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João Trindade Cavalcante Filho 4ª edição revista, ampliada e atualizada Processo Legislativo Constitucional 2020

Processo Legislativo Constitucional...Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) possui funções típicas e atípicas, de modo que um não possa invadir as atribuições do outro,

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João Trindade Cavalcante Filho

4ª edição revista, ampliada e atualizada

Processo Legislativo Constitucional

2020

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Capítulo 1

FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO PROCESSO LEGISLATIVO

SUMÁRIO: 1. Processo e procedimento; 1.1. Procedimentos legislativos; 2. Princípios do Processo Legislativo; 2.1. Princípio da separação de poderes; 2.2. Princípio da não convalidação das nulidades; 2.3. Princípio da controla-bilidade (ou do controle de constitucionalidade); 2.4. Princípio da simetria; 2.5. Princípio democrático; 2.5.1. Democracia direta (participativa); 2.5.2. Democracia indireta (representativa); 2.5.3. Democracia semidireta (mista); 2.5.3.1. Institutos da democracia semidireta; 2.6. Princípio da publicidade; 2.7. Princípio da oralidade; 2.8. Princípio da separação da discussão e votação; 2.9. Princípio do bicameralismo; 3. Objeto do Processo Legislativo; 3.1. Leis como atos jurídicos de Direito Público; 3.2. Existência, validade e eficácia da norma; 4. Espécies normativas: análise do princípio hierárquico das normas; 4.1. Hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos humanos; 4.2. Os regimentos internos dos tribunais: hierarquia legal?

1. PROCESSO E PROCEDIMENTO

Inicialmente, é preciso conceituar o que é processo, na teoria geral do Direito, para que possamos, só então, passar a definir o que seja o processo legislativo.

O termo “processo” vem do latim processus (pro = para adiante + cessus = marcha; ou seja, “marcha para adiante”).

No âmbito da Teoria Geral do Direito, podemos afirmar, então, que processo é um conjunto de atos ordenados e inter-relacionados para a realização de um fim (produção de uma norma jurídica de decisão). Em palavras simples: processo é o mecanismo de produção de normas jurídicas.

É possível, ainda, estabelecer uma classificação das normas de processo. Se atentarmos para o fato de que elas regulam a produção de normas jurídicas, podemos verificar que as normas produzidas (objeto do processo) podem ser1:

a) espécies normativas enumeradas no art. 59 da CF (emendas à Cons-tituição, leis complementares, ordinárias, delegadas, decretos legislativos,

1. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. 1. São Paulo: Ma-lheiros, 2001, pp. 35 e ss.

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resoluções e medidas provisórias): leis em sentido amplo, normas (comumente gerais e abstratas) aprovadas pelo Congresso Nacional ou por órgão com poder (ainda que transitório) de legislar;

b) decisões judiciais, dirigidas à resolução de um caso concreto, e que são normas jurídicas concretas (acórdãos, sentenças e decisões interlocutó-rias); e, por fim,

c) decisões administrativas (atos administrativos), normas concretas que visam a realizar o interesse público por meio da aplicação da lei ao caso con-creto, com a utilização das prerrogativas conferidas à Administração Pública.

Assim, os processos podem ser classificados segundo a natureza da norma que se destinam a produzir: o processo judicial regula a produção de decisões jurisdicionais; o processo legislativo determina a forma de produção e o conteúdo das leis e demais espécies normativas gerais e abstratas; e o processo administrativo se destina à produção pela Administração de um ato administrativo (norma concreta), que é o fim último do processo2.

Com base nisso, podemos definir o processo legislativo como o meca-nismo de elaboração das leis e demais espécies normativas; o processo de formação das leis (em sentido amplo).

1.1. Procedimentos legislativos

Não há que se confundir, porém, o conceito de processo com o de procedi-mento. Na verdade, este último é apenas um dos aspectos do processo: enquanto o processo é um conjunto de atos ordenados e inter-relacionados, pode-se dizer que o procedimento é a ordem (juridicamente predefinida) em que se praticam os atos de um processo. O processo é, pois, o meio (instrumento) de que se utiliza a ordem jurídica democrática para regular a criação do próprio direito; é um direito da produção do direito, seja a partir da legislação, da decisão concreta ou mesmo da interpretação. Processo é o instrumento de produção de normas jurídicas; procedimento é o caminho que esse processo pode tomar. Numa me-táfora: o processo é o ato de viajar, o procedimento é a estrada que se escolhe.

Assim, por exemplo, o processo legislativo é o mecanismo de formação das leis. Porém, as proposições legislativas podem tomar vários diferentes caminhos de tramitação, por isso se fala na existência de vários procedimentos.

Vista a distinção entre processo e procedimento legislativos, é preciso analisar quais tipos de procedimentos legislativos há no Direito Brasileiro.

2. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. Salvador: JusPodivm, 2007, p. 12.

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Tomando por empréstimo uma nomenclatura do Direito Processual Civil, poderíamos dizer que os procedimentos se dividem em comum e especiais. O procedimento comum é a regra, o padrão, o standard. No nosso contexto, procedi-mento comum é o procedimento de aprovação das leis ordinárias (=leis comuns).

Esse procedimento comum pode ainda subdividir-se em: a) procedimento ordinário; b) procedimento sumário; c) procedimento abreviado3.

O procedimento comum ordinário é a tramitação completa do projeto de lei ordinária, ou seja, é a tramitação do projeto passando por todas as fases possíveis (inclusive discussão em plenário) e sem prazo definido4. Já o procedimento sumário (ou procedimento da urgência constitucional) se carac-teriza por ter as mesmas fases do procedimento ordinário, mas por prever a existência de prazos para a deliberação do Congresso Nacional (CF, art. 64, §§ 1º e seguintes). Por fim, o procedimento abreviado dispensa a apreciação do projeto de lei ordinária pelo Plenário da Câmara ou do Senado, considerando--se aprovado se for aceito pelas comissões de cada Casa (diz-se que o projeto tramita em caráter terminativo ou conclusivo: CF, art. 58, § 2º, I).

