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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIADA EDUCAÇÃO DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SUELI APARECIDA MANGANOTTI Produção Didático-Pedagógica: Unidade Temática PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E O DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES Produção Didático-Pedagógica: Unidade Temática, elaborada para subsidiar o trabalho em grupo, constituindo um espaço significativo para a reflexão e o debate acerca da Função da Sala de Recursos no desenvolvimento das funções psíquicas superiores e na apropriação dos conteúdos curriculares, como etapa obrigatória na implementação do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE - no Colégio Estadual Professor Paulo Alberto Tomazinho de Umuarama, no ano de 2009. Orientadora: PROFª.DRª. Marilda Gonçalves Dias Facci – UEM UMUARAMA 2008

Produção Didático-Pedagógica: Unidade Temática PSICOLOGIA ... · ciência a serviço do desenvolvimento dos indivíduos, na busca de uma nova abordagem para a Psicologia, sendo

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

SUELI APARECIDA MANGANOTTI

Produção Didático-Pedagógica: Unidade Temática

PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E O DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES

Produção Didático-Pedagógica: Unidade

Temática, elaborada para subsidiar o trabalho em

grupo, constituindo um espaço significativo para a

reflexão e o debate acerca da Função da Sala de

Recursos no desenvolvimento das funções

psíquicas superiores e na apropriação dos

conteúdos curriculares, como etapa obrigatória na

implementação do Programa de Desenvolvimento

Educacional - PDE - no Colégio Estadual

Professor Paulo Alberto Tomazinho de

Umuarama, no ano de 2009.

Orientadora: PROFª.DRª. Marilda Gonçalves Dias Facci – UEM

UMUARAMA 2008

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PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E O DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES

INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é apresentar o resultado de uma pesquisa

bibliográfica, a respeito dos escritos de Lev Semiónovich Vigotski (1896-1934) e

seus colaboradores, A. N. Leontiev (1904-1979) e A. R. Luria (1902-1977), buscando

as contribuições advindas desses teóricos da Psicologia Histórico-Cultural acerca do

psiquismo humano e suas implicações para a Educação Regular e Especial. O

enfoque se dará, sobretudo a respeito da aprendizagem e do desenvolvimento

humano, das mediações educacionais necessárias para que haja aprendizagem e

consequentemente desenvolvimento.

A produção de Vigotski na Psicologia teve como referência a investigação

das diversas funções psicológicas superiores e as relações destas com o domínio da

conduta e a educação. Vigotski, Luria e Leontiev desenvolveram pesquisas a

respeito da gênese, função e estrutura dos “processos psicológicos superiores”

(atenção, memória, percepção, raciocínio, imaginação, sentimentos) sempre

relacionando aprendizagem e desenvolvimento, desde os elementos mais simples

aos mais complexos. Buscaram uma abordagem que vê o homem enquanto corpo e

mente, enquanto ser biológico e ser social, membro da espécie humana e

participante de um processo histórico.

Para Leontiev (2004), um dos colaboradores de Vigotski na construção de

uma nova Psicologia, a atividade humana é uma forma complexa de relação do

homem com o mundo e dirigida por ações planejadas, por motivos voluntários e

objetivos intencionais para atingir determinados fins – distinguindo o homem dos

demais animais.

Quando o judeu russo, Lev Vigotski, advogado, filósofo e crítico literário

entra em cena na Psicologia soviética em 1924, com apenas 21 anos, trazia em sua

formação um vasto conhecimento em várias áreas (história, psicologia, medicina)

principalmente da filosofia marxista, e a certeza da necessidade da criação de uma

nova psicologia com base marxista - lançando mão dos princípios do materialismo

histórico e dos instrumentos metodológicos do materialismo dialético, criando a

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“teoria histórico-cultural” - uma vez que as correntes da época não davam conta de

explicar os comportamentos humanos e as necessidades práticas da sociedade

vigente.

Para Tuleski (2002, p.55),

Uma das questões que chama a atenção quando se lêem atentamente as obras de Vygotski é sua contundência e insistência em superar a ‘velha psicologia’, postulando uma ‘nova psicologia’ que fosse capaz de eliminar a dicotomia entre corpo e mente e realizar a síntese. Esta dicotomia foi historicamente o pomo da discórdia entre as teorias psicológicas, justificando sua classificação entre idealistas e materialistas. Vygotski parece perseguir o objetivo de superá-la, trazendo para a Psicologia o método proposto por Marx e Engels e construindo a ponte que eliminaria a cisão entre a matéria e o espírito.

Assim como um novo regime político e econômico - o socialismo - por

meio da Revolução Russa (1917) estava sendo construído, Vigotski buscava uma

nova Psicologia, um sistema científico em que os conceitos, classificações e

terminologias fossem revistos e reconstruídos. Para Facci (2004), seus estudos

mudam radicalmente as tradições da Psicologia dualista e delineiam o objeto de

uma Psicologia científica, uma vez que, para Vigotski, “tanto a reflexologia como a

Psicologia subjetiva não podiam prescindir uma da outra, pois estudar o

comportamento sem psique é tão absurdo como estudar a psique sem o

comportamento” (p.151-152).

Toda a sua produção esteve comprometida com a consolidação de uma

ciência a serviço do desenvolvimento dos indivíduos, na busca de uma nova

abordagem para a Psicologia, sendo estas segundo Pereira apud Facci (2004, p.

154), as idéias centrais que embasam os trabalhos de Vigotski:

1)a atividade mediada que é um desenvolvimento da idéia do emprego de ferramentas na atividade humana; 2) o papel da interação social e da origem da linguagem e, em geral, de toda conduta mediata; 3) a conduta intencional e voluntária; 4) a influência das condições sócio-culturais da vida no desenvolvimento dos processos psíquicos superiores (percepção, atenção voluntária, memória, raciocínio, solução de problemas).

Buscamos em Vigotski os fundamentos teórico-filosóficos e os

encaminhamentos prático-metodológicos necessários a uma pedagogia que faça

frente à exclusão e responda a um novo projeto social, democrático e inclusivo da

escola. Vigotski parte do pressuposto de que as funções mentais superiores são

formadas durante o processo educativo da criança e por meio da apropriação da

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cultura. Vigotski via a nova Psicologia sob a perspectiva desta, poder embasar a

pedagogia e o trabalho docente entendido como um processo de ensino-

aprendizagem, preocupado com a formação social do ser humano.

Segundo Blanck (1996, p.48),

Na época do nascimento o organismo está completamente formado (sua estrutura biológica já está formada), embora não esteja completamente “humanizado”. Nós nos tornamos humanos pela interiorização da cultura. Para Vygotsky, a educação formal constituía um instrumento essencial da aculturação, o que não significa que a educação informal não fosse considerada importante. Ele considerava a escola como o melhor laboratório de psicologia humana [...] No contexto de uma interação ativa e sistemática entre a criança e o pedagogo, se fornece à criança, de uma forma organizada, os instrumentos psicológicos que determinarão a reorganização de suas funções mentais.

A dedicação, o pensamento de Vigotski e suas idéias nas áreas da

Psicologia e da educação, vividos na Rússia pós-revolucionária, numa situação

social, política e científica bem diferente da nossa, são de extrema

contemporaneidade - buscando sempre em seus estudos auxiliar o professor no

desempenho de seu trabalho pedagógico, bem como contribuir com a elaboração de

uma concepção científica no processo ensino aprendizagem. São, portanto,

segundo Scalcon (2002),

[...] as concepções de Marx e Engels sobre o trabalho e o uso de instrumentos, a sociedade e a interação dialética entre o homem e a natureza que constituem as bases das principais teses da perspectiva histórico-cultural e, conseqüentemente, de uma psicologia em que o desenvolvimento humano é fruto da interação do organismo individual com o meio físico e social (p.51).

Utilizando-se de uma analogia entre os instrumentos de trabalho considerados por Marx como mediadores entre o trabalhador e o objeto de trabalho, Vygotsky destaca os signos (representações da realidade que auxiliam no desempenho da atividade psicológica) como o elemento mediador entre o organismo e o meio. Trata-se, com isso, de entender que os instrumentos de trabalho mediatizam originariamente a atividade humana, e os signos, como representação da realidade, mediatizam a atividade psicológica (p.53).

A concepção sobre o trabalho e o uso de instrumentos, sobre a sociedade

e a interação dialética entre os homens e a natureza, utilizados por Marx e Engels e

compartilhado por Vigotski, é que constituem as bases da teoria histórico-cultural.

Ou seja, de uma Psicologia em que o desenvolvimento humano é fruto da interação

com o meio físico e social, em condições histórico-sociais determinadas. Baseado

nesta concepção a respeito da importância da produção de ferramentas no processo

histórico de desenvolvimento do gênero humano, os homens transformam a

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natureza, buscando a satisfação das necessidades básicas, por meio do trabalho e

de instrumentos criados e aperfeiçoados por ele. Modificam a natureza, conforme

Facci (2004, p.155), “obrigam-na a servi-los, dominando-a” [...], “o trabalho é o

fundamento da vida humana e, por determinados aspectos”, lembrando Engels: o ‘

trabalho criou o próprio homem’. Ainda segundo Facci (2004, p.154), esse autor

enfatiza que,

[...] a especialização da mão humana está relacionada ao uso de ferramentas e estas, por sua vez, foram criadas em decorrência das necessidades da prática coletiva humana de transformação da natureza. Paralelamente do desenvolvimento da mão, o cérebro também se desenvolveu, possibilitando o desenvolvimento da consciência. [...] ‘a mão, por si mesma, não teria jamais realizado a máquina a vapor se o cérebro do homem não se tivesse desenvolvido qualitativamente, com ela, ao lado dela e, até certo ponto, por meio dela’ (p.155). [...] ‘a mão do homem pôde alcançar tal perfeição a ponto de realizar, como magia, os quadros de um Rafael, as estátuas de Thorwaldsen e a música de Paganini’.

Para Engels, o trabalho contribuiu para surgisse entre os homens a

necessidade de intercâmbio, de comunicação, o aperfeiçoamento dos órgãos

responsáveis pela fala, dando origem à linguagem e permitindo a evolução da

capacidade de raciocínio. Como a linguagem é o sistema simbólico básico de todos

os grupos humanos, exerce um papel fundamental na comunicação entre os

indivíduos e no estabelecimento de significados compartilhados que permitem

interpretação de objetos, eventos, situações do mundo real. A relação entre o uso de

instrumentos e a fala afeta várias funções psicológicas, em particular a percepção,

operações sensório-motor e a atenção, cada uma sendo parte de um sistema

dinâmico de comportamento.

Segundo Vigotski apud Barroco (2007, p. 230-231) “A luta pela vida leva à criação e

ao emprego de ferramentas, que transformam externamente a natureza, e de

instrumentos, que servem para operações mentais, bem como leva à constituição da

linguagem”. O autor russo destaca o conceito de mediação como ponto central,

significando a intervenção de um elemento numa relação, que deixa de ser direta e

passa a ser mediada com o uso de instrumentos técnicos e psicológicos. “Os

instrumentos técnicos têm a função de regular as ações sobre os objetos e os

instrumentos psicológicos regulam as ações sobre o psiquismo das pessoas, por

exemplo: a linguagem, diferentes formas de cálculo e numeração, os mapas, os

desenhos e todos os tipos de signos” (FACCI, 2004, p.154).

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Os signos são instrumentos psicológicos, orientados para o próprio sujeito,

para dentro do indivíduo, são ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos –

utilizados como mediadores que ampliam as possibilidades humanas de transformar

a natureza e a própria conduta, enquanto que os instrumentos de trabalho são

elementos externos ao indivíduo, voltados para fora dele, com a função de provocar

mudanças nos objetos, controlar processos da natureza, como por exemplo, o

machado.

Vigotski, Leontiev e Luria consideram o homem um ser no mundo,

essencialmente social, numa relação mediada por sistemas simbólicos, cujas

funções psicológicas superiores apresentam uma estrutura tal que entre o homem e

o mundo real existem mediadores - ferramentas auxiliares da atividade humana: os

instrumentos e os signos, que segundo Facci,

[...] surgem, através do trabalho coletivo e mantêm uma relação muito estreita, ambos estão unidos na filo e ontogenia, pois quando o homem atua sobre a natureza exterior e a modifica, está também atuando sobre sua própria natureza, modificando-a (FACCI, 1998, p. 69-70).

A invenção e o uso de signos como meio para solucionar um dado

problema psicológico (memorizar, comparar, informar, classificar, etc.) é uma marca

externa, artificialmente criada, que auxilia o homem nas tarefas que exigem

memória, atenção e percepção - ou seja, estão relacionados com as funções

psíquicas. Para interpretar e representar a realidade, o homem utilizou de início -

pedras, varetas, pinturas para registro e controle para lembrar e comparar coisas,

armazenar informações, relatar, escolher e contar – como elementos que

representam ou expressam outros objetos, eventos, situações e se referem a

elementos ausentes no espaço e no tempo presente. Na memória mediada por

signos, como por exemplo - uma lista de compras, mapas, roteiro de viagem,

anotações – o homem pode controlar sua atividade psicológica e ampliar sua

capacidade de memorização, percepção, atenção, entre outras funções, uma vez

que possibilita atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo

próprio indivíduo.

