10

Click here to load reader

Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881) · A tabela a seguir resume, por objeto ... os processos encontrados: Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência

  • Upload
    buingoc

  • View
    212

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881) · A tabela a seguir resume, por objeto ... os processos encontrados: Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência

Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881)

Alexandre de Oliveira Bazilio de Souza1

Em 1873, o deputado Correia de Oliveira apresentou projeto para modificar a legislação

eleitoral do país, com o objetivo principal de reformar o sistema eleitoral, ou seja, o modo

como os votos eram contabilizados e convertidos em assentos da Assembleia Geral

(GALLAGHER; MITCHELL, 2008, p.3). Os debates começaram em 1874 e se

prolongaram até a sessão seguinte. Para o Barão de Ourém (1888, p.291-4), esse foi um

dos momentos mais luminosos e solenes do Parlamento brasileiro, especialmente por

conta das discussões em torno da eleição direta, requisitada por liberais e conservadores

dissidentes. O princípio da representação da minoria era amplamente aceito por todos os

partidos. A preferência maior era pelo voto limitado, que acabou sendo aceito, dando

nome à nova legislação: a Lei do Terço, ou Decreto nº 2.675, de 20 de outubro de 1875

(SOUZA, 2013, p.95).

A nova norma também traria importantes modificações na estrutura da gestão do sufrágio.

Até então, era o juiz de paz, autoridade leiga e eletiva, que detinha a maior parte das

atribuições nesse âmbito, tanto na fase de inscrição dos votantes quanto no momento de

recebimento de votos. A partir da Lei de 1875, seriam cidadãos eleitos que fariam a

qualificação dos votantes, com posterior apuração por uma Junta presidida pelo juiz

municipal e recurso para o juiz de Direito e para o Tribunal da Relação. Apesar de esses

juízes de carreira já fazerem parte da administração do sufrágio desde 1846 – com

exceção do segundo –, naquele momento suas funções tornaram-se mais proeminentes, à

medida que o magistrado eleito era afastado desse campo, sob a acusação de ser o grande

causador das fraudes eleitorais. A Lei do Terço ficou em vigor até 1881, quando a

aprovação da conhecida Lei Saraiva intensificou ainda mais a presença dos magistrados

na estrutura eleitoral brasileira (SOUZA, 2013, p.83-113).

1 Doutorando em Historia e servidor público na Universidade Federal do Espírito Santo. Bolsista

CAPES processo n.º BEX 6108/14-8.

Page 2: Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881) · A tabela a seguir resume, por objeto ... os processos encontrados: Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência

Este trabalho debruça-se sobre esse curto e peculiar período da história eleitoral do país,

com o objetivo de entender o modo como as questões relacionadas ao sufrágio passaram

a ser tratadas pelo Judiciário. Para isso, foram analisados 68 processos eleitorais,

consultados em seus originais, no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, e também em duas

revistas jurídicas: O Direito e Gazeta Jurídica, ambas inauguradas em 1873 e

consideradas pelo historiador Armando Formiga (2010, p.51-185) os periódicos

especializados mais completos do período, contemplando doutrina, comentários às

decisões judiciais e publicação de atos legislativos. A tabela a seguir resume, por objeto

e resultado de julgamento, os processos encontrados:

Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881)

Ob

jeto

do

pro

cess

o

Per

íod

o

Fo

nte

Pro

ced

ente

Imp

roce

den

te

o c

on

hec

ido

Pre

jud

ica

do

N/E

To

tal

Nulidade de

qualificação de

votantes

1878 Gazeta Jurídica

0 0 2 0 0 2

Nulidade de eleição de

juiz de paz e vereador 2 2 0 0 0 4

Subtotal 6

Inclusão de votante

1876-

1879 O Direito

1 2 3 0 0 6

Nulidade de

qualificação de

votantes

9 9 0 1 0 19

Exclusão e

transferência de

votante

1 0 0 0 0 1

Nulidade de eleição de

juiz de paz e vereador 2 6 0 0 0 8

Processo de

responsabilidade 1 2 0 0 0 3

Subtotal 37

Page 3: Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881) · A tabela a seguir resume, por objeto ... os processos encontrados: Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência

Inclusão de votante

1875-

1881

Fundo Relação

– Arquivo

Nacional

0 0 0 0 0 0

Exclusão de votante 0 1 0 0 0 1

Nulidade de

qualificação de

votantes

11 5 0 0 0 16

Nulidade de eleição de

juiz de paz e vereador 1 3 0 0 0 4

Nulidade de eleição de

eleitores 0 1 0 0 0 1

N/E 0 0 0 0 3 3

Subtotal 26

TOTAL 68

Fonte: Gazeta Jurídica (1878, vol. 19); O Direito (1876, vol. 11; 1878, vol. 15; vol. 16; vol. 17; 1879, vol.

18; vol. 20); Fundo Relação do RJ, Arquivo Nacional (1875-1881).

Um dos motivos que embasavam as lides eleitorais eram as requisições para inscrição de

votantes. Apesar de sua possibilidade ser expressamente prevista na legislação desde

18462, tal pedido não era muito comum nos documentos analisados: seis dessas ações.3

Pela Lei de 1875, esse tipo de processo dificilmente chegava à Relação, porque só estava

prevista análise por esse órgão nos casos de anulação da qualificação.4 Aqueles que

chegavam a ser impetrados não eram conhecidos ou seu provimento era negado; é o que

2 Lei nº 387/1846 (art. 35).

3 Foi encontrado recurso apresentado por Manoel de Sá Vianna em face do Conselho Municipal

de Itapemirim em 12 de maio de 1875, durante a vigência ainda, portanto, da Lei de 1846. O

recorrente denunciava a exclusão ilegal de centenas cidadãos de Rio Novo e pedia sua reparação.

Incluiu como prova uma série de declarações de autoridades públicas: o juiz de paz, capitão

Arcanjo José de Souza; o engenheiro diretor da colônia de Rio Novo, Joaquim Adolfo Pinto

Pacca; subdelegado em exercício, Francisco Alves Duarte Sobrinho; inspetor da Guarda

Nacional, Joaquim Antônio Moreira; encarregado do cemitério na diretoria da colônia, Jacob

Lucas; entre outros. Por fim, reclamou da dificuldade imposta pelo escrivão em receber o recurso,

que ao final foi provido pela Relação (FRRJ-AN, 1875, caixa nº 65, processo nº 875).

4 Decreto nº 2.675/ 1875 (art. 1º, § 18).

Page 4: Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881) · A tabela a seguir resume, por objeto ... os processos encontrados: Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência

ocorreu, pelo menos, com os cinco encontrados em revistas (OD, 1876, vol.11, p.423-

424; p.731; p.908). Foi publicada sobre o assunto também uma sentença do juiz de Direito

de Barras, no Piauí, em que se julgava pedido de Joaquim Viera de Queiroz. Na ação,

foram excluídos cidadãos que não apresentaram procurador especial, porque a nova Lei

só permitia a inclusão reclamada pelo próprio interessado (OD, 1878, vol. 17, p.66-67).

Havia casos também em que se buscava a exclusão do inscrito, conforme previa a

legislação.5 Poderia ocorrer juntamente com a transferência do eleitorado para outra

paróquia, durante a organização das listas pela Junta Municipal. Foi o que aconteceu em

1877 em Januária, Minas Gerais, cuja Junta transferiu votantes do distrito de Mocambo,

na sede do município, para a paróquia de Nossa Senhora do Amparo. Em petição de

recurso à decisão, Álvaro José Rodrigues juntou certidão do bispo diocesano em que

atestava que Mocambo não integrava a paróquia de Amparo. O cidadão José Lopes da

Rocha fez uso de prerrogativa legal para apresentar justificação judiciária e defender que,

segundo a Diretoria Geral de Estatística, Mocambo fazia parte da sede de Januária. De

modo a evitar desequilíbrios no quantitativo de eleitores das duas paróquias, o juiz de

