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Processo n.º 285/2003 Data do acórdão: 2003-12-11 (Recurso penal) Assuntos: – direito à vida – atenuação especial da pena art.º 66.º do Código Penal de Macau S U M Á R I O O direito à vida tem primazia de grande relevo, pelo que os preceitos que enfraquecem ou diminuem a sua tutela têm de ajustar-se com rigor aos casos concretos. A acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material da atenuação especial da pena prevista no art.º 66.º do Código Penal de Macau. E tal só se verifica quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os Processo n.º 285/2003 Pág. 1/21

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Processo n.º 285/2003 Data do acórdão: 2003-12-11

(Recurso penal)

Assuntos:

– direito à vida

– atenuação especial da pena

– art.º 66.º do Código Penal de Macau

S U M Á R I O

O direito à vida tem primazia de grande relevo, pelo que os preceitos

que enfraquecem ou diminuem a sua tutela têm de ajustar-se com rigor aos

casos concretos.

A acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção

constitui o pressuposto material da atenuação especial da pena prevista no

art.º 66.º do Código Penal de Macau. E tal só se verifica quando a imagem

global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s),

se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente

supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os

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limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

O relator,

Chan Kuong Seng

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Processo n.º 285/2003

(Recurso penal)

Recorrente: (A)

Tribunal a quo: Tribunal Colectivo do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Base

ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU

1. (A), com os sinais dos autos, e após julgado no âmbito do

processo comum colectivo n.º PCC-035-03-1 do 1.º Juízo do Tribunal

Judicial de Base (TJB), veio recorrer para este Tribunal de Segunda

Instância (TSI), do acórdão final aí proferido em 26 de Setembro de 2003,

no qual foi condenado na pena única e global de 16 (dezasseis) anos de

prisão, resultante do cúmulo jurídico da pena de 15 anos e 6 meses de

prisão aplicada pela autoria material, na forma consumada, de um crime de

homicídio p. e p. pelo art.° 128.° do Código Penal de Macau (CP), e da

pena de 9 meses de prisão imposta pela autoria material, na forma

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consumada, de um crime de detenção de arma de agressão p. e p. pelo art.°

262.°, n.° 3, do mesmo CP.

E para rogar a procedência do seu recurso, o arguido concluiu a sua

motivação e peticionou como segue:

<<[...]

1. Por Acórdão de fls. 362 e seguintes, proferido nos autos em epígrafe, foi o

Arguido condenado na pena de quinze (15) anos e seis meses de prisão, pela prática

de um crime de homicídio simples p. e p. pelo artigo 128.º do Código Penal de

Macau e na pena de 9 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de

arma de agressão p. e p. pelo artigo 262.º n.º 3 do mesmo Código.

2. Em cúmulo, foi o Arguido condenado na pena única e global de dezasseis

anos de prisão efectiva.

3. O presente recurso limita-se a impugnar a referida decisão no que respeita à

determinação concreta da medida pena, atenda a não consideração dos postulados

constantes dos artigos 65.º e 66.º do Código Penal de Macau.

4. O Arguido não é uma pessoa violenta, não tem propensão para a prática de

actos violentos e nunca ofereceu resistência às autoridades policiais, antes pelo

contrário é uma pessoa pacata, trabalhadora, respeitada e inserida no seu meio

social.

5. A prática de um crime isolado na sua vida inteira, e tratando-se de uma

pessoa de 50 anos, não reflecte que a personalidade do Arguido corresponda ao

desvalor da sua conduta, e tal conclusão também não se retira dos elementos

constantes dos autos.

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6. A prática dos supra referidos crimes advêm de um cenário de discussão e

agressões entre Arguido e vítima.

7. E nesse contexto, o Arguido foi afectado por um descontrole absoluto, mas

que não traduz uma personalidade violenta, colérica e irascível.

8. O Arguido exercia a profissão de cavalariço no "Macau Jockey Club",

auferindo a quantia mensal de MOP$4.000,00, estava integrado na comunidade em

que se insere e tinha uma vida normal, modesta e digna.

9. O Arguido tem 2 filhos menores que estão a seu cargo que dependem

inteiramente dos seus proveitos.

