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PROCESSO SELETIVO 2/2012 CARTÃO DE INSCRIÇÃO GRUPO 2 ATENÇÃO ! 1 - O candidado deverá chegar ao local das provas com antecedência mínima de 30 minutos, os candidatos deverão utilizar caneta esferográfica comum, tubo transparente, de tinta azul ou preta, para fazer as provas. Os portões serão fechados às 15h. 2 - PARA INGRESSO NA SALA DE PROVA, O CANDIDATO DEVERÁ APRESENTAR DOCUMENTO ORIGINAL OFICIAL DE IDENTIFICAÇÃO COM FOTO (EX: CARTEIRA DE IDENTIDADE OU CARTEIRA DE TRABALHO) OU BOLETIM DE OCORRÊNCIA POLICIAL, EM CASO DE PERDA, EXTRAVIO OU ROUBO DO DOCUMENTO. 3 - Nenhum candidato poderá fazer prova em local diferente do indicado neste cartão. 4 - Confira os dados registrados neste cartão. Em caso de divergência ou erros, procure a COTEC pessoalmente ou pelo telefone (38) 3229-8080. Internet: www.cotec.unimontes.br e-mail: [email protected] Nº DE INSCRIÇÃO: 220122006222 DADOS DO CANDIDATO NOME: ROSA MARIA DE JESUS CPF: 07480827601 DOCUMENTO: MG13601862 DATA DE NASCIMENTO: 04/03/1984 OPÇÕES DO CANDIDATO MODALIDADE II - SEM RESERVA DE VAGAS - SISTEMA UNIVERSAL CURSO: 645 - PEDAGOGIA (JANAÚBA) - NOTURNO OPÇÃO DE LÍNGUA: Espanhol LOCAL, DATA E HORÁRIO DAS PROVAS CIDADE ONDE IRÁ PRESTAR AS PROVAS: Janaúba LOCAL: CAMPUS UNIMONTES - JANAÚBA ENDEREÇO: RUA REINALDO VIANA, 2630 BAIRRO: BICO DA PEDRA CEP: 39440000 UF: MG PRÉDIO: 58 SALA: 002 DATA DAS PROVAS: 03/06/2012 HORÁRIO: 15h às 20h PARA OUTROS ESCLARECIMENTOS, CONSULTE O MANUAL DO CANDIDATO.

PROCESSO SELETIVO 2

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PROCESSO SELETIVO 2/2012

  CARTÃO DE INSCRIÇÃO                                           GRUPO 2

ATENÇÃO !1 - O candidado deverá chegar ao local das provas com antecedência mínima de 30 minutos, os candidatos deverão utilizar caneta esferográfica comum, tubo transparente, de tinta azul ou preta, para fazer as provas. Os portões serão fechados às 15h.2 - PARA INGRESSO NA SALA DE PROVA, O CANDIDATO DEVERÁ APRESENTAR DOCUMENTO ORIGINAL OFICIAL DE IDENTIFICAÇÃO COM FOTO (EX: CARTEIRA DE IDENTIDADE OU CARTEIRA DE TRABALHO) OU BOLETIM DE OCORRÊNCIA POLICIAL, EM CASO DE PERDA, EXTRAVIO OU ROUBO DO DOCUMENTO.3 - Nenhum candidato poderá fazer prova em local diferente do indicado neste cartão.4 - Confira os dados registrados neste cartão. Em caso de divergência ou erros, procure a COTEC pessoalmente ou pelo telefone (38) 3229-8080.

  Internet: www.cotec.unimontes.br   e-mail: [email protected]

Nº DE INSCRIÇÃO: 220122006222DADOS DO CANDIDATO

NOME: ROSA MARIA DE JESUS CPF:  07480827601 

DOCUMENTO: MG13601862 DATA DE NASCIMENTO: 04/03/1984

OPÇÕES DO CANDIDATO

MODALIDADE II - SEM RESERVA DE VAGAS - SISTEMA UNIVERSAL

CURSO: 645 - PEDAGOGIA (JANAÚBA) - NOTURNO

OPÇÃO DE LÍNGUA: Espanhol

LOCAL, DATA E HORÁRIO DAS PROVAS

CIDADE ONDE IRÁ PRESTAR AS PROVAS: Janaúba

LOCAL: CAMPUS UNIMONTES - JANAÚBA

ENDEREÇO: RUA REINALDO VIANA, 2630

BAIRRO: BICO DA PEDRA CEP:  39440000  UF: MG

PRÉDIO: 58   SALA: 002  

DATA DAS PROVAS:03/06/2012HORÁRIO: 15h às 20h

PARA OUTROS ESCLARECIMENTOS, CONSULTE O MANUAL DO CANDIDATO.

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Serrano de Pilão Arcado – A Saga de Antônio Dó

23/06/2009 - 09h58m

Leonardo Álvares da Silva Campos *

Serrano de Pilão Arcado – A Saga de Antônio Dó. Uma obra que ainda aguarda, do alto de sua plenitude, aplausos por todos os recônditos, aqui e no exterior, quando, no porvir, com certeza terá traduções em outras nações, por sua consistência tão bem dirigida pela reconhecida sabedoria do autor. É reveladora de uma realidade brutal do Brasil do final do século XIX e início do século XX, quando reconhecidamente o opressor, como uma ave de rapina e dentro de uma farda que nem sempre era dignificadora da espécie humana, desrespeitava o oprimido até as raias do absurdo.  O leitor melhor dotado de uma boa espiritualidade, em que pese o fim previsível porque a saga do personagem central é conhecida pelo menos no meio dos pesquisadores, se comove com tantas agruras, virando um fanático torcedor ansioso pela chegada da justiça naquele sertão praticamente indômito para estabelecer a ordem no caos.

É neste cenário de caos, traduzido pelo desrespeito aos menos bafejados pela sorte, que se descortina o que eu asseverei em meu recente livro, A Inacabada Família Humana: até os palermas reagem nas situações aflitivas, voltando-se contra a justiça dos chafurdados na lama, os mesmos potentados que presentemente vão devorando esta nação, locupletando-se ilicitamente em detrimento dos menos favorecidos.

Petrônio Braz conduz, no mesmo ritmo dos melhores maestros dirigindo e dando vida à orquestra, a transição perfeita do rurícola honesto, bondoso e prestativo, respeitador dos valores da sociedade estabelecida do seu tempo, para o temido Antônio Dó, que de vítima passou a algoz, mostrando a vulnerabilidade e os temores dos detentores de patentes lustrosas quando apanhados fora do seu meio que os fazem sentir-se acima do bem e do mal, alongando-se paralelamente, porque pertinente ao ambiente em que os fatos se desenrolaram, na vida e nos costumes dos ribeirinhos do Rio São Francisco, cidadãos pacatos e os lídimos preservadores das tradições e do folclore brasileiros, transmitidos oralmente de geração para geração.

Vencido pela seca no sertão de Pilão Arcado, na Bahia, lugar de gente valente e povoação diminuta pelas lutas sangrentas, entre 1840 e 1848, entre as famílias de um comendador e de um português, o patriarca Benedito Antunes de França, que antes pensara em acompanhar o lendário Antônio Conselheiro, homem puro e religioso fanático vitimado, sem culpa no cartório, pela soberba da emergente República, comunica para a família a sua decisão de embarcar, “sem olhar pra trás”, em busca de um lugar melhor em terras mineiras. Antes do anoitecer do último dia de abril de 1878, os Antunes de França viram pela última vez o lugarejo de Pilão Arcado, escondido no pontal, na primeira curva do São Francisco. 

Temos então, daí em diante, um dos pontos a enriquecer as nossas letras. Com as águas marulhando suavemente ao encontro do costado do barco, vencendo lentamente a correnteza, numa viagem de trinta e cinco dias rio acima até Pedras dos Angicos, ou Pedras de Cima (atual São Francisco), o dono do barco, remeiro e tripulação vão conversando, na mais rica sabedoria e mitos sertanejos, porque: “Tudo que sucede na carreira do rio a gente fica sabendo. As notícia do sertão viaja no lombo dos burro, na

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beirada do rio elas sobe e desce nas água. O rio tem vida. Tudo que sucede, sucede no rio ou perto dele. Eu gosto do rio.”

