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PROBLEMÁTICA HABITACIONAL NAS CAMADAS DE BAIXA RENDA NO BRASIL Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Gestão Pública, no curso de Pós-Graduação em Gestão Pública do Instituto A Vez do Mestre. RIO DE JANEIRO 2010

PROBLEMÁTICA HABITACIONAL NAS CAMADAS DE ...Via de regra, à vista da fragilidade estrutural do poder aquisitivo da população de baixa renda, estas fórmulas podem estar fadadas

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PROBLEMÁTICA HABITACIONAL NAS CAMADAS DE BAIXA RENDA NO BRASIL

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Gestão Pública, no curso de Pós-Graduação em Gestão Pública do Instituto A Vez do Mestre.

RIO DE JANEIRO 2010

ii

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 1

2 A CRISE DA HABITAÇÃO NO BRASIL ........................................................ 3

2.1 O PROBLEMA HABITACIONAL DAS POPULAÇÕES DE BAIXA RENDA.... 3

2.2 O SOLO URBANO ......................................................................................... 5

2.3 A RENDA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA .................................................... 6

2.4 O VALOR DO SOLO URBANO EM OPOSIÇÃO À BAIXA RENDA .............. 7

3 EVOLUÇÃO DA POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA ....................... 11

3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS ................................................................. 11

3.2 A POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA E A INSTITUIÇÃO DO

SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH) ......................................... 23

3.3 A POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL APÓS A EXTINÇÃO DO BNH .. 30

4 CONCLUSÃO ............................................................................................... 33

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 36

iii

RESUMO

O problema da falta de habitação para as populações mais carentes no Brasil

geralmente foi tratado como sendo apenas um déficit habitacional. Historicamente

não foi considerado um problema social complexo; as medidas adotadas, na maioria

das vezes, foram para a obtenção imediata de resultados positivos, ainda que os

reais prejuízos fossem apenas postergados. Muitos governantes utilizaram desta

carência como suporte para campanhas políticas, propondo à população soluções

distantes de serem cumpridas. A resposta da população foi muitas vezes traduzida

em movimentos sociais e na organização de associações que possibilitassem a

busca de soluções mais concretas. A solução deve ser pautada numa análise

cautelosa e profunda sobre o alto valor dado ao solo por uma minoria privilegiada,

econômica e financeiramente, pela exploração da força de trabalho das populações

carentes, pelos baixos salários recebidos por eles ou total ausência de possibilidade

de se obter uma renda, qualquer que seja e na necessidade de investimentos

financeiros por parte da União, Estados e Municípios sem a obrigatoriedade de

retorno e também o fornecimento de mão de obra especializada sem custo elevado,

atendendo as necessidades específicas e aproveitando os recursos característicos

de cada região.

1

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, como em todas as sociedades capitalistas, a questão habitacional

é vista apenas pelo seu prisma comercial, não considerando o alto valor do solo em

oposição à baixa renda da população como raiz do gravíssimo problema

habitacional que há muito atormenta a população brasileira, longe de ser totalmente

solucionado pelos governos.

Fugindo da raiz do problema, as autoridades governamentais tentam produzir

fórmulas, muitas vezes simplistas, para contornar dificuldades imediatas, a curto

prazo, equiparando uma política habitacional a um mero modelo de financiamento.

Via de regra, à vista da fragilidade estrutural do poder aquisitivo da população de

baixa renda, estas fórmulas podem estar fadadas ao insucesso.

E no caso brasileiro, com efeito, a política habitacional tem se preocupado

mais com o “financiamento de bens habitacionais” – peças isoladas do contexto

maior em que está inserto o problema habitacional, concebidas sem qualquer

planejamento econômico de longo prazo - sem contemplar questões básicas, como

emprego e renda.

O imediatismo dos governos não dispensam às políticas habitacionais

qualquer preocupação com relação ao futuro, desconsiderando a deficiência das

políticas fundiárias e a tendência ao arrocho salarial, característica dos modelos

capitalistas, que progressivamente reduz a capacidade de pagamento das pessoas,

comprometendo os saques sobre as rendas futuras em que se baseiam referidas

fórmulas simplistas produzidas pelos governos.

Nossos governantes não se preocupam suficientemente com a preservação e

ampliação do poder aquisitivo dos salários, e as pessoas que, na expectativa de

adquirirem suas casas próprias, se beneficiam com a obtenção de créditos de longo

prazo, comprometendo suas incertas rendas futuras, não tardam a perder suas

condições financeiras originais, levando à falência o modelo de financiamento ao

qual se resume, atualmente, a política habitacional brasileira.

Urge, portanto, a conscientização, por parte de todos os envolvidos, de que,

enquanto a questão habitacional continuar a ser tratada como uma mera questão

mercantil, o problema de moradia persistirá, denegrindo governos e, principalmente,

desrespeitando a dignidade a que todas as pessoas têm direito, merecidamente.

2

E o objetivo precípuo do presente trabalho é trazer, para reflexão, as

deficiências que caracterizam a política habitacional brasileira, representadas pela

insuficiência e pela precariedade, deficiências estas que fazem com que a política

habitacional adotada no Brasil seja considerada na sua vinculação com o

desenvolvimento do capitalismo no país, situada em diferentes momentos

conjunturais, com especial destaque na sua face autoritária, no seu caráter

privativista assumido principalmente após 1964, na sua falência, que culminou com

a extinção do Banco Nacional da Habitação, dedicando ainda uma atenção ao

descaso com que, em algumas vezes, as autoridades governamentais tem tratado o

problema da habitação popular no país.

A efetivação dos direitos sociais relativos à habitação, à moradia, bem como

o acesso aos benefícios correspondentes, carece de mais atenção por parte do

Estado, eis que relegada a planos bastante inferiores, com vistas a uma existência

de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, da qual a camada mais

simples da população, e de menos condições de fazer valer seus direitos, está

totalmente à margem, não obstante o fato de tais direitos lhes serem garantidos

constitucionalmente. A situação deficitária em que se encontra o atual sistema

habitacional brasileiro somente tem acrescentado ingredientes ao quadro de miséria

e exclusão social que vivenciamos em nossa sociedade.

Compete ao Estado a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e

para tanto há que se fazer justiça, há que se combater a pobreza e a

marginalização. E nós, enquanto sociedade organizada, no que respeita à solução

do problema posto sob análise, temos não apenas o direito, mas acima de tudo o

dever de exercer sobre o Estado uma cobrança mais efetiva, exigindo a adoção de

medidas que venham solucionar a crise habitacional que se instalou no país.

3

2 A CRISE DA HABITAÇÃO NO BRASIL

2.1 O PROBLEMA HABITACIONAL DAS POPULAÇÕES DE BAIXA RENDA

O problema da habitação para as populações de baixa renda, a dificuldade

de acesso das classes populares a uma moradia, é típico e inerente ao sistema de

produção capitalista, percebido como manifestação de desigualdade por ele

implantada, enquanto sistema de produção.

Na medida em que o capitalismo cria, como condição necessária à sua

expansão, a existência de uma classe que não tenha outra coisa para vender a não

ser sua força de trabalho, ou seja, numa sociedade na qual a grande massa

trabalhadora não pode contar senão com um salário que lhe garante apenas e tão

somente os meios necessários para sua sobrevivência, a crise habitacional é

considerada um produto necessário.

Historicamente, a única proposta que tem sido apresentada como solução

para tal problemática, é a de transformar o operário em proprietário de sua moradia,

o que revela um sustentáculo do sistema capitalista, qual seja, o culto pela

propriedade. Todavia, a não apresentação concomitante de propostas que, no

mínimo, amenizem a exploração a que o trabalhador é submetido, ao tentar atingir o

seu objetivo – possuir uma moradia, inviabiliza totalmente a condição concreta para

solucionar a crise habitacional relacionada às populações carentes, haja vista que a

moradia é uma mercadoria de custo bastante elevado. Tal contradição impossibilita

que o problema seja resolvido pela lei da oferta e da procura, eis que a procura, por

parte da população carente, não chega sequer a se manifestar a nível de mercado.

A problemática da moradia nas sociedades capitalistas é estudada por

Engels, um dos teóricos clássicos do marxismo. Segundo ele, o Estado, enquanto

no exercício de sua função de acumulação de capitais, não quer e não pode

resolver o problema habitacional para a classe operária, pois os recursos

arrecadados da própria população são empregados para criar a infra-estrutura

necessária ao processo de acumulação, ficando não apenas o consumo, mas até

mesmo as medidas de produção e de reprodução da força de trabalho em segundo

plano, em razão da abundância da oferta de mão-de-obra barata no mercado. Para

Engels “o Estado se preocupará, no máximo, em conseguir que as medidas usuais,

que representam um paliativo superficial, sejam aplicadas em toda parte de maneira

4

uniforme” 1, criando sempre novos problemas, reproduzindo a desigualdade social e

as condições precárias existentes.

Partindo de tais premissas, não é difícil constatar que o problema habitacional

brasileiro é falsamente formulado, e transformado em mero déficit habitacional,

porque se pauta nos interesses do poder e na ideologia dominante. Na medida em

que a crise da moradia não é puramente conjuntural, mas representa uma

defasagem funcional de caráter estrutural, a habitação popular foi transformada num

falso problema, inobstante o fato de ser a moradia um componente essencial na

produção e reprodução da força de trabalho.

