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PUC MINAS VIRTUAL ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO E PROCESSO DO TRABALHO 2010/2011 “PROCESSO COLETIVO DO TRABALHO” PROFª. DRa. ELAINE NORONHA NASSIF APRESENTAÇÃO O desenvolvimento de uma teoria jurídica própria ao processo coletivo tem levado à afirmação de tratar-se de um novo ramo do direito processual. Do ponto de vista de uma epistemologia instrumental, ele é o ramo que viabiliza a realização do direito material coletivo, que, por sua vez, ainda amadurece no seio das ações que buscam da tutela coletiva na sociedade de massas. Com efeito, a perspectiva do processo coletivo é completamente diferente da perspectiva do processo individual, porque visa reparar, simultaneamente, lesões causadas a muitos jurisdicionados e ao mesmo tempo coibir a propagação da prática lesiva, o que fortalece o Estado Democrático de Direito. O processo coletivo mitiga o princípio da demanda por meio da legitimação de órgãos e pessoas jurídicas em condições de representar em juízo, os destinatários da decisão final. Esta legitimação adequada - ou representatividade adequada, é determinante para o sucesso da tutela coletiva. O sistema brasileiro, de forma prudente, só reconhece como legítimos aqueles que têm suficiente acúmulo de conhecimento sobre a matéria que será versada em juízo. Esse conhecimento, que define uma representatividade qualificada, decorre por vezes do próprio objeto social da entidade representante, ou pode decorrer ainda, dos poderes investigatórios e intelectivos do órgão ou entidade legitimada. É ele que permite identificar no caso concreto, a qualidade da lesão, sua intensidade, e criar os meios necessários para sua reparação. Este conhecimento, aliado à capacidade extrajudicial de ter acesso pré-processual a provas bem como à sua correta interpretação, por complexa que seja, permite canalizar para o judiciário muitas questões que, de outro modo, permaneceriam no limbo, pois seriam inviáveis de serem propostas individualmente, por sua altíssima complexidade técnica, fática e/ou jurídica. Outra característica que tem marcado o processo coletivo do trabalho é a tutela voltada para o futuro, para o desenvolvimento de uma cultura da observância das regras jurídicas, já que juntamente com medidas reparatórias, pleiteia a condenação em obrigações de fazer e não fazer, coerentes com o ordenamento jurídico, por tempo indeterminado e cujo descumprimento acarrete, efetivamente, uma sanção mais relevante do que aquela que o agente econômico calcula a partir de autuações ou multas administrativas. A execução do processo coletivo se realiza, não raras vezes por meio da interlocução com os outros poderes da República, abrindo para o judiciário um papel mediador entre esfera pública e privada e uma capacidade transformadora inédita, qual seja, aquele que o faz passar de uma instituição passiva, que aplica uma determinada lei e em reparação a lesões passadas, a uma instituição ativa que cria, regula e determina condutas sociais futuras dos jurisdicionados. 1. O WORLDWIDE MOVEMENT O Movimento Mundial de Acesso à Justiça foi muito bem retratado por Cappelletti & Garth 1 que identificaram suas características nas pesquisas realizadas no contexto do “Projeto Florença”. 1 CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça, p. 8. (Trad. e rev. Ellen Gracie Northfleet do original Acess to Justice: the worldwide movement to make rights effective. A general report. Milano: Giuffrè, 1978.

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PUC MINAS VIRTUAL

ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO E PROCESSO DO TRABALHO 2010/2011

“PROCESSO COLETIVO DO TRABALHO”

PROFª. DRa. ELAINE NORONHA NASSIF

APRESENTAÇÃO

O desenvolvimento de uma teoria jurídica própria ao processo coletivo tem levado à afirmação de tratar-se de um novo ramo do direito processual. Do ponto de vista de uma epistemologia instrumental, ele é o ramo que viabiliza a realização do direito material coletivo, que, por sua vez, ainda amadurece no seio das ações que buscam da tutela coletiva na sociedade de massas.

Com efeito, a perspectiva do processo coletivo é completamente diferente da perspectiva do processo individual, porque visa reparar, simultaneamente, lesões causadas a muitos jurisdicionados e ao mesmo tempo coibir a propagação da prática lesiva, o que fortalece o Estado Democrático de Direito.

O processo coletivo mitiga o princípio da demanda por meio da legitimação de órgãos e pessoas jurídicas em condições de representar em juízo, os destinatários da decisão final. Esta legitimação adequada - ou representatividade adequada, é determinante para o sucesso da tutela coletiva. O sistema brasileiro, de forma prudente, só reconhece como legítimos aqueles que têm suficiente acúmulo de conhecimento sobre a matéria que será versada em juízo.

Esse conhecimento, que define uma representatividade qualificada, decorre por vezes do próprio objeto social da entidade representante, ou pode decorrer ainda, dos poderes investigatórios e intelectivos do órgão ou entidade legitimada. É ele que permite identificar no caso concreto, a qualidade da lesão, sua intensidade, e criar os meios necessários para sua reparação. Este conhecimento, aliado à capacidade extrajudicial de ter acesso pré-processual a provas bem como à sua correta interpretação, por complexa que seja, permite canalizar para o judiciário muitas questões que, de outro modo, permaneceriam no limbo, pois seriam inviáveis de serem propostas individualmente, por sua altíssima complexidade técnica, fática e/ou jurídica.

Outra característica que tem marcado o processo coletivo do trabalho é a tutela voltada para o futuro, para o desenvolvimento de uma cultura da observância das regras jurídicas, já que juntamente com medidas reparatórias, pleiteia a condenação em obrigações de fazer e não fazer, coerentes com o ordenamento jurídico, por tempo indeterminado e cujo descumprimento acarrete, efetivamente, uma sanção mais relevante do que aquela que o agente econômico calcula a partir de autuações ou multas administrativas.

A execução do processo coletivo se realiza, não raras vezes por meio da interlocução com os outros poderes da República, abrindo para o judiciário um papel mediador entre esfera pública e privada e uma capacidade transformadora inédita, qual seja, aquele que o faz passar de uma instituição passiva, que aplica uma determinada lei e em reparação a lesões passadas, a uma instituição ativa que cria, regula e determina condutas sociais futuras dos jurisdicionados.

1. O WORLDWIDE MOVEMENT

O Movimento Mundial de Acesso à Justiça foi muito bem retratado por Cappelletti & Garth

1 que identificaram suas características nas pesquisas realizadas no contexto do “Projeto

Florença”.

1 CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça, p. 8. (Trad. e rev. Ellen Gracie Northfleet do original

Acess to Justice: the worldwide movement to make rights effective. A general report. Milano: Giuffrè, 1978.

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Este Projeto consistiu na compilação de respostas dadas por juristas e instituições públicas e privadas em mais de 200 países, a questionário elaborado para o fim de diagnosticar a situação da justiça e suas condições de efetivação dos direitos, em cada um dos países pesquisados.

Por meio dessas informações coligidas, os autores puderam chamar a atenção da comunidade jurídica para a existência desse movimento em face da complexidade da sociedade contemporânea e a insuficiência de uma tutela meramente individual.

Eles descreveram o movimento de acesso à justiça por meio de três “ondas” de acesso, conforme ensina Pedro Lenza:

Conforme já expusemos em outros trabalhos, Cappelletti e Garth, no tocante ao acesso à Justiça, produziram interessante ensaio para o Projeto de Florença, buscando "(...) delinear o surgimento e desenvolvimento de uma abordagem nova e compreensiva dos problemas que esse acesso apresenta nas sociedades contemporâneas" No referido estudo, os autores observam que o processo evolutivo dos instrumentos destacados para solucionar a problemática do acesso efetivo à Justiça, nos países do Ocidente, está sedimentado em três grandes ondas renovatórias, cada qual, do seu modo, tentando solucionar a problemática de acesso à ordem jurídica justa.

Os autores identificam, ainda, alguns obstáculos a serem transpostos nesta incessante busca de acesso à ordem jurídica justa, entre os quais: a) custas judiciais (custo dos defensores técnicos), as pequenas causas, a necessidade de julgamento em um "prazo razoável"; b) possibilidades das partes (recursos financeiros, aptidão para reconhecer um direito e propor uma ação ou sua defesa), a desigualdade entre os litigantes "eventuais" e "habituais", na distinção desenvolvida por Galanter - Afterword: Explaining Litigation, Law and Society Review, 1975, vol. 9, p. 347, 360; c) problemas especiais dos interesses difusos, pelos autores conceituados como aqueles "(...) fragmentados ou coletivos, tais como o direito ao ambiente saudável, ou à proteção do consumidor" (op. cit., p. 15-29, passim).

Segundo observam, a primeira grande onda, teve início em 1965, concentrando-se na assistência judiciária. A segunda referia-se às "(...) reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses 'difusos', especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor". O terceiro movimento ou onda foi pelos autores chamado de 'enfoque de acesso à Justiça', reproduzindo e buscando as experiências anteriores, mas indo além, tentando "(...) atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo" (Idem, ibidem, p. 31).

Atualmente, muito se fala na busca da efetividade do processo em prol de sua missão social de eliminar conflitos e fazer justiça.

Santos2 retrata da seguinte forma o Movimento de Acesso à Justiça:

“Os primeiros passos do moderno movimento de acesso á justiça ocorreram nos países desenvolvidos, a partir das reivindicações sociais e da demanda por formas céleres e efetivas de justiça para a população em geral.

Desenvolveu-se a partir daí, a concepção do real significado de acesso à justiça: justiça acessível, célere e justa, para todos, desde os mais carentes aos mais privilegiados, desde o indivíduo, isoladamente considerado, até o grupo, a coletividade, globalmente considerada.”

Consolidou-se no âmbito internacional o World Wide Movement – o movimento mundial pela reforma do acesso à justiça – no amplo panorama das grandes tendências evolutivas do direito e da justiça no mundo contemporâneo.

O Poder Judiciário passou a ter destaque na busca pela realização dos direitos, principalmente os direitos sociais, cujo campo conflitual é amplo e necessita de uma esfera estatal apropriada e instrumentalizada para a conciliação e julgamento. Ao Judiciário, compete assegurar o exercício pleno da liberdade e também as condições materiais para esse exercício. Ao mesmo tempo em que se valoriza a solução pública

2 SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e Ações coletivas. São Paulo: LTr, 2003.

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das controvérsias sociais, há uma tendência à adoção de formas alternativas em busca de soluções de conflito, de natureza pública e privada.

2. AÇÕES COLETIVAS: primeiras linhas

A ação coletiva lato sensu, é todo e qualquer tipo de ação que veicule um direito material coletivo, qual seja, um direito difuso, coletivo ou direito individual homogêneo. Já a chamada Ação Civil Coletiva é a ação criada pelo Código de Defesa do Consumidor que veicula somente direitos individuais homogêneos.

A Lei da Ação Civil Pública ( Lei 7347/85) foi o instituto jurídico que primeiro fez menção aos direitos difusos e coletivos. Ela não definiu tais direitos, nem mencionou os direitos individuais homogêneos.

Posteriormente, a Constituição da República, de 1988, ao tratar do Ministério Público, acolheu a Ação Civil Pública no rol das ações constitucionais, referindo-se a ela para as modalidades de direitos difusos e coletivos:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; [...]

Posteriormente, em 1990, foi a vez do Código de Defesa do Consumidor referir-se aos direitos difusos e coletivos. Mas ele foi além, acrescentando ao rol dos direitos materialmente coletivos, os direitos individuais homogêneos, que são chamados também direitos “acidentalmente coletivos”, pelo consagrado processualista José Carlos Barbosa Moreira. O CDC definiu esses direitos da seguinte forma:

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

A identificação se um direito é difuso, coletivo ou individual homogêneo, se faz pela análise do pedido contido na ação.

Essa é a forma mais fácil de se identificar cada uma dessas modalidades, e este ensinamento, que partiu do Ministro do TST, Ives Gandra Martins Filho, foi adotado em decisão então Ministro Nery da Silveira, do Supremo Tribunal Federal, a seguir transcrita:

Se é certo que os integrantes da coletividade tutelada nesta ação podem exigir, isoladamente, em ação própria, “que em relação à sua pessoa sejam adotadas as providências requeridas neste feito” (fls. 565), não menos exato é que não se poderá deixar de considerar presentes interesses coletivos que o MPT quer tutelar, à vista de

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sua competência do art. 120, III, da Constituição. No referido despacho de admissibilidade d apelo extremo do MPT, acentuou, ainda, o Presidente do TST, à época (fls. 564): “Isso simplesmente seria confundir um conceito específico, que se refere a grupo ou categoria (Lei nº 8078/90, art. 81, II), com o conceito de interesse público, que afeta a toda a coletividade (cfr. Voto vencido, fl. 524, onde se atacou tal postura de alguns membros da Corte). Há clara ofensa à Carta Política no que diz respeito às prerrogativas do Ministério Público do Trabalho. Convém frisar, para evitar equívocos, que a demanda do Ministério Público do Trabalho foi fulcrada no art. 129, III, da Constituição Federal, que é a base na qual se nutriu o art. 82, III, da Lei Complementar nº 75/93. Também a Lei 8.078/91, que deu o conceito legal do que seja interesse coletivo, nutriu-se do referido dispositivo constitucional. Ora, se nem a lei complementar, nem a lei ordinária restringiram o comando constitucional, afastando do Ministério Público do Trabalho a possibilidade de postular em defesa do interesse coletivo, como pode o TST fazê-lo, colocando condições à ação civil pública que a Constituição e a lei não colocaram, a par de dar conceituação e enquadramento aos interesses coletivos que destoam do contido na Constituição Federal. Para se ver como todo a controvérsia é de índole constitucional, a decisão embargada, louvou-se em artigo da lavra do prof. IVES GANDRA MARTINS (com o qual concordamos em gênero, número e grau), intitulado “Ação Civil Pública – Limites Constitucionais‟ (in Revista do Ministério Público do Trabalho nº 9, LTr – 1995 – São Paulo), onde o mestre paulista considera não defensáveis através de ação civil pública os interesses individuais homogêneos, uma vez que o art. 129, III, da Carta Magna fala apenas em interesses difusos e coletivos como veiculáveis através dessa ação. Para a defesa coletiva daqueles interesses individualizáveis foi criada a ação civil coletiva (Lei 8.078/90, art. 91), com caráter reparatório. Ora, para se perceber como na ação civil pública em apreço se defendiam interesses coletivos, basta verificar que não se postulou reparação do dano com relação ao passado, mas imposição de obrigação de fazer em relação ao futuro, dando-se à demanda caráter cominatório e não indenizatório individual! Assim, o enquadramento da hipótese concreta – ação pública postulando a imposição de obrigação de não distorcer a realidade de forma a não ter de enfrentar a questão seja a controvérsia, não pode o Poder Judiciário furtar-se a enfrentá-lo. Independentemente da própria lei fixar o conceito de interesse coletivo (fazendo-o, no caso, como expressamente o diz o Direito Constitucional, na medida em que a Carta Política dele faz uso para especificar as espécies de interesse que compete ao Ministério Público defender (CF, art. 129, III). Distorcer o conceito de interesse coletivo ou dar-lhe conceito distinto do que pretendeu a Constituição é violar a Carta Magna de forma direta” (fls. 531/533). (STF - 2

ª T. - RE 213.015-0/DF - j. 8.4.2002 - Rel. Min. Néri da Silveira - DJU

24/05/2002, p. 69; Gênesis, v. 19, n. 114, p. 929-34, jun. 2002; disponibilidade e acesso via Gopher <www.stf.gov.br>)

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3. AÇÃO,PROCESSO E PROCEDIMENTO, EM CHIOVENDA, LIEBMAN E FAZZALARI3

Em sua famosa Prolusão de Bologna de 1903, conhecida como “A ação no sistema dos direitos”, CHIOVENDA estabeleceu um marco distintivo da relação entre ação e processo e entre direito material e direito processual.

Este marco começou a ser construído a partir da não menos famosa polêmica estabelecida entre dois juristas alemães, Windscheid e Müther, numa sequência de laboriosos artigos que envolveram toda a comunidade jurídica da época, posteriormente reunidos em livro publicado em diversos países, dentre os quais a Itália, denominado L‟Actio.

Aquele era um momento histórico que suscitava grandes discussões quanto à diferenciação público-privado, e da diferenciação entre direito material-processual, este se imiscuindo naquele, quando impedia vias de acesso ao julgamento de mérito, aquele interferindo neste quando havia sérias dificuldades em encontrar ação própria para a veiculação de determinado direito.

Para Chiovenda ação é “o poder jurídico de realizar a condição para atuação da vontade da lei”. Para Chiovenda se a coação é inerente à idéia do direito; se há vontades da lei cuja atuação só se concebe por obra dos órgãos públicos no processo; se esses órgãos públicos só atuam se provocados, logo, a atuação da lei depende de uma condição: a manifestação de vontade de um indivíduo, aquele que tem ação, ou seja, tem o poder jurídico de provocar com o seu pedido, a atuação da vontade da lei. A ação é portanto o poder jurídico de dar vida à condição para a atuação da vontade da lei.

Assim, a ação é um poder que nos assiste em face do adversário, em relação a quem se produz o efeito jurídico da atuação da lei. O adversário não é obrigado a coisa nenhuma diante desse poder, apenas lhe está sujeito.

Chiovenda inscreveu a ação na categoria dos direitos postestativos por que esta categoria de direitos diferencia-se daquela dos direitos a uma prestação (que compreendem os direitos absolutos e relativos e os direitos reais e pessoais). No direito potestativo, a lei confere a uma pessoa o poder de influir, com a sua manifestação de vontade, sobre a condição jurídica de outra pessoa, sem o concurso da vontade deste. Esses poderes se exercitam mediante simples declaração de vontade e todos têm em comum a produção de um efeito jurídico a favor de um sujeito e a cargo de outro, o qual nada deve fazer, mas nem por isso pode esquivar-se àquele efeito, permanecendo sujeito à sua produção. A sujeição é um estado jurídico que

3 BIBLIOGRAFIA

1. BARBIE, Celso Agrícola. Ação Declaratória no Processo Civil Brasileiro. 3ª ed. ver. aum.São Paulo: Sugestões Literárias, 1968. 2. CHIOVENDA, Giuseppe. “La acción em el sistema de los derechos”.Bogotá: Editorial Temis, 1986. 3. _____________. “Instituições de Direito Processual Civil”.2ª ed. Campinas: Bookseller, 2000. 4. FAZZALARI, Elio. “Istituzioni di diritto Processuale”, 8ª ed. Padova CEDAM, 1996. 5. FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Trad. Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006. 6. _____________. “Lezioni di diritto processuale civile”, Padova.CEDAM, 1995. 7. GONÇALVES, Aroldo Plínio. “Técnica Processual e Teoria do Processo”. Rio de Janeiro: Aide, 1992. 8. LIEBMAN, Enrico Tullio. “Manual de Direito Processual Civil”, vol. I. Tradução e notas de Cândido R. Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 9. ______________. “L‟azione nella teoria del processo civile.” In Scritti Giuridici in onore di F. Carnelutti (vol. II, CEDAM, 1950) 10. NASSIF, Elaine Noronha. “Direito de Ação e Direito de Agir: fundamentos”, in Estudos Continuados de Teoria do Processo, coord. De Rosemiro Pereira Leal. Porto Alegre, Síntese: 2000. 11. PEKELIS, Alessandro. “Azione (teoria moderna)”. Nuovissimo digesto Italiano, II vol. UTET.

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dispensa o concurso da vontade do sujeito ou qualquer atitude dele.O que é direito subjetivo para chiovenda? É a expectativa de um bem da vida garantido pela vontade da lei.