Como afirmamos anteriormente, Vigotski busca compreender as

características do homem, pela da origem e desenvolvimento da espécie, vendo o

trabalho e a formação da sociedade humana, com base no trabalho, como marca

que diferencia o homem como espécie. É nessa perspectiva, segundo Moura (2006),

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[...] que ele realiza um estudo exaustivo sobre o desenvolvimento das funções superiores de comportamento na ontogênese, mostrando como essas funções a princípio naturais, no homem primitivo e na criança, vão através de saltos qualitativos proporcionados pelas condições socioculturais, transformando-se em funções superiores no homem cultural (p.150).

Facci (2004) explica que, no desenvolvimento, os processos psicológicos

elementares – regulados pelo ambiente e pela ausência de uma realização

consciente e de uma mediação de ferramentas psicológicas ou de signos, “como

reflexos, reações automáticas, associações simples, memória imediata” são

determinados “pelas peculiaridades biológicas da psique” (p.205) – enquanto os

processos psicológicos superiores refere-se ao controle consciente e voluntário

destas funções como a “atenção voluntária, memorização ativa, pensamento

abstrato, planejamento” e são de origem social, gerados a partir do desenvolvimento

cultural, onde a existência de ferramentas psicológicas controla a atividade (p. 206).

Ainda segundo Facci (2004), cada função psíquica elementar (percepção,

memória, pensamento e outras) dentro de uma lógica se transforma em funções

psíquicas superiores, culturais, resultando assim, numa memória lógica, na

percepção categorial, no pensamento verbal, mantendo um complexo trabalho em

conjunto entre elas. Esse tipo de atividade psicológica é considerado superior.

Vigotski, de acordo com Facci, considera que as funções psicológicas

superiores estruturam-se,

[...] no período de transição para a adolescência, à medida que se formam novas e complexas combinações de funções elementares mediante a aparição de várias sínteses complexas. [...] todas as funções psicológicas, tais como a memória, a percepção e a atenção, assim como todas as áreas do cérebro, trabalham em conjunto, de forma complexa. Como exemplo do desenvolvimento da memória, nos primeiros anos de vida, considera-se que ela é uma das funções psíquicas centrais, em torno da qual se organizam todas as outras funções. O pensamento da criança de pouca idade é fortemente determinado por sua memória. Seu pensamento é totalmente diferente de uma criança mais velha: ’Para a criança pequena, pensar é recordar, ou seja, apoiar-se em sua experiência precedente, em sua variação’ (2004, p.207).

Diferente de mecanismos mais elementares como dos animais, exige uma

conduta complexa e superior, uma vez que é planejada, consciente, intencional e

reequipada culturalmente para se estar no mundo (BARROCO, 2007). O

comportamento superior, humano, de tomada de decisão, numa situação nova tem

caráter voluntário e intencional.

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Considerando o que foi exposto a respeito da formação das funções

psicológicas superiores, iremos nos ater a três funções psíquicas superiores

especiais: percepção, memória e atenção. Não devemos esquecer a importância da

escolarização, da intervenção e mediação do professor entre o conhecimento

científico e os alunos no desenvolvimento dessas funções - “levando-os a fazer

correlações com os conhecimentos já adquiridos” [...] “promovendo a necessidade

de apropriação permanente de conhecimentos cada vez mais desenvolvidos e ricos”

(FACCI, 2004, p.210).

1. A PERCEPÇÃO

1.1. A Natureza da Percepção

O ser humano, de acordo com Rubinstein (1973), percebe o seu ambiente

resolvendo os problemas práticos que a vida lhe impõe, passando da “percepção

involuntária” de uma prática concreta à “observação orientada”, numa atividade

mental. A observação implica em “análise e síntese e na interpretação do que é

percebido”. As formas especificamente humanas da percepção estão relacionadas

com a “prática social [que] ao criar novas formas do ser objetivo também produziu

novas modalidades da percepção” (pp.133-134). A percepção da realidade na

criança, das relações e aspectos essenciais e das características dos objetos fica

prejudicada em função de ter pouco desenvolvido os processos de análise e síntese.

Processos estes que, pelos conhecimentos adquiridos no estudo, leva à

interpretação, generalização, desenvolve o raciocínio científico com o domínio e o

aumento do conhecimento, leva à percepção generalizada, que por sua vez, faz a

criança perceber o mundo de forma diferente, à medida que vai aprendendo sobre

ele.

Percepção pode ser definida como a ação de conhecer os objetos em

suas qualidades e aplicações, nos significados e interpretações pessoais que se tem

a respeito dos diversos objetos. Rubinstein argumenta que (1973), é no processo da

atividade artística que a percepção da beleza das formas, tanto nas artes plásticas

como na música se desenvolve:

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Percebendo, o ser humano não só vê, como também observa; não só ouve, como também escuta e, por vezes, não olha simplesmente para alguma coisa, mas observa-a pormenorizadamente; não só sabe escutar, como presta atenção (p. 134, grifos do autor).

Esta aptidão não se forma de uma só vez. Na criança, é adquirida por meio de uma

atividade lúdica, no adulto, trata-se de uma atividade laboral. Interpretar um quadro,

por exemplo, irá depender se a análise visa determinar o método de trabalho do

pintor ou se a tarefa é determinar a que tempo pertence o quadro. Se for esta, irá

destacar as maneiras do desenho, as roupas dos personagens ou a forma

arquitetônica dos edifícios. Nesse sentido, para Luria (1991): “Os dados assim

obtidos mostram que o sujeito, ao examinar um quadro complexo, não só destaca

neste os detalhes essenciais, como também muda o sentido do seu exame e a

discriminação de detalhes particulares, dependendo da tarefa que lhe foi proposta”.

(p.67).

Como tomada de consciência dos objetos, a percepção dá a possibilidade

de reagir de forma automática ao estímulo sensível como também operar com os

objetos por meio de ações coordenadas, como por exemplo, a distribuição espacial

das coisas, do domínio motor e do espaço. Em especial a evolução das formas

superiores e especificamente humanas da percepção está ligada a toda evolução

histórica da cultura e da arte (música, pintura, desenho), onde em cada atividade

individual do artista sobressai a relação entre a percepção e a atividade.

Uma analogia deve-se fazer entre a relação da percepção e a

representação no desenho/pintura, de um lado, e o pensamento e a sua expressão

lingüística, de outro. Isto porque, como a linguagem na qual o pensamento se

desenvolve participa na evolução deste, como também a representação artística do

percebido não só exprime a percepção do artista, mas também a desenvolve. “Ela

educa e forma, deste modo a percepção dos seres humanos que, por meio das

obras de arte, aprendem a perceber exatamente o mundo” (Rubinstein, 1973, p.135-

136).

Com a aquisição da linguagem e dos conceitos introduzidos pela cultura, a

percepção passa de uma relação direta para uma relação mediada por conteúdos de

sua cultura, fundamentada na mediação simbólica e na origem sócio-cultural dos

processos superiores. A percepção da realidade tem em todo o ser humano um

caráter histórico, pois está ligada às experiências e recordações advindas desde a

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infância, por meio da manipulação dos objetos, do reflexo de sucção e dos

processos de associação simples como evitar o contato com situações de perigo,

como o fogo - distanciando-se aos poucos das determinações fisiológicas dos

órgãos sensoriais.

Dessa forma, Rubinstein (1973, p.134) afirma que: “A percepção é o

reflexo sensível de um objecto ou de um fenômeno da realidade objectiva que atua

sobre os nossos órgãos sensoriais”. A percepção do homem não só é uma imagem,

mas a tomada de consciência do objeto, que só se produz por uma atividade

bastante desenvolvida do cerebelo e do córtex cerebral que regula a tonicidade

motora e garante o estado de calma necessária à observação.

Segundo Luria (1991, p.38, grifos do autor), o mundo não é feito de pontos

de luz e cores, mas de coisas concretas, com imagens inteiras. A percepção “baseia-

se no trabalho conjunto dos órgãos dos sentidos, na síntese de sensações isoladas

e nos complexos sistemas conjuntos”. Transformamos sensações isoladas numa

percepção integral.

Ainda para esse autor, quando percebemos objetos conhecidos, a

identificação ocorre rapidamente, por meio dos principais indícios discriminados no

conjunto. Na percepção de objetos não conhecidos, o processo é mais complexo:

distinguimos cor, forma, propriedades táteis, peso, sabor, mais o conhecimento

anterior, para a identificação do objeto e a percepção do objeto surge como

resultado de um complexo e ativo trabalho de análise especial e síntese, onde os

principais indícios são discriminados em detrimento dos secundários, numa

combinação de detalhes que fazem parte do todo. Exemplificando, o micrótomo,

surge como um objeto desconhecido à primeira vista, onde o sujeito observa um

indício determinante dentre as partes que o compõe: uma lâmina muito fina,

deduzindo que se trata de um objeto cortante, para mais tarde, aprendê-lo como

sendo um instrumento para cortes muito finos de órgãos para observação no

microscópio.

Neste processo, segundo Luria (1991), incluem-se sempre componentes

motores, como a apalpação do objeto, o movimento dos olhos que distingue os

pontos importantes e outras peculiaridades como o fluxo sonoro:

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[...] o processo de percepção está intimamente ligado à reanimação dos remanescentes da experiência anterior, à comparação da informação que chega ao sujeito com as concepções anteriores, ao cotejo das ações atuais com as concepções do passado, com a discriminação dos indícios essenciais, com a criação de hipóteses do valor suposto da informação que a ele chega e com a sintetização dos indícios perceptíveis em totalidades e com a (tomada de decisão) a respeito da categoria a que pertence o objeto perceptível apreendido. (p.40-41, grifos do autor).

O homem não só percebe o conjunto de características do objeto, como

também o inclui numa categoria. Essa generalização da percepção é aperfeiçoada

com a idade e o desenvolvimento mental, possibilitando uma identificação mais

precisa desta categoria. Armazena informações por meio das experiências, compila

informações bastante precisas sobre as propriedades do objeto, como cor e

tamanho, por exemplo, incorporando esse conhecimento anterior à percepção direta,

possibilitando o reconhecimento real da forma dos objetos – dependendo do perfeito

funcionamento das diferentes vias de acesso, como a percepção visual, auditiva e

tátil – necessárias para que uma aprendizagem efetiva e de qualidade.

Ao perceber e nomear objetos como o relógio, por exemplo, o designamos

pela palavra, menosprezando detalhes como: cor, forma e tamanho - e destacando

sua função principal de indicar o tempo, por meio de horas, separando-o de outros

objetos parecidos, mas pertencentes a categorias diferentes, como o telefone - que

mesmo contendo números, possui outra função.

A percepção não depende apenas do funcionamento dos órgãos dos

sentidos como também de outras condições essenciais. A atividade receptora do

homem, segundo Luria (1991, p.41-43), aproxima-se do pensamento direto, levando

a uma série de peculiaridades da percepção humana, sintetizadas nas seguintes

proposições:

- a percepção tem “caráter ativo e imediato”: percebemos o mundo real, fazemos

inferências, interpretamos os dados, baseados em conhecimentos adquiridos sobre

o mundo, ou seja, a percepção do homem é mediada pelos seus conhecimentos

anteriores, num processo de análise e síntese, e na criação de hipóteses a respeito

do objeto, com a possibilidade de pensar objetos ausentes, planejar e imaginar

ações a serem realizadas.

- a percepção do homem consiste em seu “caráter material e genérico”: percebemos

um conjunto de indícios, analisamos esse conjunto, suas propriedades, atribuímos

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determinadas categorias, generalizamos e com a idade evoluímos e aprimoramos

nossa percepção. Ex.: relógio, mesa, animal.

- o terceiro traço da percepção humana consiste em sua “constância e correção”

(ortoscopicidade): sabemos sobre determinado objeto pelo conhecimento anterior e

pelas informações de suas propriedades. Sabemos por exemplo que o prato é

redondo e mesmo que o vemos sendo deslocado de sua posição inicial, onde a

retina o verá de forma oval, continuaremos a percebê-lo como redondo, uma vez

que nossa percepção fará a correção de nossa impressão imediatamente. A

constância do tamanho, forma e cor evoluem entre os dois e os catorze anos.

- a última peculiaridade da percepção humana consiste em ser “móvel e dirigível”

(diferente da percepção do animal, dirigível e arbitrária): dependendo da tarefa que

se coloca diante do sujeito, como por exemplo, observar um quadro - o trabalho da

percepção será de analisar a época a que pertence o quadro por meio das

vestimentas e edifícios, os acontecimentos nele representados ou o método utilizado

pelo pintor, o tipo de tinta utilizado para compor a tela, estando à percepção

determinada “pela tarefa que se coloca diante do homem ou do seu objetivo [o que

torna] a percepção elástica e dirigível” (LURIA, 1991, p. 42-43).