Já os chamados procedimentos especiais regulam a tramitação que não segue totalmente os padrões da aprovação de uma lei ordinária comum. Assim, qualquer diferenciação substancial no trâmite de uma proposição le-gislativa significa que se trata de um procedimento especial (=específico, não comum). Temos então como procedimentos especiais: a) leis orçamentárias (embora sejam leis ordinárias, a matéria de que tratam é tão específica que determina várias diferenças de tramitação); b) emendas constitucionais; c) leis complementares5; d) leis delegadas; e) medidas provisórias; f) decretos legislativos; g) resoluções; h) decretos autônomos6.

3. Embora haja diferenças de classificação, preferimos adotar a divisão sugerida por Kildare Gon-çalves, por considerá-la mais didática, clara e racional. Cf. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

4. Aqui encontramos uma certa diferença de classificação, pois há autores que usam a parte pelo todo, denominando qualquer processo de aprovação de leis ordinárias de procedimento ordinário. É o caso, por exemplo, de Alexandre de Moraes: MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, p. 644. São Paulo: Atlas, 2009. Assim em concursos públicos, por exemplo, é preciso atentar para o sentido que a banca quer emprestar à expressão “procedimento ordinário”: em sentido amplo, significa o processo de aprovação das leis ordinárias; em sentido estrito, quer dizer o processo de aprovação das leis ordinárias pela sua via completa, total.

5. O procedimento das leis complementares é especial, pois guarda algumas peculiaridades (embo-ra não tão numerosas) em relação ao das leis ordinárias. Além da diferença de quórum, temos que o procedimento abreviado, por exemplo, não é aplicável aos Projetos de Lei Complementar, conforme veremos.

6. Ao pé da letra, os decretos autônomos não são objeto de estudo do processo legislativo, pois não são elaborados pelo Poder Legislativo, e sim pelo Executivo (CF, art. 84, VI). Entretanto,

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Como se percebe, a lei ordinária representa o procedimento padrão (comum), e o estudo do trâmite das demais espécies normativas é feito por comparação, isto é, estuda-se o que a tramitação dos demais atos normativos (procedimentos especiais) tem de diferente em relação às leis ordinárias (procedimento comum).

Numa tabela:

PROCEDIMENTO

COMUM (LEI ORDINÁRIA)

Ordinário

Sumário (urgência constitucional)

Abreviado (conclusivo ou terminativo)

ESPECIAL

Leis orçamentárias

Emendas Constitucionais

Leis Complementares

Leis Delegadas

Medidas Provisórias

Decretos Legislativos

Resoluções

Decretos autônomos

2. PRINCÍPIOS DO PROCESSO LEGISLATIVO

Princípio, na lição sempre citada de Celso Antônio Bandeira de Mello, pode ser conceituado como o núcleo basilar de um sistema. Em outras palavras, princípio significa uma norma que rege a parte principal, mais genérica, de um sistema de normas. Assim, dentre as várias normas que regem a Admi-nistração Pública, os princípios da legalidade, impessoalidade, etc., são as normas mais gerais, por isso mesmo, mais importantes.

Podemos, portanto, contrapor princípios e regras. Estas são mais espe-cíficas; aqueles, mais genéricos e abstratos. As regras trazem soluções mais concretas, mas só se aplicam aos casos específicos por elas regulamentados, ao passo que os princípios são mais maleáveis: não trazem uma carga tão grande de certeza, mas podem aplicar-se a um número maior de casos.

Com base nisso, podemos dizer que o estudo dos princípios é fundamental por permitir ao profissional compreender as bases do sistema, podendo com

como têm força de lei e são atos normativos primários, optamos por estudá-los no presente trabalho.

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isso, até mesmo, resolver problemas concretos sem recorrer às regras infindáveis que tratam do tema. Quem entende os princípios precisa decorar menos regras.

Quais são, portanto, os princípios que regem o processo legislativo constitucional?

2.1. Princípio da separação de poderes

Essa é a nomenclatura clássica do princípio segundo o qual cada um dos Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) possui funções típicas e atípicas, de modo que um não possa invadir as atribuições do outro, e de forma que um poder controle (=fiscalize) os demais e seja por eles controlado (CF, art. 2º). Em suma: os poderes são independentes entre si, mas também se fisca-lizam de modo recíproco7.

Esse princípio tem ampla aplicação no processo legislativo. Com efeito, Montesquieu já propagava a doutrina de que o poder de fazer as leis não poderia ser atribuído à mesma pessoa que as executasse ou que tivesse a prerrogativa de julgar. Com isso, buscava-se separar a tarefa de legislar das atividades de administrar e julgar.

Isso se reflete na tramitação de proposições legislativas, obviamente. Senão, vejamos:

a) existem determinadas matérias que só podem ser deliberadas (=vota-das) pelo Congresso Nacional se forem propostas pelo Presidente da República, isto é, matérias em que o Legislativo não pode atuar de ofício (ex officio, por iniciativa própria), sob pena de invadir a liberdade de administrar atribuída ao Poder Executivo. Ex.: CF, art. 61, § 1º8.

b) em determinados projetos de lei de iniciativa exclusiva do Presidente da República ou do Judiciário e do Ministério Público, não são aceitas emen-

7. Cf. MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède e de. Do Espírito das Leis. Para um estudo mais detalhado do princípio em questão: CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Roteiro de Direito Constitucional, p. 60. Brasília: Gran cursos, 2011.

8. “São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II – disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territó-rios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Dis-trito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f ) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.”.

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das parlamentares para aumentar a despesa prevista (CF, art. 639). Ou seja, nos projetos em que a Constituição atribui a iniciativa exclusivamente a um outro Poder, que não seja o Legislativo, este não pode, durante a tramitação do projeto, aumentar a despesa de forma unilateral, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º)10.

Como afirma Alexandre de Moraes:

“(...) não são permitidas emendas que visem ao aumento da despesa prevista nos projetos de iniciativa exclusiva do Presi-dente da República, sendo de flagrante inconstitucionalidade a norma inserida, por emenda parlamentar, em projeto de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, que acarreta aumento de despesa pública, por flagrante ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes da República”.

c) toda e qualquer legislação emanada do Poder Executivo vem marcada pela excepcionalidade; assim por exemplo, as medidas provisórias só podem ser editadas nos casos de relevância e urgência, além de terem prazo determinado e não poderem tratar de determinados temas; na mesma linha, as leis delegadas também possuem um campo de matéria que não pode ser por elas abordado.