10. Nada consta do certificado de registo criminal do Arguido junto aos autos.

11. O Arguido é um delinquente primário e, até à data, sempre teve uma

conduta socialmente irrepreensível, não tem antecedentes criminais e nunca

respondeu em Tribunal.

12. Mesmo posteriormente à prática dos factos, o Arguido manteve a sua

postura calma, séria e respeitadora.

13. O Arguido mostrou-se arrependido, tendo confessado integralmente a

prática do crime de homicídio simples.

14. O arrependimento do Arguido é sincero e este sente um enorme pesar pela

morte que causou à vítima, bem como o sofrimento que provocou aos familiares

desta.

15. O Arguido referiu por diversas vezes que se mostrava arrependido e que a

sua conduta se deveu a um acto irreflectido e a uma perturbação emocional

momentânea.

16. Referiu também que se fosse hoje jamais cometeria tal crime.

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17. O Arguido e a vítima discutiram, e esta agrediu fisicamente o aquele,

constando estes factos do douto Acórdão.

18. O Arguido, em resultado da discussão e das agressões, agiu sob o domínio

da censurável actuação da vítima, pois esta provocou-o injustamente e desencadeou

a sua conduta.

19. Não tendo o Arguido, no momento, o discernimento e serenidade

suficientes para efectuar um calmo exame da situação e assim "perdeu a cabeça".

20. O Tribunal "a quo", ao não valorar convenientemente as condições

pessoais do agente e a sua situação económica, bem como a conduta anterior e

posterior à prática dos crimes de homicídio simples e detenção de arma de agressão,

não teve em conta as circunstâncias que depunham a favor do Arguido, pelo que a

medida da pena ultrapassou a medida da culpa do Arguido.

21. Assim, o douro Acórdão violou, salvo o devido respeito, o disposto no

artigo 65.º do Código Penal de Macau ao não ter valorado tais circunstâncias.

22. Do mesmo modo, o Tribunal "a quo" violou o artigo 66.º do Código Penal

de Macau, uma vez que não teve em conta na determinação da pena abstractamente

aplicável as circunstâncias atenuantes especiais aplicáveis ao caso concreto no

tocante ao crime de homicídio simples.

Termos em que,

Deve ser dado provimento ao presente recurso

e, em consequência, ser revogado o douto

Acórdão proferido a fls. 362 e seguintes, na

parte da determinação concreta da medida da

pena, com a aplicação ao Arguido de uma

pena concreta inferior, tendo em conta as

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circunstâncias constantes das alíneas d) e e) do

n.º 2 do artigo 65.º do Código Penal de Macau

e ordenando-se a aplicação da atenuação

especial da pena ao caso em apreço, atento as

b) e c) do n.º 2 do artigo 66.º do mesmo

Código, com o que V. Exas. farão JUSTIÇA!

[...]>> (cfr. o teor de fls. 396 a 400 dos autos, e sic).

2. Em resposta a esse recurso, o Digno Magistrado do Ministério

Público junto do Tribunal recorrido entendeu a fls. 403 a 409, que se devia

manter por inteiro o aí decidido.

3. Subido o recurso para este TSI, o Digno Procurador-Adjunto

entendeu no seu Parecer emitido em sede de vista a fls. 438 a 442, que

devia ser negado provimento ao recurso.

4. Feito subsequentemente o exame preliminar, corridos em seguida

os vistos legais, e realizada que foi a audiência de julgamento nos termos

do art.° 414.° do Código de Processo Penal (CPP), cumpre decidir.

5. Para o efeito, é de transcrever, desde já, o conteúdo do acórdão

ora recorrido na seguinte parte:

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<<[...]

II- FACTOS

1. Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

No dia 9 de Fevereiro de 2003, por volta das 11H00, o arguido (A) deslocou-se

à residência da (B) sita em Macau, na Areia Preta, Lok Fu San Chun, Edifício XX

Lao, Xº andar, a fim de saber junto de (B) sobre o assunto de tratamento de

documentos de um conterrâneo seu.

Na altura, o arguido (A) levava um cabo de madeira (de martelo) na mão.

Como (B) não foi capaz de entregar o referido documento, o arguido (A)

suspeitou então que (B) estava a enganar o seu conterrâneo.

O arguido (A) entrou, assim, em discussões com (B), e a seguir, os dois

agrediram-se na residência da (B) acima referida.

