tardiamente introduzido no Brasil, por meio de Eliézer BAPTISTA da SILVA. 26, Conforme a sua

apresentação do estudo estratégico feito em 1996 para a seção latino-americana do BCSD:

“O objetivo central é que os países da América do Sul se juntem na busca de um desenvolvimento econômico sustentado. A partir desta perspectiva, o trabalho propõe um novo caminho para o planejamento de projetos de infra-estrutura na região: - em lugar de analisar as necessidades caso a caso atendendo a imperativos puramente econômicos e políticos, descreve-se o potencial de desenvolvimento de forma sistemática e holística(...). Isto implica a seleção de formas mais econômicas e eficientes dos sistemas de energia, logística e comunicações – que por uma afortunada coincidência são também, na maioria dos casos, os menos prejudiciais para o meio ambiente.[p.10 e 33]

Esses parecem ser conceitos de “corporate planning” para a atuação de grandes conglomerados

internacionais no terceiro mundo. Além de selecionar e manter sempre elites regionais, uma boa parte

delas, é verdade, como correias de transmissão, e até como testas de ferro – o quê sempre fizeram desde

a era colonial, - agora a estratégia é entrar no debate ambiente versus desenvolvimento, tratar a questão

ambiental como “business matter”. 27, 28 .

26 Trechos do mesmo documento mencionado: (nessa nova perspectiva)... “as ferrovias têm preferência sobre as rodovias e as

hidrovias sobre as ferrovias, devido ao aspecto econômico e ambientalmente não-destrutivo do transporte”.[p.54] “a infra-estrutura proposta (no relatório, para o “Cinturão Norte de desenvolvimento”, que vai de Salvador até o litoral caribenho da Colômbia), está localizada fora dos pontos críticos de biodiversidade, áreas naturais e ambientalmente frágeis.” Eliézer Baptista foi um dos mentores do Programa Grande Carajás, e o o principal executivo em toda a história da CVRD e com grande atuação na internacionalização do capital da empresa. Delineou parte do Programa Brasil em Ação, no segundo governo Cardoso – Maciel, 1999-2002, e ajudou a germinar a articulação financeira conhecida como IIRSA – Iniciativa de Infraestrutura Regional Sul Americana, ... além de ser o progenitor do atual empresário – celebridade Eike Batista, das empresas MMX, OGX, dentre outras novidades do capitalismo chamado de brasileiro. 27 Um dos marcos discursivos é o livro editado por PEARSON com o instituto de pesquisas World Resources Institute, W.R.I., em 1987, 28 Um expoente desta doutrina é o economista HEILBRONER, que já em 1974 publicava o seu “An inquiriy into the human prospect”; outro é Christopher MANES, que em 1990, se manifestou com “Green Rage: Radical environmentalism and the unmaking of civilization” Uma síntese desta posição empresarial contemporânea, feita criticamente por ZIMMERMANN: “As elites tecnológicas podem usar os

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A catástrofe abrangente, global, parece ser menos provável do que algo que já acontece: uma

somatória de grandes estragos e adulterações feitas numa mesma região, na mesma porção de um

continente, numa mesma bacia fluvial. Por isto, quando se expandem o petróleo e o gás, a mineração e

a metalurgia e a hidroeletricidade, esses problemas são intrínsecos, são de ordem lógica e com fortes

repercussões econômicas. Chamá-los sempre e “naturalmente” de ambientais pode equivaler a

estigmatizá-los, fazer deles caricatura, alvo fácil, em suma, despolitizá-los.

Assim vamos metabolizando a incerteza do futuro: de um lado, uma ecologia social que se pretende

civilizatória – e talvez o seja, se houver tempo hábil – e de outro lado, um ambientalismo de

oportunidades, que por vezes vai de mãos dadas com a exacerbação continuísta da dominação política e

que poderá até vir a sacramentar a militarização das atividades econômicas consideradas estratégicas.

