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1 PROCESSO MIDIÁTICO E O PROBLEMA DO TRIPLO ISOLAMENTO Pedro Benevides 1 Resumo: O artigo decompõe elaborações de Braga, Fausto Neto e Miège para elencar traços substanciais do processo midiático. Considerando ângulos problemáticos que compõem a pesquisa em comunicação, o problema do triplo isolamento demanda reflexão sobre a relação entre processo midiático e processo social. A periodização e a caracterização do processo midiático destacam a noção de deslocamento ou declinação para delinear o caráter das mudanças midiáticas atuais. Por fim, a distinção entre dois âmbitos da midiatização e a combinação de suas características e incompletudes se colocam como chance de avaliar aspectos do andamento geral da sociedade a partir do estudo propriamente midiático. Palavras-Chave: Processo midiático. Midiatização. Campo midiático. Abstract: The article analyzes elaborations of Braga, Fausto Neto and Miège to find substantial traces of the mediatic process. Considering problematic angles that make up the communication research, the problem of triple isolation demands reflection on the relationship between mediatic process and social process. Periodization and characterization of the mediatic process highlights the notion of displacement or declination to delineate the nature of the current mediatic changes. Finally, the distinction between two spheres of mediatization and the combination of its character and incompleteness arise as a chance to review aspects of the overall dynamics of society. Keywords: Mediatic process. Mediatization. Mediatic field. 1. introdução A recente institucionalização do campo acadêmico de pesquisa em comunicação oferece permanência sem eliminar a letargia nem garantir elaboração de grandes teorias (Braga, 2010). A partir da década de 1990, a centralidade da mídia chama atenção, implicando novo grau de coesão e demandando novas categorias gerais. Ocorre um entrelaçamento entre uma nova capacidade institucional de investigação e um objeto diferenciado, que impele a pesquisa à atualização de formulações. O resultado mais 1 Formado em Jornalismo na UnB, onde cursou o Mestrado em Comunicação. Doutor em Ciências da Comunicação pela Unisinos, onde atualmente realiza Pós-doutorado, com bolsa CNPq, no âmbito do Projeto “Afetações da Midiatização sobre o Ofício Jornalístico”, coordenado pelo Dr. Antonio Fausto Neto. [email protected]

PROCESSO MIDIÁTICO E O PROBLEMA DO TRIPLO … · 1 PROCESSO MIDIÁTICO E O PROBLEMA DO TRIPLO ISOLAMENTO Pedro Benevides1 Resumo: O artigo decompõe elaborações de Braga, Fausto

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PROCESSO MIDIÁTICO

E O PROBLEMA DO TRIPLO ISOLAMENTO Pedro Benevides

1

Resumo: O artigo decompõe elaborações de Braga, Fausto Neto e Miège para

elencar traços substanciais do processo midiático. Considerando ângulos

problemáticos que compõem a pesquisa em comunicação, o problema do triplo

isolamento demanda reflexão sobre a relação entre processo midiático e processo

social. A periodização e a caracterização do processo midiático destacam a noção

de deslocamento ou declinação para delinear o caráter das mudanças midiáticas

atuais. Por fim, a distinção entre dois âmbitos da midiatização e a combinação de

suas características e incompletudes se colocam como chance de avaliar aspectos

do andamento geral da sociedade a partir do estudo propriamente midiático.

Palavras-Chave: Processo midiático. Midiatização. Campo midiático.

Abstract: The article analyzes elaborations of Braga, Fausto Neto and Miège to

find substantial traces of the mediatic process. Considering problematic angles that

make up the communication research, the problem of triple isolation demands

reflection on the relationship between mediatic process and social process.

Periodization and characterization of the mediatic process highlights the notion of

displacement or declination to delineate the nature of the current mediatic changes.

Finally, the distinction between two spheres of mediatization and the combination of

its character and incompleteness arise as a chance to review aspects of the overall

dynamics of society.

Keywords: Mediatic process. Mediatization. Mediatic field.

1. introdução

A recente institucionalização do campo acadêmico de pesquisa em comunicação

oferece permanência sem eliminar a letargia nem garantir elaboração de grandes teorias

(Braga, 2010). A partir da década de 1990, a centralidade da mídia chama atenção,

implicando novo grau de coesão e demandando novas categorias gerais. Ocorre um

entrelaçamento entre uma nova capacidade institucional de investigação e um objeto

diferenciado, que impele a pesquisa à atualização de formulações. O resultado mais

1 Formado em Jornalismo na UnB, onde cursou o Mestrado em Comunicação. Doutor em Ciências da

Comunicação pela Unisinos, onde atualmente realiza Pós-doutorado, com bolsa CNPq, no âmbito do Projeto

“Afetações da Midiatização sobre o Ofício Jornalístico”, coordenado pelo Dr. Antonio Fausto Neto.

[email protected]

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proeminente deste encontro talvez seja a ramificação da chamada epistemologia da

comunicação como grupo específico de pesquisa e debate.

