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Produção in vitro de rainhas em abelhas sem ferrão com vistas à multiplicação de colônias Mauro Prato Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Entomologia da FFCLRP-USP. Contato: [email protected] Estima-se que existam cerca de 20.000 espécies de abelhas descritas, das quais 15% parasitam ninhos de outras abelhas e 80% possuem hábito solitário, portanto, apenas 5% são sociais (Michener, 1974). A família Apidae abriga desde abelhas solitárias, como os Euglossini e Bombini, até abelhas altamente eussociais, como as abelhas do gênero Apis e os Meliponini (abelhas sem ferrão). Os meliponíneos possuem dois grupos distintos de abelhas, as do gênero Melipona, exclusivamente Neotropical, e as abelhas do gênero Trigona e gêneros afins, que possui mais de 20 gêneros de distribuição tropical e temperada (Roubik, 1989). Em Meliponini, como nos demais Hymenoptera, a determinação do sexo ocorre por partenogênese arrenótoca, na qual ovos não fecundados originam machos (haplóides) e os fecundados originam fêmeas (diplóides). As associações mais complexas de abelhas evoluíram mediante várias etapas, destacando-se o aparecimento de cooperação no cuidado com a cria, divisão reprodutiva de trabalho, ou seja, surgimento de castas, e sobreposição de gerações (Wilson, 1971). Nas abelhas altamente eussociais as diferenças fisiológicas, comportamentais e às vezes morfológicas são marcantes (Engels & Imperatriz-Fonseca, 1990). O desenvolvimento das castas está relacionado com um amplo fenômeno de polimorfismo que nas abelhas envolve basicamente a população feminina, dividida entre rainhas e operárias. A rainha possui função exclusivamente reprodutiva, sendo incapaz de sobreviver isoladamente por muito tempo e de fundar sozinha uma nova colônia. Entretanto, sua presença na colônia é fundamental, garantindo a integridade e funcionalidade da sociedade, pois são fêmeas férteis responsáveis pela postura da maioria dos ovos e por todos aqueles que originarão fêmeas (operárias ou rainhas). A produção de rainhas é um investimento limitado em colônias de abelhas, apesar de serem produzidas ao longo de todo o ano nas abelhas do gênero Melipona, com uma freqüência de 20-25%, enquanto em Trigona e afins a freqüência é de apenas 1-2% (Kerr, 1950). Segundo Wirtz & Beetsma (1972) nos Hymenoptera sociais, e particularmente nas abelhas, a quantidade de alimento é um importante fator na determinação de castas. Em abelhas do gênero Apis o mecanismo de determinação de castas é exclusivamente alimentar (trofogênico), diferindo tanto na quantidade quanto na qualidade do alimento oferecido às larvas, sendo o processo de alimentação larval progressivo. Já nas abelhas sem ferrão, não foi encontrada diferença qualitativa entre o alimento oferecido às larvas que originarão rainhas e aquele oferecido às larvas que originarão operárias (Camargo, 1972 e Hartfelder & Engels, 1989) sendo massivo o processo de alimentação larval nessas abelhas, ou seja, todo o alimento é depositado nas células antes da postura dos ovos pela rainha, sendo as células fechadas pelas operárias após a postura (Nogueira-Neto, 1997). As abelhas sem ferrão possuem várias estratégias diferentes de fornecimento de alimento às suas larvas. A primeira delas pode ser observada nos gêneros Leurotrigona e Frieseomelitta, que constróem favos de cria na forma de “cachos”, onde as células de cria são separadas umas das outras, ligadas apenas por pilares de cera Assim, larvas que têm acesso somente ao alimento da sua célula se tornam operárias. Para se tornar rainha, uma larva precisa obrigatoriamente ter acesso ao alimento de outra célula vizinha, que contém somente alimento e é construída pelas operárias emendada na parede de uma célula de cria contendo ovo. Uma segunda estratégia de fornecimento de alimento em meliponíneos ocorre nos gêneros Trigona e afins (exceto nos gêneros Leurotrigona e Frieseomelitta), a quantidade de alimento recebida pela larva é o fator responsável pela diferenciação das castas, o que é conhecido como mecanismo trofogênico. As rainhas emergem de células maiores (realeiras) e recebem mais alimento que as operárias (Kerr, 1948 e Camargo, 1972). A determinação de castas em Trigonas e afins ocorre próximo do fim da vida larval, quando há ou não alimento

Produção in vitro de rainhas em abelhas sem ferrão com vistas à multiplicação de colônias