Durante a luta, o arguido (A) usou uma faca de cozinha e duas facas de ponta

aguda da referida fracção e aquele cabo de madeira para esfaquear e agredir, de

uma forma indiscriminada e enérgica, a cabeça, o rosto e outras partes do corpo da

(B), até esta cair no chão e perder os sentidos.

A referida agressão do arguido (A) sobre a (B) causou, directa e

inevitavelmente, lesões corporais da mesma, descritas no relatório da autópsia do

cadáver a fls. 163 a 165 dos autos, bem como a sua morte por ter sofrido vários

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cortes na cabeça e rosto, lesões na cabeça e cérebro e perda abundante de sangue

(vide o respectivo relatório).

Após exame, o comprimento do cabo da dita faca de cozinha usada pelo

arguido (A) era de 10,5cm, enquanto o gume era de 17,5cm, e tendo 7,5cm de

largura; relativamente às duas facas de ponta aguda, o comprimento total duma

delas era de 15,9cm, o cabo era de 8,9cm, o gume era de 7cm, e tendo 1,75cm de

largura; e o comprimento da outra (cujo cabo e gume encontravam-se quebrados)

era de 21,7 cm, enquanto o gume era de 11,2cm, e tendo 1,5cm de largura; e o

comprimento do dito cabo de madeira era de 34cm, e tendo 3cm de largura.

O arguido (A) deslocou-se à residência da (B) com o referido cabo de madeira,

não justificando a posse do mesmo, e empregou-o para agredir (B) durante a luta.

O arguido (A) agiu livre, voluntária e conscientemente, e com dolo, ao praticar

os factos acima referidos.

10º

Bem sabia que a cabeça e o rosto são pontos vitais do corpo humano, e mesmo

assim, usou a faca de cozinha, a faca de ponta aguda e o cabo de madeira para

esfaquear e agredir energicamente a cabeça, o rosto e outras partes do corpo da (B),

a fim de a matar.

11º

Bem sabia que a sua conduta teria como resultado a morte da (B), e mesmo

assim, actuou, de propósito, para atingir tal resultado.

12º

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O arguido (A) bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. *

A vítima (B), divorciada, tinha, à data da morte, 40 anos de idade e gozava de

boa saúde.

A demandante (D) é a filha única da ofendida e à data da morte da sua mãe

tinha 17 anos de idade.

A vítima tinha apenas empregos ocasionais e sustentava a sua mãe e a filha,

ora demandante.

A vítima perdeu a vida em consequência directa e necessária das lesões brutais

que lhe foram infligidas pelo arguido.

A vítima antes de morrer sentiu dores agonizantes e sofrimento atroz pelas

graves lesões e ferimentos na cabeça e noutras partes do corpo.

A demandante ficou órfã da mãe que tanto amava, quando era menor.

Sofreu e continua a sofrer muito com o súbito desaparecimento da sua mãe e

que lhe provocou, como ainda lhe provoca, sofrimentos, desgostos, angústias e

noites de insónias e fazendo-a viver em permanente ansiedade.

A vítima era a sua amiga, era ela quem educava, apoiava e orientava a vida da

demandante.

***

O arguido confessa parcialmente os factos.

Auferia, mensalmente, cerca de MOP$4.000,00 e tem a seu cargo dois filhos

menores. Possui como habilitações o curso primário incompleto.

***

Nada consta em seu desabono do seu CRC junto aos autos.

***

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2. Não se provaram quaisquer outros factos relevantes do pedido cível de

indemnização e que não estejam em conformidade com a factualidade acima

assente.

***

3. A convicção do Tribunal baseou-se na prova constante dos autos, na análise

crítica das declarações do arguido e no depoimento das testemunhas inquiridas.

***

III- ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.

O artº 128º do CPM preceitua o seguinte: “Quem matar outra pessoa é punido

com pena de prisão de 10 a 20 anos.”

Por seu turno, o artº 262º n° 3 do mesmo código prevê que: “Quem detiver ou

trouxer consigo arma branca ou outro instrumento, com o fim de serem usados

como arma de agressão ou que possam ser utilizados para tal fim, não justificando

a sua posse, é punido com pena de prisão até 2 anos.”