Para tanto, o acesso das populações de baixa renda à habitação, no Brasil,

deve ser analisado sob o enfoque de três aspectos importantes:

a) o primeiro deles é que o problema habitacional, nas cidades, está

diretamente ligado com a questão fundiária urbana. A excessiva

valorização dos terrenos e o crescimento desordenado produzem

desequilíbrio na estrutura interna das cidades, submetendo as classes

populares a uma segregação social cada dia maior;

b) o segundo aspecto a ser considerado é que a habitação, enquanto

componente do consumo social médio que contribui para a fixação do

valor da força do trabalho, ocupa um lugar importante no ciclo de

reprodução do capital. Como o processo de acumulação vem sendo feito,

historicamente, a partir da exploração do trabalhador, o custo da

habitação não é computado no custo da reprodução da força do trabalho;

c) o terceiro e mais importante aspecto a ser considerado para uma análise

realista acerca da crise habitacional brasileira, é o fato de que os recursos

não têm sido suficientes para que os investimentos estatais em bens de

consumo coletivo acompanhem o ritmo crescente das cidades, porque o

Estado opta por privilegiar os investimentos voltados para criação da infra-

estrutura necessária para o desenvolvimento industrial, relegando a

habitação popular a planos inferiores, não tendo tal questão, no país, o

merecido e sério tratamento que lhe é devido.

1 ENGELS, Friedrich. Contribuição ao problema da habitação. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich.

5

As autoridades governamentais têm procurado ignorar que o problema

habitacional, principalmente a habitação popular, não representa mero desequilíbrio

entre uma oferta que se retrai ante uma população consumidora ampla, mas se trata

de um problema complexo, que apresenta implicações econômicas, sociais, e

políticas, que expressa a dinâmica do processo de desenvolvimento capitalista no

país.

Portanto, a pouca atenção que vem sendo dada à moradia popular nesse

país, só pode ser entendida num contexto de exploração da força de trabalho.

A questão habitacional brasileira, determinada pelas condições estruturais ora

consideradas, tem sido posta na sociedade pelas manifestações e reivindicações

das classes populares, com destaque para os movimentos de cortiços, de favelas,

de moradores em loteamentos clandestinos e, mais recentemente, de movimentos

de ocupação coletiva organizada.

E a resposta dada pelo Estado a essa questão, em forma de política, tem

sido condicionada pelos momentos conjunturais, e apesar das pressões populares,

a privatização desta política tem contribuído fortemente para a dilapidação da força

de trabalho, provocando os mais profundos conflitos urbanos.

As populações de baixa renda colocam a questão habitacional ao Estado, e a

resposta deste tem sido insuficiente, excludente e pautada, predominantemente,

pela lógica da privatização, que busca a lucratividade. Outra alternativa não resta às

classes populares, atualmente, que não a de buscar suas próprias soluções, as

quais, dadas as condições de exploração a que são submetidas, são também

insuficientes e, sobretudo, precárias, o que faz com que a crise habitacional seja

considerada uma das mais sérias a ser enfrentada.

2.2 O SOLO URBANO

Nos países capitalistas, a terra, vale dizer, o solo, tanto o urbano quanto o

rural, integra as mercadorias do modo de produção capitalista, sendo considerada

como um bem de capital; é assim, também aqui no Brasil.

Sendo a terra um bem permanente, que nunca se desgasta, o fato das

edificações e dos frutos produzidos sobre esta terra propiciarem oportunidades de

Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982. v. 2, p. 157.

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acumulação de riquezas, significa que esta está sendo desvirtuada de seu fim

específico. O solo, urbano ou rural, por ser um bem natural, não pode ser

reproduzido, nem criado pelo trabalho, portanto, a terra, por si só, não é produto do

trabalho. Mesmo trabalhada, a terra não desaparece, e continua sempre sendo

terra.

Assim, não sendo produto do trabalho, não podendo ser reproduzida, não se

consumindo, e tendo seu preço constantemente elevado, a terra é uma mercadoria

“sui generis” – um bem da natureza que só pode ser adquirido por quem tem

capacidade de pagar. É uma mercadoria que é vendida no mercado, e que tem um

preço que independe de sua produção, portanto, uma mercadoria sem valor, no

sentido de que seu preço é definido pelo estatuto jurídico da propriedade da terra,

pela capacidade de pagar dos seus possíveis compradores, representados por uma

minoria da população.

Para produzir renda sem trabalho, o ter e o usar a terra nunca estão juntos,

como seria natural; pauta-se nas regras de valorização do jogo capitalista, que se

fundamenta na propriedade privada.

Trata-se, portanto, de uma falsa mercadoria e de um falso capital que se

valoriza pela monopolização do acesso a um bem necessário à sobrevivência de

toda a coletividade, porém tornado escasso e caro pela apropriação indevida por

parte de uma minoria privilegiada.

2.3 A RENDA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

A divisão de renda no Brasil é extremamente desigual, segundo Helio

Jaguaribe esta desigualdade confere ao Brasil, o título de país mais desigual do

mundo 2.

Verifica-se que apesar do PIB por habitante, nos últimos anos, ter aumentado

consideravelmente no Brasil, o poder aquisitivo do salário mínimo não acompanhou

este movimento, muito pelo contrário, constata-se uma queda crescente deste

poder, a despeito do crescimento da economia brasileira.

2 JAGUARIBE, Hélio. et al. Brasil, 2000. Para um novo pacto social. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1986 apud SACHS, Céline. São Paulo: políticas públicas e habitação popular. Tradução de: Cristina Murachco. São Paulo: Edusp, 1999. p. 40.

7

Comprovando que enquanto uma parcela diminuta de trabalhadores é

remunerada com valores muito superiores ao salário mínimo, a grande maioria dos

trabalhadores é sub-remunerada, com salários muito modestos em relação à renda

média per capita. Segundo Helio Jaguaribe, perto de dois terços dos trabalhadores

brasileiros continuam a viver abaixo do patamar de pobreza; que ele fixa em dois

salários mínimos 3.

O salário-mínimo atual, ainda que tido como um direito do trabalhador, é

totalmente insuficiente para cumprir o papel determinado pela Constituição Federal,

em seu Art. 7º, inciso IV – “ salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado,

capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com

moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e

previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo,

sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.”4

Deve-se, ainda, considerar o alto número de trabalhadores desempregados,

que não possuem renda alguma, e que o mercado de trabalho não consegue

absorver, muitas vezes por ausência de qualificação profissional, mas muitas vezes

causados pelas crises econômicas. E também, o alto número de trabalhadores que

vivem de trabalhos ocasionais e na informalidade, que possuem uma renda, mas

sem garantia de manutenção.

2.4 O VALOR DO SOLO URBANO EM OPOSIÇÃO À BAIXA RENDA

Partindo da concepção do sistema de produção capitalista, que ao longo de

sua história gera um contexto urbano, no qual se desenvolve a questão habitacional

inerente às condições engendradas pelo capitalismo e pelo urbano, procura-se

entender as causas estruturais da crise habitacional brasileira.

O fenômeno urbano, gerado pelas necessidades de reprodução do capital, e

a problemática habitacional que dele decorre, se constituem em espaço de luta de

classes. Os movimentos sociais se estruturam como instância representativa das

classes menos favorecidas, e o Estado como instância contraditória, na medida em

3 JAGUARIBE, Hélio. et al. Brasil, 2000. Para um novo pacto social. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1986 apud SACHS, Céline. São Paulo: políticas públicas e habitação popular. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Edusp, 1999. p. 43.

4 BRASIL.Constituição Federal (1988). Coletânea de legislação administrativa. Organizadora Odete Medauar. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2003. p. 29.

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que é obrigado a se adaptar aos diversos movimentos conjunturais, inobstante sua

função de mantenedor da estrutura social do país.

Nas sociedades capitalistas, ao mesmo tempo em que a terra é condição

para a produção do capital, é também condição de vida para a força de trabalho,

sendo que a sobrevivência do capitalismo depende da dominação do capital sobre o

trabalho. Nessas sociedades, a terra também passa a ter um preço, eis que se

fundamenta no valor e na produção de mercadoria.

Nesse contexto, a terra passa a ser considerada como capital e, portanto, é

adquirida como investimento gerador de renda, assumindo “status” de meio de

produção, muito embora se constitua, na realidade, em fator de produção.

Ao assumir o “status” de capital, é estabelecida toda uma rede de relações

que contribui para que o solo se concentre nas mãos de grandes empresas

oligopolistas, tanto no meio urbano, quanto no rural. Ademais, a terra extrai valor do

trabalho alheio, fazendo com que toda a sociedade contribua para sua valorização

e, nesse sentido, a valorização do solo é fruto do trabalho social, apesar de sua

apropriação se dar de modo privado. O preço do solo, nesse contexto, tem impacto

determinante na forma como se verifica o crescimento e a transformação das

cidades, em cuja dinâmica o Estado exerce papel relevante e o solo urbano assume

um caráter estratificador.

É inegável, portanto, que a produção do espaço urbano ocorre a partir de

vários fatores, dentre os quais destaca-se a incorporação de glebas rurais, utilizadas

para fins agrícolas, que são incorporadas ao espaço produtivo da cidade. Por sua

vez, a expansão da urbanização é condicionada pela expansão do capital sobre as

terras em geral, mais especificamente na agricultura.

A considerável expansão da urbanização que vem ocorrendo no Brasil a partir

da década de 50, é oriunda da significativa influência da ocupação de áreas

agrícolas pelo capital monopolista, através de um modelo de grande propriedade

para produção extensiva, de forma que a introdução do capitalismo também no

campo, separando o pequeno agricultor de seu meio de produção, aumenta a

proletarização, ocasionando grandes fluxos migratórios em direção às cidades.