Direito, Carlos Honório Benedito Ottoni, permitiu a eliminação e transferência dos

votantes, o que foi confirmado unanimemente pela Relação de Ouro Preto (OD, 1877,

vol. 16, p.110-112). Em Itapemirim, Manuel de Sá Vianna impetrou recurso para solicitar

a exclusão de indivíduos incluídos pelo Conselho Municipal a pedido de Francisco

Moreira da Silva Lima, entre os quais figuravam indivíduos fictícios, mortos,

sentenciados à prisão, com domicílio em outro município ou sem renda mínima. Seu

pedido, contudo, não foi provido pela Relação (FRRJ-AN, Fundo da Relação do RJ, 1875,

caixa nº 69, processo nº 2.027).

Bem mais comuns na amostra foram os pedidos de anulação completa da qualificação:

37 dos processos analisados, ou quase 55%. O achaque poderia recair sobre a formação

dos órgãos de inscrição, fosse por inadequação de algum de seus membros ou de sua

5 Decreto nº 2.675/ 1875 (art. 1º, § 15).

Page 5: Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881) · A tabela a seguir resume, por objeto ... os processos encontrados: Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência

eleição.6 Em 22 de maio de 1876, Matheus Gomes da Cunha denunciou a participação na

eleição para a Junta Municipal da vila de Barra de São Matheus, no norte do Espírito

Santo, dos vereadores Antônio José Nunes Cardoso e Fabiano de Menezes Campos, que

eram cunhados. Pedia assim anulação dos trabalhos, com base no art. 23 da Lei de 1º de

outubro de 1828 e nos Avisos nº 404 de 9 de setembro de 1869 e nº 121 de 17 de abril de

1872. Em 6 de junho, o juiz de Direito Antônio Lopes Ferreira da Silva acatou o pedido

e recorreu ex officio, como determinava a legislação, de sua decisão para o Tribunal, o

qual a confirmou (FRRJ-AN, 1876, caixa nº 30, processo nº 609). Em 13 de agosto de

1876, no Maranhão, o juiz de Direito Umbelino Moreira deferiu recurso de Antônio de

Almeida Oliveira para anular os trabalhos da Junta Paroquial de S. Joaquim do Bacanga,

por ter nela participado como mesário Severo Ângelo de Sousa, menor de 25 anos. Na

Relação, a sentença foi confirmada em 25 de agosto (OD, 1877, vol. 12, p.595-596).

Além de problemas com os membros das Mesas e Juntas, poder-se-ia reclamar também

de procedimentos da qualificação que envolvessem prazos, dados nas listagens de

votantes, publicações de avisos, confecção de atas, entre outros (GJ, 1878, vol. 19, p.310-

313; OD, 1876, vol. 11, p.425; p.429-432; 1877, vol.12, p.595-603; vol. 15, p.387-393;

1878, vol. 16, p.108-109; vol. 17, p.67-69; p.304). Antônio Rodrigues Pessoa, em 18 de

setembro de 1876, reclamou do funcionamento da Junta Municipal de Vitória, em vários

desses pontos, a fim de anular seus trabalhos. Afirmou que a afixação e publicação de

editais não se deu em conformidade com a lei. Que, na votação para os membros da Junta,

o presidente Epifânio Neves Domingos da Silva, depois de reconhecidas as cédulas,

recolheu-as, porque o vereador Francisco Gomes de Azambuja Meireles teria votado duas

vezes. Que, conforme declarações do membro Bazilio Carvalho Daemon, foram incluídos

na qualificação de Santa Leopoldina cidadãos declarados como mortos ou com domicílio

alterado. Que a Junta, por maioria, incluiu 29 cidadãos da paróquia de Vitória sem as

devidas legalidades, como procuração especial e provas listadas na legislação. Que, na

paróquia de Cariacica, foram incluídos 135 cidadãos a partir da declaração de quatro

