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39 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000 A rtigo Produção familiar, pós-modernidade e capitalismo pós-modernidade e capitalismo pós-modernidade e capitalismo pós-modernidade e capitalismo pós-modernidade e capitalismo Possibilidades da agricultura independente Jones, Alberto da Silva* Bressan, Matheus** Resumo: Neste trabalho são formulados alguns raciocínios objetivando a construção e a sustentação de uma hipótese acerca da vi- abilidade - nas condições de produção atuais - da agricultura familiar e independente, como formas de superação da agricultura tra- dicional no âmbito da economia capitalista. O texto visa à definição de rumos de estudo, pesquisa e debates que possam contribuir para o aprofundamento das proposições suscitadas. A proposta parteda hipótese, teórica e objeti- va, de que a agricultura fundada na utiliza- ção de mão-de-obra familiar reúne, generica- mente, as condições materiais necessárias ao seu amplo e pleno desenvolvimento no mun- do contemporâneo; que, dadas as possibilida- des científicas, técnicas e organizacionais existentes, há efetivamente, a possibilidade, também, na produção agropecuária, do pro- cesso de produção imediata ser plenamente realizado pela família produtora, sem impli- car, necessariamente, ao contrário, perdas de produtividade ou eficiência. Não se trata de se fazer uma defesa ou uma crítica românti- cas da pequena produção ou da produção camponesa. Mas, igualmente, não se trata de fazer a apologia acrítica das possibilidades de uma agricultura familiar capitalista. Em suma, o texto procura formular algumas hipóteses acerca da possibilidade, no mundo atual, de permanência e desenvolvimento da produção familiar ou grupal independente; sustentan- do essa possibilidade no desenvolvimento ci- entífico, técnico e organizacional, cujo bara- teamento e vulgarização tornaram possível a realização de quantidades crescentes de tra- balho, por grupos cada vez menores de traba- *Prof. Doutor do Departamento de Economia Rural da UFV. *Eng. Agrônomo, Mestre em Sociologia, da EMBRAPA/Gado Leiteiro. [email protected]

Produção familiar, pós-modernidade e capitalismo ... · Não se trata de se fazer uma defesa ou uma crítica românti-cas da pequena produção ou da produção camponesa. Mas,

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Produção familiar, pós-modernidade e capitalismopós-modernidade e capitalismopós-modernidade e capitalismopós-modernidade e capitalismopós-modernidade e capitalismoPossibilidades da agricultura independente

Jones, Alberto da Silva*Bressan, Matheus**

Resumo: Neste trabalho são formuladosalguns raciocínios objetivando a construção ea sustentação de uma hipótese acerca da vi-abilidade - nas condições de produção atuais- da agricultura familiar e independente,como formas de superação da agricultura tra-dicional no âmbito da economia capitalista.O texto visa à definição de rumos de estudo,pesquisa e debates que possam contribuir parao aprofundamento das proposições suscitadas.A proposta parteda hipótese, teórica e objeti-va, de que a agricultura fundada na utiliza-ção de mão-de-obra familiar reúne, generica-mente, as condições materiais necessárias aoseu amplo e pleno desenvolvimento no mun-

do contemporâneo; que, dadas as possibilida-des científicas, técnicas e organizacionaisexistentes, há efetivamente, a possibilidade,também, na produção agropecuária, do pro-cesso de produção imediata ser plenamenterealizado pela família produtora, sem impli-car, necessariamente, ao contrário, perdas deprodutividade ou eficiência. Não se trata dese fazer uma defesa ou uma crítica românti-cas da pequena produção ou da produçãocamponesa. Mas, igualmente, não se trata defazer a apologia acrítica das possibilidades deuma agricultura familiar capitalista. Em suma,o texto procura formular algumas hipótesesacerca da possibilidade, no mundo atual, depermanência e desenvolvimento da produçãofamiliar ou grupal independente; sustentan-do essa possibilidade no desenvolvimento ci-entífico, técnico e organizacional, cujo bara-teamento e vulgarização tornaram possível arealização de quantidades crescentes de tra-balho, por grupos cada vez menores de traba-

*Prof. Doutor do Departamentode Economia Rural da UFV.

*Eng. Agrônomo, Mestre em Sociologia,da EMBRAPA/Gado Leiteiro.

[email protected]

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lhadores. Essa é a base objetiva da hipótesedesenvolvida neste trabalho.