O objetivo deste artigo é extrair de análises consolidadas de três autores um conjunto de

traços substanciais que ajudem a compor um quadro de fatores e dinâmicas propriamente

midiáticos.

Tais análises são produto do trabalho de três autores (Braga, Fausto Neto e Miège),

escolhidos por apresentarem elaborações que não se restringem a recortes disciplinares

convencionais e por serem profissionais de pesquisa dedicados ao ofício desde sua pós-

graduação nos anos 1970. Em outras palavras, acompanharam de dentro da pesquisa a

transição entre etapas do processo midiático, lapidando seus termos junto a tais mudanças.

O ponto de partida deste artigo é a relação entre a constituição de um processo social

diferenciado, chamado de midiático, e a constituição de ângulos de pesquisa acadêmica, cujos

problemas acumulados podem propiciar a percepção de dinâmicas consistentes. O primeiro

traço substancial indicado é extraído das noções de triplo isolamento e de exterioridade – de

Braga e Miège, respectivamente.

A construção de um quadro de componentes substanciais do processo midiático pode

ser um instrumento auxiliar para nos situarmos num terreno à primeira vista confuso em que

canais se multiplicam, públicos se pulverizam, aparelhos se interligam etc. Tendo o objetivo

cauteloso da prospecção, este quadro pode ser eficaz também para aproveitar alguns dos

estudos mais adensados disponíveis sem recair nos compartimentos disciplinares nos quais a

pesquisa em comunicação no Brasil tradicionalmente se divide e dispersa.

2. Vínculo

Avaliando em 2001 a pesquisa em comunicação no Brasil, Braga identifica a

“objetivação de um espaço de estudos, reflexões e pesquisa percebidos largamente como

relevantes” (Braga, 2011a, p. 63). Esse espaço vem sendo chamado de “Comunicação”,

“Comunicação Social” ou – como passou a ser chamado em fins da década de 1990 –

“Campo da Comunicação”, designação reconhecida sem que isso acarrete consenso sobre a

definição de seus contornos (ibidem, p. 63). Tal institucionalização do campo acadêmico de

pesquisa em comunicação é acompanhada pelo problema da “dispersão – decorrente do fato

de que essa diversidade não se interroga, não produz tensionamento mútuo, não se desafia

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por perguntas e interpretações concorrentes que exijam reflexão cruzada” (Braga, 2011b, p.

3).

Ao mesmo tempo, foi se concretizando a percepção da ampliação do fenômeno

midiático e de sua penetração social, o que ensejou o termo “centralidade da mídia”, que

Braga explica em termos de um vasto aparato especializado presente nas interações sociais e

as modificando, uma vez que estas se ajustam a ele. A “forte presença do mediático nas

interações sociais contemporâneas” se manifesta em propriedades específicas, como a

inclusividade (capacidade de incluir e captar conteúdos e práticas) e a penetrabilidade

(capacidade de se inserir em práticas e ser acolhido por elas), impondo alterações e

adaptações das práticas e conteúdos incluídos e penetrados (Braga, 2011a, p. 69).

Ocorre então a conjunção entre a constituição de um espaço de preocupações e a

incontornável incidência de um poderoso aparato midiático sobre as relações sociais. Situado

entre estes fatores, Braga sistematiza quatro ângulos problemáticos da pesquisa em

comunicação, vigentes no início dos anos 2000. Um deles pode ser chamado de holismo: a

comunicação estaria presente em todas as dimensões humanas, sendo tão ampla que se torna

inapreensível – “tudo é comunicação” (ibidem, p. 65). Um segundo ângulo, muito debatido

em fins de 1990, é o da interdisciplinaridade, termo que frequentemente designa um terreno

vazio onde todas as ciências humanas teriam algo a dizer (ibidem, pp. 63-64). Braga valoriza

os estudos de interface, nos quais percebe potencial para conhecimento, ao passo que o

acolhimento indiscriminado da diversidade estimula a postura “interdisciplinarista frouxa”

(ibidem, p. 74), o que também pode ser entendido como ecletismo. O terceiro ângulo é aquele

que enquadra a comunicação a partir de disciplinas das ciências humanas e sociais, que

tendem a negligenciar especificidades midiáticas em favor de categorias já consolidadas na

disciplina original (ibidem, p. 69). O quarto ângulo é chamado por Braga de reducionista:

trata-se do recorte de “objetos específicos identificadores da área”, numa segmentação do

objeto em questões tecnológicas, jurídico-políticas, expressivo-interpretativas, profissionais-

produtivas, relativas à recepção, entre outras escolhidas a partir da especialidade ou da

preferência do pesquisador (ibidem, pp. 65-69). Nesse caso, mesmo que sejam reunidos

múltiplos enfoques, “fica uma certa sensação de que outros processos sociais, que não

comparecem em relação de contiguidade imediata com a mídia, estariam nos escapando à

observação e portanto ao trabalho do conhecimento” (ibidem, p. 65).