Visto isso, qual o conceito de relação jurídica? Todo direito subjetivo pressupõe (como sua causa ou fonte) uma relação entre duas ou mais pessoas, regulada pela vontade da lei e formada pela verificação de um fato. Ocorrem entre os homens relação de várias naturezas, de amizade, de cortesia, de religião, de negócios e outras. Quando uma relação entre homens é regulada pela vontade da lei, qualifica-se de relação jurídica.

Fazendo uma comparação entre direito subjetivo e relação jurídica, segundo Chiovenda vemos que o conceito de relação jurídica é mais amplo porque normalmente a relação jurídica não se exaure num único direito subjetivo. Normalmente ela é complexa, ou seja compreende mais de um direito subjetivo e uma parte em relação a outra e, frequentemente, çuma pluralidade de direitos subjetivos recíprocos.

Devemos nos perguntar ainda, por que á importante para Chiovenda o conceito de relação jurídica para o estudo do processo. E imaginamos que é porque ela é mais ampla que o conceito de direito subjetivo e porque gera unidade na causa do aparecimento desse direitos subjetivos múltiplos. As doutrinas da identificação das ações, da prejudicialidade, da coisa julgada, da reconvenção e da competência apresentar-lhe-ão importantes consequências.

O próprio processo, do mesmo modo que tem por objeto a relação jurídica entre as partes, deduzida em juízo pelo autor (relação jurídica substancial), constitui por sua vez, como veremos, uma relação de direito público entre as partes e o órgão jurisdicional (relação jurídica processual): as duas relações apresentam no processo contínuas interferências e contraposição.

O caráter da jurisdição voluntária não é a ausência de contraditório mas a ausência de duas partes, no sentido técnico que se lhe emprega.

A conciliação é atividade de jurisdição voluntária que visa prevenir a lide. E tanto é mais exitosa quanto maior a autoridade que a tenta.

O arbitramento é regulado pelo direito processual porque a sentença privada é submetida à convalidação da pessoa pública. Já a conciliação está à margem pois ainda que inclua uma pessoa pública, não tem ela a função de decidir a controvérsia, mas de tentar-lhe a conciliação a pedido de uma das partes.

A atividade dos juízes dirige-se, necessariamente, a dois objetos: exame da norma e exame dos fatos.

O PROCESSO PARA CHIOVENDA é o complexo dos atos ordenados para a consecução do objetivo comum da atuação da vontade da lei (com respeito a um bem que se pretende garantido por ela) por parte dos órgãos da jurisdição ordinária.

O Sistema de CHIOVENDA tem duas grandes divisões: 1) considera o processo em seu resultado e contém a doutrina da ação e suas condições; e 2) compreende a doutrina das relações processuais, onde se estudas as condições para a existência de um processo e para a possibilidade de uma decisão de mérito (pressupostos processuais)

Como chiovenda responde à crítica de que, sendo a ação concreta ela somente se revela após a sentença, então como dizer que o direito já existia antes dela?

Ou ainda, como Chiovenda reage a alguns autores que negam coerentemente que o processo seja a atuação de lei pois na cognição é que se define qual seja o direito entre as partes e somente no segundo momento é que a vontade atua?

Chiovenda não concorda com isso porque “a idéia de um instituto deve deduzir-se da sua finalidade, da sua destinação fundamental e não de seu funcionamento prático.”

Para CHIOVENDA não é admissível o conceito de objetivo do processo como “JUSTA COMPOSIÇÃO DA LIDE”, como define CARNELUTTI porque se existe pretensão contraditada não é papel do Estado dirimí-la mas sim fazer atuar a vontade da lei. E além disso pode existir processo sem lide, sem contraposição. Se justa é a que está prevista em lei, tudo bem, mas se não está, parece que o processo serviria para impor a paz a qualquer custo, o que é primitivo.

LIEBMAN tece críticas à teoria do processo de Chiovenda porque diz que esta teoria, considerada na sua complexidade e nas suas características salientes, é claramente o

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resultado de uma consideração no processo pelo só e estreito ponto de vista do autor que tem razão; e como tal, coloca em lugar secundário o fato de que o efeito buscado pelo autor não é ele quem o produz, mas sim o juiz. Para Liebman a ação é direito ao meio e não ao fim, pois vemos o processo, de fora, como o relacionamento entre juiz e partes. A teoria de chiovenda não responde se a ação pode ser proposta também quando o direito não exista, bem como não aborda quais relações existem entre a ação e o órgão o Estado, bastando ao invés conhecer as repercussões que da proposição da ação se terão sobre a posição do réu. Se para Chiovenda é absurdo o direito de estar errado, já se respondeu que não é menos absurda aquela de um direito de ter razão.

A ação, para Liebman, é abstrata, mas não no significado extremo: Porque no seu significado pleno e verdadeiro, a ação não compete de fato a qualquer pessoa e não tem conteúdo genérico. Ao contrário, ela se refere a um tipo jurídico individual e determinado, e é o direito a obter que o juiz proveja a sua cautela, formulando (ou atuando) a regra jurídica especial que a governa. Ela é por isso condicionada a alguns requisitos (que devem verificar-se caso por caso em via preliminar, ainda que em geral implicitamente), vale dizer, ao interesse de agir, que é o interesse do autor de obter o provimento demandado: à legitimação de agir, que é atribuição daquele que a propõe em confronto à contraparte; e á possibilidade jurídica, que é a admissibilidade em abstrato, do provimento requerido, segundo as normas vigentes na ordm jurídica nacional. Faltando uma destas condições, se tem aquela que, com exata expressão tradicional, se qualifica de carência de ação, e o juiz deve recusar-se a prover sobre o mérito da demanda. Neste caso não existe verdadeiro exercício da jurisdição, mas somente uso das suas formas para fazer valer aquele crivo preliminar (confiado por necessidade aos mesmos magistrados) que serve par excluir desde o começo aquelas causas as quais têm defeitos de condições requeridas para o exercício da autoridade jurisdicional.Entre ação e jurisdição existe por isso exata correlação, não podendo ter-se uma sem a outra.

O processo, para Liebman, é “atividade mediante a qual se desempenha em concreto a função jurisdicional”. Ela se desenvolve através de uma série coordenada de atos que se sucedem no tempo e que tendem à formação de um ato final. Daí a idéia de um proceder em direção a uma meta e o nome dado ao conjunto de atos postos em prática no exercício desta função.

O objeto, na maioria dos casos é dado pela relação jurídica de natureza susbstancial sobre a qual as partes contendem.

Os sujeitos são as partes e o juiz, sendo que as partes estão voltadas para o resultado prático que pretendem mais do que para meios processuais, e o juiz, voltado para realização do dever de preservar a ordem jurídica.

Alfredo Buzaid foi aluno e discípulo de Enrico Tulio Liebman na USP,. Liebman distingue o poder de agir em juízo, do direito de ação. Segundo Pekelis, também Liebman, assim como BETTI e Calamandrei, aceita a parte mais fecunda do ensinamento chiovendiano, com a exclusão de que a ação seja um direito a uma prestação, queira do Estado, queira do privado. Ele concebe a ação não como um direito concreto, mas abstrato, não ligado à existência do direito subjetivo e opõe não de frente ao obrigado mas sim perante o ordenamento jurídico. Ele mostra distinção entre Estado e ordenamento.

FAZZALARI4 revê o conceito de ação tomando como critério a legitimação para agir,

que não pode ser concebida como atribuída apenas ao autor, mas se estende a todos os sujeitos do processo, o que é perfeitamente lógico, pois sem a legitimação para agir não se poderia compreender o fundamento jurídico de seus atos. Entretanto a legitimação para agir é espécie do gênero legitimação, que é um conceito geral do Direito, e é por esta base QUE SE DESENVOLVE O ARGUMENTO, NO QUAL PROCEDE AO REEXAME DA AÇÃO. A legitimação em gênero é contemplada por fazzalari sob duplo aspecto: o da situação legitimante e o da situação legitimada. A situação legitimante da parte é constituída por dois elementos logicamente encadeados: o da medida jurisdicional requerida e o dos sujeitos que serão por ela alcançados, que sofrerão os seus efeitos. São eles que permitem a individualização de quem pode estar em juízo par participar do processo que se desenvolve em contraditório.

4 Texto extraído do livro FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Trad. Elaine Nassif.

Campinas: Bookseller, 2006.

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Enquanto a situação legitimante é contemplada como aquela em presença da qual um poder, uma faculdade ou um dever são conferidos ao sujeito, a situação legitimada consiste em uma série de poderes, faculdades, deveres, que se põem como expectativa para cada um dos sujeitos do processo.

Desta série de poderes, faculdades e deveres, para o autor e para o réu, e para os intervenientes se delineia então uma “posição subjetiva composta”. Esses poderes, faculdades ou deveres não resultam de “relações jurídicas”, mas constituem os atos lícitos ou devidos que podem ser cumpridos no processo.

A legitimação para agir, enquanto posição subjetiva decorrente da situação legitimante, pode ser objeto de disciplina legal que, em caráter extraordinário, destina os efeitos do provimento a sujeitos que não participaram do processo. Mas a “legitimação extraordinária‟, constitui exceção ao princípio do contraditório, que exige que participem do iter que leva à formação do provimento aqueles que são seus destinatários e, como se configura em exceção, só pode resultar da lei.

O emprego da estrutura do “processo” exige que se ordene de forma esquemática e compreensível todos os atos legais ou relativos ao dever de cada um dos protagonistas (juiz, auxiliares, partes), em todo o curso do processo.

Tal série de atos constitui, de fato, o conteúdo da legitimação para agir, a situação legitimada de cada um. A ordem que se determina para a sucessão e mútua implicação dos atos dos vários protagonistas (das partes, do juiz, dos auxiliares, etc) constitui o “processo”. Os atos que a lei processual imputa aos protagonistas podem ser vistos segundo a “posição subjetiva” de cada um, ou seja como faculdades, poderes e deveres. Assim, para cada um dos protagonistas se distingue uma “posição subjetiva composta”, constituída pelas faculdades, poderes, deveres de cada um. A posição composta que a parte faz primeordialmente o autor bem se pode indicar com o nome de ação; aquela que primeiro faz o juiz tem o nome de função.

Ele lembra a visão que se tinha da ação como um direito que tivesse saído, do ponto de vista substancial, da lesão do direito, e endereçado contra o autor da lesão, mas ressalta que esta visão decorria da confusão que se fazia entre ação e direito subjetivo. Ele diz que há ainda quem considere, embora seja grupo minoritário, a ação como “direito potestativo substancial, e a predicar-lhe a concreteza.

Ele concorda com quem colocou a ação sobre o plano da abstração, pois a ação existe mesmo para quem resultará estar errado, mas não concorda com quem diga que ela a ação se exaure na possibilidade de colocar em movimento o processo, isso é, continua sendo um idéia que vê somente do ponto de vista de quem promove, de quem inicia a demanda.

Assim, para Fazzalari, a ação é toda a sequência de posições processuais que diz respeito às partes, em todo o curso do processo; não somente quem move o processo tem “ação” mas qualquer outra parte, o réu, o interveniente, pois cada um tem uma série de poderes, faculdades, deveres, dados justamente para permitir a participação no processo e também o contraditório.

A AÇÃO SE IDENTIFICA ASSIM COM A SITUAÇÃO COMPOSTA LEGITIMADA referente a cada parte do processo, ou seja de acordo com a legitimação ativa de cada um.

Não se deve utilizar as expressões sujeito ativo e sujeito passivo pois estas expressões são próprias para os que vêm a ação como direito potestativo, endereçado do autor contra o réu. Pode-se falar sim de “legitimações ativas das partes, ou legitimações passivas”.

Também por isso não é correto falar em “ação” e “exceção”, como a indicar a primeira pertencente ao autor e a segunda ao réu, que tem a faculdade de alegar fatos “impeditivos”, “extintivos “ou “constitutivos” .

FAZZALARI nos ensina que, do ponto de vista da experiência concreta, o exercício da legitimação, da ação, mediante o cumprimento dos atos ao qual ela se refere depende do desenvolvimento do processo em particular: seja no sentido de que as partes podem requerer ou não, sugerir ou não; quer no sentido que a conclusão do processo pode acontecer antes que uma das posições seja exercitada, e então, preclusa.

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O processo é uma estrutura na qual se desenvolvem, no ordenamento italiano, numerosas atividades de direito público (em espécie, mas não somente, deveres fundamentais do Estado) e algumas atividades de direito privado.

Quanto ao direito público, o Estado tem muitos deveres e assume outros tantos cada dia mais. Na sua formação original foram diferenciadas funções legislativas, das administrativas ou executivas, e a jurisdicional. A terminologia é convencional, pois em todas as atividades o estado segue a lei. Mesmo quando legisla. Se pode dizer que o prefeito de Roma tem jurisdição sobre a provincia de Roma. É todavia evidente que a distinção entre as atividades estatais são determinadas por razões substanciais, isto é do fato que cada uma das três atividades acima contempladas são disciplinadas de modo peculiar. A razão de distinção não está, como é óbvio, na diversidade de nome mas na diversidade de disciplinamento jurídico, sem que isso todavia impeça haver pontos comuns entre as atividades.

Nesse sentido, se pode pensar na jurisdição voluntária que vive entre ser jurisdição e administração, mas que deva talvez ser considerada como uma função do Estado distinta, seja da jurisdição, seja da administração.

Se chamamos anteriormente de provimento o ato com o qual cada um dos órgãos do Estado emanam disposições imperativas, e como procedimento a sequência de atividades que precedem o provimento, então estamos a ponto de constatar que em regra, o provimento de um órgão do Estado constitui justamente, a conclusão de um procedimento, o ato final dele mesmo, sua própria finalidade, no sentido de que a lei não reconhece ao procedimento validade e ou eficácia se ele não foi, dentre outras coisas, precedido de uma série de atividades preparatórias estabelecidas pela própria lei.

Se, no procedimento de formação do provimento, são chamados a participar em uma ou mais fases, também os interessados, em contraditório, colhemos aí a essência do processo, que é, justamente, um procedimento ao qual participam, além do autor do ato final, em contraditório entre eles os interessados, isto é, os destinatários dos efeitos de tal ato.

Quanto ao direito privado: elas também emanam do Estado, tanto quanto as normas de direito privado, e se distinguem das normas de direito público pelo seu conteúdo, que tem por disciplina a conduta dos consociados entre si ou entre estes e a administração pública. Nas primeiras há a paridade entre os sujeitos e nas segundas, uma posição de supremacia da autoridade sobre o cidadão.

Os processos nos quais se desenvolve a Jurisdição são processo mesmo.Há, como o processo civil, arquétipo dos demais, porque mais completo e complexo. O processo de jurisdição voluntária em verdade é procedimento. O processo administrativo em geral é procedimento. O processo legislativo em geral é processo mesmo, porque tem a sua essência nos debates e participação dos representantes do povo no ato final que é o ato legislativo.A conciliação não pertence á verdadeira jurisdição mas à jurisdição voluntária.

O método adotado por Fazzalari para explanação da sua teoria geral do processo é o método que vai do particular ao geral, do geral ao particular, em dupla escala, como ensinado por Bacone há quatro séculos atrás. Se reportando à disciplina positiva, , as normas que disciplinam os processos, não se estudará os processos que de desenvolvem em concerto, em determinadas circunstâncias de tempo e de lugar, mas sim os processos que estão regulados em abstrato pelas normas.

O pensamento jurídico percorreu um caminho estranho. Os processualistas sempre sustentaram reproduzir o processo durante dezenas de anos, com o clichê pandetístico da “relação jurídica processual”; quando os juspublicistas ofereceram o conceito de procedimento, que foi elaborado pelos administrativistas partindo do modelo de atividade de justiça, como arquétipo, sem prevenir a constatação de que tal modelo não é exclusivo da justiça, mas um esquema de teoria geral, utilizável e utilizado para além da jurisdição, em qualquer setor de ordenamento, e também, pela administração pública.

O PROCEDIMENTO como sequência de normas, de atos, de posições subjetivas. A estrutura do procedimento se colhe quando se encontra diante de uma série de normas, cada qual regulando uma determinada conduta, enunciando como pressuposto do próprio agir o cumprimento de uma atividade regulada por outra norma da série.

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O procedimento se apresenta como uma sequência de atos, previstos e valorados pela norma. O procedimento se entende como série de faculdades, poderes, deveres, de acordo com as diversas posições subjetivas, coligadas, e firmam as três angulações – normas atos, posições jurídicas.

O procedimento se distingue também claramente do ato composto e do ato complexo, este último combinações de normas que regulam um único ato.

Procedimento é gênero e processo é espécie: processo “é um procedimento no qual participam – são habilitados a participar – aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desenvolver efeitos: em contraditório, e de modo que o autor do ato não possa subtrair-se à sua atividade.”

O contraditório não é apenas “a participação dos sujeitos do processo.” Sujeitos do processo são o juiz, seus auxiliares, o Ministério Público, quando a lei o exige, e as partes (autor, réu, interveniente). O contraditório é a garantia de participação em simétrica paridade, das partes, daqueles a quem se destinam os efeitos da sentença, daqueles que são os “interessados”, ou seja, aqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos do provimento e da medida jurisdicional que ele vier a impor.

O contraditório não é também a “mera participação no processo”. Ele se passa entre os que têm interesses divergentes. A esses que têm interesse em um ato final que lhes favoreça, diferentemente de outros interesses que também lutam por um ato final do seu interesse é que demanda a simétrica participação na formulação do ato final.

As partes não se colocam em combate contra o juiz. Elas exercem controle sobre os atos do juiz, mediante a publicidade e a comunicação, a cientificação do ato processual.

A economia e celeridade do processo não são incompatíveis com as garantias das partes, e a garantia constitucional do contraditório não permite qe seja ele violado em nome do rápido andamento do processo.

O princípio do contraditório segundo La China se articula em dois tempos essenciais: informação, reação; a primeira sempre necessária e a segunda, sendo eventual, devendo ser necessariamente garantida na possibilidade de sua manifestação. Garantir o contraditório é um dever do Estado e por isso deve estar atento o juiz. Não é coação para o jurisdicionado, QUE PARTICIPA SE QUISER.

O contraditório não é o dizer e o contradizer. O contraditório é a igualdade de oportunidade no processo, é a igual oportunidade de igual tratamento, que se funda na liberdade e todos perante a lei. O objeto do contraditório é constituído das questões relativas aos atos processuais que compõem a própria atividade processual.

A caracterização do processo como procedimento realizado em contraditório entre as partes não é compatível com o conceito de processo como relação jurídica.

O conceito de relação jurídica ´o de vínculo de exigibilidade, de subordinação, de supra e infra-ordenação, de sujeição. Uma garantia não é uma imposição, é uma liberdade protegida, não pode ser coativamente oferecida e não se identifica como instrumento de sujeição. Garantia é liberdade assegurada. Se o contraditório é garantia de simétrica igualdade de participação no processo, como conciliá-lo com a categoria da relação jurídica? Os conceitos de garantia e vínculo de sujeição vêm de esquemas teóricos distintos. O processo como relação jurídica e como procedimento realizado em contraditório entre as partes não se encontram no mesmo quadro, e não há ponto de identificação entre eles que permita sua unificação conceitual.

4. O PROCESSO COLETIVO DO TRABALHO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

As ações coletivas se desenvolvem por meio do processo coletivo. Processo é espécie de procedimento realizado em contraditório (Fazzalari).

