173

prof. juca.pdf · sociedade em geral e aos indivíduos. Esses meios são bens públicos, equipamentos e serviços acessíveis ou relativamente inacessíveis que permitem ou possibilitam

Embed Size (px)

Citation preview

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 3

CAPÍTULO 1

DEFININDO O PONTO DE VISTA ....................................................................... 14

RESUMO .................................................................................................................... 14

1.1 MARCO TEÓRICO: O CONTEXTO DO OBJETO E O PROCESSO EXPLICATIVO .......... 14

1.2 MARCO CONCEITUAL: DO CONCEITO DE SUSTENTABILIDADE À ECOLOGIA

URBANA ............................................................................................................ 29

1.3 MÉTODO DE ANÁLISE: AS LINHAS GERAIS DA DIALÓGICA INVESTIGATIVA ........ 31

CAPÍTULO 2

A CIDADE COMO ORGANIZAÇÃO ................................................................... 36

RESUMO .................................................................................................................... 36

2.1 ORGANIZAÇÃO VIVA E ECO-ORGANIZAÇÃO ..................................................... 36

2.2 OS SISTEMAS ACÊNTRICOS, CÊNTRICOS E POLICÊNTRICOS .............................. 38

2.3 UM MACROCONCEITO DA URBANIZAÇÃO ........................................................ 47

2.4 AS SOCIEDADES URBANAS ENQUANTO ORGANIZAÇÃO.................................... 53

CAPÍTULO 3

A URBANIZAÇÃO ECOLÓGICA ......................................................................... 55

RESUMO .................................................................................................................... 55

3.1 A SUSTENTABILIDADE NO DEBATE ECONÔMICO .............................................. 55

3.2 SUSTENTABILIDADE: ATRIBUTOS E IMPLICAÇÕES ............................................. 59

3.3 CAPACIDADE DE SUPORTE COMO MEDIDA DE SUSTENTABILIDADE ................. 66

3.4 RECORTANDO TECNOECOSSISTEMAS HUMANOS .............................................. 70

Sumário

3.5 CONCEBENDO A URBANIZAÇÃO ECOLÓGICA ................................................... 74

CAPÍTULO 4

PARA INVESTIGAR A SUSTENTABILIDADE URBANA ............................... 87

RESUMO .................................................................................................................... 87

4.1 MÉTODOS DE MEDIDA DE SUSTENTABILIDADE ................................................ 87

4.2 LIMITAÇÕES DOS INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE .................................. 93

4.3. AVALIAÇÃO DE MÉTODOS SELECIONADOS ...................................................... 98

4.4 A PEGADA ECOLÓGICA E SEU CÁLCULO ........................................................ 102

4.5 REAVALIANDO A PEGADA ECOLÓGICA E OUTROS MÉTODOS ......................... 105

CAPÍTULO 5

A URBANIZAÇÃO NA ECOLOGIA URBANA ................................................. 111

5.1 A ECOLOGIA URBANA: PRESSUPOSTOS E OBJETIVOS ...................................... 111

5.2 CONTRIBUIÇÕES DA ECOLOGIA URBANA À COMPREENSÃO DA URBANIZAÇÃO

......................................................................................................................113

5.3 APLICANDO O MACROCONCEITO DE URBANIZAÇÃO ...................................... 126

5.4 ABORDAGENS METODOLÓGICAS E INDICADORES .......................................... 129

5.5 ANÁLISE DE IMPACTOS AMBIENTAIS DA URBANIZAÇÃO ................................ 143

5.6 CONTRIBUIÇÕES DA ECOLOGIA URBANA PARA O PLANEJAMENTO E GESTÃO

URBANA E REGIONAL .................................................................................... 145

CONCLUSÕES........................................................................................................ 148

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 158

INTRODUÇÃO

A questão central pela qual este trabalho se desdobra é: Como analisar a

urbanização sob o ponto de vista de sua sustentabilidade ambiental? A perspectiva

deste estudo é, então, apresentar uma abordagem que possa ser utilizada na avaliação

de políticas ambientais urbanas, através de uma revisão do conceito de

sustentabilidade aplicada à urbanização. Os métodos científicos que trabalham com a

totalidade dinâmica da urbanização foram considerados mais adequados à abordagem

desta avaliação, contrariamente às iniciativas fragmentadas, disciplinares e redutoras,

ou àquelas que concebem a cidade apenas como objeto físico, ou mesmo àquelas que,

por outro lado, abordam a cidade como um meio para o processo de acumulação, ou

como sendo apenas seu resultado.

O Capítulo 1 procura situar a problemática da urbanização, inicialmente

considerando-a inscrita no fenômeno circular de economias de aglomeração. As

abordagens desta natureza em geral ignoram, ou se sobrepõem aos processos sociais e

naturais, que também determinam o processo de urbanização. Diante dessa

problemática, introduz-se o debate sobre a sustentabilidade ecológica da urbanização,

a luz de paradigmas associados à teoria da complexidade, com o objetivo de construir

uma leitura da totalidade desses processos e encaminhar a busca de respostas à

questão central.

Nesta leitura, o ponto de vista do autor se define por sua posição em um

contexto socioambiental. Ademais, tal leitura não pode ser confundida com o

processo em questão e isso exigiu uma construção teórica a partir de concepções

também próprias, buscando se despir de pressupostos ideológicos e, ao mesmo

tempo, de uma suposta neutralidade científica. Assim, a posição do narrador ou

intérprete é evidenciada com a intenção de procurar não falar pelos outros, nem

tampouco mascarar a diferença entre realidade e linguagem. O ponto de vista é mais

que uma perspectiva intelectual, é também, neste caso, uma procura por um

posicionamento para a análise, orientada por afirmações teóricas. Esse é o fruto de

reflexões sobre explicações sobre a questão em foco, que se desenvolve por um

discurso argumentativo.

Introdução

Este trabalho é uma invenção, um trabalho de criação, onde a imaginação tem

um papel central. Trata-se de uma leitura, portanto está implícito que há outras

leituras, parcialmente complementares, concorrentes, ou antagônicas.

O desenvolvimento deste estudo sobre tema assaz complexo induziu a

digressões sob o ponto de vista da teoria do conhecimento e ao encontro de uma

espécie de dilema do conhecimento analítico, que busca a última (ou primeira)

instância explicativa de fatos, fenômenos ou processos, ou a prova cabal sobre esses

fatos. Isso passou a ser interpretado como uma espécie de redução que congela, ou

que engessa o espaço e o tempo dos acontecimentos. A matemática realiza isso para a

física, a semente para a vida e o indivíduo para a sociedade, contudo, a perenidade

não é redutível apenas a fórmulas, como uma múmia que aguarda um milagre. A

perenidade é viva e criativa e as teorias têm vida e morte (KUHN, 2003).

A partir dessa concepção, o mote da insustentabilidade desponta também como

um achado da escritura e do ato de escrever. Assim, tratar da urbanização é descolar a

noção de cidade de seu suporte material como ambiente construído, como trabalho

morto e cristalizado de nossos ancestrais. Ela – a cidade (como objeto, ou ambiente

construído) – é um resultado, mas é também um meio. Enquanto resultado, isso é

visto por Harvey (1997) como o produto do processo de acumulação capitalista e

como sua última instância explicativa. Contudo, há processos e processos de

urbanização que a história das cidades revela. A história remota ou a recente mostra,

por exemplo, que as cidades na Grécia Antiga, pautadas por um tamanho

populacional, eram mais sustentáveis que as dos países socialistas autoritários, ou

capitalistas supostamente democráticos e isso nos faz supor que seja possível levantar

suspeitas dessa relação causa-efeito entre modo de produção e sustentabilidade

urbana, pois, na prática, isso vai para além de uma leitura de geografia econômica,

constituindo-se, também, como um problema cultural bastante abrangente relativo ao

modo como as sociedades constroem e vivem em suas cidades e à relação entre o

ambiente natural e o ambiente construído. Enquanto meio, a cidade pode ser vista

como meio de produção, por suas infraestruturas abertas aos agentes econômicos, à

sociedade em geral e aos indivíduos. Esses meios são bens públicos, equipamentos e

serviços acessíveis ou relativamente inacessíveis que permitem ou possibilitam a

produção do conjunto ou dos conjuntos urbanos.

Introdução

Por sua abrangência, a definição de cultura mencionada acima aparece

frequentemente em textos como um termo que reúne muitos aspectos e por isto

termina, muitas vezes, por não dizer muito. Aqui, cultura é o patrimônio

informacional de uma sociedade, portanto, se constitui como linguagem e se forma

por conta da linguagem, está associada à memória e a identidade social não genética,

é constituída por saberes, costumes, regras e normas de uma sociedade, mas o que

efetivamente a caracteriza são as diferenças próprias de traços sociais comuns, ou a

presença de traços exclusivos, segundo uma interpretação da acepção de Morin

(2005, p.272). Contudo, a cultura tem um componente psíquico nos indivíduos que é

introjetada por meio da educação, ou da repressão social ou institucional, que é

compreendido, por exemplo, com o conceito de superego em Freud.

Como nossa aventura privilegia a criação, não nos obrigamos a colocar muitas

citações no texto como uma forma de legitimação. Entretanto, ao colocá-las, nos

apoiamos nos argumentos de Bourdier (2010), quando se trata da relação entre

linguagem e poder. Buscamos, dessa forma, nos pautar na forma e procedimentos por

trabalhos filosóficos e científicos. Assim, consideramos importante desenvolver o

texto por argumentos não contraditórios, pois se partindo do indeterminado tudo

(todas as explicações religiosas), ou nada (nenhuma determinação científica) pode se

afirmar. Nesse caso, tenho objetivos a cumprir e respostas tangíveis a oferecer pelo

menos a uma questão sobre um fato reconhecível.

Há, hoje, um reconhecimento de que as cidades são o centro da depleção da

natureza, mas esse fato foi negligenciado. O movimento ambientalista nasce

conservacionista, quando os biólogos dominavam a cena das políticas públicas

ambientais, indicando a criação de parques e santuários ecológicos, quando estes se

multiplicaram como uma forma de defesa da diversidade biológica, da conservação

de espécies, dos recursos naturais e, mais recentemente, dos serviços ambientais.

Contudo, tal abordagem não analisa os impactos do crescimento econômico e a

sustentabilidade global em um cenário de recursos planetários finitos. Nessa linha

surgem os defensores do Crescimento Zero e de uma Ecologia Profunda (CAPRA,

1996) que negam o crescimento como forma de satisfazer necessidades e,

especialmente, por comprometer a sustentabilidade ecológica e a sobrevivência das

espécies, inclusive a humana. Emerge, por reação, o movimento socioambientalista

que assinala a interdependência entre os termos (social e ambiental) e a necessidade

Introdução

de conferir outra orientação ao crescimento econômico. Assim, esse crescimento

deveria ser orientado pela ideia de um desenvolvimento sustentável, cuja definição é

complexa, por exemplo, dado ser necessário reconhecer a pressão social quase

universal por, ao menos, condições mínimas de sobrevivência, que se traduzem

inevitavelmente em crescimento econômico, advindos de problemas sociais e

culturais como má distribuição de riquezas, desperdícios e escassez concomitantes,

pouco uso de recursos renováveis e baixo reconhecimento da importância dos

serviços ambientais.

A princípio, esse estudo considerou os argumentos do socioambientalismo

como mais consistentes. Nesta linha, o debate sobre a questão das políticas públicas

urbanas ambientais toma importância, demandando a construção de indicadores para

avaliação de ações públicas urbanas e ambientais. Isto é examinado neste estudo,

contudo o exame da visão ecológica de sustentabilidade nos fez repensar sobre os

argumentos em defesa do crescimento, do não crescimento, ou crescimento

circunstanciado sob a visão socioambiental em uma discussão que é desenvolvida nos

Capítulos 3 e 4.

O Capítulo 2 dispõe sobre a discussão da organização urbana, como resultado

de processos, relativamente independentes, todavia imbricados. Por isto, foi

necessário refletir antes, sobre como se configuram as sociedades na natureza, do

ponto de vista de suas organizações, para uma compreensão mais genérica da

organização humana em sua estrutura, colhendo com isto algumas orientações

consideradas importantes para a análise, por exemplo, identificando aspectos que são

desconsiderados normalmente nas abordagens disciplinares, como os limites de

resposta de uma organização hierárquica rígida, ou anárquica, quando da ausência de

um controle central. Entretanto, esta aproximação a sociedades vivas revela também,

tanto as virtudes da anarquia como aquelas advindas da integração realizada por

estruturas organizacionais hierárquicas.

A partir desta imersão que permite muitas digressões, identificam-se e

discutem-se os processos determinantes da urbanização, contendo cada um deles,

internamente, suas complementaridades e contradições em contextos de interações

sociais, como alianças e conflitos, gerando ações concretas cujos resultados a cidade

reflete. Assim, a construção teórica se revela como uma forma de discutir e desvendar

sistematicamente a urbanização que, embora se inspirando em conceitos abstratos de

Introdução

organização, criados na observação de sociedades animais, possibilitam uma visão da

organização societária em sistemas em rede, o que leva a introdução ao problema da

manutenção e da sustentabilidade. Identificam-se assim objetivos e estratégias gerais

nas sociedades vivas, embora não se apresente ainda as relações entre as espécies e o

ambiente, o que é tema do Capítulo 3.

Este exame teórico da cidade levou a concepção da urbanização como

resultado de quatro processos. Primeiro como resultado do processo econômico, seja

este determinado por um processo de acumulação capitalista, seja por uma economia

de estado. Segundo, a cidade é também resultado de um processo social. Terceiro, ela

é resultado de processos políticos e da ação de políticas públicas, tanto atuando

diretamente sobre este território, como por políticas mais abrangentes de

ordenamento territorial, ou mesmo quando há uma inação do Estado nesta ordenação.

Isto se verifica, por exemplo, quando não reconhece a urbanização informal como

problema sistêmico, o que se associa à pré-conceitos ideológicos trazidos pela

história social e que se instituem e se fazem presente em normas institucionais

estatais, gerando paradigmas técnicos e culturais explicativos desta negligência do

estado. Contudo, há um quarto processo, o ambiente urbano proporciona novas

interações sociais e por isto surgem novos comportamentos e valores (como a

emergência da uma cultura laica), tendo deste modo um caráter ativo, o ambiente

retroage sobre a sociedade, por exemplo, gerando identidades sociais e individuais,

ou problemas postos pela própria dimensão e disposição urbana.

Além disto, a cidade é também um resultado de interações destes processos,

sendo difícil sua abordagem via uma análise convencional, que ora privilegia um

aspecto, ora outro, ora um processo, ora o objeto cidade. Assim, não se pressupõe a

sobredeterminação, ou primazia de nenhum destes processos sobre os demais. Por

isto também não bastaria definir um marco teórico (ou seja, uma explicação

metódica, um ponto de vista) por uma hierarquia de pressupostos e conceitos

ordinariamente encadeados, desde que estamos trabalhando com processos

simultâneos codetermidados. Contudo, o trabalho intelectual como qualquer outro

pode ser encarado como um trabalho criativo, todos eles têm suas regras, suas

técnicas, mas a criação tem seu momento, surgindo em geral quando o autor, imerso

nas idéias do trabalho, faz brotar uma concepção inovadora.

Introdução

Seja como um ambiente passivo seja como uma estrutura ativa por sua própria

arquitetura, a cidade forma um corpo organizado e integrado, mas também contendo

desorganização e desintegração em uma ordem instável, auto-organizativa como a

vida, que tem uma relação de troca com o ambiente. Ademais, a cidade se dispõe em

redes internas, mas também está inserida em redes de cidades até o nível planetário,

se inscrevendo também em processos ambientais planetários. Portanto, esta

organização social viva de comunidades ecológicas urbanas, apesar de ser um

ambiente artificial humano abriga comunidades de várias espécies, criando e se

recriando, sendo parte e fazendo parte ativa dos sistemas vivos. Como o que nos

interessa ao final, é a relação de um suposto ecossistema urbano com outros

ecossistemas, por este caminho começamos nossa aventura, buscando a compreensão

deste tipo artificial de organização viva.

Considerando o objetivo central do estudo – apresentar uma abordagem da

sustentabilidade aplicada à urbanização, chegou-se a conclusão de que seria

necessário compreender a sustentabilidade do ponto de vista ecológico, contudo isto

não foi possível senão por uma revisão bibliográfica do conceito de sustentabilidade

(e suas formas de aferição aplicada, inclusive, aos processos de urbanização). Noutras

palavras, foi preciso perceber como o processo de urbanização se relaciona com os

processos bióticos e abióticos da biosfera.

No contexto desta tentativa de associar os processos das atividades antrópicas

aos processos bióticos e abióticos, introduziu-se a questão tecnológica que não deixa

de ser um processo antrópico, mas isto é interpretado sob um aspecto duplo. Primeiro

como elemento de reorganização sistêmica interna de produção antrópica e segundo

sob o significado da relação dos tecnoecossistemas humanos com o ambiente. Por

este duplo viés, os limites de crescimento são analisados, o objetivo de acumulação e

as emergências tecnológicas para maior eficiência na produção, revelando que não há

solução de retorno a modos de produção anteriores, mesmo no caso de desastres

gerais.

Nos capítulos anteriores, examinamos a urbanização como uma associação de

processos políticos, sociais, econômicos, procurando compreendê-los como enfoques

de um mesmo processo de um sistema complexo. Entretanto, a acepção de

sustentabilidade segundo as abordagens das ciências sociais não é suficiente ou

compatível com os conhecimentos sobre processos biogeofísicos desenvolvidos por

Introdução

ciências naturais e biológicas, mas por outro lado estas não compreendem as

determinações sociais sobre a natureza. De um lado, as relações naturais são

percebidas melhor, assim como os efeitos das atividades antrópicas, mas não se sabe

por que e o que fazer para mudar a relação da sociedade com a natureza. Os

pesquisadores de ciências naturais não compreendem os processos sociais de modo a

poder propor diretrizes políticas para uma civilização ecológica. De outro lado, as

disciplinas sociais explicam por que esta relação se dá, mas isto de forma

fragmentada, não se compreendendo bem o problema da sustentabilidade na natureza

para incorporar indicadores robustos para nortear as ações das políticas públicas

urbanas. Assim, os indicadores são, no máximo, medidas de insustentabilidade e as

ações ficam limitadas ao empirismo, em face às limitações da compreensão dos

processos naturais e seus efeitos retroativos sobre as atividades antrópicas. Todavia,

foram identificados alguns consensos, entre estes grupos de pesquisadores. Conceber

a urbanização ecológica é também conceber modos de produção ecológicos, como

processos de adaptação, o que inclui mudanças de orientação.

No Capítulo 4 apresentamos o passo seguinte deste estudo para investigar a

sustentabilidade urbana. Com este propósito, as abordagens e os métodos para medir

sustentabilidade foram inicialmente identificados, caracterizados e analisados. Isto é

aprofundado para os métodos considerados mais consistentes e pertinentes à

sustentabilidade urbana segundo especialistas. Ademais aqueles métodos passíveis de

serem aplicados aos territórios urbanos foram reavaliados, segundo o marco teórico e

conceitual definidos nos dois capítulos anteriores.

Pelo exposto, o passo seguinte a esta análise crítica poderia ser a seleção de um

método de medida da sustentabilidade (ou da insustentabilidade urbana) e a aplicação

do mesmo. Entretanto, como concebemos tal sustentabilidade como resultante de

mais de um processo, isto exige a aplicação de mais de um método, com possíveis

ajustes. Isto em face de que não bastaria definir um estado de sustentabilidade, mas o

comportamento das pressões e respostas não apenas do ambiente, mas aquelas da

esfera antrópica, que o planejamento e monitoramento de ações demandam.

Na ciência, os indicadores são utilizados para mensurar, representar ou

comparar fenômenos ou objetos de investigação. O fenômeno, ou fato observável de

interesse neste caso é a urbanização e o objeto em foco pode ser também a cidade,

contudo isto objetiva servir a observação e talvez ao controle e reversão da

Introdução

insustentabilidade urbana, que se associa a um desenvolvimento que tem um caráter,

sobretudo, qualitativo - o desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento desse

modo é compreendido como melhoria da qualidade de vida, condições de vida ou

bem estar social. Nesta perspectiva o risco de subjetivação é maior e substantivar tal

sustentabilidade é fundamental e isto é realizado com o conceito de capacidade de

suporte.

Nesta linha da substantivação da sustentabilidade, a urbanização sustentável

pode ser abordada com a observação das relações entre a sociedade urbana e a

natureza, mas isto deve incorporar dimensões humanas da sustentabilidade, como a

saúde. Considerando o planejamento e gestão de políticas de sustentabilidade urbana,

a educação a criação de capital social vêm se traduzindo em critérios para medir o

desenvolvimento sustentável. Como já colocado, o desenvolvimento sustentável é

aquele que satisfaz as necessidades das gerações presentes sem comprometer os

recursos naturais (o que compreende serviços ambientais) necessários às gerações

futuras, onde a margem para subjetivação esta em conceber necessidades.

Há uma compreensão, bastante aceita hoje, de que este desenvolvimento

sustentável inclui mais de uma dimensão. Isto se traduz nas abordagens de

indicadores. Considerar apenas o resultado líquido das políticas e atividades humanas

sobre a natureza não deixa de ser importante, contudo isto é insuficiente para se

tomar decisões, desenvolver e monitorar ações no sentido desejado. Por isto, nas

abordagens mais aceitas se considera: ou apenas a dimensão ambiental, ou a

dimensão ambiental e social da sustentabilidade, ou ainda a dimensão ecológica,

social, econômica e institucional.

Segundo a compreensão da urbanização desenvolvida neste trabalho,

identificaram-se quatro processos determinantes e interdependentes: ambientais,

sociais, econômicos e políticos (aos quais alguns ainda acrescentam a dimensão

institucional). A dimensão ambiental da sustentabilidade se apresenta como condição.

Esta sobredetermina os processos sociais, contudo a natureza é passiva e reflexiva de

perturbações por ações antrópicas, portanto aparecendo também como resultado

destas. O ambiente e a sociedade definem, em síntese, um processo de mútua

determinação.

Verificou-se o problema de se utilizar os termos: ambiental e ecológico como

supostamente equivalentes. A ausência desta distinção parece se associar a carência

Introdução

de conhecimento dos processos ecológicos. O ambiente, ou meio ambiente, se refere,

ou a ecosfera (uma generalidade indistinta que a tudo envolve no planeta), ou a um

meio físico particular. Os processos ecológicos têm um caráter específico referente a

comunidades de populações de organismos associados em teias tróficas que ocupam

espaços físicos e interagem com a ciclagem de compostos orgânicos e inorgânicos,

tais como a água, o dióxido de carbono e os compostos de oxigênio, nitrogênio e

enxofre. Assim, o ambiente é uma condição e um meio, passivo e ativo, reflexivo e

pulsante, onde a urbanização é parte e faz parte, constituindo-se como

tecnoecossistemas.

A sustentabilidade na natureza se associa à manutenção e renovação dos

recursos naturais e são fenômenos dinâmicos complexos, inscritos dentro de ciclos

naturais tanto orgânicos, quanto inorgânicos. A vida e a terra como conhecemos,

hoje, são o resultado dos ciclos naturais astrofísicos, biogeoquímicos e da

diversidade, interdependência e equilíbrio pulsante dos ecossistemas. Em face à

complexidade da sustentabilidade na natureza, esta não pode ser inteiramente

reduzida às disciplinas do conhecimento, pois o comportamento do conjunto das

partes depende da interação das mesmas, portanto a sustentabilidade é melhor

abordada pela transdisciplinaridade. A transdisciplinaridade é o entrelaçamento de

disciplinas na explicação de fenômenos ou questões (ZIMMERER & BASSETT,

2003). Contudo, no isolamento de variáveis na investigação e nas ações práticas

podem ser setorialmente definidas, onde a redução disciplinar é importante, contudo

os efeitos cruzados demandam a observação transdisciplinar para prognósticos mais

refinados.

Para este trabalho até este momento, foram utilizados três sistematizações

críticas do estado da arte de abordagens do desenvolvimento sustentável e seus

indicadores, além do estudo específico, sobre aquelas mais aceitas por especialistas.

Examinamos e definimos em linhas gerais, o que constituiria uma urbanização

ecológica no Capítulo 3. No Capítulo 4 investigamos métodos para medir a

sustentabilidade urbana, o que potencialmente poderiam orientar políticas públicas

para a sustentabilidade urbana. Observou-se que tais métodos foram desenvolvidos

segundo concepções distintas de sustentabilidade, contudo, mais de um método

poderia ser aplicado aos ambientes urbanos, considerando aspectos ou dimensões

diversas da sustentabilidade.

Introdução

O passo seguinte neste estudo dado no Capítulo 5 foi identificar os resultados

das pesquisas em ecologia urbana para compreender em mais detalhe, os efeitos dos

padrões de uso e ocupação do solo urbano, do transporte e infraestruturas urbanas,

sobre os serviços ambientais e ciclos naturais. Reciprocamente, foi também

necessário compreender os efeitos retroativos do ambiente sobre a organização

urbana e sua sustentabilidade. Estas tarefas são necessárias mesmo que não sejam

questões resolvidas, em face às permanentes mudanças recíprocas entre ambiente e

sociedade.

A sociedade urbana e industrial já ocupa, diretamente, com os ambientes

construídos e, indiretamente, através da artificialização da natureza em fazendas

agropecuárias, uma porção significativa da biosfera, com efeitos locais, regionais e

globais sobre o clima, ciclos geoquímicos e serviços ambientais, tais como a

purificação da água, regimes fluviais e biodiversidade.

As cidades são o centro da depleção da natureza, cujo processo pode ser

observado na urbanização, com a identificação de padrões de uso e ocupação do solo

com seus atributos, efeitos e tendências. Tais padrões, tanto atuam como causas de

perturbações sobre os ecossistemas e processos geofísicos e geoquímicos, como, em

retorno, estes se tornam efeito de mudanças destes processos naturais que

condicionam a urbanização.

A constatação de que as cidades constituem sistemas abertos, funcionando em

rede e em constante processo de reorganização, faz com que a moderna teoria da

complexidade ofereça um método de análise adequado.

As leituras articuladas de dimensões sociais e ambientais são pouco comuns.

Como explicação abrangente, identificou-se, por exemplo, o artigo de COBLENG

(2011a) que trata do papel dos serviços ambientais ou ecológicos no planejamento

urbano.

O objetivo principal da ciência nascente da ecologia urbana é poder definir

possibilidades de condições futuras às populações e comunidades partícipes de

ecossistemas urbanos, ou estados possíveis para fenômenos ambientais associados a

nutrientes, ciclos de compostos orgânicos e inorgânicos e serviços ambientais,

podendo servir para a definição de limites para o crescimento urbano. A definição de

um ecossistema urbano é um conceito básico, que coloca a sociedade como um

subsistema do mesmo, como uma população que domina um território, mas divide

Introdução

necessariamente com outras espécies um ambiente artificialmente sustentado, mas

vivo.

CAPÍTULO 1

DEFININDO O PONTO DE VISTA

Resumo

Este primeiro capítulo procura situar a problemática da urbanização,

considerando, especialmente, as suas explicações teóricas como fenômenos

econômicos circulares, que ignoram e se sobrepõem a outros processos sociais e

naturais. Diante dessa problemática, introduz-se o debate sobre a sustentabilidade

ecológica da urbanização, a luz de paradigmas associados à teoria da complexidade,

com o objetivo de construir uma leitura da totalidade desses processos e encaminhar a

busca de respostas à questão central – como avaliar a urbanização sob o ponto de

vista de sua sustentabilidade ou insustentabilidade ambiental?

1.1 Marco teórico: o contexto do objeto e o processo explicativo

A dificuldade com o chamado modernismo e a cidade não era sua visão

totalizante, mas seu hábito persistente de privilegiar coisas e formas espaciais

acima de processos sociais. O antídoto de tal determinação espacial não é

abandonar todo o debate sobre a cidade (ou até a possibilidade de Utopia)

como um todo, como a crítica pós-modernista o faz, mas retornar ao nível do

processo de urbanização, como sendo fundamental a construção das coisas

que as contém (HARVEY, 1997, p. 419).

O efeito (desta dificuldade) nas análises ecológico-ambientais (das

cidades) tem sido a fuga de compreensões integradas do processo de

urbanização (HARVEY, 1997, p. 426-427).

Há uma série de questões ambientais centrais a serem pensadas, considerando a

rápida urbanização global. Uma dificuldade, segundo Harvey (1997), é que o termo

ambiente significa coisas diferentes para pessoas diferentes, por suas posições

ideológicas, políticas e disciplinares. Assim, as definições de prioridades a serem

consideradas também diferem, por consequência desses diversos entendimentos.

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

Cita-se como as agendas ambientais internacionais são definidas, sobretudo, por

países capitalistas dominantes, onde questões como saneamento básico passam para

um segundo plano (HARVEY, 1997). Contudo, mesmo que assim não fosse, a

velocidade da urbanização, no mundo em desenvolvimento, coloca sérios desafios

aos governos, inclusive por suas consequências ambientais. São alegações comuns

que as condições de vida e ambientais urbanas se agravaram inusitadamente, em

termos globais, desde a Revolução Industrial, atenuadas desde a segunda grande

guerra nos países centrais, mas agravadas nos países periféricos, especialmente,

naqueles em crescimento rápido.

Confirma tais colocações, a argumentação de Celso Furtado (1974) em O Mito

do Desenvolvimento. Em suma, o desenvolvimento não seria para todos, portanto,

isto se estende ao viver em um ambiente urbano saudável. Para Furtado (1974), assim

como Harvey (1997), o que determina as condições urbanas ambientais é um

processo global de acumulação capitalista, onde os excedentes são massivamente

transferidos aos países centrais, inviabilizando uma acumulação própria e a

construção das infraestruturas sanitárias urbanas nos países periféricos. Contudo, a

acumulação capitalista periférica própria é, hoje, significativa, sendo assim,

deveríamos considerar ademais o desafio da urbanização sustentável, cuja

compreensão é recente na ciência, associada a um crescimento urbano inusitado em

ambientes de baixa capacidade de planejamento e gestão governamental, além dos

tradicionais condicionamentos ideológicos que orientam as prioridades nas políticas

públicas.

Assim, essa acumulação se dá em todos os níveis, desde o local, ao regional, ao

nacional e internacional, através de uma rede de cidades. Tal rede se apresenta cada

vez mais integrada e multipolarizada como revela Castells (2000), o que é decifrado

empiricamente por Krugman (2002), levando a síntese que o Prof. Ronaldo Ramirez

faz sobre a qual fazemos uma releitura: o capitalismo global não depende mais de

pessoas, grupos, governos, Estados ou nações específicas. Ele se move como uma

superestrutura que apenas a coordenação de ações de um governo internacional, uma

superestrutura correspondente, lhe pode suportar, como uma mão invisível de ajuste

sobre uma anarquia geral na produção.

Diante desse impasse político, Harvey (1997) observa que há uma

fragmentação das lutas em movimentos anticapitalistas, inclusive, de direita.

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

Recomenda, assim, uma desejável unificação das lutas para o socialismo, mas

reconhece que, por conta das diferenças espaciais e temporais, o sistema capitalista

pode responder aos ataques fragmentados. Advoga a busca da raiz de classe comum

aos movimentos anticapitalistas, inclusive, ambientalistas.

Duvidamos da possibilidade de que o encontro dessa raiz de classe comum dê

conta de uma mudança a um pós-capitalismo, uma vez que a classe trabalhadora é,

em si, fragmentada pela própria divisão do trabalho, por interesses conflitantes e por

contradições que nascem em sua elite na própria ascensão ao poder, o que faz

produzir a reconstituição (institucional) de valores elitistas, pelos quais o capitalismo

se alimenta e se recupera.

Sob a visão da complexidade, tal esperança é reducionista, de modo que não

bastaria buscar uma raiz comum ou mesmo interesses, necessidades e desafios

ambientais comuns, fazendo com que essa totalidade necessariamente arraste, a

trancos e barrancas, às mudanças. O que ficou para nossa leitura de Harvey (1997) foi

a dissolução de alguns mitos comuns nas abordagens sobre a cidade.