Conforme Luria (1991, p. 43), as peculiaridades da atividade receptora do

homem permitem compreender melhor as condições das quais ela depende e o que

a distingue da percepção animal. Uma vez que este não possui as “qualidades

dirigíveis e [voluntárias] que caracterizam a atividade perceptiva consciente do

homem”.

Ainda para Luria (1991), falhas na percepção tornam o sujeito incapaz de

perceber o objeto no conjunto, acarretando erros de percepção (visual ou auditiva,

por exemplo) no processo de discriminação dos principais indícios do objeto.

Pacientes com lesão cerebral, dizem, quando vêem um relógio, que estão vendo

duas pequenas tiras de aço, mas são incapazes de reconhecê-lo como relógio.

Perderam seu relacionamento real com os objetos.

Quando vemos um par de óculos, não vemos dois círculos ligados por

duas hastes, que é a nossa percepção internalizada – mas um par de óculos – ou

seja, nossa “relação perceptual com o mundo não se dá em termos de atributos

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físicos isolados, mas em termos de objetos, eventos e situações rotuladas pela

linguagem e categorizadas pela cultura”. A função dos óculos, nossa interação com

esse objeto e o lugar que este ocupa nas atividades do dia a dia, “são características

que interagem com os dados sensoriais que obtemos quando nosso sistema visual

capta esse objeto que aprendemos a reconhecer como óculos” (OLIVEIRA, 1997,

p.73).

Em relação aos órgãos dos sentidos, Rubinstein (1973) destaca que o ouvido humano,

[...] desenvolveu-se de modo considerável graças à evolução da música e da linguagem. [...] a geometria e as suas artes plásticas determinam até certo ponto a visão humana. [...] da pintura de hoje desenvolveu-se também a compreensão actual da mesma e a percepção da perspectiva. O desenvolvimento da técnica transforma também a percepção visual do homem. [...] O desenvolvimento dos sentidos é o produto de toda a história universal (p.155).

Assim, para esse autor, nossa percepção depende do nível e do contexto

cultural e intelectual em que vivemos, nossos conhecimentos são base para nossos

julgamentos e a maneira como percebemos o mundo. A percepção consciente,

generalizada, em toda a sua complexidade, não é simplesmente uma soma de

sensações, mas nela

[...] (se) reflete toda a múltilpla vida da personalidade, as suas atitudes, os seus interesses, a sua orientação geral e as suas experiências, ou seja, as percepções, e isso não só em representações isoladas, mas em todo o ser real da pessoa e da sua vida real. [...] A percepção humana é històricamente condicionada” (p.154-57, grifos do autor).

“Encher a percepção de sentido, ou por outra, dar sentido à percepção, significa tornar-se consciente do objecto que esta reproduz” (Rubinstein, p.151).

Graças aos processos cognitivos é possível organizar os conhecimentos

sobre o mundo, construir categorias, estabelecer as estratégias de aprendizagem e

resolver problemas.

1. 2. Desenvolvimento da percepção e da observação na criança

Conforme Rubinstein (1973), aos dois anos, a criança já pode diferenciar

num quadro, objetos e seres que lhe são conhecidos, de manchas simples e

manifesta o seu interesse pelo conteúdo objetivo do quadro. Esse despertar precoce

da percepção sensível dos objetos na criança forma-se dentro do processo de sua

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atividade concreta e desenvolve-se dentro do processo da atividade orientada e da

ação objetiva prática - do jogo - da atividade criadora, dependendo grande parte das

reações afetivo-motoras e emocionais que ocupam o primeiro plano. Além da força

da impressão emocional na percepção da criança, aumenta também na percepção,

a perspectivação cognoscitiva, sobre os níveis de observação encontrados nos

questionamentos das crianças, tais como: O que é isto? Por quê? Aos quatro anos a

criança indaga quase tudo que está no seu campo visual e que não compreende,

quando fatores emocionais ligam-se a fatores intelectuais levando a níveis de

interpretação.

Na realidade,

[...] pesquisas demonstram que a incorporação da palavra transforma radicalmente o processo de percepção, permite distinguir mais nitidamente as imagens com base não em indícios isolados, mas no seu caráter material complexo (após assimilar a representação verbal do objeto, a criança deixa de cometer erros de percepção, elabora um processo bem mais preciso, rápido e constante de diferenciação) (LURIA, 1991, p.76).

Em síntese, as primeiras palavras são compensadas pela criança com

gestos pela dificuldade de comunicação por meio da linguagem. Inicialmente utiliza

os substantivos e só mais tarde as ações, qualidades e relações. Começa a

perceber o mundo não só por meio dos olhos, mas também da fala – que mais tarde

adquire não só a função de percepção verbalizada para rotular, mas também

sintetizadora para adquirir forma mais complexa da percepção cognitiva. Isso indica

o grande papel desempenhado pela linguagem na percepção da criança (LÚRIA,

1991).

É natural que o processo de percepção sofre influência do nível intelectual

do sujeito, que por meio da linguagem e do conhecimento social, se converte em

propriedade para si. Do contrário, possui dificuldade em contextualizar e uma

percepção empobrecida, indireta, que discrimina no objeto um número inferior de

traços.

Assim, para Rubinstein (1973),

Quanto mais a percepção se converte num acto consciente e orientado, tanto mais se converte em observação. Tal como a sensação está contida na percepção, a percepção está envolvida também no processo da observação ativa (p.202, grifos do autor).

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Novas formas de observação se desenvolvem dentro do processo do domínio de novos conteúdos objetivos, isto é, no processo do ensino e da educação (208, grifos do autor).

1.3. Percepção visual, tátil e auditiva

Luria (1991, p. 41, grifos do autor) considera o processo de percepção

como “atividade receptora do sujeito”, o trabalho de vários órgãos dos sentidos, que

depende do nível de conhecimento e do contexto social e intelectual do indivíduo

para que alcance determinado nível de generalização.

Vemos que o processo de identificação de um objeto que ocorre

imediatamente pela visão, tem por meio do tato uma identificação desdobrada, pois

exige a criação de várias alternativas de busca, como a apalpação para identificar as

formas do objeto a fim de se obter a hipótese definitiva, ou seja, depende de uma

cadeia de testes para a discriminação dos indícios particulares. Um exemplo desse

efeito pode ser verificado quando tentamos descobrir e identificar determinado

objeto dentro de um saco sem o auxílio da visão.

Conforme Luria (1991, p. 40- 41, grifos do autor):

O processo de percepção está intimamente ligado à reanimação dos remanescentes da experiência anterior, à comparação da informação que chega ao sujeito com as concepções anteriores, ao cotejo das ações atuais com as concepções do passado, com a discriminação dos indícios essenciais, com a criação de hipóteses do valor suposto da informação que a ele chega e com a sintetização dos indícios perceptíveis em totalidades e com a (tomada de decisão) a respeito da categoria a que pertence o objeto perceptível. [...] a atividade perceptiva quase nunca se limita a uma modalidade mas compreende o resultado do trabalho conjunto dos vários órgãos dos sentidos (analisadores) em cujo processo formaram-se as concepções do sujeito. [...] o processo de percepção do objeto, nunca se realiza em nível elementar e sua composição tem sempre como integrante o nível superior da atividade psíquica, particularmente a fala (discurso).

O tato permite perceber pressão, temperatura, textura, formas, tamanhos,

posições, volumes, quantidades. É o desenvolvimento das mãos e dedos que se

estrutura por meio da manipulação, captação de semelhanças e diferenças,

comparação, discriminação e organização de estímulos táteis, num processo que

engloba análise e síntese. A mão em repouso pode captar temperatura, tamanho e

noção de superfície, mas somente em movimento de apalpamento conseguimos

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distinguir e reunir pontos informativos para a formulação de uma hipótese para

identificação do objeto (LURIA, 1991).

Enquanto que a visão humana está organizada para perceber luz, revelar

pontos, linhas, cores, movimentos e profundidade, possibilitando por meio da

percepção visual a discriminação dos detalhes como a cor, o tamanho, a forma,

informações imprescindíveis e necessárias para análise do objeto - o tato é uma

forma de sensibilidade, que compreende tanto componentes elementares, quanto

complexos. Entre os elementares situam-se a sensação de frio e calor e a sensação

de dor, situando-se entre os complexos, as sensações táteis (contatos e pressões) e

os tipos de sensibilidade profunda e sinestésica que fazem parte da composição das

sensações proprioceptivas: sensação de calor e frio – pequenos ‘bulbos’ espalhados

na pele de maneira desigual; dor – filamentos nervosos finos; contato e pressão -

formações nervosas; sensibilidade profunda – (propioceptivas) aparelhos situados

na superfície das articulações, nos ligamentos e músculos (LURIA, 1991, p.45).

Como o sistema de percepção tátil ou visual do objeto, a complexa percepção auditiva constitui um processo ativo, que engloba componentes motores. A diferença entre a percepção auditiva e a tátil e visual consiste apenas em que se na percepção tátil e visual os componentes motores estão incluídos no mesmo sistema de analisadores (os movimentos de apalpação da mão, os movimentos de busca dos olhos), na percepção auditiva eles estão separados do sistema auditivo e reunidos distintivamente num sistema especial de canto vocal para audição musical e de pronunciação para audição do discurso (Luria, 1991, p. 92, grifos do autor).

A audição por sua vez, permite a percepção de sons em diferentes

timbres, alturas e intensidades, possibilitando discriminar e localizar fontes sonoras e

compreender os diferentes estímulos auditivos, como sons e ruídos. Falha na

sensibilidade visual e auditiva pode causar erros de percepção e a distorção da

síntese dos indícios perceptíveis pode levar a incapacidade de perceber o objeto no

conjunto e “é forçado a fazer [...] conjecturas tentando descobrir o que pode

significar a combinação dos indícios [...] percebidos”, podendo segundo Luria (1991,

p.44) “ser compensados com êxito com o emprego de aparelhos de reforço da

sensibilidade ou pela concentração da atenção do sujeito”.

No que se refere à percepção, Rubinstein (1973) esclarece que - a

observação e a investigação experimental demonstram, por exemplo, a importância

da estrutura de um todo ou conjunto para a percepção das suas partes integrantes,

ou seja, o percebido depende do ambiente em que se encontram, tais como: “a cor

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influi no tamanho aparente de um objecto” (brancos e claros parecem maiores); “A

intensidade relativa da iluminação afecta a distância aparente de um objeto”; “À

distância ou ângulo visual a que observamos uma obra de arte ou um objeto influi na

sua cor aparente”; “uma cor varia [...] com a distância”; “A inclusão de um objeto num

conjunto de outra cor” (p.138), influi à primeira vista, na cor percebida, concluindo-se

que a “imagem retiniana não determina a imagem percebida”; “Um mesmo som soa

de maneira diferente em melodias diferentes”; “Uma mesma mancha de cor

percebe-se de maneira diferente sobre diferentes fundos” (p.142); “O <conjunto> na

dependência da <parte> é ainda mais significativo que a <parte> na dependência do

<conjunto>” (p.143, grifos do autor).

Nesse sentido, argumenta Rubinstein: se a cor de uma figura influi no

tamanho que ela parece ter ou que a intensidade da iluminação influencia na

distância a que ela parece estar, esta noção pode ser atribuída à ação recíproca das

“partes” (iluminação, por exemplo) dentro da percepção do “conjunto”. Ou ainda,

pode-se passar despercebida a falta de uma letra numa palavra, pois ao ler, nos

deixamos guiar pela estrutura geral da palavra - mas percebe-se a posição de uma

letra que se encontra abaixo ou acima da linha. “Para a percepção é importante a

unidade do conjunto e das partes integrantes, da análise e da síntese.” (1973, p.144,

grifos do autor).

1.4. Constância de tamanho, forma e cor (ortoscopia)

Se a nossa percepção não fosse constante, a cada um dos nossos

movimentos, dependendo da posição e distância que olhamos, alteraria o tamanho,

a forma e a cor dos objetos. À menor mudança de iluminação, e posição de nosso

corpo, mudariam as propriedades ou qualidades que nos levam a reconhecer os

objetos como tais. Ou seja, se o objeto que percebemos a uma determinada

distância, se afasta de nós, a sua imagem na retina do olho diminui

proporcionalmente à distância, como em comprimento e largura. Mas, na percepção,

temos capacidade de corrigir esta distorção, conservando a imagem, o tamanho

constante e a forma real do objeto dentro de limites, para evitar o caos

(RUBINSTEIN, 1973). Uma mosca na janela e um avião ao longe, por exemplo,

relata Oliveira (1997), produzem uma imagem do mesmo tamanho, mas sou capaz

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de avaliar o tamanho real desses dois estímulos, pois na minha experiência anterior

conheço o que é uma mosca e o que é um avião.

Luria (1991, p. 71) argumenta que:

Neste caso a noção constante do tamanho do objeto, formada na experiência anterior, corrige o reflexo paulatinamente decrescente desse objeto na retina e cria a possibilidade de conservar uma avaliação mais constante do tamanho, avaliação essa que se aproxima do tamanho autêntico do objeto.