No campo do trabalho, o processo coletivo teve início no Estado Social, com gênese nos Sindicatos, por meio dos instrumentos do dissídio coletivo e a ação de cumprimento. Entretanto, é no paradigma do Estado Democrático de Direito que o processo

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coletivo do trabalho ganha contornos autônomos, embutido no emergente processo coletivo geral.

Conforme ensina Lorenzetti,5 o Estado de direito consagrou os direitos de primeira

geração, limitando os poderes que o Estado tinha de intrometer-se na vida dos indivíduos. São exemplos de direitos nascidos nesse paradigma o direito à liberdade, à vida, à integridade física e à propriedade.

Os direitos de segunda geração, isto é, os direitos econômico-sociais (direito do trabalho, à habitação digna e à saúde) foram incorporados aos Estados através do constitucionalismo social e formam a base de efetivação dos direitos de primeira geração.

Lorenzetti6 afirma que “para sermos livres, necessitamos ter um nível de vida

digno e um mínimo de educação; do contrário, não haverá possibilidade de optar, ou porque se está em estado de necessidade, ou porque não se conhece as opções.”

Enquanto os direitos de primeira geração pedem que o Estado se abstenha, os de segunda geração pedem que ele não se omita, que ele intervenha, constituindo assim, a base jurídica do Estado do bem-estar

7.

Os direitos de terceira geração, que inauguram o Estado Democrático de Direito, são os que definem e tutelam direitos coletivos lato sensu, quais sejam, os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.

Por meio deles se protegem bens como o patrimônio histórico, artístico e cultural, a autodeterminação, o patrimônio genético da espécie humana, bem como todo e qualquer outro direito coletivo lato sensu, como os direitos indisponíveis dos trabalhadores.

O papel do processo coletivo na conformação do paradigma do Estado Democrático de Direito é o de um movimento reformador do acesso à justiça, tendo em mira a eliminação, ou no mínimo a atenuação de três ordens de obstáculos: a hipossuficiência econômica dos que não estão em condições de suportar os custos processuais e extraprocessuais; a inviabilidade econômica de demandar individualmente direitos coletivos e difusos; a inadequação do modelo individualista na efetivação de direitos.

Para lograr remover tais obstáculos, conceitos processuais precisam ser introduzidos, revisados ou modificados. Apesar de muito já ter sido feito nesses últimos 20 anos, o momento ainda exige muito a fazer para o estabeleciento desse novo ramo do direito processual que é o direito processual coletivo.

O estudo processo coletivo do trabalho pode ter início pelo o estudo das ações coletivas passíveis de serem utilizadas para a defesa de interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos trabalhadores.

Não há unanimidade quanto às ações passíveis de serem propostas na Justiça do Trabalho para a defesa de tais direitos, sendo também sempre discutida a questão da legitimidade para a representação desses interesses.

Há autores que entendem que o processo coletivo do trabalho trata tão somente o Dissídio Coletivo. Outros que se lhe acrescem o dissídio coletivo, a ação de cumprimento e a ação civil pública. Por fim, há os que incluem toda e qualquer ação coletiva de tutela de direitos trabalhistas transindividuais, a saber: dissídio coletivo, a ação de cumprimento, a ação civil pública, a ação coletiva, o mandado de segurança coletivo e o mandado de injunção coletivo. Nos filiamos a este último grupo.

Santos8 também, e a este propósito, escolhe o seguinte caminho:

[...]”embora reconheçamos a vocação da ação direta de inconstitucionalidade, da ação declaratória de constitucionalidade e da ação popular para a tutela de interesses transindividuais, nossa análise limitar-se-á a algumas ações de competência da

5 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.

153/155, passim. 6 Idem, ibidem.

7 NASSIF, Elaine Noronha. Fundamentos da Flexibilização. Uma análise dos paradigmas e paradoxos do

direito e do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2001, pags. 43/45. 8 SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e Ações coletivas. São Paulo: LTr, 2003.

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Justiça laboral, como o dissídio coletivo, a ação de cumprimento, a ação civil pública, a ação coletiva, o mandado de segurança coletivo e o mandado de injunção coletivo, interpretando-as com os novos valores, regras e princípios processuais da denominada jurisdição coletiva.” (Grifos nossos).

No alvorecer dessa nova disciplina despontam as diferenças entre as variadas escolas de processo existentes no nosso país. As diferenças de autor para autor, de escola para escola, náo se limitam a discutir que tipo de ação é ou não cabível neste ou naquele foro, mas vão mais fundo, remontando aos conceitos de processo, procedimento, ação, jurisdição, legitimação, competëncia, parte, provocando uma reviravolta nos institutos tradicionais do processo. Façamos uma breve leitura de reconhecimento das diversas escolas.

5. LEGITIMAÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL COLETIVO. DO TRABALHO

Na teoria geral do processo individual, sabemos que a legitimação ORDINÁRIA o próprio titular do direito é parte na ação, sendo ele também destinatário da decisão final. Já na legitimação EXTRAORDINÁRIA dá-se conceitualmente quando o autor da ação não sendo o titular do direito, age em nome próprio defendendo direito alheio, como é o caso da substituição processual, prevista no art. 6º do CPC. Tal atuação, entretanto, só pode ocorrer em havendo previsão legal específica.

Esta atuação legal específica definia o objeto da ação e exigia a relação de substituídos já na petição inicial. Não é o que acontece no processo coletivo. Ali, as pessoas que serão destinatárias da decisão final, caso favorável (eis que se desfavoráveis não atingem os que não participaram efetivamente do processo), não são substituídos processuais. São representados, o que é muito diferente. Na substituição as pessoas são identificadas, o que não ocorre no processo coletivo.

A teoria de Fazzalari, acima rapidamente descrita, sobre a legitimação, é, dentre as outras apresentadas, a que, a meu ver, melhor se aplica à complexidade do processo coletivo, contribuindo para a sua compreensão.

Por isso, diz-se que as pessoas legitimadas para as ações coletivas atuam por legitimação ordinária, pois não são substitutos processuais.

Não há que se confundir com o conceito de parte. Parte no processo coletivo é o destinatário da decisão final. Inútil querer aqui aplicar a teoria chiovendiana ou de Liebman, pois a parte substancial não é a que entra com a ação.

Não é por outro motivo que o o membro do parquet, por exemplo, na qualidade de “parte”, (formal, entenda-se) não sofre nenhuma alteração na sua situação jurídica ou patrimonial, ou seja, sua condição é invariável e independe do resultado da ação. Não é como um advogado, tampouco, que terá também sua condição alterada de acordo com o resultado alcançado na ação.

Para clarear ainda mais vamos lembrar a história da substituição processual, enquanto durou o revogado Enunciado 310 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. A propósito da substituição processual sindical na justiça do trabalho, ensina Santos:

“Após 13 anos de atraso – a contar da edição da Lei n. 8.078/90, que introduziu a tutela dos direitos individuais homogêneos no processo civil- com a edição da Resolução n. 119/2003, pelo Tribunal Superior do Trabalho, que revogou a Súmula do enunciado n. 310, o Judiciário Trabalhista tornou-se apto a dar ao procedimento da ação de cumprimento tratamento uniforme ao das demais demandas para a tutela dos interesses individuais homogêneos. O antigo E. 310 continha exigências não compatíveis com os preceitos do art. 8º, inciso III, da CF/88 E COM AS Leis n. 7.347/85 e 8.078/90, razão pela qual, além de ilegal, era inconstitucional em muitos dos seus aspectos. Embora a revogação da citada súmula tenha extirpado do seu conteúdo do mundo jurídico, resolvemos manter os apontamentos a respeito das ilegalidades nela contidas e as críticas sobre ela lançadas por nós e pela doutrina em geral, tendo em

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vista que a sua vigência por aproximadamente 10(dez) anos além de desestimular a propositura de ações de cumprimento perante o Judiciários trabalhista, obstou a efetiva inserção desse instrumento processual no microssistema da jurisdição coletiva, formado pelas Leis n. 7347/85 e 8.078/90, sendo que seus reflexos ainda se fazem sentir no pensamento do Judiciário Trabalhista.”

6. COMPETÊNCIA E COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO DO TRABALHO

A Ação Civil Pública, como de resto as demais ações coletivas têm por objetivo tornar efetivo o direito posto, alcançando o maior numero de pessoas, e de modo homogêneo, em todo o território nacional. Significaria dizer, em outras palavras, que para alcançar seu resultado, a coisa julgada deveria ser a mais ampla possível, não obstante a decisão partisse de um juiz singular prevento. Por isso, o art. 16 da LACP previa, originalmente, que a sentença proferida em ação civil pública fazia coisa julgada erga omnes.

Entretanto, referida norma sofreu alteração pela Medida Provisória 1.570, de 1997, convertida na Lei 9.494 do mesmo ano. Com a inovação, pretendeu-se restringir a coisa julgada erga omnes aos limites da competência territorial do órgão prolator da decisão, mantida, no mais, praticamente idêntica a redação original do art. 16 da LACP. Nitidamente, a intenção tanto da MP 1.570/97 quanto da lei em que se converteu, sem dúvida, foi atenuar a eficácia prática da resolução judicial dos conflitos de massa julgados em sede ação civil pública. Conforme artigo de por Geórgia Karênia Rodrigues Martins Marsicano de Melo, disponível em http://jusvi.com/artigos/32601/2, A coisa julgada no processo coletivo:

O regramento da coisa julgada no processo coletivo, prevista no art. 103 do CDC, é provavelmente o que mais o diferencia do processo civil comum individual. Nas ações coletivas de um modo geral a coisa julgada ocorre de acordo com o resultado do processo, isto é, secundum eventum litis, concepção esta que na doutrina italiana

9 encontrou resistência tendo em vista que a possibilidade de poderem ingressar

com um sem número de ações contra o mesmo réu afrontaria a garantia do devido processo legal também para o Réu. Tal questão foi resolvida dentro do processo civil coletivo brasileiro, posto que, pela nossa legislação a mesma ação coletiva não pode ser proposta inúmeras vezes; apenas a extensão subjetiva da coisa julgada será conforme o resultado do processo (secumdum eventum litis). Ademais, fora estabelecido pelo CDC que há imutabilidade da coisa julgada nas ações coletivas para os co-legitimados, afastando a ocorrência da coisa julgada contra os titulares de direitos individuais. Dessa forma, caso ocorra igualdade de ações coletivas, podem ser aduzidas exceções de litispendência e de coisa julgada, nos termos do art. 301, incisos I a III do CPC. [...] Quanto às ações propostas individualmente, apenas beneficiar-se-ão da coisa julgada obtida em ação coletiva, quando o autor de ação individual tiver requerido oportunamente a suspensão da demanda na esfera individual, caso contrário, este autor não se beneficiará do resultado, nem também terá, em tese, seu direito prejudicado pela eventual improcedência na ação coletiva, o que significa que, havendo improcedência na ação coletiva, aqueles que não integraram a lide como assistentes litisconsorciais podem propor demanda individual. As ações coletivas não induzem à litispendência ou coisa julgada em relação às ações individuais, salvo se os interesses protegidos forem de natureza individual homogênea - ocorrendo, neste caso, a coisa julgada em relação aos lesados que intervieram na ação, tendo pedido a suspensão da sua demanda individual caso existisse; ou mesmo, tendo ingressando como assistente litisconsorcial da ação coletiva. Na hipótese de improcedência da ação coletiva, aqueles que não ingressaram na lide coletiva poderão propor ações individuais, pois a coisa julgada produzida naquela ação não atinge o direito individual. [...]

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Inicialmente, os limites subjetivos da coisa julgada em matéria de interesse coletivo, foi disciplinado pelo art. 18 da Lei 4.717/65 (Lei de Ação Popular), análogo ao art. 16 da Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública).

Na ação popular, como nas demais ações coletivas, a coisa julgada apresenta-se de modo diverso daquele adotado pelo Código de Processo Civil, haja vista que, pela sistemática deste Diploma Legal, cada parte por si ou por seu representante legal, é titular de direito seu (hipótese de legitimação ordinária), enquanto que nas ações de tipo coletivo, como a ação popular, o autor não se apresenta como titular exclusivo do interesse em lide, mesmo porque sua legitimação é comum a um número indeterminado de pessoas que também poderiam ter ajuizado aquela mesma ação.

O TST editou a polêmica OJ (Orientação Jurisprudencial) 130 da SDI- I dividindo os operadores do direito entre os que lhe são favoráveis e os que lhe são contrários.

Nº 130 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. EXTENSÃO DO DANO CAUSADO OU A SER REPARADO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 93 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DJ 04.05.2004 Para a fixação da competência territorial em sede de ação civil pública, cumpre tomar em conta a extensão do dano causado ou a ser reparado, pautando-se pela incidência analógica do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, se a extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional, a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do Estado; se for de âmbito supra-regional ou nacional, o foro é o do Distrito Federal.

Os dispositivos relacionados à OJ 130 dizem o seguinte:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Parágrafo único A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

[...]

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Incluído Lei nº 8.078, de 1990)

Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

O Superior Tribunal de Justiça, interpretando os mesmos dispositivos, não conduziu todas as ações de âmbito de mais de um Estado ou de âmbito nacional para o Distrito Federal, o que acarretaria um verdadeiro gargalo naquele foro. Ao contrário do TST, que produziu esse

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gargalo, o STJ entendeu o foro do Distrito Federal equivalente ao foro de Capital de Estado, sem qualquer conotação específica.

Na justiça do trabalho, digamos que o dano ocorra nos Estados do Amazonas e Acre. A competência funcional estará deslocada para milhares de quilometros de distância do local do dano, contrariando o critério da proximidade do dano, adotado na lei de regência, e que propicia, obviamente, o melhor acesso às provas, ao exercício da ação, à ampla defesa e ao exercício do contraditório. O mais sério não são tanto as dimensões continentais do país mas as dificuldades que o deslocamento da competência funcional acarreta para o devido processo legal.

Pedro da Silva Dinamarco analisando a conjugação do art. 2º da LACP com o art. 93 do CDC, conclui que:

“ O primeiro e mais importante critério é, novamente, o da proximidade com o local do dano, já ocorrido ou na iminência de ocorrer (art. 93, I, e LACP, art. 2º). Trata-se de critério funcional, que visa deixar o juiz o mais próximo possível do local das provas e das próprias vítimas, facilitando o acesso à justiça. Sempre que possível, portanto, deve ser respeitada essa regra segundo a qual a ação coletiva deve tramitar na Comarca onde tenha ocorridoo dano.

Mas essa é a hipótese de danos geograficamente restritos. Ocorre que muitas vezes o dano se alastra em mais de uma Comarca ou em mais de um Estado, podendo até mesmo ser de âmbito nacional.

Nos casos em que o dano alegado atingir poucas Comarcas, vem se entendendo que, em princípio, a competência é de qualquer uma delas. Contudo, se entre elas estiver a Capital do Estado, esta será a única competente.

Se o alegado dano compreender todo (ou quase todo) o Estado, mas não ultrapassar seus limites territoriais, não há muita dúvida de que a competência será exclusiva da Capital do respectivo Estado.

Sendo o dano alegado de âmbito regional, isto é, que possa abranger um número considerável de Comarcas localizadas em mais de um Estado, mas não corresponder a todo o território nacional (p. ex. atingir apenas os Estados da região Sul e sudeste), então a competência será concorrente entre as Capitais desses respectivos Estados.

Se o alegado dano for de âmbito nacional – o que ao menos aparentemente é incompatível com a redação do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública dada pela Lei 9494, de 10.09.1997 – então a competência será concorrente entre as capitais dos Estados e do Distrito Federal, conforme afirmado pela jurisprudência aparentemente pacífica do STJ. A razão de se afirmar a competência concorrente foi bem indicada em acórdão relatado pelo Min. Ari Pargendler, desenvolvida a partir da leitura atenta do texto legal: “pretende-se, a vista do inciso Ii, que a ação civil coletiva seja processada e julgada no Distrito Federal, sempre que os danos tenham âmbito nacional. A interpretçaão talvez pudesse vingar se o texto dissesse para os danos de ^mabito regional ou nacional. Ao contrário, ele fixa a competência no foro da capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional. O foro do distrito Federal está aí, assimilado ao foro da Capital do Estado, sem qualquer conotação específica.”

7. O INCIDENTE DE COLETIVIZAÇÃO NO PROJETO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL (PLS 166/2010)

Conclusão do Cappelletti e Garth:

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“ O surgimento em tantos países do “enfoque do acesso à justiça” e uma razão para que se encare com otimismo a capacidade de nossos sistemas jurídicos modernos em atender às necessidades daqueles que,por tanto tempo, não tiveram possibilidade de reivindicar seus direitos. Reformas sofisticadsa e inter-relacionadas, tais como as que caracterizam o sistema sueco de proteçãoao consumidor, revelam o grande potencial dessa abordagem. O potencial, no entanto, precisa ser traduzido em realidade, mas não é fácil vencer a oposição tradiciona á inovação. É necessário enfetizar que, embora realizações notáveis já tenham sido alcançadas, ainda estamos apensa no começo. Muito trabalho resta a ser feito, para que os direitos das pessoas comuns sejam efetivamente respeitados. Ao saudar o surgimento de novas e ousadas reformas, não podemos ignorar seus riscos e limitações. Podemos ser céticos,por exemplo, a respeito do potencial das reformas tendentes ao acesso à justiça em sistemas sociais fundamentalmente injustos. É preciso que se reconheça que as reformas judiciais e processuais não são substitutos suficientes para as reformas políticas e sociais. [...] Um aspecto igualmente óbvio – bem conhecido dos estudiosos de Direito Comparado – é o de que as reformas não podem ( e não devem) ser transplantadas simploriamente de sues sistemas jurídicos e políticos. Mesmos se transplantada “com sucesso”, uma instituição pode, de fato, operar de forma inteiramente diversa num ambiente diverso. Nossa tarefa deve consistir, com o auxílio da pesquisa empírica e interdisciplinar, não apenas em diagnosticar a necessidade de reformas, mas também cuidadosamente monitorar sua implementação. Também é necessário aos reformadores reconhecer que, a despeito pelo apelo óbvio da “especialização” e da criação de novas instituições, os sistemas jurídicos não podem introduzir órgãos e procedimentos especiais para todos os tipos de demandas. A primeira dificuldade séria é que as fronteiras de competência podem tornar-se confusas. Diz o relatório israelense do Projeto de Florença: - “Deveria ser muito fácil localizar o tribunal apropriado... Mas, frequentemente, os limites da competência são difíceis de serem precisados... Em caso de dúvida – e a dúvida cresce com cada novo tipo de tribunal que é criado – o requerente tem de ser muito mais cuidadoso porque ele pode estar certo de que, qualquer que seja a sua escolha, o réu terá outro ponto de vista. De qualquer forma, muito tempo será perdido com essa preliminar, e a possibilidade de transferir a causa é uma compensação muito pequena”. [...] Sem dúvida, a proliferação de tribunais especializados pode, por si só, toranr-se uma barreira ao acesso efetivo, resultando nauqilo que o ralatório francês do Projeto de Florença denominou de “litigação parasitária”.

