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C ADERNOS S AÚDE C OLETIVA , R IO DE J ANEIRO , 14 (1): 63 - 80, 2006 – 63 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NOS PORTOS E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE ACIDENTES DE TRABALHO EM ESTIVADORES DO ESPÍRITO SANTO Productive restructuring in harbors and their implications to work accidents among dock workers in Espírito Santo state, Brazil Denise Rozindo Bourguignon 1 , Luiz Henrique Borges 2 RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar a ocorrência de acidentes de trabalho entre os trabalhadores da estiva no Espírito Santo, no período de 1991 a 2002, e sua relação com fatores de risco presentes nas atividades. A hipótese desta pesquisa é que o processo saúde/doença é histórico e social, resultante do próprio modelo econômico de produção e os acidentes são produzidos pelas relações sociais do trabalho. Trata-se de um estudo epidemiológico que combina a abordagem descritiva e a análise de série histórica, por meio das Comunicações de Acidentes do Trabalho (CAT), arquivadas no sindicato da categoria. Os resultados mostram um aumento do coeficiente de acidentes de trabalho a partir da mudança de gerenciamento imposto pela Lei de Modernização dos Portos, que começou a vigorar em 1996, e um aumento dos acidentes relacionados com recordes de produção e redução do número de trabalhadores por terno. PALAVRAS-CHAVE Acidentes de trabalho, estiva, lei de modernização dos portos saúde do trabalhador ABSTRACT The objective of this study is to analyze the occurrence of accidents in the work among cargo loaders in Espírito Santo State, Brasil, during the period of 1991 to 2002, and its relationship with risks present in their activities. The hypothesis of this research is that the process of health and illness is historical and social, resulting from the economical model of production and the accidents are produced by the social relations in the work. This is an epidemiological study that combines descriptive approaches and analyses of historical series of Communications of Work Accidentes (CAT) archived in the trade union of the category. The results show an increase in the rate of work accidents after the change in the management determined by the Law of Harbours Modernization, published in 1996, and an increase on accidents related with the best performance of production and reduction in the number of workers by shift. KEY WORDS Work accidents, dock worker’s, law of harbors modernization, worker’s health 1 Mestre em Atenção à Saúde Coletiva. Coordenadora do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Espírito Santo. End.: Rua Aristides Navarro, n.º 45/402 - Centro - Vitória - ES - CEP: 29016-040 - Tel.: (27) 32233726 e-mail: [email protected] 2 Doutor em Ciências da Saúde. Professor do Mestrado em Atenção à Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo.

Productive restructuring in harbors and their implications ... · PDF file64 – CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (1): 63 - 80, 2006 DENISE ROZINDO BOURGUIGNON, LUIZ HENRIQUE

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C A D E R N O S S A Ú D E C O L E T I V A , R I O D E J A N E I R O , 14 (1 ) : 63 - 80 , 2006 – 63

A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NOS PORTOS E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE ACIDENTES

DE TRABALHO EM ESTIVADORES DO ESPÍRITO SANTO

Productive restructuring in harbors and their implications to workaccidents among dock workers in Espírito Santo state, Brazil

Denise Rozindo Bourguignon1, Luiz Henrique Borges2

RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar a ocorrência de acidentes de trabalho entre ostrabalhadores da estiva no Espírito Santo, no período de 1991 a 2002, e sua relaçãocom fatores de risco presentes nas atividades. A hipótese desta pesquisa é que oprocesso saúde/doença é histórico e social, resultante do próprio modelo econômicode produção e os acidentes são produzidos pelas relações sociais do trabalho. Trata-sede um estudo epidemiológico que combina a abordagem descritiva e a análise de sériehistórica, por meio das Comunicações de Acidentes do Trabalho (CAT), arquivadas nosindicato da categoria. Os resultados mostram um aumento do coeficiente de acidentesde trabalho a partir da mudança de gerenciamento imposto pela Lei de Modernizaçãodos Portos, que começou a vigorar em 1996, e um aumento dos acidentes relacionadoscom recordes de produção e redução do número de trabalhadores por terno.

PALAVRAS-CHAVE

Acidentes de trabalho, estiva, lei de modernização dos portos saúde do trabalhador

ABSTRACT

The objective of this study is to analyze the occurrence of accidents in the work amongcargo loaders in Espírito Santo State, Brasil, during the period of 1991 to 2002, andits relationship with risks present in their activities. The hypothesis of this research isthat the process of health and illness is historical and social, resulting from the economicalmodel of production and the accidents are produced by the social relations in thework. This is an epidemiological study that combines descriptive approaches andanalyses of historical series of Communications of Work Accidentes (CAT) archived inthe trade union of the category. The results show an increase in the rate of workaccidents after the change in the management determined by the Law of HarboursModernization, published in 1996, and an increase on accidents related with the bestperformance of production and reduction in the number of workers by shift.

KEY WORDS

Work accidents, dock worker’s, law of harbors modernization, worker’s health

1 Mestre em Atenção à Saúde Coletiva. Coordenadora do Centro de Referência em Saúde do Trabalhadorda Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Espírito Santo. End.: Rua Aristides Navarro, n.º 45/402- Centro - Vitória - ES - CEP: 29016-040 - Tel.: (27) 32233726 e-mail: [email protected]

2 Doutor em Ciências da Saúde. Professor do Mestrado em Atenção à Saúde Coletiva da UniversidadeFederal do Espír i to Santo.