2.2. Princípio da não convalidação das nulidades

Em regra, as nulidades (=vícios, defeitos, falhas) do processo legislativo são insanáveis (não são corrigíveis, não podem ser convalidadas). Isso significa que as nulidades do processo de formação das leis são absolutas, não podem ser objeto de correção posterior.

Exemplo: projeto de lei de iniciativa privativa do Presidente da República (ex.: art. 61, § 1º, II, c) foi apresentado ao Congresso por um Deputado Federal, e mesmo assim foi aprovado (essa é a falha, o vício, a nulidade). Encami-nhado ao Presidente da República, este apõe a sanção (declara que concorda com o projeto de lei). Fica a pergunta: a sanção do Presidente da República convalida (corrige) o vício de iniciativa? Resposta: NÃO, pois as nulidades do processo legislativo são absolutas.

9. “Não será admitido aumento da despesa prevista: I – nos projetos de iniciativa exclusiva do Presiden-te da República, ressalvado o disposto no art. 166, § 3º e § 4º; II – nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público.”.

10. Cf. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 647.

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Mesmo que o Chefe do executivo sancione a lei, ela deverá ser declarada inconstitucional pelo STF, pois é nula desde o início. Foi por isso que o STF deixou de aplicar a Súmula nº 5, que determinava a convalidação do vício de iniciativa pela sanção.

Outro exemplo: um projeto de lei complementar (que necessita do quó-rum de maioria absoluta para ser aprovada) foi votada e considerada apro-vada pela maioria simples (relativa) da Câmara dos Deputados. Percebido o erro, a Câmara resolve “confirmar” o projeto quando ele já foi encaminhado ao Senado. Essa confirmação é válida? NÃO, pois a nulidade é absoluta, não pode ser convalidada, corrigida. O projeto será considerado inconstitucional, ainda que seja aprovado pelo Senado Federal e sancionado pelo Presidente da República.

Uma exceção a tal princípio é a possibilidade de que uma lei formalmente complementar, mas que abordou assunto de lei ordinária, seja tratada como ordinária, conforme veremos no capítulo destinado às leis complementares.

2.3. Princípio da controlabilidade (ou do controle de constitucionali-dade)

Segundo esse axioma, o processo legislativo pode ser controlado (fisca-lizado) quanto à compatibilidade com a Constituição, seja pelo próprio Legis-lativo (controle preventivo feito pelas Comissões de Constituição e Justiça), seja pelo Executivo (o Presidente pode vetar projetos de lei que entenda inconstitucionais), seja, posteriormente, pelo Judiciário (que pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei por violação ao processo legislativo).

O tema será estudado em capítulo próprio.

2.4. Princípio da simetria

De acordo com o art. 25, caput, da Constituição, os Estados-membros organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios estabelecidos na Constituição. Dessa norma o STF induz o cha-mado princípio da simetria, segundo o qual os Estados, o DF e os Municípios devem adotar, nas linhas gerais, os mesmos princípios básicos aplicáveis na esfera da União.

No âmbito do processo legislativo, é firme a posição do Supremo Tri-bunal Federal no sentido de que “as regras básicas do processo legislativo federal – incluídas as de reserva de iniciativa –, são de absorção compulsória

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pelos Estados, na medida em que substantivam prisma relevante do princípio sensível da separação e independência dos poderes” (STF, Pleno, ADI 430/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 01.07.1994).

Pode-se afirmar, assim, que as normas relativas ao processo legislativo federal são verdadeiros princípios extensíveis – isto é, normas delineadas para a União, mas que se aplicam também aos Estados, ao DF e aos Municí-pios. Essa aplicação só cede espaço para a autonomia estadual ou municipal quando assim expressamente previsto na CF (por exemplo: art. 27, § 4º que atribui à lei – estadual – a definição das regras para a iniciativa popular em âmbito estadual).

2.5. Princípio democrático11

Democracia, como já vimos, significa o poder do povo; quer dizer que “todo o poder emana do povo”, como adverte o parágrafo único do art. 1º. É, na fórmula clássica popularizada por Abraham Lincoln, o “poder do povo, pelo povo e para o povo”12.

Contudo, a noção e os modelos de democracia têm variado bastante ao longo do tempo. Pode-se afirmar que a experiência democrática é uma vivência assimétrica.

2.5.1. Democracia direta (participativa)

Na Grécia Clássica, mais precisamente em Atenas, vivenciou-se a chama-da democracia direta, ou participativa, em que os cidadãos (os nascidos em Atenas, filhos de pai ateniense) votavam diretamente todas as leis, na Ágora (espaço para deliberações públicas).

2.5.2. Democracia indireta (representativa)

O crescimento da população, contudo, tornou inviável esse modelo de deliberação direta, de modo que surgiu, em França, o modelo da chamada democracia indireta, ou representativa, no qual os cidadãos elegem periodi-

11. Para uma análise aprofundada sobre as conexões entre Constitucionalismo, Processo Legislativo e Democracia, cf. BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade. Processo Legislativo e Democracia. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

12. LIJPHART, Arendt. Modelos de democracia. Desempenho e padrões de governo em 36 países. Tradução de Roberto Franco. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 17.

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camente representantes, conferindo-lhes um mandato para que decidam as questões políticas. Outro fator que contribuiu para essa adoção da democracia representativa foi, sem dúvida, o incremento de complexidade da legislação, uma vez que não é factível atribuir ao povo que decida, diretamente, sobre leis tão díspares quanto o Código de Processo Civil, a Lei de Licitações, as regras de concessões do setor elétrico, os sistemas eleitorais e suas veriantes etc.