6 Decreto nº 2.675/ 1875 (art. 1º, § 11, 4º).

Page 6: Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881) · A tabela a seguir resume, por objeto ... os processos encontrados: Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência

testemunhas “algumas quase analfabetas e, como se diz, agarradas de momento, juraram

conhecer os 135 cidadãos! Saber as respectivas idades! Quem são seus pais! Onde

moram! Se sabem ler ou não ler! E qual a sua renda! Isto em uma grande freguesia que

conta com mais de um distrito!!”. Daemon também apresentou seu protesto, solicitando

que fossem ouvidas as autoridades locais e chefes de repartições públicas para

confirmação das informações. Reclamou que a lista geral da qualificação não havia sido

propriamente assinada e numerada. Que não foram discriminados os lugares e moradias

dos votantes, como em Maruípe e Caleiras em Vitória, ou mesmo em outras freguesias

como Carapina, Cariacica e Santa Leopoldina, situação agravada pelo fato de que muitos

nomes eram pelo recorrente desconhecidos ou não tinham idade legal para votar. Por fim,

que não fora respeitado o prazo entre a finalização dos trabalhos da Junta de Santa

Leopoldina e a instalação da Junta Municipal. Quatro dias depois, o major Antônio

Ferreira Rufino, substituto do juiz de Direito, decidiu conceder o pedido. Sem embargo,

a Relação reverteu a decisão em 20 de outubro (FRRJ-AN, 1876, maço nº 3, processo nº

1).

Além da qualificação, pleiteava-se judicialmente também a anulação de eleições. Essa

possibilidade estava prevista na legislação de 1875 para os pleitos para vereadores e juízes

de paz; não obstante, mesmo sem previsão explícita, também foi impetrada ação no

período que protestava contra eleição de eleitores, primeira fase da escolha de deputados

e senadores.7 O processo foi iniciado em 26 de agosto de 1878 por um grupo de 16

moradores da paróquia de Veado, em Itapemirim, com relação à eleição para eleitores e

juiz de paz ocorrida no dia 5 daquele mês. Alegaram que somente teve lugar a votação

para eleitores e que mesmo essa carecia de validade, uma vez que o presidente de Mesa

eleito, José Gomes de Azevedo, e o mesário secretário, Luís Geraldo de Carvalho,

ocultaram o caderno de atas. Explicaram ainda que, no primeiro dia dos trabalhos, o

presidente afirmou ter esquecido o caderno em casa, distante légua e meia,

comprometendo-se a proceder à lavratura da ata no dia seguinte, decisão com que não

7 Decreto nº 2.675/ 1875 (Art. 2º, § 30).

Page 7: Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881) · A tabela a seguir resume, por objeto ... os processos encontrados: Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência

concordaram os mesários Luís Antônio Porto e Bernardo José de Araújo. No dia 6, o

secretário foi buscar o caderno na casa do presidente e este o substituiu pelo suplente de

mesário João Machado de Faria. Apuradas 23 cédulas, os dois interromperam os

trabalhos, alegando estarem doentes, e não mais o retomaram. “É irremível que, em uma

política que se intitula regeneradora, apareçam homens, que descendo de suas dignidades,

abusando do poder, para fazerem eleições a bico de pena, julgando elas válidas, por

contarem com o apoio das autoridades que tem de conhecerem da validade das eleições”

– afirmaram. O mesário Luís Antônio Porto fez petição semelhante, em que declarou que

a ata falseada foi confeccionada na fazenda de propriedade de Luís Francisco de

Carvalho, amigo político dos acusados. E disse: “Sinto profundamente ser-me preciso

apresentar em público um ato tão escandaloso, praticado por cidadãos que me pareciam

distintos e que pertencem a uma política que se intitula puramente regeneradora”. Apesar

dos protestos, o juiz de Direito Joaquim Pires de Amorim negou o pedido por falta de

provas tempestivas (apresentadas somente depois do julgamento), o que foi confirmado

pela Relação (FRRJ-AN, 1878, caixa nº 26, processo nº 555).