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1. INTRODUÇÃO

A história do desenvolvimento da humanidade está implicitamente ligada aomar e seus portos. O comércio marítimo __ arte e sobrevivência de diferentespaíses __ representou fonte de riqueza e disseminação cultural, ocupando umpapel de destaque em diversas nações. Das especiarias à mão-de-obra escrava, dosimigrantes à exportação agrícola, todo o processo histórico, econômico e socialdo período colonial até o momento presente no Brasil e, especialmente noEspírito Santo, passa pelos portos e seus trabalhadores.

O Espírito Santo possui o maior complexo portuário da América Latina.Com seus terminais públicos e privados – de Tubarão, Praia Mole, Portocel,Capuaba, Vitória, Ubu e Regência – encontra-se integrado no cenário nacional einternacional, por meio da movimentação recorde de tonelagem, sendo consideradouma das principais malhas portuárias brasileiras (André, 1998).

Objetivando o incremento do superávit comercial com aumento do volumede exportações, ocasionado pela abertura do mercado e quebra das barreirasalfandegárias, em pleno contexto da globalização, as atividades portuárias têmapresentado um crescimento contínuo e progressivo.

Para o desenvolvimento das atividades no porto, participam diferentescategorias, que conformam um universo rico e diversificado na construção deum trabalho coletivo. Todos estão enquadrados como “trabalhadores avulsos”,ou seja, aqueles que não possuem vínculo empregatício com os tomadores deserviço e laboram por meio da intermediação obrigatória do sindicato da categoriae do órgão gestor de mão-de-obra (OGMO), sendo regulamentados pelosbenefícios da previdência social (Brasil, 1998).

Esses trabalhadores exercem suas atividades por produção, em ritmo irregular,configurando um sistema ocasional de trabalho. A distribuição da força de trabalhose caracteriza por um sistema de rodízio, com caráter eqüânime, ou seja, todos têmigual oportunidade de acesso ao trabalho com todos os tipos de carga manuseada.

Historicamente, essas atividades, fruto de uma cultura secular, possuem umtraço próprio, de se enquadrarem como uma profissão familiar, pois é freqüenteo parentesco na área ou uma relação de afetividade próxima, o que as diferenciade qualquer setor da economia. Essas características parentais criam laços estreitose uma relação de dependência e sujeição, sentimentos estes que são transferidosao sindicato da categoria (André, 1998; Araújo, et al., 2000; Pinto, 2000).

Entretanto, o caráter de uma organização do trabalho fortemente dependenteda relação sindical visto como sindicato-patrão – em função do controle do mercadode trabalho, da capacidade de gerirem a potencialidade da força produtiva emfrente ao capital e aos interesses e encargos sociais da categoria – é profundamenteabalado a partir da reestruturação produtiva imposta pela Lei 8.630/93, de

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modernização dos portos. Criada com o objetivo de reduzir o “Custo Brasil”, essalei impõe a figura do OGMO no papel de intermediar a relação entre o sindicatoe os armadores, trazendo alterações na organização do trabalho portuário, atingindodiretamente a força de trabalho avulsa com a perda da garantia da manutenção dospostos de trabalho, redução do número de pessoas por equipe (terno), extinção dealgumas funções em determinados tipos de embarque e a introdução do trabalhadormultifuncional (oriundo de outras categorias, que acessa o trabalho na estiva).

OS ESTIVADORES E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Os estivadores ocupam uma posição privilegiada no centro das relações detrabalho dos portuários avulsos, tendo em vista que é em torno deles que seefetiva toda a organização do processo de trabalho (André, 1998). Nascimento(1999), discorrendo sobre o trabalho portuário, sobretudo do estivador, afirmaque essa atividade possui características que estão presentes no trabalho do artesão,pois têm total conhecimento das ações que desenvolvem e controle sobre elas,bem como dos segredos de ofício, que são passados às gerações posteriores e seconstituem em fonte de orgulho e elemento de construção da identidade. Dessestrabalhadores, são exigidas habilidades, como força, iniciativa, grande experiência,capacidade de decisões rápidas e versatilidade, essenciais no desempenho dasatividades que apresentam variabilidades importantes em função das cargasmanuseadas e condições dos navios, presentes nos processos de trabalho do porto.

Segundo dados do Sindicato dos Estivadores do Espírito Santo, a populaçãoconstituinte da força de trabalho na estiva no Estado apresentou flutuações noperíodo entre 1991 e 2002, variando de um mínimo de 873 a um máximo de1.318 trabalhadores. Essa flutuação foi devida à existência de além dos profissionaisdo próprio quadro da estiva, trabalhadores oriundos de intercâmbio (práticautilizada no Espírito Santo, onde, em períodos de maior volume de trabalho,estivadores de diferentes bases sindicais eram convocados para atender às demandas)e trabalhadores multifuncionais.

De acordo com a Lei nº. 8.630/93, esses trabalhadores dividem-se em registradose cadastrados. O registro é a condição de titular do trabalhador portuário avulso,para exercer suas atividades no porto. Os cadastrados são os trabalhadores que seaposentaram antes da lei e retornaram ao trabalho. Os que se aposentaramposteriormente, só podem voltar à ativa se prestarem um novo concurso.