Nesse ponto, trata-se de desconstruir a manobra ideológica, e aí recorro aos antropólogos Eduardo V.

CASTRO e Lúcia ANDRADE que muito nos ajudam, desde o seu texto publicado em 1988: “A noção de "impacto ambiental” presta-se assim facilmente ao mascaramento da dominação política. Pois

os efeitos de obras como o Complexo Hidrelétrico do Xingu não são simplesmente ou principalmente “ambientais” ou “sócio-econômicos”. Eles são essencialmente políticos, por resultarem de uma vontade de dominação que nega às populações humanas visadas o seu lugar de sujeito de direitos, isto é, de grupos sociais dotados de uma positividade política...

A política ambiental do Estado, em suma, é um aparelho de despolitização do ambiente, parte de uma ofensiva ideológica que visa à facilitação política de grandes projetos na Amazônia. Tal ofensiva pode ser acompanhada na proliferação de anúncios e matérias pagas da Eletronorte, da CVRD e congêneres, onde se apregoam os zelos ambientais e sociais de obras como Itaipu, Tucuruí, projeto Ferro Carajás, etc; na instituição de prêmios de ecologia e no financiamento de documentários “ecológicos” por estas mesmas agências. E por fim, num esforço de disseminação da idéia de que os “pequenos” erros ambientais dos últimos anos serão agora substituídos por um carinho todo especial para com as tartarugas, as árvores e -quem sabe- os índios” (p.10).

Numa tal paisagem nada pacífica, temos, além do re-encantamento ainda minoritário, e dessa farsa

ambiental, prossegue com uma razoável audiência um terceiro pólo de alinhamento doutrinário: a

chamada ecologia profunda, que perde o eixo da humanidade, se desumaniza enquanto prioriza a

biologia e o bio-centrismo. Conforme um de seus maiores críticos, Murray BOOKCHIN, analisado

também em ZIMMERMANN, (p.179) tais doutrinas abandonam a meta da justiça social pelo controle

do crescimento populacional, e passam a associar a pobreza à devastação das matas e dos ecossistemas.

Vão os ecologistas profundos até o ponto de realimentar o mito moderno da “Natureza intocada”,

analisado criticamente por A .C. DIEGUES, 1996,2001, mito do qual a Amazônia é, e será,

internacionalmente, e portanto, para a humanidade, a última referência ainda não totalmente

problemas ecológicos como uma desculpa para consolidar o seu poder; Manes cita Heilbroner, o seu medo de que no futuro talvez somente um regime autoritário esteja apto a ajudar a humanidade a escapar da catástrofe” (p.177)

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destruída.29 Porém, na crueza dos fatos geográficos e humanos, as amazônias já globalizadas estão

bastante destruídas para que possam ser traduzidas por “Natureza intocada”. Seu destino é exportar

minérios, metais, combustíveis fósseis, madeiras, riquezas genéticas, até que isso seja

possível...politicamente possível, claro! já que, ambientalmente, o único resultado é o desastre

progressivo.

7. Ao interromper, já que é impossível encerrar ... Seria necessário daqui em diante, em nome da precaução humanitária, e do rigor do pensamento

crítico, adotar uma dose extraordinária de respeito e de ponderação quando fôssemos, num mapa da

bacia Amazônica, ou de algum trecho dessa imensa bacia fluvial, pôr o dedo ou o “mouse” num ponto

ou numa linha a mais, na busca dessa integração entre os vazios cheios de florestas e os incontáveis rios

maravilhosos, entre as poucas cidades, muitos vilarejos e milhares de aldeias em terras brasileiras,

colombianas, equatorianas, peruanas e bolivianas. Na prática, multiplicam-se ainda mais as situações

imorais, irregulares e ilegais, ...quando ao invés do mouse e teclado, põem-se os dedos no gatilho de

uma arma, quando se empurra para baixo um detonador de dinamite, quando o piloto do avião agrícola

puxa a alavanca do pulverizador de herbicida sobre hectares e hectares de monocultura, quando o

super-peão da mega-empresa manobra uma máquina off-road de 120 toneladas. E aí, nada ou quase

nada podemos fazer, nós do campo da pesquisa, do ensino, do conhecimento. Cuidemos então da parte

que só nós estudiosos, docentes, podemos cuidar. Concluo assim este ensaio reforçando evidências, e

colocando interrogações cruciais nessa encruzilhada talvez fatal para a esplêndida, ainda, Amazônia.