Nos casos patológicos, a falta de percepção em pessoas com cegueira ou

surdez mental e na assimbolia auditiva e visual (agnosia) – o doente só percebe a

qualidade sensível das coisas e a sua forma ou estrutura, mas perdem o seu

significado. Não compreende o que vê ou ouve, não conhece os nomes dos objetos

percebidos, nem aplica ou utiliza os mesmos. O doente reconhece na rua pessoas e

carruagens e faz a distinção entre elas como sendo as pessoas compridas e

estreitas e as carruagens como largas e maiores. Faltam-lhes na percepção a

interpenetração e a unidade do sensitivo e do lógico (RUBINSTEIN, 1973)

1.5. Percepção do espaço

Pode-se constatar que, uma pessoa reconhece todos os pontos de uma

região que lhe é familiar, mas nem por isso é capaz de traçar um mapa desses

lugares. Muitas vezes nos orientamos por determinados objetos que se encontram

no caminho. Mas também podemos realizar um itinerário por meio de relações

espaciais – que implicam longitude, que se relacionam entre si, ou seja, a minha

percepção de espaço que regula a minha orientação prática na ação. Para um

afásico é impossível desenhar um esquema que represente um caminho ou o plano

de seu bairro. Para se orientar no espaço deve transpor o ponto de vista inicial para

um lugar qualquer do espaço real. Essa transposição de um ponto espacial para

outro e a compreensão do sistema de coordenadas é que permite a noção de

espaço. Assim, “A percepção do espaço, para Rubinstein (1973, p.157, grifos do

autor), inclui a percepção da distância a que os objetos se encontram de nós ou dos

outros” [como também] “a percepção da direcção em que se encontram do tamanho

e da forma dos objectos”. A percepção do espaço tridimensional, de profundidade

(LURIA, 1991), está localizada no ouvido interno (aparelho vestibular), vinculado ao

aparelho dos músculos motores dos olhos. Os objetos nunca estão dispostos

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simetricamente. Em maior ou menor número, estão colocados ao nosso redor de

maneira assimétrica: uns acima de nós, outros abaixo, em cima à direita, à

esquerda. E isso tem grande importância em nossa orientação pelo espaço. Caso

contrário ela seria muito difícil, ocorrendo nos casos, por exemplo, de corredores e

saídas de ambientes absolutamente idênticos.

1.6. Percepção do espaço na criança

De acordo com Rubinstein (1973), “A criança reconhece o espaço na

medida em que aprende a dominá-lo (p.187)”, “vai descobrindo, à medida que

aprende a mover-se por si só”. Experimenta o “acima” e “abaixo”, “esquerda, direita”,

“adiante e atrás (189)”. Essa coordenada fixada no próprio corpo para outros pontos

de referência é “premissa para uma autêntica compreensão de um esquema

espacial, de um plano, de um mapa geográfico (p.189, grifos do autor)”. Sensações

táteis e sinestésicas têm papel importante nas propriedades e qualidades espaciais

das coisas. Mas o homem orienta-se no espaço principalmente a partir de dados

visuais. E a percepção dos objetos no espaço, seu tamanho, contorno e relevo, o

repouso e o movimento dos objetos, se realiza em função do sentido visual, ou seja,

é efetuado quase sempre com o olho em movimento. O olho, tal como a mão, pode

tatear o objeto. Funciona como um dispositivo métrico, que vai medindo os objetos,

cubicando, como instrumentos de medida as sensações que se formam a partir do

movimento – seu tamanho, contorno, forma, percepções de profundidade

(RUBINSTEIN, 1973, p. 160-162-189). Isto pode ser compreendido diante da

manobra realizada para estacionar o carro.

1.7 - Percepção do tamanho

O tamanho que se percebe dos objetos depende do seu ângulo e da

distância de onde se olham. Quanto mais próximos estivermos dos objetos, maiores

serão as percepções de profundidade. Se, conhecemos o tamanho de um objeto,

determinamos a sua distância a partir de um ângulo. Se conhecermos a distância,

determinamos o seu tamanho pelas medidas dos seus ângulos. Ao distanciar, as

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percepções de profundidade enfraquecem e se tornam mais planas. Se

observarmos uma pintura, verifica-se o fenômeno inverso do que foi dito. Segundo

Luria, “a noção constante do tamanho do objeto, formada na experiência anterior,

corrige o reflexo [...] desse objeto na retina e cria a possibilidade de conservar uma

avaliação mais constante do tamanho, [...] que se aproxima do tamanho autêntico do

objeto (1991, p.71).

O fator da influência na experiência prática sobre a percepção serviu de

base às conhecidas pesquisas do psicólogo austríaco I. Köhler com a reestrutura da

organização espacial da percepção. Este psicólogo utilizou no sujeito óculos com

lentes prismáticas que reviravam a imagem perceptível de ‘pernas para o ar’ ou da

direita para a esquerda. A princípio o caos na orientação, mas com o uso demorado

e permanente dos óculos, os sujeitos se adaptaram, e a imagem deixou de

influenciar os movimentos e os sujeitos não percebiam as irregularidades. A

influência da experiência anterior pode levar não apenas a ilusões, mas também

assegurar elevada constância e dar legitimidade (caráter ortoscópico) à percepção.

“Não são menos importante as diferenças individuais de percepção, como o

predomínio da percepção analítica com a discriminação de muitos detalhes em uns

e da percepção sintética integral, em outros” (LURIA, 1991, p. 70-71, grifos do

autor).

.

1.8 - Percepção da forma:

A forma dos objetos é um dos fatores principais para distinção dos objetos.

Quando muda o tamanho, o colorido e também algumas outras propriedades das

diferentes partes de um corpo, se mantém invariáveis as proporções geométricas

das referidas partes – e, no entanto reconhecemos a mesma figura geométrica. O

desenvolvimento da constância na criança é um processo bastante prolongado,

alcançando o seu máximo entre os dez e quatorze anos.

As crianças por volta de dois anos, de acordo com Rubinstein (1973) já

reconhecem as formas dos objetos a partir de seus contornos e na pré-escola já

reconhecem perfis complexos e desenho de silhuetas com relativa independência.

Numa ilustração, percebem figuras de cabeça para baixo, e muitas vezes realizam

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desenhos dessa maneira. “Ao aprender a escrever, esta independência da forma em

relação à posição manifesta-se nas crianças na escrita em espelho, em que se

reproduz correctamente a forma da letra sem ter em conta, no entanto, a suja

correcta disposição” (193). A forma geométrica abstrata é mais difícil para a criança

do que a cor, mas nem por isso deixamos de apresentá-la à criança, aproveitando a

influência da cor, orientando a atenção da criança para as diferentes formas -

imprescindível para “o estudo da leitura e, depois, para a compreensão dos

fundamentos da geometria” (p.191). A percepção da forma está relacionada também

com um dos meios pelos quais a criança chega à compreensão dos números,

estimativas, reproduz quantidade e finalmente por meio da percepção do grupo de

objetos, adquiri a capacidade de abstração, realizando a representação de números

e adquirindo o domínio das operações aritméticas. Nas formas geométricas

abstratas, “as crianças as objectivizam”, dando “interpretação ingenuamente

objectiva: um triângulo é para eles, uma <bolsinha>; um círculo, uma< rodinha>” [...]

”passa a percebê-las como uma forma que se parece com aquele objecto”, iniciando

assim, o “processo de abstração da forma” (p.190, grifos do autor), que por meio do

estudo, aprende a conhecer como qualidades geométricas mais elementares dos

corpos e distingui-las como figuras geométricas - triângulo, quadrado, cubo

(Rubinstein, pp.190-191-192, grifos do autor).

1.9 - Percepção do tempo

Avaliações mais simples e imediatas do tempo baseiam-se em fenômenos

rítmicos elementares, conhecidos como horas biológicas e depende do caráter

rítmico elementar da vida orgânica, como a pulsação, ritmo da respiração, ritmo de

mudança do sono e da vigília. Usando palavras de Romeu em Shakespeare, “<O

penar dilata o tempo>”, Rubinstein (1973) esclarece que, depende de cada um a

“subestimação da duração do tempo ou a sobreestimação da duração do tempo,

pois é subjetiva a sensação do tempo, dependendo do estado emocional do sujeito:

“O tempo em que se espera um acontecimento desejado torna-se penosamente

longo, enquanto que o da espera de um acontecimento desagradável parece

penosamente curto” (p.177).

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Para crianças, segundo este autor, superar as dificuldades em relação à

percepção do tempo e compreender as palavras como agora, hoje, ontem e

amanhã, onde em cada caso ocorre uma conotação diferente do tempo real

(relatividade dos conceitos temporais), são indispensáveis os componentes

mediadores – a criança não pode superar esta dificuldade de uma só vez, como

conhecer conceitos de hoje, amanhã e posteriormente distinguir os fenômenos das

estações do ano. A criança não consegue superar estas dificuldades de uma só vez,

aprendendo aos poucos dominar a relatividade dos conceitos temporais. O problema

do tempo para as crianças surge na disciplina de história – onde as crianças

necessitam da representação do tempo histórico (linha do tempo) e da compreensão

da perspectiva histórica. “O presente, ou seja, o ponto de referência a partir do qual

se determina tanto o passado como o futuro no tempo psicológico, não é nenhum

ponto abstracto, mas sempre, de certo modo, um intervalo temporal” (p.181). Assim,

o ponto de partida fixa-se numa ”coordenada”, num “acontecimento histórico”, com

base num “sistema cronológico determinado historicamente” - “A vida só se

determina objectivamente por meio de tempo histórico” (p.181).

Ainda para Rubinstein (1973, p.187):

O desenvolvimento intelectual do ser humano não se deve à sua sensibilidade individual, demasiado limitada para este fim apesar da existência de todos os tipos de sensações, mas ao conhecimento social que, por meio da linguagem e do contacto dos seres humanos entre si, se converte em propriedade pessoal de todo o indivíduo. A sensibilidade conserva, porém, a sua importância como fonte cognoscitiva A sensibilidade condiciona a apropriação do conhecimento social por parte do indivíduo (entre outras coisas, na percepção da linguagem) e está, por sua vez, condicionada por ela.

O desenvolvimento das sensações e percepções da criança o desenvolvimento da percepção do espaço e do tempo desempenha um papel essencial.

1.10. Percepção do movimento

A percepção do movimento não pode explicar-se apenas pela deslocação

dos olhos, o efeito “estroboscópio” - estímulos separados um do outro em intervalos

de tempo, dando a nítida impressão da existência de um movimento real, por

exemplo, nas películas de cinema - aparecem como dois pontos que se movem em

duas imagens sucessivas. Efeitos análogos na pintura e na escultura são utilizados

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para indicar movimento (um pé levantado, uma mão estendida, as copas das

árvores movendo-se ao vento). A impressão de um movimento pode produzir-se em

nós também quando sabemos que não existe movimento, ou quando alguns objetos

parecem estar em movimento enquanto outros permanecem imóveis, como no

seguinte exemplo: Por que parece mover-se a lua e não as nuvens? Segundo

Duncker, “percebe-se em movimento o objeto que esteja sobreposto ao outro. Move-

se a figura e não o fundo”. Oppenheimer “demonstra que de dois objetos, regra

geral, [é o menor] que aparece em movimento”. (Rubinstein, 1973, p.174).

2. MEMÓRIA

2.1. A Origem da Memória

Os estudos sobre memória realizados por Vigotski datam entre 1924 e

1934, estando os estudos sobre a fisiologia e o funcionamento cerebral em seu

início. Apesar dos avanços das neurociências nesse período, os cientistas não

dispunham de tecnologia disponível para o estudo do sistema nervoso como as

informações recentemente desenvolvidas a respeito do funcionamento bioquímico

do cérebro e de várias técnicas de neuro-imagem - sendo, a cuidadosa observação

e a descrição dos fenômenos, a compreensão do ser humano e o rigor científico

seus principais instrumentos. A despeito da ausência da tecnologia, Vigotski deixa

bastante explícita sua compreensão a respeito da plasticidade do sistema nervoso e

sua importância. Naquele momento, a memória era estudada dentre as diversas

escolas psicológicas, somente como fenômeno puramente orgânico e biológico

enquanto outras dicotomizavam o indivíduo em corpo e mente (ALMEIDA, 2004).

A partir da publicação em 1927 de um texto sobre a crise da Psicologia, a

produção é enriquecida por uma maior apropriação por parte de Vigotski, Luria e

Leontiev, dos pressupostos teórico-metodológicos do materialismo histórico e

dialético, na tentativa de superá-la, desenvolvendo vários estudos - sendo os

estudos e investigações sobre memória publicada no livro de Leontiev: O

desenvolvimento da memória – cabendo a Vigotski um estudo sistemático da formas

superiores de memória na criança.