O processo de trabalho na estiva constitui-se de tarefas de arrumação eretirada de mercadorias nos porões e convés de navios, a partir de processomanual ou uso de equipamentos. Esse processo de trabalho é determinado pelasagências estivadoras, que decidem, conforme a carga e navio, a forma com que otrabalho será executado (André, 1998; Pinto, 2000).

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Conforme entrevistas informais realizadas junto à direção sindical e trabalhadoresda base (Bourguignon, 2004), a divisão técnica do trabalho é feita, de acordocom as atividades, nas funções: chefia, técnicas e básicas. Uma questão importanteé que essas funções são exercidas por rodízio, com exceção das atividades deguincheiro e empilhadeirista, que são consideradas funções técnicas especializadas.As tarefas são executadas em carga horária de seis horas, sendo divididas emquatro turnos, havendo um descanso obrigatório de onze horas. As dobras deturno são permitidas excepcionalmente.

Para efetuarem suas atividades, reconhecidas como um trabalho coletivo efinalidade dos serviços portuários, são compostos os ternos, formados porgrupos de trabalhadores. O número de ternos varia de acordo com a tonelagem,tipo de carga, condições operacionais do navio e número de porões. O númerode integrantes desses ternos vem reduzindo desde 1996, caindo de quatorzepara oito trabalhadores.

A organização e a distribuição da força produtiva ocorrem na parede, a partirda demanda do OGMO, sendo esse um local de engajamento para o trabalho,coordenado por um fiscal escolhido pela diretoria sindical. O acesso ao trabalhoé feito pelo câmbio, um cartão nominal e intransferível, com o número da matrículae os dias do mês, no qual é marcado o último dia trabalhado, como critério paraa disputa do trabalho. Esse instrumento possui regras claras estabelecidas para aescalação, inclusive para as questões de empate.

A remuneração é variada, de acordo com o tipo de carga, proporcionalàs tonelagens movimentadas, sendo determinada por convenção e acordoscoletivos. Trabalhadores especializados e contramestres recebem adicionaisque variam de 15% a 50% pelo desempenho da atividade. Existem acréscimostambém para atividades efetuadas em período noturno, finais de semana eferiados.

Assim, conforme Araújo et al. (2000), os trabalhadores portuários podem serconsiderados únicos pela forma de vínculo de trabalho, por suas oportunidadesde trabalho ocasionais, pela falta de processo de seleção, por um esquema detreinamento ausente ou insuficiente e pelo baixo pagamento pela produção.

OS RISCOS DO TRABALHO NA ESTIVA E SEUS EFEITOS NA SAÚDE DOS TRABALHADORES

As condições no processo de trabalho da estiva apresentam-se de modo nãouniforme, com riscos específicos que se refletem sob a forma de diferentes cargasde trabalho. Morrone e Najar (1984) identificaram, entre os riscos inerentes aotrabalho da estiva: condições inseguras de acesso aos navios, com escadas suspensase escorregadias, que podem determinar riscos de afogamento por queda no mar;baixas temperaturas nas câmaras frigoríficas; calor nos porões; exposição a gases

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nocivos; escorregões em pisos irregulares no convés e porões; queda de nível nascargas estivadas e o risco de lesões produzidas por guinchos, cabos de aço ecargas suspensas sobre o corpo desses trabalhadores.

No Espírito Santo, Garcia Júnior (2000) identificou equipamentos e máquinassem a qualidade exigida, com componentes danificados e improvisados, quelevavam os estivadores a se acidentarem. O campo de trabalho, marcadopela instabilidade e imprevisibilidade, onde coexistem presenças de gases,poeiras, luminosidade deficiente, ruído elevado, temperaturas altas ou muitobaixas, traduz as condições insalubres, caracterizando um exercício profissionalem que as vivências de alto risco permeiam o cotidiano. Esse autor, referindo-se aos riscos nas operações com produtos siderúrgicos e celulose, observouque essas atividades apresentam categorias de média e alta probabilidadede ocorrência de acidentes e que as condições de trabalho não sofrerammudanças positivas ao longo dos anos, persistindo condições inseguras nesseespaço produtivo.

Segundo informações veiculadas na mídia (Luz & Castilho, 2000;Portuário..., 2000), o número de acidentes do trabalho nos portos do EspíritoSanto havia triplicado nos três anos anteriores. Em dezembro de 2001, já secomputavam quarenta ocorrências graves, com um óbito por esmagamento e,em junho de 2002, oitenta ocorrências acidentárias, a mostrar a realidade naorla durante os referidos anos. Gonçalves e Pereira (2002), em estudoestatístico efetuado pelo Sindicato dos Estivadores, observaram um aumentode 137% de afastamentos dos estivadores por acidente do trabalho, nosquatro anos anteriores.

A explicação de diferentes autores na área tem deixado à margem questõescruciais para a compreensão do problema das transformações da organizaçãodo trabalho, sob a égide da Lei nº. 8.630/93, e de que forma essa lei temimpactado a saúde dos estivadores. Ora, em tempos de reestruturação produtiva,em que a qualidade total passa a ser a palavra de ordem, como cruzarprodutividade e acidente do trabalho, considerando que o acidente é fator deinibição da produção e repercute negativamente sobre essa coletividade detrabalhadores? Essas lacunas referem-se a uma análise dos acidentes de trabalhono período pré e pós- implantação da Lei 8.630/93, de modo que se evidenciemquais os efeitos das mudanças implantadas sobre a saúde dos estivadores, dentroda perspectiva de compreensão mais apurada do processo saúde-trabalho queperpassa esses trabalhadores.