O primeiro mito se constitui no conceber a cidade, antiecológica por natureza,

sem a compreensão da urbanização antiecológica, capitalista anárquica (o que é mais

evidente), todavia, a urbanização socialista, em geral, compreende mal as relações

socioambientais, considerando tais questões como uma alienação dispersiva para a

luta de classes ou, no máximo, uma prioridade secundária. Entretanto, a questão

ambiental agrega no nível de complexidade as questões antrópicas, não as nega. A

partir disso todos os problemas de planejamento e gestão se apresentam como desafio

não só a fim de conceber uma relação socioambiental saudável, mas também de

construí-la através de políticas públicas. Esse desafio se apresenta, sobretudo, aos

países em desenvolvimento, por conta da pouca tradição em planejamento, por

possuírem Estados menos estruturados com baixa capacidade de coordenar ações.

Isso por estarem imersos em rápido crescimento, ao mesmo tempo em que abrigam

sociedades ativas cuja organização tem evoluído consideravelmente. Contudo, esse

também é um grande desafio aos países com contingente expressivo de baixa renda,

recursos naturais escassos e serviços precários, organização incipiente e

politicamente problemática. A coordenação (co-ordem-ação), como palavra

aglutinada, ordenação de ações conjuntas, sintetiza o que será explorado adiante na

visão da cidade como organização.

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

O segundo mito comum apresentado é considerar que intervenções físicas

resolvem o problema ambiental urbano. Pensando no tráfego de pessoas e veículos, a

construção de vias expressas na cidade gera acessibilidade e, por consequência como

assinala Jacob (2000), mais tráfego, mais demanda por veículos individuais até uma

mais rápida congestão no sistema, mais construção de vias, mais acessibilidade, mais

tráfego... Na habitação, a urbanização caminha pari passo com a acumulação, pois as

pessoas migram, sobretudo, para lugares que estão possibilitando emprego e renda. O

déficit habitacional, as inadequações habitacionais e a demanda demográfica por

moradias não se resolvem apenas nas ações de provisão e correção de inadequações.

Há necessidade de ações preventivas, considerando acesso ao solo urbano e sua

infraestrutura, como também de ações ordenadoras no território, que vão muito além

de contextos urbanos, se associando às formas como se dão os investimentos e os

consequentes fluxos populacionais em rede.

O terceiro mito, colocado por Harvey (1997), é pensar que o caminho seria o

da transcendência dos problemas materiais. Ora, não é possível negar a necessidade

da construção de valores que sirvam de orientação ao comportamento social,

inclusive, porque isso tem importância igual ou superior às leis, tanto que estas

últimas, para se consolidarem, são condicionadas aos valores socialmente aceitos,

aquilo que lhes dá ressonância, incorporação social, legitimidade. Contudo, é de certa

forma fácil mostrar que as doutrinas morais e mesmo as filosofias de conduta, a ética,

não são suficientes para resolver o problema do consumismo, pois, mais do que

possuir os objetos de consumo induzidos por um desejo cultuado pela mídia

capitalista, o consumo é uma identidade construída, uma representação do que se

quer ser, ou do que se é para os outros, uma afirmação de individualidade, uma

reprodução de valores do supérfluo, do descartável, do efêmero, contudo prazeroso.

A resolução dessa equação entre necessidade de reconhecimento e encontro

satisfatório de um papel social está além da pauta das doutrinas morais e filosofias de

conduta, pois esbarram na questão do inconsciente, como se este pudesse ser

controlado, no lugar de ser melhor conduzido.

O quarto mito a dissecar considera que a criação de recursos e meios para

enfrentar os problemas urbanos supostamente depende da prévia resolução do

crescimento populacional, do desenvolvimento econômico e tecnológico. Esse é um

mito do sistema, por excelência. O crescimento populacional não é causa original dos

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

problemas urbanos, é o efeito de um excedente alimentar advindo do próprio

crescimento urbano e econômico capitalista. A população pode ser considerada um

problema, mas esta pode também ser considerada um recurso, capital humano. É a

capacidade do sistema que vai definir seu caráter. Contudo, se isso é fruto de uma

anarquia, é possível pensar em termos de organização, mas não apenas como uma

causa de problemas. Além disso, o desenvolvimento econômico é tanto causa quanto

efeito, solução e problema, mas, em suma, a contabilidade desse processo

compromete cada vez mais o ambiente e a saúde das pessoas. Assim, dar outro

sentido, corretivo, ao desenvolvimento, é uma tendência notória, uma posição

progressista, ou reformista. Esse desenvolvimento, na prática, seja capitalista, seja

socialista, demanda crescimento e a crença, ou aposta, é que o desenvolvimento

tecnológico possa resolver o desafio ambiental que impõe limites planetários ao

crescimento. No capitalismo, a competição obriga ao crescimento; no socialismo, o

acesso das populações a bens e serviços induz ao mesmo. Assim, o crescimento

parece ser além de inevitável, muito desejado, todavia, a condução do modelo de

desenvolvimento tem de ser outro, uma vez que não é qualquer desenvolvimento

tecnológico que proverá as condições socioambientais necessárias, mas uma política

de desenvolvimento tecnológico voltada para um desenvolvimento socioeconômico

orientado para a sustentabilidade. Existem condições sistêmicas para essa condução?

O quinto mito considera que os problemas sociais serão sanados com a total

liberdade das forças descentralizadas do mercado. Considera-se, portanto, que o caos

tenha seus padrões de formação, definidos por motivações comuns que conduzem o

comportamento organizativo de um sistema a partir de interações de seus elementos,

por exemplo, na interação dos agentes econômicos, todos eles possuídos de valores

que reproduzem objetivos e metas de acumulação. Entretanto, isso não impede a

abordagem dos problemas que demandam uma ação coletiva, em benefício de cada

agente, do conjunto destes e do sistema que, por extensão, pode ou não beneficiar a

sociedade, dentro de um sistema de valores, onde tudo quanto possível será orientado

apenas por interesses privados. A liberdade de mercado choca-se assim,

frequentemente, com interesses sociais mais gerais. Exemplificar é trivial, mas é

interessante colocar que, quando bens e serviços não podem ser valorados em moeda,

não podem ser negociados. Quais são, então, os limites dos instrumentos econômicos

para viabilização de políticas ambientais? Tudo que onera a produção é transferido

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

aos preços e, portanto, a sociedade é, ao final, quem paga a conta para alguns terem a

liberdade de se favorecerem com perturbações ambientais. A possibilidade de fixação

de preços pelo Estado, no capitalismo, é insustentável. No socialismo, há essa

possibilidade, mas esse controle pode ter outros efeitos como no caso comum de

escassez. Existe em todos os casos um custo em trabalho social que as pessoas não

estão obrigadas, ou não se obrigam a pagar, pelo trabalho da natureza.

O sétimo mito revisto considera que as forças da globalização (ou expansão do

capital internacional sobre fronteiras nacionais) são fortes o suficiente para impedir

qualquer autonomia local, ou iniciativa que possa mudar a trajetória do processo de

urbanização. Ou seja, não há o que fazer, porque todos são impotentes diante do Deus

Mercúrio. Contudo, a China mostra que é bastante “dourar a pílula” com seus

projetos de cidades, supostamente sustentáveis, ou menos insustentáveis, construídas

por grandes empresas capitalistas suecas. O movimento de cidades sustentáveis, nos

Estados Unidos, partiu de iniciativas locais de prefeitos, em face da negligência de

instâncias superiores e essas já são algumas centenas.

O oitavo mito é que as comunidades (em geral, locais), agindo de modo

solidário, podem prover a estabilidade e o poder necessário à gestão urbana,

facilitando a resolução dos problemas e podendo chegar até a substituir o poder

público, assumindo o controle da gestão. A trajetória da experiência das organizações

não governamentais ilustra essa crença. Algumas organizações de direito privado

podem ter cumprido melhor os papéis públicos quando a própria legislação e a

organização pública impediam seu bom desempenho. Contudo, não é possível

contornar a necessária existência de uma política pública que conduza a bom termo

esses agentes.

Com a concepção de um nono mito, Harvey (1997) questiona o estado forte

como capaz de tratar satisfatoriamente nossas cidades problemáticas e desintegradas,

com sua autoridade e controle centralizador, com seu aparato (moral, político,

comunitário, religioso e militar) que deveria ser reafirmado, salvaguardando-se

qualquer limitação à liberdade de mercado. Esse mito é um desdobramento do quinto,

um recurso pela força, pela liberdade de acumular excedentes do trabalho. Embora o

poder político seja sempre oriundo de coalizão de forças políticas (HUME, 1973), a

posição oligarca e a corporativa desagradam a “gregos e troianos”, por isso é instável,

gera deseconomias, crises cíclica e, finalmente, mudanças estruturais.

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

O décimo e último mito surpreende por vir de quem o identificou. Esse mito

reza que qualquer transformação radical nas relações sociais em áreas urbanizadas

originaria em algum tipo de revolução política (seja comunitária, religiosa, socialista,

comunista, autoritária ou fascista) não terá sucesso, mesmo se propondo a uma ordem

social que permita o florescimento de relações sociais desejáveis de fraternidade,

igualdade, liberdade ou felicidade, a não exploração do trabalho, ou o respeito aos

limites dos processos da natureza. O questionamento que se faz aqui, em suma, é da

efetividade das mudanças sociais estruturais como marco efetivo de mudanças nas

relações sociais. É certo que mudanças radicais realizam bem menos do que propõem

os discursos de seus protagonistas, todavia é difícil não reconhecer mudanças nas

relações sociais, via revolução. É interessante notar que elas carregam suas

contradições e suas dificuldades e desafios como uma aposta em um jogo onde está

em questão toda a organização social, mas é impossível negar os cortes, as

descontinuidades, embora algumas relações possam ser reconstituídas com

contrarevoluções exitosas. A questão ambiental guarda tanto potencial revolucionário

quanto reformista, mas ainda hoje perde sua capacidade transformadora dentro das

disputas sociais por poder. Contudo, a sobrevivência da espécie torna-se cada vez

mais evidente em face às mudanças climáticas e, o que não coloca Harvey (1997):

será que a questão ambiental não contém latente, um elemento social transformador e

revolucionário? Essa indagação põe em cheque os modos ou sistemas de produção

por questionar não apenas sobre as relações sociais, mas também as relações

socioambientais, uma emergência inusitada na história. A urbanização está imersa

nessa história e é um importante resultado da mesma.

A síntese sobre a releitura dos mitos reunidos e comentados por Harvey (1997)

permite a identificação de formas de compreender a urbanização, suas contraposições

e complementaridades. A cidade precisa ser entendida enquanto resultado de

processos e não como um objeto, embora isto também seja necessário observar para

compreender os efeitos retroativos da cidade sobre a sociedade. Assim, a cidade

como processo e ou objeto ativo são modos de ver cabíveis e isto explica a

insuficiência da engenharia e do planejamento físico dar conta da urbanização. Por

outro lado, essa dupla natureza material e processual explica porque as doutrinas e

filosofias de conduta (morais ou éticas) que se consubstanciam em leis e normais, não

dão conta da complexidade em foco. A abordagem da cidade ou da urbanização sob o

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

ponto de vista político-institucional chega a indicar mudanças políticas e

institucionais necessárias de caráter estrutural ou incremental, todavia focalizam

apenas estas dimensões da questão socioambiental urbana. O aspecto da capacidade

de geração de recursos tecnológicos, embora tenha importância insofismável,

depende de uma política pública e privada, e não pode ser politicamente neutra, assim

como o crescimento populacional e econômico.

As insuficiências explicativas advindas da redução a aspectos, dimensões ou

disciplinas (mesmo que algumas destas sejam mais determinantes na urbanização e

no seu controle), se estendem ainda à liberdade das forças de mercado, à

globalização, às comunidades e organizações da sociedade civil, ao poder integrador,

reorganizativo e coercitivo do Estado. Portanto, para reconhecer a urbanização é

preciso uma abordagem que dê conta da complexidade, da abertura a inferências

externas, de fatos imprevistos internos que atuam de modo parcialmente

independente.

Para essa tarefa interminável, importa mais considerar uma abordagem da

complexidade do que por onde iniciar a análise. Assim, escolhe-se contextualizar

como se segue.

A Urbanização Brasileira

A análise da urbanização no contexto brasileiro que segue, vê a cidade

enquanto processo de urbanização. A consolidação da cidade foi possível pela

captura do excedente alimentar que permitiu que pessoas vivessem aglomeradas, não

exercendo necessariamente atividades direta ou indiretamente associadas à produção

de alimentos. Assim, se estabeleceu a divisão entre cidade e campo, definindo uma

divisão social e ecológica do trabalho. Além disso, a cidade é a sede do poder,

portanto "a produção do excedente alimentar é uma condição necessária, mas não

suficiente para o surgimento da cidade", como coloca Singer (2002). Assim, a criação

de instituições é fundamental para assegurar "a transferência do mais-produto do

campo à cidade" (SINGER, 2002).

A abordagem da pegada ecológica dá uma medida à dominação pelas

implorações das cidades. Na medida em que a cidade cresce, ela cria as condições

para a sua reprodução, gerando o desenvolvimento das forças produtivas no campo.

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

O financiamento à produção rural e à produção de máquinas, equipamentos e o

desenvolvimento de técnicas agrícolas e pecuárias são atividades urbanas.

As sociedades urbanas estratificadas em classes sociais podem ter origem em

conquistas como em torno de uma fortaleza, ou a partir de evolução social interna por

ter sediado um mercado, ou por ter sido a junção de rotas de rebanhos e mercadores,

como assinalou o Prof. Manuel Corrêa de Andrade, em sua obra Formação da Rede

Urbano do Nordeste.

Para Singer (2002), o crescimento da população das comunidades rurais e

urbanas e as dificuldades de produção e reprodução das condições de vida e trabalho

dos indivíduos fomentaram e fomentam o questionamento da ordem social

estabelecida, resultando no surgimento de outras ordens sociais para o

desenvolvimento das forças produtivas, combate a proliferação da fome e epidemias.

Tais ordenamentos sociais se definem, fundamentalmente, nas relações de produção.

O crescimento da cidade se associa a divisão do trabalho, tanto no nível intraurbano,

como entre cidades, dando origem a redes hierarquizadas, hoje, globalmente

integradas.

Apesar da cidade atual ser predominantemente definida pelo modo de produção

capitalista, este sistema não é único, observa-se que as cidades conservam outros

modos de produção com seus conflitos e alianças intraclasses e interclasses. O

processo de urbanização, em uma sociedade como a nossa, não se define apenas por

aspectos demográficos e ecológicos, como também não pode ser entendido como um

processo autônomo, mas sim como um processo de acumulação, advindo de uma

industrialização tardia que tende, ou tendia até recentemente, a superconcentração

análoga a uma megaencefalia a partir de São Paulo e algumas capitais nacionais

como colocou Milton Santos em sua obra A Urbanização Brasileira (1993).

O processo brasileiro de urbanização apresenta, ainda, outros aspectos políticos

e econômicos determinantes, tais como: a capacidade limitada de investimento dos

entes federativos nas cidades, especialmente as prefeituras; a descentralização e

alocação dos recursos, privilegiando cidades pequenas em detrimento dos fluxos

populacionais para cidades médias e grandes; a distribuição de recursos em

detrimento do investimento em infraestrutura e habitação, especialmente necessário

em cidades médias e grandes, e a descontinuidade na distribuição do tamanho de

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

cidades, ou seja, o País apresenta redes de cidades com grande número de cidades

pequenas e poucas cidades médias (IPEA, 2001).

O estudo das migrações tem importância no planejamento das cidades, por ser

um efeito importante das decisões de alocação de investimentos, sendo assim, é um

dos determinantes das condições ambientais. Desse modo, compreender as migrações

é decisivo para ações planejadas. A abordagem das migrações pode ser apenas

empírica, contudo, isso não oferece explicações causais para a percepção de possíveis

mudanças no rumo da urbanização em face de que as populações migram em busca

de trabalho e oportunidades não só porque as cidades maiores oferecem mais

oportunidades, mas porque seus lugares de origem não oferecem, ou deixaram de

oferecer, e os dados da migração podem sinalizar a inversão de tendências.

Identificam-se ainda alguns fatores determinantes das migrações: a maior acumulação

capitalista nas cidades centrais e empobrecimento relativo das demais e de seus

territórios; a introdução das relações capitalistas, expropriação e concentração de

terras para o agronegócio; o desemprego estrutural no campo resultante do tipo de

modernização da agricultura e pecuária; a ação de forças de atração da cidade por

suas oportunidades.

Desse modo, os fatores de mudança e os fatores de estagnação se associam nas

políticas regionais. As políticas de desenvolvimento regional, especialmente no

Nordeste brasileiro, buscaram resolver o fluxo migratório dirigido ao Sudeste,

fomentando a industrialização, ao mesmo tempo em que também incrementaram o

fluxo de regiões estagnadas, especialmente do minifúndio para as capitais

nordestinas.

A análise histórica do panorama urbano latino americano revela uma divisão

tardia do trabalho entre campo e cidade, pois nos dois primeiros séculos a produção

foi extremamente especializada em ouro, prata e açúcar, embora tenha havido, no

século XVIII, alguma diversificação, tanto na América espanhola, quanto na lusitana.

O sistema colonial monopolista desenvolveu apenas o setor de exportação e o

excedente era apropriado pela Coroa e seus prepostos (soldados, funcionários,

sacerdotes e mercadores), não tendo havido uma divisão de trabalho mais

característica da divisão entre cidade e campo, visto que a cidade não provia ao

campo os meios para o seu desenvolvimento, nem a si mesma, por uma diversificação

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

que propiciasse sua emancipação do campo, o que, por sinal, era política e

institucionalmente reprimido.

Essa herança de um Estado que funciona apenas para uma elite está ainda

presente entre nós, sob formas mais sutis. O recente crescimento acelerado de nossas

metrópoles evidencia isso na negligência do planejamento eficaz para equacionar a

questão das migrações com suas conseqüências para as condições habitacionais e

infraestruturais urbanas. A marginalização e segregação espacial da população

geraram também a crítica antiurbana. Esta focaliza os efeitos desse tipo de

urbanização no lugar dos processos circulares de causas e efeitos, imputando a

responsabilidade dos problemas urbanos: ou na população pela explosão urbana e

demográfica, ou na industrialização por supostamente empregar menos mão de obra.

Essas críticas associaram-se a argumentos em defesa do controle urbano e

populacional e à defesa de tecnologias intermediárias ou, supostamente, alternativas.

Participam de tal crítica tanto elementos da direita como da esquerda.

Sobre o crescimento desmesurado de São Paulo, por exemplo, ficou evidente o

agravamento em números absolutos do déficit habitacional, a carência de infra-

estrutura básica no saneamento. No transporte, houve a saturação das vias de trânsito,

faltavam vagas nas escolas e leitos nos hospitais, além da má qualidade do

atendimento que se observava. Segundo a direita, a responsabilidade era dos pobres

que não paravam de se reproduzirem e de migrarem para a cidade grande; segundo a

esquerda, apontava-se para a anarquia da produção no capitalismo como causa do

gigantismo problemático das metrópoles. Ambas as argumentações antiurbanas não

se davam conta de que não há uma necessária relação entre o aumento da

aglomeração e os problemas urbanos, como entre o aumento da população e a

expansão da economia metropolitana.

Como já observado desde a Revolução Industrial por historiadores, a

industrialização, tanto quebra ou limita a agricultura tradicional como concentra terra

no campo. Esta cria oportunidades na cidade, gerando tanto a expulsão quanto a

atração de populações do meio rural, concentrando populações nas cidades, o que

força a desvalorização do trabalho, mas ainda assim finda por oferecer melhores

salários que o campo.

No Brasil, esse processo acelerado de urbanização e industrialização se

desencadeia com a Revolução de 1930, quando políticos e militares oriundos de

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

Estados periféricos se levantam especialmente contra a oligarquia rural cafeeira e

fomentam a industrialização e a criação de benefícios sociais ao proletariado urbano,

atraindo parcela crescente do proletariado rural para as cidades, gerando, assim, um

exército de reserva de trabalhadores nas cidades. Além do mais, isso se deu com a

abolição da autonomia total dos Estados federados, a unificação dos mercados, a

paulatina perda de poder das oligarquias locais sobre as populações rurais, além do

desenvolvimento da autonomia institucional do Estado e criação de sua capacidade de

planejamento materializada na geração de estoques reguladores de preços das

principais commodities, na construção de ferrovias e rodovias nacionais, redes de

telecomunicações etc. Ademais, a melhor oferta de serviços na cidade gerou

diminuição da mortalidade, acelerando o crescimento demográfico, o que também

chegou posteriormente ao campo, levando a uma escassez de disponibilidade de terra

e às migrações continuadas.

A concentração de capital associada à metropolização se manifesta de duas

formas principais: a) concentração de atividades em firmas cada vez maiores ou mais

dominantes por vantagens financeiras, comerciais e produtivas; b) concentração em

locais estratégicos para transporte e comunicações, existência de serviços industriais,

localização de fornecedores e compradores.

A concentração espacial cria vantagens multiplicativas gerando, por

consequência, um crescimento circular endógeno, concentrando mercado e

infraestrutura que não dão conta desse crescimento. Assim, associado às vantagens da

aglomeração, surgem as desvantagens, agravadas pelas dificuldades de planejamento,

em um cenário onde as decisões de localização são descentralizadas e a capacidade

de investimento e intervenção física e regulatória do Estado são limitadas.

Acrescenta-se a problemática da cidade grande a aposta errônea no transporte

individual e o suposto alto custo de investimentos em transporte público

metropolitano, contudo, é errôneo pressupor que a economia de uma cidade, como

São Paulo, está se tornando inviável, diz-se que há antes um atraso na adoção de

medidas (ou uma má escolha de medidas) do que uma escassez de recursos para

financiar a mesma.

A demanda por serviços na economia capitalista é definida pela demanda

solvável (variando com a renda) e não é função (apenas) do aumento da população.

Em certos casos, o avanço tecnológico da telefonia permitiu a geração de uma

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

demanda solvável popular, o que continua difícil para muitos outros serviços. Como

não seria possível nem deter, nem planejar o crescimento no longo prazo, as carências

se tornam crônicas na metrópole paulistana. Segundo o argumento antiurbano,

haveria um agravamento da diferença entre a capacidade de absorção de mão de obra

e sua oferta crescente por migração, supostamente gerando desemprego e

subemprego. Entretanto, o fluxo migratório para a Grande São Paulo se explica, ou se

explicou, por sua maior demanda por trabalho e as estatísticas revelaram a

manutenção do nível de emprego, contrariamente a cidades como Recife nas décadas

de 60, 70 e 80.

Por outro lado, admite-se que o tipo de desemprego típico de economias de

industrialização tardia, como a do Brasil, resulte da insuficiência da acumulação que

permitiria incorporar à produção mulheres, jovens ou outros migrantes do campo, ou

seja, a força de trabalho que se tornou disponível nas capitais por fatores de atração

das mesmas e aqueles associados às mudanças nas áreas rurais e pequenas cidades.

Assim, a problemática das metrópoles resultaria da concentração de atividades que

tem limites econômicos e ambientais e não por excesso de população. Por outro lado,

não havia dados que permitam definir o grau ótimo de aglomeração em termos

estritamente econômicos, embora isto deva existir em termos socioambientais que ao

final se refletem nas ditas externalidades. A crítica anticapitalista aponta, como cerne

do problema, o modo descentralizado, independente e guiado pelo autointeresse na

tomada de decisões por agentes econômicos, sendo esse processo inerente ao

capitalismo. No caso de Estados pouco capazes de planejamento e provisão de

infraestrutura, isso resulta em superaglomerações urbanas com suas insuficiências em

serviços, na congestão de demandas por manutenção, em deseconomias geradas pelo

conjunto dos agentes econômicos e na socialização do custo das externalidades.

Em síntese, a urbanização brasileira recente é marcada por rápido crescimento

econômico e populacional sem infraestrutura urbana suficiente, porém, a expansão

econômica só recentemente tem correspondido melhor a oportunidades de trabalho,

em face à desconcentração espacial do investimento.

Ainda, de modo incipiente, conclui-se com essa identificação de fatores gerais

que definem o urbano brasileiro permite verificar que as relações entre sociedade e

ambiente são recíprocas, ou seja, produzem-se ambientes construídos que criam, num

momento posterior, seus produtores e os limites conjuntos destes em um processo

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

circular entre agentes e meio que define a sustentabilidade do sistema urbano. Os

limites desse tipo de crescimento econômico e urbano estreitam o horizonte de sua

sustentabilidade.

Por outro lado, verificamos que a urbanização se insere em uma política

econômica nacional, se associa fortemente a geopolíticas nacionais e internacionais e

se estrutura por rede de cidades.

A Urbanização em Rede

As cidades não são ilhas econômicas, não são autosuficientes. Há dois fluxos

de trocas: um ascendente de alimentos e matérias primas que passam,

frequentemente, da cidade menor para a maior e de produtos e serviços da cidade

maior para a menor, pois há atividades que só se justificam na cidade maior, pelo

tamanho do mercado, existência de infraestrutura, serviços industriais e fornecedores.

As cidades menores funcionam como entrepostos dos fluxos ascendentes e

descendentes de bens e serviços, mas todas existem porque exportam bens ou

serviços, em outras palavras, contém atividades exportadoras e uma acumulação

interna, participando da rede de acumulação geral das grandes cidades até as

internacionais dominantes.

A cidade grande também pode ter seu território rural próprio para suprimentos

alimentares e obter matérias primas sem passar por cidades menores. As cidades

maiores podem vir a atrofiar, ou estagnar a economia das menores.

As redes urbanas estão em constante transformação em função da alocação dos

investimentos e do compartilhamento dos excedentes entre os núcleos ou economias

urbanas. Tal dinâmica é uma questão central no planejamento regional e nacional.

Isso é relevante porque, deixando isso ao livre jogo de mercado, a tendência geral é a

decadência de algumas e a congestão de outras. Como crescer é uma questão também

importante do ponto de vista ambiental.

As partes fundamentais da economia em foco são: as atividades exportadoras

de bens e serviços e as atividades de manutenção. As atividades exportadoras dão

sentido à existência das cidades. A capacidade de exportar (onde o setor industrial

tem papel central) e a capacidade de importar (definida no tamanho do mercado

urbano) são capacidades interativas e acumulativas, pois são os excedentes das

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

exportações e a circulação de gastos no mercado urbano próprio que lhes

proporcionam o crescimento. Contudo, dado os desequilíbrios da acumulação em

países de industrialização tardia apenas algumas cidades grandes proporcionam

serviços básicos planejados para "atender" sua população. Tal concentração,

entretanto, gera uma demanda externa à cidade e a consequente saturação dos

serviços. Sendo assim, é impossível compreender a cidade sem situá-la em sua rede

urbana e sua função ou funções nessa rede, seja pelo que produz e exporta, por sua

localização comercial estratégica, pela diversidade de serviços que oferece, pelas

instituições que abriga, pela história e cultura que desenvolve, pelo tamanho de seu

mercado ou pela infraestrutura urbana que conta.

Esse tema traz a definição da vocação urbana ou metropolitana que pode ser

traduzida como as vantagens comparativas das economias urbanas para a produção de

bens ou serviços para suas próprias regiões ou país, em função de sua localização,

atributos naturais, sua história, sua cultura e desejo político de seus governantes.

Dentro de uma suposta abordagem racional da vocação urbana (cuja forma de

identificação não se discute), no planejamento de Estado haveria espaço para se

superar obstáculos e dificuldades locais que o mercado não estaria apto a vencer, por

suas reconhecidas falhas. A questão é que esta racionalidade de planejamento

carrega, também, as suas contradições, primeiro enquanto racionalidade mesma, para

tratar com sistemas complexos como a urbanização (o que será devidamente

caracterizado adiante, neste trabalho), segundo porque o planejamento de Estado é

apenas um dos componentes do processo de urbanização (parte do componente

controle/descontrole) que mantém relações complementares, concorrentes e

antagônicas com os processos sociais (de emancipação/sujeição) e econômicos (de

acumulação/desperdício), os quais também determinam a urbanização e que serão

abordados do Capítulo 3.

A questão da vocação urbana não é apenas identificá-la em função do

crescimento, o que reproduz a lógica de mercado, mas como identificar as aspirações

emancipatórias da sociedade e, ademais, quais as implicações dessas escolhas sobre o

meio ambiente. As áreas metropolitanas das regiões menos desenvolvidas do País

apresentam, em geral, uma especialização meramente comercial que decorre do seu

próprio atraso. Para saber as vocações urbanas, ainda seria preciso traçar projeções

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

das implicações regionais mais extensas. Normalmente, as regiões metropolitanas

têm mais de uma vocação, que podem ser exploradas no planejamento.

Na revisão crítica de textos teóricos sobre a cidade, identificam-se

coincidências que não são ideológicas. Por exemplo, há certo consenso de que a

cidade é, em primeira instância, um efeito de um processo econômico de urbanização,

assim há uma hegemonia disciplinar explicativa da cidade, sob a qual outras

disciplinas, como a sociologia urbana, a política urbana, o planejamento urbano e

regional e a geografia pautam suas análises e investigações, como se suas afirmações

devessem estar sobredeterminadas por variáveis de outra natureza. Nessa linha de

raciocínio, no máximo haveria momentos ou circunstancias onde toda a ordem

econômica institucional estaria em risco por razões eminentemente políticas e sociais,

contudo, em situações normais que não de crise, a normalidade seria essa hegemonia.

No entanto, na prática, a implementação de políticas econômicas é resultado de

decisões políticas, assim como as políticas econômicas de urbanização e isso também

depende da capacidade da sociedade organizada inferir nessas decisões, ou das

reações sociais aos efeitos das mesmas.

O cruzamento de disciplinas também vinha reafirmando esse primado da

economia, com o desenvolvimento da economia urbana, a geografia econômica e

estudos econômicos de projetos urbanos estruturadores com fortes inferências sobre

propostas físicas. Entretanto, com a emergência das questões ambientais, o mundo

analítico linear, positivista, perde sua capacidade explicativa, seu status científico. A

sustentabilidade ambiental comporta aspectos múltiplos, sociais e naturais, que não

podem ser traduzidos em moeda. Exige, inclusive, outra compreensão de ciência

renascida na física recente, na biologia, na filosofia do conhecimento e na

matemática. A limitação disciplinar, que não é apenas da economia e tem origem na

redução analítica que leva ao enclausuramento disciplinar, pode ser exemplificada

por conceitos aparentemente simples, como sustentabilidade e desenvolvimento

sustentável e essa acepção do conhecimento é desenvolvida na seção que se segue.

1.2 Marco conceitual: do conceito de sustentabilidade à ecologia urbana

O objetivo desta seção é introduzir a reflexão para uma compreensão da

sustentabilidade urbana do ponto de vista teórico. Em resumo, isso associa uma visão

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

de conjunto das relações dos ecossistemas e serviços ambientais coligados com

sistemas urbanos. Algumas destas relações têm validade mais geral e até global,

enquanto outras são função dos contextos sociais e ambientes próprios. Considerando

a diversidade dos contextos socioambientais urbanos, pode haver várias respostas às

questões seguintes: Seria possível traçar padrões gerais para a sustentabilidade

urbana? O quanto à sustentabilidade ambiental do Planeta depende do êxito da

sustentabilidade ambiental urbana? Essas são questões relevantes, que situam as

cidades como nós de redes de cidades e como centros da "irradiação" da depleção

antrópica da natureza. Todavia, essa última questão só pode ser respondida sob a

compreensão do que seja sustentabilidade. Contextualizar tais respostas a um país ou

região em desenvolvimento já cumpriria um papel adequado de pesquisa e, em

qualquer caso, isso seria fundamental para uma definição teórica de sustentabilidade

urbana. Tais países estão entre os 12 a 15 mais poluidores (VEIGA, 2010).

A definição de sustentabilidade se associa a idéia de continuidade e resiliência

de sistemas. No caso de sistemas abertos, como a cidade e os ecossistemas, a

sustentabilidade se dá através de processos recorrentes, retroativos e reorganizativos

que lhes permitem a continuidade por autorreconstituição. Desse modo, as noções de

limite temporal e físico lhe são sempre intrínsecas. Pode-se falar do que seja mais ou

menos sustentável no tempo, mas não de uma sustentabilidade sem limites. Assim

como o tempo, a sustentabilidade é uma relação e não uma grandeza, uma medida

comparativa de durabilidade e resiliência, ou seja, a capacidade de um sistema de

absorver e se recompor de um impacto ou série de impactos.