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É importante ressaltar, segundo Rubinstein, que:

No âmbito pedagógico existe, pois, a missão sumamente importante de organizar a actividade do estudo de tal forma que a matéria essencial se inculque nos estudantes, mesmo quando, penetrando na sua natureza ou essência, não o inculquem conscientemente. Isto é bastante mais complexo mais também bastante mais proveitoso que exigir dos estudantes uma contínua retenção na memória, convertendo-o em finalidade principal da sua actuação. [...] Para a apropriação e fixação dos conhecimentos é essencial que se torne consciente o significado do objeto correspondente ou dos objectos da disciplina. [...] É condição essencial para a retenção na memória a compreensão (1973, p. 42-43, grifos do autor).

Ainda, segundo Rubinstein (1973), a percepção da realidade só é possível

com o auxílio da memória que retém uma ordem de sucessão, grava um

determinado estado de coisa ou acontecimento. Não é um conhecimento impessoal,

generalizado, de objetos fora do espaço e do tempo – mas, para nos orientarmos é

preciso uma sucessão de diferentes percepções, com o auxílio da qual se conhece a

realidade integrada no processo evolutivo da personalidade. O mesmo autor enfatiza

que o ser humano resolve problemas do dia a dia, mas sua atividade não lhe permite

reter espontaneamente na memória todos os acontecimentos. A necessidade

imposta pela vida social organizada requer o domínio dos processos mnésicos e

desenvolvimento de formas de retenção cada vez mais especializada. A retenção

converte-se num ato consciente e intencionado – que com o volume das

informações e conhecimentos que o ser humano precisa dispor para realizar seu

trabalho - necessita para recordar, de uma consciente e intencionada retenção, de

um estudo organizado e sistemático a fim de reproduzir o passado, sobretudo aquilo

que o indivíduo experimentou.

Ainda para Rubinstein:

Sem a memória seríamos seres acorrentados ao presente. O nosso passado estaria morto para o futuro. O presente, tal como decorre agora, desapareceria irrecuperavelmente no passado. Não haveria nem conhecimentos nem hábitos baseados no passado. Não haveria vida psíquica que, na unidade da consciência pessoal, pudesse tirar conclusões, mantendo-se fechada sobre si mesma. Não existiria o estudo contínuo, que decorre ao longo de toda a nossa vida, fazendo de nós aquilo que somos (1973, p.12-13).

Como já explicitado acima, na retenção, ressaltam outros aspectos do

psiquismo humano, como a atenção, o interesse, as emoções, implicando também

na apropriação, no domínio e no aperfeiçoamento do material, assim como a

seleção, a generalização e a síntese, a sistematização e pormenorização desse

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dinâmico processo. “Não há homem nenhum cuja memória seja tão má e cujas

vinculações associativas e outras funcionem tão incorrectamente que esqueça tudo,

como também não há ser humano em que funcionem tão bem que possa tudo

recordar (p.33).” A memória tem caráter selecionador. Retém o que faz sentido,

significado, e o que é essencial para nós, e de interesse. Recordamos algumas

coisas e outras não, embora algumas recordações fiquem involuntariamente retidas

na memória, mesmo que não queiramos - em algumas condições inclina-se para a

retenção de uma recordação agradável e em outras para o desagradável,

dependendo do caráter emocional, da atitude pessoal e intelectual que orienta a

personalidade. Ou seja, esquece-se daquilo que deixa de ser essencial e importante

ou contrário ao que desejamos.

Para ilustrar, Rubinstein relata que, num dado exame psicológico, uma

estudante respondeu exatamente o que continha o texto do livro. Quando

questionada a respeito do número da página do livro que continha a referida

resposta, ela não só indicou o número da página, como também mencionou que a

resposta se encontrava no canto superior direito da página – na resposta ela

provavelmente visualizou o livro aberto á sua frente. Ao reter os acontecimentos, a

memória distingue-se ainda, por suas peculiaridades, ou seja, por sua rapidez,

persistência, quantidade ou volume daquilo que deve gravar, como também da

exatidão do que é memorizado – o que depende da memória individual e particular

do ser humano – alguns conseguem reter melhor os dados visuais, outros os

auditivos, e outros ainda, os dados motores. Ler para si o texto que deve gravar na

memória são estratégias de alguns, que na recordação reproduz-se de preferência a

imagem visual. Outros ainda são imprescindíveis as percepções auditivas e as

representações, enquanto para outros, as motoras – que fixam melhor o texto

quando buscam ajuda nos apontamentos. Observam-se geralmente tipos mistos,

sendo que na maioria das pessoas encontra-se o tipo visual na retenção de objetos

e o tipo verbal motor na retenção de material verbal.

Vemos em Luria (1991, p.84), que, “a memória de diferentes pessoas

pode distinguir-se pelo nível de organização” [...] “diferenças individuais da memória

manifestam-se tanto as características genotípicas como a atividade profissional

humana, que leva a um elevado desenvolvimento da memória visual, auditiva e, às

vezes, gustativa”.

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Para melhor compreender as leis da memória, Luria (1991, p.39)

conceitua como sendo:

[...] o registro, a conservação e a reprodução dos vestígios da experiência anterior, registro esse que dá ao homem a possibilidade de acumular informação e operar com os vestígios da experiência anterior após o desaparecimento dos fenômenos que provocaram tais vestígios”.

Os fenômenos da memória podem pertencer igualmente ao campo dos processos motores e da experiência intelectual. Todo o reforço dos conhecimentos e habilidades e a capacidade de aproveitá-los pertencem à área da memória (p.39).

Luria (1991, p. 67) elege a “memória verbal como sendo a modalidade

mais complexa e mais elevada de memória especificamente humana”, [mesmo que],

“ao receber uma informação verbal o homem grava menos as palavras e conserva a

impressão que lhe chega textualmente”. Na memória verbal há uma recodificação

das informações verbais, associando-as aos fatos, idéias e conceitos. A linguagem

se torna um instrumento mnemônico para fixação da memória, porque nela estão

associados conceitos que envolvem a abstração e a generalização. Neste sentido,

para o autor:

A memória verbal é sempre uma transformação da informação verbal, uma discriminação do que nesta há de mais substancial, abstraído do secundário, sendo ainda uma retenção não das palavras imediatamente percebidas, mas das idéias transmitidas pela comunicação verbal. Isto significa que a memória verbal sempre se baseia num complexo processo de recodificação do material comunicado, processo esse vinculado ao processo de abstração dos detalhes secundários e de generalização dos momentos centrais da informação. É isto que o homem é capaz de ‘gravar na memória’ o conteúdo de um vasto material obtido de informações verbais e livros lidos, sendo, ao mesmo tempo, absolutamente incapaz de conservar na memória o conteúdo literal dessas informações e leituras (1991, p.67, grifos do autor).

Grande parte de nossos conhecimentos são registrados numa

atividade mnésica especial que, segundo Luria (1991), destina-se “à memorização e

reprodução do material retido na memória”. Esta atividade compreende “lembrar

seletivamente de um material que lhe foi proposto, conservá-lo e em seguida

reproduzi-lo ou memorizá-lo (p.68)”.

Uma pessoa que percorre apressada o caminho para o trabalho, se

depara com inúmeros acontecimentos e detalhes durante o percurso. Mas o que fica

na memória depois de transcorrido o caminho - são os detalhes que encontrou pela

rua, ou o fato de se deparar com uma rua interditada no momento que se

empenhava em não chegar ao trabalho atrasada? O exemplo citado nos convence

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segundo Luria, que “o homem memoriza antes de tudo aquilo que está relacionado

com o fim de sua atividade, aquilo que contribui para atingir o objetivo ou serve de

obstáculo” (p.78, grifos do autor).

Segundo Almeida (2004), Vigotski aponta que a memória, assim como as

demais funções psicológicas deve ser entendida como uma totalidade e em sua

base material: ‘[...] não podemos obter explicações realmente completas da memória

sem compreender as funções do cérebro, sem relacionar esta atividade com o

substrato material’. Chamou a atenção também para ”o desenvolvimento da

memória lógica, ou seja, para o desenvolvimento de uma interconexão mais

acentuada entre o pensamento e a memória, assim como [...] discutiu as relações da

memória com a percepção, atenção, linguagem e imaginação” (p.63, 103, grifos do

autor).

Vigotski apud Almeida (2004, p.63-64, grifos do autor) propunha que as

investigações sobre a memória deviam partir de seu desenvolvimento e movimento,

ou seja, de sua evolução histórica, evidenciado em dois aspectos - natural ou

elementar e cultural ou superior: Vigotski considera que: ‘Estudar algo

historicamente significa estudá-lo em movimento. Esta é a exigência fundamental do

método dialético’. Neste sentido realizaram diversas pesquisas e entendiam a

experimentação como único meio de compreender os processos psicológicos

superiores.

Explicar o desenvolvimento da memória significa compreender os

processos de desenvolvimento da memória elementar e superior. Esta, mediada por

ferramentas internas e externas. Na memória natural ou elementar, por ter uma

relação direta e imediata com os estímulos externos, ser involuntária e ter base

biológica, as informações armazenadas estão muito próximas às detectadas pelos

órgãos dos sentidos e as relações visuais. Essa memória, para Vigotski e Luria apud

Almeida (2004) é verificada em crianças pequenas e nos iletrados, como também o

homem primitivo possuía esse tipo de memória: ‘O homem primitivo só pode contar

com sua memória direta – ele não possui linguagem escrita. Por isso,

freqüentemente encontramos uma forma semelhante de memória primitiva em

pessoas analfabetas’ (p.70, grifos do autor). Vigotski considera ainda, a linguagem

escrita um desses instrumentos – uma memória externa mediada por signos - que

fez com que o homem dos nós nas cordas utilizados pelas tribos primitivas,

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chegasse aos computadores de nossos dias. A escrita proporcionou o acúmulo da

memória humana, por meio dos livros, monumentos e manuscritos (ALMEIDA,

2004).

Para compreensão do que foi exposto acima, faz-se necessário algumas

considerações, segundo Almeida (2004), Vigotski afirmava que, “o desenvolvimento

da linguagem e sua função no desenvolvimento da consciência“ exigem

necessariamente que “a linguagem seja constituída por conceitos científicos e não –

espontâneos” (como estrutura-se nos povos iletrados e analfabetos), para que as

funções psicológicas superiores (abstração, atenção voluntária, memória lógica

dentre outras) se modifiquem e se desenvolvam plenamente. A linguagem, como

instrumento psicológico, tendo como base para o indivíduo, os conhecimentos

historicamente acumulados pela humanidade, auxilia o sujeito no controle de sua

conduta e do ambiente que o cerca, ou seja, no planejamento e na intencionalidade

de suas ações - tornando-as menos cotidianas e imediatas. “[...] assim sendo,

compreendia os povos primitivos não como incapazes ou como inferiores, mas tão

somente como indivíduos que não desenvolveram (plenamente) suas funções

psicológicas superiores”(p.85-86).

Vigotski compreendia, portanto que,

[...] nos dois casos (do homem primitivo e do iletrado), que esses careciam de um maior desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores e, assim sendo, para o autor russo, as ações desses homens estavam encerradas na cotidianidade e, desta forma, eram caracterizadamente espontâneas e imediatas, pertencentes ao reino das necessidades, estando fortemente relacionadas às necessidades naturais (ALMEIDA, 2004, p.87).

Assim, como não podiam contar com a linguagem escrita, sua relação

com a realidade se dava pela experiência cotidiana, direta, imediata, guardada pela

grande quantidade de impressões por meio dos sentidos. Recordações estas,

emocionalmente ricas, veiculadas pela linguagem oral para passar sua cultura para

as gerações posteriores – como mitos, fantasias. Tal compreensão do psiquismo

humano sobre o estudo da memória revela que, mesmo nos estágios mais primitivos

do desenvolvimento social, o homem possuía uma memória que tinha como base

dos traços mnemônicos, a retenção das experiências reais.

Ainda para os autores russos, o uso dos instrumentos possibilita ao

homem o domínio voluntário da memória, o que não acontecia com o homem

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primitivo: “O desenvolvimento histórico da memória começa a partir do momento em

que o homem, pela primeira vez, deixa de utilizar a memória como força natural e

passa a dominá-la”, por meio de contas, pedras para realizar cálculos e contar nos

dedos os animais de seu rebanho. (ALMEIDA, 2004 p.76).

Coexistindo com a memória natural, há a memória mediada, que por meio

da utilização de materiais, os seres humanos evoluíram para novas funções

psicológicas. A memória mediada que ocorre por meio das operações com signos

conduz a uma nova estrutura do comportamento humano.

Para compreendermos a realidade e nos orientarmos, uma sucessão de

diferentes percepções acontece: a memória retém a ordem de sucessão dos fatos,

sendo utilizada para gravar o estado das coisas ou uma operação especial. Vigotski

e seus colaboradores trazem elementos suficientes por meio dos pressupostos do

materialismo histórico e dialético para fundamentar,

[...] a relação dialética entre indivíduo/ sociedade/ história como totalidade, sendo cada uma dessas instâncias produto e produtora da outra, tendo nesse processo a memória fundamental importância, pois ela permite ao homem o armazenamento do passado, que sustenta o futuro, não só do indivíduo, mas também da sociedade, por meio da ciência e da história (ALMEIDA, 2004, p. 97).