Este estudo teve como objetivo analisar a ocorrência de acidentes de trabalhoentre os trabalhadores da estiva no Espírito Santo, no período de 1991 a 2002, esua relação com fatores de risco presentes em suas atividades.

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2. METODOLOGIA

Foi realizado um estudo descritivo dos acidentes de trabalho ocorridos entreos estivadores do Espírito Santo, no período entre 1991 e 2001. Posteriormente,os dados foram agregados de forma a constituir um estudo de séries temporais.

Foram examinadas 812 comunicações de acidentes do trabalho (CAT)registradas entre 1º de janeiro de 1991 e 31 de dezembro de 2002, que seencontravam arquivadas no Sindicato dos Estivadores do Espírito Santo econstituíam um banco de dados computadorizado. Foram realizadas duasrevisões para a conferência de todos os campos do banco de dados, tendosido efetuadas correções e preenchimento de campos incompletos, a partir deinformações presentes nas próprias CATs.

Foram utilizados somente os antiversos das CATs, pois os versos se encontravamem branco ou em cópias carbonadas ilegíveis, o que não possibilitou o uso dainformação “diagnóstico médico provável”. As informações contidas nas CATscontemplavam: identificação do acidentado (nome, data de nascimento), dadosdo acidente (porto em que ocorreu, data, hora de ocorrência, número de horasapós o início da jornada), descrição do acidente, tipo de lesão, parte do corpoatingida e objeto causal.

A análise foi iniciada com a distribuição de freqüência dos acidentes, ano aano, segundo as variáveis: tipo de acidente, tempo de afastamento do trabalho,idade, mês de ocorrência, dia da semana, porto e local de ocorrência. Tendo emvista a insuficiência de dados que permitissem uma melhor discussão sobre osacidentes de trajeto, foram enfocados os acidentes típicos, distribuídos pelasvariáveis: turno de trabalho, tempo decorrido em relação ao início da jornada detrabalho, tipo de carga, objeto causador, fatores relacionados com o processo detrabalho, parte do corpo atingida e tipo de lesão.

Como forma de integrar dados relacionados com fatores causais e com aslesões decorrentes dos acidentes construiu-se um diagrama com os principais achadosreferentes ao cenário mais encontrado na produção desses acidentes.

Foram calculados os coeficientes de ocorrência de acidentes e de letalidadepor acidentes de trabalho, visando a estabelecer medidas de risco passíveis decomparação no estudo de série temporal. A hipótese de impacto da implantaçãoda Lei 8.630/93 sobre a produção de acidentes do trabalho foi testada por meiode análise dos coeficientes de acidente, por meio de gráfico de dispersão e cálculodas retas de regressão para os períodos 1991-1995 e 1996-2002, tendo em vistaque a implantação da lei no Espírito Santo se deu em 1996.

Por fim, realizou-se uma análise de regressão elaborada para testar a correlaçãoexistente entre o coeficiente de acidente de trabalho e um coeficiente derivadoda composição do volume de carga embarcada/desembarcada e do número de

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homens envolvidos nos ternos de trabalho. O pacote estatístico utilizado nessasanálises foi o Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 8.0, de 1997.

Para a análise dos resultados, foi adotada a teoria sociológica da produção deacidentes proposta por Dwyer (1994), a partir da assertiva de que os acidentessão produzidos pelas relações sociais do trabalho, ou seja, a forma como égerenciada a relação entre o sujeito e seu trabalho. Para esse autor, o modeloexplicativo da produção de acidentes sustenta-se em uma teoria que retomacategorias sociológicas ligadas ao rendimento (incentivos financeiros, excesso de cargahorária e incapacidade de trabalhadores malnutridos desempenharem tarefas comsegurança), comando (desintegração do grupo de trabalho e autoritarismo) eorganização (falta de qualificação e de estrutura gerencial) existentes numa empresa.

3. RESULTADOS

Dos 812 acidentes de trabalho ocorridos entre os estivadores do EspíritoSanto no período de 1991 a 2002, foram identificados 779 (95,9%) acidentestípicos e 33 (4,1%) acidentes de trajeto.

Observaram-se 92,9% de acidentes com afastamento, sendo 18% de até quinzedias e 42,7%, de dezesseis a noventa dias. Esses acidentes determinaram um totalde 86.858 dias de afastamento da produção, com uma média de 107 dias deafastamento por acidente. Não foram calculados os dias perdidos, de acordo coma Norma Regulamentadora nº 5, do capítulo V da Consolidação das LeisTrabalhistas, tendo em vista a ausência de diagnóstico médico nas CATs em estudo.

Houve a ocorrência de treze acidentes fatais, sendo oito em acidentes típicose cinco em acidentes de trajeto. A média de idade dos acidentes fatais foi de 47,4anos, com desvio-padrão de 10,5 anos. A moda da distribuição dos acidentesfatais por ano de ocorrência encontrou-se em 1996, quando houve cinco acidentesfatais. Nesse ano, iniciava-se a mudança da forma de gestão da força de trabalho,que sai do controle sindical e passa para o OGMO. Esses acidentes apresentaramcomo processo causal determinante, o manuseio de cargas (61,5%), não havendopredomínio significativo de nenhum objeto causal e nem das cargas envolvidas,que apresentaram distribuição uniforme.