2.5.3. Democracia semidireta (mista)

Nas Constituições de vários Estados-membros dos Estados Unidos, em fins do século XVIII, e nos documentos constitucionais suíços do início do século XX, surgiram mecanismos que, ao lado da eleição de representantes, permitiam a participação popular direta na formação da vontade política13: eram os chamados institutos da democracia semidireta, que caracterizam um país como adotante da democracia semidireta, ou mista (em que, ao lado da representação indireta tradicional, há também a participação popular direta). Esse é o modelo atual de democracia adotado no Brasil, como se vê da redação do parágrafo único do art. 1º, quando proclama que todo o poder emana do povo, “que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Um dos maiores empecilhos à adoção de uma democracia direta na atualidade é de ordem prática. Não obstante se reconheça que essa seria a forma ideal de organização política (ainda mais com a crise do sistema repre-sentativo), não se revela factível, com a densidade populacional e o ritmo de vida típicos da pós-modernidade, organizar um sistema baseado na votação direta de proposições legislativas por todos os integrantes de um Estado14. Essa é a justificativa maior da democracia semidireta.

2.5.3.1. Institutos da democracia semidireta

A ideia de participação popular direta – como uma tentativa de relegi-timar o Estado de Direito, em vista da crise da democracia representativa – fundamenta-se em três pilares básicos: o reconhecimento da soberania popular; a legitimação das autoridades constituídas/representativas; e a pro-teção contra a ditadura e a justificação do caráter obrigatório (legitimidade)

13. Cf. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 275.14. Alguns autores defendem, porém, a possibilidade de um retorno à democracia direta, utilizando

os modernos meios de comunicação de massa. Nesse sentido, já no “longínquo” ano de 1973, confira-se: MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969, tomo III. São Paulo: RT, 1973, p. 202.

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do próprio direito15. Nesse contexto, a iniciativa popular surge, ao lado de institutos como o referendo, o plebiscito, o veto popular, o recall, dentre outros, como uma forma de valorizar a soberania popular, legitimando a atuação normativa do Estado e, por conseguinte, reforçando a validade social do próprio sistema jurídico.

Dentre os chamados institutos da democracia semidireta, podemos citar:

a) Plebiscito: consulta prévia em que o povo se manifesta sobre a aprova-ção a determinado tema (por exemplo: plebiscito previsto no art. 2º do ADCT, em que o povo foi consultado sobre a mudança da República Presidencialista para a Monarquia e/ou para o Parlamentarismo, e rejeitou essa alteração);

b) Referendo: consulta posterior, em que é colhida a opinião popular, para saber se aceita ou rejeita uma lei já existente (como o referendo em que se rejeitou a proibição de comercialização de armas de fogo e munição, que fora instituída pelo Estatuto do Desarmamento – Lei nº 10.826/03);

c) Iniciativa popular: poder que é dado aos cidadãos de propor ao Le-gislativo projetos de lei, mediante a assinatura de um número mínimo de apoiadores (CF: art. 61, § 2º; art. 27, § 4º; art. 29, XIII);

d) Recall: é o poder da população de destituir um servidor público ou titular de mandato eletivo do cargo que ocupa, caso não corresponda às ex-pectativas. É adotado, atualmente, em 18 Estados-membros dos EUA16;

e) Abberufungsrecht (revogação coletiva): “aqui não se trata, como no recall, de cassar o mandato de um indivíduo, mas o de toda uma assembléia”, como explica Paulo Bonavides17. É adotado em alguns cantões da Suíça.

No Brasil, adotamos o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular legis-lativa18 (art. 14, I, II e III)19. Todavia, vale lembrar que há julgado do Supremo Tribunal Federal apontando a existência de outras formas de participação popular direta na formação da vontade política do Estado:

15. Cf. KNAPP, Blaise. Principes et Modalités de la Democratie Directe. In: La Participation Directe du Citoyen à la Vie Politique et Administrative. Bruxelas: Bruylant, 1986, pp. 72-73.

16. Tal instituto já é adotado em diversas constituições de outros países, como Estados Unidos (em dezoito de seus Estados-membros), Suíça, Venezuela (art. 72), Canadá (Província de British Co-lumbia), Bolívia (art. 187, III), Peru (art. 31), Colômbia (art. 40), Argentina (Província de Córdoba), dentre outros. A figura do referendo revocatório é prevista, também, no Direito Italiano, embora, naquele país, com finalidade mais ampla (Constituição Italiana, art. 75).

17. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 293.18. Tramita no Senado Federal uma Proposta de Emenda Constitucional buscando introduzir o instituto

do recall em nosso ordenamento jurídico (PEC nº 73/2005).19. Para maiores esclarecimentos sobre a iniciativa popular, inclusive no Direito Comparado, consulte-

-se o capítulo sobre o procedimento comum.

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“Além das modalidades explícitas, mas espasmódicas, de demo-cracia direta – o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular (art. 14) – a Constituição da República aventa oportunidades tópicas de participação popular na administração pública (v.g., art. 5º, XXXVIII e LXXIII; art. 29, XII e XIII; art. 37, § 3º; art. 74, § 2º; art. 187; art. 194, § único, VII; art. 204, II; art. 206, VI; art. 224)”20.

Segundo esse princípio, aplicado ao tema que ora estudamos, o processo legislativo deve respeitar os cânones de democracia. Em primeiro lugar, deve haver condições para que os debates parlamentares e pré-parlamentares sejam feitos em igualdade de condições, em situação em que todos os interlocutores possam manifestar suas ideias, sem sofrer qualquer tipo de pressão, a não ser a natural “coação” exercida pelo melhor argumento21.

Bem se vê que o princípio democrático – absolutamente fundamental no processo legislativo – está estruturalmente ligado ao pluralismo político, um dos fundamentos da República (CF, art. 1º, V).

Jürgen Habermas, um dos mais respeitados filósofos da atualidade, aponta as conexões entre soberania popular, democracia e pluralismo político:

“No princípio da soberania popular, segundo o qual todo o poder do Estado vem do povo, o direito subjetivo à participação, com igualdade de chances, na formação democrática da vontade, vem ao encontro da possibilidade jurídico-objetiva de uma prática ins-titucionalizada de autodeterminação dos cidadãos. Esse princípio forma a charneira entre o sistema dos direitos e a construção de um Estado de direito. Interpretado pela teoria do discurso (a) o princípio da soberania popular implica: (b) o princípio da ampla garantia legal do indivíduo, proporcionada através de uma justiça independente; (c) os princípios da legalidade da administração e do controle judicial e parlamentar da administração; (d) o princípio da separação entre Estado e sociedade, que visa impedir que o poder social se transforme em poder administrativo, sem passar antes pelo filtro da formação comunicativa do poder.