9

Uma vez que grande e crescente número de indivíduos, grupos e interesses, antes não representados, agora têm acesso aos tribunais e a mecanismos semelhantes, através das reformas que apresentamos ao longo do trabalho, a pressão sobre o sistema judiciário, no sentido de reduzir a sua carga e encontrar procedimentos ainda mais baratos, cresce dramaticamente. Não se pode permitir que essa pressão, que já é sentida, venha a subverter os fundamentos de um procedimento justo. Neste estudo, falamos de uma mudança na hierarquia dos valores no processo civil – de um desvio no sentido do valor da acessibilidade. No entanto, uma mudança na direção de um significado mais “social” da justiça não quer dizer que o conjunto de valores do procedimento tradicional deva ser sacrificado. Em nenhuma circunstãncia devemos estar dispostos a „vender a nossa alma‟. Concluímos, portanto, por reconhecer que existem perigos em introduzir ou mesmo propor reformas imaginativas de acesso á justiça. Nosso sistema judiciário já foi descrito assim:

9 Vide Thery, P. Nota supra n. 2, seção I. Taylor escreve que Justiça fragmentária é frequentemente

injustiça, e um litigante individual muito facilmente desiste, quando é mandado de Herodes a Pilatos para achar quem decida seu caso.”

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_ “Por admirável que seja, ele é, a um só tempo, lento e caro. É um produto final de grande beleza, mas acarreta um imenso sacrifício de tempo, dinheiro e talento.” Esse belo sistema é frequentemente um luxo; ele tende a proporcionar alta qualidade de justiça apensa quando, por uma ou outra razão, as partes podem ultrapassar as barreiras de forma compreensiva, questioando o conjunto das instituições, procedimentos e pessoas que caracterizam nossos sitemas judiciários. O risco, no entanto, é que o uso de procedimentos rápidos e de pessoal com menor remuneração resulte num produto barato e de má qualidade. Esse risco não pode ser nunca esquecido. A operacionalização de reformas cuidadosas, atentas aos perigos envolvidas, com uma plena consciência dos limites e potencialidades dos tribunais regulares, do procedimento comum e dos procuradores é o que realmente se pretende com esse enfoque de acesso á justiça. A finalidade não é fazer uma justiça “mais pobre”, mas torná-la acessível a todos, inclusive aos pobres. E, se é verdade que a igualdade de todos perante a lei, igualdade efetiva – não apenas formal – é o ideal básico de nossa época, o enfoque de acesso à justiaç só poderá conduzir a um produto jurídico de muito maior beleza – ou melhor qualidae – do que aquele de que disposmos atualmente.

O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO ANTEPROJETO DO

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL10

Exame à luz da Group Litigation Order britânica

Daniel de Andrade Lévy

Doutorando em Direito Privado - Arbitragem pela Université Panthéon-Assas (Paaris li). Membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem, do Comité Français de l'Arbitrage e da Association

Suisse de l'Arbitrage. Advogado.

RESUMO: a presente artigo tem como principal objetivo examinar a proposta apresentada no Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil brasileiro que cria o incidente de resolução de demandas repetitivas, cujo objetivo é permitir a reunião de demandas individuais que versem sobre o mesmo objeto dentre de certas condições. Para tanto, parte-se do estudo comparado de instituto análogo no Direito Inglês, o Group litigation arder, a fim de compreender quais são .as qualidades e desvantagens do mecanismo a serem considerados pelo legislador quando do .debate parlamentar para a aprovação do Novo Código de Processo Civil.

'PALAVRAS-CHAVE: Novo Código de Processo Civil Demandas repetitivas - Ação coletiva - Direitos homogêneos - Reunião de ações - Coisa julgada - Reino Unido - Estados Unidos da América.

ABSTRACT: The principal purpose of this article is to examine the proposal presented in the draft bill of the new Brazilian Code of Civil Procedure which creates the case of the judgement of repeated claims, the aim of which is to enable the bring,ing together of individual claims regarding the same matter under certain conditions. To this end, the

10 LÉVY, Daniel de Andrade. O incidente de resolução de demandas repetitivas no anteprojeto do novo

Código de Processo Civil: exame à luz da Group Litigation Order britânica. Revista de Processo São Paulo ,v. 36, n. 196, p. [165]-233, jun. 2011.

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article begins by making a comparative study of the analogous institution of the Group Litigation arder in English Law, in order to understand the qualities and disadvantages of this mechanism to be taken into consideration by legislators during the parliamentary debate on the approval of the new Code of Civil Procedure.

KEYWORDS: New Civil Procedure Code - Group Litigation arder - C1ass action - Mass litigation - Homogeneous rights - Res judicata - United Kingdom - United States of America.

SUMARIO: 1. Introdução - 2. O Anteprojeto e a busca pela uniformização: 2.1 O incidente de resolução de demandas repetitivas; 2.2 A coletivização do processo no contexto do Anteprojeto - 3. A Group Litigation arder (GLO) britânica: 3.1 Breve histórico; 3.2 Conceitos e critérios; 3.3 Requisitos formais e juizo-administrador; 3.4 Operacionalização; 3.5 Efeitos e coisa julgada; 3.6 O caso Taylor vs. Nugent Society - 4. A Group Litigation arder e a class action americana - 5. Conclusão - 6. Bibliografia.

"O que se denomina união em um corpo político é algo totalmente equivocado: a verdadeira união é a união da harmonia, que reúne toodas as partes, por mais opostas que possam parecer, para o bem geral da sociedade; como os acordes, na música, concorrem para a melodia final" (MONTESQUIEU, Charles de. Considérations sur les causes de Ia grandeu r des Romains et de leur décadence, Capitulo 9, p. 157, trad. livre).

1. INTRODUÇÃO

Desde que foi instituída a Comissão de Juristas incumbida de elaborar uma proposta de reforma do Código de Processo Civil brasileiro, em setembro de 2009,

11 uma das

preocupações fundamentais daquele grupo na busca pela evolução do sistema foi a hipertrofia quantitativa do Poder Judiciário. Logo na apresentação do Anteprojeto, o Presidente do Senado Federal, Senador José Sarney, é enfático ao indicar quais são os atuais anseios dos cidadãos na busca por um novo Código "que privilegie a simplicidade da linguagem e da ação processual, a celeridade do processo e a efetividade do resultado da ação, além do estímulo à inovação e à modernização do procedimento, garantindo o respeito ao devido processo legal".

12

Tais princípios, ao nortear a caminhada da Comissão de Juristas, irradiaram os valores

que impregnam as alterações e criações sugeridas, sempre com um olhar, antes quase ausente, sobre o direito material. Talvez esteja nesse foco uma das grandes qualidades das propostas trazidas para um novo estatuto processual, a visão do processo e do procedimento como um conjunto de atos coordenados para alcançar determinado fim, e não como institutos que possuem existência de per se. A autonomia do processo civil não é questionada, mas direcionada para assegurar um sistema próprio de participação do indivíduo no contraditório, na formação da convicção do julgador; não se trata de uma autonomia que esquece o direito material, mas de uma autonomia legitimada pela existência de normas e princípios processuais que vêm garantir a aplicação equânime daquele direito material.

O Anteprojeto veio responder a essas duas demandas: uma, derivada da análise acurada dos problemas que o direito material moderno traz para o processo; outra, relativa à constatação de como o Poder Judiciário atual tem tratado tais problemas. E, nesse cotejo, a disciplina das ações repetitivas é talvez a que mais fielmente reflita essa dupla preocupação.

11

A Comissão de]uristas foi instituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal 379, de 30.09.2009, publicado no DOU de 02.10.2009, Seção 2, p. 46.

12

Apresentação ao Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Disponível em: [ www.senado.gov.br/senado/novocpdpdfl Anteprojeto. pdf]. Acesso em: 04.06.2011.

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A ampliação dos direitos coletivos fez surgir a idéia de um interesse que transcende o indivíduo, do qual o Estado é garante, e o ser humano é mero possuidor. Não pertence a ninguém, ao mesmo tempo em que pertence a todos O surgimento de uma sociedade de massa fundada no consumo trouxe a preocupação da amplitude das lesões que determinado dano possa causar, sendo impossível ater-se às noções clássicas da demanda, cuja linearidade era muito mais adequada para a causa direta entre dois indivíduos. Hoje, a contaminação de um lençol freático, ou o vício de um medicamento comercializado em grande escala, causam lesões a centenas ou milhares de sujeitos passivos de um agente muitas vezes indeterminado. Some-se a esse aspecto quantitativo, a crescente flexibilização ou, nos termos de Anderson Schreiber,

13 a erosão dos filtros da responsabilidade civil, onde a importância da

conduta culposa é cada vez menor, quase abstraída, em prol de um interesse público transcendental.

Esse caráter nebuloso das crises materiais modernas, somado ao nascimento de relações processuais que comportam um sem número de sujeitos processuais - ou bem um único sujeito processual que representa um sem número de direitos - desafia a organização do Poder Judiciário no início do século XXI, e foi uma das grandes preocupações da Comissão de Juristas na elaboração do Anteprojeto .

Mais do que os direitos coletivos propriamente ditos, cujo caráter difuso é abrandado pela legitimidade processual de um único ente, como o Ministério Público ou associações, foram os direitos individuais homogêneos

14 que mais : e ocuparam a Comissão na elaboração

do incidente ora examinado, isto é, direitos que, embora sejam oriundos de um prejuízo individualizado, foram causados por um fator de origem comum.

15 Dessa forma, embora a sua

tutela possa ser coletiva, muitas vezes acabam somando-se em várias demandas individuais, perante juízos diversos. A idéia de sua coletivização, pois, atende a um apelo de facilitação de sua tutela, haja vista que cada um dos indivíduos lesados poderia pleiteá-los individualmente. Portanto, distinguem-se dos direitos coletivos, porque esses são de titularidade de um grupo, categoria ou classe reunida em torno de uma relação jurídica, e diferenciam-se dos direitos difusos porque, aqui, há um direito de titularidade indeterminada, mas cujo aspecto coletivo advém de uma ligação fática dos membros do grupo, como o fato de residirem em um terreno contaminado, por exemplo.

É de suma importância a distinção entre os três tipos de direitos coletivos lato sensu para compreender que o incidente de resolução de demandas repetitivas visa, sobretudo, à reunião das ações que, embora propostas individualmente, derivam de um mesmo fato gerador de direito, e cuja união permitirá tornar mais eficiente e equilibrada a relação processual.

Sob a ótica processual, diversos princípios e exigências pragmáticas justificam a reunião das demandas por meio do incidente proposto pela Comissão. Primeiramente, destaque-se a celeridade processual, pedra de toque do Anteprojeto, traduzida na exigência de modulação do aparato organizacional existente hoje no Poder Judiciário frente às demandas

13

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007 14

Para um estudo aprofundado sobre os direitos individuais homogêneos, remeta-se à obra de José Marcelo Menezes Vigliar. Interesses individuais homogêneos e seus aspectos polêmicos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

15

Cite-se a menção aos direitos individuais homogêneos no Código de Defesa e Proteeção do Consumidor (Lei 8.078/1990): "Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum" (grifou-se).

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coletivas sociais. Assim, seja no âmbito do incidente de coletivização,16

seja no aperfeiçoamento das súmulas vinculantes, ou na consagração dos recursos repetitivos, o julgamento conjunto de demandas é problemática nodal no trabalho da Comissão. Não por outro motivo, assim se manifesta a Comissão na Exposição de Motivos do Anteprojeto:

"Por enquanto, é oportuno ressaltar que levam a um processo mais célere as medidas cujo objetivo seja o julgamento conjunto de demandas que gravitam em tomo da mesma questão de direito, por dois ângulos: (a) o relativo àqueles processos, em si mesmos considerados, que, serão decididos conjuntamente; (b) no que concerne à atenuação do excesso de carga de trabalho do Poder Judiciário •já que o tempo usado para decidir aqueles processos poderá ser mais eficazmente aproveitado em todos os outros, em cujo trâmite serão evidentemente menores os ditos 'tempos mortos' (= períodos em que nada acontece no processo)."

17

Sob uma ótica "macroprocessual", a reunião dos processos repetitivos, acabará por

gerar uma economia temporal para os juízos que não precisarão conhecer as questões jurídicas coletivizadas, podendo-se dedicar a outras demandas, inclusive durante a suspensão determinada pelo incidente.

Outro princípio processual norteador do incidente é a preocupação em afastar as decisões contraditórias, em busca da harmonia do ordenamento jurídico o que, em última instância, deságua na exigência de maior segurança jurídica para o litigante. Eis o entendimento da Comissão sobre o assunto:

"Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos.

Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranquilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade."

18

A segurança jurídica não apenas cobre toda a discussão do Anteprojeto, como se

tomou fundamental diante das críticas que o Poder Judiciário brasileiro vem sofrendo como propagador de uma insegurança que afeta diretamente a potencialidade de investimentos no país.

19 O incidente de resolução de demandas repetitivas tem o mérito de formar um

entendimento uníssono sobre a questão em debate, diminuindo a margem de incerteza não apenas dos sujeitos do processo, mas de todos aqueles que calcularem as suas condutas com base no entendimento exarado pelo precedente.

A exposição de motivos do Anteprojeto coloca o incidente na preocupação de "evitar a dispersão excessiva da jurisprudência",

20 e cita trecho lapidar de Alfredo Buzaid, que vale

transcrever:

16

Permita-se aqui empregar a expressão "incidente de coletivização" como sinônimo da expressão finalmente escolhida para denominar o instituto, "incidente de resolução de demandas repetitivas", não apenas para evitar a repetição terminológica no texto, mas também porque aquela foi a primeira denominação do instituto nas propostas anteriores ao trabalho final do Anteprojeto. 17

Exposição de Motivos do Anteprojeto, p. 15. Disponível em: [www.senado.gov.br/ senado/novocpdpdflAnteprojeto.pdf]. Acesso em: 04.06.2011.

18

Idem, p. 16.

19

Entre outros, veja-se matéria publicada no jornal Valor Econômico de 08.01.2009, sob o título "O custo Brasil e a morosidade do Poder Judiciário".

20

Exposição de Motivos do Anteprojeto cit., p. 19.

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21

"Na verdade, não repugna ao jurista que os tribunais, num louvável esforço de adaptação, sujeitem a mesma regra a entendimento diverso, desde que se alterem as condições econômicas, políticas e sociais; mas repugna-lhe que sobre a mesma regra jurídica deem os tribunais interpretação diversa e até contraditória, quando as condições em que ela foi editada continuam as mesmas. O dissídio resultante de tal exegese debilita a autoridade do Poder Judiciário, ao mesmo passo que causa profunda decepção às partes que postulam perante os tribunais."

21

Nos EUA, a insegurança jurídica gerada pela indústria das indenizações milionárias

decorrentes do tort law tem sido alvo das mais duras críticas, sobretudo do setor empresarial, que enxerga na imprevisibilidade das decisões judiciais principal fator de aumento de custos e elevação de seus preços. Por esse motivo é que se cunhou naquele país, há certo tempo, a pejorativa expressão jackpot justice,

22 para caracterizar uma Justiça sem qualquer

uniformidade de entendimentos, uma das maiores preocupações da Comissão do Anteprojeto brasileiro.

Assim, nos dizeres da Comissão:

"( .. ) criou-se, com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta"

23

Também é necessário enxergar o incidente no contexto de uma facilitação do acesso à

Justiça, o que foi uma preocupação constante dos juristas da Comissão, manifestada, por exemplo, pelo jurista Paulo Cézar Pinheiro Carneiro, ao afirma a criação de um incidente de coletivização como forma de "evitar o problema do acesso à justiça".

24 Vale lembrar que Mauro

Capelletti, em seu Acesso à Justiça, já aludia com precisão para o problema da coletivização das demandas:

"Outra barreira se relaciona precisamente com a questão da reunião. As várias partes interessadas, mesmo quando lhes seja possível organizar-se e demandar, podem estar dispersas, carecer da necessária informação ou simplesmente ser incapazes de combinar uma estratégia comum. Esse problema é mais exacerbado pelo, assim chamado, livre-atirador: uma pessoa que não contribui para a demanda, mas não pode ser excluída de seus benefícios: por exemplo, a suspensão das obras da barragem. Em suma, podemos dizer que, embora as pessoas na coletividade tenham razões bastantes para reivindicar um interesse difuso, as barreiras à sua organização podem, ainda assim, evitar que esse interesse seja unificado e expresso."

25

21

Uniformização de Jurisprudência. Revista da Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul 34/139,juI. 1985 apud Exposição de Motivos do Anteprojeto cit., p. 19, nota 18.

22

Cite-se, por exemplo, SCHARTZ, V. E. et aI. Reining in Punitive Damages, "Run Wild": Proposals for Reform hy Courts and Legislatures. Brooklyn Law Review apud SEEBOK, Anthony]. Punitive damages in the United States. In: KOZIOL, Helmut; WILCüX, Vanessa. Puni tive damages: common law and civillaw perspectives. Vienna/NewYork: Springer, 2009. p. 156.

23

Exposição de Motivos do Anteprojeto cit., p. 20.

24

L" Ata de Reunião da Comissão, p. 48. Observe-se que todo o material relativo ao trabalho da Comissão, como atas, audiências públicas etc. encontra-se disponível em: [www.senado.gov.br/senado/novocpdJ. Acesso em: 06.07.2010.

25

CAPPELLETTl, Mamo. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 26. Mais à frente, o autor desenvolve de forma ainda mais completa a questão do acesso à Justiça decorrente dos direitos coletivos e difusos, p. 49 e ss.

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Esmiuçando-se a questão, é possível apontar a concretização do acesso à Justiça no âmbito do incidente de demandas repetitivas nos seguintes elementos: a) possibilidade de ingressar em juízo mesmo sendo um pequeno e pouco usual litigante; b) diminuição e repartição do custo de processos que, na maioria das vezes, são dispendiosos; c) maior equilíbrio da relação processual, aumentando-se o poder da parte lesada quando associada com outros indivíduos na mesma situação, facilitando uma justa repartição também dos ônus processuais; e d) a análise mais técnica do caso, com a participação de órgãos especializados como amicus curiae, sem maiores custos.

Como já se lê na Exposição de Motivos, em trecho acima citado, é impossível vislumbrar o instituto proposto pela Comissão do Anteprojeto sem recorrer ao estudo comparado. De fato, diversos países desenvolveram ferramentas análogas, dentre os quais se destaca a Alemanha, os EUA e a Inglaterra. Embora o Anteprojeto mencione expressamente a experiência alemã,

26 pedimos vênia para nos debruçar sobre a experiência inglesa, por três

principais razões: primeiramente, porque a Group Litigation Order (GLO) daquele país aproxima-se com bastante precisão do instituto imaginado pela Comissão do Anteprojeto; em seguida, desde sua criação e implementação, em meados de 2000, a GLO tem sofrido inúmeras críticas, cujo debate nos parece profícuo para o exame do incidente brasileiro; e, finalmente, porque o case law inglês resultou na formação de uma jurisprudência analítica sobre a GLO muito interessante, que permitiu traçar os principais contornos que, na prática, são necessário ao bom funcionamento do instituto.

Portanto, trata-se de matéria em que o estudo comparado é não apenas recomendado, mas conditio sine qua non para que a experiência estrangeira possa servir não apenas em seus acertos, mas, sobretudo, em suas críticas e discussões. Nos dizeres de Tulio Ascarelli:

"(. .. ) o direito comparado representa o meio para ampliar nossa experiência jurídica no espaço, meio semelhante ao que a história representa quanto ao tempo; permite-nos, através do enriquecimento de nossa experiência, entender e avaliar melhor os diversos sistemas jurídicos, e, pois, reconstruir os traços fundamentais do direito na civilização atual ou em determinada época histórica, e as linhas básicas do seu desenvolvimento".

27

Que o estudo comparado acerca do incidente de resolução de demandas repetitivas

nos sirva para evitar um importacionismo desatento das peculiaridades do direito brasileiro, sempre primando pela adaptação dos institutos à nossa realidade, sob pena de nos tornarmos, nas sábias palavras de Sérgio Buarque de Holanda, "desterrados em nossas terras".