Os acidentes em geral ocorreram com trabalhadores que apresentaram umamédia de idade de 41,6 anos, com desvio-padrão de nove anos. Houve umatendência crescente da média de idade dos estivadores acidentados, no transcorrerdo período estudado, quando a proporção de acidentes na faixa etária de 20-29anos decresceu de 20,8% para 7,9%, enquanto na faixa etária de 60 anos ou maiscresceu de zero para 5,3%.

A distribuição de acidentes de trabalho por porto mostrou que o portoprivativo especializado de Praia Mole apresentou a maior proporção de

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acidentes (55,6%), ficando o porto público de Vitória com 32,1% de acidentes.O porto de Praia Mole é quem demanda 60% do volume de trabalho dosestivadores e obteve o recorde histórico de movimentação de cargas em 2002, de7,5 milhões de toneladas (Aderes, 2003), o que, aliado à velocidade de suaoperação, fornece grandes riscos de acidentes. O porão foi o local de maiorocorrência de acidentes (95,1%).

Em relação ao mês e dia da semana, houve maior proporção de acidentes emagosto e nas quintas-feiras, mas a indisponibilidade de informações quanto ao númerode trabalhadores expostos em cada mês e em cada dia da semana não possibilitou oestudo da probabilidade de ocorrência dos acidentes, segundo essas variáveis.

No tocante ao turno de trabalho, 35,8% dos acidentes ocorreram no turnode 7 às 12h59min. Da mesma maneira, a inexistência de registros de basepopulacional por turno não permitiu efetuar o cálculo de risco. Em relação aotempo decorrido desde o início da jornada de trabalho, 39,1% dos acidentesaconteceram até a segunda hora trabalhada.

As principais cargas envolvidas com os acidentes foram os produtos siderúrgicos(58,4%), ficando em segundo lugar as cargas conteinerizadas (8,6%). Dos objetoscausadores, foram encontrados 88 tipos, sendo a madeira o principal (16,6%),seguida de piso irregular (4,2%). Entre os fatores relacionados com o processocausal, encontraram-se máquinas/equipamentos/acessórios com 52,1% e cargasmanuseadas com 33,2%. Os membros inferiores foram as principais áreas docorpo atingidas (41,8%), seguidos pelos membros superiores (30,4%).

A Figura 1 mostra o principal cenário para a produção de acidentes queenvolveram a utilização de máquinas/equipamentos/acessórios.

Figura 1Principal cenário de acidentes típicos em estivadores do Espírito Santo. Vitória, 1991-2002.

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Nesse cenário, os dois principais objetos causadores foram escada (165) emadeira (129). As lesões ocorreram predominantemente em membros superiores,coluna e membros inferiores, determinando lesões do tipo contusão, imprensamento,fraturas, lombalgias e outros. A média de dias de afastamento do trabalho devidoa esses acidentes foi de 97 dias.

A Tabela 1 apresenta a distribuição ano a ano dos coeficientes de acidentesde trabalho entre os estivadores.

Tabela 1Coeficientes de acidentes de trabalho em estivadores do Espírito Santo. Vitória, 1991-2002.

* Número de acidentes típicos ocorridos para cada 100 trabalhadores da força de trabalho.** Número de acidentes ocorridos para cada 100 trabalhadores da força de trabalho.

Os coeficientes de acidentes ocorridos com a força de trabalho dos estivadoressofreram uma variação importante, tendo seu maior valor em 1991 (17,07%),com um descenso progressivo até 1995 (2,38%). Este período coincide com arealização de treinamentos dentro de um projeto de parceria entre o sindicato dacategoria e a Fundacentro-ES, do qual participaram todos os estivadores, ecom a incorporação de um contingente maior de trabalhadores oriundos deintercâmbio, que apresentavam domínio do trabalho, o que pode ter determinadouma redução da intensidade do trabalho. Entretanto, observou-se que, apartir de 1996, ano da implantação das mudanças organizacionais, ocorreuuma tendência crescente dos coeficientes de acidentes do trabalho, atingindo,em 2002, o valor de 9,55%.

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Essa tendência fica visualizada melhor na Figura 2, que mostra oresultado do cálculo das retas de regressão ajustada para os períodos de1991-1995 e 1996-2002.

O resultado da análise de regressão efetuado para avaliar a correlação entreas variáveis coeficiente de acidentes de trabalho típicos e coeficiente carga/homempode ser observado na Figura 3.

A relação existente entre as variáveis estudadas é de aproximadamente 50%(R²=0,500), o que significa que metade da explicação para a ocorrência deacidentes deveu-se aos fatores relacionados com o coeficiente carga/homem.

Figura 2Gráfico de dispersão dos coeficientes de acidentes de trabalho com reta de regressãoajustada, segundo período, em estivadores do Espírito Santo. Vitória, 1991-2002.

Figura 3Correlação entre coeficiente de acidentes típicos e o coeficiente carga/homens em estivadoresdo Espírito Santo. Vitória, 1991-2002.

