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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X PRODUZINDO O “GÊNERO” COMO AÇÃO COLETIVA: CONDIÇÕES, AGENTES E RETRIBUIÇÕES DO ENGAJAMENTO EM GRUPOS DE ATIVISMO NA CIDADE DE PORTO ALEGRE/RS - BRASIL Cristina Altmann 1 Resumo: A problemática mais geral deste artigo está relacionada à discussão da variabilidade das condições e recursos sociais que estão na origem de processos de engajamento social e político, incluindo as variáveis contextuais, as dinâmicas interpessoais e as retribuições identitárias em jogo quando se trata de analisar a constituição e a redefinição de grupos, causas, agendas e itinerários militantes, que no caso empírico específico desta pesquisa, dizem respeito às redes de ativismo de organizações não-governamentais que se reivindicam como “de mulheres” e “feministas” e que se constituem ao longo dos anos 1990, na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Em termos de recursos metodológicos, o trabalho é desenvolvido com base na análise de trajetos, incluindo variáveis como origem social e de socialização familiar, recursos escolares, experiências profissionais e redes prévias de adesão. O conjunto de itinerários analisados evidencia lógicas distintas de produção de organizações e de inserções militantes, assim como das retribuições simbólicas em jogo, que vão desde a tecitura de fortes laços identitários e sentimentos de competência pessoal até o acesso para a ocupação de posições de valorização profissional e social. Palavras-chave: Engajamento, Trajetos, Mulheres, Organizações Não-Governamentais. Os pontos de partida teórico-metodológicos dessa discussão estão situados no que poderíamos chamar de uma “sociologia do engajamento”, onde as adesões sociais e militantes não podem ser satisfatoriamente compreendidas como decorrências diretas de certos atributos como “classe”, “raça” ou “gênero”, nem como reflexo mecânico de certas disposições adquiridas em meios de socialização prévios (AGRIKOLIANSKI, 2001, p. 29) nem como reflexo de determinadas convicções ideológicas (GAXIE, 2005, p. 176). O desafio dessa agenda de pesquisas reside no exame de lógicas sociais variadas que convergem no sentido da construção e da manutenção de uma disposição ao “interesse” por determinados “problemas sociais” e “causascorrelatas, disposição esta que tende a ser convertida em adesões práticas via a mediação de contatos próximos, tais como redes familiares, de amigos, colegas de trabalho, etc. (SAWICKI e SIMÉANT, 2011). É justamente durante os percursos de participação e de socialização em atividades militantes que são geradas formas de retribuições vínculos afetivos, aprendizados, identificações, estilo de vida, inserções profissionais, ocupação de cargos, entre outros que reforçam e atualizam a permanência em meios militantes e que estão fortemente relacionadas aos recursos de origem 1 - Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul Brasil.

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    Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

    PRODUZINDO O “GÊNERO” COMO AÇÃO COLETIVA: CONDIÇÕES,

    AGENTES E RETRIBUIÇÕES DO ENGAJAMENTO EM GRUPOS DE

    ATIVISMO NA CIDADE DE PORTO ALEGRE/RS - BRASIL

    Cristina Altmann1

    Resumo: A problemática mais geral deste artigo está relacionada à discussão da variabilidade das

    condições e recursos sociais que estão na origem de processos de engajamento social e político,

    incluindo as variáveis contextuais, as dinâmicas interpessoais e as retribuições identitárias em jogo

    quando se trata de analisar a constituição e a redefinição de grupos, causas, agendas e itinerários

    militantes, que no caso empírico específico desta pesquisa, dizem respeito às redes de ativismo de

    organizações não-governamentais que se reivindicam como “de mulheres” e “feministas” e que se

    constituem ao longo dos anos 1990, na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Em termos de

    recursos metodológicos, o trabalho é desenvolvido com base na análise de trajetos, incluindo

    variáveis como origem social e de socialização familiar, recursos escolares, experiências profissionais

    e redes prévias de adesão. O conjunto de itinerários analisados evidencia lógicas distintas de produção

    de organizações e de inserções militantes, assim como das retribuições simbólicas em jogo, que vão

    desde a tecitura de fortes laços identitários e sentimentos de competência pessoal até o acesso para a

    ocupação de posições de valorização profissional e social.

    Palavras-chave: Engajamento, Trajetos, Mulheres, Organizações Não-Governamentais.