Desfilam na narrativa o Compadre, ou caboclo d’água, cuja alegria é a desgraça do canoeiro e que, perto do porto de Carinhanha, “fez cair uma barreira em riba d’uma barca matando a tripulação toda... qu’eles num quis dar fumo pr’ele”; a Iara, a mãe d’água, personificadora das seduções e dos perigos do rio, com seu rabo de peixe e corpo de mulher, cabelo verde que “cobre as vergonha dela de tão grande”; e até o diabo, para o qual um pobre lavrador  vendeu a alma para ficar rico: “Numa encruzilhada, brotando da terra, formou-se um redemoinho forte, levantando folhas secas e gravetos para o ar, cercando o lavrador: -   Vosmecê foi escolhido pra ser rico. Abjure suas crendices, renegue tudo e eu farei de vosmecê um homem rico.” E mais: a mula-sem-cabeça, o lobisomem, o romãozinho (uma espécie de diabo miúdo) e o caipora, entre outros.

As dúvidas se fazem presentes: “Por que será que São Jorge foi esbarrar na lua, montado no cavalo?” E, também, a agudeza de espírito: “Vancê sabe quantas arrobas pesa a lua?... É só uma. A arroba tem quatro quarta e a lua tem quatro quarto. Elas são igual.” “Tinha um jatobazeiro que gastou oito machadeiro pra derrubar ele”, cujo tronco foi levado para Remanso a fim de ser usado para exterminar uma cobra, “bicha ruim”, que tinha ofendido uma escrava.

Na travessia ainda há tempo para o registro histórico da célebre Maria da Cruz, nas palavras do remeiro: “De amanhã pra depois a gente vai passar no Porto do Salgado e, logo depois, nas Pedras de Baixo. Lá, faz tempo, morava uma dona que acudia pelo nome de Maria da Cruz, que era que nem homem. Mandava em tudo. Diz qu’ela era uma mulher maligna. D’uma feita ela mandou matar pra mais de vinte pessoa e mandou enterrar numa vala perto da igrejinha de lá... Diz qu’ela fez uma revolução e foi presa.”  

O autor, um humanista que por toda a sua obra, de 596 páginas, leva o leitor a não se esquecer da imortal assertiva do escritor Euclides da Cunha, de que o sertanejo é, antes de tudo, um forte, demonstra a sua vasta cultura, seu domínio pleno das várias áreas do saber, utilizando-se do Padre Alkmin, da São Francisco de então, um apaixonado pela literatura francesa e não afeito às coisas terrenas, exercendo com parcimônia as emulações da pobreza de Cristo, quando o ainda menino Tonho (Antônio Dó) e seus familiares seguiam em sua viagem rio acima. Passeia, na figura do padre, pela Revolução Francesa, pela religião (“sem obediência não existe”), culturas fenícia e judaica, Rousseau, Júlio Verne, Rabelais, Balzac, Machado de Assis, Descartes, Spinoza, ateísmo (“os cientistas não entendem que Deus está além da razão”), Aristóteles, Richepin, Montaigne, Epicuro, Padre Vieira, o Papa Bonifácio VIII (“afirmou publicamente que não acreditava na imortalidade da alma e na vida eterna e que os prazeres dos sentidos não eram pecados”), São Paulo, Alexandre Herculano, Verdi e outros mais, para envolver tudo e todos no desenvolvimento de idéias seguras e entreçadas, com conotações etnológicas, concluindo então com o religioso pensando, enquanto olhava para um tamarineiro: “Teria eu, por acaso, descido aos infernos? Não seria esta a árvore que esconde em suas folhagens o ramo flexível de ouro que permitirá ao seu portador descer aos infernos, no centro da Terra?”

Em seu heróico esforço de pesquisa, que na orelha do livro há a informação de que lhe custaram vinte e três anos, resgatando, em forma romanceada, o verdadeiro Antônio Dó,

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com o que venceu o desafio que se impôs de revelar a sua personalidade, a qual “ficou entalhada nos escaninhos secretos do meu cérebro”, Petrônio Braz, também jurista e autor de uma série de livros nesta área e ainda Jandaia em Tempo de Seca, membro de diversos sodalícios literários, traz, no linguajar típico do sertanejo, no mesmo diapasão de Guimarães Rosa, a transformação do bom camponês, por força de deploráveis injustiças que sofreu por parte dos mandatários de então,  em temido chefe de jagunços, vencendo todas as expedições contra si enviadas pelo Governo. Os poucos policiais perseguidores que escaparam, em tantas investiduras, enalteceram a valentia do estrategista em combates Antônio Dó, criando-se uma verdadeira lenda em torno do herói-bandido.  

Trata-se, assim, de uma obra completa esta Serrano de Pilão Arcado – A Saga de Antônio Dó, destinada a ultrapassar fronteiras, fazendo-me mesmo lembrar das palavras  de Euclides da Cunha, em Os Sertões, de que “Canudos não se rendeu...”, sendo mesmo possível parodiá-las da forma seguinte: Antônio Dó não se rendeu. Exemplo único no setentrião mineiro, resistiu sem se esgotar. Caiu ao amanhecer, quando caiu vitimado por uma mão-de-pilão desferida em sua cabeça por um jagunço infiltrado, quando, não muito distante, rugia a última expedição enviada que nem chegou a atacar.

Seu pai, Brasiliano Braz, também um expoente do saber que tive o prazer de conhecer em São Francisco, contemporâneo dos tempos finais do ex-campônio chefe de jagunços, também registrou algo parecido: “Antônio Dó nunca foi vencido. Numa sepultura rasa, nos rincões da Serra das Araras, dorme agora o sono da eternidade. Os seus feitos são, ainda hoje, o entretenimento, um dos temas dos serões ao pé do fogo, nos lares humildes do sertão mineiro.”

Enfim, a triste sina de Antônio Dó merece ser lida pelos apreciadores dos melhores romances, neste livro que devorei em duas madrugadas, e torcendo pelo impossível: para que a leitura continuasse indefinidamente. Ele está agora na estante do meu apartamento, em Belo Horizonte, ao lado de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, e Os Sertões, de Euclides da Cunha, portanto, em lugar de honra. E, também com certeza, ainda será levado para as telas, em filme ou seriado de televisão, num futuro nem tão distante assim.

O romance na região Norte do Estado ganha agora uma referência. E a literatura brasileira tem novo ponto alto.

* Autor dos livros O Homem na Pré-História do Norte de Minas e A Inacabada Família Humana, jornalista e advogado.

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Manuelzão e MiguilimGuimarães RosaManuelzão e Miguilim, de Guimarães Rosa, é um volume composto por duas novelas: "Campo Geral" e "Uma Estória de Amor"."Campo Geral" é o relato lírico da infância do menino Miguilim, narrado em terceira pessoa, sob a perspectiva de Miguilim, menino inteligente e sensível que mora com a família na mata do Mutum (MG).

A narrativa é organizada segundo a vivência e as experiências desse jovenzinho que está constantemente observando as pessoas e as coisas situadas em seu universo sertanejo. Diversas personagens vão sendo apresentadas ao leitor: a mãe; o pai suicida; o padrasto e tio Terêz; os irmãos, principalmente o Dito, que morre prematuramente de tétano; a avó ranzinza Izidra; entre outros.

O leitor vai desvendando a cada passo o mundo afetivo de Miguilim, transbordado de alegrias e de tristezas, misturando-se nele as reflexões e os deslumbramentos. Guimarães Rosa capta o universo infantil, culminando com o deslumbramento dessa criança ao ver o mundo, quando um doutor lhe descobre a miopia.

A segunda novela presente no volume é "Uma Estória de Amor", narrativa que revela o outro lado da vida, a velhice, retratada pela vertente de um vaqueiro que nunca havia se fixado, nem alcançara a estabilidade doméstica, senão no final da vida, já velho. Aos sessenta anos recompõe a família, construindo uma casa e, como promessa à mãe, uma pequena capela na fazenda da qual era administrador.