Na literatura sobre sustentabilidade urbana, econômica e mesmo ambiental,

diz-se que a condição fundamental para a sustentabilidade é por limites ao

crescimento econômico e urbano. Noutras palavras, isto é por limites ao uso de

recursos naturais não renováveis e a degradação ambiental de modo a não

comprometer estes recursos às gerações futuras, o que se associa à definição de

desenvolvimento sustentável. Tal desenvolvimento seria aquele que satisfaz as

necessidades das gerações presentes sem comprometer os recursos naturais e os

serviços ambientais necessários às gerações futuras (ONU, 1987).

A partir do exame teórico da questão da sustentabilidade urbana, procede a

verificação empírica do quadro teórico resultante deste exame, considerando a cidade

em rede e como complexidade auto-organizada. Isso pode indicar formas inovadoras

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

de atuar e monitorar ações urbanas. A revisão de indicadores de sustentabilidade para

essa verificação e monitoramento é apresentada no Capítulo 3.

No caso de políticas que protagonizem de modo proativo, a sustentabilidade,

esse estado pulsante, cujos limites são dados pela natureza e que as cidades devem

observar, contém múltiplos aspectos, dimensões e escalas, sobre os quais os

indicadores disciplinares medem a insustentabilidade sob aspectos selecionados que,

se compatibilizados, permitiriam um diálogo interdisciplinar. Por tal

interdependência disciplinar, mesmo que se possa inferir que algumas disciplinas

seriam de importância mais central que outras na formulação das ações, na

governança dessas ações outras poderiam ser mais relevantes. Nesse contexto, a

gestão planejada urbana e regional tem um lugar assegurado. Entre os seus papéis,

cabe o monitoramento da qualidade ambiental das cidades, sobre o qual os objetivos

deste estudo se desdobram.

1.3 Método de análise: as linhas gerais da dialógica investigativa

A dialógica significa "diálogo lógico circular" entre disciplinas do

conhecimento. Um termo cunhado por Morin para descrever a abordagem

transdisciplinar. Esta seção objetiva resumir leituras desse autor em filosofia da

ciência, primeiro apresentando sua crítica a tradição cartesiana redutora e analítica

convencional por sua insuficiência para tratar sistemas abertos; segundo, revelando a

importância da teoria da complexidade no tratamento desses sistemas.

O desenvolvimento disciplinar das ciências não traz apenas as vantagens do

conhecimento das partes para a compreensão de um todo organizado, surgem,

também, os inconvenientes da superespecialização, quais sejam: o enclausuramento

ou fragmentação do saber; a desconexão entre as ciências da natureza e as ditas

ciências humanas; a exclusão do espírito científico e da cultura na produção das

ciências ditas duras. Por outro lado, as ciências do homem ainda têm dificuldades de

associar os seres humanos dotados de desejo e consciência enquanto seres biológicos

vivos; as ciências antropossociais adquirem, desse modo, todos os vícios da

especialização disciplinar sem a vantagem da construção de um todo organizado.

No próprio grupo de ciências humanas, os conceitos nascem e morrem sem o

cotejo de relações interdisciplinares. Essa fragmentação leva a dificuldades de

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

difusão e ao enclausuramento das informações em bancos de dados e bibliotecas

deixando de serem mediadas pela comunicação social. Entretanto, esta produção está

disponível para a manipulação utilitarista de estados ou empresas em primeiro lugar

e, ao que parece, por último, para benefício público. Tal tendência conduz ademais a

um neo-obscurantismo, onde os especialistas são míopes e ignorantes de outros

saberes senão os de seus campos, e os leigos renunciam ao saber e a reflexão sobre o

mundo e a vida, delegando aos cientistas essa reflexão que, por sua vez, não tem nem

meios, nem tempo para tanto, ou seja, uma situação paradoxal – onde o

desenvolvimento do conhecimento leva a inconsciência dos cientistas e a resignação

à ignorância dos não cientistas. Os cientistas produzem um poder sem qualquer

controle sobre o uso manipulatório, ou destrutivo do conhecimento.

Em resumo, a intensidade do progresso do conhecimento científico é inédita e

paralela ao progresso da ignorância. O progresso dos aspectos benéficos da ciência

tem sido paralelo ao progresso dos aspectos nocivos. A evolução dos poderes da

ciência caminha pari passu à impotência dos cientistas sobre esses poderes e a

responsabilidade dessa situação é, também, dos cientistas.

Atravessamos uma era em que os desenvolvimentos científicos estão, cada vez

mais, sujeitos a interretroações estreitas e múltiplas.

A técnica produzida pelas ciências transforma a sociedade, mas também,

retroativamente, a sociedade tecnológica transforma a própria ciência. Os

interesses econômicos, capitalistas e de Estado desempenham um papel ativo

nesse circuito de acordo com suas finalidades, seus programas, suas

subvenções. A instituição científica mantém as coações técno-burocráticas

próprias dos grandes aparelhos econômicos, ou estatais, mas nem o Estado,

nem o capital são guiados pelo espírito científico, contudo utilizam os poderes

que a investigação científica lhes proporciona (MORIN, 2008).

A experimentação constitui uma manipulação que depende do

desenvolvimento técnico, que desenvolve a ciência, que faz desenvolver a técnica,

inclusive, para novas formas de manipulação ou experimentação.

As relações de interdependência unem a ciência, a técnica, a ação do Estado e a

sociedade. A investigação científica não faz nada mais que responder as demandas

das subvenções, por isso a ciência não se conhece, ou não se reconhece, como um

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

todo e não tem uma resposta para a sua própria natureza. O conhecimento científico é

um conhecimento que não se conhece, pois a ciência não controla sua estrutura de

pensamento. A evidência disso se encontra no diagnóstico da crise na filosofia do

saber, reduzida como foi às suas próprias técnicas ou métodos. Outra evidência é a

carência na construção de uma nova autoconsciência da ciência e seus protagonistas

que faria emergir o espírito científico. Este vai para além da concepção de uma

evolução por ampliação da capacidade explicativa do saber incorporando os saberes

anteriores, devendo compreender dicotomias, contradições, incertezas e emergências,

mas, sobretudo, novas visões integradas de mundo que permitam sua transformação

de modo mais consequente.

A disjunção do método cartesiano explica tal alienação. A questão do sujeito

foi remetida a filosofia e a moral, cuja abordagem é encarada como uma tarefa

externa ao trabalho científico. Por isso, o cientista encontrou-se desarmado para

pensar sua ciência. A questão – o que é a ciência? – é uma dessas questões que não

tem resposta científica. Por esse motivo, tal reflexão se impõe como uma política e

disciplina aos cientistas sob pena de todo o saber quantificável e utilizável se tornar,

sobretudo, estéreo e venenoso.

A ciência natural não tem meios para conhecer-se como realidade social; a

ciência antropossocial não tem meios para conceber-se no seu enraizamento

biofísico; a ciência não tem os meios para conceber seu papel social e sua natureza

própria na sociedade (MORIN, 2008).

A ciência não é a realidade. A primeira é uma compreensão, uma tradução da

segunda, em uma linguagem humana, uma interpretação ou uma aproximação da

realidade. Os estudos de filósofos importantes do conhecimento revelam tanto pontos

antagônicos, quanto pressupostos questionáveis, assim como crenças não científicas

escondidas como as partes submersas dos icebergs. Além disso, as teorias científicas

são mortais, mutáveis, ou instáveis, contrariamente às teorias religiosas que são mais

estáveis. Um paradigma - princípio maior que governa uma visão de mundo - pode

desabar dando lugar a um novo paradigma.

Por outro lado, o progresso científico tem levantado mais perguntas que

respostas, criado mais incertezas que certezas, leis universais tornaram-se

simplificações grosseiras diante da profusão das descobertas sobre as complexidades

irredutíveis a fórmulas. O próprio futuro é revisto com possibilidades múltiplas, onde

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

o todo tem poderes autorregulatórios, mas as partes mantêm certa independência

dentro da subordinação do todo, tornando-o, assim, relativamente subordinado as

partes, como em um organismo. A organização e a desorganização, a ordem e a

desordem, a entrofia e a negentropia, a morte dos indivíduos e a estabilidade da vida

das espécies coexistem como necessidade mútua no mundo físico e biológico.

Contudo, há um lado libertador na incerteza, a libertação do sonho ingênuo de

nossas certezas e nossos dogmas, apresentando tanto uma medida assombrosa de

nossa ignorância, quanto às perspectivas grandiosas, inovadoras e fascinantes da

realidade, que tem se revelado sempre mais além de nossa compreensão, exigindo a

transposição de nossas certezas.

O esboço da revolução do pensamento em que estamos imersos é, então, assim

descrito: a complexidade não pode ser traduzida a alguns princípios simples; a

simplificação filha do método cartesiano é aplicada sobre os fenômenos por

separação e redução, a separação, isola os fenômenos uns dos outros, dos seus

ambientes e de seus observadores, assim como as disciplinas isolam a ciência na

sociedade; a redução afasta a diversidade para determinar o comportamento dos

fenômenos sobre situações controladas, assim sendo possível traduzi-los em medidas

e expressões matemáticas, compreendendo a natureza por essas expressões e

medidas, e não no contexto da totalidade diversa e múltipla em que se manifesta.

Assim, a formalização matemática é útil e redutora.

Sobre a Antiga e a Nova Transdisciplinaridade

A história da ciência revela que as disciplinas se comunicam. A

interdisciplinaridade é fato comum, porém, as disciplinas seguem afirmando e

reforçando suas soberanias territoriais e suas fronteiras, no lugar de demoli-las.

Do mesmo modo, se reconhece que, nas ciências, o desenvolvimento da

transdisciplinaridade se manifesta como consenso no uso de métodos, postulados

implícitos como o da objetividade, na eliminação da subjetividade, na utilização da

matemática e na adoção de certas formalidades procedimentais.

Assim, a ciência se tornou ciência porque se tornou transdisciplinar e a história

informa sobre grandes unificações por grandes nomes na física e na filosofia da

Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista

ciência com o pragmatismo, o positivismo e o empirismo e em visões de mundo

como no marxismo, com o freudismo e o darwinismo.

Todavia, os princípios reducionistas da ciência tradicional levaram à

unidimensionalizações do real, via abstração e formalização, enclausurando a ciência

às suas disciplinas.

A separação do sujeito do objeto é um reflexo do paradigma mais geral de

distanciamento do observador (do contexto real) associada à redução (por

explicações abstratas e formais).

Por isso, a nova transdisciplinaridade exige: que se possa distinguir, contrapor

e separar o conhecimento por disciplinas, contudo sem operar a redução; é preciso, ao

mesmo tempo, separar e associar, conceber os níveis de emergência da realidade sem

reluzi-los a unidades elementares ou a leis gerais. Considerando que existem três

grandes domínios científicos, quais sejam o físico, o biológico e o antropossocial, a

tarefa da construção científica deveria medrar, ou provir da comunicação: no

movimento de enraizamento do domínio antropossocial no domínio biológico, sem

redução do primeiro ao segundo, mas reconhecendo os níveis de emergência e

independência; no movimento de enraizamento do domínio biológico no domínio

físico, sem reduzir o humano e a vida a interações físico-químicas; na operação do

movimento inverso de enraizamento do físico e biológico no antropossocial,

reconhecendo o domínio físico e biológico como produtos culturais e históricos

(MORIN, 2008). A proposta de Morin não é operar uma nova mega-redução, mas a

promoção da comunicação transdisciplinar com base num pensamento complexo.

Aproveitando o gancho dessa última frase, pode-se concluir que a tarefa

estratégica para nosso caso deve seguir, primeiro reunindo as abordagens das

dimensões ou processos da urbanização do ponto de vista ecológico, econômico,

social e político e, posteriormente, articulando uma análise conjunta dessas

abordagens

CAPÍTULO 2

A CIDADE COMO ORGANIZAÇÃO

Resumo

A ideia guia deste capítulo é discutir a organização urbana como o resultado de

processos, relativamente independentes, mas imbricados. Por isso, foi necessário

refletir antes sobre como se configuram as sociedades na natureza, do ponto de vista

de suas organizações, para uma compreensão mais genérica da organização humana

em sua estrutura, colhendo, com isso, algumas orientações consideradas importantes

para a análise, por exemplo, identificando aspectos que são desconsiderados

normalmente nas abordagens disciplinares, como os limites de resposta de uma

organização hierárquica rígida, ou de uma anárquica – quando da ausência de um

controle central. Entretanto, essa aproximação de sociedades vivas revela tanto as

virtudes da anarquia quanto da integração realizada por estruturas organizacionais

hierárquicas.

2.1 Organização Viva e Eco-organização

Para além do estudo do planeta como astro físico, a ecologia estuda a relação

de dois termos relativos à biosfera, o estudo dos biótipos (ou biotas) ou meio físico

que mantém e é em parte mantido por biocenoses (ou seja, as relações entre espécies

vivas que povoam os biótopos). As relações entre os seres vivos e as suas ações são

condicionadas pelos ciclos e limites do meio físico, mas estes retroagem sobre este

meio gerando sistemas, unidades organizadas e dinâmicas capazes de se reorganizar –

os ecossistemas.

O caráter físico age sobre o caráter vivo que retroage sobre o caráter físico e a

continuidade desse processo leva a diversidade de espécies, que fortalece a

estabilidade física e viva, formando a terceira dimensão organizativa da vida, além da

espécie e do indivíduo – a eco-organização. Essa acepção revela que a vida não se

restringe a células de moléculas, tecidos de células, órgãos e sistemas de órgãos,

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

organismos, populações de espécies, comunidades de espécies, ecossistemas,

paisagens de ecossistemas e biomas evolutivos. Ela é também eco-organização, a

organização da organização de biomas (ODUM, 2007). Desse modo, haveria uma

dimensão planetária da vida, proposta por Lovelock.

Tal concepção de sistema planetário (MORIN, 2008a, p.105-106) – a ecosfera -

forma uma unidade complexa, que produz extraordinária diversidade e fatos

emergentes (ou seja, características novas aos seres – ou emergencias), como

resultado de interações coletivas. Há também fagias, conflitos, predações,

egocentrismos, genocentrismos, sociocentrismos e isso consegue se autoregular

espontaneamente, acentricamente, ligado pela necessidade.

Antagonismo e complementaridade não se excluem, formando uma

causalidade retroativa ou cíclica, por exemplo, entre animais e plantas se estabelece o

ciclo do oxigênio/gás carbônico. Outro exemplo é: a presa e o predador geram uma

regulação populacional mútua de espécíes, pois apesar de existir um evidente

antagonismo nesta relação, a redução da população da presa pelo predador finda por

reduzir a população de predadores. A solidariedade grupal pode levar também ao

egoísmo grupal, o parasitismo à simbiose, as servidões às parcerias, as explorações

mútuas às trocas. As relações dos organismos com o meio físico não se dão apenas

por trocas de modo direto.

A Ligação da Eco-organização com a Ordem cósmica

O dia e a noite são o anel cósmico que gera ventos e correntes e que é

incorporado ao ciclo oxigênio/gás carbônico. Este último se liga ao ciclo alimentar

em uma cadeia hierárquica de organização e desagregação (de plantas, aos

mamíferos, aos necrófagos e aos parasitas, retornando às plantas) – um anel

autoadaptativo e por consequência, eco-organizador. Um ciclo cósmico gera muitos

anéis eco-organizadores por ciclos tróficos que se organizam e se desorganizam, em

uma escala de tempo bem mais lenta que a vida dos indivíduos. Portanto, a morte faz

parte do ciclo da vida, fazendo parte do ciclo trófico da vida, compreendendo uma

história e uma evolução.

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

A Ecoevolução Criadora

A capacidade de adaptação se expressa na aptidão para construir novas

estabilidades organizativas, na capacidade para reorganizar-se de outros modos sob o

efeito de fatores desorganizantes na biota ou na biocenose. O objetivo é tido como

um estado de equilíbrio – o clímax, quando flora e fauna alcançam um estado dito de

maturidade, rompido por uma perturbação desorganizadora, porém determinando

fenômenos de rejuvenescimento, que podem ser interpretados como evolutivos,

conduzindo a um novo clímax. Assim, sob o fio de milênios, em um planeta

geologicamente mutante, a vida (a eco-organização) se submeteu a uma ecoevolução.

A evolução, como conceito, concebe a mutação genética de espécies, contudo, a

ecoevolução a englobaria, devendo explicar a evolução dos ecossistemas, como uma

natureza de segunda ordem. A própria evolução das espécies seria condicionada por

mudanças na biota e na biocenose, no conjunto ecossistêmico.

Supostamente, então, há um aprendizado adquirido, mas não uma memória

central desse processo, em face ao acentrismo, ou policentrismo característico do

processo, tratado a seguir.

2.2 Os Sistemas Acêntricos, Cêntricos e Policêntricos

A análise do trabalho dos matemáticos Petitot e Rosenstiehl (1974) teve grande

influência em campos que vão da biologia à psicanálise, independente dos

posicionamentos ideológicos contemporâneos tradicionais. Neste artigo, estes autores

defendem as organizações acêntricas sob o ponto de vista da eficiência sistêmica, a

linguagem do acentrismo pela qual se estabelece a dispersão do centro de comando e

controle no seio de uma organização.

Utilizando a teoria matemática dos grafos, esses autores demonstram que há

um aumento da eficiência das decisões em sistemas acêntricos, comparada à de

sistemas hierárquicos ou cêntricos, à medida que aumentam os elementos em um

sistema acêntricos ou seja, com o aumento de autômatos finitos (indivíduos de uma

sociedade organizada capazes de tomar decisões), por suas interações e troca de

informações.

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

Observou-se que o aumento dos primeiros autômatos artificiais projetados a

partir de sistema hierárquico de comando e controle levava a um congestionamento

de informações. Por isso, passou-se a pensar em um centro de processamento

acêntrico como o cérebro humano que realiza inúmeras operações em paralelo com

outros centros locais que tomam decisões autônomas, restando a esse processo uma

coordenação. Além disso, concluiu-se que todo esforço atual em desenvolver

sistemas hierárquicos de controle social levam a um congestionamento dos serviços

de manutenção e atualização de informações, assim como os mecanismos e a própria

ideia de controle social estatal conduzem a uma rejeição social como a um intruso

antissocial.

Os sistemas acêntricos são concebidos em referência a teoria dos algoritmos,

como uma rede de autômatos finitos. Com tal concepção, utilizaram-se dois

teoremas, cuja demonstração, abstrata e montada com pressupostos matemáticos

revelam que se podem encontrar relações comuns a todos os elementos de um

conjunto de atores ativos, partindo-se de relações particulares de vizinhança. Por

outro lado, podem-se desenvolver totalitarismos a partir de regras sociais que visam

assegurar a soberania da coletividade e a lealdade aos indivíduos (teorema da

indecisão coletiva). Isso se expressa como se segue: a) se em uma sociedade,

qualquer par de indivíduos tem exatamente um amigo em comum, existirá um amigo

de todos os outros e; b) uma sociedade que impõe axiomas de soberania da

coletividade e lealdade aos indivíduos como regras de decisão coletiva passa a ser

uma sociedade ditatorial, na medida em que identifica toda decisão coletiva às

preferências individuais de parte de seus membros, escolha feita de uma vez por

todas.

Com isso, se busca revelar que as relações das partes podem levar a um

consenso geral do todo e a uma harmonia, e as regras para uma suposta harmonia

seriam intrinsecamente tirânicas. Contudo, o que está implícito nessa capacidade

emergente das partes é a comunicação.

Fluidez e Acentrismo

A coesão e a estabilidade de uma sociedade dependem de fluxos de

informações, todavia a regulação desse fluxo não é assegurada sempre por um

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

modelo hierárquico. A estrutura da organização hierárquica pode ser representada por

um grafo de ramificação como a bacia de um rio. A centralização estrita seria uma

sociedade militar tradicional, na qual um chefe domina uma esfera de subordinados

equivalentes (substituíveis), garantindo o metabolismo (a regulação) do grupo, de

cima para baixo, independente de decisões na esfera dos subordinados. Geram-se,

assim, gradientes de poder a partir dos chefes.

Os gradientes de poder, no modelo de ramificações hierárquicas, são descritos

como segue: cada indivíduo regula seu comportamento em função de seus superiores

imediatos, ignorando seus vizinhos de mesmo nível, ou seus semelhantes; nos

sistemas hierárquicos, os canais de comunicação são pré-estabelecidos e pré-existem

aos indivíduos que se integram a um lugar funcional preciso; os indivíduos são

intercambiáveis no mesmo nível e as ligações dos mesmos às suas funções são

duplas, nas esferas de mesmo nível e entre níveis pelo chefe.

No extremo oposto, situam-se as sociedades acêntricas, ou fluidas, nos quais:

cada indivíduo regula seu comportamento por vizinhos ocasionais que são seus

semelhantes; a relação de vizinhança é fluida e não há uma rede ou padrão pré-

existente para os indivíduos; todos os indivíduos são intercambiáveis; a regulação que

assegura a estabilidade do sistema exige certa densidade estatística de indivíduos,

uma massa crítica.

No caso da sociedade humana, os autores Petitot e Rosenstiehl (1974) alegam

que há uma rejeição a hierarquia rígida nas organizações, contudo reconhecem a

sociedade como sendo, em parte estruturada segundo hierarquias, em parte por

instâncias nebulosas, nuvens acêntricas.

A concepção dessas instâncias nebulosas, cujo comportamento é análogo ao de

uma nuvem de abelhas, é descrito como um sistema acêntrico de tomada de decisões,

no qual, a cada instante, os seus membros regulam suas ações pela ação dos vizinhos,

formando uma rede dinâmica de indivíduos em trajetórias caóticas, entretanto

alcançando um objetivo comum - manter-se inserido nas nuvens de modo

relativamente equidistante. Outro exemplo é a construção complexa de um cupinzeiro

sem um arquiteto ou engenheiro de obra, através de decisões acêntricas.

Vale ressalvar que tanto na sociedade de cupins como na de formigas e na de

abelhas, há centralizações de funções importantes, especialmente na reprodução,

assim deverá ser possível identificar algumas estruturas sociais de divisão de

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

trabalho. De fato confirmamos essa hipótese na leitura da Dra. Gordon (2002), ao

explicar que as formigas, assim como as abelhas, definem uma divisão de trabalho

entre as operárias, de caráter circunstancial. As espécies de formigas colhedoras

exercem funções especializadas, podendo, conforme a necessidade da coletividade,

dedicar-se à coleta, à silagem, à distribuição de alimentos, aos cuidados com ovos,

larvas e pupas, à dieta especial para o desenvolvimento da rainha e zangões, à

construção, à faxina e ao patrulhamento.

O caráter circunstancial das funções se dá segundo condições ambientais, por

exemplo, quando há mais oferta de alimentos mais formigas se dedicam à coleta de

folhas. Em tempo chuvoso, os reparos na construção demandam mais operárias em

um processo de ajustamento contínuo. Contudo, o mais admirado (desde a

antiguidade humana) é que esse ajustamento se realiza sem comando central ou

hierárquico. Estudos recentes revelam que não há a designação central ou hierárquica

de quais e quantas formigas devem assumir tarefas específicas conforme a

necessidade coletiva. A rainha não define o que as operárias devem fazer, ela é

criada, põe ovos, é alimentada e cuidada pelas operárias. Assim, a relação é funcional

específica e central, mas não hierárquica, portanto, a alocação de tarefas se dá por

decisões simples de indivíduos que não têm nem capacidade mental, nem memória

para avaliar as necessidades gerais da colônia.

Comportamentos simples podem definir padrões de grupos, como se revela na

Física, Biologia e Ciências Sociais, assim a professora Gordon buscou explicar a

alocação de tarefas em formigueiros, primeiro definindo o comportamento das

colônias, depois, como esta alocação é produzida.

O que parece resumir esse comportamento é uma lógica de estoque de

recursos. Confirmou-se experimentalmente que, quando eram criadas dificuldades à

colheita, havia uma retração no contingente de formigas coletoras. Isso foi explicado

pela maior taxa de redução no estoque de alimentos para a realização dessa atividade,

fazendo com que parte das formigas coletoras ou passassem a realizar trabalhos de

manutenção, ou ficassem inativas no aguardo do "recrutamento" interno nas camadas

externas do formigueiro. Observou-se, porém, uma tendência geral de mudanças de

atividades que se dá de atividades mais internas do formigueiro, exercidas por

formigas mais jovens, para atividades mais externas. Estas últimas tarefas

(patrulhamento e extrativismo) requerem cerca de 25% da população, portanto 75%

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

se dedica à manutenção, construção e ampliação da colônia. Há, ainda, um exército

de reserva de operárias, que funciona como um estoque de recurso de trabalho para

exercer qualquer atividade, sendo que, uma vez que assumem uma tarefa, seguem o

fluxo geral de mudanças para atividades externas. Em síntese, as alocações de

atividades são interdependentes e seguem uma estratégia do interior ao exterior por

idade dos indivíduos, objetivando a manutenção de estoque de recursos.

Além disso, o comportamento das colônias de formigas varia com a idade das

colônias na alocação de atividades. A idade da colônia torna mais eficiente as

estratégias coletivas em face de perturbações experimentalmente testadas, o que não

pode ser explicado como fruto da experiência adquirida das mais velhas em face do

curto tempo de vida das formigas, mas como algo relativo à organização coletiva,

dado pelo maior número de indivíduos que contam as colônias mais antigas.

O interesse na organização de sociedade de insetos associa-se à compreensão

de sistemas complexos, como sociedades humanas e ecossistemas, como se constata

adiante. O primeiro modelo explicativo do comportamento de grupo, definido a partir

de decisões locais de indivíduos (no caso formigas), utilizado pela Dra. Gordon

(2002), considerava apenas as interações dos indivíduos como uma rede neural que, a

partir de informações binárias, gera comportamentos complexos de grupo. Aplicando

um modelo matemático as decisões de alocação de tarefas, verificou-se que ele se

ajustava às observações empíricas, ou seja, quando havia uma perturbação em uma

atividade, gerava um ajustamento geral da organização, como os movimentos de

cardumes de peixes associado ao ataque de um predador. Contudo, essa primeira

modelagem não explicava o que fazia as formigas tomarem decisões levando em

conta o ambiente. O segundo modelo utilizado considerava, como fator determinante

das decisões, uma avaliação individual de desempenho (sucesso/insucesso) na

realização de tarefas, transmitida de indivíduo a indivíduo e que gerava um efeito em

cadeia. Isso explicou porque as dificuldades experimentais impostas à atividade de

coleta levaram a perda excessiva de água das formigas coletoras, o que induziu a

ociosidade destas no formigueiro. Qualquer que seja a explicação desse

comportamento, o segundo modelo parece assinalar que isso seria mais que uma

simples reação, seria o resultado de uma avaliação individual simples.

Esse segundo modelo explicou, também, porque formigueiros mais velhos e

que, por isso, têm população maior, ajustam melhor a alocação de tarefas por conta

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

da dotação em número de indivíduos, que proporciona um número maior de

interações e decisões mais complexas e melhores, por exemplo, restabelecendo mais

rapidamente o contingente de coletoras após uma perturbação. Isso parece confirmar

uma lei da dialética marxista - a passagem da quantidade à qualidade, uma condição a

uma resposta mais sofisticada, que pode levar a emergências (como novos traços

culturais) tratadas na teoria da complexidade.

Como as sociedades humanas não são de modo algum, apenas hierárquicas,

nem tampouco apenas fluidas, elas combinam estruturalmente estes dois modelos,

admitindo esses dois tipos de regulação ou metabolismo. Os indivíduos dependem

hierarquicamente de centros de decisão, formando com esses centros, espaços de

submissão sob uma ordem autocrática (o caráter coercitivo do Estado), contudo

formam, também, em vários níveis, "nuvens" de interações aleatórias acêntricas de

indivíduos, resultando desde comportamentos de massa até organizações não

governamentais, agremiações, associações temáticas, relações de vizinhança, ou

redes à distância. A estabilidade do sistema hierárquico dependeria da interdição de

alguns circuitos, assim cada nuvem deve estar separada de modo a não se chocar com

outras de outros níveis. A estabilidade desses espaços de eventos é assegurada pela

ideologia e mantida pela repressão

A organização acêntrica (de modo idealizado) opera a partir de uma

distribuição de tarefas expedidas no instante de decisões associadas que se reagrupam

como uma totalidade de resultados parciais.

Na Teoria dos Sistemas Acêntricos, o grafo geral que representa os sistemas

acêntricos se caracteriza por: não poder ser representado como grafo de ramificação,

pois toma a forma de rede; as linhas de informação são de duplo sentido entre os

indivíduos; e os indivíduos são intercambiáveis.

As implicações para o planejamento de sistemas são que todas as linhas de

informação devem conservar seu duplo sentido, tanto no mesmo nível como entre

níveis, o que a teoria da complexidade aplicada à gestão de organizações tem buscado

valorizar (BARBOSA & CRISPIM, 2012; BAUER, 2012; CORRÊA et. al., 2011;

STORR et. al., 2011). A relativização das estruturas dos canais de comunicação e os

papéis funcionais são recomendados através, por exemplo, da valorização do trabalho

em equipe, o que também vem ao encontro do reconhecimento dos resultados

positivos advindos de características de organizações acêntricas.

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

A Multiplicação dos Problemas na Gestão Cêntrica

Os modelos teóricos que tratam dos sistemas acêntricos também os abordam

como problema de comunicação no nível logístico das organizações, explicando

como se resolve o problema da coordenação sem coordenadores, sem centralização

de informações em sociedades animais. A ordem pode, portanto, se instalar no seio

de uma coletividade numerosa de indivíduos de memória limitada, contrariamente à

crença geral de que a ausência de um sistema central leva à desordem. O formigueiro

é uma construção sem arquiteto, sem engenheiro de obra e sem um projeto geral,

realizado por operárias que não têm capacidade de conceber as necessidades

coletivas. Isso não se constitui apenas como capacidade herdada, as decisões são

realizadas a partir de interações locais de indivíduos.

Por outro lado, um sistema hierárquico não é capaz de resumir as atividades

locais acentricamente determinadas em uma memória central, desde que são

qualitativamente definidas em termos locais. Seja qual for a tentativa de

hierarquização operada sobre um sistema natural acêntrico, as qualidades serão

sempre dispersas e locais, o que, na teoria da complexidade, pode ser interpretado

como a autonomia relativa das partes do todo.

Como então entender a gestão de sistemas hierárquicos por essa visão?

Primeiro, a gestão de um sistema será tanto mais congestionada, quanto mais

centralizada. Assim, a coordenação na gestão seria tanto mais eficaz e reprodutível,

em qualquer espaço do sistema, quanto mais esta conte com decisões

descentralizadas de indivíduos na construção, manutenção, ou reorganização do

sistema. Desse modo um sistema pode ser supostamente resumido a decisões

descentralizadas de indivíduos, que em conjunto podem atuar para uma estabilidade

geral.

Policentrismo e a Resolução de Problemas

Uma das lições das sociedades de insetos é a capacidade local de resolução de

problemas. Quando se tem de administrar uma rede de serviços, por exemplo, nas

redes de infraestrutura urbana, os problemas de manutenção se multiplicam por metro

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

linear de rede, obrigando a descentralização das ações. A incapacidade de capilarizar

essa manutenção vai determinar a congestão de demandas e o mau funcionamento

dos sistemas. Os dados empíricos poderão evidenciar essa suposição por categorias

de tamanho de rede hierárquica.

Os componentes do motor eco-organizador também são inspiradores para as

organizações humanas quanto à diversidade, complexidade e estabilidade da

organização acêntrica, sendo esses atributos função do número de interações

acêntrica de dupla via entre os membros da organização.

A Organização Acêntrica e Policêntrica

O nosso centro de comando e controle, nosso cérebro, é fruto de um processo

de especialização celular, não tão centralizado quanto se imaginava outrora, pois

trabalha em paralelo com outros centros de controle que detém relativa autonomia,

em um trabalho de coordenação. O admirável é que células em processos

espontâneos de interações anárquicas (que não dispunham previamente de um

programa) venham a engendrar centros hierárquicos de comando e controle. Isso

porque esse anarquismo é organizado nas partes, a partir de princípios das interações,

comunicações e trocas, ao encontrar limiares de interações e ambientes propícios a

esse desenvolvimento, condições estas possivelmente descontínuas e mutantes.

A hierarquia é, normalmente, associada à dominação e a uma estrutura

escalonada de poder, mas se estabelece como emergência da anarquia (acêntrica e

policêntrica). Os exemplos na natureza revelam que a hierarquia é mais a exceção

que a regra, nasce como necessidade de emergência de um todo, para estabilidade

coletiva e dos indivíduos, os integrando, regulando, promovendo, alimentando, se

constituindo como metabolismo autônomo de manutenção, na condução coletiva.