    Os pontos de partida teórico-metodológicos dessa discussão estão situados no que poderíamos

    chamar de uma “sociologia do engajamento”, onde as adesões sociais e militantes não podem ser

    satisfatoriamente compreendidas como decorrências diretas de certos atributos como “classe”, “raça”

    ou “gênero”, nem como reflexo mecânico de certas disposições adquiridas em meios de socialização

    prévios (AGRIKOLIANSKI, 2001, p. 29) nem como reflexo de determinadas convicções ideológicas

    (GAXIE, 2005, p. 176). O desafio dessa agenda de pesquisas reside no exame de lógicas sociais

    variadas que convergem no sentido da construção e da manutenção de uma disposição ao “interesse”

    por determinados “problemas sociais” e “causas” correlatas, disposição esta que tende a ser

    convertida em adesões práticas via a mediação de contatos próximos, tais como redes familiares, de

    amigos, colegas de trabalho, etc. (SAWICKI e SIMÉANT, 2011).

    É justamente durante os percursos de participação e de socialização em atividades militantes

    que são geradas formas de retribuições – vínculos afetivos, aprendizados, identificações, estilo de

    vida, inserções profissionais, ocupação de cargos, entre outros – que reforçam e atualizam a

    permanência em meios militantes e que estão fortemente relacionadas aos recursos de origem

    1 - Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande

    do Sul – Brasil.

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    (econômicos e culturais) dos/as agentes que protagonizam tais empreendimentos (CORADINI,

    2010).

    Neste artigo, em especial, serve como base para a discussão a análise dos itinerários2 escolares,

    profissionais e militantes das fundadoras3 e/ou coordenadoras de duas organizações não

    governamentais constituídas na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, envolvidas com tais

    organizações ao longo dos anos 1990. A primeira delas, fundada em 1989, é a Associação Cultural

    de Mulheres Negras (Acmun), uma organização encabeçada por lideranças comunitárias de uma

    região de periferia, cujas inserções religiosas e aproximações com as iniciativas da “pastoral afro” da

    igreja católica servem como incentivos iniciais para a estruturação do grupo. A entidade, cujos

    projetos desenvolvidos estão associados à promoção da valorização da cultura negra, de promoção

    da saúde e de condições de empoderamento para mulheres da periferia, passou a ganhar mais

    notoriedade e inserção nacional a partir da coordenação colegiada da Articulação de Organização de

    Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), entre os anos de 2012 e 2016.

    Já a ong Themis, fundada em 1993, é organizada a partir do encontro entre militantes oriundas

    de redes prévias de ativismo estudantil e partidário, especialmente advogadas, que diversificam seus

    engajamentos e investem na fundação de um novo grupo. Reconhecida e recebedora de vários

    prêmios promovidos por instâncias nacionais e internacionais, a entidade atua há anos em projetos de

    formação de promotoras legais populares, para a capacitação e a atuação de agentes multiplicadoras

    de noções de cidadania e relativamente aos direitos das mulheres em suas comunidades. Além disso,

    a ong estimula a publicação de estudos e promove eventos de formação direcionados ao poder público

    e à sociedade em geral.

    Os grupos, que se reivindicam como situados em um campo de mobilização feminista e pelos

    direitos das mulheres negras, são reconhecidos pelo “pioneirismo” no sentido da construção de

    estratégias mais institucionalizadas e profissionalizadas de mobilização política que perpassam a

    defesa de populações até então sem grupos militantes e porta-vozes mais específicos. Apesar desse

    traço em comum, como espera-se demonstrar, as condições e os recursos sociais que estão na base

    2 - Foram realizadas entrevistas em profundidade com um grupo mais amplo de militantes, mas para fins desse artigo, são analisados em especial os percursos de seis agentes, três de cada organização. Ficam os meus sinceros agradecimentos pela disponibilidade de participação na pesquisa e pelo compartilhamento de experiências e de leituras tão pessoais, em especial para: Denise Dora, Márcia Soares, Maria da Glória Kopp, Francisca Bueno, Elaine Soares e Simone Cruz. 3 - Depois de passados mais de 25 anos quando do momento de “fundação” dos empreendimentos profissionais-militantes das “ongs”, as próprias definições em torno de quem seriam as “pioneiras” dessas iniciativas e as sugestões de nomes reivindicados como “importantes” e “dignos” de serem entrevistados traduzem um acúmulo de vivências e de alianças pessoais que permaneceram mais ou menos amistosas com o tempo.

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    dos itinerários analisados diferenciam-se, sobretudo, em relação às origens sociais, aos recursos de

    afirmação de uma expertise intelectual-militante e às retribuições simbólicas que perpassam as

    dinâmicas de engajamento das agentes em questão.

    O ambiente da “redemocratização” e as “fundações” das organizações

    Os eventos políticos que marcam a década de 1980 - a começar pela reforma partidária de

    1979 que extingue o “bipartidarismo”, passando pelo processo de “abertura democrática” e depois

    pela promulgação de uma nova constituição para o país, em 1988 - têm um efeito de conjuntura

    importante no que se refere à uma série de rearranjos organizativos e de releituras forjadas no interior

    dos meios intelectuais4 e das organizações partidárias e militantes. Com relação ao contexto percebido

    pelas agentes em questão, ou seja, em se tratando das percepções elaboradas a partir das experiências

    em voga nos itinerários analisados, há leituras coletivas distintas no sentido das motivações e dos

    propósitos que teriam levado à fundação das duas organizações, leituras estas que não podem ser

    desvinculadas de suas portadoras e de suas credenciais sociais.