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O questionamento destas quatro perspectivas incide sobre as polêmicas em torno da

definição de objeto ou da demarcação do campo de pesquisa. Segundo Braga, os meios de

comunicação não constituem objeto de pesquisa, sendo eles “apenas o fenômeno empírico – e

como tal não correspondem propriamente a um ângulo ou preocupação de busca de

conhecimento” (ibidem, p. 69). O problema não se resolve pelo recorte dos meios de

comunicação em termos de política, economia, administração, tecnologia, produção

profissional, discursos ou recepção. Tais enfoques, se exclusivos, tendem a isolar fragmentos,

“seja de sua realidade social, seja de sua substância significativa, seja das suas condições de

existência e produção” (ibidem, p. 69).

Cabe fixar essa noção de um triplo isolamento como marcante dos estudos de mídia. A

noção não acarreta um veto à observação de fenômeno parcial ou a investigação de objeto

recortado. Também não é solução meramente relacionar um objeto midiático ao contexto

social geral, ao contexto mais próximo das condições de produção e à sua substância.

Abstraindo a preferência de Braga pelas interações, a questão que ele coloca em 2001 é

“examinar o fragmento sem destacá-lo das relações que entretém” (ibidem, p. 69).

Existe afinidade entre esta percepção e a noção de ancoragem das técnicas de

informação – comunicação (TIC), de Bernard Miège, com quem cabe uma aproximação.

Segundo ele, as TIC são constituídas por uma “dupla mediação”, o que designa a introjeção

de um conjunto de determinações técnicas e sociais. É uma concepção combinada de técnica

e social como esferas distintas e articuladas, implicando que a esfera propriamente técnica

possui uma dupla qualidade – técnica e social (Miège, 2009a, pp. 18; 46-47). Situar o

fragmento num conjunto de relações externas e internalizadas é justamente um modo de

compreender as TIC, o que põe Miège em diálogo com a noção de triplo isolamento.

É neste raciocínio que o termo ancoragem é empregado, em contraposição ao termo

inserção, que seria equivocado por “colocar a esfera da técnica numa posição de

exterioridade e mesmo de conquista em relação ao social” (ibidem: 55-56; cf. também p. 22).

Trata-se de se distanciar de elaborações atreladas a termos como difusão, papel, efeitos,

impacto, função, entre tantos outros disseminados na pesquisa acadêmica em comunicação e

que carregam o fardo das relações dicotômicas entre comunicação e sociedade. As

ocorrências mais flagrantes deste problema são as formulações cibernéticas e funcionalistas.

A corrente funcionalista, desde seus cinco Qs até o ajuste de 1973 acerca de o que as pessoas

fazem com a mídia, sempre pressupõe uma “ligação em que a mídia tem uma relação de

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exterioridade aos grupos sociais” (Miège, 2009b, p. 10). Na cibernética, que assume o

modelo emissor–receptor e o adapta à noção de efeito de retroação (ibidem, p. 11), encontra-

se uma exterioridade similar.

Assim, é possível destacar o triplo isolamento, segundo Braga, e a exterioridade,

segundo Miège, como limitações contundentes marcando o conjunto da pesquisa em

comunicação. Convertendo os limites em problemas, os dois autores oferecem formulações

que exprimem uma questão similar: a do vínculo entre parte e todo. O problema pede

resposta, que pode ser armadilha, uma vez que a solução não é apenas de conteúdo (recorte

“correto” e contextualização), nem pode ser contemplada pelas disciplinas já estabelecidas,

cujos conceitos não se construíram na relação com a preocupação midiática. A noção de

relações entretidas que encontramos em Braga e de combinação de relações externas e

internalizadas em Miège sugerem dinâmicas específicas, para as quais os conceitos

disponíveis oferecem recaídas nos obstáculos acima indicados.

3. processo midiático

Em 2001, Braga escreve que a definição de objeto é “o primeiro problema que

assombra o pesquisador em Comunicação” (Braga, 2011a, p. 65). Para o autor, o fantasma

não deve ser perseguido, mas compreendido. Comentando suas formulações 10 anos depois,

Braga reitera: o termo “mídia” leva a equívocos ao sublinhar aspectos temáticos (os recortes

já mencionados), enquanto que a expressão “midiatização” implica processos

comunicacionais e suas lógicas internas, articulados a processos de comunicação não

diretamente midiatizados mas inscritos no fluxo comunicacional (ibidem, p. 70). A ênfase no

processo, com alusão à pesquisa acumulada, é diretamente compartilhada por Fausto Neto,

segundo quem a midiatização “transcende aos meios e as mediações, [estando] no interior de

processualidades” (Fausto Neto, 2006b, p. 10). Indiretamente, a preocupação pode ser

encontrada em Miège: ainda que exista uma “concepção de TIC”, tratá-las como um objeto

“parece neste caso impróprio”, já que elas não se restringem a aparelhos mas sim envolvem

mercantilização ao nível produtivo e de consumo, cumprem múltiplas funções e incitam

praticas privadas, públicas e profissionais, além de participarem de conflitos de interesses

estratégicos (Miège, 2009a, p. 21). Sem que o termo “processo” seja colocado, aqui também

existe um conjunto de dinâmicas que se sobrepõem aos fenômenos e às fixações temáticas.