***

Ora, da factualidade apurada, dúvidas não restam de que o arguido incorreu na

prática dos aludidos crimes, mostrando-se preenchidos os elementos objectivos e

subjectivos dos respectivos tipos previstos nas supracitadas normas e tal como lhe

vêm imputados.

***

Encontrado os tipos e vista as molduras abstractas da pena, há agora que

apurar a medida concreta da pena.

Na determinação da pena concreta, ao abrigo do disposto no artº 65º do CPM,

atender-se-á à culpa do agente e às exigências da prevenção criminal, tendo em

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conta o grau de ilicitude, o modo de execução, gravidade das consequências, o grau

da violação dos deveres impostos, intensidade do dolo, os sentimentos

manifestados, a sua motivação, as suas condições pessoais e económicas,

comportamento anterior e posterior e demais circunstancialismo apurado.

Se bem que o arguido é delinquente primário, contudo, in casu, o grau de

ilicitude é elevada, assim como a intensidade do dolo.

Por outro lado, o desvalor da conduta do arguido e a sua personalidade, que

em certa medida se transparece no modo como praticou o crime de homicídio,

merece uma censura severa.

Pelo que, se tem por ajustada uma pena de quinze anos e seis meses de prisão

para o crime de homicídio e a de nove meses para o crime de detenção de arma

proibida.

Em cúmulo, na pena de dezasseis anos de prisão.

***

E ao cometer o facto ilícito que vem provado terá o arguido incorrido no dever

de indemnizar, verificando-se como se verificam os pressupostos da

responsabilidade civil, à luz do que preceitua o artº 477º do CCM.

Constitui princípio geral do nosso direito positivo, consagrado no art° 556º do

CCM, que a obrigação de indemnizar se oriente no sentido da reconstituição da

situação que existia na esfera do lesado se não tivesse ocorrido o evento que obriga

à reparação.

Tal reconstituição visará não só os prejuízos patrimoniais como ainda aqueles

que, embora insusceptíveis de expressão pecuniária, mereçam pela sua gravidade, a

tutela do direito – danos morais ou não patrimoniais.

Processo n.º 285/2003 Pág. 12/21

Teremos em linha de conta a orientação jurisprudencial que assenta na ideia de

que merecem tutela jurídica aqueles danos que “espelhem uma dor, angústia,

desgosto ou sofrimento”.

Na fixação da indemnização por danos desta natureza, manda o artº 489º do

C.C.M., com referência aos artºs 487º e 488º do mesmo diploma, que se atenda a

critérios da equidade, ao grau de culpabilidade do agente, situação económica do

lesante e do lesado, sendo ainda princípio assente de que a indemnização nestes

casos visará proporcionar ao lesado um prazer capaz de neutralizar a angústia, dor

ou contrariedade sofridas.

***

Tudo ponderado, e atento o objecto do pedido, temos por ajustada uma

indemnização à demandante no montante de MOP$200.000,00 pela dor e

sofrimento com a perda irreparável de um ente querido.

E quanto à indemnização ao dano morte, a vítima perdeu a vida quando tinha

os seus 40 anos de idade, e se bem que a vida é um valor absoluto e insubstituível,

contudo a lei considera a sua lesão passível de reparação pecuniária de acordo os

critérios legais acima referidos.

Assim, o Tribunal entende que deve ser compensado pela quantia de

MOP$700.000,00, que se afigura justa e equitativa.

Tudo visto e ponderado, resta decidir.

***

IV- DECISÃO

Nos termos e fundamentos expostos, na procedência da acusação, o Tribunal

condena o arguido (A) na pena de quinze (15) anos e seis (6) meses de prisão pela

prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio p. e

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p. pelo artº 128º do CPM; e na pena de nove (9) meses de prisão pela prática, em

autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma de

agressão p. e p. pelo art° 262º n° 3 do mesmo código.

Em cúmulo, vai o arguido condenado na pena única e global de dezasseis (16)

anos de prisão.

Declara perdido a favor da RAEM os objectos apreendidos e numerados a 3, 4,

5, e 7 da lista de fls. 287, por serem instrumentos do crime, e devolva os restantes

objectos e dinheiro apreendidos (cf. fls. 285 a 287v) aos seus legítimos

proprietários.