A hierarquia nas sociedades prescinde da anarquia, do fortuito do sexo nos

indivíduos, do cadinho cultural, onde encontra aí, à primeira vista, seus limites de

comando e controle. Contudo, a anarquia na ponta das organizações vivas

potencializa o controle, processo este descrito como se segue.

Supondo uma rede de abastecimento d´água ou esgotos urbanos projetada e

construída para distribuir água ou recolher resíduos. Em ambos os casos se utiliza a

gravidade dispondo as redes com diferenças de potencial, a cota superior no início da

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

rede de distribuição, no sentido inverso do fluxo, localizando as pontas da rede em

cotas inferiores. A engenharia do projeto de redes desenvolvida no século XIX

(MORIN, 2011), resultou em economia construtiva e operacional com maior

cobertura de área de rede. Contudo, os problemas de manutenção aumentam

exponencialmente em função de comprimento linear destas redes. Cada metro linear

que transporta certo volume líquido é susceptível a entupimentos, transbordamentos,

desgastes, recalques no solo, vazamentos, inundações, contaminações,

congestionando os órgãos centralizados de comando e controle com demandas por

manutenção.

O cérebro animal, particularmente o humano, resolve essas funções de

comando e controle coordenando, em paralelo, centros de decisões específicas no

próprio cérebro, tolerando decisões autônomas desses centros, por vezes ativando

vários centros, simultaneamente, como um trabalho colegiado. Na coordenação, o

trabalho em equipe e o diálogo formam a orientação administrativa moderna, por

influência da teoria do caos e da complexidade (BARBOSA & CRISPIM, 2012;

BAUER, 2012; CORRÊA et. al., 2011; STORR et. al., 2011). Além do cérebro, há

centros relativamente autônomos de comando e controle, o vago e o simpático, os

sistemas glandulares, que não atuam apenas seguido determinações da consciência,

suas ações e reações são relativamente autônomas, podendo ser antagônicas ao desejo

consciente ou inconsciente. O colapso nervoso pode se associa a uma superexcitação

cerebral ou ao estresse, o que corresponde a uma congestão, uma paralisia, uma

incapacidade de resposta.

Rosenstiehl e Petitot (op. cit.) perceberam o acentrismo em sociedades de

insetos e a sociedade humana com a dupla característica, hierárquica e acêntrica.

Contudo, a análise de Morin (2008b) sobre a organização viva, vai além

argumentando que essas características são mutuamente determinadas. No nosso caso

nossas linguagens construíram a concepção hierárquica inicialmente simples, por

ideias intuitivas de comando e controle baseadas em dominação/subordinação sobre

uma estrutura vertical de poder. Contudo, como informa Hume (1973), todo poder só

se constitui por apoio político e não pela própria força, a força é consequência desses

apoios.

Pelo exposto, conclui-se que a centralidade não é suficiente a gestão de

nenhum sistema. Há de se contar com a descentralização, a autonomização e até com

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

a anarquia (não no sentido de desordem, mas no encontro de soluções locais por

agentes locais), embora essa capacidade seja algo a ser socialmente construída.

Comunicação e Compartilhamento como Meio de Auto-organização

A ecocomunicação é constituída, primeiro, entre congêneres, especialmente,

em sociedades de animais. Estas dispõem de signos, sinais e aparelhos emissores e

captadores e computacionais nos indivíduos e, por vezes, de linguagens fechadas. A

regra geral é a não comunicabilidade entre esses sistemas de comunicação como

medida de segurança, para as presas não é desejável que o predador compreenda suas

mensagens, ou sinais e vice-versa.

Apesar desse fechamento comunicacional entre presa e predador, estes mantêm

intensa comunicação, posto que não seja necessário entender o conteúdo da

mensagem para se ter informação da presença, da proximidade, da categoria do

emissor do sinal, podendo ser estabelecido assim um jogo de astúcia, um aprendizado

e estratégias podem ser desenvolvidas, como coalizões sofisticadas. Assim, a

ecocomunicação se dá também entre antagonistas.

No universo, os sinais podem ser tanto ruídos como informação, dependendo

da leitura informacional dos receptores e sua computação, estes podem se tornar

comunicação e gerar diversidade, como na sociedade humana e no trabalho científico.

A regulagem, ou o metabolismo dos ecossistemas é efeito e causa do papel de

indivíduos que pautam suas ações por seus vizinhos congêneres e antagonistas que,

por sua vez, se regulam sucessivamente na cadeia alimentar ascendente e descendente

no ciclo trófico inscrito em um anel eco-organizador.

2.3 Um Macroconceito da Urbanização

A noção de macroconceito emerge da concepção da mútua e da

multicausalidade. Suponhamos que a um fenômeno dinâmico complexo seja

oferecida uma explicação dentro de uma concepção linear de causa/efeito. Esse

processo observável (um fenômeno) compreende ainda circuitos de causa/efeito,

sobre o qual, em um segundo momento, o efeito retroage sobre o fenômeno em uma

causalidade circular. O fenômeno seria explicado, no mínimo, por um processo

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

circular, que pode ser tanto positivo como negativo, definindo um crescimento ou

decrescimento, ou ainda a manutenção e estabilidade.

Figura 2.1 – O Circuito Causa-Efeito

Fonte: Figura elaborada pelo autor.

Essa seria a forma mais elementar de representar uma causalidade circular –

por um macroconceito, ou conjunto de conceitos. Esses termos não definem, entre si,

relações de precedência, determinação, derivação, pré-condição, pois as relações

estabelecem uma determinação circular. Por isso um estado pode ser causa de um

efeito em um momento e ser afetado por esse efeito em outro momento.

Na prática, quando um fenômeno é definido por vários circuitos concomitantes,

fica impossível reduzir sua explicação a uma causalidade linear hierárquica. Contudo,

nas organizações complexas vivas, como na sociedade humana, a causa original de

um fato pode não ser a mais determinante e as determinações podem surgir do

próprio processo de desenvolvimento organizacional, como uma emergência do

contexto, como na autonomia do todo de suas partes. Causas anteriores podem,

entretanto, continuar a serem atuantes, latentes, subordinadas e re-emergirem. Isso

como na relação entre organismos e células que guardam dependência e

independência mútua.

A sociedade urbana é resultado de três lógicas ou processos simultâneos

(MORIN, 2008b, p. 280): uma lógica de Estado por poder de comando e controle,

portanto um processo político; uma lógica social em busca de emancipação de

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

indivíduos e coletividades; uma lógica econômica dominantemente acumulativa,

resultando num processo de urbanização.

Pelo exposto e a partir de uma interpretação dessas três lógicas concebeu-se um

macroconceito organizacional como segue.

Esse primeiro macroconceito poderia ser utilizado na análise da urbanização,

mas, para isso, será também importante desenvolver (além da definição dos termos

que dão nome aos processos) a noção de auto-organização. Fica implícito que o

processo de urbanização não é apenas resultado do processo de produção

acumulativa, pode ter sido induzido e conduzido por políticas públicas. A

urbanização também é resultado da ação do Estado como objeto de regulação,

considerando que ele não pode ser inteiramente reduzido a um aparelho ideológico do

processo de acumulação.

Figura 2.2 Visão dos Processos da Urbanização

Fonte: Figura elaborada pelo autor.

Há, ainda, os processos sociais emergentes do próprio ambiente urbano que

definem a urbanização. Os movimentos sociais urbanos são, sobretudo,

emancipatórios (conceito que pode ser interpretado como necessidade

organizacional). Tais processos, ambíguos entre si, carregam, internamente,

complementaridades (em ações sinérgicas, mutuamente amplificadoras como nos

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

movimentos harmônicos), concorrências (em ações paralelas, mas independentes) e

antagônicos (em contradições inerentes a qualquer organização hierárquica). Por

isso, a acumulação desperdiça no afã "eficiente" da acumular, a regulação gera o

germe de sua desregulação, na medida em que não dá conta do controle, mas que

conecta integrando e possibilitando emergências criativas de instâncias subordinadas

de baixo para cima, promovendo a complexidade, a estabilidade e a reorganização

societária, assim como regulando o que não pode dispensar inclusive – a coerção,

assim coibindo ou inibindo o processo das emergências e gerando oposições.

Restaria inserir a interação desses processos sobre a acepção da determinação

mútua dentro de um ambiente, considerando as motivações ideológicas de

emancipação/sujeição, relações de produção de acumulação/desperdício e relações de

regulação/desregulação (exercida por aparelhos de Estado), como componentes

interativos da urbanização. São os paradigmas desses sistemas de ideias os motores

dos processos.

Figura 2.3 – 1 Modelo Ecológico dos Processos da Urbanização

Fonte: Figura elaborada pelo autor.

O Estado se instrumentaliza (suficientemente ou não) para regular ou gerir a

urbanização. Isso se dá na promoção e coerção social e a resposta social

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

correspondente será positiva (aceitação), obediência necessária (sujeição),

negligência (rejeição passiva), ou ainda manifestação antagônica. O tipo de réplica do

Estado às reações da sociedade irá depender de seus modos operacionais enquanto

organização e objetivos políticos (coletivistas ou corporativistas). Contudo, sua

estrutura institucional e operacional reflete seus propósitos políticos, muitas vezes

como heranças vivas de um passado cultural.

Do lado da sociedade, a análise histórica revela nos movimentos sociais o

desejo de libertação relativa ao trabalho, ou de uma libertação pelo trabalho por

melhores condições de vida. Há ainda o desejo de libertação: a) da coerção dos

costumes que não mais se justifiquem como necessidade social, ou que nunca se

justificaram, pois que seriam parasitismos intrassociais1; b) a estabilidade como

garantia de acesso a bens e serviços socialmente reconhecidos como básicos,

inclusive, os ambientais. Isso gera ação coletiva, reivindicação a regulação e,

questionamentos do modo de produção dominante. Contudo, há também o desejo de

riqueza como resolução individual dos problemas básicos e como objetivo de poder,

acumulação de poder, o desejo de ser admirado por toda entourage das

representações de poder, de ser importante por ser rico, ou por comungar valores

dessa representação, de pertencer a uma elite importante que comanda, desfrutando

de seus privilégios. Assim, tanto a emancipação, quanto a sujeição hierárquica

funcional podem ser explicadas por razões altruístas como por egoístas estratégicas.

É comum a ambiguidade como revela a cooptação. Os outros não são

necessariamente alter ego (semelhantes), podem ser complementares (parceiros),

concorrentes (rivais ou congêneres), ou antagonistas (inimigos) no processo de

realização do desejo.

O conjunto dos indivíduos como agentes externos e internos ao Estado e a

organização policêntrica da produção é apenas parte da sociedade, mesmo que esteja

organizado (de modo policêntrico ou cêntrico), isso não cobriria a sociedade como

organização. Tampouco, o recurso argumentativo de representar por essas esferas de

processos (econômicos, socioambientais e estatais) exauriria os processos de

urbanização, em face às emergências do todo que não pertencem às partes. O inverso

1 O movimento feminista (com o feminismo da diferença) apresenta, inclusive, uma perspectiva nova sobre oque deve ser o desejo coletivo, que vinha sendo formulado quase exclusivamente por homens.

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

pode também ser verdadeiro em face às liberdades das partes, que podem se tornar

emergências, moldando o todo.

Quanto ao processo de acumulação já discutido, requer crescimento, privilegia

a quantidade à qualidade que, no entanto leva a qualidade, a eficiência privada à

eficácia sistêmica, gerando desperdícios. A acumulação propõe a abundância,

gerando a carência, promete a satisfação, gerando a insatisfação. Para o processo de

acumulação capitalista, a cidade é seu domínio, seu território central resultante, onde

seus agentes defendem uma liberdade que se orienta aos mesmos, segundo a ideia de

regulação, ao final, acêntrica do mercado, como sendo suficiente a regulação social.

Uma dupla estrutura se revela hierárquica (na medida em que se definem objetivos

inquestionáveis ou definitivos, na medida em que subordina ideologicamente a

sociedade e o Estado, entretanto se sujeitando às contradições e as consequências da

superacumulação (uma espécie de congestionamento na produção). Por outro lado,

essa estrutura que se revela acêntrica na medida em que as decisões dos agentes

econômicos são autônomas permite uma regulação emergente como num enxame de

abelhas, uma autoregulagem que, em momentos de crise, gera emergências que

permitem a continuidade organizacional definida pelos mesmos propósitos.

Seria essa autorregulação acêntrica o cerne do problema como apontam os

marxistas e estruturalistas – a anarquia na produção que torna o espaço urbano seu

reflexo? Ou seria sua incapacidade de conceber outra regulação que não o mercado?

Ou seria simplesmente a motivação central de acumular sem limites. O mercado é

emancipatório e milenar como revela Sen (2000), mas também é opressivo,

espacialmente segregador, discriminador e excludente. Sua regulação se insere,

também, em um circuito social e estatal, em um ciclo trófico, ou seja, em uma cadeia

alimentar ascendente e descendente e em um ciclo cósmico simples de dias e noites.

Sua expansão automática, livre e sem limites é autolimitante, problemática,

insustentável e dará margem a outras emergências organizativas.

Ao final, restaria examinar as relações entre sociedade e mercado. Em suma,

pode-se colocar que: para a sociedade, o mercado tem sido lugar de oportunidades,

meio de emancipação, desde os primórdios das civilizações, mas também um

mecanismo social de sujeição.

O mercado pode ser descrito como um jogo de ganhadores e perdedores, que

vem envolvendo mais e mais a organização social, contudo este só responde,

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

explicitamente, por si mesmo. Para o mercado, os perdedores são um problema do

Estado. O mercado inibe a regulação, mas as suas crises são um problema resolvido

pelo Estado, então o Estado é problema de quem? É um problema de todos, tanto

como processo político, como organizativo.

A limitação desse primeiro modelo é considerar a urbanização como um efeito

entre outros e não como um processo de uma organização viva de uma espécie, que

constitui um ecossistema de características próprias com suas determinações mútuas

entre sociedade e ambiente.

Tabela 2.1 – Processos de Urbanização, Agentes Principais e suas Motivações

Individuais e Coletivas

Forças

Motrizes

Processo de Urbanização

Acumulação

/Desperdício

Emancipação

/SujeiçãoRegulação/Coerção

Agente

Principal

Empresariado

/Estado

Sociedade

Organizada/

Indivíduos

Estado

Motivação

Individual

Lucros/Altos

salários

Obter/

ProporcionarPoder

Motivação

Coletiva

Domínio do

MercadoQualidade de Vida Soberania

Fonte: Tabela elaborada pelo autor.

2.4 As Sociedades Urbanas enquanto Organização

Na natureza, há a organização viva das células, de células de um mesmo ovo

formando seres policelulares e a associação de seres formando sociedades. Até pouco

tempo não se reconhecia sociedades de animais senão a humana. Além disso, as

sociedades vivas permitem leituras não apenas genéticas, mas também

organizacionais. Animais dotados de sistema nervoso central, movimento e sistema

Capítulo 2 – A Cidade como Organização

reprodutor sexuado geram complexidade e autonomia a uma sociedade e essas

características são reconhecidas como estratégias organizacionais. Assim,

individualidade e coletividade não são termos opostos, ao contrário, a organização

fomenta a individualidade e a realização das individualidades exige o

desenvolvimento coletivo. Essa via de mão dupla gera, por comunicação e

associação, identidades próprias a um todo organizado e organizador com qualidades

próprias.

O vínculo entre indivíduo e sociedade é mais frouxo que os elos entre células e

animais, pois no primeiro caso há autonomia, no segundo há leis genéticas mais

estritas. Essa liberdade fez, espontaneamente, surgir, por comunicação e associação, o

desenvolvimento de linguagens e culturas transmissíveis por crenças, normas,

costumes, saberes e artes, até a criação dos Estados como organizações necessárias à

reorganização social.

CAPÍTULO 3

A URBANIZAÇÃO ECOLÓGICA

Resumo

Considerando o objetivo central do estudo – apresentar uma abordagem da

sustentabilidade aplicada à urbanização, vimos que seria necessário compreender a

sustentabilidade do ponto de vista ecológico, contudo isto não foi possível senão por

uma revisão bibliográfica do conceito de sustentabilidade, ou suas formas de aferição

aplicada, inclusive, aos processos de urbanização. Noutras palavras, seria preciso

estabelecer como o processo de urbanização se relaciona com os processos bióticos e

abióticos da ecosfera.

No contexto desta tentativa de associar os processos das atividades antrópicas

aos processos bióticos e abióticos, introduzimos a questão tecnológica que não deixa

de ser um processo antrópico, mas isto é interpretado aqui sob um duplo aspecto.

Primeiro como elemento de reorganização sistêmica interna de produção antrópica e

segundo sob o significado da relação dos tecnoecossistemas humanos com o

ambiente. Por este duplo viés, os limites de crescimento são analisados, o objetivo de

acumulação e as emergências tecnológicas para maior eficiência na produção,

revelando que não há solução de retorno a modos de produção anteriores, mesmo no

caso de desastres gerais.

3.1 A Sustentabilidade no Debate Econômico

A discussão do conceito de sustentabilidade realizada por Veiga (2010) serviu

de referência inicial a esta revisão. Essa discussão talvez seja considerada por

cientistas das ciências naturais como em princípio tendenciosa, ou antropocêntrica,

desde que realizada por um cientista social, um economista ecológico. Contudo, este

foi apenas o caminho percorrido para se chegar a um conceito mais amplo de

sustentabilidade ambiental, o que demanda um percurso de retorno - uma

interpretação social e econômica do mesmo.

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

Até a década de 70, sustentabilidade era um termo técnico associado ao

conceito de resiliência, significando a capacidade de um sistema natural de manter-se

em funcionamento sob e após perturbações externas. Resiliência é um conceito que

tem origem na Física e determina a capacidade regenerativa de alguns materiais de

voltarem ao seu estado original após sofrerem deformação por forças externas, não

chegando ao limite de ruptura, a exemplo de uma mola. Contudo, há limites para a

resiliência, dado pela frenquência, tempo e magnitude das solicitações. O defeso na

pesca é uma medida de proteção da capacidade regenerativa, a resiliência ou a

sustentabilidade dos cardumes. Contudo, a resistência a um impacto pode ser uma

medida de sustentabilidade, o impacto pode ser de uma magnitude que não dê chance

a possibilidade de recuperação de uma população, como aquele que leve a extinção.

A noção de sustentabilidade se afastou da noção de equilíbrio ecossistêmico,

para ser mais recentemente associada à noção de resiliência, que segundo o físico

Albert Lazlo Barabási teórico da real-world network theory (da teoria das redes no

mundo real) inclui também o atributo de robustez (o que não exclui resistência) como

capacidade ecossistêmica de reorganização, além da estabilidade que se associa a

capacidade dinâmica de voltar a um estado inicial após deformação por fatores

externos.

Na década de 1980, o termo é empregado para qualificar o desenvolvimento e,

mesmo após a Conferência das Nações Unidas – Rio 92 houve reações políticas ao

movimento ambientalista e aos intelectuais que concebiam e advogavam o

desenvolvimento sustentável, tanto da direita - reagindo como se isso fora uma

restrição à liberdade do empreendedorismo, como da esquerda - considerando isso

como um desvio dos objetivos sociais e econômicos mais prioritários na luta de

classes, ou preocupações sobre meros efeitos negativos do capitalismo. Segundo

Veiga (2010) para Schopenhauer, as verdades passam por um ciclo de três fases: são

primeiro, ridicularizadas, depois combatidas e finalmente aceitas como evidentes

(quando não, sacralizadas). Veiga coloca que a sustentabilidade completou este ciclo

em apenas três décadas.

Por outro lado, a insustentabilidade segue sendo dominante, o que faz levantar

três perguntas fundamentais. O crescimento econômico pode ser compatibilizado

com a sustentabilidade ambiental? Será que a prosperidade identificada ao

desenvolvimento pode ser posta em marcha sem crescimento econômico? Será

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

possível estabelecer relações entre desenvolvimento e crescimento sem contemplar

suas implicações negativas sobre o meio ambiente?

Observam-se, hoje, múltiplas formas de compreender, ou enfocar o

desenvolvimento sustentável, inclusive, tais compreensões estão implícitas em muitas

metodologias de abordagem com seus respectivos indicadores. Contudo, apesar das

divergências, estas estão unidas em diversas frentes na busca de redução da

insustentabilidade, por exemplo, no desenvolvimento e difusão de biocombustíveis,

no uso de energia elétrica para o transporte individual, no desenvolvimento da

agricultura orgânica, na redução e reuso dos resíduos sólidos, na educação ambiental,

apesar disto, não se pode excluir a inocuidade de algumas destas ações sobre o

ambiente ou a sociedade. De qualquer forma, em conjunto estas iniciativas

potencializam resultados positivos em face da diversidade dos impactos negativos das

atividades antrópicas sobre o ambiente. Sob esta acepção de robustez, a

sustentabilidade ecossistêmica pode prescindir da existência de indivíduos e até

espécies, o que é abordado tanto pela teoria darwiniana como pela teoria da

complexidade moderna.

O debate sobre o desenvolvimento sustentável e a abordagem da

sustentabilidade levou economistas e ambientalistas a se dividirem em três correntes:

a convencional, a ecológica e a corrente da busca de uma terceira via. A primeira

argumenta que a partir de certo patamar de crescimento de renda se desenvolveria

uma melhoria da qualidade ambiental como exigência das sociedades à medida que

se tornam mais afluentes. Em oposição, a corrente da economia ecológica demonstra

que o crescimento não tem se traduzido em bem estar correspondente e sim em

degradação ambiental, defendendo que para haver sustentabilidade deve-se buscar

um estado estacionário, onde haja melhoria de qualidade de vida sem expansão do

subsistema econômico da organização socioambiental, ou seja, uma prosperidade sem

crescimento, contudo contemplando a possibilidade daqueles países que precisam

crescer o fazerem sob formas ambientalmente amigáveis, ou menos danosas,

considerando os serviços ambientais e os ecossistemas. As críticas conservadoras a

esta corrente anticrescimento apontam para a não resposta a um mundo real cuja

população e o capital continuam a crescer. A réplica de seu principal teórico (Herman

E. Daly) exigiu a reconceituação do conceito de estado estacionário, como um estado

de crescimento estável (steady state growth) da biologia, que não se refere a

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

mudanças qualitativas, nem quantitativas, ponto pouco explorado segundo Veiga

(2010). A corrente anticrescimento foi atacada de todos os lados, da direita por

incompatibilidade destas idéias com o capitalismo que prescinde do crescimento

econômico e, da esquerda, por seu caráter supostamente antidistributiva e por sua

impossibilidade prática.

Diante da impraticabilidade de um lado e, de outro lado, diante da

inconsistência do argumento do limiar de renda que levaria ao financiamento da

sustentabilidade, outros economistas e ambientalistas trilharam o caminho de uma

alternativa - em suma, isto seria a busca do crescimento econômico por uma

ecoeficiência que tornasse a produção de bens e serviços cada vez mais intensiva em

energia e menos em matéria, possibilitando o reuso dos recursos e uso de recursos

renováveis.

Este descolamento (decoupling), conceito também oriundo da física, permitiria

a resolução do dilema entre crescer ou não crescer, polemica travada entre

"conservadores" e "ecologistas tradicionais". O problema é que o desenvolvimento da

economia da energia gera diversificação crescimento e um consumo que acaba por

comprometer os estoques de recursos naturais. O livro do Banco Mundial lançado em

2009, Prosperity without Growth? se defende este argumento, o que reforça a tese

dos economistas ecológicos.

É difícil imaginar, por enquanto, de que maneira os chamados emergentes

poderão sair da inferioridade tecnológica em que se encontram. Isso “certamente”

fará com que, entre eles, a transição a economia de baixo carbono seja muito mais

difícil e lenta segundo Veiga (VEIGA, 2010). Todavia, como a infraestrutura dos

emergentes ainda está em construção, optar por soluções mais sustentáveis, deveria

ser mais fácil, não fossem as injunções políticas e o reacionarismo tecnológico dos

engenheiros.

O que espanta é o uso superficial com que os economistas incorporam

conceitos da física, para supostamente conferir cientificidade a uma ciência tão

recalcada por valores de fundo ideológico. Agora, abusam da inexorabilidade da

entropia como se a negentropia não pudesse ser seu par necessário no mundo cósmico

e biológico.

De qualquer modo, as preocupações com a insustentabilidade de atividades

antrópicas permanecem e uma economia verde prospera. Como a Conferência das

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD 2012 ou Rio+20), cujos

resultados reafirmam colocações centrais deste livro como a imbricação das

dimensões da sustentabilidade e a relevância da governança e do planejamento do uso

do solo (urbano e rural).

O que não se percebe no debate dos economistas (sejam estes defensores do

crescimento incondicional, do anticrescimento, ou de um crescimento ecoeficiente) é

a discussão sobre os níveis de atividade adequados em termos ecológicos. O que

desloca a questão para a observação da natureza e de seus processos. O que nos cabe

é buscar reconhecer os limites da urbanização, segundo os parâmetros naturais de

sustentabilidade.

3.2 Sustentabilidade: atributos e implicações

Retomando o conceito da sustentabilidade e sua definição como vimos se

associa a idéia de continuidade e resiliência de ecossistemas. No caso de sistemas

abertos, como é o caso das cidades e de ecossistemas naturais, a sustentabilidade se

dá por meio de processos recorrentes e retroativos de reorganização que lhes

permitem a continuidade por autorreconstituição. Estes processos são verificados em

qualquer sistema vivo, comportando limites temporais e físicos intrínsecos. Pode-se

falar do que seja mais ou menos sustentável no tempo, mas não de uma

sustentabilidade sem limites. Assim, como o tempo, a sustentabilidade é uma relação

e não uma grandeza, uma medida comparativa de durabilidade, contudo enquanto

resiliência, a sustentabilidade tem limite temporal e físico, ou seja, há também limite

para a capacidade de um sistema absorver e responder a um impacto ou série de

impactos, voltando o seu estado original.

Assim, a condição fundamental para a sustentabilidade está em se por limites

ao crescimento econômico e urbano, se estes processos transpuserem os limites

naturais. Noutras palavras, isto se realizaria com a definição e observação de limites

no uso de recursos naturais não renováveis de modo a não comprometer os recursos

naturais às gerações futuras, o que se associa aos objetivos do desenvolvimento

sustentável.

Aqui vale repetir aquilo já dito no Capítulo 1 sobre o desenvolvimento

sustentável: nada mais justo e ético, além de cientificamente plausível, mesmo sem

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

demonstrações quantitativas, em face à extensão das transformações impostas por

atividades antrópicas à biosfera durante séculos, especialmente após a revolução

industrial. Contudo, será que a agricultura extensiva que devastou milhões de

hectares de florestas desde sua disseminação multimilenar não significou um

caminho sem volta de mudanças para os serviços geoambientais? Esta questão nos

faz pensar se é possível manter ciclos naturais que sustentam o clima terrestre do

modo que o conhecemos hoje, ou se é possível uma adaptação passiva. Ademais,

admitir ser capaz de mudar o clima global induz a considerar em que sentido, em

quanto tempo, com que alcance e com quais meios seria possível uma adaptação

corretiva? Contudo, a atitude das sociedades e sistemas econômicos dominantes para

com os ambientes tem sido ainda de negligência, preservacionista, ou

conservacionista. A compreensão da sustentabilidade é em grande parte passiva,

pressupondo que seria suficiente manter um conjunto de condições dadas.

Entretanto, para além de ações necessárias de preservação, conservação,

recuperação, mitigação, ou adaptação, raramente se admite que as condições de

sustentabilidade em sistemas naturais complexos e dinâmicos exigem a

autoreorganização (MORIN, 2008). Em tal processo, mesmo que lento, embora por

vezes superando expectativas, a sustentabilidade é apoiada na manutenção da

biodiversidade, na interdependência e em um equilíbrio dinâmico entre ecossistemas

e ambientes. No limite, tais fatores de resiliência induzem a ideia de regulação

artificial da natureza, que devem se tornar cada vez mais necessária, mesmo que

segmentada. Por outro lado, isto não poderia ser visto como algo a ser fabricado, algo

mecânico, pautado, mas como algo a ser propiciado, estimulado, fecundado e

cultivado, como no manejo florestal. Este é um pensamento de terceira via,

dissociado da concepção de crescimento conservador e do anticrescimento, podendo

compreender a busca de um crescimento ambientalmente sustentável, especialmente

em face à demanda da grande maioria da população mundial (VEIGA, 2010 p.21-27).

Voltando a analogia com o manejo florestal, isto nos abre duas digressões em

nossa linha de raciocínio. Primeiro, pelo fato de que tal manejo impõe um limite à

competição natural, resultando numa melhor absorção de CO2 para os conjuntos

florestais manejados, como se fora uma ação coletiva exercida por um "agente

externo", o homem. Segundo, este fato tem enorme significado filosófico, pois, existe

um pressuposto comum de que o equilíbrio natural seja o ótimo por excelência, o

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

divino, o melhor e, com isto emerge a ideia de que a natureza é sábia, que deveria ser

respeitada e que diante de nossa ignorância sobre sua complexidade e impotência de

controle sobre suas forças, nos resta apenas aceitar, conviver melhor, harmonizar,

adaptar-se tendo que admitir, contraditoriamente, que a lei da selva, a ferocidade, a

violência indiferente da catástrofe natural, a morte e os males de toda sorte são

também parte da natureza como o pior, o torpe, o falho, o indeterminado, o

imponderável. Portanto, caberia explicar este lado da natureza por razões não míticas,

como na relação circular ou recursiva entre organização e desorganização, numa

relação de mútua alimentação.

Ironicamente, talvez nesta retroalimentação, encontrem-se uma oportunidade

latente, emergente, como aquilo que não tem fim específico, no sentido de finalidade

e que por isto faz perecer razões finitas. Paradoxalmente, o que desagrega,

desorganiza não é o que domina no universo, o saldo universal é um aumento de

galáxias, assim pode-se dizer que este não tende dominantemente a desorganização,

mas a autocriação, ou a uma ampliação de sua organização. Portanto, considerar a

entropia como a inexorabilidade da morte de nosso universo é não reconhecê-lo por

um modo mais recente, embora isto deva ser admitido apenas como possibilidade.

Mas, o que isto tem haver com nossos pressupostos?

Se a natureza se recria se reorganizando, a sustentabilidade não pode ser

reduzida apenas a normas, a parâmetros de indicadores a perseguir (mesmos que estes

não sejam antropocêntricos como em geral o são, objetivando preservar estoques de

recursos naturais (VEIGA, 2010) ou manter a qualidade do ambiente para o bem estar

social etc.). Sob esta acepção, o conceito em questão parece se aproximar melhor da

ideia de um jogo cujas regras são frutos de trocas, cujos movimentos são lentos, mas

ocasionalmente bruscos e devastadores. Uma permanente reinvenção desta relação de

troca nos parece ser uma chave importante para uma compreensão de sustentabilidade

e esta "simbiose" envolve uma evolução. Este é inclusive o mote da concepção sueca

de cidade sustentável, a "symbiocity". Por isto, a noção de equilíbrio dinâmico se

ajusta melhor aos sistemas abertos que pretendemos tratar. (Ver sobre "symbiocity"

em http://www.symbiocity.org/en/Concept/).

Considerando estes atributos da sustentabilidade na natureza diz-se que: a

manutenção e renovação dos recursos naturais são fenômenos dinâmicos complexos,

inscritos dentro de ciclos naturais tanto orgânicos, quanto inorgânicos; a vida e a terra

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

como conhecemos, hoje, são o resultado dos ciclos naturais astrofísicos,

biogeoquímicos e ainda da diversidade, interdependência e equilíbrio dinâmico de

ecossistemas que lhe conferem sua resiliência e; em face à complexidade da

sustentabilidade na natureza, esta é irredutível a disciplinas isoladas do

conhecimento.

A sustentabilidade na natureza deveria ser abordada pela transdisciplinaridade,

já que comporta múltiplas dimensões. A transdisciplinaridade é o entrelaçamento de

disciplinas na explicação de fenômenos ou questões (ZIMMERER & BASSETT,

2003).

Assim se vê a reconstrução, ou requalificação das cidades em bases

sustentáveis não apenas como uma adaptação passiva as mudanças climáticas.