Não bastasse isso, cada tipo de atividade, para se estabelecer num espaço

determinado, apresenta necessidades diversificadas, específicas, motivo pelo qual a

crescente socialização do sistema de produção capitalista requer espaços cada vez

maiores para a implantação da infra-estrutura necessária, como água, esgoto,

9

energia elétrica, sistema viário para acesso de matéria-prima e escoamento da

produção, dentre outros. Além disso, há também uma exigência no sentido de que

se instalem, nas proximidades das grandes montadoras, por exemplo, outras

empresas subsidiárias ou de fabricação de componentes para sua tarefa de

montagem.

E assim é que são estabelecidas as regras para a configuração do espaço

físico e social, e também para o acesso ao solo, definindo, de conseqüência, o seu

preço, sendo inevitável a expulsão da população mais pobre para áreas mais

distantes, em razão de seus preços mais baixos, áreas estas que, via de regra, não

possuem quaisquer atendimentos de serviços públicos básicos, e quando possuem,

são por demais precários.

As possibilidades de habitação para as populações de baixa renda são cada

vez mais limitadas pelo aumento do preço do solo urbano, na medida em que os

solos de habitação são repartidos desigualmente entre as diversas classes sociais,

reproduzindo a concentração de renda, além das classes sociais privilegiadas os

deixarem ociosos como estoque a ser valorizado. Daí o caráter anti-social de sua

apropriação.

Importante ressaltarmos, aqui, que a especulação imobiliária é alimentada

pelos baixos impostos que o Estado cobra sobre as propriedades não utilizadas e

pela não taxação das contribuições de melhorias produzidas pelos serviços públicos

aos terrenos. O atual sistema econômico brasileiro, marcado pela alta concentração

de renda e de riqueza, e por intensa monopolização, é que possibilita o

estabelecimento da política urbana, favorecendo a inversão de excedente

econômico em terra urbana ou urbanizáveis, como forma vantajosa de ganhos, além

da débil regulamentação dos padrões de uso do solo urbano e da valorização de

terrenos vazios, proporcionada pelos investimentos e obras públicas.

Tais circunstâncias nos levam à conclusão de que a segregação social, ao

garantir os padrões de expansão urbana requeridos pelo capital, ao possibilitar a

extração de renda da terra urbana, e ao permitir a reprodução da força de trabalho a

custos baixos, é funcional ao atual sistema capitalista brasileiro, vinculando a

questão da terra urbana à dinâmica do processo urbano espoliativo, com a

apropriação desigual e excludente, tanto da terra urbana, quanto dos serviços

públicos de infra-estrutura.

10

Isso ocorre na medida em que uma família, ao se localizar em determinada

área, se articula com todo o resto da cidade, tendo ou não acesso aos benefícios

oferecidos, com maior ou menor possibilidade de usufruir das vantagens que a

cidade oferece. A localização da família no espaço urbano é que determina sua

inserção ou exclusão social, pois é a partir daí que é ou não possível ter acesso a

uma série de benefícios urbanos, tais como água, luz, esgoto, serviço de saúde,

educação, cultura, lazer, dentre outros. Só assim é que se concebe uma habitação –

não apenas como mero abrigo – quando ela é capaz de representar a porta de

entrada dos serviços urbanos.

Assim, nas economias capitalistas, o solo urbano deixa de ser uma utilidade

para se transformar num investimento, capaz de garantir rentabilidade muitas vezes

superior à que ocorre no setor produtivo, resultando na periferização das grandes

metrópoles, que passam a se caracterizar pela baixa densidade da ocupação do

solo, aumento das distâncias, ineficiência dos transportes coletivos, elevação dos

custos sociais e privados da urbanização e comprometimento irreversível da

administração pública, obrigando o trabalhador a se submeter à superexploração e à

verdadeira espoliação urbana, transformando a periferia das grandes cidades

brasileiras em verdadeiros amontoados caóticos de favelas, cortiços e outros

assentamentos considerados sub-normais.

11

3 EVOLUÇÃO DA POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA

3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

No Brasil, os primeiros sinais de problemas com moradia tiveram início ainda

durante o período da escravidão. Nesta época, entretanto, a preocupação era dos

fazendeiros com relação às senzalas, moradia de mais da metade da população,

não com o intuito, porém, de acomodar os escravos em condições humanas, mas

apenas de impedir a fuga dos mesmos.

Em 1855, registram-se as primeiras ações, muito tímidas, por parte dos

governantes, quando uma resolução da Câmara “recomenda que os fazendeiros

tomem medidas de higiene indispensáveis nas condições atuais das fazendas,

onde, por via de regra, a alimentação dos escravos é má, e as senzalas imundas,

com muita gente amontoada em espaços exíguos.” 5, mais uma vez, porém as

medidas iniciais são tomadas, não com o pensamento voltado para o bem estar dos

escravos, e sim com a preocupação de possíveis focos de transmissão de

doenças.

Na sequência, pouco depois da abolição da escravatura e nos primeiros anos

da República, com a expansão econômica e consequentemente crescimento de

atividades comerciais e industriais, novos tipos de habitações coletivas, verdadeiras

senzalas urbanas, começam a surgir nos centros urbanos mais populosos, para

abrigar os negros libertos, os imigrantes estrangeiros e do êxodo rural: os grandes

cortiços e as moradias precárias nas periferias das cidades. Pode-se dizer que foi

neste período, efetivamente, que o problema habitacional para a população de baixa

renda teve início em nosso país.

Durante o período de predominância do cortiço como unidade principal de

habitação das classes populares, a população das cidades continuava a crescer, o

que levou a um rápido crescimento, também, do número de construções na cidade,

tendo como conseqüência o agravamento das condições sanitárias.

Diante do novo padrão de desenvolvimento econômico que se esboçava e do

crescimento rápido da população, estava claro que o cortiço passaria a representar

um perigo para a saúde pública, quer pelas condições de insalubridade que

12

apresentava, quer por apresentar uma imagem contrastante com a fábrica,

enquanto unidade produtiva que se firmava. Dessa forma, não era compatível com o

novo modelo econômico que necessitava desobstruir a área central da cidade para

a circulação do capital e localização da classe dominante que emergia, forçando a

adoção de uma política de segregação dos setores populares.

Com esta expansão, o aumento do déficit habitacional foi inevitável, exigindo

respostas mais concretas por parte das autoridades governamentais. Nesse

contexto, houve a primeira intervenção do governo no município de São Paulo ,

quando o Estado, pressionado pelas classes dominantes, passou a se preocupar

com as condições de habitação dos trabalhadores.

A construção de cortiços foi terminantemente proibida, e a municipalidade

ficou responsável pelo desaparecimento dos existentes, além de ter sido

determinado que as vilas operárias deveriam se estabelecer fora da aglomeração

urbana.

Nesse período, o interesse pela construção de vilas operárias, como solução

para a escassez de moradias urbanas, tomou amplitude considerável, inclusive com

a criação de incentivos pelo Governo Republicano, que compreendeu a necessidade

de intervir tanto para a expansão, quanto para a regulamentação dessa nova

modalidade de habitação urbana, que iria acomodar, também, os trabalhadores

mais qualificados.

Para tanto, foram baixados decretos regulamentando a administração política

das habitações destinadas a operários e classes pobres, mediante concessões a

empresas construtoras, cuja exigência maior era com as condições de higiene das

casas construídas, preocupação essa justificada pelo empenho das autoridades no

controle das endemias que assolavam, à época, os principais centros urbanos. As

empresas construtoras beneficiadas com a concessão para construção das vilas

operárias obrigavam-se a demolir os cortiços, previamente designados pelo

Governo, na mesma proporção das moradias construídas.

Todavia, inobstante a aparência confortável das vilas operárias, regras muito

rígidas eram impostas aos moradores, e pelo menos no início, caracterizavam

instrumento coercitivo, mediante o qual os empregadores obtinham de seus

5 STEIN, Stanley Julian. Grandeza e decadência do café. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1961. p. 193.

13

empregados uma submissão quase completa; é importante salientar que estas

novas construções não eram vendidas e sim alugadas aos novos moradores.

O início do século XX caracterizou-se pela adoção de amplas medidas

sanitárias de controle às endemias, e também pela realização de obras públicas. Em

1903, teve início a remodelação urbanística da capital federal, com abertura de

avenidas, implantação de rede de abastecimento de água e de coleta de esgotos,

com a construção de diversos canais para saneamento, de um moderno porto, e de

grande quantidade de vias no centro da cidade, o que também exigiu a demolição

de muitas moradias, entre cortiços e estalagens.

O período de 1900 a 1918 caracterizou-se, também, por uma seqüência de

crises econômicas e políticas. À medida que o processo de industrialização e

urbanização prosseguia, sem a adoção das necessárias medidas de natureza

social, a tensão aumentava, dando lugar a uma série de greves operárias, com

início em 1917 e término em 1920.

A ação austera e inflexível no governo, com a demolição, principalmente no

Rio de Janeiro, dos velhos pardieiros do centro para a abertura de avenidas, sem a

construção de novas moradias e sem o pagamento de qualquer indenização,

provocou novo surto de mal estar, e levou a população desalojada a buscar refúgio

na periferia urbana e a galgar os morros, então quase desertos, para plantar seus

barracos, surgindo assim as primeiras favelas.

Tal situação, agravada pela alta do custo de vida, em razão dos aluguéis no

centro da cidade tornarem-se cada vez mais caros, fez com que a Prefeitura

Municipal do Rio de Janeiro empreendesse sua primeira ação concreta no campo da

habitação popular, com a construção de cento e vinte mil unidades habitacionais

destinadas a operários.

Em 1923, é criada para cada Estrada de Ferro do país, uma Caixa de

Aposentadoria e Pensão, destinada aos funcionários destas, consideradas como

início do seguro social no país, e que mais tarde, assumirão grande

responsabilidade no campo de habitação popular.

