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PRODUÇÃO DE CLÍNQUER PORTLAND COM INCORPORAÇÃO DE RESÍDUO DE TiO2 (CLINKER PORTLAND MANUFACTURE WITH INCORPORATION OF TiO2 WASTE) B. B. Mariani 1 ; J. S. Andrade Neto 2 , N. S. Amorim Júnior 3 , D. V. Ribeiro 4 1 UFBA Universidade Federal da Bahia [email protected]; 2 UFBA Universidade Federal da Bahia [email protected] 3 UFBA Universidade Federal da Bahia [email protected] 4 UFBA Universidade Federal da Bahia [email protected] Resumo A prática de reaproveitamento de resíduos na indústria produtora de cimento tem se expandido devido à crescente busca por alternativas que efetivamente reduzam a quantidade de energia e emissões de CO2 gerados durante a produção de clínquer Portland e por uma destinação ambiental mais adequada de diversos resíduos industriais. Neste sentido, o presente trabalho teve como foco produzir clínquer Portland com baixa emissão de CO2 a partir da incorporação de minério não reagido (MNR), resíduo da produção de dióxido de titânio (TiO2). Para isto, foi realizada a caracterização físico-química das matérias-primas utilizadas (MNR, calcário e argila). Em seguida, as farinhas foram calcinadas a 1340°C e, então, os clínqueres foram analisados através de ensaios de Difração de raios X (DRX), Microscopia Óptica e Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV). Os ensaios evidenciaram a potencialidade de utilização desse resíduo, que apresenta efeito mineralizante e, por conseguinte, auxilia no crescimento dos cristais de silicatos. Palavras-chave: Clínquer Portland; Resíduos Industriais; MNR; Emissão de CO2.. EVALUATION THE CLINKER PORTLAND MANUFACTURE WITH INCORPORATION OF TiO2 WASTE The practice of waste’s reuse on the cement’s industry has expanded due to the increasing search for alternatives that bellows the amount of energy and CO2 emissions during the clinker Portland manufacture and that provide an environmental destination more suitable for a variety of wastes. Thus, in this paper, the objective was produce clinker Portland with low emission of CO2 from the incorporation of the unreacted mineral (URM), a waste from the production of dioxide of titanium (TiO2). For this, the characterization physic-chemistry of the feedstock (URM, limestone and clay) was done. Then, the mixture of feedstock was calcined at 1340° C and, after, the clinkers were characterized by X-ray diffraction (XRD), optical microscopy and scanning electron microscopy (SEM). The results of the tests show the potential of the URM as feedstock of clinker, since the waste show mineralizer effect and, consequently, assists in the growth of the silicates crystals. Keywords: Clinker Portland; Industrial wastes; URM; CO2 emissions. 61º Congresso Brasileiro de Cerâmica 04 a 07 de junho de 2017, Gramado, RS 1084

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PRODUÇÃO DE CLÍNQUER PORTLAND COM INCORPORAÇÃO DE

RESÍDUO DE TiO2

(CLINKER PORTLAND MANUFACTURE WITH INCORPORATION

OF TiO2 WASTE)

B. B. Mariani1; J. S. Andrade Neto2, N. S. Amorim Júnior3, D. V. Ribeiro4 1 UFBA – Universidade Federal da Bahia – [email protected];

2 UFBA – Universidade Federal da Bahia – [email protected] 3 UFBA – Universidade Federal da Bahia – [email protected]

4 UFBA – Universidade Federal da Bahia – [email protected]

Resumo

A prática de reaproveitamento de resíduos na indústria produtora de cimento tem se

expandido devido à crescente busca por alternativas que efetivamente reduzam a quantidade

de energia e emissões de CO2 gerados durante a produção de clínquer Portland e por uma

destinação ambiental mais adequada de diversos resíduos industriais. Neste sentido, o

presente trabalho teve como foco produzir clínquer Portland com baixa emissão de CO2 a

partir da incorporação de minério não reagido (MNR), resíduo da produção de dióxido de

titânio (TiO2). Para isto, foi realizada a caracterização físico-química das matérias-primas

utilizadas (MNR, calcário e argila). Em seguida, as farinhas foram calcinadas a 1340°C e,

então, os clínqueres foram analisados através de ensaios de Difração de raios X (DRX),

Microscopia Óptica e Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV). Os ensaios evidenciaram

a potencialidade de utilização desse resíduo, que apresenta efeito mineralizante e, por

conseguinte, auxilia no crescimento dos cristais de silicatos.