Embora esta adaptação seja necessária, isto deverá ser insuficiente em face à

necessidade de ações para criação de um ambiente menos hostil. Por isto, se imagina

que inferir positiva e conscientemente nos ciclos biogeofísico-químicos seria um

caminho mais profícuo. Neste sentido, a questão dos limites para o crescimento nos

parece ser então, mais pertinente às cidades (particularmente as grandes e ao modelo

de crescimento das demais) do que a economia, desde que um crescimento dirigido à

melhoria da qualidade de bens e serviços (baseados numa reestruturação dos

ambientes) pode significar bastante espaço ao crescimento econômico,

contrariamente ao crescimento populacional e urbano. A requalificação ambiental

necessária da produção deve representar crescimento econômico, seja para uma

adaptação passiva aos ambientes, ainda mais se ela tiver caráter ativo, recriando

ambientes. Isto não questionaria os limites do crescimento econômico, mas o

circunstanciaria. Como as cidades estão se ajustando a uma requalificação ambiental,

ou ativamente propiciando uma nova economia de baixo carbono? Pelo exposto

algumas deveriam crescer, ou não crescer e talvez algumas devessem até decrescer,

mas este decrescimento ocorre mais por outras razões, que levam a crises de ciclo

curto dos negócios, de médio de Knutsen, ou longo de Kondratiev, o que são

oportunidades para a reindustrialização limpa e solidária.

O que sustenta este argumento é ainda o pensar as cidades em redes e uma

desconcentração de investimentos promovendo o crescimento no sentido da

sustentabilidade ambiental. Entre as dificuldades para isto identifica-se a

incapacidade dos estados periféricos de reconhecerem o problema, de se organizarem

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

para criar as infraestruturas e a gestão ambiental necessárias, orientarem-se na

direção de um crescimento ambientalmente adequado de modo a suplantar o

crescimento predatório. Vale salientar que grande parte dos impactos ambientais

negativos nas grandes cidades se dá simplesmente por uma concentração espacial dos

investimentos, em detrimento de outras cidades e suas redes, especialmente nos

países ditos emergentes (SINGER, 2002)

As questões consequentes desta visão não seriam apenas: como mitigar a

emissão de gases causadores do efeito estufa; ou como se adaptar a um clima global

cada vez mais aquecido; mas, sobretudo, como atuar na contracorrente de tendências

globais em direção a um planeta cada vez mais inóspito.

Esta obra de ficção cientifica cada vez mais necessária, pode parecer fantasia,

especialmente, para aqueles que consideram que os fenômenos das mudanças

climáticas independem das ações antrópicas, definidos que são, também, por

atividades solares. Entretanto, o argumento da necessidade de tal tarefa, pode ser

factível no nível microclimático nas cidades e em suas regiões.

Ora, se a cidade é o centro da depleção da natureza, além de ser o centro

irradiador destas práticas no território rural, requalificar ambientalmente a cidade é

fundamental. O que esta requalificação significa, não deve ser uma resposta

homogênea em função da diversidade das condições físicas urbanas e

socioambientais como já assinalamos, mas deve envolver a produção de bens e

serviços, a infra-estrutura, o mercado, o capital social e uma reorientação estrutural

da produção.

A requalificação das cidades deve reunir condições para "puxar", pelo menos

de modo significativo, tal processo. As experiências de adaptação das cidades

apontam para uma série de diretrizes de ações consensuais: como na construção de

novos sistemas de transporte públicos, utilizando recursos renováveis para resolver

uma causa importante de poluição atmosférica; na gestão adequada de resíduos

sólidos das mais diversas origens; na construção e uso das edificações, assim como

nas suas infraestruturas segundo especificações ambientais; na arborização urbana,

criação de áreas verdes integradas e fomento ao aumento da biodiversidade de

espécies autóctones da flora e fauna na cidade; na agricultura urbana; assim como nas

intervenções em áreas habitacionais carentes de interesse social; na recuperação de

centros históricos (BEATLEY, 2009).

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

A revisão bibliográfica sobre cidades sustentáveis conduziu ao exame de uma

série de abordagens metodológicas com objetivos teóricos e pragmáticos (JACOBI,

1997; VEIGA, 2010; UNITED NATIONS HUMAN SETTLEMENT

PROGRAMME, 2009; UNITED NATIONS DIVISION FOR SUSTAINABLE

DEVELOPMENT /EGM/ISD, 2005; WACKERNAGEL, 2011) e a experiência sueca

de Symbiocities na China. Estas abordagens pressupõem que ao se controlar os

impactos ambientais negativos se estaria promovendo a sustentabilidade urbana em

termos ambientais. Assim focaliza-se, por exemplo, a qualidade do ar com a queima

de combustíveis fósseis no transporte; os recursos hídricos e as descargas de esgotos,

ou mesmo tomando medidas ativas de recuperação, promovendo o plantio de árvores

nativas, contando com a capacidade regenerativa dos ecossistemas e assim

supostamente gerando sustentabilidade.

Este tratamento da questão se assemelha a conduta médica diante da doença

humana que mesmo quando atuando sobre as causas dos males na saúde, conta com a

capacidade regenerativa dos pacientes. Neste sentido, o desejável é que os pacientes

voltem a uma vida normal sem sequelas, o que muitas vezes não é possível. Assim, a

normalidade desejável é a restauração de um estado original, um equilíbrio dinâmico,

pulsante entre limites, a homeorese (que será explicada na p.71), contudo repetitivo,

cíclico, como uma máquina funcionando regularmente. Esta também é uma visão

comum quando se pensa em sustentabilidade. Por isso, mesmo resgatando a ideia de

máquina colocada acima, um sistema organizado que a partir de insumos do ambiente

externo transforma e produz algo novo e que ademais compreende processos cíclicos

nesta transformação não pode ser visto como análogo a uma máquina mecânica, ela é

orgânica. O simples fato de se contar com a capacidade regenerativa da natureza, por

exemplo, na medicina, revela a consciência desta capacidade dos organismos vivos.

Três digressões podem ser realizadas a partir deste ponto. A primeira, mais

evidente, seria o reconhecimento da necessidade de compreender o sistema urbano

como organização social, isto demanda não só a compreensão da organização viva,

como também a noção de sistema neste contexto, o que teoria da complexidade

desenvolve superando o "sistemismo" abstrato (que formaliza matematicamente e

abandona a história), vindo a constituir a vanguarda na gestão de organizações como

já referida. A segunda linha de desenvolvimento, bem mais complexa, diz respeito

ao fato de que os processos de sustentabilidade dos organismos vivos não são,

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

exclusivamente, homeostáticos. Desse modo, pode-se perceber não só que há uma

evolução temporal dos organismos, deste o nascimento à morte, mas também a

evolução de cada espécie e a coevolução destas, definida na interação entre espécies e

seus meios físicos. Neste sentido, caberia responder como se dá a evolução da

sociedade urbanizada e sua determinação sobre a evolução de outras espécies e seus

ambientes. A terceira linha diz respeito à possibilidade advinda da capacidade da

sociedade urbana de recriar os ambientes artificiais em que vivem e controlar, ou até

dirigir, os impactos destes ambientes artificiais sobre o ambiente maior em que se

inserem, no sentido da sustentabilidade global. Assim, a construção da cidade

sustentável pode ser entendida não apenas com um processo de recuperação

ambiental, mas como geração ativa de novos ambientes artificiais, desenvolvidos

para produzir resultados ambientalmente positivos. Contudo, estes mesmos novos

ambientes deveriam aprimorar as defesas sobre o aumento da probabilidade de

ocorrência de desastres naturais e assim serem desenhados ou guiados também para

tal propósito.

Este exame teórico-conceitual da questão da sustentabilidade urbana deve

possibilitar o trabalho empírico de pesquisa na verificação de um quadro teórico,

contudo é importante que nesta tarefa se considere a cidade em sua rede, como uma

complexidade auto-organizada. Tal teste deve ser desenhado de modo a possibilitar

ao menos o monitoramente, ou avaliação da insustentabilidade, revelando a

pertinência da concepção de sustentabilidade utilizada, explicando e avaliando

melhor as ações das políticas urbanas e ambientais. Para isto é preciso substantivar a

sustentabilidade, de modo a se ter de fato uma base consistente de sustentabilidade

urbana para avaliar nossas ações, do contrário se terá apenas resultados sobre ações

de controle da insustentabilidade de nossas atividades, sem um objetivo de fato. No

caso de políticas que protagonizem de modo proativo a sustentabilidade, esta carência

conceitual se reflete em metas difusas. Mesmo que alguns indicadores apenas possam

nos oferecer uma medida de insustentabilidade, isto já permitiria diálogos

interdisciplinares e com territórios mais amplos.

O estudo recente de economistas renomados recomenda que os aspectos

sociais, econômicos e ambientais da sustentabilidade deveriam ser tratados

independentemente (STIGLITZ; SEN; FITOUSS, 2009). No entanto, mesmo

havendo necessidade de interpretações disciplinares independentes da

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

sustentabilidade, deve-se considerar que a sustentabilidade é antes de tudo ambiental,

que a variável comum universal é a energia, devendo ser esta a base comum para um

diálogo transdisciplinar necessário para se lidar como um sistema complexo e aberto.

Em sistemas complexos e abertos, o todo não pode ser reduzido às suas partes,

assim as partes não podem explicar o todo e isto constitui o limite do pensamento

científico analítico. Além disto, mesmo que se possa inferir que algumas disciplinas

sejam mais importantes, mais determinantes, ou mais centrais que outras na

formulação de políticas; para as ações de programa afins, para a elaboração e

execução de projetos e para a governança geral das ações, certamente, seriam outras

as mais relevantes. Portanto, há de haver distinção nos enfoques disciplinares mais

também um fio condutor e comunicador, uma base comum que dê coerência as ações

e a suas avaliações.

No contexto do planejamento, a gestão planejada urbana e regional tem um

lugar assegurado no debate da sustentabilidade e entre os papéis desta, cabe o

monitoramento da qualidade ambiental das cidades. Este conceito (deste autor) que

significa a gestão pública ou privada guiada por instrumentos de planejamento,

desenvolvidos a partir da própria gestão de caráter auto-organizativo, seja por

medidas incrementais ou mudanças estruturais.

No exame sobre indicadores de sustentabilidade, observamos que estes foram

desenvolvidos a partir de diversos vieses disciplinares, guiados por preocupações

antropocêntricas, ou ideológicas e definidos pelo afã empírico de encontrar uma

medida que seja de aplicação abrangente, de compreensão fácil e passível de uso a

indivíduos, coletividades residentes, cidades, regiões, países, a exemplo da Pegada

Ecológica. Apresentamos este estudo sobre indicadores no Capítulo 4, após o exame

da compreensão de sustentabilidade por alguns ecólogos.

3.3 Capacidade de Suporte como Medida de Sustentabilidade

Outro modo de conceber e de medir sustentabilidade foi proposto por Odum e

Barrett (ODUM & BARRETT, 2007), baseado no conceito de capacidade de

suporte. Este conceito se define pela relação entre a produção de biomassa (P) sobre

a manutenção respiratória (R), ou alimentação, tanto em organismos, populações,

comunidades, ou ecossistemas. Quando R é igual a P, tem-se a capacidade de suporte

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

máxima, ou K = P/R = 1, ou seja, a quantidade máxima de biomassa que pode ser

sustentada por um organismo, população, ou comunidades de seres em um

ecossistema. Como esta relação pode ser expressa por uma curva sinótica (em forma

de S) de crescimento populacional na representação cartesiana (onde o eixo das

abscissas representa valores de R e o das ordenadas de P), a capacidade de suporte

ótima seria o ponto que marca a mudança de concavidade, ou ponto de inflexão no

trecho ascendente da curva, onde K é menor que um (K < 1), ou seja, a produção de

biomassa pode crescer, mas a um custo maior de energia para respiração. Este ponto

de inflexão da curva também corresponde ao rendimento máximo de um ecossistema.

O intervalo entre a produção ótima e a produção máxima expressa os momentos

quando o incremento de produção de biomassa ou população gera aumentos

proporcionalmente maiores na entrada de energia para a respiração ou alimentação,

ou seja, quando o rendimento das máquinas vivas ou comunidades de espécies é

paulatinamente decrescente.

Observou-se que muitas populações (no sentido ecológico) apresentam uma

capacidade de suporte próxima à ótima. Isto é atribuído à regulação populacional da

cadeia alimentar nos ecossistemas, o que constitui uma espécie de margem de

segurança até o limiar máximo de crescimento (onde K = 1). A capacidade de suporte

pode ser interpretada como uma margem de segurança para os casos de eventos

destabilizantes como secas e inundações, que podem comprometer as fontes de

recursos, ou seja, isto opera como uma prevenção ou proteção natural à fome, à

doença e ao extermínio Portanto, como a resiliência significa capacidade

regenerativa dos organismos a impactos ambientais negativos, sua medida poderia ser

expressa como uma taxa da capacidade de suporte

As vantagens desta concepção de sustentabilidade são, por exemplo: a) poder

utilizar como medida unidades de energia, que é uma base universal; b) ter por

referência o comportamento de sistemas naturais; c) poder ser transposta para medir

sistemas artificiais antrópicos, fazendo R (respiração no ecossistema) corresponder a

I (energia utilizada por um sistema qualquer), permitindo avaliar o desempenho de

sistemas artificiais e compará-los ao desempenho dos sistemas naturais que os

sustentam.

A capacidade de suporte pode servir ao cálculo da resiliência ou da capacidade

regenerativa dos organismos a impactos ambientais. Uma medida de resiliência pode

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

ser expressa com o tempo de recuperação a um estado original, após os efeitos de

uma perturbação externa.

Figura 3.1 – Hipótese da Sustentabilidade como Capacidade de Suporte

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de ODUM, 2007.

Ainda em referência a resiliência, a capacidade de suporte pode servir aocálculo da resistência de um sistema, que poderia ser dado tanto pela energianecessária a uma deformação, quanto pela amplitude máxima da deformaçãoexperimentada, ou seja, quando um impacto passa a modificar a capacidade desuporte e quanto este altera esta capacidade.

Figura 3.2 – Rendimento Máximo: capacidade de suporte ótima e

sustentabilidade

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de ODUM, 2007.

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

A taxa de mudança da capacidade de suporte de um organismo, ou sistema,

também é indicadora de tendência. Há, ainda, a variável importante da mudança

tecnológica que modifica o rendimento dos sistemas produtivos artificiais,

funcionando como fator multiplicador positivo na relação P sobre R, o que eleva o

valor da produção P no ponto ótimo, sendo possível sustentar uma população maior

por unidade de energia de entrada, podendo ser definido como um parâmetro da

capacidade de suporte para uma medida de ecoeficiência.

Outra concepção de sustentabilidade é apresentada sob a forma de um tripé de

dimensões quais sejam: a dimensão econômica, social e ambiental. As dificuldades

desta concepção são: primeiro, supor a independência destas dimensões na

determinação da sustentabilidade, quando esta independência é apenas disciplinar e

artificial; segundo, há um abandono de uma visão da totalidade, seja no marco

teórico, seja no modelo integrador; terceiro tal suposição de independência denota

uma posição de exclusão mútua destas dimensões. Na realidade as dimensões sociais

e econômicas estão imersas na dimensão ambiental que compreende ciclos

geofísicoquímicos e processos biológicos independentes em escalas espaciais e

temporais diversas, que sobredeterminam as dimensões antrópicas, fato que é

negligenciado nas dimensões sociais e econômicas. Além disto, os critérios de

avaliação desta sustentabilidade multidimensional com pesos relativos dependem do

consenso sobre valores, ou seja, da possibilidade de ajustes e compromissos entre

decisores. Por exemplo, as deseconomias crescentes de escala podem apresentar

limiares máximos de rendimento, com valores superiores aos processos naturais de

produção ótima de biomassa, pois não se paga pelos serviços ambientais, o que leva

os ambientes ao estresse. O caso da pesca é exemplar, o custo dos fatores é da ordem

de dez vezes menor do que arca o ambiente para prover o peixe em termos de

energia. A natureza pode em parte compensar a predação com uma maior taxa de

natalidade, mas isto não tem sido suficiente e o resultado líquido tem sido a queda da

biodiversidade, ou seja, o desaparecimento de espécies, além da diminuição da

população de muitas outras. Portanto, não são os parâmetros de produção que tem

que ser compatibilizados, mas antes, os parâmetros naturais têm que ser observados.

Há uma sobredeterminação da dimensão ambiental sobre a dimensão econômica e

social com relação à sustentabilidade.

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

Em sua eloquente epistemologia ambiental, Herique Leff (2010) manifesta suas

defesas contra a teoria dos sistemas e ao utilitarismo no desenvolvimento dos

indicadores, argumentando que a questão ambiental exige um esforço de

autocompreensão da ciência, tanto em suas bases enquanto conhecimento, quanto

sobre seus propósitos políticos. Contudo, não é possível negar a necessidade de uma

emergência organizativa humana e de respostas científicas e tecnológicas a uma

noosfera errática e problemática, independente de utilizações ideológicas. Ademais,

estes vieses filosóficos da teoria crítica desempenham bem o papel na desconstrução

do capitalismo, mas em geral apontam vagos caminhos abstratos na construção de

uma ordem que, por fim, torna-se abstrata. A teoria da complexidade incorpora a

teoria dos sistemas enquanto modelo de interpretar a realidade, mas todo modelo

deve ser refinado na prática da verificação empírica, quando deixa de ser apenas uma

abstração idealista. Por outro lado, não se valer de modelos pode abrir perspectivas,

mas isso pode levar a digressões intermináveis e dificuldade de reconhecimento de

processos objetivos comuns, suas qualidades, alcance e dimensões, por exemplo, as

funções transcendentes (tratadas no item a seguir) dos sistemas vivos. Neste sentido,

a ecologia deve se tornar uma base para a ciência como o é, hoje, a matemática.

Temos que nos reportar a ela, em seus termos, se quisermos ser sustentáveis.

3.4 Recortando Tecnoecossistemas Humanos

Para examinar os tecnoecossistemas, devemos primeiro conceituar os

ecossistemas. Estes são definidos pela conjunção de comunidades (populações de

organismos) que vivem em cadeias alimentares ascendentes e descendentes. Tais

cadeias ou redes tróficas compreendem produtores (que transformam energia solar

em biomassa por fotossíntese) até predadores no topo de cadeias ascendentes,

associadas às cadeias descendentes que fazem retornar os nutrientes aos organismos

produtores. Isto com o trabalho de decompositores e parasitas que se manifestam em

toda a extensão destas estruturas alimentares, formando biocenoses que desenvolvem

e mantêm relações próprias com o ambiente onde vivem – biogeocenoses.

Os ecossistemas se encontram: a) numa hierarquia de sistemas, compreendendo

comunidades de populações de espécies, organismos policelulares, sistemas de

órgãos, órgãos, tecidos e células (incluindo organismos unicelulares); b) estão

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

compreendidos em paisagens como numa bacia hidrográfica, que por sua vez

formam biomas regionais e estes últimos a ecosfera.

Os níveis da organização da ecosfera (bioma, paisagem, ecossistema,

comunidade, população, organismo, sistema de órgãos, órgão, tecido e célula)

experimentam funções comuns, ditas transcendentes, quais sejam: comportamento,

desenvolvimento, diversidade, energética, evolução, integração e regulação. A

operação destas funções pode se dar do mesmo modo em todos os níveis, caso da

energética, ou de modos diversos, caso da evolução. Até o nível de organismo, a

evolução ocorre por mutação genética e, nos níveis superiores de organização, por

coevolução, interações com o ambiente e seleção natural. A regulação, ou

metabolismo nos organismos (e subsistemas vivos de nível inferior), se dá seja por

controles e limites exatos, seja isto por processos físico-químicos, ou por controles

genéticos, hormonais ou neurais, que definem os seus estados de equilíbrio – a

homeostase, enquanto acima do nível de organismo os controles não são exatos, tidos

como equilíbrios pulsantes, ou oscilantes – a homeorese.

Não obstante, observam-se propriedades emergentes como uma consequência

da organização vida à medida que se passa de um nível hierárquico a outro mais

abrangente, por exemplo, passando-se de organismo para população emergem novas

propriedades. Por isto estes níveis não podem ser reduzidos as suas partes, nem muito

menos explicados por estas, mas observam-se também propriedades coletivas,

aquelas que podem ser deduzidas de valores de suas partes componentes, como a taxa

de natalidade de uma população.

Segundo Odum e Barrett (op. cit. p.7), a hierarquia dita integrativa na

organização viva permite uma evolução mais rápida a partir de seus componentes do

que sistemas não hierárquicos com o mesmo número de elementos, sendo assim ainda

mais resilientes. As interações das partes destes sistemas hierárquicos integrativos

podem teoricamente interagir e reorganizarem-se para atingir um nível mais alto de

complexidade.

Nesta passagem a um nível superior de complexidade, alguns atributos do

sistema superior se tornam mais complexos, outros mais simples. De modo geral, o

resultado das oscilações pulsantes dos subsistemas vivos é uma redução da amplitude

das oscilações do sistema, por exemplo, as comunidades de um ecossistema lhe

conferem maior estabilidade em termos de produção de biomassa, os indivíduos

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

morrem a espécie perdura. Um estudo que recorte um nível da organização viva,

neste caso o tecnossistema urbano deve compreender pelo menos, o exame do

subsistema abaixo e do suprassistema acima do urbano ou da urbanização.

A observação dos subsistemas urbanos leva a necessidade de se colocar a

questão intraurbana, ou melhor, os processos que definem a cidade internamente, as

forças que definem a produção dos espaços intraurbanos. A urbanização intraurbana e

seus padrões de resultados levam as propriedades emergentes e coletivas aos sistemas

urbanos, advindas de suas configurações e interações. No nível superior, há as

relações entre áreas urbanas com seus territórios rurais e naturais. Contudo, isto ainda

não seria suficiente para o exame da sustentabilidade urbana, desde que as cidades

operam em rede sobre um território natural. As redes de cidades com suas conexões e

territórios, constituem tecnoecossistemas (pois abrigam comunidades vivas num

espaço específico), se sobrepondo aos sistemas naturais, formando ilhas ou manchas

na paisagem em bacias hidrográficas - unidades básicas dos ecossistemas naturais.

Estas relações são basicamente: a) diretas, dos ambientes construídos com

bacias hidrográficas, estuários e com a atmosfera e; b) indiretas, dos

agroecossistemas com bacias hidrográficas e com a atmosfera. Estas relações inferem

nos ciclos biogeoquímicos, particularmente, no ciclo hidrológico e na ciclagem do

carbono.

Os ciclos biogeoquímicos são caminhos circulares de elementos e compostos

inorgânicos essenciais à vida que circulam do ambiente aos organismos, voltando ao

ambiente, definindo a chamada ciclagem de nutrientes. Há também ciclos de

compostos não essenciais à vida e aqueles nocivos à vida. Cada ciclo de nutriente

compreende um estoque reservatório de grandes quantidades (com movimento lento

associado a processos geológicos e geofísicos) e um estoque menor (com movimento

rápido associado aos processos orgânicos). Quanto à natureza estes ciclos podem

envolver gazes, líquidos, ou sólidos sedimentares.

Na ciclagem do nitrogênio se incluem as plantas em associações com micro-

organismos, sendo seu óxido um componente fundamental do desenvolvimento das

mesmas. O que vem ocorrendo a nível global são os efeitos negativos do excesso no

estoque de nitrogênio, "excesso de coisa boa", que se torna disponível na queima de

combustíveis fósseis, no uso de fertilizantes na agricultura, na produção de esgotos

humanos e resíduos de animais na pecuária. Isto tem efeitos negativos na

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

biodiversidade da flora, poucas plantas se adaptam ao excesso de nutrientes, abre-se

por outro lado à porta para espécies oportunistas e exóticas, para doenças humanas

por excesso de nitrato na água, caso da contaminação por meio de fossas individuais

sobre os lençóis freáticos de Natal – RN, fonte principal de abastecimento d’água da

cidade. No caso da ciclagem do fósforo, também importante componente do

desenvolvimento das plantas, há uma tendência de escassez. A poluição aérea nos

transportes e indústria também interfere na ciclagem do enxofre que provocam chuva

ácida, comprometendo os solos e a vida lacustre e o óxido de nitrogênio na atmosfera

gera o smog fotoquímico, que permite a entrada de raios ultravioleta, prejudicial aos

olhos e aos pulmões. A queima de combustíveis fósseis também interfere

negativamente na ciclagem do carbono como é mais conhecido, determinando uma

presença excessiva de dióxido de carbono na atmosfera que associado ao aumento da

presença de outros gases como metano têm efeito exponencial sobre o aquecimento

global – efeito estufa.

O ciclo hidrológico tem especial importância também por ser o principal

veículo de ciclagem de nutrientes para os organismos produtores. Por este meio

também são carreados os elementos nocivos aos ecossistemas. Além disso, a água é

componente essencial dos organismos, tanto por sua quantidade como por sua

qualidade. Na ecologia, o conceito de descontinuidade fluvial explica a alteração do

regime de inundações periódicas por canalização de rios, construção de barragens e

poluição crescente sobre o pulso natural das inundações e a isto se associa às

alterações no regime de precipitações. As áreas urbanas impermeabilizam os solos,

minimizam a vegetação, ocupam planícies de inundação, poluem e aterram os

estuários, destroem ou comprometem os ecossistemas ribeirinhos e estuarinos (por

sinal os mais produtivos), alteram a oscilação das marés e potencializam as

inundações sem controle.

A Figura 3.3, apresentada no final deste capítulo, constitui um esforço de

sistematizar as relações dos tecnoecossistemas urbanos e agropecuários com

suprassistemas naturais. Fica claro onde se originam os problemas ambientes

advindos das atividades antrópicas acima descritos e o que precisa ser transformado

ou desenvolvido.

Segundo as colocações de Odum (ODUM & BARRETT, 2007), a urbanização

se apresenta como um processo parasitário que envolve toda a civilização. Portanto,

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

é preciso gerar uma urbanização que: retroalimente por recompensa com o reuso de

insumos; que promova a economia da ecoeficiência, considerando a capacidade de

suporte ótima de populações e comunidades; compatibilize crescimento e

decrescimento, distribuição social e espacial de benefícios; gere diversidade e

estabilidade (ODUM & BARRETT, 2007).

Os indicativos de como esta ecologia política se consubstanciariam em termos

urbanos e em redes urbanas seriam: na descentralização eficiente de serviços intra e

interurbanos, na limitação e reorientação do crescimento de algumas cidades, na

indução ao decrescimento de outras, na requalificação de espaços e sistemas

intraurbanos, na promoção da economia da ecoeficiência, inferindo positiva e

ativamente sobre os ciclos biogeoquímicos.

3.5 Concebendo a Urbanização Ecológica

Os organismos e comunidades de organismos dependem de um conjunto de

condições para se desenvolverem e se reproduzirem. Esta dependência se manifesta

segundo fatores e limites de tolerância aos quais os seres vivos são submetidos e

quando tais limites são transpostos pode haver estresse, uma reação de recuperação,

uma possível adaptação (fisiológica ou genética), ou uma perturbação permanente.

As condições referidas definem ritmos, como relógios biológicos que marcam

o ciclo dos dias, fases lunares, estações. O solo, por exemplo, que contém macro e

micronutrientes para as plantas e animais, é a principal condição para os ecossistemas

terrestres e sua qualidade é indicadora de qualidade ambiental. O deslocamento, a

erosão e a ocupação natural ou humana do solo podem ser fatores limitantes ou

condicionadores importantes para a vida.

Há uma série de outros fatores ou condições físicas limitantes como o fogo,

gases atmosféricos, a temperatura, a umidade do ar, a precipitação, a água, as

enchentes periódicas, o gelo, os ventos, a luz e outras radiações, que combinados

geram condições físicas e ambientais específicas. As atividades humanas

condicionam o ambiente gerando com frequência um estresse nos ecossistemas sobre

os quais incidem mais diretamente. As perturbações crônicas, ou estresses

antropogênicos crônicos (aqueles persistentes e continuados) especialmente por

lançamento de substâncias químicas novas em ambientes sobre os quais os

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

organismos não têm história de adaptação são fatores limitantes de população,

patogênicas para humanos.

Capacidade de Suporte e População

A ecologia que trata de populações de espécies trabalha com índices de

densidade de indivíduos no espaço, com produção de biomassa por população ou por

indivíduo, índices de natalidade e mortalidade, distribuição etária de população e com

populações de espécies vis-à-vis suas relações tróficas, utilizando uma série de

métodos e técnicas. Particularmente importante para o estudo da urbanização

sustentável é o uso de taxa implícita de crescimento natural que serve de base ao

cálculo da capacidade de suporte de uma população, produção de biomassa de uma

comunidade, ou ecossistema. Quando o crescimento populacional é ilimitado, por

exemplo, uma espécie migra para uma área com abundância de alimentos e sem

predadores ou poucos fatores limitantes deste crescimento. A taxa de crescimento

ilimitada é expressa por:

r = (Nt/N0)1 - 1

onde:

r é a taxa de crescimento;

Nt é a população ao final de um período de tempo;

No é a população no início do mesmo período de tempo;

t é o período de tempo considerado.

Além disto, esta taxa de crescimento ilimitada depende da distribuição etária.

Nestas condições a taxa de crescimento específica adquire um valor máximo,

potencial biótico ou reprodutivo, ainda chamada taxa implícita de crescimento

natural. A diferença entre o potencial biótico e a taxa de crescimento efetivamente

registrada é definida como resistência ambiental. Por isto, a expressão do cálculo da

população é subtraída um termo que representa esta resistência ambiental.

Nt = N0 (1 + it) – (r/K) N02

onde:

K é a capacidade de suporte máxima, ou tamanho potencial máximo de uma

população.

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

O desenvolvimento de uma população pode se dar com mais ou menos

resistência ambiental e, portanto isto se apresenta situado entre duas curvas, uma

exponencial que traduz um rápido crescimento sem fatores limitantes e uma curva

logística em forma de S, uma sigmóide, que representa um crescimento populacional

mais lento na presença de fatores limitantes (Figura 3.1, p.68). Observa-se ainda que

o crescimento exponencial encontra também limites, como a escassez de recursos no

ambiente.

O valor de K pode ser um número, o tamanho de uma população, mas este

também pode ser traduzido em volume de biomassa, ou em unidades de energia como

quilocalorias, ou por um índice definido pela relação entre a produção de biomassa

por sua respiração (P/R), ou ainda na produção de biomassa por quantidade de

nutrientes ingeridos ou processados (P/N).

Na aplicação do conceito de capacidade de suporte a urbanização, pode-se

dizer que as cidades de início conseguem atender as exigências de grandes volumes

externos de energia, alimentos e água, experimentam posteriormente dificuldades de

atender seus cidadãos com seus serviços, em face dos custos crescentes de

manutenção e da crescente deseconomia de escala, sua população deverá alcançar um

máximo, declinar e oscilar (Figura 3.1, p.68). Esta última se comportará tanto mais

segundo uma curva de crescimento exponencial sem fatores limitantes, quanto os

recursos forem disponíveis e não houver a retroalimentação negativa do planejamento

do uso da terra.

Apesar de ter-se apresentado acima, uma forma consistente de abordar

ecossistemas naturais e artificiais, necessita-se ainda definir suas diferenças e

relações. As capacidades de suporte dos tecnoecossistemas ultrapassam as

capacidades de suporte dos ecossistemas naturais de várias maneiras: a) ocupando as

paisagens sem consideração as relações ecossistêmicas, por exemplo, obstaculando

importantes corredores ecológicos (desconectando subpopulações que ocupam

manchas nas paisagens); estressando as comunidades com poluentes; interferindo nas

ciclagens naturais e com isto gerando escassez ou excesso de nutrientes.

O papel do desenvolvimento tecnológico é crucial neste processo,

especialmente quando associado aos objetivos de maximização de benefícios sob

uma visão de curto prazo. Este desenvolvimento tenta reverter as deseconomias de

escala, elevando o rendimento na produção de saída de um sistema por unidade de

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

energia de entrada, ou produtividade total. Assim, isto funciona como uma

perturbação crônica, por exemplo, na pesca a capacidade de suporte ótima da

atividade tende a ser a capacidade de suporte máxima dos pescados. Além deste

limiar, o desenvolvimento tecnológico irá viabilizar a sobrepesca (pesca excessiva),

colocando em risco de extinção de muitas espécies. O mecanismo automático de

regulação de preço no mercado (com a alta de preço por escassez do produto)

também constitui, até certa medida, um estímulo a sobrepesca.