Manuelzão prepara uma festa para a consagração. A novela registra os preparativos, a chegada dos sertanejos das mais diferentes regiões, a chegada do padre e a própria festa. Toda a história é narrada às vésperas da partida de uma boiada, instrumento de trabalho e da vida do protagonista e que serve de ligação entre o presente e a tessitura das recordações de um passado vivido com o eterno equilíbrio da graça e da desgraça.

As duas novelas completam-se, mostram a infância e a velhice, cujos protagonistas fazem da descoberta e da recordação os pontos altos da matéria literária.

Uma estória de amor (da obra Manuelzão eMiguilim), de Guimarães RosaAnálise da obraPertencente à obra Manuelzão e Miguilim, a novela narra ospreparativos para uma festa e a própria festa, idealizada por Manuelzãopara consagrar uma capela por ele construída. A festa e seuspreparativos são como uma coluna dorsal, ou um esqueleto, mas osmúsculos e nervos da narrativa são os pensamentos, sentimentos e lembranças de um velhovaqueiro que vê com preocupação o fim do caminho: "De todo não queria parar, não quereriasuspeitar em sua natureza própria de um anúncio de desando, o desmancho, no ferro do corpo.Resistiu. Temia tudo na morte."Foco narrativoNarrado em terceira pessoa, narrador onisciente, que não demonstra muito simpatia peloprotagonista.Tempo

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O tempo cronológico está bem registrado, são os três dias de festa, mas contaminado pelo tempopsicológico, pois os três dias parecem uma eternidade. Esse efeito é produzido pela inserção detrês grupos de informações:- as narrativas encaixadas;Estabelecido, depois de uma ampla vida de atribulações, resolve instalar sua mãe e poucodepois, sentindo falta, provavelmente, de um sentimento de família, busca um seu descendente,fruto de um relacionamento perdido no tempo. É o seu filho, Adelço de Tal, sujeito desamistoso,seco, casado com Leonísia, mulher linda a ponto de inspirar desejos perigosos em Manuelzão, oque provoca nele um conflito interior. O casal tem um filho, Promitivo, rapaz sem rumo certo navida – um vagabundo.Com a morte de sua mãe, Manuelzão resolve erguer uma capela para Nossa Senhora doPerpétuo Socorro, atendendo, quase que inconscientemente, a um pedido da progenitora,quando ainda viva. Coincidência ou não, essa determinação ocorre logo após o riacho quecortava a fazenda ter misteriosamente secado no meio de uma noite. Terminada a construção daigrejinha, prepara-se para inaugurá-la, esperando a chegada de um padre.Surpreendentemente, vem chegando uma enorme quantidade de gente, de todas as partes, paraparticipar desse evento religioso. É um festejo que já ocorre nas vésperas do que acaba setornando o grande dia e do qual Manuelzão não tem mais controle, a não ser no que se refere àpreocupação de garantir alimentação para uma população tão grande de convivas.Entre as pessoas de todo tipo que aparecem, destaque deve ser dado a algumas figuras. Aprimeira é João Urúgem, homem extremamente primitivo, às vezes tão colado à terra que é vistode quatro, e que chega a cheirar mal, animalescamente. O outro é o Senhor do Vilamão, outrorahomem muito rico e poderoso, mas no presente caduco. Diminuída sua potência políticoeconômica,ainda tem posses e pose. Há também Joana Xaviel, grande contadora de história eque tivera um enlace amoroso (pelo menos no mínimo suficiente para espantar a solidão davelhice) com Camilo, homem de passado misterioso, não se sabe se até fora déspota e bandido,mas que tinha como que preservado um ar de prestígio. Havia até quem suspeitasse de uminteresse emotivo entre ele e a mãe de Manuelzão.Inaugurada a capelinha, todos se entregam ao prazer de um caloroso almoço, participando depoisda cantoria e do folguedo.Enquanto a festa acontece, lembranças e conversas nos dão conta das outras personagensenvolvidas nesse acontecimento.A festa transcorre na mais perfeita ordem, apesar de correr muita bebida. Manuelzão a tudosupervisiona. Enquanto isso, Manuelzão está mergulhado em três problemas. O primeiro é a dorconstante que sente em seu pé. O segundo é a necessidade de conduzir uma boiada.No final da noite é que todos esses problemas começam a ser sanados. Sem perceber, a dorhavia sumido. E o quadro muda radicalmente de figura quando de maneira inesperada Camilo sepropõe a contar uma história, a do Boi Bonito.Trata-se da narrativa que em alguns pontos se assemelha a um conto de fadas. Um fazendeiromuito rico possui um cavalo que ninguém consegue domar. Além disso, propõe-se a dar a mão desua filha a quem conseguir caçar o famoso Boi Bonito, tão belo quanto perigoso. Vários vaqueirostentaram, mas só encontraram a morte.

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Título: Utopia Selvagem, de Darcy Ribeiro e A Idade da Terra, deGlauber Rocha: o visível, as vozes e a antropofagiaAutor: Pablo Alexandre Gobira de Souza RicardoHaydee Ribeiro CoelhoPalavra-chave: Ribeiro, Darcy, 1922-1997. Utopia selvagem : saudades dainocência perdida, uma fábula Crítica e interpretação Teses.Rocha, Glauber, 1939-1981. Idade da terra Crítica einterpretação TesesCinema e literatura Teses.Adaptações para o cinema Teses.Semiótica e literatura Teses.Cinema Semiótica Teses.Imagem e escrita Teses.Antropofagia Teses.Data de Publicação: 25-Jun-2007Publicador: UFMGResumo: Essa dissertação tem por objetivo estudar a interlocuçãoentre Glauber Rocha e Darcy Ribeiro, a partir do visível, dasvozes, da antropofagia em Utopia Selvagem: saudades dainocência perdida, uma fábula, do roteiro de Idade da Terra eo respectivo filme. Para isso, esse texto será composto portrês capítulos.O primeiro fará aproximação entre a literaturae o cinema através dos conceitos de imagem e da traduçãointersemiótica. Esses aspectos permitirão elucidar a presençado visível nos textos já mencionados. No capítulo seguinte,será realizada a análise das vozes, para evidenciar aconfluência entre as idéias dos intelectuais brasileiros.Finalmente, no terceiro capítulo, será focalizada aantropogia como um campo de saber político.

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Eu e outros Poemas sobre Resumos Literarios por Algo [email protected]

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Publicidade[Augusto dos Anjos]

1. O autor e sua obra

Paraibano, nascido em 1884, Augusto dos Anjos, apesar de ter se formado em Direito, elegeu como profissão apenas o magistério.

Transferindo-se para o RJ, sempre enfrentando muitas dificuldades, veio a publicar, com a ajuda de um irmão, em 1912, 'Eu', seu único livro de poesias.

Passados dois anos, em 1914, adoeceu e morreu de pneumonia, com, então, 30 anos.

Como o próprio poeta reconheceu, seu livro causou um verdadeiro choque aos padrões literários da época. Entre elogios e impropérios, havia, no entanto, unanimidade quanto à originalidade da sua obra: com sua linguagem técnica-científica e grotesca, contrariava a ideologia vigente da 'belle époque' carioca.

Após oito anos do lançamento, seu livro foi reeditado - 'Eu e Outras Poesias' [1920] - alcançando, assim, a tão esperada popularidade.

2. Comentário da obra

2.1. Estilo

Em linhas gerais, 'Eu e Outras Poesias' representa a soma de todas as tendências e estilos dominantes desde o final do século XIX até o início do século XX. Em outras palavras, sua obra recebe influência do Parnasianismo, do decadentismo, do Simbolismo e ainda antecipa uma série de características modernistas. Em face disso, podemos dizer que, na realidade, Augusto dos Anjos não se filiou, com exatidão, a nenhuma escola em particular, produzindo, desse modo, uma obra múltipla e personalíssima [até mesmo com um vocabulário naturalista ].