Palavras-chave: Clínquer Portland; Resíduos Industriais; MNR; Emissão de CO2..

EVALUATION THE CLINKER PORTLAND MANUFACTURE WITH

INCORPORATION OF TiO2 WASTE

The practice of waste’s reuse on the cement’s industry has expanded due to the increasing

search for alternatives that bellows the amount of energy and CO2 emissions during the

clinker Portland manufacture and that provide an environmental destination more suitable

for a variety of wastes. Thus, in this paper, the objective was produce clinker Portland with

low emission of CO2 from the incorporation of the unreacted mineral (URM), a waste from

the production of dioxide of titanium (TiO2). For this, the characterization physic-chemistry of

the feedstock (URM, limestone and clay) was done. Then, the mixture of feedstock was

calcined at 1340° C and, after, the clinkers were characterized by X-ray diffraction (XRD),

optical microscopy and scanning electron microscopy (SEM). The results of the tests show the

potential of the URM as feedstock of clinker, since the waste show mineralizer effect and,

consequently, assists in the growth of the silicates crystals.

Keywords: Clinker Portland; Industrial wastes; URM; CO2 emissions.

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INTRODUÇÃO

Devido à crescente preocupação com impactos ambientais causados por resíduos

sólidos, principalmente oriundos do setor industrial, e por sua destinação inadequada,

iniciaram-se buscas por tecnologias menos agressivas ao meio ambiente, propondo

alternativas econômica e ambientalmente viáveis para sua utilização.

Em paralelo a essa problemática, se destaca a indústria do cimento, uma das indústrias

mais importantes do mundo devido à utilidade do produto gerado, em diversas atividades

relacionadas à construção civil. A indústria de cimento é a maior consumidora de recursos

naturais do mundo, sendo responsável, assim, por um impacto ambiental considerável. Cada

tonelada de cimento requer, aproximadamente, 1,5 toneladas de matérias-primas para a sua

produção [1]. Para agravar a situação, essa indústria consome uma grande quantidade de

energia e é uma das principais fontes de emissão de dióxido de carbono, sendo responsável

por cerca de 5% das emissões antropogênicas deste gás [2].

Como alguns resíduos possuem elementos que diminuem a temperatura de formação

dos minerais do clínquer, atuando como mineralizantes, a utilização destes materiais como

substituição parcial às matérias-primas da farinha é efetiva na redução da geração de CO2 [3].

Além disso, o benefício ambiental com o reaproveitamento de resíduos na fabricação de

cimento torna-se ainda maior, visto que o cimento se tornará um repositório útil, oferecendo

ao resíduo, atualmente depositado em aterro, uma destinação permanente e sustentável.

O titânio é um mineralizante, ou seja, reduz a temperatura de formação dos compostos

do clínquer [4]. O titânio é responsável por reduzir a temperatura de formação da fase líquida,

bem como diminuir a viscosidade desta fase, favorecendo, assim, a difusão de íons e

acelerando, portanto, as reações no forno rotativo [5]. A contribuição do dióxido de titânio

para a formação da alita e o consumo da cal livre depende do teor de adição e, para até 1% de

adição de TiO2, observou-se um efeito positivo na formação da alita, com consequente

aumento dos seus cristais, porém, para teores acima de 1%, efeitos deletérios são observados

[6]. Em relação à cal livre, a quantidade total de CaO pode ser reduzida em 30 a 80% [4, 7].

Desta forma, neste trabalho buscou-se a obtenção de clínquer de reduzido impacto

ambiental, a partir da substituição parcial do calcário e da argila por um resíduo proveniente

da fabricação de dióxido de titânio (MNR), que possui altos teores de TiO2 em sua

composição química.

MATERIAIS E MÉTODOS

No desenvolvimento desta pesquisa, foram utilizados calcário e argila, fornecidos pela

cimenteira Mizu Cimentos Especiais, provenientes de Pacatuba-SE, e minério não reagido,

resíduo gerado em Camaçari-BA.

O MNR é proveniente da produção do pigmento de TiO2, quando uma mistura de

ilmenita (FeO.TiO2) e escória de titânio é submetida a um ataque químico pelo ácido sulfúrico

(98%, em peso). Um percentual do minério não reage com o ácido sulfúrico, se tornando,

assim, resíduo do processo. Esse minério não reagido, contém uma grande quantidade de licor

de titânio solúvel, que é utilizado para a obtenção do produto final. Desta forma, o minério

segue para filtros rotativos à vácuo (FRV’s), onde é recuperado parte deste licor, que segue no

processo produtivo. Por fim, o minério residual é transportado até um misturador rotativo,

onde é neutralizado com cal hidratada. O minério neutralizado (MNR) é então transportado

para a destinação final, sendo depositado em aterros.