(...) Da lógica dos discursos resulta também o princípio do pluralismo político e a necessidade de complementar a for-mação da opinião e da vontade parlamentar, bem como os partidos políticos, através de uma formação informal da opinião na esfera pública política, aberta a todos os cidadãos. Após

20. STF, Pleno, ADI 244/RJ, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 31.10.2002, p. 19.21. Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, vol. 1. Tradução de

Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, pp. 154 e ss.

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Kant, John Stuart Mill e John Deway analisaram o princípio publicidade e o papel que uma opinião pública informada deveria desempenhar no controle do parlamento. O conteúdo do princípio da soberania popular só se esgota através do princípio que garante esferas públicas autônomas e do prin-cípio da concorrência entre os partidos. Ele exige uma estru-turação discursiva das arenas públicas nas quais circulações comunicativas, engrenadas anonimamente, se soltam do nível concreto das simples interações. Uma formação informal da opinião, que prepara a formação política da vontade influindo nela, não é sobrecarregada pela institucionalização de uma deliberação entre pessoas presentes que buscam uma tomada de decisão. Tais arenas precisam ser protegidas por direitos fundamentais, levando em conta o espaço que devem pro-porcionar ao fluxo livre de opiniões, pretensões de validade e tomadas de posição; não podem, todavia, ser organizadas como corporações”22.

Por outro lado, a aplicação do princípio democrático ao processo legisla-tivo significa também que deve haver condições para a participação popular e da sociedade civil na formação das leis, com a realização de audiências e consultas públicas. Ademais, é preciso institucionalizar os institutos da de-mocracia semidireta, tais como o plebiscito, o referendo e, notadamente, a iniciativa popular.

É necessário, porém, que tais formas de participação popular sejam efetivamente levadas em conta. Atualmente, muitas das audiências públicas realizadas no âmbito do Poder Legislativo são esvaziadas de pessoas e de ideias: poucos parlamentares as acompanham, e geralmente são convidadas pessoas com linhas de pensamento semelhantes, mais interessadas em de-fender determinado ponto de vista do que em realmente ouvir argumentos contrários. Há que se repensar a forma e a função das audiências públicas, inclusive com reformulação em nível regimental.

2.6. Princípio da publicidade23

De acordo com essa norma, as deliberações legislativas devem ser públicas e acessíveis ao público. Além disso, diríamos, deve haver, sempre que possível,

22. HABERMAS, Jürgen. Op. Cit., pp. 212-214.23. Cf. SILVA, José Afonso da. Processo constitucional de formação das leis. São Paulo: Malheiros,

2006, p. 50.

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a votação nominal e aberta, para que o corpo de eleitores possa fiscalizar o exercício da atividade parlamentar, verificando quem adotou cada posição.

Não à toa, a EC nº 76, de 2013, transformou em abertas todas as vota-ções no âmbito do processo legislativo (antes dela, a apreciação do veto, por exemplo, ocorria de forma secreta)24.

2.7. Princípio da oralidade

Os atos do processo legislativo podem ser produzidos de forma verbal. Não é necessário reduzi-los a escrito, salvo quando haja alguma norma cons-titucional ou regimental impondo tal formalidade.

Dito de outra forma, o processo legislativo é regido pelo princípio da oralidade (prioridade do votado sobre o escrito), como ensina José Afonso da Silva25, norma essa que é derivada do princípio geral processual da instru-mentalidade das formas.

Essa oralidade se verifica principalmente durante a discussão de pro-jetos: não é incomum, nas comissões, alguma parlamentar apresentar uma emenda verbalmente, e essa ser acolhida (também oralmente) pelo Relator da matéria. Obviamente, nesse caso, depois será preciso consolidar por escrito a alteração, que se dá, porém, no momento em que é oralmente aprovada pelos membros da Comissão.

2.8. Princípio da separação da discussão e votação

Segundo esse princípio, as fases de discussão (debate) e deliberação (vota-ção) são rigidamente separadas. Assim, uma vez encerrada a discussão26, não se pode reabrir os debates durante a fase de votação, quando então cada Deputado ou Senador só deve manifestar o voto sobre o projeto (sim, não ou abstenção).

Como ensina José Afonso da Silva:

“É lícito ao Parlamentar, depois da votação, enviar à Mesa decla-ração escrita de voto, redigida nos termos regimentais, sem lhe

24. Entendemos que, com a entrada em vigor da citada EC, foram tacitamente revogados – porque não recepcionados pela nova ordem constitucional – todos os dispositivos regimentais que pre-viam votação secreta no âmbito

25. Cf. SILVA, José Afonso da. Processo Constitucional de Formação das Leis no Direito Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 34.

26. O encerramento da discussão se dá nos termos regimentais. Algumas vezes, após a manifestação de um número x de parlamentares, ou, ainda, quando não houver mais quem queira discutir.

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ser permitido, todavia, ler essa declaração ou fazer, a respeito, qualquer comentário verbal. Isso decorre daquele princípio (…) da separação da discussão e da votação”27.

É desse princípio que derivam várias regras regimentais. É o caso, por exemplo, da diretriz segundo a qual o emendamento só pode ocorrer na fase de discussão – isto é, enquanto não iniciada a discussão.

Também é desse princípio que deriva o fato de que se pode abrir a sessão de discussão de uma proposição legislativa sem que tenha sido ainda atingido o quórum de votação. Assim, por exemplo, pode-se iniciar a discussão de um PL com a presença do número regimental mínimo para abrir a sessão, mesmo que não se tenha atingido, ainda, a maioria absoluta com presença registrada, nos termos do adiante estudado art. 47 da CF. Em outras palavras: pelo princípio da separação entre discussão e votação, a exigência do quórum de presença é feita para que se inicie a votação, nada impedindo que se faça a discussão com os parlamentares que estiverem em Plenário (desde que respeitado o quórum de abertura de qualquer sessão, previsto no regimento interno da Casa respectiva).