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Assim, os enfoques de cada um destes autores – interações em Braga, enunciações e

afetações em Fausto Neto e ancoragem da técnica em Miège – geraram elaborações que

possuem um certo denominador comum, que pode ser traduzido como a sugestão de reflexão

sobre o vínculo entre processo midiático e processo social. Braga e Fausto Neto destacarão o

termo midiatização, que avança para formulações específicas. O termo “processo midiático”

é uma ferramenta de prospecção, um operador analítico que visa articular diferentes análises

acadêmicas, acolher o senso comum (que consagrou o termo “mídia”), se referir a um

fenômeno atual que mobiliza preocupações e se distanciar deste fenômeno. O termo não

explica – ele pede explicação, já oferecendo certa orientação, que incorpora dificuldades

acumuladas no campo de pesquisa, que acima foram sumariamente indicadas. O que cabe

fixar aqui é a ideia de que processo midiático pressupõe o questionamento da relação

necessária entre parte e todo, sem a qual o objeto recortado não só se isola do contexto mas

de sua própria substância, que pode ser entendida como processo social introjetado. Colocar o

processo em primeiro plano é priorizar a busca pelas dinâmicas fundamentais de um certo

conjunto hipoteticamente balizado pelos termos processo midiático e o processo social.

4. passagem

A periodização é um problema frequente na pesquisa em comunicação, mesmo que

implícito, já que a comparação entre presente e passado se impõe nas caracterizações das

mudanças correntes da mídia. Do ângulo aqui considerado, trata-se de reconhecer que houve

uma mudança significativa e daí tentar definir uma passagem entre duas etapas do processo

midiático.

A percepção dessa transição foi amadurecendo em meados dos anos 2000, e se

manifestando em termos como “bios midiático”, de Muniz Sodré, e “nova ambiência”, de

Pedro Gomes, entre outros dos quais Fausto Neto se alimenta para explicitar em 2008 a

“emergência da midiatização”, que envolve certas mudanças basilares (Fausto Neto, 2008,

pp. 92-94). A primeira é a conversão de tecnologias em meios: a convergência de fatores

sócio-tecnológicos, nas três últimas décadas, transformando certas tecnologias em meios de

produção, circulação e recepção de enunciados. A segunda é o atravessamento e a

capilarização: a perda de ênfase da centralidade, autonomia relativa e distinção dos meios de

comunicação como especialistas no trabalho de intermediação dos campos sociais, em favor

de que pressupostos e operações midiáticas atravessem e permeiem práticas, interações e

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campos sociais, gerando zonas de afetação em vários níveis sociais, envolvendo inclusive os

grandes produtores, que se encontram com os consumidores em novos fluxos. A terceira está

para além dos campos, uma vez que a própria organização social se faz tomando como

referência as lógicas e operações midiáticas; em outras palavras, a lógica midiática se torna

“uma referência engendradora no modo de ser da própria sociedade” (Fausto Neto, 2008b, p.

93).

Fica assim subentendida uma periodização, englobando pelo menos 30 anos. Outra

perspectiva é apresentada em 2006 por José Luiz Braga, que sobrepõe duas periodizações. A

primeira é uma espécie de sequência de três grandes referências interacionais: a oralidade, a

escrita e a midiatização, com esta ganhando primazia hoje. A segunda periodização é

especificamente midiática e distingue três etapas, num trajeto de autonomização: meios de

comunicação são criados para serem usados como instrumentos para atingir fins externos;

esses meios desenvolvem operações, métodos e estrutura visando objetivos próprios; e

atualmente os meios geram lógicas midiáticas inerentes que se autoalimentam. Ao longo

dessas fases que culminam na geração interna de lógicas midiáticas, emerge a midiatização

como um direcionador na construção da realidade social. O autor aponta, em termos gerais,

que essa virada se dá ao longo do século XX, como etapa posterior à consolidação da cultura

escrita na Europa da instauração burguesa (Braga, 2006, pp. 2-6).

5. Instauração do campo midiático

As mudanças que começam a ser concebidas na mídia ao longo dos anos 1990 até

meados de 2000 e que ensejam o termo midiatização também incitam a busca de um termo de

comparação que melhor expusesse a transformação midiática em andamento. Daí o resgate da

ideia de “campo dos média”, de Adriano Rodrigues, indiretamente confirmada pela

observação de Fausto Neto sobre o jornalismo como construtor de seus próprios postulados

dentro de “fronteiras internas” (Fausto Neto, 2010a, p. 5). Campo midiático e centralidade da

mídia são concepções afins que se distinguem da caracterização atual do processo midiático,

no qual já não se dá a “cessão de mediações pelos outros campos ao campo mediático”

(Braga, 2012a, p. 43).