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O MNR foi coletado conforme metodologia de amostragem de resíduos especificada na

norma NBR 10007:2004 [8]. Este material se apresenta sob a forma de sólido pulverizado

com granulometria irregular (Figura 1a).

As amostras das matérias-primas foram homogeneizadas, secadas em estufa a 100 ± 5°C

por 24 horas e submetidas a um processo de moagem em um moinho rotativo horizontal

QUIMIS, modelo Q298, contendo bolas cerâmicas, até que todas as suas partículas passassem

na peneira Nº200 (abertura malha de 75 µm). O processo de moagem foi realizado com o

intuito de realizar a cominuição das partículas, aumentando a área superficial e,

consequentemente, a sua reatividade, para facilitar as reações no processo de clinquerização e

para evitar a formação de aglomerados de belita e de cal livre, que prejudicam a qualidade do

clínquer produzido.

Figura 1. (A) MNR antes dos processos de secagem, moagem e peneiramento e; (B) MNR depois de passar na

peneira Nº 200 (abertura malha de 75 µm).

Fonte: Os autores.

As matérias-primas (calcário, argila e MNR) foram caracterizadas física, química e

mineralogicamente, por meio dos ensaios listados na Tabela 1.

Tabela 1. Ensaios realizados para a caracterização das matérias-primas

Propriedade Equipamento

Massa Específica Picnômetro a gás hélio, Micromeritics AccuPyc II 1340

Área Superficial Blaine Permeabilímetro de Blaine, BSA 1, ACMEL

Composição Química Espectrômetro de Fluorescência de Raios X, S2 Ranger, BRUCKER

Composição Mineralógica Difratômetro de Raios X, D2 Phaser, BRUCKER.

Fonte: Os autores.

Com as composições químicas, em óxidos obtidas por meio de Fluorescência de Raios

X (FRX), foram dosadas farinhas com diferentes teores de MNR.

Produção das farinhas e dos clínqueres

A dosagem das farinhas foi realizada fixando o Fator de Saturação de Cal (FSC) em 98

e os teores de titânio a serem adicionados com o MNR em 0% (referência), 0,5%, 1,0% e

2,0%, uma vez que a adição de 1% está associada ao ponto de virada em relação a

contribuição da formação da alita [6]. Após a dosagem, as farinhas foram confeccionadas

misturando, manualmente, as matérias-primas, depois do processo de moagem, por

aproximadamente 10 minutos.

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A seguir, foram produzidos os clínqueres experimentais, de acordo com a metodologia

empregada por Centurione [9], Maringolo [10] e Costa et al. [11]. Foram preparadas esferas

com a farinha com, aproximadamente, 1,5 g de massa e 1 cm de diâmetro. Para a confecção

destas esferas, foi adicionado 20% (em massa) de água, para dar trabalhabilidade ao material e

obter uma consistência adequada. Então, estas esferas foram secadas em estufa a 100°C, por

um período de 12 horas.

Figura 2. Esferas das farinhas antes do processo de clinquerização: (A) detalhe das esferas, (B) esferas

posicionadas no forno, para a calcinação.

Fonte: Os autores.

Em seguida, as esferas foram acondicionadas em cadinhos de alumina e colocadas em

um forno da Link Elektro Therm, modelo KK-220, para a calcinação. Foram, então,

submetidas a uma temperatura de 900°C durante 30 minutos, contados a partir do momento

que o forno atinge esta temperatura e, então, a temperatura foi elevada, em uma taxa de

aquecimento de 5°C/min, até a temperatura de 1340°C, ficando por mais 15 minutos. Na

sequência, as esferas foram resfriadas bruscamente com a abertura do forno e a retirada do

cadinho, resultando nos clínqueres experimentais.

Análise Microestrutural

Para a análise microestrutural, seções polidas dos diferentes clínqueres foram

confeccionadas e, então, analisadas em um microscópio óptico de luz refletida da Olympus,

modelo BX51M. De forma complementar, foi utilizado um Microscópio Eletrônico de

Varredura (MEV), modelo Vega 3 LMU – TESCAN, do Laboratório de Caracterização de

Materiais do Instituto Federal da Bahia. As imagens de MEV foram obtidas através de

detecção por Elétrons Secundários (SE) e tensão de 15kV.