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4. DISCUSSÃO

A análise dos acidentes de trabalho baseada nas notificações pela CAT têmsido objeto de reflexão de diferentes pesquisadores, que apontam para asubnotificação pelas empresas, constituindo fonte de viés que leva à subestimaçãodo número total de acidentes ocorridos (Binder & Cordeiro, 1997; Binder et al.,[19—). Entre os estivadores do Espírito Santo, esta subnotificação ocorre também,pois, apesar da vigilância aos acidentes efetuada pelo sindicato da categoria,somente foram encontrados registros de acidentes que levaram a afastamento dotrabalho, com a média de 107 dias por acidente. Isto pode ser explicado pelo fatoda remuneração se dar na forma de ganhos por produção, o que implica que oestivador afastado por acidente somente recebe sobre a contribuição previdenciáriaefetuada, muito aquém dos ganhos auferidos cotidianamente no trabalho.

Os acidentes de trabalho ocorridos com os estivadores aconteceram,primordialmente, na faixa etária que vai dos 32 aos 50 anos de idade. Apesar daimpossibilidade de calcular medidas de risco por faixa de idade, tendo em vista aindisponibilidade de dados sobre a população exposta ao risco por faixa de idade,observou-se um aumento progressivo da média de idade dos acidentados em cadaano. Isso aponta uma insuficiência explicativa de que o domínio do exercício daatividade pelo conhecimento, adquirido com o decorrer dos anos, reduziria oíndice de acidentes. Apesar da experiência aumentada, com a idade há reduçãoda força física e da capacidade de concentração que, por estarem envolvidosnuma atividade rotineira podem acidentar-se. Um fato que não pode passar semconsiderações é o aumento de acidentes na faixa etária de sessenta anos ou mais,que sai de zero para 5,3%. Essa mudança, inclusive, demonstra como, a partir de1998, período em que se aprofunda a crise recessiva no País, a necessidade de ostrabalhadores mais idosos permanecerem trabalhando para a manutenção do seupadrão de consumo os expõe aos acidentes.

Além disso, independentemente do envelhecimento da categoria, os acidentespodem ser explicados pelas características da organização do trabalho e da cargade trabalho na estiva, constituindo indicadores do desgaste biopsíquico que ocorrenesses trabalhadores. De acordo com Laurell e Noriega (1989), é nas coletividadeshumanas e não nos indivíduos isolados que os processos de desgaste adquiremvisibilidade, ao ultrapassarem o conceito de características individuais. Portanto,estes acidentes devem ser visualizados a partir da base técnica, organização edivisão do trabalho em que os trabalhadores estão imersos, refletindo um modohistórico “de andar a vida”.

Refletindo sobre o tempo de afastamento encontrado, que corresponde a186.858 dias no período estudado e que determinou uma média de 107 dias deafastamento, considera-se vital que os acidentes de trabalho sejam visualizados à

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luz dos danos causados aos trabalhadores, às suas famílias e à sociedade como umtodo. Esses danos se manifestam na forma de redução de renda, gastos comacomodação especial para a recuperação da saúde, medidas terapêuticas, quebrada rotina familiar e, o mais importante, a dor e o estigma do acidentado, quandonão a dor nas famílias pelos óbitos ocorridos. De acordo com Laurell e Noriega(1989), as condições de saúde dos trabalhadores igualmente se relacionam com oconsumo, que é determinado pela renda e salário, que respondem pelo atendimentodas necessidades básicas e objetivas da vida. No trabalho portuário, essa renda épropiciada por um padrão de comportamento estimulado pela produtividade emníveis cada vez maiores.

Segundo Dwyer (1994), o ganho por incentivos financeiros está na gênesede acidentes do trabalho, produzidos no gerenciamento das relações sociais,que ocorrem no que ele denomina de nível de rendimento. A aceleração daprodutividade, como garantia de ganhos maiores, termina por levar à posiçãode assumir maiores riscos para obtê-los.

André (1998), discutindo os ganhos por produção adotados no trabalhoportuário, considera que representam um fetiche mágico, que, no cotidiano,condiciona os trabalhadores avulsos a irem seguidamente à parede para engajamentonos serviços. Dessa forma, são condicionados também a assumirem a interiorizaçãode comportamentos de risco que tendem a ultrapassar os limites de segurança erealizar dobras de turnos (horas extras), indo além de suas capacidades físico-psíquicas, gerando a possibilidade de acidentes. Esse fato foi demonstrado porBourguignon et al. (2000) quando, em estudo da categoria, verificaram existirassociação estatisticamente significante entre efetuar horas extras e sofrer acidentes.

De acordo com Aragão (2002), a associação de interesses diversos, masconvergentes, entre trabalhadores pressionados pelo ganho financeiro, queaceleram seu ritmo de trabalho, e empresários interessados na movimentação dascargas com menores custos, resulta em uma combinação que pode se traduzir soba forma de acidentes de trabalho.

Esse fato está explicitado na produção dos recordes históricos de embarquede cargas, como os citados no porto de Praia Mole, em 2002, que levaram aoembarque de 7,5 milhões de toneladas de produtos siderúrgicos (Aderes, 2003) eque, além de ser a unidade produtiva que mais demanda serviço aos estivadores,também é o lugar em que mais acontecem acidentes, sendo responsável por 34,3%dos acidentes ocorridos no referido ano.

Outros níveis de determinação pelas relações sociais do trabalho, conformeproposto por Dwyer (1994), também podem explicar a ocorrência dos acidentesde trabalho entre os estivadores. No que ele denominou nível de comando,identificam-se situações dotadas de complexidade, que merecem destaque, por

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fazerem uma interface com questões relacionadas com o autoritarismo e adesintegração do grupo de trabalho e que também se relacionam com a qualificação.