Entre as suas principais características, temos, além da linguagem científica e extravagante, a temática do vazio da coisas [ o nada ] e a morte [ finitude da vida ] em seus estágios mais degradados: a putrefação, a decomposição da matéria.Simultaneamente, reflete em seus versos a profunda melancolia, a descrença e o pessimismo frente ao ser e à sociedade, elaborando, assim, uma poesia de negação: nega as falsas ideologias, a corrupção, os amores fúteis e as paixões transitórias:

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'Melancolia! Estende-me a tua asa!És a árvore em que devo reclinar-me...Se algum dia o prazer vier procurar-meDize a este monstro que eu fugi de casa!'

2.2. Influências estéticas

Mal abrindo o livro, logo percebemos a influência parnasiana, expressa no forte rigor formal: são sonetos e poemas mais longos, predominando os quartetos, todos com versos isométricos e rimados, quase todos decassílabos.

Ao mesmo tempo, emergem com força as influências do Simbolismo, explicitadas pela sonoridade dos versos [ ritmo, rimas, aliterações ], pelo uso de iniciais maiúsculas em certos substantivos comuns e por alguns aspectos temáticos, como o ideal de transcendentalismo e a angústia cósmica, entre outros.

Por outro lado, ocorrem na obra índices da modernidade, pois, além da linguagem agressiva, por vezes coloquial, o poeta incorpora em seus versos tudo o que é podre e sujo, realizando, em certos momentos, crítica e denúncia social.

Recorrendo com frequência às imagens da larva e do verme, o poeta do hediondo opera a dessacralização do poema, a desvinculação da palavra poética com o 'belo'.

Concluindo, Augusto dos Anjos caracteriza-se por ser um poeta 'sui-generis', único em nossa poesia. A sua temática, a dos sofrimentos e angústias do homem, reflete, enfim, algo profundo e universal: 'Grito, e se grito é para que meu grito / Seja a revelação deste Infinito / Que eu trago encarcerado na minha alma!

3. Análise de fragmentos e poemas da obra

3.1. Fragmentos de Monólogo de uma Sombra

'Como um pouco de saliva quotidiana Mostro meu nojo à Natureza humana. A podridão me serve de Evangelho...Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosquesE o animal inferior que urra nos bosquesÉ com certeza meu irmão mais velho. Forma: sextilhas, versos decassílabos; rimas paralelas e interpoladas. ................................................................. Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,Abranda as rochas rígidas, torna águaTodo o fogo telúrico profundoE reduz, sem que, entanto, a desintegre,À condição de uma planície alegre,A aspereza orográfica do mundo!'. Conteúdo: única fonte de prazer estético: a arte.

3.2. Psicologia de um vencido

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'Eu, filho do carbono e do amoníaco,Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênese da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Profundissimamente hipocondríaco,Este ambiente me causa repugnância...Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsiaQue se escapa da boca de um cardíaco.Forma: soneto, versos decassílabos, rimas interpoladas. ................................................................. Já o verme - este operário das ruínas - Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra.

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,E há de deixar-me apenas os cabelos,Na frialdade inorgânica da terra!. Conteúdo: o desconforto no mundo, o azar e a morte

3.3 - Fragmentos de Budismo Moderno

'Tome, Doutor, esta tesoura, e ....corte Minha singularíssima pessoa Que importa a mim que a bicharia roaTodo o meu coração, depois da morte?!'

'Ah! Um urubu pousou na minha sorte!' Conteúdo: desânimo, sentimento de derrota, masoquismo e azar.

3.4 - Fragmentos de Os Doentes

'E o índio, por fim, adstrito à étnica escória,Recebeu, tendo o horror no rosto impresso,Esse achincalhamento do progressoQue o anulava na crítica da História!

Como quem analisa um apostemaDe repente, acordando na desgraça,Viu toda a podridão de sua raça...Na tumba de Iracema!...

Ah! Tudo, como um lúgubre ciclone,Exercia sobre ela ação funestaDesde o desbravamento da florestaÀ ultrajante invenção do telefone.' Conteúdo: denúncia da ruína da raça indígena.

3.5 - Fragmentos de Sonetos [ A meu pai morto ]

'Podre meu Pai! E a mão que enchi de beijos

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Roída toda de bichos, como os queijosSobre a mesa de orgíacos festins!...

Amo meu Pai na anatômica desordemEntre as bocas necrófagas que o mordemE a terra infecta que lhe cobre os rins!' Conteúdo: ápice da dor, transmitida através do grotesco.

3.6 - Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidávelEnterro de tua última quimera.Somente a Ingratidão - esta pantera -Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera! O Homem que, nesta terra miserável,Mora, entre feras, sente inevitávelNecessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!O beijo, amigo, é a véspera do escarro,A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,Apedreja essa mão vil que te afaga,Escarra nessa boca que te beija!Conteúdo: pessimismo, descrença no ser humano; denúncia às falsas aparências, às hipocrisias sociais.

3.7- Fragmentos de 'Poema Negro'

A passagem dos séculos me assombra.Para onde irá correndo minha sombraCaminho, e a mim pergunto, na vertigem:-Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem? E parece-me um sonho a realidade. Conteúdo: Conteúdo: Estupefação diante da velocidade do tempo. Indagações universais; como da origem e do destino humano. Melancolia e dor. ................................................................. Ao terminar este sentido poemaOnde vazei a minha dor supremaTenho os olhos em lágrimas imersos...Rola-me na cabeça o cérebro oco.Por ventura, meu Deus, estarei louco?!Daqui por diante não farei mais versos.

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MISCELÂNEARevista de Pós-Graduação em LetrasUNESP – Campus de AssisISSN: 1984-2899www.assis.unesp.br/miscelaneaMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010

O ENTRELAÇAMENTO DE HIISTÓRIIA E FIICÇÃO NO ROMANCE AÚLTIIMA QUIIMERA,, DE ANA MIIRANDAAltamir Botoso(Doutor UNIMAR)RESUMONeste artigo, procuramos analisar oromance A última quimera (1995), de AnaMiranda. Esta obra é um romancehistórico contemporâneo que entrelaçahistória e ficção na recriação do poetaAugusto dos Anjos (1884-1914),permitindo a releitura e reinterpretaçãode dados de sua vida e de sua obra, coma intenção de revalorizar o escritor e suaprodução artística.ABSTRACTEn este artículo, intentamos analizar lanovela A última quimera (1995), de AnaMiranda. Esta obra es una novela históricacontemporánea que mezcla historia yficción en la recreación del poeta Augustodos Anjos (1884-1914), permitiendo larelectura y reinterpretación de datos de suavida y de su obra, con la intención derevalorizar el escritor y su producciónartística.PALAVRAS-CHAVERomance histórico; Ana Miranda; Augustodos Anjos; Narrador.KEYWORDSNovela histórica; Ana Miranda; Augusto dosAnjos; Narrador.Altamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 29Palavras iniciaiscurioso notar o interesse que a literatura e sua história vêmdespertando em diversos escritores não só do Brasil, mas tambémde outros países. Em nosso país, a utilização de escritores canônicos ou não, comoprotagonistas romanescos, vem acentuando-se e aumentando cada dia.Ana Miranda é uma das escritoras que tem se dedicado a escrever obrasque os críticos denominam romances históricos. Nos seus livros, a história do

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Brasil, a vida e as produções de romancistas e poetas brasileiros converteram-seem matéria ficcional.Levando em consideração estes dados preliminares, pretendemos abordaro romance A última quimera, procurando flagrar os aspectos mais significativos desua construção, que mescla ficção e história no seu enredo. Num primeiromomento, faremos um comentário geral de quatro livros da autora Boca doinferno (1989), A última quimera (1995), Clarice (1999) e Dias e Dias (2003) osquais, de certa forma, podem ser encarados como uma tentativa de recontar ahistória da literatura brasileira. Em seguida, vamos levantar características doromance A última quimera, que nos permitem considerá-lo como um romancehistórico, e analisar o contraste que se estabelece entre Augusto dos Anjos e OlavoBilac (1865-1918). Finalmente, estudaremos a figura do narrador-testemunha e asua importância dentro do romance selecionado.“A literatura se alimenta da literatura” e da própria história literária.“Consciente das premissas antropofágicas da ficção moderna” (GRECCO, 1999, p.6), os leitores e a crítica podem constatar que o romance está trilhando novos ediferentes rumos, contestando a história oficial e a história da literatura queencontramos em manuais tradicionais. O presente estudo é uma tentativa de

ÉAltamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 30verificar como se efetiva o processo de releitura e reinterpretação da histórialiterária brasileira por meio da análise do romance A última quimera.História e ficção em obras de Ana MirandaA escritora cearense Ana Miranda publicou uma série de romanceshistóricos nos últimos anos. O primeiro deles foi Boca do inferno (1989), “obra quedeu fôlego à popularização do romance histórico em nosso país, nas últimasdécadas” (ESTEVES, 1998, p. 143).