*

E na procedência parcial do pedido cível:

- Vai o arguido condenado a pagar à demandante a indemnização no montante

global de MOP$900.000,00 (novecentas mil patacas), a título de danos morais e

patrimoniais. A tal montante indemnizatório acrescerá os juros vincendos à taxa

legal até ao seu integral e efectivo pagamento; e

- Nos termos do disposto nos artºs 1°; 4° nº1; 8º, 21º do DL n° 41/94/M, de 1

de Agosto, considero verificada a insuficiência económica da requerente (D) e

assim concedo-lhe o benefício do apoio judiciário na modalidade de patrocínio

judiciário e na dispensa total de pagamento de preparos e custas.

*

Vai ainda o arguido condenado em seis Ucs de taxa de justiça e nas custas do

processo, com mil e quinhentas patacas de honorários a favor do Exmº Defensor,

bem como a quantia de novecentas patacas nos termos do artº 24º da Lei n° 6/98/M,

de 17 de Agosto.

Processo n.º 285/2003 Pág. 14/21

Custas do pedido cível na proporção dos respectivos decaimentos, fixando à

Exma. Patrona nomeada para o pedido cível a quantia de MOP$6.000,00 a cargo

do Gabinete do T.U.I.

[...]>> (Cfr. o teor de fls. 364 a 368 dos autos, e sic).

6. Pois bem, considerando a questão de rogada revisão da medida da

pena até com pretendida atenuação especial da mesma, como tal colocada

pelo arguido na parte das conclusões da sua motivação como objecto do

seu recurso, e depois de analisados todos os elementos decorrentes do teor

do acórdão ora recorrido e pertinentes à decisão a dar ao caso, é de louvar

efectivamente a seguinte análise já judiciosa e perspicazmente

empreendida pelo Digno Procurador-Adjunto junto deste TSI no seu mui

conceituado Parecer:

<<[...]

O arguido expende – reportando-se, em especial, ao crime de homicídio – que

"a medida da pena ultrapassa a medida da culpa".

E é certo que a culpa, enquanto pressuposto da pena, define o seu limite

máximo.

No âmbito desse limite, entretanto, a medida concreta "é determinada no

interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é

oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é

constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro

desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em

função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização,

Processo n.º 285/2003 Pág. 15/21

excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais" (cfr.

Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 110).

É esta, na realidade, a teoria que decorre, com meridiana clareza, do artº. 40º,

nºs. 1 e 2, do C. Penal.

A quantificação da culpa e da intensidade das razões de prevenção, em função

das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se, naturalmente,

através de "todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime,

depuserem a favor do agente ou contra ele ..." (cfr. artº. 65º, nº. 2, do mesmo

Diploma).

Que dizer, então, das circunstâncias apuradas?

Em benefício do recorrente, provou-se, apenas, a confissão parcial dos factos.

Não se mostra, porém, que tal confissão tenha contribuído, minimamente, para

a descoberta da verdade.

E, muito menos, que haja sido acompanhada de arrependimento.

Em termos agravativos, há que atentar, essencialmente, no facto de o

recorrente ter agido com dolo directo e muito intenso.

Apurou-se, efectivamente, que esfaqueou e agrediu "de uma forma

indiscriminada e enérgica, a cabeça, o rosto e outras partes do corpo" da vítima.

E averiguou-se, também, que utilizou, para o efeito, três facas, para além de

um cabo de madeira.

O arguido afirma, a propósito, que "perdeu a cabeça".

Mas não se vislumbra motivo para isso, como se sublinha na resposta à

motivação.

No crime de homicídio, o bem jurídico protegido é a vida humana.

Processo n.º 285/2003 Pág. 16/21

E, conforme doutrinou o S.T.J. de Portugal, num acórdão que mantém plena

actualidade, "o direito à vida tem primazia de grande relevo, pelo que os preceitos

que enfraquecem ou diminuem a sua tutela têm de ajustar-se com rigor aos casos

concretos" (cfr. ac. de 26-6-68, B.M.J.178-164) [com nota deste TSI no sentido de que

esse aresto é tido aqui em conta apenas para efeitos de referência académica].

As penas aplicadas mostram-se, em suma, justas e equilibradas.

E, por isso, apenas se fará uma breve referência à pretendida "atenuação

especial".

Como é sabido, a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de

prevenção ("necessidade da pena"), constitui o pressuposto material da aplicação

do artº. 66°. do C. Penal.