Os padrões habitacionais também passaram a ser definidos a partir daí, pela

lógica norteadora do crescente intervencionismo do Estado na economia,

destacando-se, após 1930, a regulamentação das condições e relações de trabalho,

onde se inclui a fixação do salário mínimo.

14

Entre 1931 e 1933, nova orientação foi dada à política de seguro social,

criando-se organizações de âmbito nacional, os “Institutos de Aposentadoria e

Pensões – IAPs”. Estas instituições, primeiramente as Caixas, seguidas pelos

Institutos, foram autorizadas a aplicar parte de seus recursos na construção de

moradias para seus segurados.

O item habitação que absorvia parte dos salários dos trabalhadores com

aluguel, mas que até então compunha o seu valor, foi sendo eliminado

progressivamente, contribuindo para o rebaixamento do salário dos mesmos,

passando eles mesmos a serem os únicos responsáveis por resolver seus

problemas de moradia. Com o rebaixamento dos salários, as soluções encontradas

pelas populações carentes, foram o binômio loteamento-autoconstrução e as

favelas.

O problema da habitação é apontado como um problema de competência

nacional, apenas no início do século, em trabalhos de Everardo Backheuser, um

engenheiro da administração do presidente Rodriges Alves 6. Nota-se porém, que o

tratamento dispensado aos problemas relacionados com a moradia continuou a ser

casuístico e repressivo, tanto que foi editado, em 1937, o Código de Obras do Rio

de Janeiro, representando uma tentativa de limitar a expansão e melhoria da favela,

a qual constituía a única alternativa de habitação para as classes trabalhadoras.

Contradição inegável, ímpar, por parte do Estado. Ao mesmo tempo em que a

existência das favelas era reconhecida, o referido Código de Obras, determinava a

eliminação e substituição dessas favelas. Proibindo a construção de novos barracos

e também a melhoria dos já existentes e substituindo por núcleos de habitações do

tipo mínimo, estabelecendo critérios para a construção de habitações populares ou

habitações periféricas, a serem vendidas para pessoas reconhecidamente pobres.

As favelas, então, passaram a ser vistas como mero problema habitacional e como

doença social que precisava ser extirpada, repetindo-se exatamente o que anos

antes acontecera com os cortiços.

Ainda em 1937, devido ao baixo resultado apresentado pelas Caixas e IAPs,

foram criadas as Carteiras Prediais, vinculadas ao sistema de previdência. Assim, o

Estado assumiu a responsabilidade pela oferta de habitações a segmentos da

6 LEEDS, Anthony; LEEDS, Elizabeth. A sociologia do Brasil urbano. Rio de Janeiro: Zahar,

1978. p. 189.

15

população urbana, a qual, todavia, era restrita aos associados dos institutos da

previdência. A nova política voltou-se para o atendimento da mão-de-obra produtiva,

especialmente dos trabalhadores das indústrias e dos transportes, deixando em

segundo plano a população marginalizada que já intensificava a ocupação dos

morros cariocas, dos alagados baianos e recifenses, e outras formas de

aglomerações espontâneas pelos principais centros do país, pautando-se por uma

atuação que em nada divergia das anteriores, eis que fragmentária e pouco

relevante quantitativamente.

Pode-se depreender, do que até então foi apresentado, que até 1937, a

intervenção do Estado no setor habitacional se deu de forma indireta, com a adoção

de medidas legais de cunho sanitarista, eis que a preocupação girava apenas em

torno das condições higiênicas da cidade, onde até então os trabalhadores

conviviam, na maioria dos casos, geograficamente próximos das classes

dominantes emergentes que pressionavam pelo saneamento da cidade.

Assim, a intervenção direta do Estado no setor habitacional, ocorrida em

1937, com a criação das Carteiras Prediais, deve ser compreendida no contexto do

desenvolvimento econômico e político da época, quando as condições habitacionais

do meio urbano se agravavam de maneira vertiginosa, como decorrência do impacto

das crescentes taxas de urbanização, causadas pelo redirecionamento econômico

do setor agrário para o industrial.

O período seguinte, aqui considerado o compreendido entre os anos de 1937

e 1945, quando a favela passou a ser tratada como um problema em si mesmo,

como um mal que deveria ser eliminado e evitado a qualquer custo, caracterizou-se

pelo registro das primeiras informações mais consistentes sobre as áreas de

atuação do Estado.

No plano federal, ajustes na ação dos IAPs, os quais revelaram acentuada

preocupação com a qualidade de vida dos novos conjuntos, convocando os mais

destacados arquitetos que vinham se afirmando na implantação dos conceitos

modernos de arquitetura no país.

E nas esferas Estaduais, pode-se citar o Rio de Janeiro , onde foram criados

os “Parques Proletários”, cristalizando o tratamento puramente repressivo que era

dado às favelas. Mas esses parques, ao invés de cumprirem a finalidade para a qual

foram criados, qual seja, servir de abrigo provisório para famílias faveladas

desabrigadas, não passaram de casas coletivas de madeira, que serviram apenas

16

de suporte para remoções compulsórias e tornaram-se, para muitos, a única

possibilidade de uma habitação permanente.

A nova orientação construtiva adotada pelos IAPs no curso dos anos

quarenta, era construir conjuntos habitacionais, em vez de casas individuais. Tal

orientação justificou-se pela necessidade de aplicar as reservas financeiras dos

institutos no seguro social brasileiro, considerando-se que essas inversões

assegurariam uma renda média preestabelecida, pois teriam um custo menor, e

atenderiam um maior número de famílias.

Um dos motivos para justificar a política habitacional a que os IAPs aderiram

foi a crença nas virtudes regeneradoras da “habitação condigna”, qual seja: “nunca

será demais encarecer a influência benéfica da boa residência na moral e nos

costumes dos cidadãos. Facilitar a moradia em casas condignas é ainda um dos

mais acertados processos de concorrer para a melhoria do nível geral de civilização

de um povo e para obtenção de um ambiente de tranqüilidade social” 7.

Todavia, em virtude das conseqüências determinadas pelas crescentes altas

dos custos de construção e do processo inflacionário em geral que corroía os

salários dos trabalhadores, concluiu-se, anos mais tarde, que os projetos

governamentais desenvolvidos pelos institutos teriam de enfrentar graves

problemas.

A partir de meados da década de trinta, o processo inflacionário começou a

desestimular, também, a construção de casa para aluguel, e a especulação de

terrenos e imóveis urbanos começou a se dar num ritmo acelerado.

E com a instituição, em 1942, da Lei do Inquilinato, a qual estabeleceu

controle dos valores das locações residenciais (congelando, inclusive, os aluguéis),

o quadro habitacional no país agravou-se ainda mais. Referida lei representou uma

intervenção direta do governo para desestimular a casa de aluguel, na medida em

que estimulou a construção de casas para venda que, via de regra, não eram

acessíveis aos trabalhadores de baixa renda, de menor poder aquisitivo.

Essa intervenção do Estado deve ser compreendida num contexto mais

amplo, eis que se deu nos diversos setores da economia, fixando preços,

7 PEDRO, Alim. Seguro social: a indústria brasileira, o Instituto dos Industriários. IAPI, 1950

apud FINEP-GAP (Financiadora de Estudos e Projetos - Grupo de Arquitetura e Planejamento). Habitação popular: inventário da ação governamental. Rio de Janeiro, 1982, p. 55.

17

influenciando na distribuição dos ganhos e perdas entre os diversos segmentos da

classe capitalista, e na regulamentação das relações de trabalho.

A política adotada pelo Estado a partir de então foi no sentido de incentivar a

difusão da propriedade privada entre a classe média e os trabalhadores melhor

remunerados, deixando ao segmento carente da população o ônus de buscar

solução para sua moradia, o que só era obtido à custa de muito sacrifício e falta de

conforto impostos pela prática da autoconstrução e pela vida na favela.

Nesse período, a casa própria foi colocada como um horizonte de referência

para o trabalhador, como única alternativa de morar na cidade. E foi nesse contexto,

estimulado pela política populista de massa, que entrou em ação o fragmentário

programa habitacional, através da previdência social, de caráter quase que

simbólico.

No período que a este se seguiu, qual seja, de 1946 a 1950, correspondente

ao final do governo de Getúlio Vargas e ao início do governo do general Dutra, a

política populista que vinha sendo adotada sofreu uma descontinuidade. O novo

governo caracterizou-se por forte repressão e desmobilização do movimento

operário, com a adoção de uma política salarial de confisco, eis que não houve

elevação do salário mínimo, apesar da crescente inflação de preços, salvo em casos

isolados, por forte pressão dos operários.

Durante o governo do general Dutra, com a redução das relações do Estado

com a economia, aliada ao controle dos salários, o Estado assumiu uma posição

bem menos ativa frente à economia, o que beneficiou as empresas privadas

(nacionais e estrangeiras), confirmando uma política de estabilidade financeira e de

expansão do setor privado.

Diante de uma política de liberação da economia e de controle e repressão do

trabalhador e de seu salário, as medidas no setor habitacional foram marcadas por

uma profunda ambigüidade. Como ponto de partida, foi criada, em 1º de maio de

1946, a Fundação da Casa Popular (FCP), que representou o primeiro órgão em

âmbito nacional voltado para prover habitações às populações de baixa renda.

A casa própria, aspiração ideologicamente imposta pelas medidas anteriores,

é explicitamente utilizada, pela primeira vez, como meio de “angariar legitimidade e

18

alcançar penetração junto aos trabalhadores urbanos” 8, por um governo autoritário

vindo após uma administração populista. De acordo com as disposições contidas no

Decreto-lei nº 9218/1946, pelo qual foi criada a Fundação da Casa Popular, a ela

passaram a subordinar-se as operações imobiliárias e o financiamento das Carteiras

Prediais, dos Institutos, e das Caixas de Aposentadoria e Pensões.