Sem fatores limitantes a capacidade de suporte econômica pode até ultrapassar

a capacidade máxima de espécies, comunidades e ecossistemas. Os

tecnoecossistemas se desenvolveram para muito além do extrativismo de espécies

selecionadas, estendendo capacidades de suporte, como é o caso dos transgênicos e

defensivos agrícolas, mas igualmente gerando mais estresse a outras espécies e

reduzindo a biodiversidade.

Biodiversidade e Produtividade

Arrisca-se sugerir que os humanos, em seus esforços para aumentar a

produtividade para sustentar o crescente número de pessoas e animais domésticos

(que por sua vez excretam enormes quantidades de nutrientes no ambiente), estão

causando uma eutrofização em escala mundial que é a maior ameaça à diversidade da

ecosfera, à resiliência e à estabilidade – a síndrome de "excesso de coisa boa". O

aspecto dessa perturbação – o enfoque no enriquecimento global por nitratos, que é

dado no primeiro volume da série Issues in Ecology, editado pela Ecological Society

of America (ESA, 1997) foi apropriado (ODUM e BARRETT, 2007 p. 323).

O trabalho de Odum (ODUM e BARRETT, 2007 p. 323) esclarece as relações

entre produtividade e biodiversidade. Em ambientes com baixo teor de nutrientes,

pode haver a redução da produtividade primária, ou o aumento da dominância de

algumas espécies, ou a redução da diversidade nas comunidades. Em ambientes com

alto teor de nutrientes, essa perda é ainda mais relevante quando subsídios de

nutrientes são adicionados ao solo em quantidades significativas para as comunidades

naturais, como fertilizantes e lodo de esgotos.

A redundância de espécies que realizam funções semelhantes nas teias tróficas

de comunidades reforça a sustentabilidade das comunidades. A diversidade biológica

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

é também de fundamental importância para a sobrevivência humana. Essa

diversidade se apresenta na natureza tanto como diferenças entre as espécies, quanto

nas variações de grupo e entre indivíduos. Os recursos genéticos incluem espécies

selvagens e domesticadas. Espécies selvagens podem ser fundamentais à

sobrevivência daquelas que têm valor comercial. A prevenção de doenças e o

tratamento das mesmas dependem da diversidade, além disto, os ecossistemas

dependem da diversidade para se adaptarem às mudanças de toda sorte.

O planejamento regional pode compensar a redução da biodiversidade local,

que se associa a ocupação rural e urbana do solo. A concepção de ocupação ecológica

pode ser resumida a uma sobreposição de redes artificiais sobre as naturais sem

obstacular seu funcionamento, no que a ecologia da paisagem é fundamental. Este

entremeado complexo de relações e fluxos demanda pesquisas e monitoramentos,

devendo considerar também atributos físicos como planícies de inundação, dinâmicas

de estuários.

Indicadores de biodiversidade são utilizados para avaliar ações de

planejamento urbano e regional na Nova Zelândia, sendo o conjunto de suas políticas,

consideradas um modelo internacional. A engenharia ambiental sul coreana de

recuperação de rios, inclusive aqueles que fazem interface com áreas urbanas, tem

que se valer da ecologia de paisagens e do planejamento urbano e regional.

O Desenvolvimento dos Ecossistemas

O desenvolvimento dos ecossistemas é tecnicamente chamado de sucessão

ecológica. Isto compreende fases determinadas por fatores internos, ou sucessão

autogênica, e por fatores externos, ou sucessão alogênica. Estas sucessões

compreendem também estágios no tempo, ou seja, sucessão primária e secundária,

com espécies dominantes diferentes até um clímax, quando a capacidade de suporte

flutua em torno de uma média, quando em grosso modo o valor de P (produção de

biomassa) se identifica ao de R (respiração).

Este desenvolvimento ecossistêmico tem características comuns à dos

organismos por apresentar fases de crescimento rápido e maturidade, contudo a

principal característica comum é sua capacidade de auto-organização, baseado na

teoria de Prigogine do não equilíbrio termodinâmico. A partir de condições iniciais de

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

desorganização se estabelecem espontaneamente estruturas organizativas com

padrões de comportamento tanto no mundo biológico quanto no físico (PRIGOGINE,

1996). Como há o sentido termodinâmico da energia da ordem ao caos, há também o

sentido inverso do caos à ordem. A sinergia das espécies e comunidades situadas nos

espaços geográficos opera uma auto-organização a partir de um fluxo de energia em

rede que se estrutura, desenvolve-se e mantém-se. Esta emergência do todo pelas

partes, apesar da necessária perda de energia sob a forma de calor em suas operações,

produz agregações reprodutivas de complexidade crescente, por isto produzindo um

desequilíbrio termodinâmico.

Além disso, os níveis da auto-organização viva também desenvolvem

estratégias próprias, por vezes, aparentemente contraditórias, como parte das

estratégias de auto-organização de suas partes, como aquelas das espécies relativas às

comunidades ou ecossistemas. Por exemplo, o tecnoecossistema humano como um

todo, capitalista ou socialista (na medida em que advoga uma melhor distribuição dos

frutos do trabalho social, acarreta necessariamente em crescimento da produção), isto

objetiva perpetuar o estágio de crescimento, gerando um padrão melhor de vida por

acesso a bens e serviços. Segundo Odum (ODUM e BARRETT, 2007 p. 368), a

estratégia básica dos ecossistemas e sistemas de nível superior na organização vital se

pauta, em resumo, por proteção máxima, no lugar da produção máxima com o

máximo de rendimento, contrariamente ao que é objetivado por tecnoecossistemas

humanos. Esta nossa conduta é uma aposta na possibilidade irrestrita de provisão e

acesso universal a grandes populações de bens e serviços sob padrões muitas vezes

insustentáveis. Contrariamente, a estratégia a partir dos sistemas de comunidades e

acima destas, considerando um fluxo de energia disponível, o que importa é como

melhor utilizá-lo e isto se realiza sofisticando e aumentando o nível de complexidade

da organização. A estabilidade do pulso do ecossistema é maior que aquelas das

espécies, populações e comunidades que abriga. Além disto, é também maior sua

resistência e resiliência a perturbações, portanto também sua sustentabilidade, em

equilíbrio dinâmico no tempo.

A interpretação mais precisa da distinção entre estratégia humana e aquelas dos

conjuntos vivos não pode separar os humanos como não sendo natureza. Além disso,

não somos apenas parasitas na medida em que estamos apenas degradando a biosfera

e gerando uma noosfera (uma biosfera artificial). De predador de topo de cadeia a

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

agricultor, formou-se uma enorme capacidade de viver ocupando menos espaço. Isto

significou uma grande otimização no uso do fluxo de energia disponível, que

possibilitou nossas cidades. Os efeitos autodestrutivos deste desenvolvimento se

tornaram nítidos na medida do desenvolvimento do conhecimento da natureza e de

nós mesmos e da capacidade vital de autoreorganização. A população de humanos

que deve alcançar seu máximo ainda neste século em função dos recursos naturais

vitais disponíveis no planeta e por razão das dificuldades organizacionais inerentes a

dimensão populacional e aos sistemas de serviços podem ser vistas também como

oportunidades para emergências postas as supraestruturas organizações globais.

A lei da rede reza que o custo de manutenção - C, para sustentar uma rede de

serviços com um número N de usuários, varia aproximadamente em função do

quadrado da cobertura da rede, segundo Patten & Jørgensen (1995), ou seja:

C = N(N – 1)/2 = (N2 – N)/2

Conforme esta informação os custos de manutenção com o crescimento dos

serviços é tão significativa que merece verificação empírica. Nas máquinas, isto varia

com a vida útil como em redes de serviços, mas na vida há outras capacidades.

Contudo, sociedades de insetos comprovam isto, pois nos formigueiros mais de dois

terços da população de formigas está envolvida com manutenção (Gordon, 2002).

Nas organizações humanas (em face ao constante aumento da produtividade no

trabalho), as atividades de manutenção devem envolver uma significativa parcela da

força de trabalho com tratos culturais na agricultura, a manutenção dentro das

indústrias e nos serviços. Supondo que isto se comprove, a descentralização seria

fundamental no planejamento e gestão, especialmente, de paisagens e territórios. Isto

para proporcionar maior diversidade de cultivos consorciados com o máximo de

insumos sem efeitos nocivos, cultivando e preservando florestas, lagos, córregos,

margens de estradas, brejos, marismas e praias, permitindo suas trocas seus caminhos

naturais. Este planejamento pode ser alcançado de forma acêntrica ou espontânea na

sociedade humana? Talvez sim, embora isto deva levar mais tempo, tempo este quiçá

indisponível. Ademais, combinamos em nossa organização centrismo e acentrismo,

ou organizações hierárquicas e fluidas e um desenvolvimento de duplo viés poderá

ser a chave de uma hierarquia integrativa mais sustentável, combinando capacitação

local com transparência hierárquica.

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

Nos elementos deste planejamento tomam relevância os ambientes protetores

de suporte vital (ecossistemas maduros), os ambientes produtivos também de suporte

vital (ecossistemas em crescimento), os ambientes de assimilação de resíduos

(ecossistemas dissipativos) e os ambientes urbano-industriais (tecnoecossistemas).

Como se fala no desenvolvimento da economia de baixo carbono pode-se tão

bem falar da economia da restauração (no que a Corea do Sul avança), como também

na economia da descentralização.

Em conjunto, a paisagem forma um mosaico que é composto por três

elementos principais: as matrizes; as manchas e os corredores. As matrizes são áreas

maiores que podem conter diversos tipos de ecossistemas com a vegetação e os usos

do solo, formadas por manchas e corredores. As manchas são áreas relativamente

homogêneas de vegetação ou uso, sendo qualificadas como de alta ou baixa qualidade

em função de sua vegetação, por exemplo, por conter nutrientes protéicos. Um

corredor de paisagem é uma conexão física entre manchas que permite a migração de

espécies como parte de ciclos reprodutivos, controle de pragas, erosão hídrica e

eólica do solo, podendo ser também meio para efeitos nocivos como a transmissão de

doenças, propagação de incêndios e exposição de animais à predação. Estes

corredores são classificados em cinco tipos básicos com funções, formas, estrutura e

tamanhos diversos.

A sustentabilidade da paisagem é associada à disponibilidade e manutenção de

recursos do capital natural. Este capital se constitui como meio na provisão de

benefícios proporcionados pelos ecossistemas e ciclos naturais, tais como: a produção

de madeiras e outros itens de atividades extrativistas, a purificação da água, a

ciclagem de nutrientes, a polinização das culturas, a renovação e preservação da

fertilidade do solo, a influência parcial na estabilidade do clima, a manutenção da

biodiversidade, o controle natural de pragas etc.

A perspectiva ecológica de gestão da paisagem tem sido marcada com a

tendência: de tratar o manejo de resíduos com uso de tecnologias de conservação

natural dos solos; de trabalhar com policulturas com baixa entrada de insumos

industriais; de desenvolver agroflorestas; de utilizar o controle ecológico de pragas e

o gerenciamento integrado da paisagem rural com a urbana.

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

Os Tecnoecossistemas Urbano-industriais

O que mais caracterizou os tecnoecossistemas foi a velocidade e a desordem do

crescimento desde a revolução industrial e isto vem comprometendo a possibilidade

de manutenção de suas infraestruturas. Além disso, a desconsideração dos efeitos

comprometedores da capacidade de suporte dos ecossistemas e das ciclagens naturais

faz com que muitos dos nossos ecossistemas sejam considerados por ecologistas, a

exemplo Eugene Odum, como ecossistemas parasitários. Qualquer sistema que cresça

deste modo não só alcançaria mais rapidamente sua capacidade de suporte como

arriscaria as bases de sua sustentabilidade ambiental.

Focalizado a cidade, o planejamento compartilhado da urbanização,

promovendo uma divisão coordenada de responsabilidades, deve possibilitar ações

sob uma visão para além dos problemas internos da cidade, incorporando a ecologia

da paisagem e a ecologia regional como uma necessidade crucial para um devir da

civilização com melhor qualidade e maior sustentabilidade.

Sobre este mesmo tema, salienta-se que a recuperação da qualidade das cidades

se associa a ampliação das perspectivas do planejamento urbano permitindo

incorporar a dimensão externa da ecologia da paisagem e da região, no sentido da

correção do caráter ambientalmente predatório da urbanização. Sob esta

compreensão, ressaltam-se como sendo de particular relevância as relações das

cidades com as bacias hidrográficas regionais.

A mútua determinação da natureza sobre a cultura e vice-versa possibilita,

como se observa, oportunidades para uma economia da conservação, mas seria de

especial interesse desenvolver uma economia da recuperação ambiental.

As últimas afirmações acima são respaldadas por consenso de especialistas

(MEADOWS et. al., 1972), desde décadas, quando consideravam o progresso

tecnológico como necessário e até vital, entretanto associado a mudanças sociais,

econômicas e políticas na direção de uma civilização menos insustentável, num

planeta finito em recursos. Neste sentido, recomenda-se a redução (ou negativação)

das taxas de crescimento populacional e urbano, para conter o estresse imposto aos

ecossistemas de suporte à vida, o que deve exigir uma mudança nos negócios para

reverter à tendência futura cada vez mais ambientalmente indesejável e socialmente

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

desigual. A cooperação a todos os níveis e a educação ambiental é fundamental para a

inversão das tendências, contudo teme-se que isto venha tarde demais.

Esta necessidade de cooperação é evidenciada, quando se avalia projetos de

engenharia ambiental, pois estes têm mais sucesso quando realizam a sinergia de: a)

interesses públicos (o que vai além dos interesses estatais); b) participação de entes

estatais locais, estaduais, regionais e federais; c) instituições de ensino e pesquisa; d)

interesses comerciais.

O Paradigma da Pulsação Revisado

Para compreender as relações entre as dimensões da sustentabilidade, quando

tratada por diversas disciplinas para explicar processos de natureza relativamente

independentes, é preciso primeiro, considerar que tanto o ambiente como a sociedade

pulsam em função, inclusive, de seu estágio de juventude ou maturidade. Segundo, é

preciso utilizar abordagens que possam dar conta dos efeitos de processos

simultâneos sobre o ambiente, basicamente os políticos e sociais (o que compreende

os econômicos) em interação com processos naturais cíclicos. Isto ajudaria a

explicação do futuro de uma população pulsante (inclusive humana) que haja atingido

a maturidade sob o efeito de ações antrópicas.

Entre as indicações encontradas na literatura identificamos a panarquia, uma

teoria de planejamento para transcender os limites de escala e disciplina na análise de

fenômenos determinados por processos múltiplos e concomitantes (HOLLING &

GANDERSON, 2002). Contudo, observa-se também que esta abordagem de modelo

numérico parece consistente em relação a cidades e florestas, embora menos

aplicável a fenômenos em escala maior como grandes países e oceanos. De saída, esta

abordagem levanta dúvidas, por seu sistemismos (uma aplicação fechada e redutora

da teoria dos sistemas que negligência a história), mas não deixa de ter mérito nos

objetivos.

A urbanização ecológica constitui o maior desafio posto a humanidade neste

século, pois somos uma civilização urbana, tendendo a uma integração global maior e

mais complexa. Os caminhos para isto são diversos na escala espacial e temporal,

envolvendo desde a reorganização local a políticas globais.

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

Os resultados de nossas ações da depleção da natureza estão na mídia, às ações

fragmentadas de correção não se sabe ao certo sobre seus resultados em face aos

diversos pressupostos de sustentabilidade e das dificuldades de medir algo assaz

complexo, mas isto faz parte de nosso aprendizado, faz parte de nosso desafio de

reorganização coletiva.

Há diversas formas de compreender e atuar sobre a questão acima exposta, o

que nos leva a considerar como trabalho mais consequente o desenvolvimento de

uma maior consciência dos efeitos das nossas ações sobre os mecanismos naturais e

as possibilidades de ações socioambientais sinérgicas reorganizadoras do ambiente.

Quanto a este trabalho, nos dirigimos então para examinar os indicadores de

sustentabilidade, no Capítulo 4, na perspectiva de um exame empírico sobre a

urbanização, compreendida enquanto causa e efeito dos processos citados.

Por outro lado, não basta ter, desenvolver ou adotar um (ou mais de um) bom

instrumento ou método de medida de sustentabilidade, mas também verificar como:

os processos sociais (motivados e condicionados sob o binômio

emancipação/sujeição), junto com os processos econômicos (objetivando acumulação

e gerando desperdícios) e os processos estatais (objetivando poder e controle,

contudo se deparando com descontroles estruturais, advindos também das próprias

estratégias de controle adotadas) se relacionam e determinam a urbanização e o

ambiente. Esta síntese é realizada no Capítulo 5.

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

Figura 3.3 – Suprassistemas e Tecnoecossistemas Urbanos e Agropecuários

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de ODUM, 2007.

Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica

Legenda:

CAPÍTULO 4

PARA INVESTIGAR A SUSTENTABILIDADE URBANA

Resumo

Neste capítulo apresentamos o passo seguinte desse estudo para investigar a

sustentabilidade urbana. Com este propósito, abordagens e métodos para medir

sustentabilidade foram inicialmente identificados, caracterizados e analisados. Isto é

aprofundado para os métodos considerados mais pertinentes à sustentabilidade urbana

e mais consistentes segundo especialistas. Ademais, aqueles métodos passíveis de

serem aplicados aos territórios urbanos foram reavaliados, segundo o marco teórico e

conceitual definido nos Capítulos 2 e 3.

Pelo exposto, o passo seguinte a esta análise crítica poderia ser a seleção de um

método de medida da sustentabilidade (ou da insustentabilidade urbana) e a aplicação

o mesmo. Entretanto, como concebemos tal sustentabilidade como resultante de mais

de um processo, isto exige a aplicação de mais de um método, ou métodos

integrativos com possíveis ajustes. Isto em face de que não bastaria definir um estado

de sustentabilidade, mas o comportamento das pressões e respostas tanto sociais na

esfera antrópica, como do ambiente, em circuitos de mútua-causalidade, que o

planejamento e monitoramento de ações demandam.

4.1 Métodos de Medida de Sustentabilidade

Para este trabalho, foram utilizadas três sistematizações (VEIGA, 2010;

BELLEN, 2006; ECKHARDT, 2011) que levantam criticamente o estado da arte de

abordagens do desenvolvimento sustentável com seus indicadores, além de um estudo

específico sobre dentre estas, quais mais aceitas por especialistas. Em um segundo

momento, abordagens específicas utilizadas em ecologia urbana foram examinadas.

Entre estes métodos, a Pegada Ecológica tem se destacado por uma série de

características, adiante colocadas, mas há outros métodos de medição de

sustentabilidade como: os Princípios de Bellagio (IISD, 2000), que são basicamente

normativos, ou seja definem objetivos desejáveis; os métodos que reúnem grandes

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

coleções de indicadores entre os quais se destaca o Painel de Sustentabilidade

(Dashboard of Sustainability); os métodos de viés econômico como a Poupança

Genuína (WB, 2006) que têm o demérito de precificar (atribuir valor em moeda a

indicadores) e com isto pressupor a substituição entre capital natural, produtivo e

humano.

Recentemente, três importantes economistas produziram um documento da

Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas recomendando, para

avaliações da sustentabilidade, o uso de indicadores para as dimensões da mesma de

modo independente (STIGLITZ-SEN-FITOUSSI, 2009), com base em dificuldades

advindas da compatibilização e agregação dos indicadores.

O trabalho de Bellen (BELLEN, 2006) sobre indicadores de sustentabilidade

tem por mérito um levantamento abrangente sobre múltiplas compreensões de

sustentabilidade e consequentes abordagens de indicadores. Foram identificados

cerca de dezoito destas abordagens, segundo citações em artigos científicos e uma

pesquisa realizada por este autor junto a especialistas de várias esferas de atividades

para a definição de uma hierarquização por importância destas. De posse deste

resultado, o trabalho realizou uma análise comparativa das três abordagens melhor

classificadas, quais sejam: o método da pegada ecológica; o painel de

sustentabilidade e o barômetro de sustentabilidade.

A sistematização realizada por Bellen das compreensões de sustentabilidade

apresenta o quadro originalmente elaborado por Pearce em 1993 (Quadro 1) e resume

as tendências ainda atuais do ambientalismo, acrescentando uma visão mais ampla e

detalhada do que aquela trazida por Veiga (2010).

Citando uma série de autores entre os quais Dahl, Daly, Bossel, Hardi e Zdan,

Barg e Rutherford, Bellen discute as idéias de sustentabilidade e desenvolvimento

sustentável. Um dos pressupostos que gera polêmica sobre o desenvolvimento

sustentável é que qualquer desenvolvimento implica em alguma forma de degradação

do meio ambiente. É possível como aventamos, que se desenvolva uma economia da

recuperação onde inclusive o crescimento venha a significar o inverso da degradação

do ambiente. Por isto é possível dissociar crescimento de desenvolvimento e de

degradação, embora limites existam sempre do ponto de vista ecológico, há modelos

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

e modelos de crescimento e isto tem que ser, ademais, sócio-geograficamente

contextualizado (FARLEY, 2009).

Observa-se também que o conceito de sustantabilidade é um conceito

complexo que tem sofrido constantes mudanças e, como dito, isso é portador de

diversas dimensões. Segundo Sachs (2009), este envolve a dimensão social,

econômica, ecológica, geográfica e cultural, contudo as três primeiras são

amplamente aceitas e empregadas.

Na perspectiva econômica, a polêmica teórica gira em torno da economia de

escala, ou do desencontro entre escala de produção e sustentabilidade. Outros

discutem a sustentabilidade a partir da contabilidade ambiental, ou da

responsabilização, ou dos instrumentos econômicos de controle. Outro ponto

importante neste campo se relaciona com a substituição, ou não substituição de

capital natural por outros tipos de capital e as dificuldades de precificação de certos

recursos naturais como a biodiversidade ou a extinção de espécies.

A perspectiva social da sustentabilidade se associa, sobretudo, a qualidade de

vida ou as condições de vida das populações humanas, como acesso a serviços

básicos de saúde, saneamento, educação e distribuição de riquezas.

A perspectiva ambiental da sustentabilidade se centra em preocupações sobre

os impactos das atividades humanas sobre o ambiente. A produção primária (das

plantas) constitui o capital natural sobre o qual se assenta as atividades humanas.

Na perspectiva geográfica e cultural, a diretriz da sustentabilidade aponta para

uma melhor distribuição espacial dos assentamentos humanos e atividades

econômicas. Isto deve se expressar numa configuração rural-urbana que proteja a

biodiversidade e que garanta melhores condições e qualidade de vida às pessoas.

A sustentabilidade é uma escolha social e, em resumo, a discussão sobre o

desenvolvimento sustentável gera na sociedade uma perspectiva de longo prazo e a

faz reconhecer seu lugar na biosfera entre outras espécies.

Quanto às funções dos indicadores, segundo Tunstall (1994), estes deveriam

propiciar a avaliação de condições e revelar tendências, inclusive em relação a metas

e objetivos, permitir comparações entre lugares e situações, prover informações sobre

limiares e antecipam condições e estados futuros.

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

Embora os termos metas e objetivos sejam por vezes identificáveis, de maneira

geral os objetivos são usualmente condições qualitativas desejáveis, enquanto as

metas são medidas quantitativas do estado das condições.

Seleção de Indicadores de Sustentabilidade Urbana

A seleção de indicadores de sustentabilidade urbana, no caso em foco, pode ser

realizada a partir dos objetivos ou da hipótese de pesquisa, mas como indicado no

Capítulo 3, deveria cobrir primeiramente a dimensão ambiental, em seguida a social e

econômica, em terceiro a institucional e cultural, associadas à dimensão política.

Indicadores de biodiversidade e população são usualmente utilizados como

medida da dimensão ambiental, contudo isto exige levantamentos de dados diretos

específicos e continuados, assim, alternativamente, dados sobre a qualidade do solo,

água e ar e atributos da cobertura vegetal podem servir de proxy a medidas diretas de

biodiversidade. Para uma observação remota, a qualidade da água e a cobertura

vegetal podem encontrar bases disponíveis, o que exige uma caracterização apoiada

em reconhecimentos locais de vegetações típicas e exames laboratoriais da qualidade

da água. Manchas de vegetações e corredores ecológicos são objetos de análise, além

de espécies em áreas urbanas.

A ideia por traz desta escolha se associa ao fato de que a biodiversidade se

relaciona fortemente a sustentabilidade dos ecossistemas e a qualidade da água

aparece como fator causal importante, muitas vezes fundamental na sustentabilidade

e estabilidade dos ecossistemas e sua biodiversidade. O foco na qualidade da água

potencializa a abrangência da análise para generalizações consistentes com as

ferramentas de geoprocessamento de imagens.

A seleção de indicadores de sustentabilidade social deveria incorporar

indicadores de saúde, longevidade, mortalidade infantil, população e estrutura etária.

Estas informações poderiam apoiar análises sobre a capacidade de suporte das

cidades.

A seleção de indicadores de sustentabilidade econômica deveria se centrar no

encontro da escala econômica ótima para verificação de sua compatibilidade com a

escala ecológica ótima dos ecossistemas, onde tanto o desenvolvimento tecnológico

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

quanto o mercado influenciam. Este desenvolvimento deveria proporcionar a redução

do custo marginal na escala ecológica ótima, menor uso de energia na produção e na

utilização dos produtos, uma redução paulatina de resíduos e previsão de logística

reversa. O encontro desta escala ótima se associa a capacidade de suporte ótima. O

tamanho da cidade grega era regulado pela capacidade de suporte do sistema

agropecuário disponível, atingindo-se este tamanho fundavam-se outras cidades. Este

tamanho se associava a valores sociais comunitários, especialmente, o não

anonimato. Alguns urbanistas apontam o não anonimato, a identidade, a densidade e

heterogeneidade adequadas como fatores fundamentais a vida urbana. Os limiares

populacionais urbanos saudáveis se manifestam em função da capacidade de suporte

do ambiente e dos meios tecnológicos disponíveis. Estes são ainda pulsantes, ou seja,

limiares não rígidos, oscilantes.

A pegada ecológica urbana em rede poderia ser um instrumento valioso e

praticável. Esta abordagem da sustentabilidade incorpora o conceito de capacidade de

suporte (o transformando numa medida de área) e relaciona o consumo urbano ao uso

de recursos e serviços ambientais, uma espécie de resultado líquido das economias

urbanas sobre a natureza. Esta abordagem será objeto de análise crítica, segundo

inclusive a visão de outros autores (Veiga e Bellen), para uma síntese conclusiva.

Quanto às dimensões políticas, institucionais e culturais, observou-se que na

Austrália (BEATLEY, 2009) tem-se utilizado como indicadores: o número de

iniciativas urbanas de ação coletiva na área ambiental; o número de projetos estatais e

privados e; o número de organizações da sociedade civil afins. Em síntese, estes

indicadores buscam medir o capital social e não seus efeitos na área ambiental

urbana. A dificuldade com estes indicadores é que estes não permitem por si, uma

explicação de como a organização política e institucional pode gerar uma ação

coletiva e se esta ação é eficaz. A teoria da ciência política pode neste ponto

contribuir, especialmente, sob os fatores que determinam os pontos da agenda

ambiental, os apoios ou posição dos atores políticos para a implementação desta

agenda e a existência de arcabouço legal adequado e a competência da estrutura

institucional para realizá-la.

Os indicadores das outras dimensões da sustentabilidade, especialmente, a

ambiental, poderia balizar esta análise, contudo restaria ironicamente um projeto de

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

civilização. Mesmo que isto seja um processo incremental, que se faça prescindir de

um projeto fechado, diretrizes gerais norteadores seriam irrefutáveis, desde que

formamos organizações tanto fluidas quanto hierárquicas. Que motivações

individuais e hierárquicas propiciariam a sinergia para esta hierarquia integrada

necessária? Quais as qualidades inerentes à sustentabilidade se associam a qualidade

de vida?

Quadro 4.1 – Dimensões do Ambientalismo

Tecnocentrismo Ecocentrismo

Cornucopiana Adaptativa Comunalista Ecologia Profunda

Rótulo

Ambien-

tal

Exploração de

recursos

orientada pelo

crescimento

Conservacionista

de recursos via

gerencial.

Preservacio-

nista

Preservacio-

nista Radical

Tipo de

Econo-

mia

Economia

Antiverde de

Livre Mercado

Economia verde e

mercado verde

conduzida por

instrumentos

econômicos.

Economia verde

profunda, ou

"steady-state" por

regulação

macroeconômica.

Economia verde

muito profunda com

forte regulação no

uso de recursos.

Estraté-

gia de

Gestão

Objetivo de

Maximização de

Escala, Lucro e

Crescimento.

Considera que o

livre mercado

com o

desenvolvi-

mento

tecnológico

deve eliminar às

restrições à

escassez e

limites

ambientais.

Admite algum

controle de escala e

se pauta pela

norma da

manutenção do

capital constante.

Advoga o

crescimento nulo

tanto para a

economia como para

a população humana.

Tem como

perspectiva a saúde

da ecosfera, sob a

hipótese de Gaia.

Levanta a

necessidade (por

vezes, imperativa

como interpretação

literal da hipótese de

Gaia) de redução de

escala de produção e

decrescimento da

população.

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

Quadro 4.1 – Dimensões do Ambientalismo (continuação)

Ética

Os direitos

individuais

definem o valor,

sobretudo

instrumental da

natureza.

Concebe a

equidade como

intra e intergeracio-

nal, contudo,

considera a

natureza como um

valor instrumental.

Considera o valor

intrínseco dos

ecossistemas como

primários e suas

funções, serviços e

usos como

secundário.

Desenvolve a

Bioética, onde o

valor intrínseco da

natureza se traduz

como direitos das

espécies.

Grau de

Sustenta-

bilidade

Sustentabili-

dade muito fraca

Sustentabili-

dade fraca

Sustentabili-

dade forte

Sustentabili-

dade muito forte

Fonte: BELLEN, 2006.

4.2 Limitações dos Indicadores de Sustentabilidade

Os indicadores devem ser simples para serem práticos, mas não tão simples ao

ponto de não representarem ou revelarem suficientemente a realidade. Por outro lado,

agregar demasiadamente os indicadores pode anular a percepção de efeitos mútuos.

Trabalhar com indicadores em demasia complica a análise e dificulta a síntese.

Assim, selecionar aqueles indicadores fundamentais seria o procedimento mais

recomendável.

Observa-se que a maioria dos indicadores de sustentabilidade carece de um

sistema teórico conceitual que represente a totalidade, não são sistemáticos e não

refletem a interação sociedade-natureza, por causa do recorte ou redução disciplinar

de origem (BOSSEL, 1999). Por isto, estes não são capazes de revelar: a taxa de

mudança dos ecossistemas sobre ações determinadas para melhor contribuir para o

desenvolvimento sustentável. A análise de conjunto do complexo problema urbano

teria que isto permitir.

Há ainda dificuldades entre os objetivos desejados e o estado percebido da

realidade, ou entre razões utilitaristas antropocêntricas e a percepção da natureza

como a de uma espécie entre outras. Há questões de imprecisão de medida, "ruídos"

de informações do passado e do presente, assim como dos próprios processos naturais

quando não apresentam limites exatos em estados pulsantes. Podem-se identificar

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

resultados líquidos da relação sociedade-natureza, mas em tempo real isto se torna de

difícil percepção quando os efeitos são retardados. Além disto, há processos internos

aos ambientes construídos onde participam processos externos e vice-versa.

Pelo exposto pergunta-se como seria possível realizar uma pesquisa disciplinar

isolada, que possa contribuir para a compreensão da totalidade da urbanização em

termos de sua sustentabilidade? O critério da compatibilidade dos indicadores

selecionados com outras disciplinas seria fundamental, assim a base energética da

capacidade de suporte volta a se justificar, mas como estabelecer estas correlações? É

possível que a análise fatorial possa ser utilizada nesta tarefa, verificando correlações

lineares entre variáveis ou indicadores com uma base comum, contudo, será que o

modelo multilinear permitiria esta verificação? Contudo, mesmo que a análise fatorial

não seja adequada outro instrumento matemático, o que poderia? Portanto, o

importante de início é conceber as bases do diálogo transdisciplinar, definindo o que

é preciso informar e ser informado para o desenvolvimento disciplinar e para a

percepção de propriedades gerais dos ecossistemas urbanos. Por exemplo, economias

de escala crescentes ou decrescente de sistemas urbanos poderiam ser expressas como

ganhos ou perdas físicas de energia, ou recursos, segundo diversas abordagens, isto

poderiam indicar como rendimentos na produção de bens e serviços se relacionam

com a capacidade de suporte de ecossistemas.