    No caso da Themis, as avaliações a respeito das “tarefas” colocadas no período mais geral do

    “pós-redemocratização” servem como narrativas de justificação para a fundação da entidade.

    Fortemente inscritas em discussões no âmbito universitário e inseridas em redes prévias de ativismo

    estudantil e partidário (mais associado ao PT), as agentes empenhadas na construção desta

    organização reivindicada como de assessoria feminista mobilizam diagnósticos associados às

    necessidades do desenvolvimento de entidades que ajudassem simultaneamente a fortalecer a

    capacidade de organização da sociedade civil (especialmente das mulheres) e a elaborar aparatos

    qualificados de sustentação de políticas públicas, considerando o engessamento das estruturas

    partidárias e a incapacidade das estruturas estatais diante das demandas renovadas do pós-

    redemocratização:

    A criação da Themis se dá muito a partir da ideia de que a gente tinha feito essa transição de

    uma ditadura para uma democracia que precisava ser construída. Tinha um conjunto de

    direitos no campo da igualdade das mulheres que tinham sido conquistados na constituição

    de 1988 no qual a gente se envolveu ativamente. (...) E criamos a Themis, que é a

    representação da deusa da justiça, dizendo bom, nosso próximo passo agora, se tu tens uma

    carta de direitos, é garantir o acesso a estes direitos e a justiça cumpre um papel importante

    4 - Como apontou Pécaut (1990, p. 257-308), os núcleos vanguardistas, em meio às medidas progressivas de “abertura democrática”, são levados a situar-se no campo geral das discussões sobre as estratégias de “democratização” que deveriam ser empreendidas, incluindo as posturas - não excludentes - de uma escalada democrática via atuações mais direcionadas à ocupação de espaços eleitorais e institucionais e aquelas centradas na defesa de processos de auto-organização de setores populares.

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    nisso, como que o poder judiciário, os órgãos de defesa de direitos, eles podem se organizar

    para garantir os direitos das mulheres. (Entrevista concedida por Denise Dora, em setembro

    de 2016)

    Naquela época, nós fizemos a reflexão de que a gente achava que os partidos não iam dar

    conta do que o país precisava, da complexidade que era esse país e que a luta política exigia.

    E fundamentalmente, em função do engessamento que tinham os partidos políticos de

    esquerda e que eles não iam dar conta, e não deram. (...) O estado não sabia fazer, não sabia

    lidar com a aids, não sabia lidar com as mulheres, não tinha políticas públicas e não sabia o

    que fazer. O estado precisava pagar pela expertise e as ong surgem nesse vácuo. (...) E as

    ongs começam a se firmar como instituições que estavam entrando num vácuo de ineficiência

    e de incapacidade do estado de dar conta de demandas importantes num momento em que o

    país está se democratizando e o movimento social crescendo e de necessidades da população

    que o estado não conseguia dar conta. (Entrevista concedida por Márcia Soares, em abril de

    2017)

    No caso da Acmun, entidade fundada em uma região de periferia da cidade de Porto Alegre e

    encabeçada por “Dona Nelma”, uma técnica de enfermagem que era uma liderança comunitária e

    religiosa simpatizante de grupos mais à esquerda no espectro político, a narrativa predominante é

    aquela de “empoderamento” das mulheres negras que vivem em situação de vulnerabilidade social e

    de violência e que esperam fazer algo a mais por suas comunidades e famílias, mulheres estas que,

    segundo as narrativas de fundação do grupo, inicialmente se encontram imersas em suas inserções

    religiosas, mas a partir de determinado momento passam a apostar em uma estratégia de auto-

    organização onde finalmente há um papel de “protagonismo” e independência em relação às

    lideranças masculinas que conduziam as atividades dos agentes da pastoral negra, promovidas por

    grupos vinculados à igreja católica:

    A Dona Nelma trabalhava já com aquelas mulheres, que costuravam, ela arrumou máquinas,

    elas faziam costura para sobreviver, rezavam o terço, se queixavam dos maridos, porque

    apanhavam dos maridos, mais comunitário mesmo. E aí com a Elaine (filha) ela começa a se

    contaminar positivamente e aí a liderança vem embora. Ela sentiu a necessidade de ter essa

    ong para poder caminhar com as próprias pernas. Porque lá nos agentes de pastoral afro, que

    eram comandados por homens, a igreja católica jamais iria abrir né? E eu posso falar nisso

    sem problema nenhum, ainda é muito forte a questão do machismo dentro da igreja católica.