Palavras-Chave : Produção independente,Agricultura sustentada, Cooperação, Moder-nização, Progresso científico e técnico.

1 Introdução e problemaNeste trabalho são formulados alguns ra-

ciocínios teóricos objetivando a construção ea sustentação de uma hipótese da viabilida-de, nas condições de produção atuais, da agri-cultura familiar e independente, como formasde superação da agricultura tradicional noâmbito da economia capitalista.

Essa problemá-tica voltou à ordemdo dia no meio aca-dêmico e em esferaspúblicas de decisãopolítica, por causada constatação deque nos países ca-pitalistas avança-dos a agriculturafamiliar tem apre-sentado um dina-mismo que contra-

diz as antigas hipóteses liberais e marxistasque, com base em argumentos e referenciaisteóricos diferentes, afirmavam o seu desapa-recimento.

Os liberais, sustentando sua hipótese nainviabilidade econômica da produção familiarou tradicional, por suposto, de pequena esca-la, portanto incapaz de gerar os excedenteseconômicos exigidos pela economia de mer-cado. Os marxistas, através da formulação dahipótese da superação (no sentido de ultra-passagem) da agricultura familiar tradicional,ou da pequena produção camponesa, por umaagricultura avançada, familiar ou independen-te, distinta das formas antigas, superadas pelodesenvolvimento das forças produtivas soci-ais. É neste sentido que formulamos nossa hi-

pótese neste trabalho. Uma crítica dessas duasvertentes teóricas encontra-se em Abramovay(1992) .

Neste sentido específico, este trabalho é umensaio elaborado com o propósito de formularraciocínios iniciais que possam auxiliar nadefinição de rumos de estudos e pesquisas.Visa a suscitar debates que possam contri-buir para o aprofundamento de posições e ru-mos teóricos.

2 Excludência e cooperaçãoprodutiva independente

Nas condições de produção e reproduçãoeconômico-social disponíveis no mundo atu-al, os níveis de desenvolvimento do progressocientífico e tecnológico e as possibilidades desua incorporação aos processos de produçãoimediata, acabaram por recolocar, em novopatamar, o debate acerca das possibilidadesde novas formas de organização da produçãono âmbito das economias de mercado.

Nesse novo contexto, as possibilidades dedesenvolvimento de uma agricultura eficien-te, sustentada em mão-de-obra familiar ou deprodutores imediatos independentes, apre-sentam-se como alternativas importantes eviáveis. A questão é saber-se de que agricul-tura se trata.

Nos primórdios da revolução industrial eno primeiro século de sua consolidação e dis-seminação pelo mundo, as transformaçõesprovocadas pelas novas formas de produçãopareceram implicar, necessariamente, a exclu-são da pequena produção ou, melhor ainda,da manutenção eficiente de processos produ-tivos em empresas domésticas (em particular,as de feição familiar). Na verdade, no entanto,essa era apenas uma característica, se consi-derarmos a totalidade da reprodução social,dos primeiros momentos de gênese, arranca-da e consolidação do capitalismo.

Por outro lado, a eliminação crescente depostos de trabalho, a “criação de uma popula-ção supérflua, desnecessária”, no âmbito daprodução industrial ou capitalista de larga

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escala - especialmente, a manifestação des-se fenômeno na agricultura - mostraram-secaracterísticas permanentes da lógica da acu-mulação fundada na expropriação de exceden-tes criados por trabalhadores assalariados, nodecorrer do processo produtivo. A realidadedos processos de produção no mundo contem-porâneo mostrou que esta característica nãoé extensiva, por si mesma, a outras formas deprodução, especialmente as que se fundamen-tam na cooperação familiar ou grupal inde-pendentes, entendidas estas como distintasda produção fundada na exploração do traba-lho assalariado.

Apesar disso, aquela característica geral daarrancada industrial capitalista, que implica-va, efetivamente, a necessidade de padrõeselevados de produtividade do trabalho e deprodução de mais-valia, gerando excludência,deram ensejo à formulação de teorias queabsolutizavam essa variável, sem levar na de-vida consideração o fato de que o aumento daprodutividade do trabalho, propiciado pelaincorporação do progresso técnico e pela pro-dução capitalista, significava, também, o de-senvolvimento das condições de sua supera-ção: a estruturação das condições para osurgimento de novas formas de cooperaçãoprodutiva, fundadas, igualmente, na possibi-lidade, aberta pelo progresso técnico e pelasnovas relações de produção social, de poucostrabalhadores passarem a dispor de condiçõesefetivas para realizarem quantidades crescen-tes de trabalho; quantidades estas que, an-tes, apenas poderiam ser desenvolvidas pormuitos produtores imediatos, quer fosse namanufatura quer fosse na agricultura.