Análise Mineralógica

A composição mineralógica dos clínqueres foi obtida pela técnica de difração de raios X

(DRX) utilizando o equipamento da marca Bruker modelo D2 Phaser com tubo de alvo de

cobre (comprimento de onda, λ, igual a 0,154060 nm) corrente de 10 mA e tensão de 30 KV.

Os ensaios foram realizados com a varredura de 5º a 70º (2θ) e incremento de 0,002°/segundo.

Na identificação das fases foi utilizado o software DIFFRAC plus-EVA, com base de dados

centrada no sistema COD (Crystallography Open Database).

A quantificação das fases cristalinas do clínquer foi estimada pelo cálculo potencial de

Bogue [12], de acordo com as Equações A, B, C e D. De forma complementar, foram

utilizadas as equações E e F para estimar o teor de periclásio e de outras impurezas,

respectivamente [13].

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C3S = 4,071 CaO – 7,602 SiO2 – 1,430 Fe2O3 – 6,719 Al2O3 (A)

C2S = 2,868 SiO2 – 0,754 C3S (B)

C3A = 2,650 Al2O3 – 1,692 Fe2O3 (C)

C4AF = 3,043 Fe2O3 (D)

MgO = 1,000 MgO (E)

Impurezas = 1,000 Impurezas (F)

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos Materiais

A Tabela 2 apresenta os resultados de massa específica e superfície especifica Blaine

dos materiais utilizados.

Tabela 2. Massa específica e superfície especifica Blaine das matérias-primas utilizadas.

Material Propriedade

Massa específica (g/cm3) Superfície específica Blaine (cm2/g)

Calcário 2,7255 ± 0,0014 6244 ± 131

Argila 2,6985 ± 0,0020 6469 ± 637

MNR 3,2457 ± 0,0047 5856 ± 420

Fonte: Os autores.

Os altos valores de superfície específica Blaine para as matérias-primas indicam que o

processo de moagem foi eficiente e eficaz em cominuir as partículas do material, indicando

que, provavelmente, não ocorrerão problemas devido à granulometria inadequada do material,

tais como baixa reatividade e formação de aglomerados de belita e de cal livre.

A Tabela 3 apresenta a composição química do calcário, da argila e do MNR, obtidas

por fluorescência de raios-X (FRX).

Tabela 3. Composições químicas das matérias-primas utilizadas, em óxidos, obtidas por FRX.

Material Constituinte (%)

CaO SiO2 Al2O3 Fe2O3 MgO K2O Na2O TiO2 SO3 Outros PF*

Calcário 47,09 8,21 2,07 1,19 2,06 0,65 - 0,22 0,49 0,12 37,80

Argila 0,24 60,41 21,51 4,94 1,25 1,57 - 1,08 0,12 - 8,47

MNR 12,12 13,50 2,35 6,99 1,37 0,40 2,79 39,86 9,19 3,02 8,15

* Perda ao Fogo

Fonte: Os autores.

O calcário e a argila utilizados apresentam, em sua composição química (Tabela 3), os

principais componentes do clínquer (cal, sílica, alumina e óxido de ferro), em teores

consideráveis. Desta forma, não foi necessária a utilização de corretivos químicos, tais como

areia e óxido de ferro, na farinha.

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Como apresentado na Tabela 3, o MNR apresenta um alto teor de dióxido de titânio, o

que era esperado visto que o resíduo é gerado na produção de TiO2. O titânio é de particular

interesse, pois atua como mineralizante no processo de clinquerização, contribuindo, assim,

para a formação da alita e para o consumo de cal livre [4].

Destaca-se, ainda, a alta concentração de enxofre no resíduo, superior a 9%. Segundo

Kakali et al. [14], o enxofre proveniente da matéria-prima e do combustível usualmente é

incorporado nas principais fases do clínquer como sulfato. Porém, na prática, a adição de

enxofre deve ser limitada já que uma parte do SO3 pode ser volatizada e, consequentemente,

causar danos ao processo produtivo, além de causar problemas ambientais.

Em relação a perda ao fogo, o MNR é o que possui a menor perda (8,15%), muito

próxima da perda apresentada pela argila (8,47%). Além disso, como esperado, devido ao

processo de descarbonatação, o calcário apresenta uma elevada perda ao fogo (37,80%). Desta

forma, ao se substituir o calcário pelo MNR, na farinha, é esperado que ocorra um aumento na

produtividade do processo (uma menor perda de massa da farinha). A Figura 3 apresenta os

difratogramas de raios-X, obtidos para o calcário, argila e MNR.