    Como que um grupo de mulheres vai ser coordenado por um homem? Nós não temos nada

    contra os homens, que os homens venham junto conosco, mas o que a dona Nelma trouxe e

    eu lembro perfeitamente... Quando ela volta de uma formação que ela foi, se não me engano

    em Minas Gerais, ela volta empoderadíssima e diz, “Nós não podemos ser comandadas por

    homens, nós vamos fundar uma ong de mulheres negras, de, com, e para mulheres negras”.

    Nós é que tínhamos que discutir os nossos problemas de mulheres, nós que tínhamos que

    tentar achar alternativas, achar caminhos, e estarmos na liderança. (Entrevista concedida por

    Francisca, março de 2017)

    Quando a minha mãe inicia junto com as outras mulheres, no início era um grupo que o padre

    pediu para elas fazerem um grupo para rezar, e aí elas viram que só rezar não ia resolver os

    problemas delas. (...) No início teve uma influência muito forte da igreja, elas eram APNs,

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    mas depois elas viram que tinha uma outra linha política importante que precisava ser

    construída, especialmente no fortalecimento de uma organização de mulheres, porque dentro

    dos APNs elas não tinham uma expressão enquanto mulheres, e as decisões, até sobre os

    encontros de mulheres, eram dos homens. (Entrevista concedida por Elaine, em março de

    2017)

    A participação em fóruns nacionais que reúnem lideranças do movimento de mulheres negras

    especialmente de grupos do Rio de Janeiro e de São Paulo, cujos referenciais de militância já estão

    mais vinculados ao “feminismo negro”, cria as condições para que as lideranças mais escolarizadas

    da Acmun passem a incorporar novos referenciais de mobilização e se afastem progressivamente das

    relações de apoio forjadas com grupos da igreja católica.

    Origens sociais, recursos escolares e itinerários profissionais

    A análise das origens sociais e dos itinerários escolares e profissionais dos/as agentes que

    passam a se dedicar às atividades militantes constitui uma estratégia privilegiada para a compreensão

    das lógicas que contribuem para as dinâmicas de engajamento, variáveis em sua intensidade e duração

    ao longo dos percursos individuais (FILLIEULE, 2001). Além disso, as relações cada vez mais

    imbricadas entre investimentos escolares e inserções militantes apontam para a intensificação dos

    usos políticos dos títulos escolares como trunfos de legitimação social e de justificação para a

    ocupação de uma diversidade de posições de autoridade em distintos domínios de inserção,

    especialmente em cargos públicos e políticos.

    Em termos de origens sociais – a variável utilizada diz respeito às atividades de cunho

    profissional exercidas pelos pais – é possível perceber, a partir dos seis itinerários analisados, uma

    nítida diferenciação entre origens sociais mais elevadas e escolarizadas, para o caso das fundadoras

    da Themis (pais jornalistas e militares, mães professoras) e recursos de origem mais escassos, para o

    caso das fundadoras da Acmun (cujos pais exercem atividades mais manuais como gari, peão de

    estância, por exemplo, e mães trabalhadoras do lar e costureira).

    Quanto aos recursos escolares, a maior parte dos itinerários envolve uma formação

    universitária em instituições de âmbito privado, em áreas bastante heterogêneas, com uma

    concentração maior de áreas como direito e ciências sociais no caso das agentes da Themis e áreas

    como enfermagem, psicologia e biologia no caso das agentes da Acmun. As experiências de formação

    em um curso mais tradicional (direito) de uma instituição pública (UFRGS) e de circulação

    internacional para a realização de um curso de mestrado no exterior aparecem apenas para um caso

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    da Themis, revelando trunfos acadêmicos diferenciados e as possibilidades ampliadas de entrar em

    contato com referências e com redes externas de ativismo.

    As atividades profissionais desempenhadas ao longo dos itinerários são bastante heterogêneas

    e envolvem o acesso a redes de inserção diferenciadas. Francisca, professora de ciências e de biologia,

    uma das militantes fundadoras da Acmun e com maior tempo de vínculo com a organização, não

    chegou a atuar profissionalmente em projetos financiados pela mesma. Depois de lecionar por muitos

    anos na rede privada, Francisca passou a trabalhar como professora da rede pública, foi diretora de

    escola, especializou-se em supervisão e orientação escolar e depois em relações étnico-raciais e

    direitos humanos e educação. Também trabalhou em funções administrativas na coordenadoria

    regional de educação da região de Passo Fundo, tendo, portanto, suas atividades profissionais

    relacionadas com o exercício do magistério.

    Elaine, que assumiu a coordenação das atividades do grupo após o falecimento da mãe

    (Nelma, fundadora da entidade), apesar de ter formação na área da saúde, primeiro como técnica em

    enfermagem e depois como enfermeira, não chegou a atuar diretamente na profissão. Dedicou-se à

    coordenação e estruturação de projetos para a ong e depois foi aprovada em um concurso público da

    prefeitura de Porto Alegre, onde trabalha até então, como funcionária envolvida em projetos de saúde

    da população negra. Mais recentemente, Elaine passou a se dedicar aos estudos, em um curso de

    mestrado na área de saúde coletiva.