Braga aborda o campo midiático a partir de Bourdieu e Rodrigues para entender os

campos sociais como marcados por uma autonomia relativa, manifesta na capacidade de

refração de demandas externas, e por uma coexistência mútua que coloca exigências de

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legitimidade e visibilidade entre eles. A mediação que cada campo exerce para se relacionar

com os demais se autonomiza e é delegada a um campo específico, o da mídia, que passa

então a executar a mediação geral daquela coexistência entre campos sociais. A legitimidade

do campo da mídia depende da qualidade dessa execução. Assim se daria “a instauração do

‘campo dos media’ na sociedade”, colocação “pertinente para o que se percebia ao final da

década dos 80” (ibidem, p. 42).

Fausto Neto também se apoia na caracterização do “campo dos médias” feita por

Rodrigues, que identifica protocolos comunicacionais organizados por um campo específico,

que assim ganha papel regulatório em relação aos demais campos. Essa tarefa organizadora e

reguladora é que concede à mídia uma relativa centralidade, enquanto campo mediador, um

ponto de articulação entre segmentos sociais, exercendo a uma espécie de superintendência

de outros campos (Fausto Neto, 2008b, pp. 90-91). Seriam assim traços típicos da sociedade

midiática o poder mediador da mídia e a sua capacidade de tematização pública e de

publicização do debate entre especialistas (Fausto Neto, 2006b, p. 7). Nessa etapa, o

jornalismo teria também essa função mediadora, realizada por “peritos”, traduzindo para

leigos as lógicas de outros campos (Fausto Neto, 2010c, p. 4). Essas formulações se alinham

à ideia de Giddens, de 1991, de meios de comunicação como tradutores de problemáticas

para os indivíduos, um trabalho mediador, construtor de elos de confiança e de segurança

(Fausto Neto, 2008b, p. 90).

Além disso, Fausto Neto recupera autores da etapa anterior para demarcar o estatuto do

jornalismo, que na fase atual está em transformação. Darnton demarca nos limites da cultura

jornalística as possibilidades de construção da notícia, enquanto Mouillaud pensa a produção

da notícia como uma matriz que impõe sentido aos textos. Ambos compartilham a noção de

“jornalismo como uma prática social regida por certos postulados internos à cultura dessa

matriz de produção de sentido” (Fausto Neto, 2007a, p. 80). São compreensões marcantes

sobre o jornalismo, afins aos traços acima atribuídos ao campo midiático.

6. Deslocamento do campo midiático

Observados alguns traços da etapa passada, podemos inicialmente encontrar a fase atual

do processo midiático a partir de três análises pontuais feitas por Fausto Neto (2006a; 2007a;

2012) a respeito de intervenções em fluxos midiáticos de três agentes: o Primeiro Comando

da Capital (PCC), um delegado da polícia federal e o Instituto Lula. Destes estudos podemos

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depreender quatro dinâmicas combinadas. Em primeiro lugar, destaca-se a apropriação de

saberes e instrumentos midiáticos e a execução de ações midiáticas por agentes que na etapa

anterior se reduziam a fontes ou objetos. Em segundo lugar, coloca-se uma variedade de

agentes que realizam a apropriação – de organizações a indivíduos. Esse leque indica uma

apropriação generalizada, o que por sua vez exige a consideração pelo fator da competência,

para além da mera apropriação. O terceiro fator é a alternância de posições entre produtor e

receptor, num conjunto de posições voláteis. Em quarto, encontra-se uma assimetria

reformulada entre diversos agentes e o campo midiático: a apropriação que aqueles acionam é

limitada, enquanto é alta a capacidade de reapropriação dos grandes veículos especializados,

dos quais dependem aqueles agentes não especializados – o delegado tateia na negociação

com jornalistas e comete a ingenuidade de não supor que está sendo gravado; o PCC tem

maior controle inicial, mas no segundo momento a mídia em bloco de volta contra ele, numa

grande operação de distração.

Não estou sugerindo que a etapa atual se reduza a estes termos. A alternância e o

deslocamento existem, mas articulados ao poderio midiático empresarial que exerce graves

limites ao deslocamento – mesmo sob a pressão do sequestro, a Globo edita o comunicado do

PCC. A volatilidade se impõe, sem ultrapassar a força de manejo dos agentes que possuem

capacidade de elaborar estratégia, que por definição não fica no curto prazo, ao passo que o

próprio planejamento deve se dobrar a oscilações. Em outras palavras, é um conjunto de

movimentos cuja qualidade resiste a sínteses.

Ainda assim, as forças atuantes podem ser decompostas. É de se destacar que

apropriações e alternâncias se combinam a novas inclinações ao controle e à centralização. O

reposicionamento do espectador pode ser entendido como uma espécie de cogestão de

conteúdos compondo um “suposto regime de simetrias” cujas regras de inclusão permanecem

no quadro estipulado pelos produtores (Fausto Neto, 2008b, p. 101). Num caso específico

estudado por Fausto Neto, a Folha de São Paulo se viu levada a destituir seu ombudsman,

cuja posição mediadora a própria empresa havia antes delegado diante do desconforto

causado pela ausência de avaliação, sistemas de respostas e regulação externa (Fausto Neto,

2008a). Existe aqui uma dinâmica combinada de apropriação e deslocamento, dependência e

reafirmação.