28

2. O ANTEPROJETO E A BUSCA PELA UNIFORMIZAÇÃO

Antes de adentrar qualquer estudo comparado, é imprescindível conhecer as linhas do instituto proposto entre nós, para que se possam enxergar quais foram as influências axiológicas do direito alienígena. Haja vista que o Ante- projeto do Novo Código de Processo Civil foi oficialmente entregue ao Presidente do Senado no dia 08.06.2010, já é possível observar qual foi o produto das reflexões da Comissão, a fim de, posteriormente, confrontá-Lo com as principais discussões na doutrina e na jurisprudência estrangeira. Logo, permita-se um breve exame dos dispositivos do nove I Código sobre o tema.

26

Vide nota 19 da Exposição de Motivos do Anteprojeto, cL nota 8, supra.

27

ASCARELLl, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. São Paulo: Saraiva, 1946. p. 7.

28

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. p. 31.

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Uma das pilastras do Anteprojeto é a necessidade de homogeneização dos entendimentos judiciais, em prol da segurança jurídica, da economia processual e do acesso à Justiça. Daí decorre a preocupação crescente do Anteprojeto com a consagração e ampliação dos instrumentos de coletivização dos posicionamentos, seja em primeira instância, seja em grau recursal ordinário, seja ainda em grau extraordinário. Fato é que, em diversos momentos, o novo Código de Processo Civil propaga a uniformização das decisões judiciais.

Permita-se, em primeiro lugar, (a) explorar os contornos do incidente de resolução de demandas repetitivas, previsto nos arts. 930 e ss. do Anteprojeto,1

29para, em seguida, (b)

examinar de que forma o referido incidente modulou diversas outras disposições do novo Código. 2.1 O incidente de resolução de demandas repetitivas

A disciplina do incidente de coletivização no Anteprojeto encontra-se em seus arts. 930 a 941, Livro IV ("Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais"), Título I ("Dos Processos nos Tribunais"), Capítulo VII ("Do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas").

Ao se examinar o conteúdo das atas de reuniões da Comissão, assim como as atas das diversas audiências públicas realizadas, fica claro que uma das grandes dúvidas dos juristas responsáveis pelo Anteprojeto era relativa ao nível de detalhamento que o instituto deveria ter no novel Código, ou se tal regulamentação deveria ser deixada aos regimentos internos dos diversos tribunais estaduais, ou mesmo ao Conselho Nacional de Justiça.

Ao se ler os artigos do Anteprojeto, parece que se adotou uma regulamentação bastante completa, deixando-se aos regimentos internos e ao CNJ apenas questões de operacionalização menores, como o registro e publicização dos incidentes, no que tange a esse último, e o processamento da reclamação pelo descumprimento da tese predominante, no que tange o regimento interno dos tribunais.

O art. 930, que inaugura o Capítulo dedicado ao tema, fixa o requisito objetivo para a propositura do incidente:

"É admissível o incidente de demandas repetitivas sempre que identificada controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes".

Preliminarmente, vale lembrar que precederam à versão final do Anteprojeto diversas propostas que podem ser exaradas da análise das várias atas das reuniões da Comissão

30

que, embora não adotadas integralmente na versão final, constituem uma interessante fonte da mens legislatoris, sempre se atentando para a ressalva de Carlos Maximiliano, para quem "a pesquisa da intenção ou do pensamento contida no texto arrasta o intérprete a um terreno movediço, pondo-o em risco de tresmalhar-se em inundações subjetivas".

31

,: Vale notar que o texto final do Anteprojeto adota uma visão prospectiva do :" incidente, pois se funda não apenas na existência de uma série de demandas análogas, mas na simples potencialidade de existirem. Dessa forma, o primeiro requisito objetivo do incidente

29

Última versão disponível em: [www.camara.gov.br/sileglintegras/831805.pdf]. Acessso em: 04.06.2011.

30

Vide nota 15.

31

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 23.

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parece ser a potencialidade de determinada questão gerar relevante multiplicação de processos. Passível de crítica a adjetivação "relevante" no que tange a multiplicação de processos, isto é, não há maiores precisões no Anteprojeto quanto ao número de questões repetitivas suficientes para qualificar tal multiplicação de "relevante". Tal quantificação é ainda mais complexa por exigir certo exame de evidência dos legitimados à sua propositura, haja vista que, pelo texto da lei, não seria mister a existência presente e efetiva do número relevante de demandas, mas mera potencialidade. Vale notar que as discussões da Comissão ora preferiram não contemplar número máximo ou mínimo de demandas, apenas a "existência de multiplicidade de ações", ora inclinou-se pela exigência de um número mínimo de 20 demandas em 90 dias a partir do registro do incidente no Cadastro Nacional, inclusive sob pena de extinção do incidente e continuação das demandas individuais caso não alcançado aquele piso.

32 Embora nos pareça desnecessária a

fixação de qualquer número cabalístico, entendemos que será de exame complexo e demasiado abstrato a existência de uma potencialidade de relevante multiplicação, parecendo mais interessante a constatação presente de uma questão controvertida, com o seu cadastro e publicização, aguardando-se, por prazo determinado, o surgimento de questões idênticas que justifiquem o julgamento conjunto. A partir daí, caberá ao juízo competente para o exame do incidente avaliar se o número de demandas surgidas naquele caso, bem como a sua dimensão, justificam o prosseguimento do incidente.

Em seguida, o artigo inaugural do tema exige "idêntica questão de direito" entre as diversas demandas, o que corrobora o entendimento já esboçado nas reuniões da Comissão, embora possa destoar de outros ordenamentos estrangeiros, que também admitem a reunião de ações diante de idêntica controvérsia de fato.

Além da potencialidade para gerar relevante multiplicação de processos, o Anteprojeto ainda exige potencial para "causar grave insegurança jurídica", a qual decorre do "risco de coexistência de decisões conflitantes". Uma vez que o próprio objetivo do instituto, conforme mencionamos supra, é diminuir a insegurança jurídica, inclusive derivada de decisões contraditórias oriundas de situações idênticas, tal requisito parece-nos apenas uma explicitação de sua razão de ser, sem uma implicação jurídica maior. Quis o artigo ser explícito em sua ratio, talvez para evitar alguma forma de abuso e insistir na parcimônia de sua utilização, afirmando que o seu principal mote é evitar decisões contraditórias, seguindo uma tendência de uniformização que cobre todo o Anteprojeto.

Note-se que o Anteprojeto não prevê número mínimo de causas para se instaurar o incidente, sendo absolutamente possível pensar na hipótese da parte que, entendendo que seu processo comporta controvérsia que gerará outras demandas, suscite o incidente. Ademais, não há, ao longo do Capítulo dedicado ao instituto, qualquer exigência de novas causas para a continuação e julgamento do incidente, logo, indaga-se se é possível que apenas um processo, fundado na mera potencialidade de sua multiplicação, sirva de base, julgamento e aplicação para o incidente, com a aplicação da tese jurídica a "todos os processos que versem idêntica questão de direito" (art. 938, do Anteprojeto)?

O § 1.0 do art. 930 aponta os legitimados para propor o incidente de coletivização: o próprio juiz ou relator, por ofício, as partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública. O Anteprojeto, talvez por uma preocupação em não associar o incidente à ação coletiva, afasta sugestões surgidas durante as reuniões da Comissão, de dotar de legitimidade para o incidente, além das partes, os mesmos legitimados para a ação civil pública. Além de eliminar qualquer comparação, a vedação aos legitimados para a ação civil pública evita a profissionalização desses incidentes, a partir de associações que, cada vez mais, vem a sua razão de ser na propositura de demandas que, em certos casos, sequer beneficiam os seus membros. Assim, restringe-se o incidente, para que seja um instrumento restrito às partes da demanda ou aos órgãos representativos do amplo interesse público. Note-se a legitimidade da Defensoria Pública, iniciativa salutar do Anteprojeto em busca da ampliação das funções desse

32

Vide nota 15.

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órgão na sociedade brasileira, tendência que já vem sendo consagrada, inclusive com a sua inclusão entre os legitimados para a propositura de ações civis públicas.

33

Interessante notar a inovação do Anteprojeto, ao prever também a competência do relator, permitindo que o incidente seja suscitado em segunda instância, o que se enquadra no pensamento da reforma processual, que fortalece e expande a atuação dos magistrados, inclusive em segunda instância, a fim de que possam efetivamente participar do processo não apenas como catalisadores das vontades das partes, mas como verdadeiros "gerenciadores" da lide.

Caso não seja parte, toma-se obrigatória a atuação custos legis do Ministério Público (art. 930, § 3.°), o que demonstra o interesse público subjacente ao incidente de coletivização.

Quanto à competência para admissibilidade e julgamento do incidente, as discussões da Comissão previram duas soluções diversas: primeiramente, afirmou-se a competência com base na solução adotada no conflito de competência, ou seja, competência do tribunal estadual ou federal respectivo, caso as demandas suscitadas estejam em juízos vinculados ao mesmo tribunal, ou competência do STJ, caso sejam juízos vinculados a tribunais diversos; já o segundo afirmava a competência sempre do Tribunal a que fosse vinculado o juízo que cadastrasse em primeiro o incidente.

Ora, o Anteprojeto privilegiou a competência do Tribunal a que fosse vinculado o juízo que suscitar o incidente (art. 930, § 1.0), cujo plenário - ou órgão especial, onde houver - será responsável tanto pelo juízo de admissibilidade do incidente, quanto pelo julgamento da questão de direito (art. 933). O § 2.° do art. 833 é expresso ao afirmar que o acórdão que decidir a questão jurídica "será observado pelos demais juízes e órgãos fracionários situados no âmbito de sua competência". Logo, fica claro que os efeitos da decisão do incidente ficam restritos ao âmbito de competência daquele Tribunal. Todavia, o art. 937 prevê uma extensão dos efeitos da decisão no incidente ao permitir que as partes, os interessados, o Ministério Público e a Defensoria requeiram ao tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário, que sejam suspensas todas as demandas que versem sobre a questão objeto do incidente "no território nacional". Observe-se que o art. 937 exige, porém, que tal requerimento seja fundado na garantia de preservar a segurança jurídica do caso.

34

O parágrafo único do art. 937 ainda atribuiu legitimidade para tal requerimento a

qualquer parte de processo cujo objeto for relativo à questão jurídica que deu causa ao incidente, "independentemente dos limites da competência territorial". Trocando em miúdos, o Anteprojeto prevê a competência do Tribunal de segunda instância para conhecimento e julgamento da matéria do incidente, todavia, permite, via incidental, seja requerido ao STJ e ao STF uma extensão dos efeitos daquela decisão além dos limites da competência territorial daquele primeiro Tribunal.

33

A Lei 11.448, de 15.01.2007, incluiu a Defensoria Pública na lista dos entes legitimados para a propositura de ação civil pública, prevista no art. 5.° da Lei 7.347, de 25.07.1985. 34

Aqui, um breve exame da Ata da 4." Reunião da Comissão, ocorrida em 08.03.2010, demonstra a preocupação em se estender os efeitos da coisa julgada a todo território nacional, o que seria possível via competência do STJ ou do STP para conhecer tais incidentes. Nada obstante, para que tal competência fosse incluída entre aquelas dos respectivos Tribunais Superiores, seria necessário alterar o texto constitucional, o que está fora dos limites do trabalho da Comissão. Logo, pode-se dizer que a solução do art. 937 é um atalho para se alcançar uma coisa julgada nacional sem a alteração da competência dos Tribunais Superiores. Nesse sentido, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro: "E eu estou propondo aqui a competência do órgão especial ou do pleno, dada a relevância da matéria e também para evitar às vezes determinadas situações que podem ocorrer, enfim, em determinados tribunais, e propus também uma flexibilizaçâo do recurso, colocando que o recurso especial ou extraordinário teria efeito devolutivo e suspensivo, dada a extrema relevância da matéria. Por que o que é que se quer no incidente de coletivização? Se a questão for federal ou constitucional, que seja decidido pelo STJ ou pelo Supremo, é isso que se quer, mas nós não podemos dar esse bypass porque a

competência do STJ e do Supremo é uma competência constitucional, nós não podemos colocar aqui no Código de Processo Civil". Vide nota 15.

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26

Preocupação maior do Anteprojeto, e verdadeiro pressuposto do incidente de coletivização, é a necessidade de ampla divulgação da questão de direito discutida. Essa é a idéia do art. 931, que prevê a competência do CNJ para centralizar as informações relativas aos incidentes, as quais deverão ser sempre atualizadas a partir das informações enviadas pelo Tribunal competente para o seu julgamento. Aqui, é indispensável que os recursos de tecnologia e interligação de todos os tribunais do país, centralizados no CNJ, possam obrar a favor da segurança jurídica almejada pela reunião de todos os processos que versem sobre a mesma questão de direito, sob pena de se perder as vantagens de sua coletivização .

Recebido o incidente pelo presidente do tribunal competente, será distribuídos a um relator, que poderá requisitar as informações necessárias ao órgão em cujo juízo tem curso o processo originário, que deverão ser prestadas em 15 dias (art. 932). Findo o prazo, será solicitada data para admissão do incidente, com a intimação do Ministério Público. No julgamento da admissibilidade, competirá ao pleno - ou ao órgão especial- verificar a existência dos requisitos objetivos já examinados supra, e previstos no art. 930 (art. 933, § 1.0). lnadmitido o incidente, prosseguirão normalmente as demandas individuais; admitido, o tribunal julgará a questão de direito, "lavrando-se acórdão, cujo teor será observado pelos demais juízes e órgãos fracionários situados no âmbito de sua competência, na forma deste Capítulo" (art. 933, § 2.°).

Após admitido o incidente, e suspensos os processos pendentes, poderão, por óbvio, ser concedidas as medidas de urgência necessárias a preservar a res in iudicium deducta, em primeiro ou segundo grau de jurisdição (art. 934, parágrafo único).

O art. 935 vem concretizar uma das principais qualidades do incidente, qual seja, a participação de entes especializados no exame da questão, que serão ouvidos no prazo de 15 dias, sendo possível pensar na participação de associações de classe, federações de determinadas atividades etc.

Mencione-se a ampla participação de autor e réu do processo originário formador do incidente, assim como do Ministério Público, no dia do julgamento, cabendo a cada um deles prazo de 30 minutos durante o julgamento e após a leitura do relatório, para sustentar suas respectivas razões (art.. 936, § 1.0). Os efeitos do julgamento parecem extremamente amplos pelo teor do art. 938, que determina que "a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem idêntica questão de direito". A celeridade processual que deve decorrer desse instituto é visível no art. 939, que determina a prioridade temporal do incidente sobre todos os demais feitos (com a ressalva do habeas corpus), com prazo máximo de julgamento de seis meses. Superado esse lapso, cessa a eficácia suspensiva do incidente, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário (art. 939, § 1.0), o que pode gerar o direito de prorrogações infindáveis de prazo pelo magistrado, com base no excesso de trabalho, como ocorre em outras hipóteses.

Em demonstração bastante salutar de integração entre os mecanismos coletivizadores do Anteprojeto, o art. 940 prevê que o recurso especial ou extraordinário interposto contra a decisão do incidente será automaticamente dotado de efeito suspensivo e, quanto ao extraordinário, presumir-se-á a sua repercussão geral, devendo ser remetido diretamente ao tribunal competente, independentemente de juízo de admissibilidade na origem (art. 940, parágrafo único).

Finalmente, o último artigo do Capítulo VIl (art. 941), em seu caput, prevê a sanção para o descumprimento da tese adotada no julgamento, com a possibilidade de reclamação para o tribunal competente, cujo processamento ser regulamentado nos termos do Capítulo VIII do Código.

Note-se que o Anteprojeto abandonou a idéia aventada durante as reuniões da Comissão de um tratamento mais pormenorizado do registro das demandas no CNJ, com a formação de um eventual "Cadastro Nacional". Ademais, não previu o Anteprojeto a adoção das lead actions, incidentes-modelos utilizado: como paradigmas para o conhecimento da causa, que deveriam ser escolhido: pelos magistrados competentes em um difícil juízo de valor entre as várias de mandas propostas. Quanto à primeira omissão, parece-nos que caberá ao

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CNJ regulamentar a formação de seu cadastro específico, todavia, não poderá faze nenhuma exigência quantitativa em relação número de demandas necessária: à formação de um incidente, limitando-se apenas às questões de operacionalização. Em relação ao incidente-modelo, parece-nos acertada a escolha do Ante projeto ao eliminá-lo, diante da enorme subjetividade da escolha desse processe representativo da demanda. Assim, é mais razoável que a primeira demande que suscitar o incidente perante os sujeitos competentes sirva de base para e julgamento conjunto, com a suspensão de todas as demais ações individuais.

Além das disposições específicas acerca do incidente de resolução de de· mandas repetitivas, o Anteprojeto consagra a coletivização dos processos em uma série de outros dispositivos ao longo do novel Código, o que parece mostrar uma tendência crescente à reunião das ações e recursos, em prol da celeridade, da economia processual e, em última instância, da segurança jurídica. 2.2 A Coletivização do processo no contexto do Anteprojeto

Tem indiscutível mérito a escolha do Anteprojeto em priorizar a perspectiva do processo como método de trabalho destinado à aplicação da tutela jurisdicional do Estado para a resolução das crises de direito material, pensamento esse bem delineado por José Roberto dos Santos Bedaque:

"A ciência processual no Brasil encontra-se na fase de sua evolução que autorizada doutrina identifica como instrumentalista. É a conscientização de que a importância do processo está em seus resultados. Daí porque considero importante para a compreensão do fenômeno processual a idéia de método de trabalho estabelecido pelo legislador, para possibilitar a eliminação das crises de direito material pela função jurisdicional do Estado."

35

A partir dessa ótica instrumentalista, o processo serve à superação eficiente da

contenda e, portanto, inclina-se e se amolda às demandas oriundas do direito material, como ocorre no aparecimento dos danos difusos e coletivos. O incidente de coletivização é apenas uma das formas de modulação do procedimento ao aumento do número de processos derivados dessas novas lesões, a fim de que o Poder Judiciário não seja asfixiado por elas, mas, ao contrário, muna-se das armas necessárias à sua resolução. Supera-se, pois, um conservadorismo teórico que resulta na formalidade exagerada, em prol de uma maleabilidade indispensável ao enquadramento do processo no âmbito das novas demandas sociais.

Logo ao tratar da competência funcional, o parágrafo único do art. 4S do Anteprojeto, afirma que "é do órgão especial, onde houver, ou do tribunal pleno, a competência para decidir incidente de resolução de demandas repetitivas" , prevalecendo a competência no âmbito dos Tribunais a que for vinculado o juízo onde suscitado o incidente, com a possibilidade de extensão de seus efeitos a todo o território nacional via demanda ao STJ ou STF.

Ao disciplinar a tutela de urgência, a seção dedicada à tutela de evidência dispensa a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação quando "a matéria for unicamente de direito e houver tese firmada em julgamento de recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmula vinculante" (art. 278, IV). Aqui, indispensável remeter ao art. 883, inserido nas disposições gerais relativas aos processos nos tribunais, uma vez que fornece o conceito de "julgamento de casos repetitivos":

a) o julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 883,1); e

b) o julgamento dos recursos especial e extraordinário repetitivos (art. 883, 11), sendo estes últimos disciplinados nos arts. 990 e ss.

35

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 17, grifo no original.