    Simone, a psicóloga que passou a dirigir a Acmun após a saída de Elaine, desde o início

    recrutada profissionalmente para a coordenação de um projeto, teve as suas relações profissionais

    (após o título universitário) mediadas via projetos da entidade, especialmente em áreas como saúde e

    educação. O ativismo profissionalizante de Simone envolveu também investimentos em cursos de

    pós-graduação, primeiro em psicooncologia e em saúde coletiva. Depois de muitos anos na

    coordenação dos projetos da entidade e de experiência à frente da coordenação da Articulação de

    Organizações de Mulheres Negras do Brasil, Simone foi convidada para trabalhar no órgão de

    ouvidoria da Defensoria Pública do estado, onde atua hoje.

    Já as inserções profissionais das agentes vinculadas à Themis demonstram uma maior

    imbricação e circulação em posições e cargos políticos. Denise, depois de atuar como advogada

    sindical, de fundar e coordenar a ong por alguns anos e fazer mestrado em direito internacional dos

    direitos humanos pela University of Essex (2000), atuou como programer officer da Fundação Ford

    na pasta de direitos humanos, uma entidade de filantropia social que no Brasil financiou e incentivou

    inúmeros projetos de universidades, de programas de pós-graduação, de órgãos de pesquisa e também

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    de grupos da sociedade civil associados às lutas antidiscriminatórias, por exemplo. A atuação como

    professora universitária na área do direito começou na década de 1990 e foi retomada após o retorno

    das atividades profissionais no âmbito da Fundação Ford, no Rio de Janeiro. Mais recentemente,

    Denise atua como ouvidora-geral da Defensoria Pública do estado do Rio Grande do Sul, onde atua

    hoje.

    Glória, historiadora, também fundadora da ong que chegou a coordenar por um breve período

    após a saída de Denise, chegou a trabalhar por um curto período como professora em universidades

    do interior e cursinhos de pré-vestibular, mas na maior parte do tempo esteve envolvida

    profissionalmente com projetos governamentais implementados por gestões petistas em municípios

    de Porto Alegre e de Canoas, e também no governo do estado, ao longo dos anos 1990 e 2000. A

    retomada dos investimentos acadêmicos veio mais tarde (2013), quase como uma espécie de extensão,

    agora sob a forma de uma maior reflexão e aprofundamento acerca de problemas com os quais havia

    se deparado politicamente durante os anos de trabalho em gestões de projetos governamentais.

    Márcia, advogada e também fundadora da Themis, atuou inicialmente na assessoria e da

    defesa de causas intermediadas pela ong, e depois passou trabalhar na gestão de projetos em

    instituições públicas e governamentais, reforçando uma expertise jurídica mais associada às causas

    de direitos humanos e de populações em situação de vulnerabilidade social. Foi secretária adjunta da

    Secretaria Nacional da Criança e do Adolescente (2006-2011) e depois coordenou, por quatro anos,

    um programa de erradicação do trabalho infantil em lavouras de tabaco, promovido e financiado pela

    Organização Internacional do Trabalho (OIT).

    Recursos sociais, itinerários militantes e retribuições do engajamento

    Longe de serem conscientemente e estrategicamente perseguidas enquanto tais, as

    gratificações simbólicas estão relacionadas simultaneamente aos sentidos, às motivações e às

    posições forjadas pelos/as agentes tendo em vista as inserções nas formas mais variadas de ativismo

    e de engajamento. A diversidade das remunerações simbólicas relacionadas à atividade militante pode

    incluir desde sentimentos de reconhecimento, de prestígio e de satisfação de agir sobre o mundo para

    transformá-lo, até sentimentos de autoridade para intervir em espaços públicos ou ainda laços

    afetivos, de estima e de amizade (GAXIE, 2005, p. 162).

    Vários estudos vêm explorando de forma importante este aspecto e apontando para a

    heterogeneidade das formas de satisfação em jogo nos engajamentos militantes a depender dos

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    públicos que protagonizam certos tipos de mobilizações e das variáveis contextuais que influenciam

    os percursos individuais. Como reforçou Coradini (2010, p. 456), o entendimento acerca dos

    processos que orientam as adesões e dos recursos sociais que os/as agentes possuem é fundamental

    para a compreensão das retribuições simbólicas do militantismo e das permanências em redes de

    ativismo social e político.