7.1. Quando a infra-estrutura no nosso chão, nossos rios e litorais interessa para os donos do

mundo. Além de uma tradição ibérica secular de conquistar regiões além –mar e de exterminar ou

domar seus povos nativos, sabe-se há décadas da existência de alguns planos estratégicos, de natureza

geopolítica, para os países do continente sul-americano, e em especial, para a Amazônia formada por

grandes regiões de cada um dos países vizinhos. Após o acúmulo de experiências no século XX, com a

Marcha para Oeste, a criação de Brasília, as grandes rodovias inter-regionais, os governos brasileiros

recentes lançaram os tais eixos de articulação que são “eixos” para negócios virem aí se instalar ou por

eles despacharem suas mercadorias, mas que funcionam em dupla mão, trazendo também novas

estruturas de mando e novos modos de vida.

29 Esse foi o grande chamariz das exposições montadas em grandes cidades européias, em 200e 2004: em Paris no evento Brèsil indigène, no Grand Palais, e na maquete do rio Amazonas, no Palais de la Découverte; em Madrid, no Jardim Botânico, com a mostra “Planeta Amazonia”. Em ambos os casos, visitantes tinham direito a efeitos especiais, os sons da mata e dos bichos.

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Raros investigadores atentos identificaram com clareza tais engrenagens, como ACSELRAD,2001 ao

contrapor esses eixos concebidos nos governos Cardoso-Maciel (1995-2002) a uma pretendida

sustentabilidade de nosso desenvolvimento; e como PAIM, 2003 e 2006,30 que identifica uma

integração para fora, uma re-inserção das economias do continente nas rotas globais, que agora prioriza

ampliar fluxos com os países ricos e emergentes da Ásia, além dos fluxos já mantidos com a costa

pacífica dos EUA e Canadá. Os pesquisadores CECEÑA, AGUILAR e MOTTO, 2007 chamam esta

etapa de “nuevo diseno continental”, que se inicia pelos territórios mais próximos dos EUA e pelo

primeiro tratado de livre comercio, o NAFTA:

“ Del comércio se pasará a la infraestrucutura, a las politicas económicas, a la normatividad, a las comunciaciones... y a la seguridad. De América del Norte se salta hacia Sudamerica, El caribe y la América Central, siempre com especial cuidado de incluir las zonas que puedan ser catalogadas como estratégicas no solo em uno de los tratados, planes o proyectos sino en varios a la vez. Asi ocurre con la región tropical de América, que abarca desde el Sur de Mexico hasta la Amazonia, y que está compreendida en el TLCAN ( Nafta) , el Plan Puebla Panamá, en el Plan Colombia, en el Tratado de Libre Comercio de Centroamerica y Republica Dominicana (CAFTA-RD), en el IIRSA, y como toda America en el temporalmente abortado proyecto del Área de Libre Comercio de las Américas(ALCA).

7.2. Quando regiões começam a ser recriadas por empresas, por pesquisadores – consultores e pela

coalisão dos políticos da província com os políticos do capital. Retomamos o exemplo do Estado

brasileiro do Pará: duas propostas divisionistas do território estadual vão deixando sua marca,

insistindo com o passar dos anos, engatilhadas para um dia resultarem na efetivação separação de um

novo Estado a Oeste, na bacia do rio Tapajós, polarizado por Santarém e Itaituba, que somam hoje mais

de 400 mil habitantes, - e – de um outro a Leste e talvez englobando o Sudeste, centralizado por

Marabá e Parauapebas, próximas e com mais de 300 mil habitantes somados, o qual seria denominado

“Estado do Carajás”. Seria a metamorfose última da mesma imposição exercida desde os anos 1970

quando se criou o “Programa Grande Carajás”, uma região do capital, da CVRD, uma “Valelândia”.