Segundo Antonio Fausto Neto, é um equívoco compreender essas relações a partir do

próprio campo midiático. Esta perspectiva é midiacêntrica, no sentido específico de que

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acusa “uma espécie de protagonismo midiático” (Fausto Neto, 2010a, p. 8). Braga está de

acordo: “resistimos à perspectiva de que a mediatização da sociedade seja simplesmente

decorrente da ‘ação dos meios’ ” (Braga, 2012a, p. 43). Para que essas características se

afirmem, concorrem iniciativas vindas de diversas instâncias sociais (ibidem, pp. 38-40), que

podem ser agrupadas em dois conjuntos. Um deles é composto por atores estratégicos, que

são as empresas e os Estados que disponibilizam e oferecem redes e ferramentas. Outro

conjunto envolve o terceiro setor, inúmeros participantes sociais mais ou menos organizados,

chegando até agentes individuais, que realizam experimentações com aquelas redes e

ferramentas, sem necessariamente seguir os protocolos planejados pelo primeiro grupo.

Temos assim dois movimentos que se combinam e expandem o espaço de interações e

enunciações midiáticas.

Sem que essa expansão anule os polos de produção e de recepção, passa a ganhar

ênfase a dimensão de circulação, contribuindo para que as relações entre aqueles polos, antes

reguladas pelos chamados contratos de leitura, ganhem o teor de “zonas de pregnâncias”,

entendidas como “novas zonas de produção de sentido” instauradas em dinâmicas de

desdobramentos, bifurcações e acoplamentos (Fausto Neto, 2010b, p. 93-94; 2010a, p. 63;

2007b). Essas ações obrigam a reposicionamentos imprevistos, uma vez que, a despeito de

intenções originais, daquelas iniciativas decorre a geração de uma “circulação em fluxo

contínuo”, resultado involuntário de ações deliberadas. Essa circulação gera reações por parte

dos atores, como o “contrafluxo de escuta”, que visa se antecipar ao fluxo sob a condição de

incorporá-lo (Braga, 2012a), que é ação deliberada internalizando plenamente a nova

dinâmica.

Em meio a novas relações sociais, o jornalismo é afetado de modo mais evidente pelo

“enfraquecimento do trabalho de exclusividade do ‘guardião do contato’, enquanto sua

principal atividade” (Fausto Neto, 2010a, p. 9). Aqui também há uma variedade de

imbricações. Instalam-se “zonas de contatos” nas quais outros campos, grupos e indivíduos

se apropriam dos meios jornalísticos (idem ibidem). Em certos casos, protocolos jornalísticos

“são impregnadas por outras enunciações”; eles também migram com equipes de

especialistas para outros campos sociais, que disputam com o jornalismo tradicional as

definições de notícia (Fausto Neto, 2010a, pp. 4-5).

Bernard Miège também indica um trajeto de consolidação de características midiáticas

que hoje estariam se deslocando – ou, nos termos do autor, estariam sendo declinadas. Miège

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delineia a mídia em etapas passadas, usando a categoria de modelo comunicacional, que pode

ser entendido como um conjunto de características midiáticas substanciais. Tomando como

eixo o que ele chama de imprensa generalista de massa e mídias audiovisuais de massa,

Miège atribui os seguintes componentes definidores à mídia: unicidade de dispositivos;

regularidade na emissão e recepção de conteúdos; modelo econômico diferenciado;

organização produtiva específica; programação, cuja dupla finalidade é forjar e consolar

espectadores (visando oferecê-los a anunciantes); estabilização de públicos (Miège, 2009a,

pp. 110 e 118-123). O termo declinação foi usado repetidas vezes por Miège em seu

seminário de 2012, no qual recebeu mais ênfase do que no livro de 2009: “como identificar e

ler as declinações atuais desses modelos”, perguntava o resumo da quinta conferência.

Tomando então os traços constitutivos dos modelos midiáticos anteriores, eles agora sofrem

uma inflexão, mudando de características mas ainda sendo reconhecíveis como traços

herdados da etapa anterior: a unicidade se combina aos dispositivos interligados que podem

oferecer o mesmo conteúdo, sem eliminar seus conteúdos próprios; a regularidade se

entrelaça ao ritmo imposto pelos consumidores a partir de suas práticas, mudando a

dependência do espectador em relação à programação, que não desaparece; a economia está

em plena reelaboração (ibidem: 142), naquilo que se costuma chamar de modelo de negócios,

objeto de alta polêmica entre executivos (e os acadêmicos que os acompanham); e a

organização específica produtora de programas convive com a concorrência de firmas de

indústrias de redes e de serviços informáticos, ou de novos participantes, como os start ups do

início dos 2000 (ibidem: 118), sofrendo alterações como por exemplo a integração de

redações jornalísticas. A declinação é um modo abstrato de organizar mudanças que na

verdade formam vertentes inesperadas e variadas. Assim, “o deslocamento das fronteiras

mediáticas constitui para eles [os meios estabelecidos] uma ameaça forte, os espectadores que

podem doravante se dividir frente a uma oferta extensa” (ibidem: 121).