Dessa forma, o governo procurou sistematizar as atividades até então

dispersas, de todos os órgãos que estavam intervindo no campo da habitação

destinada às populações de baixa renda. A Fundação da Casa Popular, quando de

sua criação, se propunha propiciar aos brasileiros ou estrangeiros com mais de dez

anos de residência no país ou com filhos brasileiros, a aquisição ou construção de

moradia própria, em zona urbana ou rural. Outrossim, destinava-se a financiar,

também, os estabelecimentos industriais que construíssem residências para os

respectivos trabalhadores (requisito este obrigatório apenas para os

estabelecimentos considerados “de vulto”).

Todavia, “durante toda sua trajetória (1946-1964), a atuação da Fundação da

Casa Popular orientou-se por uma ação limitada, pulverizada, além de pautar-se

pelo clientelismo na decisão de onde construir, e na seleção e classificação de

candidatos. Ao mesmo tempo que se apresentava tutora e paternal, mostrava-se

autoritária na administração dos conjuntos, chegando a interferir no comportamento

individual e social dos moradores”.9

No que respeita à política habitacional desenvolvida especificamente nas

favelas, durante o governo do general Dutra, foi consolidada a percepção das

mesmas como doença social que, acrescidas do peso político que apresentavam,

passaram a ser consideradas como ambiente propício de infiltração e disseminação

do comunismo.

À vista de tal consideração, foi instituída, ainda em 1946, uma comissão para

realizar estudo das causas da formação das favelas e suas condições na época. A

partir do estudo realizado, referida comissão, ao elaborar o devido relatório, o fez no

sentido de: propor a proibição de construção de novas casas nas favelas;

apresentar lista de pessoas que exploravam os residentes nas favelas (tanto pelo

aluguel de quartos ou casas, quanto pela cobrança de taxas extorsivas pelo uso da

8 AZEVEDO, Sérgio; ANDRADE, Luís Aureliano Gama. Habitação e poder: da Fundação da

Casa Popular ao Banco Nacional da Habitação. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. P. 20. 9 Ibid., p. 30.

19

eletricidade); propor maior celeridade na conclusão de projetos de urbanização em

terras da Prefeitura do Rio de Janeiro (para evitar a invasão e transformação das

mesmas em favelas); recomendar às instituições federais, precauções contra o

estabelecimento de favelas em suas terras; e recomendar reforço das medidas

legais já existentes. Com estas propostas, as favelas continuaram a ser

consideradas como simples objeto de controle e repressão por parte do Estado,

sem nenhuma preocupação quanto às causas da sua formação.

No Rio de Janeiro, a repressão nas favelas chegou ao seu ponto máximo em

1947, quando da criação de uma comissão para extingui-las, cujo plano consistia

em fazer os moradores retornarem ao seu Estado de origem e delas expulsar

famílias cujo salário excedesse a um mínimo estipulado. Tal plano, por óbvio, não

funcionou, mas serviu para escancarar a visão dos dirigentes públicos.

Durante o segundo período que o país foi governado por Getúlio Vargas

(1951-1954), as restrições estabelecidas pelo governo anterior em relação aos

sindicatos foram amenizadas, criando-se, assim, um clima político favorável para

que os favelados e trabalhadores articulassem seus interesses, e também

estimulando uma política de desenvolvimento econômico nacionalista.

Já no que se refere à política adotada com relação às favelas, a repressão

deu lugar a um controle paternalista, característico da postura populista. Na

discussão pública sobre as favelas surgiu a idéia da urbanização ‘in loco’, e estas

passaram a ser vistas como um problema nacional, a ser considerado sob o aspecto

social, econômico e legal.

Quanto à política de construção de moradia afeta aos IAPs, verificou-se, a

partir de 1950, uma queda na construção de conjuntos habitacionais em decorrência

da diminuição de recursos, devido ao crescimento da inflação, enquanto os valores

das prestações das casas continuavam fixos. Registrou-se também a intensificação

do clientelismo e do favoritismo na distribuição das moradias, utilizadas como

instrumento para esvaziamento de pressões sobre o Estado.

Também a partir de 1950, o modelo utilizado para implementar a política

habitacional fragmentária e clientelista do país entra em colapso, em razão do

aumento da inflação e do retorno dos financiamentos em parcelas fixas. Com isso,

ficou evidente que os governos populistas deram pouca prioridade à questão

habitacional, o que foi possível porque a demanda dos trabalhadores, na época, era

sobretudo econômica, girando em torno de melhores salários, sendo que a

20

demanda de necessidades de consumo se intensificou a partir de 1956, vindo a se

consolidar a partir de 1964.

Em termos de intervenção nas favelas do Rio de Janeiro, mereceu destaque

uma entidade criada por Dom Hélder Câmara em 1955, denominada “Cruzada São

Sebastião”. Com uma proposta de urbanização de favelas, até 1960 já tinha

canalizado recursos para a melhoria de 12 favelas, urbanizado outras, sendo

responsável, ainda, pela única experiência de transferência de populações

residentes em favelas para áreas próximas. Ao mesmo tempo, a Prefeitura do

Distrito Federal criou um órgão para competir com a ação desenvolvida pela

Cruzada São Sebastião, mas somente a partir de 1960 é que começou a aumentar

o interesse pelas favelas.

No período de 1956 a 1960, durante o governo de Juscelino Kubitschek, o

domínio da política social mais relegado a segundo plano foi o da habitação

popular10. Adotou-se como diretriz a recomendação de que os órgãos

previdenciários complementassem a ação da Fundação da Casa Popular, que se

destinava a construir moradia para pessoas carentes, independente de serem ou

não beneficiárias de quaisquer desses órgãos. Mas o que se constatou, na prática,

foi um agravamento das condições habitacionais das massas populares, num

período em que se acentuava um processo crescente de urbanização. Esse período

foi considerado áureo no desenvolvimento econômico nacional quando, encerrada a

primeira fase da Revolução Industrial no Brasil, partiu-se para a internacionalização

da economia, marcando a entrada do capitalismo monopolista, onde passou a se

dar ênfase à implantação de uma indústria pesada, com destaque para a

automobilística.

Em termos econômicos, intensa industrialização, ativismo e confiança nas

potencialidades do país, com condições favoráveis para investimentos nacionais e

estrangeiros, também marcaram esse período, da mesma forma que, em termos

políticos, registrou-se tranqüilidade face à grande habilidade política do Presidente.

Por conseguinte, deu-se o esgotamento do modelo de substituição de

importações, acompanhado de grande afluxo de capital estrangeiro, com

intensificação do processo de urbanização. Mas o modelo de política habitacional

10 VIEIRA, Evaldo. Estado e miséria social no Brasil – de Getúlio a Geisel. São Paulo:

Cortez, 1983. p. 125.

21

adotado se limitou a dar continuidade ao anterior, através dos IAPs e da FCP,

destinando, assim, um atendimento insignificante à carência habitacional crescente.

De 1961 a 1964, o país viveu uma conjuntura específica com Jânio Quadros

e João Goulart, quando se assistiu a uma tentativa de retorno ao nacionalismo

desenvolvimentista, e se intensificou a política populista.

Ao assumir o governo, Jânio Quadros viu se alastrar, nos grandes centros

urbanos, um processo de favelização, de cortiços e habitações precárias, distantes

e sem acesso a serviços básicos (água, luz, esgoto, saúde, educação), fruto do

processo precário da autoconstrução, tudo isso agravado com o registro dos

maiores índices de urbanização.

Como medidas para solucionar tal problema, a curto e médio prazo,

respectivamente, Jânio Quadros criou, de imediato, o Plano de Assistência

Habitacional, com a finalidade de revigorar a Fundação Casa Popular, introduzindo

uma inovação quanto ao pagamento das casas que se fazia em valor fixo, para

adotar uma proporcionalidade do salário mínimo, e criaria, na seqüência, o Instituto

Brasileiro de Habitação, uma espécie de precursor do Banco Nacional da Habitação

(BNH), com vistas a ocupar os vazios da política habitacional até então adotada, no

sentido de superar o quadro pouco integrado e de desperdício, tanto que, além de

ampliar as fontes de recursos, previa a correção monetária nas prestações dos

financiamentos, abrigando, com efeito, as perspectivas que foram posteriormente

adotadas pelo BNH, conforme apresentaremos a seguir, em capítulo específico.

Há que se ressaltar, aqui, que a política habitacional definida por Jânio

Quadros tinha um caráter por demais excludente, determinado pelos critérios de

acessibilidade à casa própria que foram propostos: tempo de residência na cidade,

estabilidade no emprego, e capacidade de trabalho.

A partir de 1961, com a renúncia de Jânio Quadros, o país entrou num

impasse político-militar, uma vez que seu substituto legal, João Goulart, era um líder

democrático, amigo dos trabalhadores e defensor de melhores salários, só sendo

empossado em setembro de 1961, num regime parlamentarista imposto como

estratégia para dirimir seus poderes, o qual vigorou até janeiro de 1963, com a

realização de um plebiscito.

Seu governo caracterizou-se pela efervescência dos movimentos populares,

pelos quais se intensificou uma campanha de opinião pública, em favor das

reformas de base e de uma política externa independente.

22

Em 1962, o país passa a viver uma crise econômica progressista. Os

movimentos grevistas e as lutas salariais aumentavam a cada dia e, num clima de

liberação política, os movimentos de massa se expandiram para o meio rural, com a

criação de ligas camponesas e de sindicatos rurais, o que muito contribuiu para a

politização da sociedade.