Esse fato significava, também, a aberturade possibilidades para novas formas dereestruturação produtiva. Não com o ressur-gimento das antigas empresas familiares oudas corporações tradicionais, ultrapassadas,mas para constituição e construção de formasavançadas, pós-modernas, de cooperação eempreendimentos (familiares, grupais, coope-rativos etc) fundadas na incorporação do pro-

gresso técnico e organizacional. Ou seja, for-mas alternativas, pós-modernas, de coopera-ção para a produção e reprodução totais, quetêm sido denominadas na literatura atual desustentabilidade ou agricultura sustentada.

Empreendimentos, portanto, passíveis deserem implementados por poucos trabalhado-res e suportados na incorporação das novascondições materiais e sociais de produção,trabalho e realização, abertas pelas possibili-dades criadas pela revolução científica, téc-nica e gerencial que, inclusive, facilitou autilização dessas alternativas, ao baratear ospreços da tecnologia, na medida em que re-duziu os seus custos de produção. Esta últi-ma tendência foi, em certo sentido, subesti-mada, quando não desprezada, pelos defenso-res da tendência geral (e abstrata) daexcludência.

Trata-se, em poucas palavras, das condiçõesengendradas, por um lado, pela disponibilida-de de novos equipamentos, produtos e proces-sos e, por outro, pelas possibilidades defracionamento dos processos produtivos, nãoapenas vertical, mas, sobretudo, horizontal-mente. Esses fenômenos estão, hoje, ampla-mente demonstrados pela ampliação do que setem convencionado chamar de terceirização eglobalização: divisão social do trabalho produ-tivo e integração econômica dos mercados

Essas novas possibilidades revolucionarama produção industrial e, de modo maisabrangente, o próprio processo de reprodu-ção da economia de mercado, colocando no-vas e inadiáveis exigências ao processo de re-produção social. A chamada acumulação fle-xível, Harvey (1993), é, neste contexto, umamanifestação objetiva desse verdadeiro pro-cesso de superação das antigas formas de re-produção industrial, de tipo fordista, que, até

O aumento da produtividade dotrabalho, propiciado pela

incorporação do progresso técnico epela produção capitalista,

significava, também, odesenvolvimento das condições de

sua superação

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recentemente, sustenta-ram o processo e a ideolo-gia do desenvolvimento docapitalismo, em sua ver-são liberal ou moderna.

É neste sentido quepodemos, com certa pro-priedade, falar de de-senvolvimento pós-mo-derno: um desenvolvi-mento fundado, não na

dimensão física ou espacial dasempresas ou de suas linhas de montagem ouquantidades produzidas, em si mesmas, masna agilidade destas em ajustarem-se às novasdemandas de flexibilidade e níveis de eficiên-cia econômica. Essa condição pós moderna,para utilizar essa expressão de Harvey (1993),coloca-se, atualmente, para o próprio estadoe todas as empresas ou iniciativas, sejamelas capitalistas, patronais, familiares ou co-operativas.

Essa nova realidade do processo de acu-mulação capitalista e da reprodução econô-mico-social está subjacente aos novos proces-sos de produção que, numa espiral crescente,exigem (e possibilitam) a terceirização de par-celas cada vez mais amplas (ou especializadas)dos processos produtivos ou de realização,como únicas alternativas à maximização da“nova” racionalidade empresarial e, conse-qüentemente, de obtenção de lucros ou gan-hos de produtividade. Nesse último caso, si-tuamos, por hipótese, o caso da agriculturafamiliar e independente nos dias atuais.

A verdade é que esse processo não se limi-ta ao âmbito restrito do controle das iniciati-vas privadas de caráter patronal, ou seja, es-pecificamente capitalistas. É uma possibilida-de aberta à comunidade de produtores emgeral, que, portanto, poderá, em determina-das condições, ser vantajosa, em especial paraa iniciativa e empreendimentos familiares oumesmo de pequenas sociedades ou associa-ções de produtores rurais independentes.

É neste contexto que a proposta aqui for-

mulada é posta: como alternativa para umanova estratégia de desenvolvimento rural parao Brasil, na qual a produção familiar ou grupalindependente, no sentido aqui indicado, as-sumem um caráter prioritário e relevante, tam-bém, para o desenvolvimento econômico na-cional.