Figura 3. Difratogramas de raios X, obtidos para (a) calcário, (b) argila e (c) MNR.

Fonte: Os autores.

Em relação ao calcário, foram identificadas majoritariamente as fases Calcita (CaCO3) e

Quartzo (SiO2) e para a argila, foram identificadas as fases Quartzo (SiO2) e Caulinita

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(Si2Al2O5(OH)4). Por fim, para o MNR, diversas fases foram identificadas, evidenciando,

portanto, a heterogeneidade do resíduo. Com relação às fases identificas no resíduo, observa-

se que o cálcio está presente em duas fases: a Calcita (CaCO3) e a Bassanita (CaSO4.1/2H2O).

Dessa forma, com o aquecimento, apenas um percentual passará pelo processo de

descarbonatação para a liberação do óxido de cálcio, ao contrário do calcário, em que todo o

cálcio se encontra na estrutura da calcita. Portanto, uma substituição de calcário por MNR

deve resultar em uma menor emissão de CO2.

Os teores encontrados de fases não-cristalinas nas matérias-primas foram: 7,8% para o

calcário, 41,9% para a argila e 49,0% para o MNR. Os elevados teores do resíduo e da argila

são um indicativo de alta reatividade, o que pode contribuir com as reações no processo de

clinquerização [15].

Dosagem das Farinhas

As proporções de calcário, argila e MNR para as diversas farinhas, bem como os valores

dos diferentes parâmetros químicos (FSC, MS e MA), são apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4. Proporcionamento das matérias-primas e valores dos parâmetros químicos para as farinhas estudadas.

Componentes /

Parâmetros Referência 0,5% TiO2* 1% TiO2* 2% TiO2*

% Calcário 90,08 89,10 88,13 86,18

% Argila 9,92 9,61 9,29 8,66

% MNR 0,00 1,29 2,58 5,16

FSC 98 98 98 98

MS 2,41 2,39 2,37 2,33

MA 2,56 2,43 2,30 2,08

*Teor de TiO2 adicionado com o MNR.

Fonte: Os autores.

Com o aumento do teor de dióxido de titânio adicionado e, consequente, aumento no

teor de MNR utilizado, observa-se reduções no módulo de alumina. Isto acontece, pois, o

MNR, em sua composição química (Tabela 3), possui uma relação entre Al2O3 e Fe2O3 (0,34)

menor do que o calcário (1,74) e a argila (4,35). Observa-se, também, uma pequena redução

no módulo de sílica com o aumento do teor de MNR utilizado, já que o resíduo apresenta uma

relação entre SiO2 e a soma de Al2O3 e Fe2O3 (1,44) menor do que o calcário (2,52) e a argila

(2,28).

A Tabela 5 apresenta as composições das fases dos clínqueres, estimadas

estequiometricamente a partir de análises químicas, em óxidos, por meio do cálculo potencial

de Bogue [12]. Com o aumento do teor de dióxido de titânio adicionado, observa-se uma

pequena diminuição nos teores estimados de alita, belita e C3A, devido ao aumento do teor de

impurezas com a utilização do MNR. Porém, observa-se um aumento na concentração

estimada de C4AF, já que, uma vez que o MNR possui uma relação entre Al2O3 e Fe2O3

menor do que o calcário e a argila, ao introduzir o resíduo na matéria-prima, observa-se uma

redução do módulo de alumina. Contudo, na prática, devido ao efeito mineralizante do

dióxido de titânio, espera-se um aumento na concentração de C3S, com uma consequente

redução na concentração de C2S.

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Tabela 5. Teores estimados de fases dos clínqueres produzidos, obtidos por meio do cálculo potencial de Bogue.

Fase Estimada Referência 0,5% TiO2* 1,0% TiO2* 2,0% TiO2*

C3S 64,44 63,91 63,39 62,35

C2S 10,51 10,23 9,96 9,41

C3A 12,23 11,78 11,34 10,47

C4AF 7,31 7,56 7,81 8,31

MgO 3,04 3,02 3,00 2,96

Impurezas 2,47 3,49 4,50 6,51

*Teor de TiO2 adicionado com o MNR.

Fonte: Os autores.