E tal só se verifica "quando a imagem global de facto, resultante da actuação,

da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída

"que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais

quando estatuiu os elementos normais da moldura cabida ao tipo de facto

respectivo" (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências

Jurídicas do Crime, 306).

Ora, a situação em análise não preenche, seguramente, esse condicionalismo.

Deve, pelo exposto, ser negado provimento ao recurso.>> (Cfr. o teor de fls.

438 a 442 dos autos, e sic).

Nesses termos, há-de improceder o recurso, sendo certo que este TSI,

como tribunal de recurso, não tem obrigação legal de aquilatar da justeza

ou não de todas as razões invocadas pelo arguido para sustentar a sua

pretensão no presente recurso, mas sim tão-só de decidir da questão de

Processo n.º 285/2003 Pág. 17/21

diminuição da pena (a qual inclui também a almejada atenuação especial

da pena) concretamente por ele posta nas conclusões da sua motivação

como objecto do mesmo recurso (cfr. neste sentido, nomeadamente os

arestos deste TSI nos seguintes autos de recurso penal: de 4/12/2003 no

processo n.° 159/2003, de 20/11/2003 no processo n.º 225/2003, de

6/11/2003 no processo n.° 215/2003, de 30/10/2003 no processo n.°

226/2003, de 23/10/2003 no processo n.° 201/2003, de 25/9/2003 no

processo n.º 186/2003, de 18/7/2002 no processo n.º 125/2002, de

20/6/2002 no processo n.º 242/2001, de 30/5/2002 no processo n.º 84/2002,

de 17/5/2001 no processo n.º 63/2001, e de 7/12/2000 no processo n.º

130/2000).

7. Em harmonia com o exposto, acordam em negar provimento ao

recurso.

Custas nesta instância pelo recorrente, com duas UC (mil patacas) de

taxa de justiça (fixada nos termos conjugados dos art.°s 69.°, n.° 1, e 72.°,

n.°s 1 e 3, do Regime das Custas nos Tribunais).

Fixam em mil e duzentas patacas os honorários devidos à Exm.ª

Defensora Oficiosa do recorrente, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do

Tribunal de Última Instância.

Notifique o arguido recorrente pessoalmente através do Estabelecimento

Prisional de Macau.

E comunique à autora do pedido cível, na pessoa da sua Ilustre Patrona

Processo n.º 285/2003 Pág. 18/21

Oficiosa.

Macau, 11 de Dezembro de 2003.

Chan Kuong Seng (relator)

Lai Kin Hong

José Maria Dias Azedo – com declaração que segue.

Processo n.º 285/2003 Pág. 19/21

Processo nº 285/2003

Declaração de voto

Atenta a matéria de facto pelo Colectivo “a quo” dada como provada e

retratada no douto Acórdão que antecede, onde se explicitam as características

das “facas” utilizadas pelo arguido ora recorrente, (cfr. ponto 7 a fls. 8), cremos

que devia ser a sua conduta qualificada como a prática, em concurso, de um

crime de “homicídio” e um outro de “detenção de arma proibida” do artº 262º

nº 1 do C.P.M., e não, de “arma branca” p. e p. pelo nº 3 do referido preceito.

Assim, considerando que em sede de apreciação de um recurso, não

pode – nem deve – esta Instância, dispensar-se de reexaminar (oficiosamente) a

correcção da qualificação jurídica efectuada na decisão recorrida – neste sentido,

cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 03.02.2000, Proc. nº 1267; de 14.12.2000, Proc. nº

158/2000 e Proc. nº 163/2000; de 15.03.2001, Proc. nº 200/2000; de 05.06.2003, Proc.

nº 76/2003; de 24.07.2003, Proc. nº 3/2003-II; e, as declarações de voto que anexei ao

Ac. de 18.09.2003, Proc. nº 158/2003, de 03.10.2003, Proc. nº 204/2003, e, de

23.10.2003, Proc. nº 216/2003 – devia-se, como oportunamente sugeri, comunicar

tal deficiente qualificação ao arguido recorrente, e após ter este exercido o seu

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direito de defesa, decidir-se em conformidade.

Macau, aos 11 de Dezembro de 2003

José Maria Dias Azedo

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