É importante lembrar que, historicamente, o porto sempre foi marcado pelaviolência. Segundo Aragão (2002), esse é um dos últimos redutos de trabalhoonde não há mulheres exercendo tarefas. Essa reserva para trabalho manual, quepossui a exigência de virilidade e força, determina comportamentos de bravatas,em desafio ao cotidiano de risco, e se faz palco de relações ásperas e agressivasque visam ao controle e à disciplina sobre os corpos dos trabalhadores. O queantes eram controle e disciplina inseridos num contexto de relações de trabalhoem que o sindicato representava a categoria na negociação com os contratantesde serviço e na organização do trabalho, torna-se instrumento de extração damais-valia sobre a força de trabalho.

No aspecto que se relaciona com a desintegração do grupo, é importanteafirmar que a Lei de Modernização dos Portos (8630/93) tem na sua formataçãoa implicação do desmonte da atuação sindical, quando esvazia a forma tradicionaldessa ação (sistema em que somente o trabalhador da categoria poderia exerceras atividades inerentes à mesma) e propõe a multifuncionalidade (trabalhadorespertencentes a outras categorias do porto poderem exercer a função de estivador).A saída do sindicato como agenciador de mão-de-obra trouxe, conforme ponderamAraújo et al. (2000), patrões que possuem uma superficialidade em relação aoporto, visto como passagem, lugar de negócios, com nenhum vínculo com a categoria.Esse fato retrata fielmente a divisão proposta pela relação capital/trabalho: deum lado, uma gestão distanciada; do outro, a força de trabalho, necessariamenteatenta e submissa ao ditames do capital.

Os efeitos da proposta de esvaziamento do papel do sindicato podem serobservados na análise descritiva realizada, quando os dados apontam que, após aqueda progressiva dos coeficientes de acidentes, no período de 1991 a 1995, porrazões anteriormente pontuadas, estes vêm a sofrer um crescimento progressivo,a partir de 1996, ano em que se implantaram as mudanças organizacionais.

O aumento encontrado no coeficiente de acidentes de trabalho, que sai de2,44%, em 1997, para 5,42%, em 1998, não pode ser atribuído à má sortedos trabalhadores acidentados. As mudanças instituídas pela Lei nº. 8.630/93trouxeram ao universo da estiva, em 1998, a figura dos trabalhadoresmultifuncionais, determinando impactos diferenciados nos grupos de trabalho.A qualificação diferenciada dos multifuncionais, a presença de trabalhadoresimpostos por via judicial e a importação de modelos tecnológicos dos paísesdesenvolvidos obrigam os estivadores a um permanente esforço de adaptação,que tem sido efetuado às custas de algumas formas de desgaste, contribuindo naprodução de acidentes (Aragão, 2002).

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Utilizando o último nível proposto por Dwyer (1994) para explicação dosacidentes de trabalho pelas relações sociais do trabalho, o nível de organização,alguns pontos importantes relacionam-se com os cenários envolvidos na produçãodos acidentes aqui estudados, quando se identifica que 52,1% dos acidentesocorridos entre os estivadores estão associados às condições técnicas das máquinas,equipamentos e acessórios e indicam falhas no gerenciamento de questões ligadasàs atividades de manutenção no processo produtivo.

Segundo Freitas (2001), uma produção elevada normalmente está associada aoestresse mecânico de máquinas e equipamentos, que, se não estiverem submetidos auma previsão de atividades de manutenção, ou se forem negligenciados, têmresultado em freqüência elevada de incidentes e, por conseqüência, de acidentesdo trabalho. Essa observação vai ao encontro dos achados de André (1998), GarciaJúnior (2000) e Aragão (2002), que identificaram que os equipamentos e acessóriosoperados pelos estivadores, na movimentação de carga/descarga de mercadorias,encontraram-se associados aos acidentes que atingem esses trabalhadores.

Também no nível da organização, um outro cenário evidenciou que 42,6%dos casos de acidentes relacionavam-se com fatores vinculados à divisão do trabalho,que se expressaram como ligados ao manuseio das cargas e esforços excessivos.

Por fim, em relação às mudanças sofridas pela organização do trabalho, emque esses trabalhadores estão inseridos, devem-se resgatar as efetuadas na reduçãodo número de homens por terno de trabalho. Essa redução de efetivos, que temcomo objetivos a diminuição dos custos com a força de trabalho e o aumento daprodutividade, tem determinado muitas situações que não permitem margens demanobras capazes de manter a segurança necessária no processo de produção,em razão de sua variabilidade (Freitas, 2001).

Objeto de discussão e negociação permanente, essa estratégia, imposta pelocapital na extração de ganhos, em torno de um sobretrabalho, está bemrepresentada, quanto às suas conseqüências, na análise de regressão efetuada eque demonstrou que metade das explicações para a ocorrência de acidentesdeve-se ao aumento do volume de trabalho e à redução no número de homens.Essa prática, adotada no modelo de reestruturação produtiva de conformaçãoneoliberal, tem sido responsável pela extinção de postos de trabalho, precarizaçãoe conseqüente exclusão de trabalhadores, por um aumento na densidade dotrabalho com produção de efeitos sobre a saúde da classe que vive do trabalho,que se manifestam nas doenças e acidentes do trabalho.