Complementando o exposto acima, Kosik, citado por Almeida (2004, p.97,

grifos do autor), reitera:

Se a premissa fundamental da história é que ela é criada pelo homem, a segunda premissa igualmente fundamental é a necessidade de que nesta criação exista uma continuidade. A história só é possível quando o homem não começa sempre de novo e do princípio, mas se liga ao trabalho e aos resultados obtidos pelas gerações precedentes. Se a humanidade começasse sempre do princípio e se toda a ação fosse destituída de pressupostos, a humanidade não avançaria um passo e sua existência se escoaria no círculo da periódica repetição de um início absoluto e de um fim absoluto.

Almeida (2004, p.77), ainda descreve um exemplo dessa apropriação do

homem na percepção e mensuração do tempo: “O homem apropriou-se da

regularidade espacial da natureza, criou um conceito abstrato – tempo – e o utilizou

como instrumento de organização social, regulando, em muito, as relações de

poder”.

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SegundoTaylor, lembrado por Almeida:

A invenção da escrita foi o grande movimento pelo qual humanidade ascendeu do barbarismo para a civilização. Quão vasto esse efeito foi pode ser mais bem mensurado olhando as baixas condições que as tribos ainda vivem sem ela, dependendo da memória para suas tradições e regras de vida, e incapazes de acumular conhecimento como nós fazemos por meio do registro de eventos, e guardando novas observações para o uso de gerações futuras (2004, p.78).

Para Almeida (2004), Vigotski já indicava que o desenvolvimento das

funções é realizado inicialmente nas atividades coletivas (interpsicológico) e quando

internalizado (memorizados, armazenados), passa a ser intrapsicológico (atividades

individuais), sendo a memória, a percepção, a atenção e o pensamento, nesta

interconexão, controlados voluntariamente pelo indivíduo, ou seja, o indivíduo tem

intenção de controlar sua própria conduta e comportamento, pois sabe que

conteúdos memorizar – como fazê-lo e buscá-los. Em síntese, acrescenta Almeida

(2004), essa proposição é considerada hoje de metamemória, significando conhecer

e utilizar de estratégias que auxiliam o uso de nossa memória, ou seja:

[...] tem o conhecimento das necessidades naturais e históricas – conhece o motivo da ação. Somente dessa forma é possível ser livre; as escolhas são realizadas fundamentando-se no conhecimento das necessidades e motivos, bem como da realidade em que o indivíduo está inserido [...] Assim, boa parte dos conteúdos recordados por um adulto, que tenha desenvolvido suas funções psicológicas superiores, são mediados por signos internos ou externos, como a escrita, que pode aumentar a possibilidade de controle da conduta e do livre arbítrio (p.92).

A internalização das ações não ocorreu somente na evolução do homem,

mas ocorre também no desenvolvimento infantil, nas relações que a criança

estabelece com o mundo – a diferença está que [...] “o homem primitivo desenvolveu

seus sistemas de memorização e a criança apropria-se dos sistemas já

desenvolvidos pela humanidade”, sendo que a educação para Vigotski, ‘[...] não

pode ser qualificada como o desenvolvimento artificial da criança. [...] [ela] é o

domínio artificial dos processos naturais de desenvolvimento. [...] não somente

influencia em uns ou outros processos do desenvolvimento, senão que reestrutura

as funções do comportamento em toda sua amplitude’ (ALMEIDA, 2004, p. 81).

Almeida (2004, grifos do autor) comenta que, ao brincar, a criança

estabelece relações com o mundo que a rodeia e do jogo, que é sua atividade

principal, apropria-se dos conhecimentos. Na escola, essa apropriação é realizada

pelo estudo sistematizado, que auxilia na organização do pensamento e na

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formação de conceitos, desenvolvendo agora a memória mediada. Na adolescência,

a memória torna-se cada vez mais lógica, intencional, voltada para o pensamento

abstrato – percebe-se segundo Vigotski, “uma mudança na estrutura da memória,

que passa de mneme (elementar) para mnemotécnica (superior), ou seja, de uma

estrutura imediata para uma mediada [...]” (82-83) e que estabelece também

mudanças nas relações entre as funções - ‘Se na idade infantil o pensamento é

função da memória [recordando as brincadeiras, o jogo de papéis, vivenciando as

relações por meio da imitação, da imaginação, e depende das recordações] na

idade de transição [adolescência] a memória é função do pensamento’ [recorda ou

memoriza um conteúdo abstrato utilizando signos por meio da memória lógica]

(p.87). [...] ‘a real função da memória é de organizar não só a ação presente, mas

também a ação futura’ (p. 92).

Esse conceito abarca (VIGOTSKI apud ALMEIDA, 2004):

[...] tanto a aquisição de conteúdos quanto a consolidação dos mesmos na memória e a conexão dinâmica dessas informações com os demais conteúdos anteriormente apropriados pelo indivíduo em sua atividade (p.121-122). [...] todo aprendizado ocorre em conexão com as emoções envolvidas nesse processo, assim como com os conhecimentos anteriormente apropriados pelo indivíduo. Muitas vezes os conteúdos memorizados não têm relação direta com os já adquiridos pelo indivíduo ou são indiferentes ou frustrantes, mas é possível que esse conhecimento seja re-significado em outro momento se houver aprendizado de novos elementos por meio da atividade. (p.123).

A memória estabelece a função básica de organizar o pensamento do

aluno afim de que ele possa reter recordar e reproduzir os conteúdos. Essa

memória, porém deve acontecer de forma organizada e sistematizada com caráter

pleno de sentido – não compreende aqui uma memória natural, mas sim uma

memória que possui relevância social. No entanto, para que a retenção dos

conhecimentos aconteça é importante que o conteúdo seja ministrado com

significado, e devidamente estruturado. Nesse momento, é imprescindível o papel do

professor enquanto mediador para ajudar os alunos a estabelecerem as relações e

associações significativas de tal maneira que ele possa se apropriar dos

conhecimentos que os conteúdos em sala de aula nos trazem.

3. ATENÇÃO

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O fenômeno da atenção, observado desde a infância tem caráter natural,

não intencional, também chamada de instintivo-reflexiva. É provocado por qualquer

estímulo externo forte e repentino que atrai a atenção da criança, como uma luz

brilhante ou um ruído intenso – esta função reconstrói o comportamento da criança,

que num movimento volta à cabeça a procura do estímulo. Ou por outra, fortes

estímulos internos, como a fome, provocam determinadas reações, como a busca do

seio materno – e afasta para segundo plano, outros estímulos do ambiente.

Vigotski e Luria (1996) argumentam que esse tipo de atenção natural,

involuntária, não satisfaz as exigências sociais, não organiza o comportamento de

longo prazo e não é capaz de resolver uma determinada tarefa, uma vez que a cada

novo estímulo, o contexto anterior seria destruído. Faz-se necessário, portanto

outros mecanismos, adquiridos artificialmente, outra forma de atenção, voluntária,

intencional, cultural – condição para o trabalho e para a vida social.

A atenção, segundo Vigotski e Luria (1996, p.195), desempenha a função

mais importante na vida do indivíduo, “organiza o comportamento num determinado

contexto” e prepara o homem para a “percepção ou para a atividade”. O homem

recebe muitos estímulos (sons, gestos, cores, sinais, linguagem) e seleciona os que

lhe interessa. Faz associações e conserva algumas associações essenciais para

suas atividades de pensamento. Essas seleções de informações são chamadas de

atenção. Se não houvesse seletividade, a quantidade de informação seria

desorganizada impossibilitando o pensamento organizado. O pensamento

organizado está voltado para a solução dos problemas colocados diante do homem.

O ambiente, a escola e demais contextos sociais e culturais produzem

determinadas necessidades, que conduzem a criança a uma dada atividade

organizada. Nessa nova demanda, segundo Vigotski e Luria (1996)

A criança começa a aprender a agir de acordo com a tarefa proposta e a propor-se a si mesma tais tarefas. Cada uma dessas tarefas introduz sérias mudanças na estrutura do comportamento; produzem certa tensão, impelindo a pessoa a uma série de ações que visam à realização dessa tarefa. Traços de experiência anterior, emocionalmente matizados, dão mais força a esse estímulo cultural. Quanto mais claro o problema, mais preciso o esquema dentro do qual é formulado; quanto mais definidas as formas traçadas para os caminhos de realização dessa tarefa, mais persistente e forte se torna o estímulo, impulsionando sua realização organizada.

Dispositivos específicos são criados na criança, permitindo-lhe regular suas operações psicológicas, diferenciar entre o essencial e o não-essencial,

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perceber como as situações difíceis se submetem a determinados fatores fundamentais, centrais. Desenvolvendo-se culturalmente, a criança tem a oportunidade de criar ela mesma esses estímulos que no futuro a influenciarão, organizarão seu comportamento e atrairão sua atenção (p. 197, grifos do autor).

A fala e os gestos significativos são fatores primordiais para que o

processo de atenção da criança inicie, como por exemplo, quando a mãe mostra ou

pede um objeto que está no seu campo visual. E, torna-se uma função real, quando

ela própria, passa a dominar os recursos que mantém sua atenção numa atividade

específica - relegando para segundo plano os demais estímulos.

Segundo Vigotski e Luria (1996, p.198), Leontiev, realizou estudos e

experimentos com crianças em idade escolar, onde se exigia atenção contínua/

intensa e concentração prolongada. Para tanto, a criança deveria, seguindo

instruções, responder o mais rápido possível, algumas perguntas e dentre elas

nomear a cor do objeto, sendo que não deveria mencionar duas vezes a mesma cor

e proibido mencionar duas cores previamente determinadas – como, por exemplo,

branco e preto.

Inicialmente, o experimento demonstrou que a criança não era capaz de

resolver a tarefa mesmo quando tentava buscar recursos auxiliares e “o único

caminho para atingir esse fim é uma total mudança do comportamento direto para o

indireto que utiliza determinados métodos externos para cumprir a tarefa”. Cartões

coloridos como marcadores, foram introduzidos como “dispositivos auxiliares” para

atrair a atenção: o comportamento da criança ao final do experimento é de fixar a

atenção sobre as cores proibidas, conferir antes de responder - “Ao invés de

responder ‘o capim é verde’, a criança, quando está proibida de mencionar a cor

verde, responde ‘o capim pode ser amarelo (no outono)’. Para a segunda tarefa,

também utiliza os cartões como ferramentas auxiliares: a criança desloca a cor já

mencionada para baixo, olha para as cores proibidas e só depois responde a

pergunta.

Segundo Vigotski e Luria (1996, p.200, grifos do autor), se

continuássemos o jogo, provavelmente as crianças mudariam o comportamento e

deixariam de utilizar os cartões, para resolver o problema com técnicas auxiliares

internas e retorno ao uso normal da atenção. Observam que o processo de atenção

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continuou a ser indireto, só que agora, “internamente indireto”, “substitui a

manipulação externa dos cartões por uma conexão interna. x

Determinada informação pode, a qualquer momento, passar ao centro da

atenção e tornar-se dominante. Segundo os autores, nesse processo, distinguem-se

o volume da atenção (definido pelo número de sinais recebidos), a estabilidade da

atenção (entendida como a duração do processo dominante), e as oscilações da

atenção (processos cíclicos, ora dominam, ora perdem a dominação), como por

exemplo, dirigir numa noite chuvosa, numa estrada com muito transito, ou sem

sinalização, cheia de curvas.

Para Luria (1991, p.2), os fatores que determinam a atenção do homem e

o caráter seletivo dessa função, integram dois grupos distintos: - o primeiro grupo é

definido pela “estrutura dos estímulos externos que chegam ao homem (ou a

estrutura do campo exterior)”, constituído pelas estruturas dos estímulos que

“determinam o sentido, o objeto e a estabilidade da atenção”, análogos à estrutura

da percepção; – o segundo grupo é formado por fatores ligados à atividade do

próprio sujeito (estrutura do campo interno) e com a estrutura de sua atividade:

”necessidades, interesses e objetivos”.

No primeiro grupo, constituído por fatores externos, situam-se: - a

intensidade (força) do estímulo como primeiro fator determinante. Como por

exemplo, num grupo de estímulos idênticos ou diferentes, distintos pela intensidade,

como ouvir um som baixo (música clássica) ou um som alto (rock) ou ainda, estar

numa sala com iluminação fraca e de repente uma luz forte se acende, qual deles

chamaria a atenção? Observa-se que, quando a intensidade de dois estímulos é

equilibrada a atenção oscila. – a novidade do estímulo ou o elemento novo, é o

segundo fator externo, que determina o sentido da atenção. Numa seqüência de

símbolos, o elemento novo, diferente chama a atenção. Ao ouvir um som monótono,

que cessa de repente, pode ser fator de atenção. Todos os fatores que determinam o

sentido e o volume da atenção situam-se na estrutura da informação que chega do

meio exterior. “Percebe-se sem dificuldade o quanto é importante levar em conta

esses fatores para aprender a dirigir a atenção do homem em base científica”

(LURIA, 1991, p.4).