2.9. Princípio do bicameralismo

Como o Poder Legislativo (na esfera federal) adota a estrutura bicameral igual (o Congresso Nacional divide-se em duas Casas de mesma hierarquia e atribuições semelhantes), então todo e qualquer projeto de lei (de lei, perceba--se) só será considerado aprovado se obtiver o apoio de ambas as Casas. Se qualquer delas rejeitar a proposição, o projeto estará então arquivado. Um projeto de lei só se transforma em lei se houver, ao menos quanto ao essencial, concordância entre as duas Casas Legislativas, ao contrário do que ocorre em alguns outros ordenamentos, como o alemão28.

Existem, porém, duas variantes do bicameralismo na Constituição Brasi-leira. A primeira é a variante do bicameralismo puro, adotado na tramitação de PEC e de Decreto Legislativo, e em que a proposta só pode ser considerada aprovada quando ambas as Casas concordarem na integralidade. Por outro lado, o princípio do bicameralismo mitigado (=relativizado) é adotado para a

27. SILVA, José Afonso da. Processo Constitucional de Formação das Leis. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 286.

28. Cf. HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 387.

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tramitação de projetos de lei (ordinária ou complementar), nos termos do art. 65 da CF. Nesse segundo modelo, a proposição precisa ser aprovada em ambas as Casas – contudo, em caso de a Casa Iniciadora e a Revisora aprovarem versões diferentes, caberá à primeira tomar a decisão em caráter definitivo29.

3. OBJETO DO PROCESSO LEGISLATIVO

O processo legislativo tem por objeto a produção de leis, seja em sentido formal, seja em sentido material. Lei em sentido MATERIAL é qualquer ato com CONTEÚDO de lei (isto é, conteúdo geral e abstrato). Já Lei em sentido FORMAL é qualquer ato aprovado com o nome de LEI pelo Congresso Nacional.

Assim, existem atos que possuem conteúdo, mas não nome de lei (re-gimentos internos dos Tribunais, regimentos internos das Casas Legislativas), enquanto existem atos que só têm o nome de lei, mas cujo conteúdo é concreto e específico (e não geral e abstrato), como é o caso das leis orçamentárias30.

Assim, temos: CONTEÚDO DE LEI = LEI EM SENTIDO MATERIAL; FORMA DE LEI = LEI EM SENTIDO FORMAL; CONTEÚDO E FORMA DE LEI = LEI EM SENTIDO FORMAL E MATERIAL.

O objeto do processo legislativo é a produção de leis em sentido formal e material (são as espécies normativas previstas no artigo 59 da Carta Magna, quais sejam: a) emendas constitucionais; b) leis (complementares, ordinárias e delegadas); c) medidas provisórias; d) decretos legislativos; e) resoluções.

3.1. Leis como atos jurídicos de Direito Público

Ato jurídico é uma declaração (=manifestação) de vontade, de um querer apto a produzir efeitos no mundo do Direito31.

Dessa forma, é possível estudar a lei como ato jurídico que é: a ma-nifestação de vontade do órgão competente (geralmente o Legislativo) para normatizar (=regulamentar) as condutas das pessoas em sociedade. A teoria dos atos jurídicos aplica-se, também, às leis, como ensina o professor André Ramos Tavares:

29. Para maiores comentários, consulte-se o tópico relativo à tramitação de projetos de lei ordinária e de PEC.

30. Para maiores considerações sobre o conteúdo do ato legislativo, confiram-se os comentários contidos no Capítulo 5.

31. Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 137.

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“A lei é considerada (...), pois, como um ato jurídico, para efei-tos de ser decomposta (...) em seus elementos conformadores.

Parte-se, pois, da ideia de que a lei é categoria de ato jurídico. Nesse diapasão, há de se lhe distinguir a existência e a validade, bem como eficácia, como dimensões diversas.”32

Partiremos, então, para a análise dos três planos em que pode ser de-composta a lei, como ato jurídico: existência, validade e eficácia33.

3.2. Existência, validade e eficácia da norma

Primeiramente, temos a existência, que pode ser entendida como a entrada (=ingresso) da lei no ordenamento jurídico. Assim, toda lei que, bem ou mal, tenha sido produzida, pode-se dizer que existe (=ingressou no ordenamento jurídico). Se preencheu todos os pressupostos para ser válida, essa já é outra discussão.

Como já afirmava Pontes de Miranda:

“Para que algo valha é preciso que exista. Não tem sentido falar-se de validade ou de invalidade a respeito do que não existe. A ques-tão da existência é questão prévia. Somente depois de se afirmar que existe é possível pensar-se em validade ou em invalidade. Nem tudo que existe é suscetível de a seu respeito discutir-se se vale, ou se não vale. Não se há de afirmar nem de negar que o nascimento, ou a morte, ou a avulsão, ou o pagamento valha. Não tem sentido. Tampouco, a respeito do que não existe: se não houve ato jurídico, nada há que possa ser válido ou inválido. Os conceitos de validade ou de invalidade só se referem a atos jurídicos, isto é, a atos humanos que entraram (plano da existência) no mundo jurídico e se tornaram, assim, atos jurídicos.”34

Como se vê, a existência é uma análise preliminar sobre se a lei foi pro-duzida por um órgão estatal. Caso a resposta seja afirmativa, pode-se dizer que ela existe. Só então passaremos a verificar-lhe a compatibilidade com o orde-namento jurídico, isto é, a validade da lei. E, uma vez existente e válida, a lei será apreciada pelo prisma da eficácia, ou seja, se a lei já produz seus efeitos.

32. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 155.33. Biscaretti Di Ruffia fala em perfeição, validade e eficácia, no mesmo sentido que aqui se atribui

aos termos existência, validade e eficácia. Cf. RUFFIA, Paolo Biscaretti Di. Direito Constitucional. São Paulo: RT, 1984, p. 113. Tradução de Maria Helena Diniz.

34. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, vol. 4. Campinas: Booksel-ler, 2000, § 357, n.1. No mesmo sentido: TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 130 e seguintes.

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Por exemplo: um projeto de lei pendente de sanção do Presidente da República ainda não existe como lei no ordenamento jurídico35. Ainda não é uma lei. Ainda não existe em termos jurídicos.

Outro exemplo: uma lei sancionada pelo Presidente da República, mas que deveria ter sido proposta pelo Procurador-Geral da República, mas não o foi. Essa lei existe, mas é inválida. Ingressou no ordenamento jurídico, mas não de forma válida: ingressou de forma viciada, é inválida, nula, e deve ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou por outro órgão do Judiciário. Mas, enquanto isso, produzirá seus efeitos, pois a lei é presu-midamente constitucional (até que se prove o contrário). Como afirma Pontes de Miranda: “O nulo é negação da validade; não é negação da existência”36.

Por outro lado, pode acontecer de a lei existir, ser válida, mas ainda não estar em vigor. Com efeito, a lei, depois de publicada, pode entrar em vigor imediatamente (vigência imediata) ou só depois de um determinado prazo, conhecido como vacatio legis. Durante esse período, a lei ainda não é obrigatória, ou seja, não está em vigor, não é eficaz (ainda).

Por isso mesmo, pode acontecer de uma lei não existir (não ser lei). Não há, então, que se falar em validade ou eficácia, pois só o que existe pode ser válido ou não, eficaz ou não. A existência é pressuposto para se analisar a validade e a eficácia37.

Pode a lei, ainda, ser existente, inválida, mas (ainda) eficaz. Enquanto não for declarada inconstitucional pelo Judiciário, a lei continuará a produzir efeitos, pois é presumidamente constitucional.

Ainda: a lei pode ser existente, válida, mas ainda não eficaz, quando está no prazo de vacatio legis.

E, por fim, a lei ainda pode ser existente, válida e eficaz, quando entrou no ordenamento jurídico, de forma adequada, e já produz seus efeitos normalmente.

Essa distinção é fundamental para entendermos devidamente o processo legislativo brasileiro. É com base nessa teoria que a doutrina classifica as fases

35. É a posição majoritária. Cf. SILVA, José Afonso da. Processo Constitucional de Formação das Leis. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 57.

36. Idem, ibidem, § 358, n. 2.37. Nesse sentido: “Existir, valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser,

valer e não-ser eficaz, ou ser, não valer e ser eficaz. As próprias normas jurídicas podem ser, valer e não ter eficácia (H. Kelsen, Hauptprobleme, 14). O que se não pode dar é valer e ser eficaz, ou valer, ou ser eficaz, sem ser; porque não há validade, ou eficácia do que não é”. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, vol. 4. Campinas: Bookseller, 2000, § 359, n. 1.

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do processo legislativo em fase constitutiva (discussão, votação e sanção/veto) e fase complementar (promulgação e publicação). É que a primeira fase trata da existência da lei (que só passa a existir após a sanção), enquanto a segunda serve para dar eficácia a uma lei já existente. Um projeto ainda não aprovado não é lei, não existe; uma lei já aprovada e sancionada, mas ainda não publicada é válida, mas ainda não é eficaz.

EXISTÊNCIA VALIDADE EFICÁCIA

A lei entrou no ordenamento jurídico. Foi aprovada pelo legislativo e sancionada pelo Executivo.

A lei não apresenta nenhum vício ou defeito em sua tra-mitação

A lei já produz seus efeitos. Já foi promulgada, publicada e passou a vacatio legis

4. ESPÉCIES NORMATIVAS: ANÁLISE DO PRINCÍPIO HIERÁRQUICO DAS NORMAS

Existe uma hierarquia entre as normas jurídicas, de modo que uma nor-ma somente é valida se for compatível com a norma superior (princípio da compatibilidade vertical), e assim sucessivamente. Dessa maneira, uma lei só é valida se for compatível com o que diz a Constituição; e um ato infralegal só o será se for adequado ao que dizem as leis e a Constituição. Como a Constituição não se submete a nenhuma outra norma, dizemos tratar-se de uma norma suprema (a maior de todas).

CONSTITUCIONAL

SUPRALEGAL

LEGAL

INFRALEGAL

HIERARQUIA CONSTITUCIONAL

1) Normas da Constituição originária

2) Emendas Constitucionais

3) Tratados sobre Direitos Humanos e aprovados pelo trâmite de emendas (art. 5º, § 3º), desde 2004

HIERARQUIA SUPRALEGAL

4) Tratados sobre Direitos Humanos aprovados sem ser pelo trâmite de Emenda (jurisprudência do STF)

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Capítulo 4

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DO PROCESSO LEGISLATIVO

SUMÁRIO: Introdução; 1. Noções de controle de constitucionalidade; 2. Con-trole político; 2.1. A sustação de atos normativos pelo Poder Legislativo (CF, art. 49, V); 2.1.1. Origem da norma; 2.1.2. Natureza do controle consubstanciado no ato de sustação; 2.1.3. Motivos da sustação de atos normativos do Poder Executivo que exorbitem os limites do poder regulamentar; 2.1.4. Atos passíveis de sustação; 2.1.5. Efeitos jurídicos do ato de sustação; 3. Controle jurisdicional; 3.1. Esclarecimento prévio: a distinção entre controle concentrado e abstrato e entre controle difuso e concreto; 3.2. Controle concentrado; 3.2.1. Cabimento de ADI contra medida provisória por ausência dos pressupostos constitucio-nais; 3.2.2. Conversão da medida provisória em lei depois do ajuizamento da ADI; 3.2.3. Cabimento de ADPF para questionar os efeitos de medida provisória rejeitada; 3.3. Controle difuso; 3.4. Atos do processo legislativo excluídos do controle judicial; 3.5. O papel do Senado Federal na ampliação dos efeitos das decisões declaratórias de inconstitucionalidade em controle difuso (art. 52, X, da CF); 4. O controle da omissão legislativa; 4.1. Mandado de injunção; 4.1.1. Natureza; 4.1.2. Hipóteses de cabimento; 4.1.2.1. Ausência de norma regulamentadora de direito assegurado na Constituição; 4.1.2.2. Espécie de norma regulamentadora cuja ausência pode ser combatida; 4.1.2.3. Omissões de atos do processo legislativo; 4.1.3. Efeitos da decisão; 4.2. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO: art. 103, § 2º); 4.3. Distinções entre ADO e MI; 5. Limites da fiscalização judicial sobre o processo legislativo.