A solicitação de anulação das eleições para eleitores apresentou-se como exceção. Mesmo

no caso relatado, o foco da ação estava na ata de eleição para juiz de paz, tanto que a

possibilidade jurídica do pedido de anulação sequer chegou ali a ser discutida. Houve

casos em que, apesar de feitas simultaneamente as eleições, o pedido de anulação recaiu

apenas para os pleitos para juiz de paz e vereadores, em maior apego à legislação. Foi o

que sucedeu em Viana em outubro de 1876, quando nove cidadãos impetraram recurso

em protesto contra a suspensão dos trabalhos da Mesa, após tumulto decorrente de sua

recusa em receber o voto de Martiniano Pereira da Vitória (FRRJ-AN, 1876, caixa nº 52,

processo nº 2.093).8 Embora seu voto tivesse sido rejeitado para os três cargos (eleitores,

juízes de paz e vereadores), somente foi solicitada anulação em relação aos dois últimos.

No universo total dos processos analisados para o período, o número de ações que tinham

tal objeto foi elevado: 17 de 68, ou 25%. Os argumentos levantados para o pedido de

8 Detalhes desse episódio foram relatados em Souza (2013, p.143-144).

Page 8: Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881) · A tabela a seguir resume, por objeto ... os processos encontrados: Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência

anulação eram muitos: prazo, excesso de cédulas nas urnas, falta de entrega de títulos,

recusa no recebimento de votos, membros da Mesa indevidos, local de votação

inadequado, falta de publicação de editais e violência (GJ, 1878, vol. 19, p. 314-322;

p.336-338; OD, 1876, vol. 11, p.909-910; 1877, vol. 12, p.146-147; vol. 13, p.198-200;

p.342-344; vol. 14, p.307-309; 1878, vol. 16, p.115-116).

Quando criticavam as eleições, publicistas e políticos recorrentemente apontavam este

último ponto, afirmando que baionetas, espingardas, capangas e guardas armados

figuravam entre os principais apetrechos do cenário eleitoral (SOUZA, 2011, p.3; 2013,

p.144-147). Denúncias de violência apareciam também, em alguma medida, nos

processos eleitorais, especialmente quando envolvessem a participação da força policial.

Sua relação com os pleitos sofreu grande transformação durante o Dezenove: se, em 1842,

a polícia passou a integrar o rol de autoridades eleitorais, como membro da Junta de

Qualificação, logo foi dali excluída e, a partir de 1881, teve sua presença expressamente

proibida nos ritos do sufrágio.9 Em 1876, José Antônio Peixoto, relatou a interferência da

força pública nas eleições, como se vê em seu pedido ao juiz de Direito Gervásio

Campello Pires Ferreira para anulação dos pleitos para vereadores e juízes de paz em

Aracaju. Segundo o relato, no segundo dia de apuração, vigiavam a Mesa “força de linha

e polícia, colocando-se aquela em número de 60 praças ao lado direito da Mesa, com os

sabres desembainhados nas bocas das espingardas, e 30 de polícia, também armada, ao

lado esquerdo”. Enquanto isso, aberta a urna,

foi tirado de dentro dela o resto das cédulas de vereadores, que

com todas as de juízes de paz, ainda não tinham sido apuradas,

lançadas ao chão do templo, e queimadas, lançando sobre elas o

mesário Getúlio Ribeiro Leal um líquido, que levava em um

frasco; acrescendo que o cidadão Adelino Paes de Azevedo pode

tirar das chamas um maço das de juízes de paz, que lhe foi

arrebatado pelo engenheiro Aristides Armínio Guaraná, e

9 Segundo art. 1º do Decreto nº 157/1842, o subdelegado, ou seu suplente imediato, atuaria como

fiscal da qualificação, disposição revogada pela Lei nº 387/1846. Em 1881, a Lei Saraiva, em seu

art. 15 § 3º, passou a proibir de modo expresso a presença e intervenção da forma pública durante

o processo eleitoral. Disposições no mesmo sentido aparecem no art. 43 § 26 da Lei nº 35/1892,

art. 86 da Lei nº 1.269/1904, art. 22 da Lei 3.208/1916 e art. 98 § 6º do Código Eleitoral de 1932.