7. Diferenciação midiática de segundo grau

Miège caracteriza a midiatização como uma das sete lógicas sociais de enraizamento. A

definição oferecida por Miège para a midiatização é a de interposição de dispositivos nas

relações entre diversos agentes sociais – indivíduos, grupos, organizações etc. Trata-se da

“multiplicação dos objetos e dispositivos se interpondo doravante entre os interlocutores nas

trocas sociais ou profissionais, e/ou daqueles que permitem difundir os programas

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informacionais e culturais” (ibidem: 14). A midiatização se coloca em relações profissionais,

privadas e públicas, podendo ser interna a grupos e organizações, ou se dirigir destes ao

público externo, disponibilizando conteúdos ou proporcionando interações (ibidem: 83; 100-

105). Miège concebe a midiatização num certo âmbito que vai de organizações a indivíduos.

Se retirarmos as TIC do centro das atenções e elegermos como foco o processo

midiático em sua relação com o processo social, a midiatização pode ser entendida como um

processo que se dá em dois âmbitos. Segundo José Luiz Braga, podemos diferenciar dois

níveis de midiatização, um no qual processos sociais específicos incorporam lógica midiática

e um outro em que a própria sociedade se midiatiza. No primeiro nível, ocorre a mediatização

de diversas instâncias sociais, como a política, o entretenimento, a aprendizagem etc. No

segundo, o processo midiático atinge a condição de processualidade interacional de

referência, isto é, de “direcionadores na construção da realidade social” (Braga, 2006, p. 2).

De acordo com essa ideia, Fausto Neto afirma que a cultura midiática deixa a posição

auxiliar, tornando-se uma “espécie de ‘sujeito’ dos processos e das dinâmicas de interação

social” (Fausto Neto, 2008b, p. 94) e passando a ser referência engendradora, como já vimos.

Esta não é a percepção de centralidade midiática, uma vez que a dinâmica midiática passa a

interferir na própria constituição social, transcendendo os meios de comunicação, o campo

midiático e o próprio âmbito das práticas institucionais que antes incorporaram as dinâmicas

midiáticas. “Já não se trata mais de reconhecer a centralidade dos meios na tarefa de

organização de processos interacionais entre os campos sociais (...) [a cultura da mídia] se

converte na referência sobre a qual a estrutura sóciotécnica-discursiva se estabelece” (ibidem,

pp. 92-93).

A meu ver, os artigos de Braga e Fausto Neto carregam uma hipótese geral, que pode

ser construída a partir do cruzamento das suas análises, a saber, está em andamento um

processo social específico, uma espécie de diferenciação midiática de segundo grau, distinta

daquela instauração como campo. A diferenciação aqui destacada compreende certos termos

fundamentais, que incorporam a centralidade do campo midiático e vão além. A instauração

do campo midiático pode ser entendida como um primeiro grau de diferenciação midiática,

no qual o campo midiático ganha a coesão que o distingue dos meios de comunicação que o

originam. A diferenciação de segundo grau se afirma como uma espécie de externalização da

dinâmica midiática em relação ao campo midiático e também ao âmbito geral dos campos

13

sociais. Esta dinâmica passa a atuar em conjunto com forças amplas de constituição da

sociedade.

8. Processo midiático e ilegitimidade social

Se é pertinente a ideia de internalização de forças sociais externas, é plausível a

existência de uma dimensão social implícita no processo midiático. Assim como o social se

introjeta na técnica, segundo Miège, podemos aventar a hipótese de que uma sondagem da

dinâmica social pode ser executada a partir da análise de fatores internos à dinâmica

midiática. Trata-se de buscar o todo dentro da parte – uma espécie de desentranhamento

invertido, em relação ao que propõe Braga (2010).

Essa inversão pode ser esboçada tratando de modo combinado duas partes do artigo de

Braga de 2006 que nele se encontram separadas: os ângulos de prospecção e os processos

lacunares. Um trecho do texto aborda oito características ou marcas especiais da

midiatização, na intenção de apresentar perspectivas para pesquisa de particularidades desse

processo. Em seguida, Braga estuda seis tópicos de requisitos não atendidos “cobrados por

sua própria lógica [a da midiatização] enquanto processo interacional” (Braga, 2006, p. 14).