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Este romance tem os escritores Gregório de Matos (1636-1695) e AntonioVieira (1608-1697) como personagens centrais e várias características de suasobras, assim como do movimento Barroco, são apresentadas no livro Boca doinferno. As antíteses vida x morte, céu x inferno, Deus x Diabo, que são marcasinconfundíveis do estilo Barroco, aparecem por todo o romance. Tambémencontramos trechos das poesias e de textos de Gregório e Vieira ao longo daobra.Em A última quimera (1995), Ana Miranda escreve sobre o poeta Augustodos Anjos, narrando sua vida cheia de frustrações, fracassos, e cujoreconhecimento do valor literário de sua poesia só se deu após sua morte. Quandoele publicou sua única obra, o livro intitulado Eu (1912), a crítica dividiu-se emopiniões favoráveis e desfavoráveis, mas ninguém chegou realmente acompreender o que ele escreveu.Outro personagem que se destaca nesse romance é Olavo Bilac. Onarrador acaba estabelecendo um contraponto entre os dois poetas e entre asescolas que os dois representam: Simbolismo e Parnasianismo, respectivamente.Da mesma forma que na obra sobre os poetas barrocos, em A últimaquimera, deparamo-nos com fragmentos de poemas de Bilac e Augusto dos Anjose comentários a respeito de suas produções e sobre várias características dosmovimentos Parnasiano e Simbolista.Altamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 31No ano de 1996, Ana Miranda escreveu um pequeno volume de noventa ecinco páginas, com o título de Clarice Lispector o tesouro de minha cidade. Tallivro foi republicado em 1999, com o título de Clarice: ficção, pela Companhia dasLetras.Composta de fragmentos, a obra tem como protagonista a escritora ClariceLispector (1926-1977). O seu estilo, personagens e títulos de suas obras vãoaparecendo à medida que o narrador descreve a sua vida solitária numapartamento, ou as suas caminhadas de madrugada, na praia de Copacabana:Espera, filho, vou fazer um café, deixa-me acender um cigarro.Filho, onde estiveste de noite? (MIRANDA, 1999, p. 23).A cidade está cheia de moças assim. Uma delas é chamada deMacabéa. Macabéa paira entre os seres humanos, entra na mente

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de Clarice e nasce.[...] Clarice leva Macabéa dentro de si (Idem, p. 34-5).Ele quer ouvir, ela fala e fala, como é bom ter alguém para nosouvir, sabe, eu matei os peixes, [...] (Idem, p. 66).Além de dados biográficos da vida de Clarice, aparecem títulos de suasobras Onde estiveste de noite? (1974), A mulher que matou os peixes (1969)e até o personagem Macabéa, do seu romance A hora da estrela (1973), estápresente no texto de Ana Miranda.A escritora em apreço pode ser considerada como a “renovadora doromance histórico brasileiro justamente por buscar, na opacidade ambígua dopassado, aquilo que, nos documentos e arquivos, lhes é lacunar: os elementospoéticos, psicológicos e dramáticos, em poucas palavras, o sentimento vivo dopassado”.1 Além disso, nota-se, na sua produção ficcional, uma clara intenção derevalorizar romancistas brasileiros que foram negligenciados e esquecidos peloscríticos literários e também pelo público leitor.1 Ministério da Cultura. Ana Miranda. Disponível em:http://virtualbooks.terra.com.br/osmelhorsautores/biografias/Ana_Miranda.htm. Acesso em 09 demaio de 2009.Altamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 32No romance Dias e dias (2002), Ana Miranda repete a fórmula ficçãoverdadee vai buscar no século XIX a história do poeta Gonçalves Dias (1823-1864), marcada pelo espírito romântico. Aliás, a linguagem do livro é tipicamenteromântica, assim como a personagem-narradora, a verdadeira protagonista daobra, cujo nome é Feliciana. O poeta Antonio Gonçalves Dias passa a existir pormeio das recordações de Feliciana, uma mulher sonhadora que, desde os 12 anos,tem um amor platônico pelo poeta, o qual a acompanha por toda a sua vida.Há, como nos livros anteriores da escritora, o resgate histórico da época,contextualizando seres reais e ficcionais, através do delineamento das revoltas queatingiram o Maranhão, como é o caso da Balaiada uma revolta popular na qualos pobres invadem e saqueiam casas de pessoas importantes, que são obrigadas aabandonar suas fazendas. A revolta termina com a morte de seus líderes.Em Dias e dias, Feliciana parece ser a própria incorporação do espíritoromântico oitocentista, conforme afirmação de Eunice Morais (2003, p. 459). Ela é

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uma memória ambulante que transforma Gonçalves Dias num ser etéreo, intocávele, ao mesmo tempo, tão presente. Feliciana é o sabiá, com toda a sua brasilidade,preso na gaiola e com saudades do poeta romântico nacionalista (MORAIS, 2003,p. 457-9).Nas quatro obras que comentamos, constatamos que Ana Miranda revisitaa história da literatura brasileira, partindo do Barroco (Gregório de Matos e AntonioVieira), passando pelo Romantismo (Gonçalves Dias), Parnasianismo e Simbolismo(Olavo Bilac e Augusto dos Anjos), até chegar ao Modernismo (Clarice Lispector).Não deixa de ser instigante o fenômeno de que vários escritores, nasúltimas décadas, passaram a utilizar autores canônicos e não canônicos daliteratura brasileira como protagonistas de obras ficcionais. Assim, Bento Teixeira(1561-1600) em O primeiro brasileiro (1995), de Gilberto Vilar; Qorpo Santo(1829-1883) em Os cães da província (1986), de Luís Antonio de Assis Brasil;Tomás Antonio Gonzaga (1744-1810?) em A barca dos amantes (1991), deAltamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 33Antonio Barreto; Machado de Assis (1839-1908) em Memorial do fim (1991), deHaroldo Maranhão; Lima Barreto (1881-1922) em Calvário e porres do pingenteAfonso Henriques de Lima Barreto (1977), de João Antonio; Graciliano Ramos(1892-1953) no livro Em liberdade (1981), de Silviano Santiago, dentre outros,tornaram-se personagens de romances históricos e os leitores puderam entrar emcontato e, guardadas as devidas proporções, conhecer a história da literaturabrasileira por outro ângulo: o da ficção. Dessa forma, é possível usufruir de umanova visão de nossa literatura, diferente daquelas que encontramos nos manuaisque elencam períodos, autores e obras, muitas vezes, de forma arbitrária.O romance histórico brasileiro, nos casos mencionados, transformouautores e obras ficcionais em matéria narrativa, permitindo que o leitor possadesfrutar de pontos de vista variados e diversificados sobre a literatura brasileira.