Identificando a manobra das palavras e dos simbolismos, o antropólogo ALMEIDA escreveu, em 1994

após uma intensa atividade feita com entidades populares de muitas localidades dessa “região”:

“Não há quem se autodefina como vivendo, morando, trabalhando ou de passagem por esta região inventada nos gabinetes definidores de estratégias empresariais. O sentimento de pertencer a ela só surge forte na solicitação de incentivos fiscais e creditícios. A denominação “Carajás” torna-se recorrente na razão social de hotéis, agropecuárias, madeireiras, estabelecimentos comerciais e projetos incentivados. A região a que imaginam pertencer denota o circuito financeiro de que são tributários”.

30 "IIRSA - É esta a integração que nós queremos?", matéria da jornalista Elisangela Soldatelli PAIM do Núcleo Amigos da Terra

Brasil, Friends of Earth, 2003, e relatório de CARRION, M Conceição, PAIM, Elisangela S. “IIRSA: desvendando interesses”, Núcleo Amigos da Terra NAT-Brasil, fevereiro de 2006. disponíveis em http://www.natbrasil.org.br/ e http://www.riosvivos.org.br

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Ele re-qualifica esse “Carajás” como sendo o teatro de operações de múltiplos projetos da Vale e de

muitos outros grupos empresariais, coadunados por agencias multilaterais, e conclui: “realizando a

mais complexa coalizão de interesses industriais e financeiros até hoje registrada na Amazônia”.

Houve precedentes, como os conhecidos “corredores de exportação” de minérios ou de grãos, foi o

caso da Guayana venezuelana, região criada para a operação de grandes minas de ferro e de bauxita,

usina siderúrgica, fundição de alumínio, instalações de eletricidade supridas pela terceira maior usina

hidrelétrica do continente, Guri, (no rio Caroni, um grande afluente do Orinoco), e polarizada por uma

cidade industrial-portuária na beira do rio Orinoco , Ciudad Guayana. (v. GARCIA, M-P., 1987)

E haverá filhotes dessa mesma criação de regiões, um deles pode ser intuído constatando-se a

afirmação nos últimos anos, da sigla MAP, (M de Madre de Diós um extenso departamento do sudeste

do Peru, A de Acre, o Estado brasileiro mais a Oeste, mais próximo dos Andes e P de Pando, o

departamento boliviano mais setentrional). Os três Estados são vizinhos entre si, distantes de suas

capitais nacionais, “esquecidos” do poder central, como dizem... e quase totalmente constituídos de

floresta amazônica baixa. Tal iniciativa tem origem na Universidade da Florida, EUA, de onde se fez

um convenio importante com a Fundação Zoo-Botânica da Universidade Federal do Acre, na qual fica

sediado o núcleo inspirador da iniciativa tri-nacional. Há alguns anos, em 2001, cerca de vinte ONGs e

os prefeitos de Assis Brasil (Acre, Brasil) e Iñapari (Madre de Diós, Peru), lançaram uma Carta de

Assis Brasil: Construindo o desenvolvimento sustentável na fronteira tri-nacional, recomendando o

fortalecimento e expansão de um “comitê de fronteira”, para compatibilizar os zoneamentos

econômico e ecológicos, com as leis, “otimizando o manejo de recursos naturais regionais”. Dentre

outras funções desse novo ente MAP, na mesma época já aparecia uma, valiosa para o capital: a função

de ajudar a “equacionar” prejuízos e benefícios do pacote de obras que vai se implantando nesses

locais, concretizando um dos “eixos” da IIRSA. Destacam-se nesse “eixo” a ligação rodoviária

chamada inter-oceânica, através de Rio Branco e Assis Brasil com Arequipa e o litoral sul peruano31, e

a construção de mega-hidrelétricas no rio Madeira em Rondônia e na divisa Brasil-Bolívia, e nos seus

principais formadores, os rios Mamoré e Beni, na Bolívia.