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28

Vê-se que o Anteprojeto optou por adotar uma verdadeira dinâmica de coletivização dos casos repetitivos, não apenas com a criação do incidente, mas também com o fortalecimento da figura dos recursos repetitivos, cuja dinâmica assemelha-se àquela do incidente, porém, em grau extraordinário de jurisdição, com aplicação compulsória da tese firmada aos Tribunais e aos juízos singulares.

Outra disposição muito interessante é aquela que vinha contida no § 2.° do art. 944 do primeiro Anteprojeto enviado ao Senado, ao determinar que o STJ e o STF poderiam desconsiderar o vício formal que não se reputasse i grave na hipótese de recursos tempestivos cujo mérito fosse relativo a "casos repetitivos" ou "sempre que a decisão da questão de mérito contribua para o aperfeiçoamento do sistema jurídico". Tratava-se de magnífica demonstração de simbiose entre o direito processual e o direito material, quando o vício formal de menor gravidade é desconsiderado em prol da demanda social relativa ao entendimento judicial sobre determinada crise de direito material. É o processo como instrumento de pacificação social, em que a formalidade não se justifica endogenamente, mas como meio de se alcançar a tutela social.

Infelizmente, a disposição não se encontra mais na última versão do Anteprojeto, na Câmara dos Deputados. O atual art. 983, § 2.°, apenas permite que se desconsidere vicio formal que não for reputado grave, porém, sem impor maiores balizas para tanto, o que, embora possa servir a diminuir o formalismo do processo civil brasileiro, poderá também constituir verdadeira carta em branco para o julgador.

O § 3.° do mesmo art. 983 apenas ratifica a regra já mencionada do art. 937, determinando que poderá o STJ ou o STF, ao receber o requerimento previsto no art. 937, determinar a suspensão de todas as ações em território nacional que versem sobre a questão de direito controvertida (STJ, caso a controvérsia seja relativa a violação de lei federal infraconstitucional, e STF, caso a controvérsia seja atinente a violação da Constituição) em prol da segurança jurídica e do excepcional interesse social, até ulterior decisão do recurso especial ou extraordinário eventualmente interposto.

O art. 989, § 3.°, I, II e III, corrobora o entendimento do caput do art. 940, ao afirmar que "§ 3.° Haverá repercussão geral sempre que o recurso: I - impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; 11 - contrariar tese fixada em julgamento de casos repetitivos; III - questionar decisão que tenha declarado a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição da República" (grifou-se), presumindo-se que a decisão no âmbito do incidente de coletivização é dotada de indiscutível interesse social.

Vale também notar que, no âmbito da disciplina geral dos recursos, o Anteprojeto afirma a importância dos incidentes de demandas repetitivas quando autoriza o relator, monocraticamente, a negar provimento a recurso que contrariar o entendimento firmado em incidente (art. 888, IV, c) ou bem a dar provimento quando a decisão recorrida contrariá-lo (art. 888, V, c).

São esses os dispositivos do Anteprojeto que demonstram a preocupação da Comissão não apenas em implementar um incidente de resolução de demandas repetitivas, mas, sobretudo, em inseri-lo na sistemática do ordenamento processual. Assim, na esteira da repercussão geral, da súmula vinculante, dos recursos repetitivos, o incidente vem trazer uma tese jurídica comum e necessária à resolução de inúmeras demandas, o que só é possível ao se superar uma concepção formalista da relação processual como liame impenetrável. 3. A GROUP LITIGATION ORDER (GLO) BRITÂNICA

A experiência inglesa é extremamente rica como fonte de análise do incidente proposto pelo Anteprojeto. Embora se possam citar institutos semelhantes nos EUA, na Alemanha e na Espanha, por exemplo, algumas características do direito inglês nos permitem traçar um panorama bastante fiel da origem do instituto como verdadeira demanda social, a fim de inseri-Lo na dinâmica instrumentalista do processo civil moderno. É essa conjuntura que justificou o

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nosso interesse pelo direito inglês, cujo case law desenhou verdadeira evolução a partir de uma coletivização totalmente ad hoc de demandas até a sua positivação no ordenamento, à qual se seguiram um bom número de críticas. 3.1 Breve histórico

O desenvolvimento histórico das ações coletivas no direito inglês compreende três diferentes fases:

a) até 2000, quando não havia legislação específica sobre o tema;

b) a partir de 2000, quando foi introduzido no processo civil inglês a GLO, até 2002; e

c) a partir de 2002, quando foram trazidas algumas reformas à lei da GLO. Antes da introdução de um instrumento específico para a reunião de demandas oriundas de um dano coletivo, essas ações eram conduzidas com base em um procedimento ad hoc, adaptado para cada caso particular e fundado na experiência. É preciso observar que o direito inglês sempre conviveu bastante bem com a falta de legislação específica em alguns setores, sobretudo por ser um direito consuetudinário baseado mais na experiência e menos na lei. Nada obstante, a tendência legiferante em países de common law tem sido crescente, sobretudo em setores regulatórios e repressivos, uma vez que o surgimento de questões cada vez mais complexas e contemporâneas tem impedido a formação imediata de uma experiência tão importante para garantir a segurança jurídica no direito não codificado.

Embora seja possível observar ações coletivas desde o século XIX no Reino Unido, somente a partir de 1980 é que se passou a tratar especificamente da questão, inclusive com a preocupação epistemológica atinente à forma de recepção desses procedimentos pelo Poder Judiciário. Dentre os primeiros caso$ - também denominados pre-GLO group litigation cases - destaque-se o processo Davies Ooseph Owen) vs. Eli Lilly,

36 de 1987, relativo a danos sofridos

por aproximadamente 1.500 indivíduos, decorrentes do uso do medicamento comercializado na Europa sob o nome Opren,

37 e o caso Hodgson vs. Imperial Tobacco Ltd.,

38 em 1999,

decorrente do diagnóstico de câncer em indivíduos após anos de tabagismo.

Esses dois casos paradigmas foram o terreno fértil para que a jurisprudência inglesa pudesse discutir como deveriam ocorrer as ações derivadas de direitos individuais homogêneos, e que critérios seriam adotados na ausência de qualquer legislação específica sobre o tema. Assim, naquele momento, "a maior parte do desenvolvimento das demandas acontecia por simples acordo entre as partes e o magistrado",

39 o que acaba por retratar o atual

espírito das reformas processuais, no sentido de dar maior poder de gerenciamento do caso ao juiz, explorando a flexibilidade da relação processual.

40

36

Court of Appeal, [1987) 1 WL.R. 1136.

37

Por tal razão, ficou conhecida como a Opren Lítigation. Nos EUA, o medicamento, cujo princípio ativo era o Benoxaprofen, foi comercializado sob a denominação Oraflex. Anti-inflamatório destinado ao

tratamento de artrite, teve a sua venda suspensa em 1982.

38

Court of Appeal, [1998] 1 WL.R. 1056. Conhecida também como a tobacco litigation.

39

. MULHERON, Rachae!. Some difficulties with group litigation orders - and why a class action is superior. CivilJustice Quarterly. p. 43. 2005. referência C.].Q. 2005, 240an), 40-68.

40

Sobre o tema da relação processual, e a sua valorização como seara do contraditório e da participação das partes no processo, remeta-se ao capítulo específico da obra de Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 28-30. '

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30

O relator do caso Hodgson, Lord Woolf, foi um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento da matéria no direito britânico. Já naquele momento, percebia a necessidade de uma legislação específica sobre o tema, e foi incumbido de elaborar um relatório sobre Acesso à Justiça no Reino Unido, onde explora com retidão o tema das ações coletivas.

41

Outros juristas, como C. Harlow e R. Rawlings, percebiam que: "c. .. ) no espírito pragmático do common law, aqui considerado em seus extremos, os atores faziam as suas próprias regras conforme o procedimento avançava".

42

Não apenas Lord Woolf, mas diversos juristas fizeram coro para criticar a insegurança jurídica do mecanismo pragmático que precedeu a introdução no direito inglês de uma legislação sobre o tema; dentre os fatores de insegurança, destaque-se a enorme dificuldade de se comprovar, numa base fática, o mesmo interesse jurídico,

43 assim como delinear os limites dos poderes do

magistrado diante de um litígio coletivo em que não houvesse consenso entre as partes.44

A fim de superar essas críticas, e para atender a um número cada vez maior de demandas coletivas, em 02.05.2000 foi promulgada emenda

4535 às Civil Prucedure Rules

(CPR) britãnicas, acrescentando-se os parágrafos 19.10 a 19.15 ao Capítulo Parties and Group Litigation.

46 Cria-se, portanto, o instituto da Group Litigation Order, que se aproxima do

incidente brasileiro proposto pelo Anteprojeto, cujo objetivo é permitir que as cortes tenham verdadeiro poder gerenciaI sobre esses casos, que envolvem um grande número de partes e um sem· número de questões procedimentais. Não por outro motivo, Lord Woolf, ao relatar o caso que se tornaria paradigma na aplicação das regras da GLO e que será examinado a seguir, afirma:

"Decorria da experiência das cortes que se um litígio envolvendo um número - substancial de partes tivesse que ser administrado corretamente, era essencial que houvesse regras procedimentais que dessem aos tribunais poderes os mais extensos possíveis para

41

Vide, especificamente, o Capítulo 17, sobre demandas coletivas (Access to justice: Final Report By The Right Honourable the Lord Woolf, Master of the Rolls,july 1996, Final Report to the Lord Chancellor on the civil justice system in England and Wales. Disponível em: [www.dca.gov.uklciviVfinaVindex.htm]. Acesso em: 05.07.2010. A título de curiosidade, é interessante notar que todo o relatório é baseado na necessidade de maior intervenção do magistrado na condução do processo e no case management: "ln chapters 6 and 8 of my interim report 1 described the introduction of judicial case management as crucial to the changes which are necessary in our civil justice system. Ultima te responsibility for the control of litigation must move from the litigants and their legal advisers to the court. The reaction to this key message in my interim report has been extremely supportive".

42

Pressure through Law. London: Routledge, 1992. p. 129, trad. livre.

43

"The representa tive rule was perceived to lack real legal utility where group members allegedly affected by the defendant's conduct could not prove the elusive 'same interrest'''. MULHERON, Rachael, op. cit., p. 44.

44

"Moreover, it was of potential concern (suggests Mildred) that the extent of the court's . power, under its inherent jurisdiction, to make directions in the absence of consent by all parties remained unexplored in pre-GLO litigation". MILDRED, M. Group Acctions. ln: HOWELLS, G. G. (ed.). The Law of product Liabílity. London: Butterworth, 2001. p. 402.

45

Civil Procedure (Amendment) Rules 2000 (SI 2000/221). Disponível em: [www.opsi. gov.uklsi/si2000/20000221.htm). Acesso em: 05.07.2010.

46

As regras processuais estão disponíveis em: [www.justice.gov.uklciviVprocrules_fin/ contentslpartslpart19.htm#lDAOYKAC). Acesso em: 05.07.2010.

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31

administrar e gerir o processo. Era no interesse da próópria corte para administrar outras lides que tais poderes lhe eram atribuídos."

47

Paralelamente, acrescenta-se a Seção 19B às Practice Directions (PDs) das regras

processuais, cuja função é fornecer regras práticas para operacionalizar a aplicação da norma prevista no Código de Processo (CPR).

48

O terceiro momento da evolução histórica é marcado justamente por uma mudança

trazida no texto das PDs, ao se incluir o art. 6.1A, que determina a obrigação de uma demanda já ter sido individualmente iniciada para que possa ser registrada no grupo de ações, isto é, a demanda não pode mais ser iniciada dentro do grupo. A principal crítica enfrentada por essa alteração concerne o alto custo de propor uma demanda individual antes de juntar-se ao grupo, todavia, como se verá à frente, tal exigência amolda-se à escolha do direito inglês por um modelo de ação coletiva em que cabe ao indivíduo adotar postura proativa para ingressar na lide - modelo opt-in - ao contrário do modelo em que todos os indivíduos reunidos pela mesma causa de pedir são automaticamente incluídos no grupo, devendo adotar postura proativa apenas se desejarem não se submeter aos efeitos da decisão - modelo opt-out. Logo, o direito inglês privilegia a liberdade e a autonomia do indivíduo de decidir pelo ingresso no polo ativo da demanda, o que permite não banalizar a participação dos sujeitos afetados, reagrupando tão somente aqueles que estiverem verdadeiramente interessados no desfecho do caso.

Atualmente, contam-se 70 GLOs no Reino Unido,49

que são reunidas para consulta em diversos meios, como o site da Her Majesty's Court Service, onde é possível obter informações sobre o número do processo, o tribunal competente, a data de registro, a managing court, os advogados-líderes e as causas de pedir determinantes daquela GLO.

50 Tais informações são

indispensáveis para que outros litigantes interessados possam aderir ao grupo e registrar as suas demandas a fim de se submeterem aos efeitos de sua decisão. Como já afirmado anteriormente, a publicização das demandas coletivas é conditio sine qua non para o correto funcionamento do instituto.

Apenas a título de exemplo das matérias que podem ser discutidas, dentre as GLOs registradas no Reino Unido, a primeira, distribuída em 30.04.2001 diz respeito às demandas de várias distribuidoras inglesas da Daimler Chryssler em virtude dos prejuízos por elas sofridos em virtude da rescisão do contrato de distribuição promovida por essa última. A mais recente, distribuída em 21.07.2009, é proposta por um grupo de encarcerados para questionar a eficácia do sistema prisional quanto ao combate a drogas derivadas do ópio, assim como o adequado oferecimento de curas de desintoxicação para os afetados. A brevíssima menção a esses dois casos já permite entrever que o objetivo principal da GLO é definir uma tese jurídica aplicável àquela controvérsia e, em seguida, aplicá-las às partes que aderiram à demanda coletiva; de certa maneira, ao contrário da class action americana, a GLO - e também o incidente brasileiro - está preocupada antes no objeto, e depois nos sujeitos. 3.2 Conceitos e critérios

47

Cort of Appeal, T (former1y H) vs. Nugent Care Society (former1y Catholic Social Services),j. 19.01.2004, referência (2004)1 WL.R. 1129, trad.livre. No original: "It was the experience of the courts that if litigation involving a substantial number of claimants was to be managed in the appropriate way, it was essential that there should be some procedure which provided the courts with very wide powers to manage the proceedings. It was in the court's interest for the proper dispatch of other litigation that the court should have those powers".

48

Disponível em: [www.justice.gov. uk/civi/lprocrules_finlcontents/practiccdirections/ pd_partI9b.htm). Acesso em: 05.07.2010.

49

Aqui, citam-se apenas as GLOs formalmente constituídas de acordo com o instituto introduzido em 2000, embora já se pudesse mencionar "GLOs ad hoc" antes daquele momento.

50

Disponível em: [www.hmcourts-service.gov.uklcms/150.html. Acesso em: 05.07.2010.

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32

Segundo o art. 19.10 das CPRs britânicas, "Group Litigation Order (GLO) means an

order made under rule 19.11 to provide for the case management of claims which give rise to common or related issues of fact or law (the 'GLd issues')". Relevem-se aqui dois elementos cruciais:

a) o foco no lado gerencial do instituto; e

b) a abrangência não apenas de questões de direito, mas também de questões de fato.

Quanto ao primeiro aspecto, a GLO é, antes de tudo, um instituto de administração de causas, mais gerencial do que jurídico, cujo objetivo é possibilitar que uma estrutura enxuta do Poder Judiciário possa confrontar-se com uma quantidade enorme de demandas. O case management assume extrema importância para a correta compreensão da GLO e, nesse ponto, parece que o Anteprojeto brasileiro aproxima-se dessa lógica.

Ainda quanto ao conceito, observe-se que a GLO alcança não apenas a coincidência de direito entre as demandas, mas também a mesma origem fática, enquanto o Anteprojeto brasileiro limita o incidente apenas à "idêntica questão de direito". Parece-nos que, enquanto o direito inglês privilegia a idéia de reunião de demandas apenas com base na facilitação do aspecto procedimental, a proposta da Comissão funda-se, também, em uma hierarquia qualitativa entre órgãos julgadores, ao atribuir para os Tribunais a competência para exame de uma questão apenas de direito. Ou seja, percebe naquele julgamento algo que pode se aproximar do writ of certiorari da Suprema Corte americana, quando uma instância superior é chamada a pronunciar-se sobre determinada questão de direito.

A doutrina inglesa aponta seis critérios, fixados nos art. 19.1151

e ss. das CPRs, para admitir-se uma GLO.

Primeiramente, é necessário um número mínimo de demandas (a number of claims), porém, tal número não é definido, embora a jurisprudência tenha recorrentemente mencionado o número de 10,

52 Ao contrário, Lord Woolf, no relatório já mencionado, sugere que não deve

haver um limite mínimo ou máximo, e que o número de 10 deve ser usado como simples parâmetro.

53 O que importa, na verdade, é que o grupo possa ser eficazmente administrado, e

que a soma das ações individuais possa trazer mais vantagens para a corte e para o os litigantes, do que dificuldades. Portanto, nesse ponto, correta a abordagem do Anteprojeto, que não prevê um número específico de demandas.

O segundo requisito diz respeito a uma controvérsia, comum ou relacionada, de fato ou de direito (common or related issues of fact or law).

54 Define-se esse critério pela comunidade

de interesses das partes relativas a determinada questão de fato ou de direito, inclusive com base nos arts. 19.6 e seguintes das CPRs, que definem a representação das partes com os mesmos interesses. Note-se que a exigência inglesa é menos rígida do que a do Anteprojeto, que demanda identidade das questões de direitos, enquanto aquela apenas alude a uma controvérsia comum ou relacionada, inclusive sobre questões de fato. Mais uma vez, chame-se a atenção para o objetivo da GLO, que é permitir a boa administração das causas, logo, caberá ao juízo gerenciador examinar se a reunião das demandas caminha nesse sentido, não havendo tanto apego para a identidade formal entre as causas de pedir.

51

Art. 19.11(1), vide nota 37. 52

O número de 10 chegou, inclusive, a ser previsto em uma minuta de projeto das regras de procedimento e de operacionalização (CPRs e PDs) de 1999, parágrafo 1.2. 53

. "1 would broadly follow this suggestion, subject to two points. First, the minimum number of ten parties should not be written into the roles but be regarded simply as a guide. Especially in local cases, five may be a sufficient number. Secondly, the commmon issues need not necessarily predomina te over issues affecting only individuaIs. All that is required is that the court is satisfied that the group will be sufficiently numerous and homogenous for the cases within the MPS to be more viable if there is fl... a collective approach than if they are handled individually" (Capítulo 1 7, parágrafo 20). Vide item 31. 54

Art. 19.10 e 19.11(1), vide nota 37.

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33

Mais adiante, a doutrina tem apontado a idéia já-expressada alhures, de que a administração dos procedimentos por meio de uma GLO deve permitir que o juízo lide com os casos de forma justa (to deal with cases justly), consoante objetivo maior previsto logo no art. 1.1(1) das CPRs.

55 Assim, é necessário ler todas as regras procedimentais à luz desse bem

maior, para permitir que a GLO seja um meio facilitador do trabalho jurisdicional, e não o contrário. O próprio art. 1.1(2)

56 traz uma lista numerus apertus das condutas que caracterizam

um processo justo, e a discussão é bastante viva na doutrina inglesa.57

Requisito para o registro de qualquer GLO é a autorização do Lord Chief Justice ou do Vice-Chancellor, correspondentes aos chefes dos Poderes Judiciários da Queen~ Bench Division ou da Chancery Division.