Sistemas de Indicadores e Desenvolvimento Sustentável

A abordagem da OECD de 1993 oferece um mecanismo para monitoramento

do progresso ambiental aos países membros. O sistema tem por modelo três termos

básicos: pressão (das atividades antrópicas sobre o ambiente), estado (indica a

qualidade do ambiente, ou a qualidade e quantidade de um recurso ou serviço

ambiental) e resposta (seria a resposta social relativa às mudanças ambientais).

Portanto, os objetivos seriam políticos.

Ademais, a especificidades locais ou regionais podem condicionar o foco ou a

ênfase na análise, o que se refletem no afinamento dos métodos, embora não se deva

perder de vista a compatibilidade com indicadores aplicados a outros territórios, para

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

efeitos comparativos e generalizações mais abrangentes. O que indica a necessidade

de uma tradução comum por indicadores mais agregados.

Um sistema que focaliza o fluxo de materiais e energia consumida (TMC –

total material consumption) e as entradas de energia e matéria num sistema humano

(TMI – total material input) apresenta a vantagem de se verificar a ligação do

consumo com impactos ambientais e tem sido utilizada em países europeus desde

1995.

O fluxo de energia e materiais é importante, mas há outros aspectos

importantes da sustentabilidadade como a biodiversidade. Isto gerou em 1995, um

indicador composto de biodiversidade para policy-makers do WRI – World

Resources Institute. Este consiste em vinte e dois indicadores com aplicação nacional

e internacional, carecendo, entretanto de dados de gestão e economia para a tomada

de decisões específicas de proteção ambiental.

Sob a dimensão econômica a ONU lançou em 1993 uma versão de um modelo

de Contabilidade Integrada Ambiental e Econômica. Tais sistemas de contabilidade

são considerados relevantes por oferecer informações para políticas de planejamento.

Outra abordagem que aperfeiçoa esta linha contábil é o Sistema Integrado Ambiental

e Econômico de Contabilidade (Seea). Entre seus objetivos aparece a contabilidade

do patrimônio natural e mais recentemente a contabilidade do fluxo de matéria e

energia. O Banco Mundial incorpora isto a um sistema de contabilidade de recursos

ambientais (o MEP – Monitoring Environmental Progress) com medidas para

recursos humanos (investimento em saúde, educação e capacitação). Há também o

Isew (Indicador of Sustainable Economic Wellfare) e seu desenvolvimento o GPI

(Genuine Progress Indicator), desenvolvido por Daly e Cobb em 1989, que é uma

abordagem considerada bastante completa envolvendo muitos aspectos do bem-estar,

inclusive, danos ambientais.

Para uma medida de sustentabilidade humana, a privação humana ao acesso a

serviços básicos gerou o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), um índice

composto de indicadores sociais de renda, educação e longevidade, que foi

desenvolvido pela Organização das Nações Unidas e que se serve para definir níveis

e limiares de pobreza.

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

Restaria, segundo a análise de Bellen (2006), desenvolverem-se sistemas que

tanto tratassem melhor o capital social junto com a dimensão institucional de

desenvolvimento sustentável, cruzando dimensões deste desenvolvimento. Contudo,

como já colocado, esta necessidade de cruzamento é indiretamente negada no

relatório apresentado em 2009 por renomados economistas em trabalho encomendado

pela CDS (Comissão de Desenvolvimento Sustentável) também da ONU. Isto sob o

argumento de que a agregação os indicadores não é muitas vezes possível, fazendo

ainda diluir a relevância destes, especialmente à medida que o número de indicadores

utilizados aumenta. Aponta-se assim para uma maior seletividade de indicadores.

Não obstante, antes do lançamento do referido relatório, a CDS/ONU viesse (e talvez

ainda venha) alimentando dados a um sistema que integra as dimensões ambiental,

social e econômica do desenvolvimento sustentável, qual seja o sistema DSR (driving

force, state e response). De qualquer modo o referido relatório não indica uma

metodologia de análise e decisão.

O trabalho de Bellen testa a aceitação de métodos por especialistas de vários

setores, o governamental, o não governamental, o privado e o de ensino e pesquisa.

Este hierarquiza a importância de uma série de sistemas de indicadores no total de

vinte e quatro. Observou-se um percentual elevado de não respostas na pesquisa, o

que não é estatisticamente considerado e coloca em dúvida a generalização dos

resultados. Contudo, para um tratamento que trate indistintamente os respondentes

como especialistas, os resultados podem ser considerados com a ressalva de que o

setor privado não se fez representar. Os resultados deste trabalho aparecem a seguir.

Tabela 4.1 - Indicações de Melhor Método para Avaliação de Sustentabilidade

# MétodoEscopo

DimensionalInd. % Ac.

1Ecological Footprint Method

(EFM)

Ecológico,

Econômico e

Geográfico

11 13,9% 13,9%

2 Dashboard of Sustainability (DS)Ambiental, Social e

Econômico10 12,7% 26,6%

3 Barometer of Sustainability (BS) Ambiental e Social 7 8,9% 35,4%

4 Human Development Index (HDI) Socioeconômico 5 6,3% 41,8%

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

Tabela 4.1 - Indicações de Melhor Método... (continuação)

# MétodoEscopo

DimensionalInd. % Ac.

5 Pressure, State, Response (PSR)Econômico,

Ecológico e Social5 6,3% 48,1%

6Driving Force, State, Response

(DSR)

Econômico,

Ecológico e Social5 6,3% 54,4%

7 Global Report Initiative (DSR)Econômico,

Ecológico e Social4 5,1% 59,5%

8 Genuine Progress Indicator (GPI) Econômico e Social 4 5,1% 64,6%

9

Interagency Working Group on

Sustainable Development

(IWGSD)

NI 4 5,1% 69,6%

10 European Indices Project (EIP) NI 3 3,8% 73,4%

11 System Basic Orientator (SOB) NI 3 3,8% 77,2%

12Environmental Sustainability

Index (ESI)NI 3 3,8% 81,0%

13 Compass of Sustainability (CS) NI 2 2,5% 83,5%

14 Policy Performace Indicator (PPI) Institucional 2 2,5% 86,1%

15Driving, Pressure, State, Impact,

Response (DSIR)

Econômico,

Ecológico e Social2 2,5% 88,6%

16 Weath of Nations (WN) NI 1 1,3% 89,9%

17 Four Capitals Model (4KM) NI 1 1,3% 91,1%

18 Material Input per Service (Mips) NI 1 1,3% 92,4%

19

National Round Table on the

Environment and Economy

(NRTEE)

NI 1 1,3% 93,7%

20 Environment Space (EnSp) NI 1 1,3% 94,9%

21

System of Integrating

Environment and Economic

Account (Sieea)

NI 1 1,3% 96,2%

22 Human Environment Index (HEI) NI 1 1,3% 97,5%

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

Tabela 4.1 - Indicações de Melhor Método... (continuação)

# MétodoEscopo

DimensionalInd. % Ac.

23 Swedish Model (SM) NI 1 1,3% 98,7%

24Evaluation of Capital Creation

Options (Ecco)NI 1 1,3% 100,0%

TOTAL 79 100,0%

Legenda: NI - Não identificado; Ind. - Nº de Indicações; Ac. - Acumulado.

Fonte: Adap. de BELLEN, 2007, p.97.

4.3. Avaliação de Métodos Selecionados

Avaliação do Método da Pegada Ecológica (Ecological Footprint)

O método se fundamenta no conceito de capacidade de carga e, a pressão das

atividades antrópicas é associada ao consumo e não a população, o que permite uma

distribuição sócio-espacial desta pressão.

Esta abordagem é criticada por considerar as atividades agropastoris apenas

como produtores de serviços ambientais na produção de oxigênio, não considerando

fatores de degradação como no uso de pesticidas, perda de solos, redução da

biodiversidade entre outros.

A apropriação humana da natureza gera como citado acima, uma série de

formas de depleção, entre estas a contaminação do solo, da água e outras maneiras de

poluir que não são contabilizadas pelo método da pegada ecológica.

Segundo, Bellen este método ainda não computava suficientemente o

comprometimento dos ambientes marinhos, considerados pouco responsáveis pelos

serviços ambientais o que não corresponde à realidade, desde que, por exemplo, os

estuários são os ambientes mais bioprodutivos e estas áreas são muito danificadas. A

julgar por estas informações haveria uma subestimativa da produção das áreas

marinhas e do seu uso humano e em decorrência uma subestimativa da pressão

humana na pegada ecológica.

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

Aponta-se também como crítica ao método, que a pegada ecológica considera

níveis médios de produtividade relativamente altos, por dados disponíveis em

estatísticas nacionais, o que gera resultados otimistas, novamente um fator de

subestimação da pegada real. A resposta dos autores do método é que estes dados

podem ser melhor definidos com dados locais ou regionais usando o método.

A abordagem pode ser aplicada tanto a produtos como a serviços, ou seja, a

bens materiais ou imateriais, o que constitui uma vantagem importante.

O método utiliza cinco tipos de territórios e muitos tipos de uso do solo, além

de produtos e serviços, contudo não considera efeitos cruzados de perturbações sobre

os ambientes ou ecossistemas, o que novamente deve enviesar as medidas no sentido

de subestimativas.

Alguns territórios têm avaliação limitada ou subestimada como áreas

bioprodutoras ou produtoras de serviços ambientais, tais como áreas lacustres,

florestas intocadas, desertos e capas polares. Os desertos têm efeito sobre o clima dos

oceanos, em face da suspensão de partículas e as calotas polares tanto abrigam

significativa produção de biomassa, como participam de modo determinante do clima

global. Assim, perturbações sobre as calotas teriam efeito continental e global, a

exemplo do aquecimento sobre o nível dos oceanos e a água em suspensão na

atmosfera sobre o regime de precipitações. Portanto, os resultados globais do cálculo

da pegada ecologia tendem a serem subestimados.

No caso de áreas urbanas, não são considerados os ecossistemas próprios e os

impactos da poluição sobre os cursos d’água e estuários, assim como as ocupações de

áreas de inundação de rios e a impermeabilização do solo. Assim, o resultado das

estimativas da pegada ecológica das áreas urbanas, por um lado não considera os

serviços dos ecossistemas urbanos, por exemplo, aqueles prestados por infraestruturas

urbanas verdes, por outro tende a uma subestimação dos efeitos da poluição e

impermeabilização do solo, pois apenas considera a substituição de área produtiva

agrícola por área urbana não produtiva de serviços ambientais.

O cálculo da pegada ecológica não é considerado simples, porém seus

resultados são claros e compreensíveis desde o nível individual ao global. Como

permite recortes espaciais, este método é particularmente útil como avaliação de

medida da sustentabilidade urbana, intraurbana e institucional.

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

A abordagem tende a indicar que a menor autosuficiência de cidades e

economias regionais e nacionais, ou que o maior comércio internacional significa

menor sustentabilidade, quando isto não é uma relação necessariamente causal. Os

limites do crescimento, a produtividade e a tecnologia de produção são os fatores

efetivamente determinantes no comprometimento dos recursos e serviços ambientais.

As tecnologias sustentáveis dependem de políticas que envolvem mudanças

sistêmicas no longo prazo. Aponta-se para a produção de qualidade e não para a

produção em quantidade, enquanto o desafio é a produção em quantidade e

qualidade, considerando limites de recursos naturais, serviços ambientais e

recuperação de resíduos.

Ao final, o método da pegada ecológica tende a apresentar, em alguns casos,

medidas otimistas de sustentabilidade, contudo o modelo de cálculo pode ser afinado

e tem evoluído na consideração de pontos não considerados ou que merecem melhor

consideração.

A pegada ecológica mantém a vantagem de trabalhar com uma medida

universal de fluxo de energia, embora persista o problema da substituição entre

serviços e recursos ambientais reduzidos a medidas de área. Segundo o método, a

produção de serviços ambientais expressos em hectares globais de uma região é

subtraída do consumo de recursos e serviços ambientais em hectares globais. Com

isto, pressupõe-se uma substituição generalizada de recursos e serviços naturais

independentemente de seus tipos e naturezas, quando isto na realidade nem sempre é

possível, ou melhor, quase sempre não o é, em face às suas especificidades. Deste

modo, a redução da capacidade de suporte a uma unidade de área apresenta-se como

um problema semelhante à precificação de recursos e serviços naturais, um problema

de unidade comum para a agregação de indicadores.

Avaliação do Método – Painel de Sustentabilidade (Dashbourd of Sustainability)

Em geral, esta abordagem utiliza a dimensão ambiental, social e econômica da

sustentabilidade e vários indicadores para cada uma destas dimensões. O método

oferece uma ferramenta visual original de monitoramento da sustentabilidade, como

um painel de mostradores de um veículo, revelando o desempenho das referidas

dimensões, com sinais de alerta em pontos críticos. Dimensões outras como

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

desempenho político e institucional podem ser agregadas ao Painel. As dimensões

tratadas têm o mesmo peso no cálculo do resultado final, o que é um problema

conceitual, desde que a natureza é uma pré-condição para a sustentabilidade

econômica e social.

Na pesquisa de Bellen, observou-se boa aceitação do método por parte de

técnicos e políticos e este despertou interesse por ser aplicável a áreas urbanas e

regiões. As versões mais recentes do método objetivaram permitir a definição de

tendências, o que demandou a disponibilidade e compatibilidade de informações.

Esta abordagem metodológica considera as interações entre o sistema humano

e os ecossistemas, contudo o cálculo na agregação dos indicadores nas dimensões

consideradas não é explicitado, nem o algoritmo gerador do índice de

sustentabilidade resultante da interação destas dimensões. A abundância de

indicadores utilizados tende a criar as dificuldades de acesso, confiabilidade e

neutralização mútua de fatores determinantes.

Os critérios para seleção de indicadores recomendados são: relevância política,

simplicidade, validade, disponibilidade temporal e qualitativa, capacidade efetiva de

síntese, sensibilidade a mudanças e confiabilidade.

Este método é disponibilizado como programa na internet e constitui-se como

um sistema aberto e interativo. Os temas a que se referem os indicadores utilizados

no Painel de Sustentabilidade (Dashboard of Sustainability) são segundo as

dimensões:

Dimensão Ecológica: mudança climática; depleção da camada de ozônio;

qualidade do ar; agricultura; florestas; desertificação; urbanização; zona costeira;

pesca; qualidade e quantidade de água;

Dimensão Social: índice de pobreza; igualdade de gênero; padrão nutricional;

saúde; mortalidade; condições sanitárias; água potável; nível educacional;

alfabetização; moradia; violência; população;

Dimensão Econômica: desempenho econômico; comércio; estado financeiro;

consumo de materiais; consumo de energia; geração e gestão do lixo; transporte;

Dimensão Institucional: implementação estratégica do desenvolvimento

sustentável; cooperação internacional; acesso a informação; infraestrutura de

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

comunicação; ciência e tecnologia; desastres naturais (preparo e resposta);

monitoramento do desenvolvimento sustentável.

Avaliação do Método Barômetro de Sustentabilidade (Barometer of

Sustainability)

O método trabalha com duas dimensões de bem-estar: a ambiental e a social,

atribuindo-lhes pesos iguais no cálculo da sustentabilidade. Além disso, o método não

leva em conta os efeitos combinados das dimensões consideradas e é muito sujeito a

julgamentos de valor.

O bem-estar ecológico é definido por indicadores relativos à água, a terra, ao

ar, à biodiversidade e ao uso de recursos naturais. O bem-estar social é medido por

indicadores relativos à saúde, educação, renda, desemprego, pobreza, crime e

negócios, além do individual.

É possível atribuir pesos aos indicadores, como também limiares que

funcionam como veto a alguma ação ou alternativa, contudo as dimensões (social e

ambiental) do bem-estar são tratadas por valores equivalentes. Assim, a

sustentabilidade é compreendida como resultado do bem-estar social e ambiental.

O método pressupõe julgamento de valor em várias de suas etapas, o que é um

ponto negativo, contudo, pode ser sensível à valoração de grupos, o que permite

identificar suas convergências e conflitos. Ademais, o barômetro de sustentabilidade

permite a definição de tendências, ou relações-chave no sistema observado, além de

oferecer uma ferramenta visual dos resultados de fácil leitura.

4.4 A Pegada Ecológica e seu Cálculo

Esta abordagem da sustentabilidade pode ser definida como uma medida da

pressão humana sobre a capacidade de suporte dos ecossistemas ou manutenção dos

serviços ambientais expressa em medida de área - hectares globais.

A pegada ecológica calcula a demanda agregada por recursos ou serviços

ambientais, onde quer que esta demanda se localize e a apresenta como uma área

média global necessária a manter uma atividade humana específica. Esta quantidade é

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

expressa em unidades de hectares globais e esta unidade é definida como a área

bioprodutiva mundial média de produção de serviços ambientais.

As contribuições da pressão da agricultura e das pastagens sobre os ambientes

naturais, assim como a pressão sobre áreas florestais e pesqueiras são avaliadas

calculando-se o quanto em área global média seria necessário para compensar a perda

de biodiversidade e a capacidade regenerativa dos ciclos naturais ecológicos

sustentados por serviços ambientais e ecossistemas. Noutras palavras, o quanto

estamos comprometendo estes serviços em termos de áreas tomadas destes

ecossistemas para nossos propósitos. Naturalmente, a agricultura e as pastagens e as

florestas artificiais produzem serviços ambientais como oxigênio, captura de dióxido

de carbono e biomassa, sendo isto computado em termos relativos às áreas naturais

segundo médias globais, contudo, isto resulta num déficit de serviços, o que é

descontado do superávit médio das áreas naturais remanescentes e expresso em

hectares globais por ano e tipo de uso do solo.

A emissão de gases por consumo de petróleo, por exemplo, é traduzida em

hectares globais de serviços ambientais necessários a absorver tal volume de gases

emitidos. As áreas construídas ou urbanas e de lagos artificiais de hidroelétricas são

traduzidas em áreas tomadas às áreas agrícolas.

Os objetivos da Pegada Ecológica são: prover um cálculo cientificamente

robusto e transparente da demanda ou pressão colocada pelas nações sobre a

capacidade regenerativa da biosfera; construir um método confiável e consistente que

permita análises comparadas da demanda das nações sobre a capacidade regenerativa

global; produzir informações de forma a serem utilizadas para o desenvolvimento de

políticas e estratégias para se viver dentro dos limites biogeofísicos naturais; gerar

uma base de dados que possa ser utilizada na análise de recortes subnacionais,

regionais, estaduais, empresariais, de cadeias produtivas, institucionais e até

individuais da pegada ecológica.

Quanto à abrangência, o método contabilizou até 2009, a pegada ecológica de

240 países, territórios e regiões. No período de 1961 a 2006, os dados de 126 países

foram sistematicamente levantados.

O cálculo simplificado da Pegada Ecológica consiste no somatório das

quantidades dos itens de consumo divididas pela produtividade observada na

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

produção destes bens e serviços consumidos. Por exemplo, supondo que o consumo

de farinha de trigo no Recife tenha sido de 10.000 toneladas (t) no ano em 2009 e que

a produtividade média mundial desta farinha seja 0,1 ou 1/10 toneladas por hectare

(t/ha). A pegada ecológica da população do Recife naquele ano com o consumo de

farinha de trigo seria então 100.000 ha, enquanto medida per capita isto seria

100.000/1.500.000 (população aproximada do Recife em 2009), ou 0,0067 hectares

per capita. Este cálculo teria que ser repetido para cada item de consumo, somando-se

depois os resultados.

O cálculo do consumo anual per capita de cerca de setecentos itens são

divididos em duas categorias: o Consumo Endossomático e o Exossomático. O

primeiro tipo, o endossomático, inclui alimentos de origem vegetal, transformados

em área agrícola e alimentos de origem animal, reduzidos à área de pasto. O segundo

tipo, o exossomático, inclui o consumo de combustíveis fósseis, o consumo de

madeira e papel, o consumo de energia elétrica, o consumo de área construída como

perda de área agrícola. A mineração e a construção são atividades calculadas como

subtração de áreas naturais bioprodutivas.

A forma mais básica de calcular a Pegada Ecológica (PE) é como se segue:

PEanual = Danual / Pranual

onde:

PEanual é a Pegada Ecológica anual;

Danual é a demanda anual (expressa em quantidade ou moeda) de um bem ou

serviço e;

Pranual é a produtividade anual (quantidade ou valor anual produzido do mesmo

bem ou serviço por hectare (ha).

A forma completa de calcular a Pegada Ecológica (PE) é a seguinte:

PE = (DN / PrN) x Fp x Feq

onde:

DN é a produção doméstica anual de um bem ou serviço e;

PrN é a produtividade média nacional anual em quantidade anual produzida do

mesmo bem ou serviço por hectare.

Fd - o fator de produção (que é a razão da produtividade local sobre a

produtividade global para o mesmo tipo de uso do solo) e;

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

Feq – o fator equivalente que é a área ofertada ou demandada de biocapacidade

produtiva do tipo de uso do solo observado, expressa em área global média

biologicamente produtiva, ou HE - hectares globais.

O método da pegada rastreia a demanda das atividades humanas por seis tipos

principais de uso do solo: agricultura; pastagens; áreas florestais (artificiais e

naturais); áreas de pesca; consumo de resíduos fósseis; áreas construídas.

4.5 Reavaliando a Pegada Ecológica e Outros Métodos

A Avaliação da Pegada Ecológica

Por expressar a biocapacidade numa unidade de área, a pegada pode comparar

tipos de uso do solo, considerando recortes, desde os indivíduos até aos países ou

continentes, conduto esta agregação é por vezes insuficiente ou omissa. A demanda

pela produção de recursos e assimilação de resíduos é traduzida em hectares globais

dividindo-se a quantidade total de um recurso consumido pela produtividade

(produção por hectare por ano). Contudo, uma área pode ser utilizada para mais de

uma cultura. Isto poderia acarretar uma sobre-estimativa média por uso do solo. Por

isso, respondeu-se a tal crítica, para o caso de culturas que ocupam a mesma área em

um ano, dividindo a área por cultura pelo número de culturas para não se sobrepor a

quantidade de área.

A biocapacidade é uma medida agregada da quantidade de área de solo

disponível, ponderada pela produtividade de serviços ambientais na área observada.

Isto representa a habilidade da biosfera de produzir culturas agrícolas, pasto, madeira

ou pescados, assim como de absorver dióxido de carbono, incluindo o quanto desta

capacidade regenerativa é ocupada com área construída.

Em suma, esta medida avalia a habilidade dos tipos de uso do solo acima

citados para prover serviços ambientais. O que é expresso como se segue:

BC = A x Fd x Feq

onde:

BC é a biocapacidade de uma determinada área observada por tipo de uso do

solo em hectares globais;

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

A é a área observada em hectares;

Fd é o fator de produção (que é a razão da produtividade de serviços

ambientais do tipo de solo observado sobre a produtividade global de serviços

ambientais), apresentados na Tabela 4.2;

Feq é o fator equivalente que é a área ofertada ou demandada de biocapacidade

produtiva do tipo de uso do solo observado expressa em área global média

biologicamente produtiva, ou HE - hectares globais, apresentados na Tabela 4.3.

Apesar dos deméritos, a pegada ecológica revela que os países ricos e

industrializados são os grandes vilões ambientais e ecológicos.

Tabela 4.2 – Fator de Produção (Fd) Global e em Alguns Países, 2006

Local Agricultura Florestas Pastagens Pesca

Média Global 1 1 1 1

Média Nacional -- -- -- --

Argélia 0,6 0,4 0,7 0,9

Alemanha 2,1 4,1 2,2 3,0

Hungria 1,4 2,6 1,9 0,0

Japão 1,5 1,4 2,2 0,8

Jordânia 1,0 1,5 0,4 0,7

Nova Zelância 1,9 2,0 2,5 1,0

Zambia 0,5 0,2 1,5 0,0

Fonte: Ecological Footprint Atlas, 2009 p. 13.

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

Tabela 4.3 – Fator de Equivalência (Feq), 2006

Tipo de Uso do SoloFator de Equivalência (Feq) em

hectares globais por hectare

Agricultura 2,39

Florestas 1,24

Pastagens 0,51

Águas Marinhas 0,41

Reservatórios de Água Doce 0,41

Áreas Construídas 0,41 (ou 1 / 2,39)

Fonte: Ecological Footprint Atlas, 2009 p. 13

Entre as limitações de escopo ou abrangência da Pegada observa-se que: não há

medida sobre os estoques de recursos não renováveis; não se considera os resíduos

para os quais a biosfera tem baixa ou não tem capacidade de absorção; o mesmo fale

para impactos ambientais e sobre a resiliência dos ecossistemas a não ser de modo

indireto quando os impactos resultem em mudanças anuais de produtividade; também

não se contempla os efeitos da contaminação de água doce. O que este método não

mede bem é a biocapacidade requerida para a absorção das emissões de CO2; a

biocapacidade requerida por reservatórios de hidroelétricas e outras infraestruturas; o

balanço ecológico de mudanças de uso do solo, por exemplo, de pasto para urbano

quando se considera sempre de agricultura para urbano; a contabilidade da

piscicultura em cativeiro; a produtividade capaz de manter a biocapacidade futura das

áreas. Estes pontos fizeram com que se considerasse o método da Pegada Ecológica

mais como uma medida de insustentabilidade (VEIGA, 2010), o que não deixa de ser

um mérito.

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

Tabela 4.4 – Balanço Ecológico das Nações no Mundo e em Países Selecionados,

1997

PaísPopulação

(por mil)

A.

BiocapacidadeDisponível

(hectares percapita)

B.

PegadaEcológica

(hectares percapita)

A – B.

BalançoEcológico

Argentina 33,405 4,6 3,9 0,7Brasil 167,046 6,7 3,1 3,6

Estados Unidos 268,189 6,7 18,3 -3,6Finlândia 5,149 5,6 6,0 2,6

Israel 5,854 0,3 3,4 -3,1Japão 125,672 0,9 4,3 -3,4

Jordânia 5,849 0,1 1,9 -1,8Rússia 146,381 3,7 6,0 -2,3Mundo 5.892,480 2,1 2,8 -0,7

Fonte: Disponível em:

htth://web.dcp.ufl.edu.ckibert/BCN6585/EcologicalFootprint/footprint.html.

Sobre os três métodos de medir sustentabilidade mais pontuados segundo a

pesquisa de Bellen e outros

As diferenças entre os três métodos mais aceitos por especialistas e acima

analisados traduzem as diferentes compreensões de sustentabilidade que

implicitamente assumem. Há, no entanto, uma série de problemas comuns

especialmente na agregação dos dados, mas também na substituição e operação com

indicadores que medem fatores de natureza diferente, em escalas de tempo e espaço

diversas. Apesar destas limitações estes métodos têm evoluído e podem evoluir mais

no sentido de possibilitar a incorporação de variáveis mais específicas e operações de

cálculo que traduzem melhor a realidade.

Quanto à utilização, podem-se aplicar mais de um método segundo suas

características e objeto de estudo. No caso da sustentabilidade urbana, tanto a pegada

ecológica, quanto o painel de sustentabilidade poderiam ser utilizados de modo

comparativo e complementar.

Outros indicadores de sustentabilidade também têm suas falhas: como os

Princípios de Bellagio (IISD, 2000) (por serem basicamente normativos); aqueles

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

resultantes de grandes coleções (como o Painel de Sustentabilidade, ou as listagens

exaustivas do planejamento ambiental com os problemas de agregação de

indicadores); ou os métodos de viés econômico (como a Poupança Genuína), onde a

precificação e a substituição entre capital natural, produtivo, humano são

pressupostos questionáveis; do mesmo modo é a idéia de se trabalhar com poucos

indicadores independentes segundo dimensão da sustentabilidade, procedimento que

parece não se aperceber da necessidade da visão de totalidade.

Abordagens pragmáticas da sustentabilidade urbana

Tais abordagens visão orientar as ações ou o planejamento urbano por área de

impacto da urbanização sobre o ambiente. Assim, distinguem-se problemas relativos

à contaminação da água, do ar e do solo que se desdobram em grupos de indicadores.

Por exemplo, o índice de qualidade da água por si só, já compreende no Brasil e em

muitos países algumas dezenas de subindicadores. Além disso, os dados de saúde

humana e ambiental dos ecossistemas compreendem outras séries de indicadores

específicos e as ações setoriais perpetradas para a sustentabilidade geram também

seus indicadores específicos.

Das experiências no uso de indicadores para o monitoramento de políticas

públicas que objetivam a sustentabilidade urbana, a primeira brasileira examinada foi

desenvolvida com o Programa Cidades Sustentável, que é resultante de parceria entre

organizações da sociedade civil. Tal iniciativa objetiva estimular e comprometer

governos locais a desenvolver políticas de sustentabilidade através do planejamento

urbano e ambiental, disponibilizando informações e método para isto. Os

componentes desta orientação formam um conjunto de doze eixos de diretrizes gerais

(que se dividem em algumas diretrizes específicas), formando um conjunto de

indicadores correspondentes, gerando ao todo algumas dezenas destes,

acompanhados de uma série de exemplo de relatos e informações sobre experiências

de êxito no cenário internacional, chamadas de boas práticas (intervenções físicas ou

serviços urbanos). Dos eixos gerais de diretrizes propostas, uma se refere aos

processos e serviços ambientais, os bens naturais comuns e, para monitorar as ações

pertinentes, apontam-se como indicadores: áreas verdes por habitante (sem referência

Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana

a uma estrutura geral destas, seu funcionamento e função, ou a necessidade de um

planejamento da infraestrutura verde), concentrações de particulados e gases, perda e

qualidade da água (de modo indireto), consumo de energia e suas fontes. Claro que

tal iniciativa é muito positiva e não poderia deixar de ter um caráter aberto e didático.

Do ponto de vista da sustentabilidade, observou-se a carência de uma argumentação

para explicar minimamente as determinações mútuas entre sociedade e natureza e

justificar como se configura a sustentabilidade e por consequência, os estados e ações

críticas, limiares para indicadores e a escolha de prioridades. Não se observou

também a indicação dos processos políticos sociais que induzem ou protagonizam a

reorganização urbana, no sentido das boas práticas.

A segunda experiência analisada é o pacote público-privado sueco para

adaptação de cidades convencionais a cidades sustentáveis - "Simbiocities". A

analogia com processos simbióticos naturais é evidente nesta concepção de cidade

sustentável, que toma por base o holismo para uma visão de conjunto da cidade. Uma

série de eixos de políticas urbanas são definidas, as intervenções físicas e sistemas

urbanos tomam relevância e boas práticas são citadas. Indica-se uma sistemática para

tratar ações estratégicas, quais sejam: funções urbanas, energia sustentável, gestão do

lixo, abastecimento de água e esgotamento sanitário, trânsito e transporte,

planejamento paisagístico, design dos prédios. Isto considerando os efeitos entre si

das ações setoriais indicadas e destas com a sustentabilidade. Os processos políticos

sociais são tratados reconhecendo-se sua importância na urbanização sustentável e há

a valorização de ações sinérgicas, como na produção de combustível com resíduos

orgânicos, que potencializam resultados positivos sobre a sustentabilidade. O

processo de mensuração da sustentabilidade urbana não é, no entanto, claro e a

abordagem pressupõe que se definindo metas para as ações estratégicas estar-se-ia

construindo a sustentabilidade com o controle dos impactos urbanos negativos sobre

o ambiente.

CAPÍTULO 5

A URBANIZAÇÃO NA ECOLOGIA URBANA

Resumo

Examinamos e definimos em linhas gerais, o que constituiria uma urbanização

ecológica no Capítulo 3. No capítulo seguinte, investigamos métodos para medir a

sustentabilidade urbana, o que potencialmente poderiam orientar políticas públicas.

Observou-se que tais métodos foram desenvolvidos segundo concepções distintas de

sustentabilidade, contudo, mais de um método poderia ser aplicado aos ambientes

urbanos, considerando aspectos ou dimensões diversas da sustentabilidade.

O passo seguinte neste estudo foi identificar os resultados das pesquisas em

ecologia urbana para compreender em mais detalhe, os efeitos dos padrões de uso e

ocupação do solo urbano, do transporte e infraestruturas urbanas, sobre os serviços

ambientais e ciclos naturais. Reciprocamente, foi também necessário compreender os

efeitos retroativos do ambiente sobre a organização urbana e sua sustentabilidade.

Estas tarefas são necessárias mesmo que não sejam questões resolvidas, em face às

permanentes mudanças recíprocas entre ambiente e sociedade.