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O segundo grupo, constituído por fatores internos, situam-se aqueles

relacionados não tanto com o meio exterior, mas principalmente com o sujeito e com

a estrutura de sua atividade. Dentre esses fatores, os animais, por exemplo,

desenvolvem sua atenção biológica instintivamente. Ela é provocada por sinais de

importância vital: - o pato percebe cheiro de vegetais e o cachorro reage ao ruído de

um gato, mas fica indiferente ao barulho de uma TV ligada. O homem também reage

conforme suas necessidades, interesses e objetivos, não só pela inclinação

biológica (fome, sede, sono, calor), mas também na maioria por fatores

motivacionais complexos que se formaram no processo da história social (gostar de

futebol o faz ter interesse por todos os detalhes de um determinado time e/ou jogo).

Os sinais que são mais interessantes para nós acabam inibindo outros sinais,

tornando-s secundários. “A organização estrutural da atividade humana é de

importância essencial para a compreensão dos fatores que dirigem a atenção do

homem. [...] Toda atividade humana é condicionada por necessidades, motivos e

visa um objetivo” (LURIA, 1996, p.5, grifos do autor).

Quando o sujeito automatiza algumas ações, certas operações que

atraiam sua atenção passam a ser executadas sem conscientização, mas o objetivo

fundamental continua a ser conscientizado, como no ato de aprender dirigir – o

sujeito já automatizou as operações de dirigir, mas o objetivo pelo qual continua a

dirigir continua a ser conscientizado. O mesmo acontece ao usar a internet. Isto

demonstra que o sentido da atenção é determinado “pela estrutura psicológica da

atividade”, e do “grau de sua automatização” (p.5, grifos do autor). As operações

automáticas liberam a atenção para os objetivos finais. A atenção é fundamental

para o êxito ou o insucesso da atividade. O sucesso da atividade elimina a

preocupação durante o tempo em que tentou resolver a tarefa, mas enquanto o

problema não é resolvido ele atrai sua atenção, como por exemplo, uma prova difícil,

um discurso, primeiro dia de trabalho.

Para Luria (1991), a “atenção do homem é determinada pela estrutura de

sua atividade, reflete o seu processo e lhe serve de mecanismo de controle”. Isto

torna a atenção um processo importante, que controla o aparelho da “ação

receptora” e indica se o problema foi resolvido ou não (p.5). Ainda, para esse autor,

a Psicologia distingue dois tipos básicos de atenção: o arbitrário (voluntário) e o

involuntário. A atenção involuntária ocorre quando a atenção é atraída por um

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estímulo forte, novo ou interessante – por exemplo, quando nos deparamos com um

barulho ou batida forte, uma mudança nova e inesperada da situação e viramos

involuntariamente a cabeça para compreendermos o que está ocorrendo. Na

atenção arbitrária (voluntária), a atenção não se sujeita às leis da natureza, é própria

do homem, porque ele pode ir além dos limites das leis naturais da percepção (o que

não ocorre com os animais, que estão sujeitos à ação direta do meio), pode

discriminar e mudar o objeto de sua atenção, segundo sua vontade e as estruturas

que lhe são necessárias.

A Psicologia busca por uma abordagem científica, explicitar a atenção

arbitrária (voluntária) como produto de um complexo desenvolvimento histórico-

social, onde os processos psíquicos da criança são organizados pelo ambiente, pela

fala, gestos, atos e comunicação com os adultos (LURIA, 1991, p.24, grifos do

autor).

Para melhor compreensão, na primeira etapa de formação da atenção

arbitrária (voluntária), a criança pequena contempla o ambiente à sua volta, mas não

distingue os objetos. A mãe é que orienta a ação da criança que continua tendo uma

ação involuntária, determinada exteriormente. Quando a mãe aponta um objeto e o

nomeia como sendo uma xícara, a palavra e o gesto indicador fazem com que a

criança faça a distinção entre o objeto nomeado e os demais e tenta pegá-lo. A

criança vai incorporando os fatores naturais do meio exterior aos fatores do seu

comportamento, por meio dos gestos e palavras. Neste caso, a organização da

atenção está dividida entre a mãe que orienta a atenção e a criança se subordina ao

seu comando.

Numa etapa posterior da atenção arbitrária (voluntária) nasce na criança

uma nova forma de “organização interior da atenção” (antes organizada e dividida

entre a mãe e a criança). A criança passa a dominar a linguagem e torna-se capaz

de deslocar com “autonomia a sua atenção” (indica e nomeia sozinhos os objetos),

formando uma nova organização interior da atenção, produto de um complexo

desenvolvimento histórico-social.

E, por último, a linguagem da criança se desenvolve e criam-se estruturas

internas cada vez mais complexas e “elásticas”, automatizadas (discurso),

convertendo-se em esquemas intelectuais internos, “dirigíveis”. Os processos de

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linguagem internos e intelectuais da criança se especializam de maneira que ela

transfere sua atenção de um objeto para outro dispensando esforços, como é capaz

de por muito tempo manter a atenção numa atividade que lhe interessa (pp.25-26).

Indícios do desenvolvimento da atenção involuntária se manifestam nas

primeiras semanas de vida da criança e tem caráter de reflexo orientado, como

interromper o movimento de sucção para fixar o olhar em objetos e observá-los.

Luria (1991, p.29) afirma que os primeiros reflexos condicionados começam a

formar-se quando ainda bebê: a criança “presta atenção ao estímulo, discrimina-os e

se concentra nele”. No primeiro ano de vida da criança o reflexo orientado da busca

tem caráter rapidamente esgotado sendo facilmente inibido por influências de fora,

como no caso da criança que ao brincar com determinado objeto, desvia sua

atenção para outro, em função de algum som diferente, ou pela coloração ou ainda

pelo movimento.

Na atenção arbitrária (voluntária) Luria (1991, p.30-31) observa que:

[...] o problema mais importante é o desenvolvimento das formas superiores de atenção arbitrariamente reguláveis. Essas formas de atenção se manifestam antes de tudo no surgimento de formas estáveis de subordinação do comportamento de instruções verbais do adulto que regulam a atenção e, bem mais tarde, na formação das formas estáveis da atenção arbitrária auto-reguladora da criança.

Ao término do primeiro ano de vida é que “a nomeação do objeto ou a

ordem verbal começa a ter influência orientadora e reguladora”. Quando o adulto

pede a boneca, a criança dirige o olhar para o objeto, distingue-o ou procura-o, caso

o objeto não esteja à sua vista, agindo independentemente da instrução verbal

recebida. A atenção da criança diante da fala do adulto, que nomeia o objeto, é

ainda instável. A reação da criança dá rapidamente lugar à outra reação orientada

para outro objeto mais nítido ou mais interessante. Apenas na metade do segundo

ano de vida, a criança começa a cumprir a instrução verbal do adulto de maneira

sólida e a organizar a atenção, mas ainda pode perder facilmente o seu significado

regulador. Quando o adulto indica que a boneca está embaixo da almofada, a

criança cumprirá com facilidade a instrução verbal se a boneca foi escondida às

suas vistas, do contrário, a atenção orientadora não terá êxito. Nesse caso a criança

começa a procurar nos objetos diante dela, agindo independente da instrução

verbal. A “ação da instrução verbal, que orienta a atenção da criança, só é

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assegurada nas etapas iniciais nos casos em que coincide com a percepção

imediata da criança” (LURIA, 1991, p.31).

Na faixa etária de um ano e meio a dois anos, a instrução verbal pode

acionar um movimento de reação motora na criança, mas não pode reprimi-lo,

porque a criança continua a executá-lo independentemente da influência verbal. O

adulto ordena: aperte a bolinha. E depois pede para a criança não apertar mais –

mas a criança continua a executar a reação motora.

Entre dois anos e dois anos e meio de idade as instruções verbais mais

simples podem orientar a atenção da criança e levá-la a cumprir com precisão o ato

motor. Uma instrução mais complexa, que exige uma síntese prévia, ainda não pode

provocar a necessária influência organizadora. No terceiro ano de vida verifica-se

que a instrução verbal do adulto enriquecida com a linguagem da criança, pode

“converter-se em fator que orienta solidamente a atenção” (p.32). Mas essa

influência só ocorre com a participação da atividade da criança ao distinguir as

ordens necessárias recebidas, reforçando, assim sua ação prática. Por exemplo, um

adulto ordena: você só irá levantar-se da cadeira quando aparecer um triângulo e

não sairá da cadeira quando aparecer um círculo. A criança inicialmente poderá

cometer muitos erros. Somente depois de tomar conhecimento prático das figuras,

manipulando-as, é que a criança começará a obedecer corretamente à instrução

recebida.

Na etapa seguinte, para crianças de quatro e cinco anos, a discriminação

prática dos indícios das figuras geométricas, já pode ser substituída por uma

desenvolvida explicação verbal. O adulto orienta: quando o ponto vermelho aparecer

você pode apertar o controle que a TV ligará. Essa instrução verbal em forma de

explicação, começou a orientar a atenção da criança, adquirindo influência

reguladora estável.

Luria (1991, p. 35) concluiu que, “a atenção arbitrária, é produto de um

desenvolvimento sumamente complexo”:

As fontes desses desenvolvimentos são as formas de comunicação da criança com o adulto, sendo o fator fundamental que assegura a formação da atenção arbitrária representada pela fala, que é inicialmente reforçada por uma ampla atividade prática da criança e em seguida diminui paulatinamente e adquiri o caráter de ação interior, que media o comportamento da criança e assegura a regulação e o controle deste. A formação da atenção arbitrária

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abre caminho para a compreensão dos mecanismos interiores dessa complexíssima forma de organização de atividade consciente do homem, que desempenha papel decisivo em toda a sua vida psíquica.

Considerações Finais

Ao tratar do tema aprendizagem e desenvolvimento, Vigotski explica como

a educação escolarizada e o ensino formal impulsiona e influencia na formação e no

desenvolvimento psicológico do ser humano, trazendo subsídios para que possamos

compreender como o homem vai se apropriando dos conhecimentos e de como as

condições sociais, culturais e econômicas estão ligada à formação da consciência

humana. Parte do princípio de que a educação deve exigir por parte do aluno

empenho e esforço, não deve limitar-se às tarefas que o aluno é capaz de resolver

sozinho, chamado nível de desenvolvimento real, mas sim levar o aluno a pensar.

Se o professor não tem domínio adequado do conhecimento a ser transmitido, ele terá grande dificuldade em trabalhar com a formação dos conceitos científicos e também com a zona de desenvolvimento próximo de seus alunos. Se o professor não realiza um constante processo de estudo das teorias pedagógicas e dos avanços das várias ciências, se ele não se apropriar desses conhecimentos, ele terá grande dificuldade em fazer de seu trabalho docente uma atividade que se diferencie do espontaneísmo que caracteriza o cotidiano alienado da sociedade capitalista contemporânea. Como exigir do professor que ele ensine bem, que ele transmita as formas mais desenvolvidas do saber objetivo, se ele próprio não teve e continua não tendo acesso a esse tipo de ensino e de saber? (FACCI, 2004, p.244).

Para essa autora, o professor é o organizador do processo ensino

aprendizagem, deve dominar o objeto que ensina, com vasto conhecimento cultural

e científico. Nesse sentido, a tarefa do professor é “ensinar à criança, aquilo que ela

não é capaz de aprender por si só”, resultando nesse processo de ensino dos

conteúdos científicos, o desenvolvimento psíquico do indivíduo. E que pela

mediação, o professor intervém, principalmente, na formação dos processos

psicológicos superiores.

Facci explicita os dois níveis de desenvolvimento identificados por

Vigotski:

O primeiro nível é denominado de nível de desenvolvimento real ou efetivo, que constitui as funções psicológicas já efetivadas, formadas e amadurecidas pelo indivíduo, como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados. Esse nível costuma ser determinado,

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através da solução individual do problema. Quando os psicólogos aplicam testes psicológicos de inteligência, o WISC, por exemplo, estão avaliando apenas as funções psicológicas que já foram desenvolvidas.

O segundo nível de desenvolvimento é o desenvolvimento potencial, proximal ou próximo, que se define como sendo aquelas funções que estão em vias de amadurecer e que podem ser identificadas, através da solução de tarefas, com o auxílio de adultos e outras crianças mais experientes. Enquanto aquele nível caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, este o caracteriza prospectivamente. (FACCI, 1998, p.78).