    As redes de contatos interpessoais forjadas via inserções em grupos e meios militantes, além

    de contribuírem decisivamente para as dinâmicas de début na defesa de causas de ordens variadas,

    também estão na origem de uma série de motivações e de identificações tecidas tanto em direção à

    permanência nesses circuitos ou às desistências e às rupturas processadas5. No caso dos itinerários

    considerados para este esforço de análise, há formas distintas de acesso aos meios militantes e

    também de retribuições forjadas ao longo dos seis percursos que foram previamente apresentados no

    item anterior.

    Francisca, fundadora e militante da Acmun, começou a frequentar o clube negro de sua cidade

    no interior do estado junto com a família, que tinha uma forte vinculação também com a igreja

    católica. Foi assim que Francisca se aproximou de pessoas da capital envolvidas com as ações dos

    Agentes da Pastoral Negra (APNs) e depois participou, junto com um grupo de mulheres da Vila

    Maria Conceição (Porto Alegre), da fundação da Acmun. Professora e funcionária pública estadual,

    sem ter relações profissionais mediadas via a organização, Francisca fundou a Acmun de Passo

    Fundo. Foi a primeira mulher negra presidente do Conselho Municipal de Saúde de sua cidade. Na

    igreja, atuou e atua como cursilhista e participa de um grupo de pesquisas da Confederação Nacional

    de Bispos do Brasil sobre a população negra; participa ativamente de fóruns e de encontros nacionais

    e já esteve em encontros internacionais (programa de intercâmbio de ativistas de uma universidade

    dos Estados Unidos); integra a comissão de seleção de cotas raciais da Universidade de Passo Fundo;

    além de dar palestras e de participar de eventos em espaços os mais variados (universidades,

    encontros sindicais, de mulheres negras, igreja, câmara de vereadores). Na década de 1980,

    aproximou-se de pautas mais à esquerda via contato com o padre que era responsável pela paróquia

    de sua cidade, e na década de 1990, já funcionária pública estadual e participando das mobilizações

    do magistério estadual, acabou filiando-se e reforçando laços de identificação com o PT, embora sem

    maiores envolvimentos ou militâncias com as instâncias internas do mesmo.

    5 - A obre coletiva “Le désengagement”, organizada por Olivier Fillieule (2005), é a principal referência para ter contato com esforços de análise sobre os processos de desengajamento e as lógicas que convergem no sentido do afrouxamento de vínculos e do afastamento de relações e de meios militantes.

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    Elaine, que começou a participar desde bastante jovem das atividades comunitárias e da

    pastoral negra junto com a sua mãe, no início da década de 1980 passou a ter contato com integrantes

    do movimento negro, o que contou para o seu progressivo afastamento das identificações mais

    religiosas. Desde jovem filiada ao PT, assim como a sua mãe, começou a participar de encontros

    nacionais onde teve a oportunidade de conhecer referências do movimento de mulheres negras, tais

    como Lúcia Xavier e Sueli Carneiro, fundadoras de outras ongs de mulheres negras no Brasil, no final

    dos anos 1980 e início dos anos 1990 (Geledés, de São Paulo, em 1988, e Criola, do Rio de Janeiro,

    em 1992) e que passaram a ser amigas, primeiro de sua mãe, depois também de Elaine. A coordenação

    da Acmun no início dos anos 1990 veio acompanhada de inserções em espaços de participação

    política local como o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher da cidade de Porto Alegre, do qual

    foi presidente por quatro anos. Após ser aprovada em um concurso público municipal, mais

    recentemente, foi convidada para ajudar a estruturar um programa de saúde direcionado para a

    população negra, justamente em função de suas experiências de militância prévias.

    Diferentemente de Francisca e de Elaine, as aproximações de Simone com as atividades de

    militância vieram mais tarde e após a sua primeira experiência profissional na coordenação de um

    projeto da Acmun. Na família, seu pai e um tio eram identificados com o PT e com as mobilizações

    do movimento negro da cidade, e o assunto “política” era familiar – embora sem maiores

    envolvimentos pessoais. Já depois de formada no curso de Psicologia, Simone foi indicada por uma

    amiga de faculdade para participar de um projeto da Acmun, organização que depois dirigiu por

    muitos anos e cujas atividades frequenta e participa cotidianamente ainda hoje. Mais recentemente,

    após a estruturação de uma rede nacional de organizações de mulheres negras e a participação da

    Acmun como entidade coordenadora desta rede, já nos anos 2000, a Articulação de Organizações de

    Mulheres Negras do Brasil, Simone intensificou contatos com lideranças de entidades nacionais e

    também as suas participações em eventos internacionais. Participou de audiências da Organização

    dos Estados Americanos (OEA) para intervir e falar sobre a condição das mulheres negras no Brasil;

    tornou-se próxima de lideranças do movimento negro de mulheres; viajou pelo país para conhecer os

    projetos de outras entidades participantes da AMNB e participou de fóruns nacionais de discussão de

    políticas públicas como o Conselho Nacional de Saúde e a Rede de Saúde da População Negra.