5. CONCLUSÃO

O trabalho na estiva é um espaço paradigmático para dar visibilidade àdinâmica do trabalho portuário. Reconhecidos como os principais atores de um

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trabalho coletivo, dotado de grande variabilidade, é sobre esses trabalhadoresque a exposição concreta a diferentes cargas de trabalho se corporifica na formade fenômenos sociais identificados como acidentes de trabalho.

Para que os resultados encontrados possam ter significado, em relação àpossibilidade de traçarem um diagnóstico da morbidade acidentária, é fundamentalque as expressões, por meio de tabelas, estatísticas e gráficos, que apontam aexistência de um fenômeno de extrema relevância para a compreensão da relaçãode trabalho e saúde dos estivadores, sejam entendidas no contexto de uma realidadeque possui uma historicidade determinada.

Essa construção foi efetuada tendo como referência uma concepçãoepidemiológica que compreende que é no movimento dialético entre o social, ocultural e o econômico que as cadeias de causalidade produtoras de doenças esaúde se conformam (Breilh, 1990). É, pois, necessário identificar quais são osfatores determinantes das estruturas socioeconômicas e de que maneira elas influemna produção dos agravos sobre a classe trabalhadora.

Nesse sentido, é importante salientar que o grupo de que se fala são trabalhadoresestratégicos, portadores de uma cultura sólida em um universo de trabalhomasculino, determinado historicamente pela divisão sexual do trabalho e em rápidoprocesso de transformação e influenciado pela reestruturação produtiva vigenteno País. A condição de atores que ocupam uma posição privilegiada no centrodas relações do trabalho portuário não os isenta, porém, de exporem-se a umtrabalho árduo e perigoso, cujo ritmo intenso confere um aumento da densidadedo trabalho e conseqüências sobre a saúde dessa parcela de trabalhadoresno Espírito Santo.

Em relação ao aumento do coeficiente de acidentes de trabalho a partir damudança do gerenciamento, imposta pela Lei de Modernização dos Portos, éimportante salientar que a gestão política ideológica do neoliberalismo, ao atacar,sistematicamente, a representação social dos trabalhadores, como forma de suasubmissão, promove um enfraquecimento da identidade de classe dos trabalhadores eo rompimento com a identidade de trabalhador avulso construída a partir de suaprincipal referência, que é o sindicato.

Dessa forma, a estratégia adotada pelo modelo neoliberal dedesregulamentação dos direitos, a precarização das relações de trabalho e oenfraquecimento sindical deixa os trabalhadores expostos cada vez mais àselvageria do mercado. O impacto dessas mudanças na força de trabalho nãopode ser ingenuamente simplificado, limitando-se a ser um fenômeno mensurável,pois a realidade vai além das aparências.

A posição que os estivadores ocupam em frente aos meios de produção é queexplica os acidentes aqui identificados, como a manifestação dos efeitos da exposição

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às cargas laborais. Sua dinâmica associa-se à produção do desgaste à saúde dosestivadores e reflete as conseqüências do modelo de modernização imposto aostrabalhadores portuários do Espírito Santo.

É importante ressaltar o aumento dos acidentes em relação ao recordes deprodução e à redução no número de trabalhadores por terno, como um exemplosignificativo da intensificação do trabalho, sobre um número cada vez menor detrabalhadores. Dito isso, é vital que se enfrente a lógica de uma cultura que criasistemas de remuneração formais e informais (na forma de premiações), demaneira a manter-se uma produtividade máxima que coloca os trabalhadoresem faixas limítrofes de perigo.

Nesse aspecto, torna-se urgente a retomada do debate entre o Governo eos Sindicatos, em torno das políticas de regulação para a proteção ao trabalho.A convenção nº 137 da OIT, que foi ratificada no Brasil em 1995 e queprevê as repercussões sociais que a modernização portuária impõe sobretrabalhadores portuários, não consegue ser operacionalizada por não estarregulamentada, o que requer dos sindicatos e das forças progressistas umposicionamento (Brasil, 1995).

No que tange ao campo da Saúde Coletiva, é imprescindível implementaruma política nacional de promoção e proteção à saúde e segurança do trabalhador,mediante a adoção de um sistema integrado de informações e o controle defatores de risco presentes no processo de trabalho, por meio da ação das diferentesinstâncias envolvidas com a temática saúde e trabalho. Os esforços em criar, noPaís, um sistema integrado de informações em saúde não lograram ainda incorporaros dados da previdência social, fornecendo indicadores de freqüência dosprincipais agravos, que motivam o afastamento do trabalho na parcela da populaçãocoberta pela previdência social.

A integração dos diferentes órgãos que detêm informações, no sentido de seefetivar a construção de uma política única, a partir da adoção de um conceitoampliado de acidente de trabalho que abranja toda a população potencialmentetrabalhadora, a adoção de um sistema de notificação compulsória que permitaum registro de um evento e seu tratamento estatístico, a partir da epidemiologiaaplicada à saúde do trabalhador, são passos fundamentais para o estabelecimentodo perfil verdadeiro epidemiológico da população, que possibilite efetivar açõesque auxiliem na inversão do modelo de morbi-mortalidade vigente.

A investigação do modo de produção real da organização do trabalho e aincorporação dos trabalhadores nessas investigações irão certamente ultrapassaras questões técnicas, sempre presentes nas análises de acidentes e aprofundar aincorporação de que acidentes são produzidos por relações sociais de trabalho epassíveis de prevenção por mudanças nessas relações.

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