Nesse contexto de efervescência política e de declínio econômico, a questão

habitacional, para o governo de João Goulart, foi contemplada quase tão-somente

pelo planejamento governamental que considerou a necessidade de coordenação

de recursos e atividades desenvolvidas pelos órgãos encarregados da habitação, à

época: IAPs, Caixas de Aposentadoria e Pensões, e FCP. Considerou-se, também,

a necessidade de incremento à iniciativa privada, de apoio à construção civil, de

estudos e pesquisas sobre residências, e da criação do Conselho Federal de

Habitação, como órgão executor do planejamento governamental 11.

A distância entre as necessidades sociais e a falta de recursos para sanar a

carência de habitações populares fez com que o quadro se agravasse, dado o

intenso processo de urbanização a que as grandes cidades vinham se submetendo.

João Goulart admitiu que, em 1963, o déficit habitacional no país era de

aproximadamente 5 milhões de unidades, e que o problema de moradia já atingia,

em grande escala, também a classe média, o que nos permite afirmar que os

governos anteriores dispensaram pouquíssima atenção aos programas

habitacionais.

Nesse período, intensificou-se o crescimento das favelas e, de conseqüência,

a intenção de urbanizá-las. Mas essa política de respeito ao residente de favela e às

suas organizações representativas, aliada a uma política de urbanização

(caracterizada pela criação, em 1960, da Coordenação de Serviços Sociais do

Estado do Rio de Janeiro, chefiada por José Arthur Rios, que conseguiu imprimir

uma imagem positiva no trato à questão das favelas), durou pouco. Com a demissão

abrupta, em 1962, de José Arthur Rios, pelo então governador daquele Estado,

Carlos Lacerda, ficou claro que aquela política de respeito à autonomia das favelas

não interessava ao estilo clientelista desenvolvido pelos partidos políticos que viam

nelas currais eleitorais que necessitavam ser mantidos sob controle, principalmente

porque 1962 foi ano eleitoral.

23

Essa mudança de atitude do governo não impediu o crescimento organizativo

interno nas favelas, onde o favelado passa a discutir com o próprio favelado na

busca de solução para seus problemas. Mas essa união dos favelados somente fez

crescer a repressão, intensificando-se os programas de remoção das favelas. E a

luta dos favelados passa a ser pela permanência de suas áreas, e a palavra de

ordem era “a luta pela urbanização, contra a remoção”.

Não resta dúvida, portanto, que durante todo o período que antecedeu à

definição de uma política habitacional global e intensa para o país, a tônica da

intervenção do Estado, nesse setor, caracterizou-se pela repressão, explícita ou

não, pelo controle permanente, pela omissão, e acima de tudo, pela exclusão das

classes populares às possibilidades de uma moradia que pudesse abrigar o

trabalhador e sua família, com o mínimo de dignidade.

3.2 A POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA E A INSTITUIÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH)

No início de 1964, quando o governo militar assume o poder no país, ele se

defrontou com uma problemática social determinada por dois eixos fundamentais: a

situação crítica vivenciada pelas massas urbanas, com o crescimento industrial e o

poder aquisitivo deteriorado pela elevada inflação, e a questão rural acenada pelo

governo anterior, com a promessa de reforma agrária.

Para enfrentar a situação do campo, o governo cria o Instituto Brasileiro de

Reforma Agrária (IBRA), que não será objeto de estudo no momento, pois o objetivo

deste trabalho prende-se a questão habitacional das cidades.

As cidades não estavam conseguindo suportar o aumento populacional a que

estavam sendo pressionadas, tanto pelo crescimento normal das mesmas, como

também pela vinda da população rural, esta não apenas em busca de uma vida

melhor prometida pelo crescimento industrial, mas também devido ao desemprego

oculto e as duras condições de vida no campo brasileiro.

Para resolver a situação das cidades, o governo federal, com a edição da Lei

no. 4.380, de 21 de agosto de 1964, declarava sua intenção de formular uma

política nacional de habitação e planejamento territorial, estabelecendo ao mesmo

11 VIEIRA, Evaldo. Estado e miséria social no Brasil – de Getúlio a Geisel. São Paulo:

Cortez, 1983. p. 180.

24

tempo, as bases para sua implementação e os principais instrumentos, que viriam a

ser utilizados na execução.

Foram então criados o Banco Nacional da Habitação e o Serviço Federal de

Habitação e Urbanismo, instituídas as Sociedades de Crédito Imobiliário e previstas

novas formas de Cooperativas associativas destinadas à construção ou aquisição

de habitações para as populações de baixa renda.

Para implementar a nova política foi instituído o Sistema Financeiro da

Habitação, então composto do BNH, órgãos estatais e de economia mista que

estavam operando no financiamento de habitações e obras conexas, Sociedades de

Crédito Imobiliário, bem como das fundações, cooperativas mútuas e outras formas

de associação, existentes ou que viessem a ser constituídas, para a construção e

aquisição de moradias.

Dessa forma, o plano habitacional se apresentou como a primeira grande

proposta social do governo militar, cujo objetivo primeiro se expressava pela busca

de legitimação social, tendo a pretensão de se mostrar receptivo às necessidades

do povo, e a busca da legitimação do novo regime, já que a política habitacional em

formulação se propunha a criar, também, um clima de estabilidade social e de

ordem necessário ao avanço do capitalismo internacional no país.

Ficou clara a opção feita pelo governo em difundir a casa própria como forma

de comprometer os trabalhadores com a propriedade e com o regime, opção essa

peculiar aos regimes capitalistas. A ideologia da casa própria visa criar sentimento

de pertinência, transformando-se em instrumento de manutenção do equilíbrio

social, prestando-se a propósitos sobretudo políticos.

O programa habitacional se volta também para atenuar a crise econômica

que o controle da inflação ameaçava provocar. Com a dinamização da indústria de

material de construção e da indústria da construção civil, essas absorveriam um

grande número de empregados sem qualificação e evitariam o desemprego e as

pressões sobre o governo que isto acarretaria.

A nova política habitacional e a constituição de um sistema financeiro voltado

para solucionar o problema habitacional, inicialmente empolgou a população que já

possuía um financiamento, os que pretendiam obter uma moradia e também o setor

da construção civil. Entretanto não foram considerados alguns pontos relevantes,

como:

25

a) os recursos financeiros aplicados nos planos habitacionais, seriam o

capital integralizado ao BNH na sua fundação, acrescido do recolhimento

compulsório de 1% (um por cento) da massa de salários de todo o país,

desde que abrangidos pelo regime CLT até 1967. E a partir de 1967,

quando foi atribuída ao BNH a gestão dos recursos do Fundo de Garantia

por Tempo de Serviço (FGTS) , na ordem de 8% do salário pago

mensalmente aos trabalhadores regidos pela CLT e recolhido pelo

empregador, os recursos deste e mais, um percentual da captação da

poupança popular feita por meio das Cadernetas de Poupança;

b) a instituição da correção monetária fixada no artigo 5º da Lei 4.380:

“Observado o disposto na presente lei, os contratos de venda ou construção de habitações para pagamento a prazo ou de empréstimos para aquisição ou construção de habitações poderão prever o reajustamento das prestações mensais de amortização e juros, com a conseqüente correção do valor monetário da dívida toda vez que o salário mínimo legal for alterado”.12

O primeiro ponto, quanto aos recursos; tratava-se de um dinheiro caro, pois

como deveriam ser atualizados monetariamente e render juros, exigia uma alta

rentabilidade. O segundo ponto, quanto à correção monetária; na maioria das vezes

este acréscimo não podia ser arcado pelos devedores, já que seus salários/renda

nem sempre eram reajustados da mesma forma.

Estes fatos, muitas vezes, obrigaram o Estado – BNH, a soluções nem

sempre muito acertadas.

Destacando-se um programa de remoção em massa dos favelados, para

casas-embrião e apartamentos, ocorrido principalmente no Rio de Janeiro, com o

intuito de baixar o custo das moradias, procurou-se, à época, como alternativa,

construir estes conjuntos habitacionais em locais onde o custo do terreno fosse mais

barato, sem considerar que isto afastava-os do seu mercado de trabalho,

aumentava o custo com transporte, condomínio, impostos, taxas e que estes custos

adicionais tornavam o valor da prestação incompatível com a renda/salário por eles

obtidos, obrigando-os a abandonarem suas novas moradias, deixando-as para as

populações de classes sociais melhores. Percebe-se neste programa, que houve

12 BRASIL. Lei 4.380, de 21 de Agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos

imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço

26

mais vantagem na desobstrução do centro liberando a área para a construção de

parques industriais e residências para as classes alta e média, do que melhorara na

qualidade de moradia dos favelados.

Até meados de 1967 os financiamentos para aquisição de moradias, seguiam

dois tipos de planos existentes, o Plano A, destinado às classes de baixa renda,

onde o reajustamento das prestações se dava anualmente, após 60 dias do reajuste

do salário mínimo e pela mesma variação deste. E o Plano B, destinado às demais

classes, onde o reajustamento das prestações era trimestral e obedecia a correção

monetária.

Entretanto, nos dois planos o saldo devedor era corrigido trimestralmente pela

correção monetária. Não causando nenhuma distorção no Plano B, pois os

reajustes das prestações e do saldo devedor eram simultâneos e iguais.

No Plano A, o descompasso entre o período do reajustamento do saldo

devedor e o reajuste da prestação e ainda, com a divergência entre os índices de

reajuste, a prestação pelo salário mínimo e o saldo devedor pela correção

monetária, verifica-se que o prazo inicialmente contratado não seria suficiente para

o resgate da dívida, sendo necessário a sua dilatação, e que mesmo após esta

dilatação, ainda poderia haver saldo devedor a ser pago.