    No caso das agentes da Acmun, dotadas de recursos econômicos e culturais mais frágeis em

    termos de origem familiar, as retribuições associadas às inserções militantes incluem a tessitura de

    fortes laços identitários e afetivos no sentido da construção de uma rede de relações de apoio e de

    aprendizados. A militância reforça simultaneamente sentimentos de competência pessoal, de uma

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    formação humana diferenciada e, principalmente, de fortalecimento para superar as situações de

    exclusão social e de racismo – que passam a ser politizadas justamente a partir de suas inserções

    militantes. O “empoderamento” é ao mesmo tempo um sentimento individual de superação das

    adversidades e dos sofrimentos experimentados nos próprios percursos e um projeto de identificação

    coletiva que precisa ser multiplicado e levado adiante:

    E palestras aqui, palestras ali, vai por aí pela região, normalmente eu não paro, porque assim,

    alguém disse que eu tenho condições de falar sobre a 10.639 (lei), “Ah, o município precisa

    de formação”, tranquilamente eu estou lá, muitas vezes sem ganhar um centavo, mas por

    prazer, porque eu acho que se eu, que me qualifiquei, que tenho uma militância, não fizer,

    quem que vai fazer? Nós precisamos nos qualificar, nós precisamos estar à frente de, e

    ninguém fala por mim, a minha história eu conto, de mulher, de negra, de mãe, de militante.

    Eu não quero que ninguém conte e fico furiosa da vida quando alguém resolve ir lá e querer

    me defender, não, deixa que as mulheres negras, nós sabemos falar de mulher negra, nós

    sabemos disso. (Entrevista concedida por Francisca, março de 2017)

    Eu não tenho dúvidas de que, eu sei que eu vou continuar aqui nesse lugar e sempre ativista,

    sabe? É muito difícil pensar... Isso faz parte da minha vida e eu não consigo mais me imaginar

    como uma Simone não ativista, isso não tem mais... Porque muita coisa mudou, várias coisas.

    Eu acho que sou outra pessoa, eu me tornei outra pessoa, no sentido de que eu me politizei

    mais, eu passei a compreender, comecei a ver as coisas de uma outra forma. Eu reconheci

    coisas que eu não reconhecia antes. Se me perguntassem antes se eu tinha sofrido com o

    racismo eu ia dizer que não, que nunca, mas hoje eu já consigo me dar conta. (Entrevista com

    Simone, concedida em fevereiro de 2017)

    Os percursos das agentes vinculadas à Themis, por sua vez, revelam itinerários militantes e

    redes de adesão distintas. Denise, estudante de direito na UFRGS, entrou em contato com o

    movimento estudantil e participou dos grupos Peleia e Liberta. Militante também do PT, ajudou a

    fundar o núcleo de mulheres do partido em Porto Alegre e a comissão de mulheres da CUT. A

    participação em eventos internacionais de promoção dos direitos humanos e a atuação como

    professora universitária reforçaram simultaneamente os investimentos acadêmicos e profissionais que

    estão na origem da fundação da Themis, ong que coordenou nos seus primeiros seis anos. A formação

    no exterior (o mestrado na Inglaterra), a coordenação do programa de direitos humanos da Fundação

    Ford e a carreira docente são indicativos dos recursos e das possibilidades diferenciadas de circulação

    e de ocupação de posições associadas à uma expertise ao mesmo tempo intelectual e militante.

    Glória, que começou a militar como secundarista em uma tradicional escola pública da cidade

    de Porto Alegre, reconhecida como um berço de inúmeras personalidades do cenário político gaúcho,

    se aproximou do grupo Peleia e também participou do Liberta e do PT. No curso de história na PUC

    continuou a militar no movimento estudantil. Depois de formada, em função das suas redes de

    relações interpessoais, foi chamada para trabalhar como assessora da Comissão de Direitos Humanos

    da Assembleia, onde intensificou ainda mais os contatos com a Themis, que coordenou por um breve

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    Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

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    período após sair da Assembleia. Ao longo das décadas de 1990 e 2000, Glória atuou em inúmeros

    projetos governamentais de gestões petistas, no âmbito dos governos estadual e municipal (em Porto

    Alegre e em Canoas). A retomada da vida acadêmica veio mais tarde com a conclusão do mestrado

    em ciências sociais que havia começado nos anos 1980 e o ingresso no curso de doutorado em ciências

    sociais na PUC.

    Márcia começou a militar também ainda como secundarista na cidade de Santa Maria, em um

    grupo de juventude vinculado ao PRC do qual participava o seu irmão mais velho. Em Santa Maria,

    Márcia e outras colegas de militância tinham um grupo que chamaram de Germinal, onde discutiam

    e estudavam autoras feministas. Em Porto Alegre, já estudante do curso de direito, estreitou relações

    com a Denise e participou da fundação da Themis. Atuante como advogada voluntária no Gapa

    (Grupo de Apoio à Prevenção da Aids), Márcia seguiu profissionalmente advogando e passou a atuar,

    assim como Glória, em cargos de indicação política, primeiro no âmbito do governo estadual e depois,

    bem mais recentemente, em Brasília. Também atuou como coordenadora de projetos de agências

    como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), de erradicação do trabalho infantil.