Um pouco mais ao Norte na mesma Amazônia peruana, a proposta oficial do governo Garcia é criar

uma “Nueva Amazonia”, unificando os departamentos de Amazonas e San Martin, preparando-se a

31 BROWN, Erving Foster; BRILHANTE, Silvia; MENDOZA,Elsa, OLIVEIRA; Ivanor Ribeiro “Estrada de Rio Branco, Acre,

Brasil aos portos do Pacífico: Como maximizar os benefícios e minimizar os prejuízos para o desenvolvimento sustentável da Amazônia Sul Ocidental” . (comunicação no Encontro Internacional de Integração Regional – Bolívia, Brasil y Peru”, 2-4 setembro 2001, publicação do Centro Peruano de Estúdios Internacionales, CEPEI, Lima). Atualmente já se pode encontrar referências até na cartografia da América do Sul, de uma tal MAP region, em sites de entidades, por exemplo a conhecida “Fundação Moore” (EUA).

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implementação de um outro “eixo” da IIRSA, aquele que faria a ligação do Brasil com o litoral

Pacífico pela rota de Puccalpa e Yurimaguas, atravessando os Andes em busca do departamento de

Piura no litoral norte do Peru.32 Nesse último, já estão em obras, com a participação da Odebrecht, um

super-porto de águas profundas, e uma mineração de fosfato, da qual a CVRD também é sócia, e

algumas minas de ouro tentam ser implantadas, com resistência da população local.

Os casos citados, de criação de novos Estados dentro do Brasil e até a criação de uma região tri-

nacional na Amazônia seriam um desdobramento um tanto lógico na historia do continente. Na era

imperial Inca, a América do Sul a conquistar foi dividida entre o então Portugal e a então Espanha por

uma linha meridiana (Tordesilhas). No começo do século XX, um “país” foi amputado da Colômbia, o

atual Panamá, por meio de intervenção direta militar dos EUA, a fim de garantir a implantação de um

imenso canteiro de obras e a posterior operação do famoso canal inter-oceânico.

7.3. A questão nacional, os vizinhos e todos os demais. Quando os políticos da província e do capital

casam os seus negócios, é porque o capitalismo está avançando no espaço geográfico e social da

província, onde quer que ela esteja. Quando os dirigentes da máquina pública nas capitais estaduais e

federal não passam de canalizadores e facilitadores dos grandes pacotes de investimentos em escala

industrial, fica difícil manter as bandeiras da Soberania ou da Autonomia dos atuais Estados-nações.

Nessa situação, a questão nacional está aparentemente perdida nos países amazônicos.

Só que... em alguns desses países, nem estava tão resolvida assim.

Se formos tomar pelo fator identidade, não há como minimizar que muitas línguas distintas da

“oficial” são faladas por muita gente, ensinadas às crianças, e que esses falantes de Quêchua, Aymara,

Pano, Aruak, Tupi e outros troncos lingüísticos, são cada vez mais poliglotas, falando Castelhano ou

Português. Os que o mestre Darcy Ribeiro chamou de povos testemunho, podemos designá-los também

povos sobreviventes , e eles podem se enxergar pertencendo a outras nações, pertencimentos com outro

contorno no mapa e muitas vezes, com nomes de outras línguas – de modo bem distinto do quê

enxergam há séculos os “criollos” e a aristocracia espanhola, distinto também daquilo que percebem

como nação os brasileiros classe média, e os oligarcas que ainda comandam o maior país do continente.