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Produção in vitro de rainhas em abelhas sem ferrão com vistas à multiplicação de colônias

Mauro Prato

Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Entomologia da FFCLRP-USP. Contato: [email protected]

Estima-se que existam cerca de 20.000 espécies de abelhas descritas, das quais 15% parasitam ninhos

de outras abelhas e 80% possuem hábito solitário, portanto, apenas 5% são sociais (Michener, 1974). A família

Apidae abriga desde abelhas solitárias, como os Euglossini e Bombini, até abelhas altamente eussociais, como as

abelhas do gênero Apis e os Meliponini (abelhas sem ferrão). Os meliponíneos possuem dois grupos distintos de

abelhas, as do gênero Melipona, exclusivamente Neotropical, e as abelhas do gênero Trigona e gêneros afins,

que possui mais de 20 gêneros de distribuição tropical e temperada (Roubik, 1989).

Em Meliponini, como nos demais Hymenoptera, a determinação do sexo ocorre por partenogênese

arrenótoca, na qual ovos não fecundados originam machos (haplóides) e os fecundados originam fêmeas

(diplóides). As associações mais complexas de abelhas evoluíram mediante várias etapas, destacando-se o

aparecimento de cooperação no cuidado com a cria, divisão reprodutiva de trabalho, ou seja, surgimento de

castas, e sobreposição de gerações (Wilson, 1971). Nas abelhas altamente eussociais as diferenças fisiológicas,

comportamentais e às vezes morfológicas são marcantes (Engels & Imperatriz-Fonseca, 1990). O

desenvolvimento das castas está relacionado com um amplo fenômeno de polimorfismo que nas abelhas envolve

basicamente a população feminina, dividida entre rainhas e operárias. A rainha possui função exclusivamente

reprodutiva, sendo incapaz de sobreviver isoladamente por muito tempo e de fundar sozinha uma nova colônia.

Entretanto, sua presença na colônia é fundamental, garantindo a integridade e funcionalidade da sociedade, pois

são fêmeas férteis responsáveis pela postura da maioria dos ovos e por todos aqueles que originarão fêmeas

(operárias ou rainhas). A produção de rainhas é um investimento limitado em colônias de abelhas, apesar de

serem produzidas ao longo de todo o ano nas abelhas do gênero Melipona, com uma freqüência de 20-25%,

enquanto em Trigona e afins a freqüência é de apenas 1-2% (Kerr, 1950).

Segundo Wirtz & Beetsma (1972) nos Hymenoptera sociais, e particularmente nas abelhas, a quantidade

de alimento é um importante fator na determinação de castas. Em abelhas do gênero Apis o mecanismo de

determinação de castas é exclusivamente alimentar (trofogênico), diferindo tanto na quantidade quanto na

qualidade do alimento oferecido às larvas, sendo o processo de alimentação larval progressivo. Já nas abelhas

sem ferrão, não foi encontrada diferença qualitativa entre o alimento oferecido às larvas que originarão rainhas e

aquele oferecido às larvas que originarão operárias (Camargo, 1972 e Hartfelder & Engels, 1989) sendo massivo o

processo de alimentação larval nessas abelhas, ou seja, todo o alimento é depositado nas células antes da

postura dos ovos pela rainha, sendo as células fechadas pelas operárias após a postura (Nogueira-Neto, 1997).

As abelhas sem ferrão possuem várias estratégias diferentes de fornecimento de alimento às suas larvas.

A primeira delas pode ser observada nos gêneros Leurotrigona e Frieseomelitta, que constróem favos de cria na

forma de “cachos”, onde as células de cria são separadas umas das outras, ligadas apenas por pilares de cera

Assim, larvas que têm acesso somente ao alimento da sua célula se tornam operárias. Para se tornar rainha, uma

larva precisa obrigatoriamente ter acesso ao alimento de outra célula vizinha, que contém somente alimento e é

construída pelas operárias emendada na parede de uma célula de cria contendo ovo.

Uma segunda estratégia de fornecimento de alimento em meliponíneos ocorre nos gêneros Trigona e afins

(exceto nos gêneros Leurotrigona e Frieseomelitta), a quantidade de alimento recebida pela larva é o fator

responsável pela diferenciação das castas, o que é conhecido como mecanismo trofogênico. As rainhas emergem

de células maiores (realeiras) e recebem mais alimento que as operárias (Kerr, 1948 e Camargo, 1972). A

determinação de castas em Trigonas e afins ocorre próximo do fim da vida larval, quando há ou não alimento

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13 suficiente para crescer, entrando em uma das duas vias possíveis, a que leva ao desenvolvimento de operária e

a que leva ao desenvolvimento de rainha (Michener, 1974).