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Ao contrário dos dogmáticos manuais tradicionais, o romance revitalizou aliteratura e seus escritores, questionou e revalorizou autores marginalizados comoBento Teixeira, Qorpo Santo, Augusto dos Anjos etc. e também reinventou outrasfacetas de escritores consagrados.Depois de tecidas algumas breves considerações sobre Ana Miranda e seuslivros, deter-nos-emos no seu romance A última quimera, conforme nospropusemos anteriormente.A última quimera: da história para a ficçãoA obra está dividida em cinco partes e cada parte está subdividida emsubtítulos e vários capítulos: A plenitude da existência Parte Um Rio deJaneiro, 12 de novembro de 1914 (14 capítulos), Eu (8 capítulos), A luz lasciva doluar (14 capítulos), A triste dama das camélias (10 capítulos), O morcego tísico (17capítulos), p. 9-137; Parte Dois A viagem O terror como leitmotiv (6capítulos), Uma simplicidade campesina (10 capítulos), p. 140-172; Parte Três Leopoldina, MG Lagarta negra (11 capítulos), Esther em negro (13 capítulos), AAltamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 34lua provinciana (4 capítulos), Os tristes vidros violeta (6 capítulos), O rosto damorte (6 capítulos), Um urubu pousou na minha sorte (10 capítulos), Et perdezvousencore le temps avec les femmes (5 capítulos), p. 173-282; Parte Quatro De volta ao Rio de Janeiro Marca de Fogo (7 capítulos), Um mundo infinito (2capítulos), p. 283-306; Parte Cinco Epílogo A roda da vida (8 capítulos), p.307-323.A autora, como já fizera anteriormente em Boca do inferno, privilegia oespaço: o romance começa e termina falando da cidade do Rio de Janeiro. Maistarde ainda voltaremos a falar de uma oposição importante que se estabelece noromance entre campo e cidade. Como se pode perceber, a obra está dividida emmuitos capítulos, mas todos são curtos, nunca ultrapassando mais de duaspáginas, e alguns são apenas parágrafos de poucas linhas. Aliás, também as frasese os parágrafos são curtos. A escritora, que foi roteirista, usa a técnicacinematográfica dos cortes e cenas rápidas, o que dá grande agilidade ao relato.

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Todos estes elementos deixam a leitura agradável e interessante para o leitor.A narrativa inicia-se com a morte do poeta Augusto dos Anjos e o quechama nossa atenção é a fidelidade aos dados biográficos do poeta paraibano. Doseu nascimento no Engenho Pau-D’Arco, em 20/04/1884, até a sua morte emLeopoldina, em 12/12/1914, todos os dados são verídicos e, para comprová-los,basta consultar, por exemplo, Poesia e vida de Augusto dos Anjos, de RaimundoMagalhães Júnior (1977).A reconstituição dos fatos históricos do período em que o poeta viveutambém é extremamente fiel. Alguns exemplos que podemos citar são as disputaspolíticas do período republicano:Uma turbamulta no Catete desfilou aos berros e, diante do palácio,se fizeram discursos incendiários, pedindo a volta de Deodoro. [...]Floriano, que morava na Piedade, ouvindo as notícias dos tumultoscalçou seus sapatos e correu para o campo, a pé mesmo. [...]Mandou prender um monte de gente, inclusive José do Patrocínio,Pardal Mallet e Olavo Bilac. [...] Havia mais de uma dúzia deAltamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 35jornalistas presos. [...] Cinco meses depois Bilac foi posto na rua,[...] (MIRANDA, 1995, p. 73-4).A Revolta da Chibata:Logo que chegaram ao Rio de Janeiro, Augusto e Esther assistirampela janela do sobrado à sublevação da marinhagem, podiam veros couraçados parados no mar; os canhões [...] durante a revoltaficaram assestados sobre diversos pontos da cidade, como oCatete, o Senado, o Arsenal da Marinha, para a qualquer momentobombardeá-la, [...]. Os marinheiros queriam que fossem abolidosos castigos corporais chibata e outros [...] (MIRANDA, 1995,p. 129).A modernização do Rio de Janeiro:No cais Mauá atravesso uma multidão de operários, passo sob omolhe de ferro galvanizado e ondulado, [...] sentindo o cheirodelicioso do café nas sacas empilhadas; [...] a fumaça que sai dosnavios enegrece o ar, [...].Ao passarmos na avenida, o tílburi toma uma incrível velocidade,cruzando com outros veículos também rápidos, [...]. Peço aococheiro que vá mais devagar. Ele conta que uma chuva alegouparte da cidade, [...]. Depois reclama da quantidade deautomóveis e carros tirados a cavalos ou burros, [...] já existemmais de duzentos automóveis licenciados na cidade, ele lamenta(MIRANDA, 1995, p. 287-288).Todos os fragmentos citados comprovam um árduo trabalho de pesquisahistórica e também uma preocupação em retratar os usos e costumes da época,garantindo a verossimilhança do romance.No romance histórico tradicional de modelo scottiano, havia dois princípios

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básicos: 1) criava-se um pano de fundo histórico rigoroso, “onde figuras históricasreais ajudam a fixar a época”, sendo sempre personagens secundários, 2) “sobreesse pano de fundo histórico se situa a trama fictícia, com personagens e fatoscriados pelo autor” (ESTEVES, 1995, p. 24). Já o romance histórico contemporâneovai romper o primeiro princípio, ao transformar figuras históricas conhecidas emprotagonistas, como é o caso de Augusto dos Anjos, em A última quimera.Altamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 36O crítico Seymour Menton (1993, p. 42-46), no seu livro La nueva novelahistórica de la América latina: 1979-1992, aponta seis características do romancehistórico contemporâneo, as quais transcrevemos a seguir:1- A apresentação mimética de determinado período histórico sesubordina, em diferentes graus, à apresentação de algumas idéiasfilosóficas, segundo as quais é praticamente impossível seconhecer a verdade histórica ou a realidade, o caráter cíclico dahistória e, paradoxalmente seu caráter imprevisível, que faz comque os acontecimentos mais inesperados e absurdos possamacontecer;2- A distorção consciente da história mediante omissões,anacronismos e exageros;3- A ficcionalização de personagens históricos bem conhecidos, aocontrário da fórmula usada por Scott;4- A presença da metaficção ou comentários do narrador sobre oprocesso de criação;5- Grande uso da intertextualidade, nos mais variados graus;6- Presença dos conceitos bakhtinianos de dialogia, carnavalização,paródia e heteroglossia.No romance em apreço, só se encontra ausente a característica do item 2,uma vez que Ana Miranda empreende um rigoroso cerco à história factual ereproduz fielmente episódios e acontecimentos do período em que o poetaAugusto dos Anjos viveu. O referido escritor é uma personalidade históricaconhecida e é o protagonista da obra, a qual trata de sua vida de escritormarginalizado, de sua produção literária que se resume a único livro publicado Eu (1912) e, na construção do texto, notamos trechos de suas poesias, decartas de sua mãe (D. Mocinha) e de Esther, os quais se encontram amalgamadosà narrativa e, por vezes, difíceis de serem localizados e detectados. A carta que

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Esther escreve para D. Mocinha, para informar sobre a doença e a morte deAugusto (Cf. MAGALHÃES JR., 1977, p. 296-298), é transformada numa conversaentre o narrador e Esther, na parte três (O rosto da morte cap. 4) (MIRANDA,1995, p. 247-248). Todos os dados da carta viram diálogo no romance.A presença do fenômeno da intertextualidade e a metaficção perpassamtodo o romance e podem ser observados e comprovados em várias passagens doAltamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 37enredo. O entrecruzamento de vários discursos encontra-se marcado pelapresença das cartas que são assimiladas e transformadas em diálogo e tambémpelos textos de autoria de Augusto dos Anjos que são incorporados à matérianarrada. Desse modo, verifica-se que A última quimera enquadra-se nos moldesdo romance histórico contemporâneo, busca reavaliar a recepção crítica deAugusto dos Anjos em sua época e destaca sua importância dentro da literaturabrasileira, convidando críticos e leitores a ler sua obra com um novo olhar, livredas críticas severas que o poeta recebeu no passado, numa clara atitude devalorização do escritor e de sua obra.Simbolistas x parnasianos: Augusto dos Anjos e Olavo BilacEstabelece-se n’A última quimera um contraponto importante entreAugusto dos Anjos e Bilac. O primeiro, marginalizado, incompreendido por leitorese críticos, sendo obrigado a se mudar constantemente, por não poder pagaraluguéis, quase às portas da miséria e o segundo, boêmio, viajando sempre para aEuropa, aclamado e apreciado pelos leitores e pela crítica.É o próprio Augusto quem se define como um sujeito azarado, “deserdadopela sorte”, nas páginas iniciais do livro:Há em mim, não sei por que sortilégio de divindades malvadas,uma tara negativa irremediável para o desempenho de umastantas funções específicas da ladinagem humana. O que euencontro dentro de mim é uma coisa sem fundo, uma espécieaberratória de buraco na alma, e uma noite muito grande e muitohorrível em que ando, a todo instante, a topar comigo mesmo, [...](MIRANDA, 1995, p. 23-24).O fragmento acima é um desabafo do personagem porque Esther tiveraum aborto. No entanto, podemos perceber também que a pobreza o incomoda. Ele