58 Indiscutível, pois, o interesse público que subjaz à

demanda coletiva que, por meio dessas autoridades', ganha um caráter institucional Critério muito interessante é relativo à natureza subsidiária da GLO, isto é, só será admitida caso não houver outra solução de resolução coletiva das demandas. Assim, determina o art. 2.3 das PDS

59 que o autor do incidente, antes de propô-lo, deverá verificar se não seria mais

apropriada uma consolidação das ações ou a sua substituição processual, pela representação única e homogênea dos interessados. A GLO toma-se, assim, instrumento residual, só podendo ser instaurada quando não cabível outra solução coletiva para o caso.

Finalmente, o sexto requisito apontado é a definição da classe através da indicação, pelo autor do incidente, do número de demandas já iniciadas e do número de partes que, potencialmente, poderão juntar-se ao grupo.

60 Evita-se, dessa maneira, a propositura de

incidentes com um número insuficiente de causas, o que acaba por trazer mais ônus para o juízo-administrador do que benefícios para as partes, sempre à luz de um raciocínio custo-benefício típico do teor gerencial do instituto.

3.3 Requisitos formais e juízo-administrador

A legislação inglesa prevê quais são os requisitos que devem constar da petição do incidente, a fim de que o autor já possa indicar quais instruções deverão ser seguidas tanto pelos futuros indivíduos que queiram aderir ao grupo, quanto pelo juízo competente para administrar a GLO.

Os requisitos da GLO encontram-se tipificados no art. 19.11(2)(3) das CPRs e têm nítido caráter administrativo, com instruções para a implementação bom funcionamento da demanda coletiva. Em primeiro lugar, destaque- se a exigência de estabelecimento do registro das demandas que se juntarão à GLO. Caberá a esse registro reunir todas as demandas

55

Vide nota 37.

56

. "(2) Dealing with a case justly includes, so far as is practicable - (a) ensuring that the parties are on an equal footing; (b) saving expense; (c) dealing with the case in ways which are proportionate - (i) to the amount of money involved; (ii) to the importance of the case; (iii) to the complexity of the issues; and (iv) to the financial position of each party; (d) ensuring that it is dealt with expeditiously and fairly; and (e) allotting to it an apprapriate share of the court's resources, while taking into account the need to allot resources to other cases", vide nota 37.

57

Sobre essa discussão, cite-se, por todos, NEWBERG, H. 8.; CONTE, A. Newberg on Class Action. 4. ed. St. Paul: West Graup, 2002. p. 422.

58

As regras de operacionalização ainda acrescentam a exigência de autorização do Head of Civil ]ustice para os casos sob a competência da county court (Practice Directions 19B, art. 3.3(3), vide nota 39).

59

Vide nota 39.

60

Art. 3.2(2)(3), PDs, vide nota 39.

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34

individuais que ficarão . os efeitos das decisões proferidas no incidente-modelo. Poderá também constar dessa demanda inicial as regras relativas à exclusão de determinada a do registro, quando caberá ao juízo administrador prover as instruções necessárias para o prosseguimento da causa excluída.

61 Em seguida, o demandante deverá especificar os pontos

de fato ou de direito que identificarão as usas passíveis de aderirem ao grupo. Veja-se que não se trata de uma exigência, destinada ao julgamento da GLO, mas destinada a traçar as balizas para o registro de novas demandas no grupo. Finalmente, deverá ser especificado o juízo-administrador (no original, management court).

62

Surge, neste ponto, a figura central do juízo-administrador, que é o principal

destinatário das normas relativas à GLO no direito inglês. Nesse sentido, o art. 19.13 das CPRs

63 fixa as principais instruções que emanarão daquele juízo no âmbito de sua

administração do procedimento coletivo. Primeiramente, poderá o juízo-administrador fornecer precisões quanto à controvérsia submetida à GLO, inclusive alterando ou eliminando pontos controversos da demanda; terá também a faculdade de determinar que uma ou mais demandas sejam consideradas test claims, o que nós denominamos "incidente-modelo" no âmbito das discussões da Comissão, embora o Anteprojeto final tenha eliminado tal idéia. O incidente-modelo servirá como retrato da controvérsia que abrange todas as demais ações individuais e, por tal razão, caso haja acordo, abandono ou desistência nessa última, caberá ao juízo-administrador determinar a sua imediata substituição (art. 19.15, CPRs).

64 Entre nós, o

Anteprojeto previu, em seu art. 895, parágrafo terceiro, que o Ministério Público assumirá a titularidade do incidente caso haja abandono ou desistência do autor originário.

Ainda no que tange a margem de manobra do juízo-administrador, poderá apontar os advogados líderes da GLO (lead solicitors), normalmente aqueles que representaram a primeira parte a requerer coletivização da demanda. Há recomendação para que os próprios advogados acordem entre si quem serão OS líderes na demanda, o que demonstra a herança de um procedimento coletivo não regulado, em que prevalecia um gentlemen’s agreement entre as partes e entre as partes e o juízo. Também caberá ao juízo-administrador fixar os critérios para verificar a possibilidade de adesão de um novo litigante ao grupo ' e determinar a data-limite a partir da qual uma demanda individual, ainda que versando sobre a mesma controvérsia, não poderá aderir ao grupo, o que se convencionou denominar cut-off date. As PDs recomendam que um prazo curto seja fixado para causas envolvendo instant disasters, como poluições pontuais e imediatas, e que um prazo mais longo seja fixado no caso de lesões , ao consumidor, sobretudo em problemas ligados a medicamentos, quando os prejuízos demoram mais para serem percebidos.

65

Embora o próprio art. 19.13(e),

66 que estabelece a cut-off date, ressalve a possibilidade

de autorização excepcional da corte para ingresso posterior, trata-se esse do mais problemático critério de adesão a uma GLO. Vê-se claramente a idéia já apontada

61

Art. 19.14, CPRs, vide nota 37.

62

Art. 19.1l(2)(c), CPRs, vide nota 37.

63

Vide nota 37.

64

54Vide nota 37.

65

No síte da Law Society britânica (equivalente à nossa OAB), o Multi-party Action lnformation Servia, setor responsável pelo registro e divulgação das GLOs, aponta três grandes categorias de controvérsias que podem ser submetidas ao incidente: (a) desastres repentinos como danos à pessoa ou acidentes fatais, inclusive danos à propriedade. O Caso do acidente ferroviário Paddington é um exemplo; (b) causas que se protraem no tempo, como aquelas decorrentes de um vício causado por um produto ou medicamento; e (c) causas de consumidores, onde a causa é relacionada com o vício de um bem ou serviço (disponível em: [www.lawsociety.org.uklproductsandserrviceslservices/multiparty.law). Acesso em: 07.07.2010).

66

Vide nota 37.

Page 35: Processo Coletivo Do Trabalho Elaine

35

anteriormente da perspectiva opt-in da GLO inglesa, exigindo-se do litigante individual uma conduta proativa para juntar-se ao grupo, inclusive sob pena de não mais poder fazê-lo após a cut-off date estabelecida. Como veremos a seguir, tal perspectiva, além de diferenciar a GLO da class action americana, tem sido fonte de vários questionamentos, pois, embora possa garantir a segurança jurídica da GLO já formada, inclusive para o réu, que sabe exatamente quantos autores juntaram-se ao grupo até a cut-off date, acaba por sacrificar o direito individual do litigante que deseja aderir àquela GLO e que, muitas vezes por fatores totalmente alheio à sua vontade, acaba impedido de fazê-lo.

A lei britânica ainda fixa alguns requisitos facultativos da GLO [art. 19.11(3)],67

que permitem abranger um maior número de situações decorrentes, sobretudo, da propositura de demandas individuais quando já estiver estabelecido o grupo. Assim, poderá ser determinado que a demanda individual que compreender uma ou mais das controvérsias objeto da GLO:

a) sejam diretamente transferidas para o juízo-administrador;

b) sejam suspensas até nova ordem; ou

c) sejam imediatamente registradas no grupo.

Dentre os requisitos facultativos, a GLO pode estabelecer que, a partir de determinada data, toda ação individual concernente às controvérsias da demanda coletiva deverão ser propostas no juízo-administrador, regra que se assemelha à do juízo universal na recuperação judicial e na falência. Finalmente, as GLOs poderão prever as regras e as formas de sua publicização, haja vista ser esse o cerne de seu funcionamento.

Finalmente, veja-se no juízo-administrador a importância de manter a GLO sob os cuidados de um juízo de primeiro grau, preocupação essa externada durante reunião da Comissão,

68 e que se legitima pela possibilidade de enxergar o magistrado como verdadeiro

cúmplice das partes na administração das demandas coletivas. Parece bastante satisfatória a solução proposta pelo Anteprojeto que, embora não estabeleça um juízo-administrador de primeira instância, atribui tal competência aos Tribunais que, somada à realidade política de uma federação gigantesca como a brasileira, em que os municípios contam-se aos milhares, parece bastante justificada.

3.4 Operacionalização

As regras atinentes à concretização da GLO localizam-se, em sua grande maioria, nas Procedural Directions (PDS),

69 que servem como balizamento para a efetivação das normas

processuais.

Preliminarmente, cabe ao advogado que almeja propor a formação de um grupo verificar, junto à Law Societys Multi Party Action Information Servíce,

70 a existência de outro

grupo já formado e que verse sobre a mesma controvérsia. Percebe-se, portanto, a enorme importância da publicização das GLOs, a fim de que não se criem demandas paralelas. Os advogados devem obrar para que as GLOs de que participem sejam sempre registradas, e

67

Vide nota 37.

68

"Orador não identificado: Eu fico só indagando, eu sei que não é hora para isso, não, mas fico aqui pensando. Se a competência for do juiz de primeiro grau, seria muito bom, desde que suprimisse aquelas limitações da coisa julgada, do art. 16, que o STJ acatou etc. etc. Aí seria muito bom. Senão, acaba tendo que deslocar a competência para o ST] em razão da jurisdição no território brasileiro. Mas isso é outra história. E eu acho que o bom seria no primeiro grau". L" Ata da Comissão, vide nota 15. 69

Vide nota 39.

70

Lembre-se que a Law Society inglesa é, em comparação grosseira, equivalente a nossa Ordem dos Advogados do Brasil, vide nota 56.

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36

alcancem o maior conhecimento possível. Tal preocupação é refletida no art. 896,71

do Anteprojeto, que atribui ao CNJ a centralização desses registros.

A legislação inglesa recomenda que os advogados envolvidos na GLO estabeleçam, entre si, um advogado-líder, assim como fixem as suas relações obrigacionais quanto ao pagamento de honorários.

A legitimidade para propor a GLO é tanto do autor quanto do réu, bem como do juiz, ex officio, caso em que será exigida autorização do respectivo chefe do Poder Judiciário. Não se mencionam, todavia, as entidades públicas que aparecem em nosso projeto, como o Ministério Público ou a Defensoria. A petição inaugural do incidente deve conter um sumário da natureza da controvérsia, o número e a natureza das demandas já existentes e o número das partes potenciais Clikely to be).

72 As PDs ainda acrescentam como conteúdo da petição inicial

qualquer elemento que, dentro de um grupo, diferencie certas categorias, formando subgrupos.

Após a propositura da demanda, passa-se ao registro e definição do grupo, que conterá os detalhes do caso e as defining issues, isto é, as controvérsias que caracterizam aquela coletividade. Ao juízo-administrador, caberá o mais amplo poder de gestão do grupo, podendo determinar a exclusão de uma causa sempre que essa, pelas suas especificidades, puder atrapalhar o andamento da GLO, o que demonstra um objetivo sempre à luz da diminuição de custos econômicos e administrativos do procedimento.

Embora o grupo seja administrado pelo juízo, tal função poderá ser delegada a um advogado, caso em que esse deverá dar livre acesso a todas as informações do caso, mesmo em seu escritório, podendo, no entanto, cobrar pelo tempo que despender nesse mister. Importante notar que todas as provas, trazidas por cada um dos litigantes ao grupo, serão automaticamente disponibilizadas e compartilhadas com os demais membros da causa.

Ainda no âmbito da operacionalização, caberá ao juízo-administrador adotar todas as medidas administrativas necessárias ao bom andamento da lide, assim como conhecer todas as questões jurídicas envolvidas, com a oitiva de quantas partes ou testemunhas forem necessárias, a produção de prova documental e a perícia. Àquele ainda competirá determinar de que forma as custas serão compartilhadas entre os diversos membros dos grupos,uma das grandes preocupações relativas aos procedimentos coletivos.

Estabelecido o grupo, uma cópia da GLO deve ser encaminhada para a Law Society, já mencionada anteriormente, assim como às diversas Cortes do país. 3.5 Efeitos e coisa julgada

Os efeitos da GLO estão previstos no art. 19.12, das CPRs,73

e, como regra geral, determina-se que qualquer julgamento ou decisão faz coisa julgada para todas as demandas registradas no grupo até a data daquela decisão ou julgamento, salvo estipulação em contrário da corte. Caberá ao juiz-administrador fixar as regras quanto aos efeitos da decisão ou julgamento para as demandas que forem registradas posteriormente no grupo. Qualquer das partes da GLO que se sentir prejudicada pela decisão ou julgamento poderá recorrer. Vê-se aqui uma clara diferença de concepção do Anteprojeto, onde a tese jurídica decidida no incidente será aplicada "a todos os processos que versem idêntica questão de direito" (art. 938), ao contrário da GLO, em que os efeitos estendem-se apenas às causas registradas no grupo. Talvez se possa ver na regra do Anteprojeto uma preocupação antes com o desafogamento do Poder Judiciário' . e, em seguida, com as partes envolvidas, enquanto a

71

Vide nota 8.

72

Art. 3.1(3), PDs, vide nota 39.

73

Vide nota 37.

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37

regra da GLO transmite uma inquietação antes com os indivíduos inseridos no grupo e, após, com·o bom funcionamento do Judiciário.

Em relação àquele que ingressar no grupo posteriormente à decisão ou julgamento na GLO, não poderá requerer que a decisão ou julgamento anterior seja suspenso, modificado ou reformado e não poderá recorrer, embora possa, requerer à corte-administradora que aquela decisão não o vincule.

Percebe-se, com clareza, que o legislador inglês quis deixar o maior poder possível de modulação dos efeitos da decisão nas mãos do juízo-administrador, cabendo a ele, em última instância, decidir conforme a conveniência da GLO e à sua boa administração. 3.6 O caso Taylor vs. Nugent Society

O problema74

mais comum enfrentado pelos ordenamentos jurídicos que adotam mecanismos de reunião de demandas individuais é a coexistência paralela da ação coletiva e de ações individuais não englobadas no grupo. O Surgimento dessas duas frontes acaba por anular os benefícios do incidente de coletivização ao expor o réu, novamente, a um número indeterminado de autores. Quanto aos indivíduos que já estão no grupo, uma demanda paralela impede que haja um controle da estratégia do grupo formado. Em oposição, aparece o direito fundamental- entre nós, constitucional, art. 5.°, XXXv, CF/1988 - de submeter seu pleito ao exame do Poder Judiciário, independentemente ~ formação de um grupo.

O caso Taylor vs. Nugent Society, julgado pela Cort of Appeal do Reino Unido, em 19.01.2004, tornou-se o paradigma na resolução da frágil equação narrada acima.

Em 17.12.2001, Mark Taylor ingressou com ação individual contra a Nugent Care Society, entidade católica que mantinha um abrigo para menores, em virtude de supostos abusos e maltratos sofridos naquela instituição entre 1974 e 1976, época em que foi ali abrigado. Em 21.02.2002, um juízo distrital rejeitou o pedido do autor para juntar-se à GLO do North West Child Abuse Case, grupo que reunia diversos demandantes na mesma situação do autor. Tal grupo havia sido formado em 07.05.1997, antes da Lei da GLO, de 2000, e, portanto, era um grupo estabelecido ad hoc, cuja cut-off date era 31.05.1999, depois estendida para 31.12.1999, o que justificou a recusa de sua adesão.

O autor não recorreu dessa decisão, uma vez que entendia poder prosseguir a sua demanda individual normalmente. Ocorre que, em 20.12.2002, a Nugent Society requereu que a demanda individual do autor fosse extinta, diante da existência já formada de um grupo, o que geraria verdadeiro abuso processual do autor. Em 15.05.2003, o Justice Moses, da Queen's Bench Division recebe e provê a demanda da ré, extinguindo a ação individual do autor. Finalmente, em 29.05.2003, o autor, Mark Taylor, apela dessa decisão para a Cort of AppeeaI, onde terá Lord Woolf como relator.

A discussão sobre o tema naquela corte será fundamental para traçar os limites na ponderação entre os direitos fundamentais do indivíduo e os benefícios operacionais de uma GLO. Some-se a informação de que o atraso de Taylor para requerer a sua adesão ao grupo decorreu de sua espera por uma decisão na seara penal que assegurasse a materialidade do delito, o que só ocorreu após a cut-off date.

Segundo entendimento do Justice Moses, responsável pela extinção da demanda individual de Taylor, mesmo diante do argumento citado supra, o atraso fora totalmente injustificado. Pondera que duas perguntas metodológicas devem ser respondidas antes de decidir pela extinção de uma demanda individual:

74

Court of Appeal, T (fornerky H) V5. Nugent Society (former1y Catholic Social Services), 19.01.2004, referência [2004] 1 WL.R. 1129, vide nota 38.

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38

a) considera-se abusiva a conduta processual do autor que, impedido de juntar-se à GLO, prossegue em uma demanda individual?

b) aceita a premissa de que se trata de conduta abusiva, a extinção de sua demanda é uma resposta proporcional?

A essas duas perguntas, o juízo que extinguiu a demanda responde positivamente, com base nos argumentos seguintes.

Primeiramente, o ingresso tardio de um litigante no grupo acabaria por prejudicar o principal objetivo da GLO, qual seja, permitir uma resolução célere e econômica do litígio. Isso porque, caso o novo demandante não pudesse valer-se das provas comuns já produzidas, v.g., deveria requerer novas diligências, novas audiências etc. O mesmo argumento pode ser utilizado para a possibilidade de prosseguimento de uma demanda individual paralela, onde o mesmo esforço procedimental já realizado na GLO deverá se repetir.

Ademais, manter essa demanda paralela obstaria a concentração de esforços processuais apenas na GLO, o seu leitmotiv, com a necessidade de dispersão entre as eventuais ações individuais. Indiscutível que haverá considerável aumento de custos para o réu que; além de prover a GLO, deverá arcar com os dispêndios da demanda individual.

75

Em termos de segurança jurídica, note-se que a autorização para o prosseguimento de

demandas individuais paralelas impossibilita que os réus das GLOs conheçam com exatidão qual o número de autores da demanda e, consequentemente, impedem que possam prever quais são os potenciais custos de uma sucumbência.

76 Aqui, trata-se de um argumento que vê

na formação do grupo um benefício não apenas para os autores, mas também para os demandados.

Finalmente, o Justice Moses ainda afirma que, embora não haja qualquer obrigação legal para aderir ao grupo, caso o autor decida, conscientemente, não se juntar àquele, então, deverá arcar com as suas consequências, podendo ser privado de ingressar com uma demanda individual Talvez possa se enxergar aqui a idéia de um ônus processual, faculdade cujo não exercício gera prejuízo ao seu titular.