Assim foi criado o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS),

pela Resolução no. 25, de 16 de junho de 1967, do Conselho de Administração do

Banco Nacional da Habitação. Com este fundo pretendia-se estabelecer limites para

o elastecimento do prazo inicial, garantindo que este não seria superior a 50% do

inicial, e findo este prazo, o eventual saldo devedor remanescente seria de

responsabilidade do fundo.

A contrapartida para que os mutuários (apenas os mutuários com

financiamento no Plano A) pudessem contar com a cobertura do FCVS para cobrir

o possível saldo devedor, seria o pagamento de uma contribuição ao mesmo, na

época estipulada como sendo igual ao valor de uma prestação.

A criação do FCVS foi para que as classes menos favorecidas, que tinham

um financiamento já com um valor bastante elevado, não fossem ainda mais

exploradas com um prazo indeterminado para quitação de suas dívidas.

Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. Disponível em : < http://www. presidencia.gov.br/ccivil_03/Leis/L4380.htm> Acesso em 31/10/04.

27

Verifica-se então, por volta dos anos 70, uma grande distorção; os recursos

que deveriam estar sendo usados para favorecer as classes menos privilegiadas,

estavam sendo aplicados para melhorar a qualidade de moradias das populações

mais bem remuneradas.

Os empresários do ramo imobiliário, ante a dificuldade do governo na

condução da política habitacional, tornaram-se os maiores beneficiários do sistema,

conseguindo lucros cada vez maiores, com a especulação nos preços das terras. A

dificuldade de manter os custos das habitações compatíveis com a renda da

população, fez com que a área construída e a qualidade dos acabamentos destas

moradias populares acabassem sendo progressivamente reduzidas.

Os programas lançados a cada crise almejavam acabar com o déficit

habitacional para as populações de baixa renda, entretanto estas ações eram

sempre autoritárias, impostas ao menos favorecidos, sem considerar as dificuldades

decorrentes de um deslocamento para a periferia ou a dificuldade de manutenção

de renda/salário da população.

A partir de 1979, o Brasil mergulha num crescente processo inflacionário, que

conduz o país a uma crise recessiva histórica; o BNH, não apenas tentando

resgatar a sua função social mas também como uma alternativa de geração de

emprego e renda, cria o PROMORAR , o primeiro programa nacional a atuar no

espaço onde se situam as moradias consideradas sub-normais, através de

construção de novas moradias, do estímulo ao desenvolvimento comunitário, e

melhoria da infra-estrutura urbana, permitindo à população permanecer onde

estava.

O Estado de São Paulo, mesmo sendo contrário à política nacional de

habitação, já havia antecipado esta prática nos anos 70, com a urbanização da área

do Pae-Cara e a venda de lotes a seus moradores, e então, a partir de 1980 outros

Estados e Municípios começam a adotar esta prática em suas ações regionais.

Entretanto, a crise econômica continua grave e faz com que o governo opte por uma

política recessiva, tentando conter a inflação e a divida externa, resultando em

desaceleração no crescimento industrial, no investimento e na produção,

aumentando consideravelmente o desemprego, e protegendo os lucros da minoria

por forte arrocho salarial.

A situação vai ficando cada vez mais crítica; a população de baixa renda,

residente em favelas e outros tipos de assentamentos sub-normais, cresce

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assustadoramente nas grandes cidades; tem início a formação dos movimentos

sociais urbanos, e estes começam a fazer pressões no cenário político,

reivindicando condições de moradias dignas.

Em 1983, a edição do Decreto Lei no. 2.065, que passa a limitar o reajuste

dos salários, de acordo com faixas salariais, sendo que os maiores salários, não

teriam nem a reposição da inflação, fez com que aumentasse ainda mais o arrocho

salarial e o aumento do desemprego, sendo que com esta medida, não apenas os

ex-favelados, mas também a considerada classe média deixasse de ter condições

de arcar com o custo da moradia, e deixassem de pagar a dívida.

O país se defronta com uma situação de crise complexa: a existência de um

elevado contingente de população de baixíssima renda, uma forte retração na

economia, ocasionando o fechamento de milhares de empresas, e

consequentemente elevação do desemprego e redução das receitas do governo;

assim, de um lado tem-se a população carente que necessita de atendimento social

e de outro, um Estado que precisa conter os gastos para evitar um endividamento.

A partir de 1983, o Sistema Financeiro da Habitação começa a padecer com

a falta de recursos, tanto pela retração nos depósitos em Caderneta de Poupança,

diminuição nos recolhimento do FGTS e inadimplência por parte dos mutuários. E

ainda tem o BNH que sofre com as inúmeras ações na justiça, por romper

ilegalmente os contratos estabelecidos com os mutuários ao aplicar reajustes

superiores ao percebidos pelos salários, o que ocasiona uma diminuição cada vez

maior no número de devedores que pagam regularmente a sua dívida. A validade do

Sistema começa a ser questionada cada vez mais pela classe popular, que se

organiza em associações de classes para lutar pelos seus direitos.

Chega em 1984, na maior crise desde a sua criação; novamente medidas são

tomadas em resposta à grande pressão das massas populares, que lutam para que

o direito à moradia seja superior ao consagrado direito da propriedade privada.

Novos programas são criados, novas ações são implementadas, entretanto todos

voltados mais para salvar a instituição quase falida do Sistema Financeiro da

Habitação do que para solucionar o problema de falta de moradia.

São incentivados projetos de auto-construção e mutirões, buscando assim,

reduzir os custos da moradia, ao mesmo tempo em que ocupariam a grande massa

de desempregados existentes, fazendo-os participar da busca de soluções dos

seus problemas de moradia. São estudadas medidas que busquem a diminuição da

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inadimplência e também mediadas que incentivem a venda de inúmeras habitações

construídas com o dinheiro caro do sistema e que devido ao alto custo nem sequer

haviam sido comercializadas. São tomadas também medidas para ampliar os

recursos do Sistema, tais como: alteração da periodicidade da remuneração dos

depósitos em caderneta de poupança de trimestral para mensal; aperfeiçoamento

das regras do FCVS, instituindo contribuições mensais dos mutuários e também por

parte dos agentes financeiros; a criação de novos Fundos como o Fundo de Apoio à

Produção de Habitação para População de Baixa Renda (FAHBRE) como

complemento aos recursos oriundos do FGTS na aplicação de novas operações e o

Fundo de Assistência Habitacional (FUNDHAB) como complemento ao FCVS na

quitação dos saldos devedores.

O impasse porém continuava; o BNH, apesar de ser uma instituição com

funções sociais, ainda tinha todas as características de uma instituição empresarial

que precisava auferir lucros altíssimos, para remunerar o capital que empregava; a

contraditoriedade do governo entre a adoção da casa própria como única solução

para o problema habitacional no país, e a adoção de um modelo empresarial para a

sua operacionalização.

Neste período acontece também, paralelo à ascensão da crise econômica do

país, uma crise política com o declínio acentuado do regime militar. Quando é

levado às ruas, ainda que não fosse eleição direta para Presidente, o nome de

Tancredo Neves; apontando o fim da era militar e assumindo um compromisso

público de fazer uma transição democrática e pacífica e de estabelecer nova ordem

econômica e social.

Assim, com a vitória no Colégio Eleitoral, a Nova República, para respeitar ao

compromisso de uma transição pacífica, se coloca como mediadora entre a

população excluída e marginalizada e os grandes oligopólios , tentando primeiro a

restauração das instituições democráticas. Isto fez com que o início da nova fase

fosse voltado para a área econômica do país e a área social, antes também

apresentada como prioritária, ficasse quase sem progressos mostrando grandes

deficiências na máquina administrativa.

A Nova República herdou uma política habitacional totalmente distorcida e

profundamente remendada por medidas de ajustes, tomadas sempre em caráter

emergencial para amenizar as dificuldades geradas pelas crises econômicas, e se

vê obrigada pelas promessas feitas anteriormente a assumir grandes desafios: o

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resgate da dívida social, a compatibilização do reajuste das prestações com o poder

aquisitivo dos salários, preservação do SFH e a introdução de subsídios para a

população de baixa renda.

O Sistema Financeiro da Habitação com deficiências em diversas áreas não

conseguia solucionar o problema da habitação, era preciso definir uma nova política

habitacional e não apenas a reformulação dos programas e carteiras existentes.

As ações porém não acompanharam o discurso, continuaram a ser iniciativas

isoladas e descontínuas; o quadro econômico não apresentava melhora significativa

e duradoura; o SFH não conseguia solucionar o problema de moradia das

populações carentes e também não conseguia manter os programas habitacionais

existentes com um nível de adimplência que mantivesse o seu alto custo.

Conseqüentemente o BNH apesar de todas as medidas tomadas, não conseguiu

superar as dificuldades financeiras, sendo extinto em 21 de Novembro de 1986,

pelo decreto-lei no. 2.291 e a responsabilidade pela gestão do Sistema Financeiro

da Habitação, passou a ser da Caixa Econômica Federal.

3.3 A POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL APÓS A EXTINÇÃO DO BNH

Com a extinção do BNH, em 1986, as instituições privadas que faziam parte

do Sistema Financeiro da Habitação suspenderam todos os financiamentos para

aquisição da casa própria, dada a incerteza que possuíam, desde a extinção do

BNH, com relação ao recebimento dos valores de responsabilidade do FCVS;

apenas a Caixa Econômica Federal manteve os financiamentos abertos.