Page 9: Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881) · A tabela a seguir resume, por objeto ... os processos encontrados: Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência

mesário Getúlio Ribeiro Leal, e lançado de novo ao fogo, sendo

que, quando as cédulas ardiam, compareceu a igreja o Dr. chefe

de polícia da província com duas ordenanças, e sentando-se

junto a cabeceira da Mesa Paroquial, da qual já se tinha retirado

o respectivo presidente Antônio Baptista Bittencourt, assistia o

mesário Pedro Telles de Meneses trepar em um banco e pregar

na porta da igreja um edital, resultado da farsa eleitoral,

executada com o auxílio da força pública (OD, 1877, vol. 13,

p.195-198).

Na Relação, foram encontrados três processos do período que pediam anulação específica

de eleições de juízes de paz e vereadores: no primeiro, de 1877, o major Áureo Triphino

Monjardim de Andrade e Almeida denunciava a duplicada das eleições de janeiro daquele

ano, em que juntou declaração de dezenas de votantes da freguesia (FRRJ-AN, 1878,

caixa nº 61, processo nº 964).10 Em 1878, Manoel Fernandes Pinto Ribeiro reclamou da

formação da Mesa para eleição na paróquia de Santa Penha, vila de Santa Cruz, em

outubro daquele ano, presidida por Alexandrino Pedro da Vitória Paiva (FRRJ-AN, 1878,

caixa nº 62, processo nº 1.297). Sobre o mesmo pleito, impetrou recurso José das Neves

Coutinho Timbeba contra a Mesa presidida por Miguel Pinto Ribeiro, que contou a

participação de Manoel Fernandes (FRRJ-AN, 1878, caixa nº 38, processo nº 1.569).

Tratava-se assim também de disputa de duplicatas.

Os processos analisados mostram que, na vigência da Lei do Terço, o Judiciário era

chamado para resolver questões de diferentes aspectos relacionados às eleições e isso

ocorria nos moldes que determinava a legislação. Muitas dessas lides estavam

diretamente relacionadas com disputadas entre candidatos, porém eram bem mais comuns

pedidos que envolvessem a qualificação de votantes. Não que este último tipo de ação

estivesse necessariamente desvinculado das desavenças políticas, mas certamente

mostrava uma forma muito mais sutil de vivenciá-las, intensificada pelas nuances

possibilitadas pela técnica do Direito.

10 Detalhes desse episódio foram relatados em Souza (2013, p.177-178).

Page 10: Processos eleitorais na vigência da Lei do Terço (1875-1881) · A tabela a seguir resume, por objeto ... os processos encontrados: Tabela 1 – Processos eleitorais na vigência

Bibliografia e Fontes

FORMIGA, Armando Soares de Castro. Periodismo jurídico no Brasil do século XIX.

Curitiba: Juruá, 2010.

FUNDO Relação do Rio de Janeiro. Arquivo Nacional, anos indicados [FRRJ-AN].

GALLAGHER, Michael; MITCHELL, Paul (org.). Introduction to Electoral Systems. In:

GALLAGHER, Michael; MITCHELL, Paul. The Politics of Electoral Systems. Oxford:

Oxford University Press, 2008.

GAZETA JURÍDICA, anos indicados [GJ].

O DIREITO, anos indicados [OD].

OURÉM, Barão de. Les Débats de Parlement Brésilien relatifs à la Représentation

Proportionnelle. In: La représentation proportionnelle: études de législation et de

statistique comparées. Paris: F. Pichon, 1888.

SOUZA, Alexandre de Oliveira Bazilio de. Reformas eleitorais no final do Império: a

reinvenção do cidadão brasileiro (1871-1889). In: Simpósio Nacional de História –

ANPUH. 26, São Paulo, 2011.

SOUZA, Alexandre de O. B. de. Das urnas para as urnas: juízes de paz e eleições no

Espírito Santo (1871-1889). Saarbrücken: Novas Edições Acadêmicas, 2013.