O deslocamento de campos pode ser reencontrado dentro do campo midiático em três

traços constitutivos analisados por Braga: a descontextualização, o enquadramento de

diferentes contextos e a tradução de padrões especializados (ibidem, p. 10-14). Estas são

características da midiatização que exprimem a capacidade de reenquadramento de práticas,

conteúdos e lógicas de outros campos sociais em termos midiáticos próprios. Eles podem ser

entendidos como fatores internos ao midiático do “vasto processo de rearranjo e construção

de campos” (ibidem, p. 18). Em outras palavras, a relação externa que aparece como

rearranjo ou deslocamento de campos é também um conjunto de fatores internos ao campo

midiático. O deslocamento que o campo midiático impôs aos demais ao se instaurar é parte

anterior do mesmo processo geral que atualmente faz o campo midiático ser deslocado ou

declinado por sua vez, dentro de uma dinâmica em que o conjunto dos campos parece ser

marcado por indefinições e instabilidade.

O rearranjo de campos implica o problema geral da legitimidade, que também se

manifesta como articulações mal sedimentadas entre mídia, escrita e oralidade (ibidem, pp.

20-21). São tendências gerais que se especificam como o problema da credibilidade para

grandes veículos jornalísticos e o das experimentações para participantes não

14

profissionalizados, como as apropriações, redirecionamentos e desencontros inseridos em

processos mais inclusivos e penetrantes, nos termos de Braga (ibidem, p. 21).

Em relação ao caráter diferido e difuso da midiatização, é possível entender que ele se

construiu concretamente entrelaçado ao grau específico de preparação exigido pelas

interações midiáticas, dispensando “longas formações” (ibidem, p. 22). Em outras palavras, a

variedade, a abrangência e a incidência do processo midiático encontra afinidade com as

competências midiáticas existentes, que por sua vez se mostram insuficientes quando se

confrontam com parâmetros de complexidade interpretativa (ibidem, p. 21). A obstrução

desta complexidade pode ser entendida como compensação aos questionamentos à autoridade

potencializados pelo deslocamento de campos. Assim, é eficaz para a manutenção do

processo que a interatividade se reduza a interações pontuais diretas que puxam o usuário

para o hiperfluxo (ibidem, p. 11), pois assim ela serve como contrapeso importante à

ilegitimidade geral e seus correlatos midiáticos (obstáculos à inteligibilidade e mudança de

padrão de credibilidade jornalística).

Existem assim ângulos que permitem perceber a incompletude como fator social

internalizado no processo midiático, que colabora com a sustentação tanto do processo

midiático quanto do processo social, cuja ilegitimidade de fundo não redunda

necessariamente em ameaça aos fundamentos do processo nem pede correções substanciais,

dados os contrapesos e compensações oferecidas. Isso pode indicar que características e

lacunas se alimentam mutuamente num conjunto relativamente coerente. A aceleração e

ampliação do processo midiático, assim como seu caráter diferido e difuso, podem ser assim

entendidas como progresso em sentido conservador.

9. Observações finais

Partindo de uma avaliação ampla dos ângulos problemáticos que compõem a pesquisa

em comunicação e daí destacando os problemas do triplo isolamento e da exterioridade, é

possível explicitar a questão não resolvida do vínculo entre parte e todo, como primeiro traço

substancial aqui elencado.

A polêmica sobre demarcação de campo e recorte de objeto impele a ênfase de Fausto

Neto e de Braga no caráter processual da mídia, que por si mesma não passaria de fenômeno.

Esse raciocínio foi aqui tomado como orientação para traduzir aquela relação entre parte e

todo em termos de processo midiático e processo social, respectivamente. Demandado pelo

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próprio diagnóstico do campo de pesquisa, o termo “processo midiático” se coloca como

baliza geral para a extração dos demais traços substantivos.

A frequente comparação entre as mudanças atuais do processo e a etapa passada impõe

a concepção de uma passagem entre dois períodos. Além de colocar a exigência de

perspectiva histórica e atenuar a forte inclinação das pesquisas para a análise de curto prazo,

a caracterização desta transição também pode contribuir para colocar em questão uma

travessia que normalmente é tida como dada, como um resultado natural de avanços

econômicos e tecnológicos.

A distinção entre instauração e deslocamento dá corpo aos períodos antes aventados e

sua caracterização oferece outras dinâmicas consistentes para a composição do quadro. Os

traços substantivos aqui são variados, mas se agregam em torno da noção de deslocamento ou

declinação, que por sua vez pondera percepções precipitadas sobre a ruptura da mídia atual

em relação a seu passado.

A noção de passagem já indicava o processo midiático se dinamizando em duas trilhas:

de um lado, atravessando campos, numa dinâmica que desloca o campo midiático; de outro

lado, superando o campo midiático que lhe deu origem e atuando num grau superior aos

campos, incidindo sobre dinâmicas mais profundas do processo social. Nesse sentido, a

distinção entre dois âmbitos da midiatização é traço substancial, do qual decorre a orientação

de que se persiga fenômenos e concepções que considerem e ao mesmo tempo superem o

âmbito dos campos, dos atores estratégicos e das práticas de usuários.

Por fim, a combinação entre características e incompletudes pode ser uma chance de

reencontrar o social dentro do midiático e avaliar aspectos do andamento geral da sociedade a

partir do estudo propriamente midiático.

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