Em 1988, novas medidas são tomadas pelo governo, para tentar incrementar

a política habitacional que parece estar estagnada; as medidas são abrangentes,

desde redução das prestações, redução das taxas de juros, aumento do prazo de

financiamento, aumento do limite de financiamento, redução da renda familiar

exigida até desconto na liquidação antecipada dos contratos e também a assunção

pelo governo do saldo de responsabilidade do FCVS existente até então.

Entretanto, como não havia a obrigatoriedade de os agentes financeiros

(instituições privadas) investirem em habitações populares, destinadas às classes

menos favorecidas, este mercado continuou retraído.

A Caixa Econômica Federal passou então a ser o órgão-chave na execução

das políticas de desenvolvimento urbano, habitação e saneamento do governo

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federal, não apenas como órgão executor, como também fiscalizador e agente

operador.

Em 1993 ocorre uma mudança significativa: a extinção do FCVS. Os

contratos assinados a partir de então não contam mais com a cobertura do fundo,

sendo o saldo devedor remanescente, quando houver, de total responsabilidade do

mutuário.

A política habitacional desde então tem se resumido em programas e ações

do governo federal, implementadas pelos órgãos responsáveis, com o intuito de

amenizar o déficit habitacional das populações de baixa renda, e que embora

tenham financiado um número significativo de moradias ainda estão muito abaixo

do necessário.

Algumas mudanças estão começando a ocorrer, como podemos verificar em

alguns dos programas mais recentes:

a) Programa Habitar Brasil/BID (HBB): cujo objetivo é contribuir para

elevar os padrões de habitabilidade e de qualidade de vida das famílias,

predominantemente aquelas com renda mensal de até três salários

mínimos, que residem em assentamentos precários, localizados em

regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e capitais de estados;

estimulando os governos municipais a desenvolver esforços para atenuar

os problemas dessas áreas, tanto nos efeitos como nas causas, inclusive

as institucionais que os originam. Prevê a utilização de recursos da União

e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID);

b) Programa de Arrendamento Residencial (PAR): que prevê a locação

para posterior aquisição, com subsidio do Governo e com a utilização do

Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), criado especialmente para

este fim; beneficiando famílias com renda de até seis salários mínimos;

c) Programa de Crédito Solidário: este considerando o estímulo ao regime

de cooperativismo e ao princípio de ajuda mútua, como formas de garantir

a participação da população na solução de seus problemas habitacionais

comuns, levando em consideração as necessidades e características ,

usos e costumes locais; com a utilização também de um Fundo de

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Desenvolvimento Social (FDS); beneficiando famílias com renda de até

três salários mínimos.

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4 CONCLUSÃO

As populações de baixa renda sofrem com o problema de falta de uma

moradia digna desde o tempo da escravatura. Qual seria a razão para que estas

famílias fossem durante uma vida inteira privadas do essencial – um teto, onde

pudessem chegar em casa depois de um dia exaustivo de trabalho e outras vezes,

após um exaustivo e infrutífero dia em busca de trabalho?

Ao analisar toda a trajetória da política habitacional brasileira conclui-se que

muitas são as razões para a crise habitacional estar tão crítica; entretanto, não com

o intuito de simplificar um processo complexo, mas sim de delimitar o estudo,

considera-se como principais razões do insucesso das políticas habitacionais,

implementadas até hoje: o alto valor atribuído ao solo pela minoria privilegiada e a

baixa renda percebida pela maioria dos trabalhadores.

Deve-se considerar que grande parte desta população carente não possui

uma atividade, um emprego que lhe garanta um salário, por menor que seja; vivem

apenas de trabalhos ocasionais. E que os demais, apesar de terem um emprego, de

receberem um salário, convivem com o problema deste ser insuficiente para a

manutenção das necessidades básicas como alimentação, vestuário e saúde; e

inexistência de garantia de manutenção do emprego.

Não se pode pensar em moradias de baixo custo, enquanto estas forem

construídas por grandes empresas da área da construção civil, pois estas, como

integrantes de um economia capitalista, esperam uma grande lucratividade,

impossível de ser obtida, em programas que tenham fins sociais, pois desviariam

recursos que poderiam ser utilizados na construção de mais moradias, em

remuneração de capital das grandes empresas.

Não se pode pensar em moradias de baixo custo, sem respeitar os métodos e

processos utilizados pela população na solução de seus problemas, impondo

tecnologia e materiais referenciados em culturas e valores de grupos sociais de

maior poder aquisitivo, e sim estabelecer programas onde pudessem ser utilizados a

mão-de-obra e os recursos disponíveis de cada região.

Deve-se atentar também para o fato de que a moradia desta parte da

população deve ser o mais próximo da região que representa a sua fonte de renda,

seja da área rural, comercial ou industrial. Seria totalmente descabido criar

conjuntos afastados destes pólos, pois encareceria ainda mais o custo desta

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moradia, tanto com o tempo perdido para transporte como também com o gasto a

ser efetuado diariamente com o transporte.

Deve-se considerar que, além da elevação do custo pela distância, a

construção de moradias em terras afastadas onde o custo é mais barato, muitas

vezes não é devidamente avaliada, haja vista que para ser uma moradia digna,

deverá obrigatoriamente que constar com a infra-estrutura básica e com acesso aos

serviços coletivos.

O custo da implantação desta infra-estrutura, não pode ser repassado apenas

aos beneficiários imediatos, sem considerar que toda a região será beneficiada,

valorizando as terras da minoria privilegiada que apenas espera uma ação deste

vulto para mais uma vez obter lucro através de um “falso capital”. Devendo-se

analisar cuidadosamente, principalmente os casos onde a forma de construção

utilizada seja mutirão e autoconstrução, a fim de que o problema não seja agravado

por uma exploração da força de trabalho.

Pode-se observar também que existe uma indução ao pensamento de que

apenas o “ser proprietário” é essencial, e não o morar. Deve-se sim, compreender

que esta situação é criada por um modelo capitalista, com uma falha imensa na

distribuição de renda, e que não se pode excluir da vida em sociedade, um indivíduo

que por sua condição financeira não consiga se transformar em proprietário.

O Brasil precisa de políticas sociais voltadas para a criação de empregos e

manutenção de renda, pois sem esta condição básica, emprego e renda o problema

de moradia sempre existirá. Precisa, também, de políticas fundiárias, com medidas

eficientes e instrumentos legais capazes de refrear a especulação imobiliária e de

estabelecer limites a utilização indevida do solo.

Em 1945 foi realizado, em São Paulo, o Primeiro Congresso Brasileiro de

Arquitetos, e indicaram no documento de conclusão, algumas mudanças radicais a

serem tomadas para enfrentar o problema de habitação popular do país:

A necessidade de centralizar o equacionamento do problema habitacional e descentralizar a sua execução; lembravam a necessidade de se manter a política de aluguel para a população de baixa renda, desaconselhando a política da casa própria; insistiam na necessidade de um programa progressivo, em contraposição a um plano global; preconizavam a criação de recursos próprios para viabilizar os programas, bem como a necessidade de desapropriar terrenos de utilidade pública, calculando-se o valor da desapropriação com base nos custos para a construção da infra-estrutura e não no valor do mercado, necessariamente especulativo; recomendavam, também, que os conjuntos fossem construídos nos bairros já existentes e não na periferia das cidades; sugeriam o apoio à industria de materiais de construção para que esta pudesse responder à crescente demanda sem especular com os

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preços e sem encarecer o custo da obra; apoiavam os conjuntos e desaconselhavam as casas isoladas que elevavam o custo final da unidade; denunciavam a ação das firmas particulares envolvidas na construção de casas, cujo objetivo final era o lucro e, não, a solução do problema. E profetizavam: o dinheiro barato é a pedra angular do financiamento de qualquer plano de casa popular 13.

Passados quase 60 anos desde o congresso, a maioria das ações

necessárias para sanar a falta de moradias para as populações carentes continuam

as mesmas. É fundamental, para que a situação não se perpetue, a conscientização

de que toda a população tem a sua parcela de responsabilidade social.

13 FINEP-GAP (Financiadora de Estudos e Projetos - Grupo de Arquitetura e Planejamento).

Habitação popular: inventário da ação governamental. Rio de Janeiro-, 1982, p. 57

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5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Sérgio; ANDRADE, Luís Aureliano Gama. Habitação e poder: da Fundação da Casa Popular ao Banco Nacional da Habitação. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. BRASIL. Constituição Federal (1988). Coletânea de legislação administrativa. Organizadora Odete Medauar. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2003. BRASIL. Lei 4.380, de 21 de Agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. ENGELS, Friedrich. Contribuição ao problema da habitação. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982, v.2. FINEP-GAP (Financiadora de Estudos e Projetos - Grupo de Arquitetura e Planejamento). Habitação popular: inventário da ação governamental. Rio de Janeiro, 1982. GONÇALVES, Hermes Leoneo Laranja. O ciclo habitacional do Brasil. Rio de Janeiro: UNIGRAF, 1981. LEEDS, Anthony; LEEDS, Elizabeth. A sociologia do Brasil urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. MEGGIOLARO, Amélia Maria et al. Baixa renda: um problema habitacional em Petrópolis. Rio de Janeiro: Cátedra, 1980. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz; CARDOSO, Adauto Lucio. Reforma urbana e gestão democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan, 2003. RODRIGUES, Arlete Moysés. Moradia nas cidades brasileiras. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2009.

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SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Política habitacional brasileira: verso e reverso. São Paulo: Cortez, 1989. STEIN, Stanley Julian. Grandeza e decadência do café. São Paulo: Brasiliense, 1961. VIEIRA, Evaldo. Estado e miséria social no Brasil – de Getúlio a Geisel. São Paulo: Cortez, 1983.