Decorre dessa análise dos argumentos empregados para extinguir a demanda individual o embate entre, de um lado, regras de cunho precipuamente administrativo

75

Aliás, mesmo na Cort of Appeal, que reformou tal entendimento, confirma-se que o fato de aderir a uma GLO deve sempre propiciar vantagens aos que aderiram, haja vista a cooperação desses últimos no esforço comum de conduzir a causa contra o réu. Leia-se trecho, no original, da decisão da Cort of Appeal: "Those litigants who join the group action are entitled to have their interests (whether they are claimants or defendants) given higher priority than those of a litigant who does not take that course. This is because of the fact that they aré likely to be large in number, but also because by joining the group action they are co-operating with the proper management of the proceedings, whereas the litigan~ . who does not take that course is not so doing. The general sentiments expressed by Moses j in his judgment which I have cited are statements which I would firmly endorse". Vide nota 65

76

O argumento da imprevisibilidade das decisões tem sido muito levantado em paíse~ como os EUA, em que a total falta de critérios para a fixação de indenizações impede . que as empresas possam calcular o custo de suas condutas. Por outro lado, há quem, veja na imprevisibilidade das indenizações a única forma de impedir que as compa- . nhias contingencializem as suas futuras perdas, permitindo calcular quando determi- .: nado ato ilícito vale a pena. Em artigo sobre o tema, judith Martins-Costa e Mariamf~ Pargendler ilustram com bastante precisão essa dinâmica: ) "Daí a razão pela qual as características funcionais dos punitive damages (a punição ~ a exemplaridade) têm atraído os estudiosos, insatisfeitos com a linearidade do princí~ pio da reparação na sociedade atual, sabendo-se que muitas empresas cujos produtos>>são danosos em escala massiva amparam a continuidade de sua produção (e os dan~' causados) numa espécie de raciocínio por custo/benefício entre o lucro auferido peJ4~ disposição do produto no mercado e o custo da indenização a ser paga aos indivíduos . que ingressarem em juízo, buscando ressarcimento pelos danos individualmente soofridos" (MARTINs-CosTA,judith; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da funçã:Ó punitiva ('punitive damages' e o direito brasileiro). Revista da Ajuris. n. 100. a. XXXII:' p. 233. São Paulo: Ajuris, dez. 2005).

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39

destinadas a uma melhor organização e forma da GLO (como a cut-off date) e, de outro, um direito fundamental à tutela jurisdicional Parece-nos que é a partir dessa ponderação que Lord Woolf, na Cort of Appeal, dará provimento ao recurso do autor.

Primeiramente, a Cort of Appeal diferencia a situação daquele que não aderiu ao grupo por pura inércia, daquele que, como Taylor, jamais desobedeceu qualquer ordem do Poder Judiciário e, ao contrário, foi prejudicado pela própria morosidade desse no provimento de uma decisão penal. Assim, o paradigma determina que o atraso na adesão ao grupo deve ser claramente abusivo, o que não ocorreu in casu.

O juízo-administrador jamais poderia determinar que o autor aderisse ao grupo, e tal coação sequer é previstas nas regras pertinentes à GLO. Lord Woolf ainda menciona a inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário como direito fundamental do individuo, o que nos aproxima, inclusive, das discussões que ocorreram na Comissão quando do debate sobre a idéia de se escolher uma demanda-modelo individual para resolver o incidente de coletivização, nos dizeres de seu Presidente, Min. Luiz Fux:

"E essa idéia, ela evita a crítica da impossibilidade da ação individual. Que eu muito embora tivesse imaginado criar essa regra da legitimação coletiva obrigatória para as ações de massa [ininteligível] individual, pode recair nessa crítica constitucional. E aí não cai. O incidente de coletivização."

77

Mais adiante, superando qualquer limitação formal, Lord Woolf afirma que não vê

qualquer óbice para que o juízo responsável pelo conhecimento da demanda individual leve em conta as decisões proferidas na GLO:

"If he brings the proceedings in parallel to a GLO, the court is fully entitled to manage the proceedings which he brings in a way which takes account of the position of those who have joined the GLO."

78

Aponta-se até mesmo a possibilidade de suspender a demanda individual até o

julgamento da GLO.

Com base nesses fundamentos, a Cort of Appeal provê a apelação do autor para ressuscitar a demanda individual extinta, porém, ordena que essa fique suspensa até o julgamento da GLO, solução conciliatória que será paradigma a partir deste julgamento. A existência paralela de demandas individuais contemporâneas ao incidente é preocupação bastante legítima pelas razões já narradas e, não por outro motivo, na 3.a Reunião da Comissão, o Min. Luiz Fux observa com precisão o problema: "Não, o que não pode é coexistir ação individual com coletivização da demanda".

79

4 A GROUP LITIGATION ORDEN E A CLASS ACTION AMERICANA

Atualmente, no Reino Unido, parte da doutrina tem tecido ferozes críticas a algumas características da GLO que causam certa insegurança jurídica. A própria ideia de procedimentos paralelos, que o paradigma Nugent não descartou, a informalidade de sua disciplina, o mecanismo de adesão ao grupo a partir de um esforço individual complexo, enfim, são essas apenas algumas das críticas apontadas. Para esses doutrinadores, a class action americana, mais próxima de nossas atuais ações coletivas, seriam bem mais eficazes na reunião de demandantes individuais.

77

1.ª Ata da Comissão, vide nota 15.

78

No original. Vide nota 65.

79

Vide nota 15.

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40

Considerando que o estudo comparado tem como objetivo maior trazer não apenas o status quo do direito estrangeiro, mas também as suas principais críticas, o campo de discussão entre a GLO e a class action

80 parece ser o mais apropriado nessa perspectiva de

lege ferenda.81

O mecanismo de adesão individual às ações coletivas parece ser o primeiro e principal problema a distinguir as duas figuras. Como já afirmado anteriormente, a GLO adota a ideia de opt-in, isto é, o demandante individual deve manifestar-se positivamente e ser proativo na adesão ao grupo, inclusive sob pena de perder tal direito (ou ao menos, tê-lo contestado). O grupo da GLO forma-se fática e juridicamente com base na manifestação expressa de vontade de seus membros.

Já a ação coletiva americana funda-se no mecanismo opt-out que, ao conntrário da GLO, determina que o grupo se forma ficticiamente, a partir de um vínculo fático ou jurídico comum, quando todos aqueles abrangidos serão auutomaticamente inseridos no grupo. Portanto, presume-se uma adesão tácita, cabendo ao indivíduo agir proativamente e manifestar expressamente caso deeseje desligar-se do grupo.

Atualmente, o regime de opt-in no âmbito das ações coletivas é exceção, prevalecendo, na maioria dos países, demandas coletivas fundadas na adesão tácita ao grupo, com a possibilidade de saída do indivíduo, opt-out. Nada obstante, esse último sistema acaba por trazer ao grupo indivíduos sem o menos interesse em litigar, muitos dos quais sequer sabem que são membros do grupo ou bem possuem mandato. Assim, a vantagem do mecanismo adotado no Reino Unido é que a GLO só reúne os sujeitos que, de fato, possuem interesse em cooperar para a resolução do conflito.

No Brasil, a solução adotada parece bastante interessante, haja vista que, pelo teor do art. 934, do Anteprojeto, o relator do incidente de resolução de demandas repetitivas, apenas determinará a suspensão das ações individuais em curso. Logo, tais demandas não serão reunidas em um todo - seja homogêneo, seja heterogêneo -, mas prosseguirão individualmente, apenas sendo suspensas até o julgamento da questão controversa, quando se aplicará, uniformemente, a posição do Tribunal competente. ° art. 938, do Anteprojeto, ao dispor sobre a aplicação da tese jurídica a "todos os processos que versem idêntica questão de direito", não faz qualquer distinção entre aqueles que aderiram ao incidente (no caso, que tenham sido, por exemplo, mencionados pelo juiz ou pelas partes em seu ofício ou petição ao relator do incidente) e aqueles que não o fizeram. Caberá, fundamentalmente, às partes interessadas, trazer ao seu processo o entendimento exarado no julgamento do incidente.

Em suma, no embate entre os mecanismos opt-in e opt-out, confrontam-se, de um lado, a liberdade do indivíduo de decidir se quer ou não ser parte de uma lide, e, de outro, a superioridade de um direito coletivo sobre um direito individual. Note-se que a exigência de uma conduta proativa para a adesão ao grupo acaba por obrigar o indivíduo a realizar o esforço de enfrentar toda a burocracia necessária para propor a sua demanda individual.

82

Outra crítica recorrente à disciplina da GLO em comparação com aquela da class

action é a falta de legislação sobre o tema. Embora as Civil Porcedure Rules e as Practical Directions contenham as normas fundamentais sobre a GLO, a doutrina aponta a inexistência de regras sobre uma série de situações, como a realização de acordos, as cut-off dates, a

80

Embora o direito americano seja um verdadeiro mosaico de ordenamentos estaduais, pedimos vênia para tratar da class action em suas principais linhas características comuns.

81

MULHERON, Rachael, op cito Também quanto ao tema, remeta-se a ANDREW5, N. Multii-Party Proceedings in England. DukeJoumal of Comparative and Intemational Law. n. 249. p. 262. 2001. Para uma perspectiva no direito australiano, cite-se FRANCEY, N. A. Class Act ar the Spectre of Class Actions. Australian Product Liability Reporter 52/54.

82

Lembre-se que, a partir de 2002, as PDs exigiram que antes de registrar uma demanda no grupo, era mister propô-la individualmente. Vide desenvolvimento histórico da matéria no Reino Unido, supra.

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41

distribuição de danos entre demandados etc.83

A minúcia dos regramentos da class action, sobretudo nos EUA, onde são exaustivamente reguladas em cada estado, contrapõe-se com uma legislação apenas diretiva da GLO, o que não é de se estranhar, considerando "que o desenvolvimento das ações de grupo na Inglaterra tiveram origem em uma natureza totalmente prática, e não doutrinária" .

84

A própria natureza associativa da GLO em oposição à class action também parece

sugerir uma distinção bastante interessante. Enquanto na GLO, cada membro do grupo é efetivamente parte da lide, exigindo-se, inclusive, a sua anuência expressa, e podendo até mesmo ser escolhido para conduzir a demanda-modelo, na class action, forma-se um todo homogêneo, em que titular do direito é a própria coletividade. Mesmo nos casos de direitos individuais homogêneos, campo mais propenso à reunião de demandas, as class actions tem conseguido homogeneizar os diversos direitos, a fim de reuni-los em um único sujeito processual.

Entre nós, o Anteprojeto parece não enfrentar esse problema, pois continuarão a existir, paralelamente ao incidente proposto, as ações coletivas, e aquele apenas determina a suspensão das demandas individuais em seus respectivos juízos, sem a necessidade de sua reunião em torno de um juízo-administrador.

Crítica bastante comum no Reino Unido é referente à fixação de uma test action - incidente-modelo - que serve de base para o julgamento da controvérsia. Isso porque, enquanto o incidente-modelo é conduzido normalmente até o desfecho do caso, com a produção de provas, designação de audiências etc., os demais processos do grupo são suspensos, o que acaba por retardar o andamento desses. Tal atraso torna-se ainda pior quando se sabe que muitas dessas demandas individuais só poderão aplicar as teses definidas no incidente-modelo após a verificação de existência de certas bases fáticas, o que poderá demandar ainda a produção de provas, como perícias, oitiva de testemunhas, etc. e tal somente ocorrerá após o julgamento do incidente-modelo.

Por tal razão é que a suspensão das demandas individuais incluídas no grupo deveria ser relativa apenas à questão comum, que deverá ser extremamente bem delimitada. Dessa forma, o julgamento do incidente-modelo não atrasaria necessariamente o andamento das demais ações individuais, que só seriam suspensas quando não puderem mais prescindir da tese controversa objeto da GLO.

O Anteprojeto previu a questão temporal, e estabeleceu um prazo máximo de seis meses para o julgamento do incidente (art. 939), sob pena de cessar a sua eficácia suspensiva, porém, ressalvou a possibilidade do relator do incidente decidir em sentido contrário, em decisão fundamentada, o que pode gerar uma prorrogação infindável. Talvez aqui, a crítica do direito inglês pudesse aproveitar ao direito brasileiro, permitindo que as demandas abrangidas pelo incidente continuassem a ter seu curso normal, apenas ficando suspensa a aplicação da tese controvertida. Imagine-se o exemplo de determinada causa em que diversos consumidores alegam vícios nos apartamentos adquiridos de uma construtora. A questão fática consiste em saber qual a depreciação econômica dos imóveis de cada sujeito, o que demanda perícia bastante longa. A questão jurídica exige pronunciamento sobre o cabimento da ação quanti minoris ou redibitória no caso, o que será objeto do incidente. Ora, não se vê razão para suspender a perícia das demandas individuais, enquanto o Tribunal competente decide a

83

"As a consequence, various important issues associated with the conduct of group litigation, such as judicial approval of settlement agreements, limitation periods, aggregate assessment of damages, and cy-pres distribution of damages, are not covered by the terms of the GLO schema, in comparison with the class action regimes where such matters have received explicit attention by the drafters and legislators" (MULHERON, Rachael, op. cit., p. 47, no original).

84

MILDRED, M., op. cit., p. 462.

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42

questão jurídica. Ademais, o Anteprojeto prevê apenas a resolução via incidente de questões de direito, o que corrobora essa idéia.

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Em suma, diversas críticas direcionadas à GLO inglesa, e à defesa de uma "class

action britânica", permitem suscitar questões que são plenamente válidas entre nós. Algumas, já foram inclusive superadas pelo Anteprojeto, outras, ainda demandam alguns ajustes. No entanto, é preciso ver na disciplina do incidente, e dos demais instrumentos de coletivização da demanda, uma base de formação bastante prática, que exige dos magistrados competentes e da própria legislação, uma adaptabilidade que possa sempre modular os efeitos do instituto. 5. CONCLUSÃO

O estudo do Anteprojeto do novo Código de Processo Civil brasileiro, por si só, já demonstra o enorme potencial criador de suas linhas, ao qual se soma o surgimento de um magistrado mais presente, administrador da lide, além de aplicado r da lei. A concepção instrumentalista do processo, que se desdobra nos mais variados dispositivos, possibilita a superação de um formalismo autopoiético sem qualquer razão de ser, em prol da tutela jurisdicional mais justa possível.

Como já anunciávamos no introito deste texto, a disciplina da nova figura do incidente de resolução de demandas repetitivas parece, em seus 12 artigos, reunir todas essas ambições que a Comissão soube tão bem aproveitar. E, nesse passo, a experiência inglesa de um instituto já consagrado - ao menos formalmente - há nove anos, parece legitimar a disciplina do incidente no Anteprojeto.

Em primeiro lugar, a importância dos poderes gerenciais do magistrado, seja em primeira ou em segunda instância, para que o formalismo do incidente de coletivização não prepondere sobre o direito individual de tutela jurisdicional. As regras devem ser apenas direções a seguir, sempre com a ressalva de que poderá o juízo agir de forma diversa, no intuito de adaptar o incidente às peculiaridades do caso. O art. 935 do Anteprojeto parece dar ao relator do incidente os mais amplos poderes para a "elucidação da questão de direito controvertida". Portanto, deve se enxergar nesse tipo de incidente menos um instituto jurídico de resolução de controvérsia, e mais um instrumento processual de administração de múltiplas controvérsias.

O regime de opt -out parece ser a regra na maior parte dos países que adotam um regime de ações coletivas. No entanto, seria equivocado afirmar que o Anteprojeto adota uma perspectiva opt-in. Parece-nos, ao contrário, que o Anteprojeto é bastante feliz na escolha de um procedimento que fica a meio caminho entre as diferentes figuras. Por um lado, não exige dos litigantes que manifestem expressamente a sua vontade para juntar-se ao "grupo", nem que esses litigantes tenham suas demandas reunidas em um juízo universal, por outro, determina a suspensão de todas as ações que versem sobre a questão de direito controvertida, inclusive com a possibilidade de extensão dessa eficácia suspensiva a todo o território nacional, pela intervenção do ST] ou do STF (art. 937 do Anteprojeto).

Sob a ótica da celeridade processual, é interessante a crítica da doutrina inglesa quanto à suspensão das demandas individuais durante a resolução da controvérsia coletiva. Nesse sentido, diante da necessidade de produção de prova no âmbito das ações individuais que não prejudiquem em nada o andamento do incidente, parece-nos possível relativizar a eficácia suspennsiva.

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Em artigo sobre o tema, David Collins lembra que "se a responsabilidade em deecorrência de determinado dano for estabelecida pelo incidente-modelo, os demandantes individuais do grupo precisarão apenas provar que sofreram aquele dano", corroborando a idéia de que essa última prova pode ser realizada independentemente do julgamento do incidente-modelo (COlLIN5, David. Public funding of multi-party litigation. Disponível em: [ssrn.comlabstract=15556666]. Acesso em 06.07.2010).

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É mister que o incidente proposto pelo Anteprojeto não se torne apenas um litisconsórcio multitudinário, mas retire de seu caráter coletivo as suas principais vantagens. Portanto, a tese jurídica controvertida deve ser extremamente bem delineada e limitada, para que o julgamento do incidente possa aplicar-se a todas as demandas que versem aquela questão, não permitindo que as especificidades de cada caso concreto impeçam o seu correto funcionamento.

Embora, no Anteprojeto, o incidente acabe se formando a partir de uma demanda individual, parece não haver maiores dúvidas quanto à distribuição de custas entre os litigantes afetados, pois todos manterão as suas respectivas demandas. Todavia, caso o modelo brasileiro venha, no futuro, a se aproximar da GLO inglesa, é imprescindível que se regule com precisão a repartição das custas entre os litigantes, sob pena de se onerar excessivamente a "parte-líder" do incidente, assim como os seus advogados. Como o Brasil decidiu não adotar a figura do incidente-modelo, parece que essa questão de custas fica superada.

Finalmente, qualquer medida destinada à reunião de causas, seja física ou apenas juridicamente, deve aproveitar-se dos novos recursos tecnológicos já materializados no processo virtual, por exemplo. A centralização e publicização dos incidentes pelo CN] (art. 931 do Anteprojeto) devem valer-se desses instrumentos para que a extensão dos efeitos da decisão que julga a controvérsia seja o mais ampla possível, evitando-se o prosseguimento de feitos individuais em direções opostas.

O incidente de resolução de demandas repetitivas, tal como sugerido pelo Anteprojeto, e à luz da Group Litigation Order britânica, deve ser um instituto a serviço de uma perspectiva do processo como instrumento de efetivação da tutela jurisdicional. As exigências formais devem ser apenas a garantia de seu escopo, balizamento de seu aspecto primordialmente gerencial, o que pressupõe um magistrado atuante, proativo e administrador do caso. Sem essas premissas, muitas delas de ordem cultural, a coletivização das demandas fica sob o risco de uma desordem multitudinária. De certa forma, o desafio que nos propõe o incidente é a superação de uma perspectiva individual do processo em prol de um interesse coletivo maior, a ser alcançado não pela substituição desses sujeitos, mas pela sua reunião. 6. BIBLIOGRAFIA ANDREWS, N. Multi-Party Proceedings in England. Duke joumal of Comparative and Intemational Law. n. 249.2001, p. 262. ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. São Paulo: Saraiva, 1946. BAUMGARTNER, Samuel P. Class action and group litigation in Switzerland. Northhwestem joumal of Intemational Law and Business. vol. 27, 2007, research paper n. 6-17. BEDAQUE,]osé Roberto dos Santos. Direito e processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. CAPONI, Remo. Azione colettive: interessi protetti e modelli processuale di tuteela. Rivista di diritto processuale. n. 5. ano LXIII. p. 1205-1225.2008. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso àjustiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. COLLINS, David. Public funding of multi-party litigation. Disponível em: [http:// ssrn.com/abstract=15566661. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. FRANCEY, N. A. Class Act or the Spectre of Class Actions. Australian Product Liiability Reporter. vol. 52. p. 54. 1992.

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