Subentende-se, então, que é na zona de desenvolvimento proximal que a

interferência do ensino é transformadora, imediata, e a colaboração do professor e

sua intervenção, neste nível, leva ao desenvolvimento e conseqüentemente o ensino

deverá incidir e dar subsídios nesta área. Se a aprendizagem gera desenvolvimento,

a escola possui papel primordial nesta construção e para tanto deve conhecer o

nível de desenvolvimento dos alunos, partindo do nível de desenvolvimento real da

criança com relação aos conteúdos que serão trabalhados, estabelecendo como

ponto de chegada, os objetivos propostos adequados ao nível de conhecimentos e

de seu desenvolvimento potencial. Nesse processo, a mediação do professor da

Sala de Recursos ao utilizar de jogos, atividades de leitura, escrita, interpretação,

matemática ou ortografia, é imprescindível,

pois o sujeito não se apropria do significado apenas por estar inserido em ambientes propícios – quer sejam alfabetizadores, letrados ou científicos. A interação com o objeto de conhecimento é importante, mas não suficiente. [...] Para que seja objeto de reflexão, análise e generalização, como toda e qualquer apropriação conceitual, é necessário que o ensino da linguagem escrita seja organizado de forma a tornar consciente ao sujeito o conteúdo a ser internalizado (SFORNI & GALUCH, 2006, p.12).

A relação entre o objeto de conhecimento e a atividade do sujeito como determinante na conscientização desse objeto, nos alerta para os limites de novas práticas realizadas ou incentivadas nas escolas, cuja intenção é a de superar um modelo tradicional de ensino, buscando um novo modelo de ensino, mais democrático e agradável (SFORNI & GALUCH, p.11).

Para o aluno, é importante tomar consciência de sua própria atividade, por

exemplo, no uso da língua formal, para poder utilizá-la apropriadamente. Porém isso

não acontece de maneira espontânea, exigindo uma mediação intencional,

sistemática e organizada por parte do professor. Para SFORNI & GALUCH isso

“possibilita o desenvolvimento de funções psíquicas superiores como a atenção

arbitrária, a memória lógica e o pensamento abstrato”, [evidenciando] “as inter-

relações apontadas por Vygotsky entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento”

(2006, p.11).

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Vigotski, em seus estudos, sempre teve preocupação em analisar os

conceitos científicos e os conceitos espontâneos ou cotidianos. Os conceitos

espontâneos são aprendidos em situações onde o consciente está voltado para o

fenômeno, enquanto que para apropriação dos conceitos científicos é preciso que a

consciência do sujeito lhes seja intencionalmente dirigida. É necessário que o

conceito esteja explícito, para que seja conscientizado e generalizado pelo aluno. Da

mesma forma a linguagem escrita não se firma da mesma maneira que a língua

falada. Na escola essa situação é confirmada pela aprendizagem do conhecimento

sistematizado, como a escrita e a gramática, onde encontramos um nível de

consciência mais alto do que nas esferas dos conceitos espontâneos. Nesse

sentido, é preciso compreender que os conceitos espontâneos e os conceitos

científicos têm características diferentes e que não há como se apropriar destes da

mesma forma com que se aprendem aqueles. Significando que, para que haja

aprendizagem conceitual é preciso que o conceito esteja explícito, sendo

conscientizado pelos alunos e por fim, generalizado.

Como vimos, Vigotski nos fornece pistas sobre o papel do professor como

mediador da aprendizagem do aluno, facilitando-lhe o domínio e a apropriação dos

instrumentos culturais, se realizada no plano da zona de desenvolvimento proximal,

desenvolvendo estratégias que potencialize o aluno para que no futuro possa

resolvê-las de forma independente. Percebe-se também que a Psicologia Histórico-

Cultural ao estudar sobre aprendizagem e desenvolvimento, discorre sobre como a

educação influencia a formação e o desenvolvimento psicológico do aluno,

impulsionando a formação das funções psicológicas superiores.

Vigotski enfatiza o papel da aprendizagem no desenvolvimento do ser

humano, valorizando a escola, o professor e a intervenção pedagógica, pois na ação

pedagógica que serão constituídos e revelados os desafios do processo de ensino e

aprendizagem em função daqueles que não alcançam o rendimento escolar

esperado e possuem necessidades educacionais especiais. Essa vertente teórica

contribui para o estudo da formação e do desenvolvimento do psiquismo humano e

sua relação com a educação, levando em conta a historicidade dos fenômenos.

Quando trata da formação dos conceitos científicos busca a superação de uma

concepção tradicional e naturalizante de educação e enfatiza a importância do

processo de escolarização e, por conseqüência, a do professor como mediador,

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entre o conhecimento e o aluno, suja tarefa é ensinar aquilo que ele não é capaz de

realizar sozinho.

Um grande número de alunos apresenta problemas de aprendizagem e

não são atendidos nas suas reais necessidades. Muitas vezes em função de uma

formação docente e de uma prática pedagógica que não leva em conta as

diferenças individuais, os comprometimentos e os contextos sociais dos alunos,

deixando de adotar medidas de intervenções que vem ao encontro das reais

necessidades educacionais dos alunos.

Vigotski (2000, p. 337), afirma que “ensinar uma criança o que ela não é

capaz de aprender é tão estéril quanto ensiná-la a fazer o que ela já faz sozinha”. Na

Escola de Vigotski é ‘tarefa do processo educativo dirigir o desenvolvimento psíquico

do indivíduo’ e o professor é compreendido ‘como mediador dos conteúdos

científicos’ devendo realizar as intervenções necessárias à formação dos processos

psicológicos superiores (FACCI, 2004, p. 194-200).

Realizar uma intervenção adequada significa elaborar um plano de

trabalho pedagógico compatível com as necessidades educacionais do aluno,

mediante uma avaliação pedagógica no contexto escolar que direcione a tomada de

decisão e identifique as habilidades, necessidades e reais dificuldades de

aprendizagem do aluno, buscando com segurança as origens e as causas da não

aprendizagem, sem colocar toda responsabilidade no aluno - o que é determinante

para o encaminhamento e o atendimento adequado do mesmo (PARANÁ, 2003).

A partir da Declaração de Montreal (2004) o termo deficiência intelectual

vem sendo utilizado por alguns autores e segmentos da sociedade para definir

inúmeras características que lhes são peculiares, as quais se expressam em forma

de talentos, capacidades, necessidades e algumas incapacidades. Reconhecer o

atraso desta área é compreender como se processa o tempo do aluno e como se dá

o amadurecimento das estruturas cognitivas, a apreensão dos conceitos básicos, a

generalização e a transferência dos comportamentos e saberes adquiridos para

novas situações, e nos permitem elaborar e desenvolver um trabalho voltado para as

peculiaridades e limitações deste alunado na busca de sua autonomia e do acesso

ao currículo.

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Sabe-se que grande parte dos problemas de aprendizagem, deve-se ao

desconhecimento dos processos associados ao ato de aprender e de uma prática

pedagógica que desconsidera o contexto sócio-cultural e pedagógico, no qual o

aluno está inserido. Resultando assim, problemas de aprendizagem, produzido pelo

próprio ambiente escolar que, diante do baixo rendimento nas atividades de leitura,

escrita e cálculo rotulam os alunos que necessitam de ajuda para desenvolverem

essas habilidades básicas.

Vigotski apud Barroco (2007, p.377), questiona a natureza e princípios da educação auxiliar, e antes disto, a própria avaliação das condições psicológicas das crianças sob queixas de não-aprendizagem. É incisivo contra a prática de avaliação quantitativa, que buscava índices e desvelava somente o desenvolvimento real. Teoriza sobre a zona de desenvolvimento próximo, um dos aspectos mais citados do seu trabalho. Na verdade, pensar o que pode vir a se tornar a atividade de alguém sob mediações adequadas era um desafio posto, não só no âmbito escolar, mas no sócio-cultural. Que nível de desenvolvimento poderia alcançar um povo com mediações adequadas, com conhecimento, com um projeto social e educacional condizentes entre si? Olhar para além da realidade objetiva imediata (de miséria, de orfandade, de guerras) e não perder o norte para onde direcionar suas pesquisas e intervenções [...].

As dificuldades encontradas pelos alunos na assimilação dos conteúdos

podem ser passageiras ou não, dependendo muitas vezes de um serviço de apoio

especializado que ajude a desenvolver habilidades para superar o atraso no tempo

de aprendizagem. Muitas vezes esse baixo desempenho leva ao abandono da

escola, à reprovação e atraso no período escolar.

Corforme Saviani, citado por Barroco (2007),

o nível de desenvolvimento alcançado pelas formações sociais contemporâneas, de modo geral, e em particular pela brasileira, requer um acervo mínimo de conhecimentos sistemáticos, sem os quais o indivíduo não pode ser cidadão, não pode participar ativamente da sociedade.

Isto é, pois, da conta dos educadores, dos psicólogos, dos políticos, enfim de todos. As conseqüências de uma sociedade que tem produzido tanto conhecimento, mas que, de fato, o faz circular tão pouco, pondo a grande maioria dos indivíduos em relação apenas com informações, é uma escolarização ruim, que permite aos mesmos apenas uma apropriação mínima das produções humanas (p.385).

Elaborar estratégias, ter um olhar diferenciado, ser claro e objetivo nas

orientações e nas atividades trabalhadas, requer, do professor especializado o

desafio de uma postura diferenciada, que contemple na Sala de Recursos (PARANÁ,

2004) uma prática de flexibilização curricular envolvendo objetivos, conteúdos,

avaliação, temporalidade, e com metodologias que visem o desenvolvimento

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cognitivo, pessoal e social do aluno e a escola com disponibilização de recursos que

levem o acesso e a complementação do currículo comum ao aluno.

Construir propostas de transformação do fazer pedagógico, deixando de

rotular o aluno como “problema” e incapaz de aprender os conteúdos escolares são

iniciativas de um trabalho comprometido com uma prática pedagógica efetiva para

com os alunos que apresentam dificuldades durante o processo ensino

aprendizagem. Superar as dificuldades de aprendizagem que levam ao fracasso

escolar, segregação e baixa auto-estima no aluno, tem sido a preocupação dos

educadores, na busca de estratégias educacionais que auxiliam o aluno no

desenvolvimento da aprendizagem da leitura, escrita e em cálculos.

Vygotsky apud Barroco entende que:

educar indivíduos com deficiências e/ou com necessidades educacionais especiais implica em levá-los às formas de compensações adequadas, ao encontro de vias colaterais de desenvolvimento, posto que ‘a educação não só influi em uns ou outros processos de desenvolvimento, senão que reestrutura as funções do comportamento em toda sua amplitude’. Os processos compensatórios devem encaminhar ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores de tal modo que os indivíduos possam ter maior compreensão de si mesmos e da sociedade que eles mesmos ajudam a formar (2007, p. 228).

Em sua tese, Tuleski (2007) acrescenta que é necessário compreender

que as dificuldades de aprendizagem se produzem no espaço escolar e que,

Ainda, se, de fato, admite-se que tais indivíduos apresentam disfunções orgânicas, isto é, cérebro íntegro, porém disfuncional,quando se adota o referencial luriano de que as funções psicológicas superiores responsáveis pelas aprendizagens mais complexas – como a leitura, a escrita, o cálculo etc - são funções de origem histórico-cultural (sistemas funcionais complexos) e não baseadas puramente na maturação biológica, mas no ensino sistematizado corretamente organizado, obriga-se ao compreender os fundamentos sob os quais este autor se baseia, a analisar a contradição existente na sociedade atual entre, por um lado, as possibilidades de formação humana intencional do indivíduo e do gênero humano e, por outro, as barreiras quase intransponíveis que a lógica da sociedade capitalista opõe a essa formação humana (p.316-317).

Tudo isso mostra claramente que:

-cabe ao professor transmitir conhecimentos, ensinar os alunos de forma que dirija a formação dos seus processos psicológicos superiores; - os professores precisam atuar como mediadores entre os conceitos científicos e o aluno, partindo de conhecimentos teóricos que auxiliem a prática, e utilizando a prática para aprofundar os conhecimentos teóricos; - cabe ao professor investir na zona de desenvolvimento próximo dos alunos,

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provocando o seu desenvolvimento intelectual e afetivo; - para trabalhar com a zona de desenvolvimento próximo no ensino, na sala de aula, é necessário que o professor esteja sempre atento e seja capaz de perceber até que ponto vai à capacidade de imitação do aluno, estar atento para o limiar inferior e superior da zona de desenvolvimento próximo (FACCI, 2004, p. 242-243).

E, para concluir, acreditamos que, as possibilidades de mudança existem -

que a mudança depende necessariamente da consciência dos homens e que o

caminho passa obrigatoriamente pela educação, pautada pela qualidade do

conteúdo escolar que se transforma em funções mental e propicia raciocínios mais

complexos – sempre mediados na relação professor/aluno.

O ensino deve promover o “[...] desenvolvimento e criar [...] as condições e premissas do desenvolvimento psíquico. Nesse processo, o professor tem papel destacado como mediador entre o aluno e o conhecimento, cabendo a ele intervir na zona de desenvolvimento próximo dos alunos, conduzindo a prática pedagógica. Portanto os educadores, de uma forma geral, precisam estar atentos às peculiaridades do desenvolvimento psíquico em diferentes etapas evolutivas, para que possam estabelecer estratégias que favoreçam a apropriação do conhecimento científico (FACCI, 2004b, p.78).

A escola, como instituição social no contexto capitalista, pode ser

articulada como um instrumento de luta pela classe trabalhadora, de resistência e de

negação das contradições estabelecidas pelo sistema para formação de uma base

que consolide e transforme a realidade.

Referências:

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