    As retribuições das inserções militantes, no caso dos percursos das agentes vinculadas à

    Themis, dotadas de recursos culturais de origem familiar e escolares relativamente mais elevados,

    envolve um conjunto prévio de relações pessoais e de identificação política no âmbito de grupos de

    esquerda que se desdobram em possibilidades de circulação diferenciadas em relação à ocupação de

    posições profissionais e políticas, seja em órgãos governamentais e/ou em agências privadas de

    execução de projetos de intervenção social. Mais do que laços de caráter identitário ou de superação

    individual, as retribuições do ativismo parecem mais associadas ao sentimento da aquisição de um

    conjunto de autopercepções de competências intelectuais e técnicas que autorizam e justificam as

    inserções profissionais e as ocupações dos cargos exercidos.

    Eu nem considero o que eu faço hoje como uma militância, eu tomo isso, como é que eu vou

    te dizer... Não é uma militância, é o meu sentido de vida. É um ativismo? Pode ser, mas é o

    que me faz feliz, esse é o sentido da minha vida e eu me preparei para isso, me preparei

    tecnicamente, emocionalmente e politicamente. Eu não escolhi o partido, senão estaria lá

    dentro, agarrada em uma bandeira. Não teria nem tempo, nem disposição e possivelmente

    nem capacidade de me preparar tecnicamente para isso. Eu escolhi isso. Eu escolhi cuidar

    das pessoas, das mulheres, das crianças, e não do partido. (Entrevista concedida por Márcia

    Soares, em abril de 2017)

    Como pôde-se depreender a partir da análise dos seis itinerários analisados, as retribuições

    das inserções militantes estão profundamente relacionadas com os recursos sociais e com as redes de

    adesão e de afinidades tecidas e mobilizadas pelos/as agentes ao longo de seus percursos. As lógicas

    sociais que estão associadas aos ativismos de gênero são bastante distintas e comportam tramas de

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    significados e de identificações variadas, incluindo desde sentimentos pessoais de fortalecimento e

    de aquisição de referenciais identitários, afetivos e políticos até sentimentos de competência

    intelectual e técnica que autorizam e reforçam formas variadas de intervenção política e o acesso para

    a ocupação de posições de valorização profissional e social.

    Referências Citadas

    AGRIKOLIANSKI, Eric. Carrières militantes, et vocation à la morale: les militants de la Ligue des droits

    de l’homme dans les annés 1980. Revue française de science politique, 51, nº 1-2, p. 27-46, 2001.

    CORADINI, Odaci L. Recursos de origem, investimentos e expectativas de retribuição na militância no

    MST. Espacio Abierto Cuaderno Venezolano de Sociologia, vol. 19, nº 03, 445-473, 2010.

    FILLIEULE, Olivier. Propositions pour une analyse processuelle de l’engagement individuel. Revue

    française de science politique, v. 51, p. 199-215, 2001.

    GAXIE, Daniel. Rétributions du militantisme et paradoxes de l’action collective. Swiss political Science

    review 11 (1), p. 157-188, 2005.

    PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Editora Ática,

    1990.

    SAWICKI. Frédéric e SIMÉANT, Johanna. Inventário da sociologia do engajamento militante: nota

    crítica sobre algumas tendências recentes dos trabalhos franceses. Revista Sociologias, nº 28, p. 200-255,

    2011 (texto traduzido).

    Producing "gender" as collective action: conditions, agents and retributions of engagement in

    activism networks in the city of Porto Alegre / RS – Brazil

    Abstract: The general problem of this article is related to the discussion of the variability of the social

    conditions that are in the origin of processes of social and political engagement, including the

    contextual variables, interpersonal dynamics and identity retributions at stake when it comes to

    analyzing the constitution and redefinition of groups, causes, agendas and militant itineraries, which

    in the specific empirical case of this research concern the activist networks of "womens" and

    "feminists" non-governmental organizations that are formed between the late 1980s and early 2000s

    in the city of Porto Alegre, Rio Grande do Sul. In terms of methodological resources, the work is

    developed based on the analysis of paths, including variables such as social origin and family

    socialization, school resources, professional experiences and previous accession networks. The

    diverse set of itineraries analyzed reveals the multiplicity of the conditions that act in the production

    of the engagements and also the departures more or less temporary from the networks of activism in

    question, as well as of the meanings and the identity retributions that are at stake.

    Keywords: Engagement, Paths, Womens, Non-governmental Organizations.