INTRODUÇÃO

O presente capítulo tem por objetivo analisar, à luz da doutrina e da jurisprudência, quais os limites e possibilidades do controle de constitucio-nalidade do processo legislativo.

Perceba-se que o objeto de análise é bastante delimitado: o controle de constitucionalidade realizado sobre aspectos do processo legislativo. Assim, serão estudadas as situações em que esse processo – mecanismo de elaboração das normas gerais e abstratas – é fiscalizado por meio do controle de constitu-cionalidade. Desse modo, os principais instrumentos da jurisdição constitucional serão abordados tão somente no aspecto em que sirvam para a fiscalização da compatibilidade do processo legislativo com as normas da Constituição.

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Em primeiro lugar, exporemos uma breve classificação do controle de constitucionalidade – sem fins de exaurimento, mas apenas de subsidiar o estudo que aqui se pretende empreender. Logo após, analisaremos o controle de constitucionalidade realizado por órgãos políticos, para, depois, debruçar a análise sobre o controle jurisdicional. Por fim, exporemos um dos pontos mais complexos do controle de constitucionalidade sob o aspecto que aqui adotamos: o controle das omissões legislativas.

1. NOÇÕES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE1

Pode-se dizer, em linhas gerais, que controle de constitucionalidade é o mecanismo de controle (verificação) e garantia da compatibilidade vertical en-tre as fontes normativas infraconstitucionais (normas-objeto) e a Constituição (norma-parâmetro). Serve para EVITAR que surjam atos incompatíveis com a Constituição (controle prévio ou preventivo) ou para RETIRAR DO ORDENAMENTO os que tenham nascido com o vício da inconstitucionalidade (controle repressivo).

O controle de constitucionalidade pode ser atribuído a diversos órgãos estatais e ser exercido em distintos momentos. Ademais, o ato que será objeto do controle (=da fiscalização) também pode variar. Com bases nesses parâmetros principais, podemos classificar os mecanismos de controle de constitucionalidade da seguinte forma:

a) Quanto ao órgão controlador: temos então o controle judicial, ou ju-risdicional, aquele exercido por um órgão do Judiciário, com base em critérios técnicos; e o controle político, realizado por órgãos sem função jurisdicio-nal (Executivo, Parlamento, etc.). O controle judicial, por sua vez, pode ser subdividido em: controle difuso – sistema em que qualquer Juiz ou Tribunal tem autorização para, ao analisar casos concretos, deixar de aplicar leis por entendê-las inconstitucionais; ou controle concentrado – sistema no qual so-mente um órgão específico (Tribunal Constitucional) possui autorização para apreciar a constitucionalidade ou não dos atos jurídicos.

b) Quanto ao momento: de acordo com esse parâmetro, o controle pode ser preventivo (incide sobre um projeto de lei, com o intuito de evitar que surja uma lei inconstitucional); ou repressivo (posterior), aquele que incide sobre uma lei já existente, para retirá-la (=expulsá-la) do ordenamento jurídico.

1. Essas noções baseadas no capítulo “Controle de Constitucionalidade” de outra obra nossa: cf. CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Direito Constitucional Objetivo. Brasília: LeYa/Alumnus, 2016, pp. 220 e ss..

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Cap. 4 • O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DO PROCESSO LEGISLATIVO 311

c) Quanto ao objeto de controle: segundo essa classificação, podemos subdividir o controle de constitucionalidade em controle abstrato, em que se analisa a constitucionalidade ou não de uma lei em tese (desapegada de situações individuais), e controle concreto, no qual se aprecia a aplicação da lei a determi-nada situação concreta e específica, como adiante esclareceremos (ver tópico 3).

O Brasil adota o sistema jurisdicional de controle da constitucionalidade. Isto é: em nosso ordenamento, cabe, em regra, ao Poder Judiciário declarar se os atos jurídicos são ou não compatíveis com a Constituição. Todavia, isso não significa que não exista, no Brasil controle político; existe, apenas não é a regra geral.

É importante notar, ainda, que há uma relação entre a classificação quanto ao momento e quanto ao órgão controlador. Assim (embora existam exceções), a regra geral é a de que o controle judicial é geralmente exercido de forma repressiva (o Judiciário analisa apenas leis já existentes, ao menos via de regra), ao passo que o controle político é geralmente preventivo (exercido ainda sobre um projeto de lei).

Analisaremos, de agora em diante, as várias situações em que pode ser analisada a constitucionalidade ou não dos atos praticados ao longo do procedimento legislativo.

2. CONTROLE POLÍTICO

O controle político da constitucionalidade do processo legislativo pode ser feito por qualquer órgão legislativo (basta imaginar a hipótese de rejeição de um projeto de lei, porque a Casa o considerou inconstitucional)2. Todavia, existem dois momentos especialmente cunhados para tanto: a) o parecer das Comissões de Constituição e Justiça de cada Casa, que devem manifestar--se sobre a constitucionalidade e juridicidade do projeto; e b) a deliberação executiva, já que o Presidente da República pode vetar projeto de lei, caso o entenda inconstitucional (art. 66, § 1º).

Sobre a possibilidade de veto jurídico do Presidente da República (veto por motivo de inconstitucionalidade do projeto), Gilmar Ferreira Mendes ad-verte que:

2. Temos sustentado que é preciso não confundir o controle político de constitucionalidade com controle feito por motivos políticos. Ora, o controle de constitucionalidade é sempre baseado em critérios técnicos (argumentos jurídicos), uma vez que a oposição a determinada proposição por motivos políticos configura, na verdade, uma questão de mérito. Na realidade, o que chamamos de controle político significa, na verdade, o controle feito por órgãos com composição política, em oposição ao controle jurisdicional de constitucionalidade.