3 Esboço de uma proposta daviabilidade da agriculturafamiliar e independente

Esta proposta parte da convicção, teórica eobjetiva, de que a agricultura fundada na uti-lização de mão-de-obra familiar reúne, gene-ricamente, as condições materiais necessári-as ao seu amplo e pleno desenvolvimento nascondições de reprodução do mundo contem-porâneo. Ou seja, dadas as possibilidades ci-entíficas, técnicas e organizacionais existen-tes no mundo atual, há, efetivamente, a pos-sibilidade, também na produção agropecuá-ria, do processo de produção imediata ser ple-namente realizado pela família produtora,sem implicar perdas de produtividade ou efi-ciência.

Esta é a condição objetiva da hipótese for-mulada neste trabalho. Quer dizer, dadas aspossibilidades (econômicas e sociais) de in-corporação de tecnologias e de outros recur-sos, especialmente os gerenciais, ao proces-so de produção imediata e da sua integraçãoao mercado por diversos canais independen-tes de comercialização, tornou-se amplamentepossível, nas condições de produção do mun-do contemporâneo, inclusive do Brasil, a con-dução, com sucesso, de empreendimentos fa-miliares ou grupais independentes na agro-pecuária.

Desta forma, não se trata, hoje, de fazer-sea defesa ou a crítica românticas da pequenaprodução ou da produção camponesa. Mas,igualmente, não se trata de fazer a apologiaacrítica das possibilidades de uma agricultu-ra familiar capitalista.

A possibilidade de reprodução da agricul-tura fundada no trabalho imediato da família

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- que administra e executa a produção agrí-cola - não significa que esta realize lucro (nosentido de apropriação de excedentes não-pagos, produzidos por trabalhadores assala-riados). Até porque, neste caso, não há, pordefinição, trabalho assalariado. O que nãoquer dizer que o produtor familiar não possaapropriar-se do produto do seu trabalho e, até,de parte do excedente produzido, quando suamagnitude ultrapassar os seus custos de re-produção (doméstica e econômica, e reposi-ção das condições de produção), possibilitan-do sua realização no mercado.

Essa possibilidade é dada, por um lado, pelasua condição básica de produtor independen-te, isto é, que detém as condições e os meiosde produção imediatos: a força de trabalho, apropriedade da terra e dos instrumentos detrabalho. Mas isso não exclui a possibilidade,igualmente objetiva, do produtor familiar nãoconseguir realizar, na totalidade, o valor porele despendido e mobilizado no processo deprodução imediata: a) sua subsistência (oureprodução da sua força de trabalho), que cor-responderia, teoricamente, à remuneração (sa-lários) dos trabalhadores assalariados em ge-ral; b) a renda da sua terra, ou fundiária, queequivaleria ao arrendamento, no caso dele nãopossuir terra própria ou de receber aluguel searrendasse a sua terra a terceiros; e, final-mente, c) o lucro, isto é, a realização do exce-dente sobre os salários, subtraindo-se a ren-da da terra.

Esse processo de realização dos valores pro-duzidos, no mercado, acha-se subordinado àconcorrência capitalista e, ipso facto, pode fu-gir - e geralmente foge - ao controle imediatodos produtoresrurais, sejameles capitalis-tas, familiaresou grupais in-dependentes.

Mas issonão quer dizerque eles não

possam realizar o excedente sobre o seu con-sumo familiar e produtivo, ou seja, consegui-rem uma remuneração adequada pelo seu tra-balho e reposição dos seus meios de produ-ção, além de algum percentual do seu produ-to excedente. É na ampliação dessa possibili-dade que reside a construção das condiçõesde desenvolvimento da agricultura familiar e/ou independente. Identificar as formas e osmeios para assegurar essas condições de pro-dução, no âmbito do agribusiness brasileiro, éo objetivo geral que deve ser perseguido porqualquer projeto ou programa de desenvolvi-mento sustentado.

Entretanto, essa possibilidade, que corres-ponderia ao enriquecimento desses produtoresindependentes, ou à sua capitalização - no casode pretenderem e/ou poderem reinvestir essevalor excedente no próprio ou em outro negócio- não depende da sua mera condição de produ-tor familiar e independente, mas das condiçõesdo mercado, ou seja, das possibilidades de con-seguirem baixar seus custos de produção e,assim, poderem colocar seus produtos exceden-tes de forma competitiva no mercado. Caso con-trário, esse produto ou, pelo menos, boa partedele terá o seu valor dissipado.