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não consegue um emprego fixo, apenas promessas de políticos e de amigos quenunca se cumprem. Ele não tem a “ladinagem humana” necessária para obter umAltamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 38bom emprego, falta-lhe esperteza para viver num mundo onde a corrupção, amentira e a falta de caráter já eram fatores dominantes.Se Augusto não é capaz de se adaptar à realidade que o cerca, ficandosempre à margem, inconformado, mas impotente diante das injustiças que sesucedem em sua vida, Olavo Bilac é o seu oposto. Leva uma vida de prazeres,junto a amigos e prostitutas, viaja para a Europa (sua cidade preferida é Paris).Bilac é um morador da cidade, marcado pela modernidade, enquanto Augusto é osujeito tímido, que veio do campo:Como explicar a alma de Augusto? Mesmo sua própria alma, a dosenhor Bilac, tão luminosa, visível, que produz uma poesia voltadapara o amor e as estrelas, contém um enigma. Além disso, osenhor Bilac é um homem nascido numa cidade e assim, talvez,jamais possa entender o que é alguém vindo de uma várzea úmidapor cujo fundo passa um rio de águas negras, de uma coloraçãoquase tão escura quanto a noite e, como ela, de uma sombradensa, profunda mas, paradoxalmente, repleta de mil matizes; umrio tão misterioso que parece carregar em suas águas a própriamorte. [...] Um lugar povoado por uma aristocracia rural comantepassados portugueses, holandeses, franceses, [...] uma gentequieta, murcha, [...] fechada em suas alcovas, [...] (MIRANDA,1995, p. 28-9).As diferenças entre as vidas dos dois poetas são profundas. A paz e asolidão do campo transformaram Augusto num ser silencioso, contemplativo etaciturno, ao passo que Bilac é o seu oposto, um habitante da metrópole:extrovertido, falante, participante ativo da vida política do país, o que acarreta suaprisão e o leva a se refugiar por algum tempo em Minas Gerais.Ambos divergem também quanto aos temas tratados em suas obras. Napoesia de Augusto dos Anjos, observa-se “uma angústia funda, letal, ante afatalidade que arrasta toda a carne para a decomposição”, e ele “canta a misériada carne em putrefação” (BOSI, 1994, p. 289):Ele mesmo se tornara um demônio para escrever seus versos e ostúmulos, os vermes, os esqueletos mórbidos, a noite funda, opoço, os lírios secos, os sábados de infâmias, os defuntos no chãoAltamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 39frio, a mosca debochada, as mãos magras, a energúmena grei dosébrios da urbe, [...] a mandíbula inchada de um morfético deorelhas de um tamanho aberratório, um sonho inchado, podre,todos estes elementos da imaginação de Augusto não passavam de

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gracejos infernais (MIRANDA, 1995, p. 28).A morte e a putrefação da carne são temas que estão sempre presentesna produção artística de Augusto dos Anjos. Os temas de Bilac são completamentediferentes:Assim como Augusto falava continuamente na morte e seuscorrelatos, Bilac trata das estrelas, diz que têm olhos dourados,que há entre elas uma escada infinita e cintilante; suas estrelasfalam, abrem as pálpebras, o senhor Bilac vive cercado decentenas, milhares, milhões de estrelas, da Via Láctea, de umanuvem coruscante, da estrela-mulher, da estrela-virgem, perdidono seio de uma estrela (MIRANDA, 1995, p. 59-60).O firmamento, o universo, estrelas e, sintomaticamente, mulheres-estrelasrevelam que as preocupações e inquietações de Bilac dirigem-se para um pólopositivo: vida, em oposição ao tema da morte, predominante em Augusto dosAnjos.Se Augusto dos Anjos foi sempre perseguido pela infelicidade e pordesgraças, Olavo Bilac teve mais sorte, foi cortejado pelos poderosos, frequentouassiduamente a sociedade da época e, aparentemente, não teve problemasfinanceiros:Creio que agora [Bilac] está indo para alguma palestra literária.Desde que começou a guerra européia, ele se empenhou napropaganda de serviço militar compulsório e tem sidohomenageado pelo Exército, militares de alta patente o festejamem suas casas com banquetes, o clube Naval o recebe comcerimônias. [...]Bilac [...] é o poeta do Palace Theatre, muitas vezes Príncipe dosPoetas eleito por notáveis, o poeta da Cultura Artística, o poeta daAgência Americana, amigo dos poderosos, autor de planosextraordinários, um gentleman, diretor do Pedagogium, secretáriodo prefeito e, para sua desgraça, com fama de rico, o que deve sera causa maior da inveja que provoca por aí (MIRANDA, 1995, p.303-305).Altamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 40Não podemos esquecer que, na juventude, Bilac lutara contra o governode Floriano Peixoto e chegara até a ser preso por isso. Com a idade e oamadurecimento, a atitude de rebeldia cedeu lugar à acomodação, e ele passa aapoiar as ideias, os valores e as ideologias governistas. Dessa maneira, nãopodemos estranhar a sua total aceitação pela sociedade, pelo governo e pelosmilitares. Tais dados comprovam o sortilégio, a plena aceitação e o prestígioalcançado pelo “Príncipe dos Poetas”.Contudo, no fim do romance, as distâncias que separavam os dois poetas

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campo e cidade e os temas de suas poesias diluem-se e ambos igualam-sena morte. Augusto viveu modestamente e morreu na pobreza, em Leopoldina-MG,ao lado da esposa, e recebendo o apoio de alguns poucos amigos que conquistaranessa cidade. Bilac, no fim da vida, adoece, afasta-se dos amigos boêmios e davida noturna, torna-se um “infeliz solitário”, e morre em sua casa, no seu quarto“com as janelas fechadas e as cortinas vedando a luz” (MIRANDA, 1995, p. 319). Amorte equipara-os, irmana-os, enfim, nivela-os na condição de seres humanos quetêm sempre o mesmo destino.Um narrador quiméricoO narrador de A última quimera, além da sua função de narrar a históriapara o leitor, também é personagem, ainda que secundário, dentro do enredo doromance. Qualquer análise que se faça desse livro, deve levá-lo em consideração,uma vez que é ele quem transmite os fatos e se centram nele a visão e a voz dorelato.O narrador-testemunha “narra em 1ª. pessoa, mas é um ‘eu’ já interno ànarrativa, que vive os acontecimentos aí descritos como personagem secundáriaque pode observar, desde dentro, os acontecimentos, e, portanto, dá-los ao leitorde modo mais direto, mais verossímil” (LEITE, 1987, p. 37). Como testemunha, oângulo de visão é mais restrito, pois ele só pode contar os fatos que vê, ouve eAltamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 41dos quais participa. Ele pode também lançar mãos de hipóteses, questionamentos,mas “não consegue saber o que se passa na cabeça dos outros” personagens(LEITE, 1987, p. 38).A utilização de um narrador deste tipo cria uma cumplicidade entrenarrador e leitor porque o narrador vai narrar somente o que descobre, dividindosuas descobertas, opiniões e impressões com o leitor, tornando-o co-participantedas peripécias narradas.No romance de Ana Miranda, o fato que deflagra o relato é o encontro, narua, entre o narrador e o poeta Olavo Bilac. Ele fala a Bilac sobre a morte de

