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DIREITO DO TRABALHO NEWSLETTER RVR 3 Setembro de 2007 O PROCEDIMENTO DISCIPLINAR LABORAL Ana Videira Santos [email protected] No âmbito das relações laborais, o exercício do poder disciplinar do empregador reveste um carácter fundamental, uma vez que se traduz na capacidade deste sancionar o trabalhador por comportamento seu que importe uma violação das estipulações contratuais. O incumprimento do contrato de trabalho tanto pode consubstanciar o desrespeito pelas regras legais impostas ao trabalhador na execução do contrato, bem como outras condições acordadas aquando da sua celebração. Dada a importância desta matéria e as consequências que acarreta nas relações de trabalho, o Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, veio contextualizar o procedimento disciplinar à luz das novas realidades sociais. O poder disciplinar sobre o trabalhador tanto pode ser exercido directamente pela entidade empregadora como pelo superior hierárquico, enquanto vigorar o contrato de trabalho, e sempre dentro dos limites impostos pela lei, dado que a sanção disciplinar deve atender aos graus de culpabilidade e gravidade da infracção praticada pelo trabalhador. As várias sanções previstas na lei contemplam a simples repreensão, a repreensão registada, a sanção pecuniária – anteriormente denominada por “multa”, sendo que a sua aplicação não pode exceder um terço da retribuição diária -, a perda de dias de férias – sanção introduzida pelo Código do Trabalho e que não pode pôr em causa o gozo de vinte dias úteis de férias - , a suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade – não podendo exceder por cada infracção trinta dias e, em cada ano, o total de noventa dias -, e o despedimento.

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DIREITO DO TRABALHO NEWSLETTER RVR 3

Setembro de 2007

O PROCEDIMENTO DISCIPLINAR LABORAL

Ana Videira Santos [email protected]

No âmbito das relações laborais, o exercício do poder disciplinar do empregador reveste um

carácter fundamental, uma vez que se traduz na capacidade deste sancionar o trabalhador por

comportamento seu que importe uma violação das estipulações contratuais. O incumprimento do

contrato de trabalho tanto pode consubstanciar o desrespeito pelas regras legais impostas ao

trabalhador na execução do contrato, bem como outras condições acordadas aquando da sua

celebração.

Dada a importância desta matéria e as consequências que acarreta nas relações de trabalho, o

Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, veio contextualizar o

procedimento disciplinar à luz das novas realidades sociais.

O poder disciplinar sobre o trabalhador tanto pode ser exercido directamente pela entidade

empregadora como pelo superior hierárquico, enquanto vigorar o contrato de trabalho, e sempre

dentro dos limites impostos pela lei, dado que a sanção disciplinar deve atender aos graus de

culpabilidade e gravidade da infracção praticada pelo trabalhador.

As várias sanções previstas na lei contemplam a simples repreensão, a repreensão registada,

a sanção pecuniária – anteriormente denominada por “multa”, sendo que a sua aplicação não

pode exceder um terço da retribuição diária -, a perda de dias de férias – sanção introduzida

pelo Código do Trabalho e que não pode pôr em causa o gozo de vinte dias úteis de férias - , a

suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade – não podendo exceder

por cada infracção trinta dias e, em cada ano, o total de noventa dias -, e o despedimento.

Para haver o despedimento do trabalhador, que constitui a sanção disciplinar mais grave,

toma-se necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador e que a sua gravidade

seja de tal ordem que torne impossível a subsistência da relação de trabalho – tal configura o

conceito de justa causa, conforme preceituado no art. 396.º do Código do Trabalho.

Nos casos em que se verifique um comportamento que integre este conceito, a entidade

empregadora comunica por escrito ao trabalhador a intenção de proceder ao despedimento,

juntando a nota de culpa, que integra a descrição dos factos que lhe são imputados. Note-se que

a entidade empregadora só pode exercer o procedimento disciplinar nos sessenta dias posteriores

àquele em que teve conhecimento dos factos que constituem infracção, sendo que esta prescreve

ao fim de um ano, excepcionando os casos em que os factos constituem igualmente crime. Nestes

casos, aplicam-se os prazos de prescrição constantes da lei penal.