32 Em novembro de 2007, no site das entidades dos índios da Amazônia peruana: Amazonas y San Martín firman acta para formar

primera región piloto http://www.aidesep.org.pe/index.php extratos: “ Oscar Altamirano, titular de Amazonas, señaló se trata de un día histórico, al comentar que la única forma de brindar un servicio mejor a la población se da a través de la unificación. Enfatizó que la firma del acuerdo no implica la alteración de la autonomía económica y administrativa de Amazonas, ya que al final la población decidirá mediante referéndum si se materializa la región. Por su parte, el presidente de San Martín, César Villanueva ...recordó que la idea es sumar espacios en una visión estratégica que contempla una articulación con Loreto, (obs: departamento amazônico, capital Puccalpa) a través del puerto de Yurimaguas, y con Piura con el puerto de Paita (no Pácífico). A su vez, el jefe de Estado invitó a los presidentes regionales a una jornada de descentralización a realizarse el 4 y 5 de enero del 2008 en la que se dialogará sobre las facultades legislativas para acelerar las capacidades y aprovechar el Tratado de Libre Comercio (TLC)”

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Nas fronteiras demarcadas ainda pelos conquistadores e reajustadas após a descolonização, há povos

e etnias de um lado e outro da linha imaginária entre os poucos marcos físicos implantados; por ela

passam também outros: madeireiros, “caucheros y balateros”, garimpeiros, e em alguns casos, grupos

armados do país, grupos vindos “de fora”, embarcações e aeronaves de guerra.

Se formos avaliar pelo lado do poderio nacional, de controle territorial por parte do Estado, o fato é

que em alguns dos países amazônicos há bases militares estrangeiras (p.ex. Manta, na costa do

Equador); foram implantados caros sistemas de vigilância por aeronaves e satélites (no Brasil, o

SIVAM), mas são estrangeiros que detêm a tecnologia, vendem equipamentos, e participam da

operação. Com ajuda norte-americana foram construídas pistas de pouso alternativas para aviação de

grande porte, e para poderosos caças, (p.ex. Cobija, capital de Pando, Bolívia), que ficam a poucas

horas de vôo de bases no golfo do México.

Características tão típicas da América Latina, como a ingerência e a manipulação por parte de

empresas, de políticos, e de militares e agentes de informação norte-americanos e europeus, mais

japoneses e chineses, recrudesceram nos últimos anos, pari passu com a invenção institucional do Plan

Puebla- Panama, do Plan Colombia, e da IIRSA, e como reação conservadora aos governos legalmente

eleitos com amplo apoio popular, de Chávez, na Venezuela, de Morales, na Bolívia e de Correa no

Equador. Uma das novidades, porém é a ingerência também de origem brasileira, da diplomacia e das

multinacionais brasileiras, que a CEPAL denomina “las translatinas”, como as gigantes Petrobrás e

Vale, os conglomerados Odebrecht, Camargo Correa, Gutierrez, Gerdau, dentre outros.

7.4 Quando os índios agem internacionalmente ... Tomemos como exemplo uma “Resolución de

Pueblos Indígenas sobre el IIRSA (La Paz, 19 01 2008)”, emitida pela Coordinadora Andina de

Organizaciones Indígenas - e endereçada aos presidentes de bancos, do brasileiro BNDES, mais BID,

CAF – Cooperación Andina de Fomento, Fonplata (Fondo de la Bacia del Plata) e WB, (Banco

Mundial). Para questionar a nova “onda” de investimentos que os prejudicam, líderes indígenas buscam

alicerces em sua mitologia e em sua língua para a sua resistência a esse tipo de progresso33: “ Nuestro

Buen Vivir [Sumaq Kawsay/ Sumaq Qamaña, que debe ser respetado] como alternativa legitima de bienestar en

equilibrio con la naturaleza y espiritualidad, está muy lejos, del IIRSA que nos quiere convertir en territorios de

tránsito de mercancías, de huecos mineros y ríos muertos de petróleo. Mais adiante, nomeiam seus inimigos:

“alertar nuestra preocupación sobre la actuación del gobierno brasileño, del Banco Nacional de Desarrollo Económico Social (BNDES) y las empresas transnacionales brasileñas (Odebrecht, Vale, Petrobrás, Andrade Gutierrez, Queiroz Galváo y otros) quienes han contribuido fuertemente para la implementación del IIRSA y

33 Coordinadora de Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazônica - COICA http://www.coica.org.ec

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sus daños ambientales y a los pueblos indígenas y comunidades locales en todo Sudamérica; y demandar una reunión con el Presidente del Brasil y el Presidente del BNDES, para que escuchen a nuestros pueblos, y una ocasión puede ser durante la Cumbre UE-CAN en mayo del 2008 en Lima.

E também apelam aos presidentes que chamam de “progressistas no continente” para não insistirem

com projetos que estão criando resistências e que apontam para prejuízos dos povos que residem nas

áreas de influência destas novas “infra-estruturas”. O que pedem é bem claro: Que Chávez da

Venezuela ajude a evitar o conflito das grandes empresas mineradoras com os índios Wayuu, Bari e

Yutpa na Serra de Perijá, Estado venezuelano de Zulia !... Que Morales da Bolívia evite a continuidade

dos desastres sociais e ambientais da Carretera “Bioceanica” (trecho de Santa Cruz a Puerto Suarez)

que inferniza os grupos Chiquitano! ... Que Lula assegure que índios no Brasil, na Bolívia e no Peru

(onde passam os rios formadores do Madeira) não serão afetadas pelas barragens em Rondônia!

Merece registro nesse contexto, a histórica iniciativa do Encontro dos Povos Indígenas em Altamira,

em 1989, para juntar forças contra os projetos de usinas no rio Xingu, no qual lideres indígenas da

América do Norte ajudaram a realizar, e alguns estiveram no evento, trazidos pela perseverança e pelo

“cacife” de chefes indígenas como Raoni, Payakan, Kube - I, Davi Kopenawa.

Dezoito anos depois, num pequeno evento na área rural de Rio Branco, Acre, uma nova aliança foi

desenhada, agora a propósito da expansão petrolífera nas terras dos rios Purus e Juruá, entre os índios

do Peru e do Equador, já atingidos pela expansão em suas terras e rios, e os índios do Acre.34

Também temos que destacar as profundas transformações de todos os indígenas diante dos brancos,

do comércio e do capital, das armas, da bebida, da prostituição; e também a alternância entre suas

conquistas e suas derrotas legislativas no campo do direito, principalmente sobre a posse da terra

ancestral, o uso de recursos, mas incluindo também propriedade artística e intelectual. Ainda restam os

problemas agudos dos índios considerados ainda “isolados” e dos que “fugiram“. No Brasil,

tardiamente em relação aos paises vizinhos, se avolumam suas auto-declarações como indígenas, se

multiplicam os grupos e entidades indigenistas, e também as formas de ação política dos índios.

Contrapondo-se a este fortalecimento cultural e político, aumentam também as situações de utilização

de índios e suas aldeias como vitrines, ponto de interesse turístico.

Enfim, para interromper esse ensaio: Os problemas da expansão capitalista da indústria pesada têm

sim, existência ambiental, territorial, mas essa existência é intrínseca da expansão. São problemas bem

graves, pela sua dimensão material, humana e pela sua conexão ontológica, quase religiosa, com a

34 Foi o Encontro na Floresta para uma Amazônia Sustentável Rio Branco, Acre, 10 a 14 de agosto de 2007, organizado pela Comissão Pro- Índio do Acre, no Centro de Formação dos Povos da Floresta.

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civilização humana, a qual sempre se perguntou: como viverão nossos descendentes? - como será após

o nosso tempo? Mas, pela primeira vez nos colocamos diante da finitude biológica planetária: - haverá

ou não vida no futuro? haverá futuro? onde?

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