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Augusto dos Anjos e declama “Versos íntimos”. A crítica de Bilac é severa e ácida:Olha para os lados. Num impulso súbito deseja livrar-se de mim.‘Pois se quem morreu é o poeta que escreveu esses versos’, elediz, ‘então não se perdeu grande coisa’. E parte, caminhandodepressa, como se fugisse.[...] Mas esta é a verdade, sem máscara: Olavo Bilac não apreciouo poema (MIRANDA, 1995, p. 13-4).Esta cena baseia-se num fato realmente ocorrido, como atesta Otto MariaCarpeaux na orelha do livro de Augusto dos Anjos: Toda a poesia (1976), quecontém, além das poesias do livro Eu, poemas escritos entre 1900 e 1914, nãorecolhidos em livro pelo autor. Carpeaux comenta a obra do poeta paraibano edeclara queninguém o compreendeu, ninguém lhe leu os versos nos caféssuperficialmente afrancesados do Rio de Janeiro, e é conhecida acena de um de seus raros admiradores que leu um soneto deAugusto dos Anjos a Olavo Bilac e recebeu a resposta desdenhosa:‘É este o seu grande poeta?’.O “raro admirador” foi transformado em narrador por Ana Miranda.Curiosamente, o nome de tal admirador é desconhecido e, no romance, o nome donarrador não nos é revelado em nenhum momento. Ficamos sabendo que ele éapaixonado por Esther, é amigo de infância de Augusto dos Anjos, têm váriosAltamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 42encontros com Olavo Bilac e possui uma chácara em Botafogo, na qual vive comCamila, uma doente tuberculosa e quase adolescente.O narrador/personagem é poeta e frequenta a casa de Augusto e Esthercom assiduidade. Mesmo com as mudanças rotineiras do casal, ele mantém-sesempre em contato. Com a morte de Augusto, tem esperanças de conquistarEsther que, entretanto, acaba casando-se com um professor do grupo escolar deLeopoldina, conhecido como Caboclinho. Preterido por Esther, ele consola-se comCamila: “Mas estou feliz com Camila. Nunca mulher alguma tratou-me com tanto amor erespeito, até mesmo adoração. Perdoou-me por tê-la abandonado. Livrou-se datuberculose, embora viva sempre presa a cuidados especiais” (MIRANDA, 1995, p. 317).O narrador é o único a ter um final feliz, pois Augusto fora sempre infeliz,uma vítima de fatalidades e injustiças, e Bilac, no fim da vida, tornou-se recluso,alheio ao mundo exterior que tanto o seduzia na juventude, e ambos morrem

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solitários e esquecidos.Todos os fatos sobre a vida de Augusto, Esther, seus parentes e eventoshistóricos da época foram recontados fielmente pela autora e podem serfacilmente comprovados, por exemplo, no livro Poesia e vida de Augusto dosAnjos, de Raimundo Magalhães Júnior (1977). Contudo, todos os eventosrelacionados ao narrador, à Camila, aos encontros daquele com Bilac e mesmo aconvivência com Augusto e Esther são fictícios ou, pelo menos, não há nenhumadocumentação que comprove a existência de um amigo de infância e que o tenhaacompanhado e estado presente nos momentos mais importantes de sua vida.Um fato que confirma nossa interpretação é o capítulo final da obra, noqual o narrador afirma ter recebido o título de “Príncipe dos Poetas”. Pelo quesabemos, apenas Olavo Bilac e Alberto de Oliveira receberam tal honraria, em1913 e 1924, respectivamente (BOSI, 1994, p. 220 e 227). Observemos apassagem em que se dá o encontro do narrador com uma jovem e ocorre o fatoque comentamos:Altamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 43Numa madrugada, estou saindo de uma farmácia quando ouço avoz de alguém a me cumprimentar [...]. Falamos alguns minutossobre Augusto, ela demonstra conhecer muito bem a obra e a vidado poeta, chega a comentar algo sobre minha infância passadajunto dele, no Engenho do Pau D’Arco.Ela me diz que leu meus livros de poesias, que me admira muito,que ficou feliz de me ver eleito o Príncipe dos Poetas, que elatambém escreve versos, e pede para recitar um deles para mim.[...]Apressado, com os remédios de Camila nas mãos, mal ouço aspalavras que a moça recita (MIRANDA, 1995, p. 322).Uma possível interpretação que podemos dar ao narrador/personagem é ade que ele é a quimera do título da obra e da epígrafe do escritor Jorge LuizBorges (1899-1986), que aparece no início do livro. A referida epígrafe ocupa aspáginas 5 e 6 da edição que estamos utilizando e nelas o escritor argentinoprocura desvendar os sentidos do vocábulo “quimera”, partindo de seuaparecimento na Ilíada, depois comenta o seu uso na Eneida, até chegar aosignificado que se encontra nos dicionários: “[...] la palabra [quimera] queda, parasignificar lo imposible. Idea falsa, vana imaginación, [...].” Portanto, quimerasupõe sonho e por extensão, invenção/criação e, portanto, é um

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narrador/personagem quimérico quem narra as poucas aventuras e as muitasdesventuras do poeta paraibano Augusto dos Anjos.Palavras finaisAo romance, nas últimas décadas, coube a façanha de reler a história, pôrem dúvida posições e fatos encarados como dogmas e dar versões sobreacontecimentos e verdades camufladas por governos ditatoriais e totalitários.Mas não foi só no terreno da história oficial que o romance empreendeureleituras e reinterpretações. Ele voltou-se também para a própria história daliteratura brasileira, transformando autores conhecidos ou não, em personagensficcionais e suas obras em matéria narrativa.Altamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 44Ana Miranda faz parte de um grupo de escritores que passou a tratar, emseus romances, da vida e das obras de romancistas e poetas brasileiros. Quatro deseus romances Boca do inferno, A última quimera, Clarice e Dias e dias têmautores brasileiros como personagens (Gregório de Matos, Augusto dos Anjos,Clarice Lispector e Gonçalves Dias). Verifica-se uma progressão que abarca amaioria dos movimentos literários do Brasil: Barroco, Romantismo, Parnasianismo,Simbolismo e Modernismo. Com essas obras, pode-se considerar que a autoraempreende uma releitura da história da literatura brasileira com o objetivo devalorizar e repensar a atitude dos críticos em relação aos escritores mencionados.Em A última quimera, Ana Miranda criou um narrador quimérico pararelatar as “fortunas e adversidades” do poeta Augusto dos Anjos. O referidonarrador fornece aos leitores da obra elementos que permitem reler dados da vidae da obra do marginalizado poeta paraibano e propicia, dessa maneira, umareleitura e uma revalorização do escritor e de sua produção artística.Referências bibliográficasANJOS, Augusto dos. Toda a poesia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 43. ed. São Paulo: Cultrix,1994.ESTEVES, Antonio R. O novo romance histórico brasileiro. In: ANTUNES, Letizia

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Zini (org.). Estudos de literatura e lingüística. São Paulo: Arte & Ciência; Assis-SP:Curso de Pós-Graduação em Letras da FCL/UNESP, 1998, p. 123-58.FRIEDMAN, Norman. Point of view in fiction. The development of a critical concept.In: STEVICK, Philip (org.). The theory of the novel. New York: Free Press, 1967, p.108-137.GRECCO, Sheila. As horas é Mrs. Dalloway dos anos 90. Folha de São Paulo.Ilustrada, Caderno 4, 28 de agosto de 1999, p. 6.Altamir BotosoMiscelânea, Assis, vol.7, jan./jun.2010 45LEITE, Lígia C. M. O foco narrativo. 3. ed. São Paulo: Ática, 1987.MAGALHÃES JR., Raimundo. Poesia e vida de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira: INL, 1977.MALARD, Letícia. Romance e história. Revista Brasileira de Literatura Comparada.3: 143-150, 1996.MENTON, Seymour. La nueva novela histórica de la América Latina: 1979-1992.México: FCE, 1993.Ministério da Cultura. Ana Miranda. In:http://virtualbooks.terra.com.br/osmelhorsautores/biografias/Ana_Miranda.htm.Acesso em 09 de maio de 2009.MIRANDA, Ana. Boca do inferno. São Paulo: Companhia das Letras, 1989._______. A última quimera. São Paulo: Companhia das Letras, 1995._______. Clarice: ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1999._______. Dias e dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.MORAES, Eunice de. Resenha de Dias e dias. REVISTA LETRAS. Curitiba: EditoraUFPR, n. 60, p. 457-459, jul./dez. 2003.2Artigo recebido em 10/05/2009 e publicado em 13/04/2010.