Esse fenômeno não depende, apenas, dademanda por produtos agrícolas. Decorre muitomais da concorrência, o que implica a necessi-dade de redução dos preços de produção, am-pliação de escala e qualidade dos produtos eprocessos na agricultura familiar. A consecu-ção dessas condições implica uma verdadeirarevolução na produção familiar - sua transfor-mação endógena em agricultura de alta pro-dutividade -, o que supõe a montagem de toda

uma estratégiade planejamentoe de políticas pú-blicas de apoio àsua implementa-ção. Algumas di-retrizes nessesentido foram ar-roladas no Relató-

Uma remuneração adequada pelo seutrabalho e reposição dos seus meios de

produção, além de algum percentual doseu produto excedente

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rio FAO/INCRA (1994).Essas são variáveis restri-

tivas quanto à realização doexcedente da produção fami-liar ou independente. Estãosituadas no nível das possibi-lidades práticas de apropria-ção do excedente, que nestasformas de produção, apenasimpropriamente, podemos de-nominar de lucro. Isso podeimpedir que o produtor famili-ar (e independente) se aproprie plenamentedo produto do seu trabalho e equivale, portan-to, a um confisco em “favor da sociedade” -mas, na verdade, em favor de mediadores doprocesso de reprodução social, em especial,fornecedores de insumos, produtos e empre-sas de armazenamento, beneficiamento e co-mercialização dos produtos agropecuários, etc.São, portanto, valores que são apropriados poroutros atores na cadeia produtiva ou alimen-tar, embora possam vir a “beneficiar” igual-mente (melhor seria dizer, relativamente), osconsumidores pela expansão da oferta de pro-dutos agrícolas.

Entretanto não afetam, imediatamente,nem irremediavelmente, as possibilidades dareprodução familiar, ou seja, as condições desobrevivência e, até, de desenvolvimento dospadrões de conforto das famílias de produto-res rurais. Essas limitações ocorrem, inclu-sive, apesar da possibilidade dos produtoresfamiliares poderem disponibilizar a sua pro-dução para o mercado e, assim, contribuírempara o desenvolvimento econômico e de suaspróprias condições de existência.

Isso pode, efetivamente, permitir amelhoria da qualidade de vida de parcelas re-levantes de produtores familiares e indepen-dentes, o que significa conseguirem uma re-muneração melhor pela sua força de trabalhoe ampliação da “renda familiar”. Não, neces-sariamente, do lucro. As possibilidades deampliação desse valor em níveis de podertransformar agricultores familiares em capi-

talistas, isto é, que mobilizem,de forma permanente e dura-doura, força de trabalho assa-lariado e recursos suficientespara permitir a consecução delucros não dependem, nem in-trínsecamente, nem necessa-riamente, do fato da produçãoser familiar ou não, mas dasua capacidade de incorpora-ção de ganhos tecnológicos e deprodutividade, o que a coloca

no patamar da concorrência capitalista. Ouseja, cuja exigência de volumes crescentesde capitais, geralmente, transcende a possi-bilidade de geração e, sobretudo, de apropria-ção de excedentes da produção familiar ougrupal independente.

Isso significa que a realização do exceden-te agrícola da produção familiar assume, naprática, o caráter de uma espécie particularde lucro de alienação - portanto, mercantil - e,por isso, pode ser reduzido e, até, anulado pelaconcorrência de produtos mais baratos. Poressa razão, muitas vezes, os produtores fami-liares conseguem melhorar seus padrões deconforto (consumo) mas, dificilmente, conse-guem transitar para padrões de produção queos equiparem ou, menos ainda, que os trans-formem em capitalistas.

Entretanto, isso não impede a sua transi-ção para o que se tem denominado, ainda queinadequadamente, de agricultura patronal,FAO/INCRA (1994), fato que, aliás, não a tornalivre dessas restrições de realização. Estasdependem das condições específicas das pos-sibilidades de manutenção de taxas de lucro,no investimento agrícola, compatíveis com astaxas médias de outros ramos da economia.

Aliás, em nossa hipótese, aqui reside a ra-zão fundamental desse ramo da atividade eco-nômica, no capitalismo, não se configuraratrativo ao grande capital, fato que explica asua disponibilidade para a exploração pelopequeno capital e pela produção familiar ouindependente.AAAAA

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