A terceira estratégia ocorre nas abelhas do gênero Melipona onde não existem realeiras, portanto, as

rainhas se desenvolvem em células do mesmo tamanho das células de operárias e machos. Entretanto, as células

de onde nascem rainhas possuem uma quantidade ligeiramente maior de alimento. Nestas abelhas a

determinação das castas ocorre, supostamente por meio de mecanismo genético-alimentar, sendo as rainhas

heterozigotas para dois pares de alelos sexuais Xa e Xb (Kerr, 1948; Kerr & Nielsen, 1966). Só serão rainhas as

abelhas que apresentarem esta dupla heterozigose e receberem uma quantidade de alimento suficiente durante a

fase larval. As demais larvas heterozigotas pouco alimentadas ou homozigotas em qualquer dos loci ou nos dois,

originarão operárias. Segundo Makert (2006), são as operárias que determinam a produção de rainhas em Trigona

e afins, pois são elas que decidem sobre a construção de células juntas ou separadas (Leurotrigona e

Frieseomelitta), ou de células maiores (realeiras). Enquanto em Melipona, possivelmente, o sinal primário para

determinação de castas parte da própria larva, porém auxiliado pela alimentação larval que tem um efeito

modulador sobre essa decisão.

Em cada localidade, as abelhas dependem das plantas existentes, como fontes de alimento e como locais

de nidificação. Por outro lado, grande número de espécies vegetais depende das abelhas como agentes

polinizadores. É bastante razoável acreditar que a manutenção de grande número de nossas espécies vegetais

nativas, muitas delas, por certo, potencialmente úteis para o homem, depende da ação polinizadora das abelhas

silvestres. Assim, a importância das abelhas para o homem é enorme, pois elas se constituem no principal agente

polinizador de muitas espécies vegetais, tanto cultivadas quanto silvestres. Nesse ínterim, a técnica de produção

in vitro de rainhas de abelhas sem ferrão, baseada na manipulação da quantidade de alimento fornecida às larvas

em desenvolvimento vem contribuir com a multiplicação de colônias através de manejo controlado, visando a

obtenção de um número grande de colônias que poderão ser utilizadas tanto na meliponicultura quanto na

polinização.

Referências

CAMARGO, C. A. (1972). Determinação de castas em Scaptotrigona postica Latr. (Hymenoptera, Apidae). Rev. Brasil. Biol., v. 32, n. 1, p.

133-141.

ENGELS, W.; IMPERATRIZ-FONSECA, V. L. (1990). Caste development, reproductive strategies, and control of fertility in honey bees and

stingless bees. In: ENGELS, W. (ed.), Social insects, Springer-Verlag, Berlin. p. 167-230.

HARTFELDER, K.; ENGELS, W. (1989). The composition of larval food in stingless bees: evaluating nutritional balance by chemosystematic

methods. Insectes Sociaux. v. 36, n. 1, p. 1-14.

KERR, W. E. (1948). Estudos sobre o gênero Melipona. An. Esc. Sup. Agr. “Luiz de Queiroz”. v. 5, n. 2, p. 181-276.

KERR, W. E. (1950). Genetic determination of castes in the genus Melipona. Genetic. v. 35, p. 143-152.

KERR, W. E.; NIELSEN, R. A. (1966). Evidence that genetically determined Melipona queens can become workers. Genetic. v. 54, p. 859-865.

MAKERT, G. R. (2006). Genética da determinação de castas em Melipona quadrifasciata (Hymenoptera: Apoidea). 2006. 110p. Tese

(Doutorado em Genética), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.

MICHENER, C. D. (1974). The social behavior of the bees. Cambridge, Mass., Harvard Univ. Press. 404 p.

NOGUEIRA-NETO, P. (1997). Vida e criação de abelhas indígenas sem ferrão. São Paulo: Nogueirapis. 446 p.

ROUBIK, D. W. (1989). Ecology and natural history of tropical bees. Cambridge Univ. Press, Cambridge, Massachusetts. 248 p.

WILSON, E. O. (1971). The insect societies. Cambridge: Belknap Press Harvard University. 548 p.

WIRTZ, P.; BEETSMA, J. (1972). Introduction of caste differentiation in the honey bee (Apis mellifera) by juvenile hormone. Entomology

Experiment Application. v. 15, p. 517-520.