Análise Microestrutural

A Figura 4 apresenta as morfologias dos diferentes clínqueres, obtidas por microscopia

óptica. Observa-se um aumento do tamanho dos cristais de alita e belita em função do

aumento do teor de resíduo utilizado, indicando, assim, que o MNR atua como mineralizante,

facilitando, portanto, as reações no processo de clinquerização.

Figura 4. Micrografias dos clínqueres, obtidas por microscopia óptico. (A) Referência, (B) 0,5% de TiO2, (C)

1,0% de TiO2 e (D) 2,0% de TiO2.

Fonte: Os autores.

Analisando as micrografias dos diferentes clínqueres (Figura 5), percebe-se que a

quantidade e o volume dos poros diminuem com o aumento do teor de resíduo utilizado. Isso

ocorre devido ao efeito mineralizante do dióxido de titânio presente no MNR, que aumenta a

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quantidade de fase líquida durante a clinquerização e diminui a viscosidade dessa. Com o

aumento do material fundido e a redução na viscosidade, os espaços vazios são preenchidos

por essa fase, que no resfriamento, se cristaliza, tornando-se C3A e C4AF.

Figura 5. Micrografias dos clínqueres Portland produzidos, obtidas por meio de MEV. (A) Referência, (B) 0,5%

de TiO2, (C) 1,0% de TiO2 e (D) 2,0% de TiO2,

Fonte: Os autores.

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Análise Mineralógica

A Figura 6 apresenta os difratogramas obtidos para os diferentes clínqueres produzidos.

Observam-se picos das principais fases cristalinas esperadas para o clínquer (alita, belita,

aluminato tricálcico e ferroaluminato tetracálcico). Nota-se, também, nos difratogramas de

todos os clínqueres produzidos, picos das fases cal livre e periclásio. A cal livre,

provavelmente, permaneceu no clínquer devido a condições insuficientes de queima (tempo

e/ou temperatura). Essa fase é indesejável no clínquer, já que a sua hidratação é expansiva,

podendo, portanto, gerar fissuras e danos a matriz cimentícia endurecida. O periclásio,

proveniente do óxido de magnésio presente no calcário, também é indesejável no clínquer já

que apresenta baixa atividade hidráulica e, em excesso, pode resultar em reações expansivas

[9].

Figura 6. Difratogramas de raios X obtidos para os diferentes clínqueres produzidos.

Fonte: Os autores.

De acordo com os resultados obtidos, verificou-se que o MNR se apresentou como uma

alternativa tecnicamente viável para a produção de clínquer Portland. Utilizando esse resíduo

na produção do clínquer, reduz-se o impacto ambiental ao fornecer um destino

ambientalmente seguro para o resíduo e ao reduzir a quantidade de calcário utilizada,

diminuindo, assim, a emissão de CO2 do processo. Além do ganho ambiental, o MNR atua

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como mineralizante no processo de clinquerização, sendo responsável por acelerar as reações

e, por conseguinte, aumentar o tamanho dos cristais de silicatos.

A partir das considerações apresentadas, nota-se que o processo de mineralização

apresentado possibilita a redução da ação impactante do crescimento tecnológico sobre o meio

ambiente, sem abrir mão da qualidade do produto. Com o desenvolvimento de clínqueres a

partir da incorporação do MNR, as matérias-primas serão preservadas, acarretando na

eliminação permanente e sustentável do resíduo, havendo, também redução na emissão de

dióxido de carbono na fabricação de cimentos. Além disso, a redução da quantidade de

resíduos dispostos no meio ambiente reduz a possibilidade de contaminação de solo e lençol

freático, impactando positivamente a vida da população circunvizinha.

CONCLUSÕES

A partir dos resultados obtidos no presente trabalho, pode-se concluir que:

a) Todas as fases principais do clínquer (C2S, C3S, C3A e C4AF) foram formadas nos

clínqueres com a utilização do MNR em substituição parcial ao calcário;

b) O MNR atua como mineralizante, acelerando as reações no processo de

clinquerização e aumentando o tamanho dos cristais de silicatos;

c) O MNR promoveu uma maior formação de fase líquida, tornando as

microestruturas dos clínqueres mais densas.

d) Com a utilização do MNR é esperada maior produtividade do processo (menor

perda de massa) e menor emissão de CO2, já que a utilização do resíduo diminui a

quantidade de calcário utilizada.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq), ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPEC), ao

Laboratório de Ensaios em Durabilidade dos Materiais (LEDMa) e a Mizu Cimentos

Especiais.

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