Previamente à nota de culpa, existe a possibilidade legal de instauração de um inquérito,

sempre que se mostre indispensável e necessário à fundamentação da nota de culpa e que não

decorram mais de trinta dias entre a suspeita de comportamento infractor por parte do

trabalhador e o início do inquérito e entre a conclusão deste e a notificação da nota de culpa.

A entidade empregadora pode proceder à suspensão preventiva do trabalhador, sem perda

de retribuição e sempre que a sua presença no local de trabalho se mostre inconveniente,

nomeadamente para a averiguação dos factos em causa. Esta deverá também ser remetida à

comissão de trabalhadores e à associação sindical, caso o trabalhador arguido seja representante

sindical.

Recebida a nota de culpa pelo trabalhador, este dispõe de dez dias úteis para consultar o processo

disciplinar e responder à mesma, deduzindo a sua versão dos factos em causa, podendo juntar

documentos e requerer diligências probatórias que se mostrem relevantes para o esclarecimento

dos factos. É de salientar a sensata opção do legislador do actual código em alargar este prazo

para os actuais dez dias úteis, pois os cinco dias anteriormente previstos em muitos casos não

eram suficientes para o trabalhador preparar e elaborar a sua defesa.

A entidade empregadora, ou o instrutor por si nomeado, deve realizar todas as diligências de

prova solicitadas na resposta à nota de culpa que se mostrem necessárias ao apuramento da

verdade, afastando todas aquelas que, justificadamente, considere dilatórias ou desnecessárias.

Terminada a fase probatória, o processo é apresentado à comissão de trabalhadores e à

associação sindical, no caso supra indicado, que podem juntar um parecer fundamentado,

dispondo para tal de cinco dias úteis.

A entidade empregadora dispõe de trinta dias após o dito parecer para proferir decisão por

escrito e devidamente fundamentada. Caso a decisão seja proferida intempestivamente, o

direito de aplicar a sanção caduca. A decisão só se pode basear em factos descritos na nota de

culpa e na respectiva resposta, com excepção para a invocação daqueles que atenuem ou

diminuam a responsabilidade do trabalhador. A decisão é comunicada ao trabalhador e à comissão

de trabalhadores e, como já foi indicado, à associação sindical respectiva. A declaração de

despedimento faz cessar o contrato de trabalho logo que chega ao poder do trabalhador ou que

este tenha dela conhecimento.

A ilicitude do despedimento só pode ser declarada judicialmente, através de acção a intentar no

prazo de um ano a contar da data do despedimento, não existindo, pois, a possibilidade de

recurso à via arbitral nestes casos.

Para melhor compreensão do regime do procedimento disciplinar laboral, segue uma descrição esquemática das principais fases do mesmo.

© Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007

Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado

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1 A lei não estabelece um prazo específico para a duração do processo prévio de inquérito. Todavia, é entendimento

aceite que a sua realização deve ser o mais célere e diligente possível.

COM INSTAURAÇÃO DE PROCESSO PRÉVIO DE

INQUÉRITO

SEM PROCESSO PRÉVIO DE INQUÉRITO

EXERCÍCIO DA ACÇÃO DISCIPLINAR

30 DIAS entre a suspeita de factos irregulares e início do inquérito

NOTIFICAÇÃO DA NOTA DE CULPA AO TRABALHADOR

30 DIAS após conclusão do inquérito 1

60 DIAS após conhecimento dos factos

RESPOSTA À NOTA DE CULPA 10 DIAS ÚTEIS

APRESENTAÇÃO DO PROCESSO À COMISSÃO DE

TRABALHADORES 5 DIAS ÚTEIS

DECISÃO 30 DIAS após prazo supra indicado

APLICAÇÃO DA SANÇÃO 3 MESES após a decisão

PRESCRIÇÃO DA INFRACÇÃO 1 ANO após os factos