5.1 A Ecologia Urbana: pressupostos e objetivos

A ciência nova da ecologia urbana nasceu do questionamento do pressuposto

de que a sociedade humana não faz parte da natureza. A relação mítica da natureza

com o divino, seu criador, assim como a autoavaliação negativa das fraquezas e

desvirtudes humanas que degradam a perfeição da criação, tanto está por traz da idéia

de proteção no Conservacionismo, como na criação de reservas e parques nos Sec.

XIX e XX. Isto se manifesta como defesa a um mal imanente ou endógeno – a

sociedade humana, que é associada à idéia de que não somos adequados a um estudo

ecológico, por limitações metodológicas, por supostamente não fazermos parte da

natureza, por sermos portadores de uma segunda natureza dada pela linguagem e

comunicação que geram a capacidade de autoreorganização. Contudo, estes não são

traços únicos de espécie, inclusive a maior inteligência e capacidade em transformar a

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

natureza, sua própria natureza, pois do ponto de vista ecológico, isto tem se revelado

insustentável.

A sociedade urbana e industrial já ocupa, diretamente, com os ambientes

construídos e, indiretamente, através da artificialização da natureza em fazendas

agropecuárias, uma porção significativa da biosfera, com efeitos locais, regionais e

globais sobre o clima, ciclos geoquímicos e serviços ambientais, tais como a

purificação da água, regimes fluviais e biodiversidade. As ações humanas já

transformaram de 30% a 50% da superfície do planeta, utilizam mais da metade dos

recursos hídricos mais acessíveis e são responsáveis por uma maior fixação do

nitrogênio (Alberti, 2008). Tal fixação tem sérias consequências para os

ecossistemas, inclusive para a sustentabilidade de civilizações.

As cidades são o centro da depleção da natureza, cujo processo pode ser

observado na urbanização, com a identificação de padrões de uso e ocupação do solo

com seus atributos, efeitos e tendências. Tais padrões, tanto atuam como causas de

perturbações sobre os ecossistemas e processos geofísicos e geoquímicos, como, em

retorno, estes se tornam efeito de mudanças destes processos naturais condicionando

a urbanização. A carência de saneamento é um exemplo e isto se associa a

contaminação de lençóis freáticos e cursos d’água.

A constatação de que as cidades constituem sistemas abertos, funcionando em

rede e em constante processo de reorganização, faz com que a moderna teoria da

complexidade ofereça um método de análise adequado. Entretanto, as abordagens

transdisciplinares em ecologia urbana até então examinadas terminam por constituir

múltiplas aproximações do objeto que no máximo permitem uma síntese. Todavia,

leituras articuladas de dimensões sociais e ambientais são pouco comuns. Os vieses

destas leituras ou são sociais, ou ambientais, ou temáticos e específicos.

Como explicação abrangente, identificou-se, por exemplo, o artigo de Cobleng

(2011a) que trata do papel dos serviços ambientais ou ecológicos no planejamento

urbano. O ritmo e o padrão de crescimento urbano são forças motrizes fundamentais

das condições ecológicas dos ecossistemas e estado do ambiente físico urbano.

Assim, segundo este mesmo autor o problema ambiental das cidades não é gerado

pelo crescimento e sim pelos padrões de urbanização, "the problem is not growth but

the patterns of growth" (COBLENG, 2011a, p. 230). Supõe-se, portanto que seja

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

possível um crescimento urbano ecológico, embora segundo a própria ecologia,

devem-se considerar os limites para o crescimento urbano.

O objetivo principal da ciência nascente da ecologia urbana é poder definir

possibilidades de condições futuras às populações e comunidades partícipes de

ecossistemas urbanos, ou estados possíveis para fenômenos ambientais associados a

nutrientes, ciclos de compostos orgânicos e inorgânicos e serviços ambientais,

podendo servir para a definição de limites para o crescimento urbano. A definição de

um ecossistema urbano é um conceito básico, que coloca a sociedade como um

subsistema do mesmo, como uma população que domina um território, mas divide

necessariamente com outras espécies um ambiente artificialmente sustentado, mas

vivo. Noutra escala de dimensão e diversidade, os castores fazem o mesmo, dividindo

sua rede de diques-abrigo com outras espécies, contribuindo ademais para a

sustentabilidade do regime fluvial. Assim, a vilania não está na artificialização e sim

na incapacidade de estabelecer relações multualistas, ou seja, não gerar a interação

entre espécies para benefício mútuo.

Como consequência do acima exposto, identifica-se outro objetivo aplicado da

ecologia urbana, qual seja de desenvolver o conhecimento para esta capacitação

mutualista, que permita a requalificação ecológica dos ambientes construídos. Isto

como coloca Harvey (1997), não se trata de um problema de planejamento físico, ou

construtivo de engenharia, contudo não deixa também de o ser. A ecologia urbana,

embora incorpore os processos sociais, tende a reduzi-los a padrões urbanos físicos

como fato observável, em geral encobrindo a análise e o questionamento das

motivações dos processos sociais, ou os pressupostos paradigmáticos que dão origem

as ações, limitando assim a capacidade de transformação dos sistemas urbanos por

este conhecimento. Entretanto, o conhecimento sobre o funcionamento dos

organismos e processos naturais no ambiente urbano, definido por tais padrões é um

conhecimento insofismável e necessário, portanto, a seção que se segue busca capitar

essas contribuições.

5.2 Contribuições da Ecologia Urbana à Compreensão da Urbanização

O conhecimento ecológico pode e deve ser apropriado e aplicado ao

planejamento urbano, ao desenho urbano e à gestão urbana e para isto, as teorias do

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

planejamento e gestão urbana têm que ser reconstruídas em bases ecológicas

(NEIMELÄ, 2011). Neste sentido, a ecologia urbana representa um esforço científico

para o desenvolvimento desta base. A ecologia urbana constitui uma conjunção de

disciplinas, uma amalgama segundo Alberti (2008), alinhada com a também recente

ecologia da paisagem. Esta envolve ecologia geral, ecologia humana, planejamento,

arquitetura, geografia, economia, ciência política, engenharia, sociologia, serviço

social, antropologia, psicologia e ciências médicas, além das tradicionais disciplinas

da biologia, química e física. Portanto, esta é uma disciplina, que se apoia em grande

parte na teoria da complexidade, por ser eminentemente transdisciplinar (McDonnell,

2011). Como exemplo de desenvolvimentos teóricos nesta linha tem-se a explicação

da relação ambiente e sociedade urbana por meio da Teoria da Transição Urbano-

ambiental (UET - Urban-environmental Transition Theory). Todavia, os estudos de

ecologia que inclui humanos são exceções. Estes estão geralmente associados a

pesquisas sobre impactos negativos sobre o ambiente por atividades antrópicas, onde

o ambiente é tratado como uma externalidade independente, passiva e de importância

secundária.

A ecologia urbana (McDonnell, 2011) experimentou grande desenvolvimento

nestas duas a três últimas décadas e já conta com organização internacional (Society

of Urban Ecology - SURE) e publicações especializadas.

Os esquemas conceituais consideram que os processos sociais e ambientais são

distintos, mas complementares, portanto também socioambientais e a noção de

continente e conteúdo entre estes termos depende do ponto de vista do observador, as

sociedades têm comportamentos comuns e próprios enquanto organização social e

biológica. O social constitui uma segunda natureza que circunstancia a condição

biológica, suas funções básicas enquanto organismos ou enquanto pulsos

inconscientes nos indivíduos circunstanciam a racionalidade à natureza exterior e à

sua própria natureza primeva, contendo e sendo contido por estas naturezas. Do

mesmo modo, o ambiente construído como palco de operações sociais, circunstancia

a natureza sendo circunstanciado por esta. Além disso, há também a demarcação de

territórios e limites, disputas e, portanto antagonismos. Os antagonismos não são

necessariamente negativos, na natureza este são criativos, gerativos, ou degenerativos

e desagregadores, e evidentemente estão presentes na organização social. O que pode

se depreender de novo é que as contradições sociais (interpretadas aqui como

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

antagonismo) não são algo circunscrito a um modo de produção, são inerentes as

organizações como fenômeno organizacional, assim toda organização gera suas

contradições seus antagonismos internos. As lutas de classe podem ser um motor

positivo, ou negativo de transformações históricas, interpretando tais valores segundo

a avaliação da emancipação/sujeição de indivíduos e grupos. Os antagonismos não se

dissociam das alianças ou complementaridades entre grupos, e as dificuldades de

distinção entre grupos, ou de definir atributos e interesses comuns que entram no jogo

para emancipação ou pelo poder. Há antagonismo entre cidade e campo, entre campo

e natureza, entre cidade e natureza, mas há também complementaridades e

possibilidades de confluência.

Das várias linhas de pesquisa em ecologia urbana, o enfoque mais consequente

vai além das cidades para compreendê-la dentro de suas regiões, as tratando como

resultados de processos socioambientais acoplados (McDONNELL, p.10, 2011).

Apesar desta compreensão necessária em escala mais abrangente, observa-se que

alguns fenômenos naturais são cumulativos e dependentes de ações em escala local

que, ao alcançarem certos limiares, desencadeiam processos emergentes ou

inusitados. Por exemplo, a impermeabilização do solo gera aos poucos uma série de

problemas não só nos ambientes urbanos construídos, mas para o próprio ambiente

regional, especialmente, sobre os regimes fluviais, pluviais e estuarinos. A

impermeabilização generalizada do solo urbano a mais de 20% já pode acarretar

perturbações ambientais substanciais (McDONNELL p.12, 2011).

A ecologia urbana compreende estudos de ecologia intraurbana, ou de cidades

como um todo e suas regiões, oferecendo a possibilidade de integrar a Ecologia da

Paisagem aos ecossistemas urbanos. No entanto, esta enfrenta desafios na indicação

de diretrizes para o desenvolvimento urbano, como aborda Alberti (2008) no contexto

de cidades americanas, onde se encontram dificuldades para responder o que seria

mais desejável: a requalificação da expansão urbana de baixa densidade, ou a

promoção de uma densificação urbana adequada? Tendo em vista preocupações mais

gerais relativas à pressão sobre recursos e serviços ambientais, aparece o dilema do

crescimento, ou não crescimento e a questão em aberto: é possível requalificar os

ambientes construídos reduzindo a pressão sobre recursos e serviços ambientais? Nos

estudos, como os que Alberti (2008), considera-se que os problemas do crescimento

estão mais nos padrões urbanos adotados do que na questão do crescimento

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

econômico e demográfico. Observa-se aqui, contudo, que padrões urbanos de

crescimento ecologicamente desejáveis não podem ser universais, isto tanto por

razões sociais quanto naturais. A suburbanização sem limites de baixa densidade é

um problema recorrente como colocado em textos sobre cidades norte-americanas,

em função dos custos de urbanização e da infraestrutura necessária e em face aos

padrões de consumo e mobilidade baseada no transporte individual. Por outro lado, as

propostas de cidades compactas enfrentam a questão da densidade geradora de

problemas de mobilidade, ilhas de calor, impermeabilização. No caso brasileiro, a

cidade informal é em geral periférica e carente de infraestrutura. Os bairros mais

centrais apresentam problemas de mobilidade por conta da carência de transporte

coletivo. Assim, o acesso social restrito a terra urbanizada e a carência na provisão de

infraestrutura advêm, no caso de países emergentes, de questões de ordem política e

institucional, que gera o pior de dois mundos.

Pelo exposto acima a resolução desses dilemas é contextual e demanda também

pesquisas específicas sobre padrões urbanos e a definição das relações entre biótopos

e morfologia urbana para orientar as ações públicas.

A visão de totalidade trazida na ecologia urbana agrega com a identificação dos

serviços que presta os ciclos inorgânicos sobre os processos orgânicos e

retroativamente aqueles dos ecossistemas sobre esses serviços (DOUGLAS &

RAVETZ, 2011). Além disto, estes autores revelam o papel das infraestruturas

urbanas verdes sobre os serviços ambientais na cidade, concebem o metabolismo

desta totalidade urbana e ambiental e definem os princípios para a geração dessa

infraestrutura verde.

O planejamento da infraestrutura verde (PIV) é considerado como dimensão

fundamental na promoção dos serviços ambientais e ecológicos na cidade,

constituindo um problema complexo, que compreende tamanho e forma das áreas

verdes (públicas e privadas, inclusive jardins domésticos), a conectividade entre estas

áreas que envolve muitas variáveis físicas e associadas a espécies, além de estratégias

que incluem também o tratamento de áreas já intensamente ocupadas. Iniciativas no

planejamento da infraestrutura urbana verde (PIV) já revelam resultados positivos e

promissores, por exemplo, sobre o controle de ilhas de calor, recarga de aquíferos e

problemas de drenagem. O PIV ainda oferece a possibilidade de interface entre a

ecologia e o planejamento urbano físico.

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

O estabelecimento desta comunicação entre ecologia e planejamento urbano

possibilita a superação e o tratamento das barreiras físicas já criadas na cidade e a

experimentação de soluções para o aumento da biodiversidade na cidade. Há,

entretanto uma dificuldade fundamental identificada para o êxito dessas iniciativas

que se associa a um problema de incompatibilidade de escala entre as ações que são

locais e efeitos esperados regionais. As decisões locais necessitam para terem efeito

efetivo de serem norteadas por uma percepção ampla e serem apoiadas por uma

legislação e consolidadas por práticas culturais. Deste modo, pequenas mudanças

podem ter efeito multiplicador e transformador se adquirirem dimensão suficiente,

como fruto de ação coletiva.

Com esta acepção de mudanças incrementais, uma série de simulações é

realizada com base nos efeitos ecológicos de padrões de uso e ocupação do solo

urbano, utilizando, por exemplo, modelos de Sistemas Complexos e Adaptativos

(SCA) que associem padrões de decisão de atores sociais, fatores geográficos e

demográficos, eixos de crescimento urbano (ZIPPERER et al., 2011).

Considerando a ecologia urbana, a visão da cidade toma a dimensão de um

espaço ecológico criado tanto por uma apropriação social, como pela resposta dada

por processos naturais às condições ecológicas artificialmente criadas. No ambiente

construído, a natureza se diferencia não se limitando a reminiscência de um passado

natural, ocorre também uma coevolução ecossistêmica. O desenvolvimento de

bactérias e mosquitos resistentes a antibióticos e pesticidas é uma prova disto, o que

se dá geralmente por conta da extinção de predadores naturais e outros fatores de

ocupação. Por outro lado, é possível se pensar em uma coevolução positiva, como

fazem os castores com seus diques, em uma escala adequada.

Reconhece-se deste modo uma relação de determinação mútua entre

biodiversidade e diversidade de áreas verdes nas cidades, portanto esta última

variável é utilizada como indicativo de biodiversidade. Além disto, a infraestrutura

verde pode se associar ao controle da drenagem superficial, da temperatura e ao

sequestro de CO2. Ademais, apontam-se as limitações de teorias ecológicas na

abordagem da referida infraestrutura verde, sob o argumento de que tais teorias não

incorporam as teorias sociais. Portanto, uma série de estratégias de planejamento

urbano e ambiental são incorporadas a este debate, relativas à benefícios sociais e

ambientais e viabilidade versus aceitação pública das mesmas. Por exemplo, relata-se

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

a necessidade de estudo da aceitação social destas estratégias, citando-se um caso de

reação a padrões urbanos de densidade média e alta propostos na Inglaterra, pois

grande parte da população se contrapõe a diretrizes para uma cidade compacta,

defendida por alguns ecologistas urbanos (COBLENG, 2011a). Mesmo quando há

aceitação de propostas afins, pode haver consequências negativas, por exemplo, em

propostas de habitações multifamiliares, pois o morar coletivo exige hábitos e

despesas que alguns grupos sociais não estão aptos a arcar com regularidade. Por

outro lado, os estudos da biodiversidade urbana ainda são insuficientes em muitos

lugares para orientar a construção de uma consciência pública.

O que não se observou na ecologia urbana é o tratamento do crescimento

urbano em redes de cidades. A questão tratada na geografia econômica tem longa

data e uma de suas mais recentes contribuições identifica o surgimento, crescimento e

decrescimento de cidades, até a extinção de pequenos centros (KRUGMAN, 2002). O

comportamento geral parece se conformar com uma pulsação em expansão, onde a

contração significa a migração para áreas mais dinâmicas, mas as redes como um

todo crescem. A identificação desta dimensão e movimento podem ser elementos

importantes na criação de estratégias de planejamento regional que conduzam ou

induzam a alocação do investimento em infraestrutura sustentável, políticas de

financiamento, provisão, correção de inadequações habitacional e prevenção do

desenvolvimento de moradias precárias com provisão de terra e infraestrutura urbana,

geração de um mercado de trabalho e investimento produtivo em uma economia de

baixo carbono.

Dissecando Ecossistemas Urbanos

Apesar de recente, a quase totalidade dos trabalhos de pesquisa em ecologia

urbana data de duas décadas, a produção e o progresso do conhecimento neste campo

são notáveis. Contudo, a compreensão das interações e retroações dos processos

sociais com os naturais no ambiente urbano é ainda incipiente (ALBERTI, 2008;

BREUSTE, 2011).

A compreensão tradicional é de que as cidades são os piores inimigos da

natureza. De fato, as cidades são os centros de irradiação da depleção da natureza por

conta do modo alienado da construção de nossas civilizações com respeito aos

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

processos naturais. Todavia, isso está mudando com o reconhecimento da

interdependência necessária entre cultura e diversidade biológica para a

sustentabilidade. Assim, a gestão urbana passa a compreender as ações de mitigação

e adaptação às mudanças climáticas, contudo como já salientamos a sustentabilidade

urbana requer mudanças que cheguem a uma escala física abrangente, mudanças na

legislação urbana e mudanças culturais (hábitos e costume de vida urbana).

A crônica omissão nas teorias econômicas relativa às interações entre

crescimento urbano e mudanças ambientais não é por acaso. Isto se dá por que estas

interações são tratadas como externalidades e do tipo incômodo, tanto para a teoria

econômica enquanto problema espacial, como por serem antagônicas aos interesses

dominantes, podendo representar internalização de custos. Em geral, tais teorias

consideram os preços de aluguéis, a acessibilidade, ou as necessidades individuais na

explicação de preferências de localização. Assim, o foco destes estudos se dá no

comportamento de famílias, empresas e governos.

As cidades para Alberti (2008) são um fenômeno híbrido definido

simultaneamente por processos sociais e naturais. No nosso estudo, a urbanização é

um processo híbrido e a cidade é o seu resultado, isto não invalida considerar os

condicionamentos retroativos do ambiente construído sobre a sociedade e a própria

urbanização. O que cria o meio, num segundo momento é criado por este. Entretanto,

são os fatores sociais que dominam a urbanização e, segundo a escola de ecologia

urbana da Universidade de Seattle, estes fatores são demográficos, organizacionais,

políticos e tecnológicos.

A questão da escala temporal e espacial se revela fundamental no entendimento

das relações entre quantificação de padrões de ocupação e qualidade ambiental na

pesquisa empírica e de campo. Isto conduz a criação de cenários de padrões de

ocupação, na prospecção de possibilidades de realidades futuras e seus efeitos sobre a

resiliência, ou seja, sobre a capacidade de suporte de ecossistemas urbanos.

Voltando a questão básica de como conceber o ecossistema urbano, os

pesquisadores que incorporaram a moderna teoria da complexidade consideram tal

sistema como aberto, definido com a superposição de processos cíclicos e

adaptativos, sujeitos a um equilíbrio múltiplo, determinado por ações antrópicas e

aquelas advindas de outras espécies e por processos biogeofísico-químicos. Assim, a

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

resiliência destes sistemas depende tanto de ações humanas quanto, daquelas de

outras espécies, como dos efeitos retroativos dos ciclos naturais.

Ademais, a concepção deste ecossistema acoplado socioambiental urbano não

se concebe por sistemas sociais imersos em sistemas naturais, nem no inverso, em

sistemas naturais imersos em sistema sociais. Tais sistemas são ativos e

interdependentes e as disciplinas particulares do conhecimento não dão conta deste

acoplamento, ou entrelaçamento.

A construção da teoria da ecologia urbana se coloca também como um

problema heurístico, ou seja, exige a invenção empírica ou construção de um método

que revele e explique o comportamento e dinâmica socioambiental urbana. A

urbanização é tanto um processo aberto a pessoas como a espécies oportunistas, aptas

a encontrar abrigo e alimento. Por isso, Trepl (ALBERTI, p.257, 2008) levanta

hipóteses sobre processos de invasão, sucessão e integração, onde não há lugar para

abordagens deterministas, ou mesmo a aplicabilidade de teorias ecológicas

tradicionais. Sobre a discussão da aplicabilidade de teorias ecológicas à urbanização,

notadamente, a teoria de metapopulações, diz-se que tal intento é insuficiente.

Collins (ALBERTI, p. 258, 2008) argumenta que a influência da cultura, a ação de

instituições e a habilidade de criar estratégias em função de pressões tornam limitada

a aplicação de teorias ecológicas e evolucionistas às populações urbanas.

As características gerais do ecossistema urbano são: complexidade, abertura,

dinâmica e não equilíbrio; mudanças paulatinas na paisagem que cumulativamente

podem resultar na transposição de limiares e episódios desastrosos. Os atributos

espaciais não são uniformes, nem independentes de escala. Recomenda-se que metas

para tratar com ecossistemas urbanos devam ser concebidas como alvos móveis, por

isso as estratégias institucionais devem permitir adaptações e mudanças. Como outros

ecossistemas, o ecossistema urbano apresenta um equilíbrio pulsante, wavelet e que

as generalizações sobre este sistema acoplado devem observar a história humana e

ambiental, além de dados estatísticos e ensaios de laboratório.

Identificam-se ainda oito características básicas destes ecossistemas: a)

hierarquias identificadas tanto em unidades ecológicas em manchas, ou em unidades

econômicas em parcelas; b) propriedades emergentes resultantes de intervenções e

retroações dos ciclos biogeoquímicos que geram comportamentos novos e retroativos

nos sistema enlaçados; c) equilíbrio pulsante e múltiplo, o que se revela na

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

substituição de alguns serviços ambientais por infraestruturas (e.g. sistema de

drenagem); d) não linearidade, observável quando se atravessa limiares de processos;

e) descontinuidade de políticas e processos intraurbanos; f) heterogeneidade espacial

fruto das intervenções sociais e retroações naturais, que adquirem diversas qualidades

e dimensões em função da geográfica física do lugar; g) dependência do caminho já

trilhado, ou seja, as interações locais seguem regras de evolução e desenvolvimento;

h) resiliência, que no ecossistema urbano é definida como capacidade de manter tanto

as funções sociais quanto as ambientais (ALBERTI, 2008).

Em referência a escola de ecologia urbana da Universidade de Seattle, indica-

se para um programa de pesquisa os seguintes temas gerais: dinâmica e estrutura

hierárquica que resultam no mosaico urbano por interações sociais e ambientais;

relação de determinação entre número e tipos de padrões de urbanização segundo

múltiplos estágios; interações de padrões e processos socioambientais e propriedades

emergentes (suscetibilidade a desastres, perda de biodiversidade); dinâmica das

funções do ecossistema urbano, incluindo incertezas e possibilidades futuras;

políticas públicas ambientais orientadas para alvos móveis.

Incorporando as novas informações advindas do estudo da ecologia urbana

apresentamos a seguir, o marco teórico conceitual da urbanização (Figura 5.1). Mais

adiante nesta seção, uma segunda versão deste modelo de urbanização é desenvolvida

(Figura 5.2).

O esquema que apresenta um macroconceito (Fig. 5.1) representa duas

dimensões da urbanização. A linha superior se refere aos fatores determinantes,

motivações, forças motrizes das ações, diretrizes, ou linhas de força condutora dos

processos acoplados, sejam estes antrópicos, biológicos ou geofísico-químicos. As

diretrizes urbanas conduzem as ações dos processos, definem suas tendências, mas os

resultados das ações retroagem sobre suas motivações, modificando estas diretrizes.

Na linha inferior aparece uma segunda dimensão representando as interações dos

processos que compreendem resultados, ou efeitos dos processos na conformação de

padrões urbanos, que inferem diretamente nos processos naturais que, em resposta,

definem a qualidade destes padrões urbanos, suscitando novas motivações,

determinações ou diretrizes para os processos sociais (que são mais conjunturais e

grupais) e culturais (aqueles mais consolidados e históricos).

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

Figura 5.1 – 1 Modelo para Análise da Urbanização

Fonte: Desenvolvido pelo autor.

Ademais, estas retroações referidas podem pesar de modo evidente sobre a

sustentabilidade de processos biológicos (onde têm lugar a saúde de humanos, da

flora e da fauna), que se reflete sobre a ciclagem natural de nutrientes e compostos

orgânicos e inorgânicos e ao final sobre a resiliência do ecossistema urbano.

Este macroconceito intencionalmente permite uma análise política das

motivações, uma análise das representações que habitam tais motivações e o

questionamento destes motivos enquanto paradigmas norteadores. Ao mesmo tempo,

este modelo permite cotejar tais motes culturais como linhas de força, ou fatores

determinantes fundamentais de processos naturais e serviços ambientais que, juntos,

atuam na sustentabilidade do conjunto do sistema urbano e ao final, na biosfera. A

sinergia social positiva das motivações pode ser interpretada como geração de

retroações positivas ou negativas na teoria da complexidade.

A crítica as abordagem que concebem a cidade como objeto, ou como produto

de interações espontâneas e fluídas de agentes sociais incide na não politização da

discussão das motivações, por vezes as considerando como pressupostos

estabelecidos constantes no sistema social, ou fenômenos imanentes e espontâneos

como os gradientes de preço de aluguéis e a maximização de benefícios nas escolhas

de localização. Contudo, admite-se que as relações dos agentes são também de

caráter hierárquico e há motivações históricas. Os sistemas econômicos são

antropocêntricos, autorreferentes e centralizadores. Eles dominam os controles

públicos, o que necessariamente leva, em geral, ao descontrole ecossistêmico. Por um

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

lado, a maximização dos lucros supostamente traduzida em termos de maximização

dos benefícios dos indivíduos não serve como regra geral para explicar a dinâmica

dos padrões urbanos, ou mesmos os preços dos aluguéis, ou mesmo esquemas

formais de crescimento em gradientes, ou em redes, que pressupõem a universalidade

de tais motivações generalizadas do sistema econômico. Em muitos casos não há

escolha, como para grande parte das populações urbanas no mundo. Ademais, o

estado ou o mercado nunca dominaram universalmente as sociedades e talvez nunca

venham a dominá-la inteiramente. Existem atributos de recursos que não têm preço,

não podem virar mercadoria e não são bens livres, são resultados de processos bem

intrincados e sensíveis (isto é, dotados de sensores ecossistêmicos), portanto os

instrumentos econômicos são necessários, mas insuficientes à gestão ambiental. Por

outro lado, os limites de um controle central são matematicamente conhecidos, como

vimos no Capítulo 4, portanto, também são necessários, mas insuficientes, assim

como instrumentos de comando e controle central.

Figura 5.2 – 2o Modelo para Análise da Urbanização

Fonte: Figura elaborada pelo autor

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

Pelo acima exposto, depreende-se que não é apenas necessário politizar as

motivações condutoras dos processos sociais, mas incorporar seus antagonismos. Os

processos complexos incorporam complementaridades, concorrências e

antagonismos, os sistemas sociais e ecossistêmicos apresentam tais características

(que não esgotam os mesmos), contudo estas nos permitem conceber as motivações

como um duplo afirmativo e negativo atuante. Assim, o acumular sistêmico

compreende o dispersar, o desperdiçar; o controlar estatal envolve o descontrole; o

construir inclui o desconstruir, o destruir; o emancipar-se abrange o sujeitar-se. Por

isso associamos ao primeiro modelo de análise da urbanização os antagonismos das

forças motrizes da urbanização na Figura 5.2.

Se a natureza é sensível e ativa, podemos considerá-la como sujeito, um agente

natural, cujas tendências são organizativas e desorganizativas, portanto antagônicas,

compreendendo concorrências ou fluxos de mesma direção, que ao final levam a uma

autorregulação pulsante (ODUM, 2002), ou a uma complementaridade, tanto no

mundo inorgânico como biológico.

As civilizações urbanas conformam padrões urbanos identificáveis em imagens

de satélites resultantes do acoplamento de processos (ALBERTI, 2008), basicamente

segundo o uso e a ocupação do solo, a rede viária e outras infraestruturas como áreas

verdes sobre geografias físicas. Os efeitos ambientais (sobre os ciclos naturais) e os

efeitos ecológicos (sobre os ecossistemas) na consolidação destes padrões urbanos

são específicos das geográficas, mas em geral incluem o regime de drenagem, a

biodiversidade, o comportamento dos seres vivos, a saúde da flora, fauna e humana, a

qualidade de recursos básicos como ar, água e solo.

Os fatores sociais de ordem política, demográfica, tecnológica e organizacional

(que inclui a produção e seu controle) são os mais determinantes do estado do

ambiente urbano e sua ecologia. Traduzimos a organização e dinâmica política como

fator de controle, que não pode ser universal, especialmente, em um sistema muito

centralizado. Fatores externos independentes têm que ser admitidos para a condução

de uma boa governança, ou seja, o controle navega no descontrole interno (um fator

de desorganização definido pelo limite da capacidade do modelo da gestão) e no

descontrole externo (por imponderabilidades, incertezas, imprevisibilidades,

emergências ou acidentes). Assim, o controle e o descontrole são parte de um mesmo

fator. Noção esta que pode ser estendida aos ecossistemas. Os fatores demográficos

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

dizem também respeito ao controle/descontrole, tanto na política, como na

organização ecológica. Na ecologia, isso se manifesta segundo a capacidade de

suporte das espécies e de conjuntos destas nos ecossistemas. Entretanto, estes fatores

podem também ser analisados como parte dos fatores de crescimento/decrescimento

da economia, de populações de espécies e, da construção/desconstrução do ambiente.

Pelo exposto, vê-se que a tentativa de redução dos processos a fatores

fundamentais compreende uma relação de mútua determinação entre estes, o que

pode ser tema de pesquisa. Por exemplo, os fatores de controle/descontrole e de

crescimento/decrescimento estão associados. Por outro lado, pode-se verificar a

generalidade destas noções de forças motrizes, ou motivações, que são extensivas a

outros serem vivos e isto pode permitir uma análise menos antropocêntrica para tratar

humanos e outros seres como manifestações distintas de motivações em processo

articulados.

Observa-se também que o impulso a emancipação, ou a autonomia, a

realização de funções ou desejos são vitais nos indivíduos e nas espécies. Como

coloca Morin (Morin, 2008a), a estratégia da vida em desenvolver indivíduos permite

a heterogeneidade, a dispersão do código genético, a adaptação e diferenciação

genética que se associam a sustentabilidade. Contudo, esta emancipação tem também

uma dimensão coletiva, pressupõe acesso a recursos, assim como um controle

circunstanciado sobre o meio.

A questão da acumulação é crucial porque o capitalismo precisa crescer para

existir, mas o socialismo precisa distribuir para crescer, ambos realizando isto ainda

em grande parte desconhecendo as relações ecossistêmicas, os limites, as capacidades

de suporte, a sustentabilidade. Pelo que indica Odum (2002), alcançaremos neste

século nosso limite populacional planetário como uma espécie que não conheceu

ainda seu estado de maturidade, seu equilíbrio populacional pulsante, junto a outros

seres.

O crescimento econômico se associa a expansão urbana com seus custos,

inclusive ambientais. Este processo devasta e fragmenta florestas, remove vegetação

nativa, degrada a qualidade da água, reduz a população de peixes, demanda alta

mobilidade e intensa infraestrutura de transportes. Isto traz condições

socioambientais negativas aos subúrbios, leva a busca de áreas mais distantes,

estimulando a suburbanização mais extensa, uma problemática típica dos países

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

desenvolvidos, mas também daqueles em desenvolvimento sob outras bases. Neste

segundo caso, a oferta de emprego e o acesso restrito a terra urbanizada são os

principais determinantes da ocupação urbana periférica precária.

5.3 Aplicando o Macroconceito de Urbanização

A partir das concepções de urbanização da seção anterior, reelabora-se esteconjunto de processos como um circuito recursivo, um motor da produção do espaçourbano e regional (Figura 5.3). O resgate desta construção conceitual concebe aurbanização segundo um circuito recursivo geral que envolve sociedade e naturezasob a seguinte forma:

Figura 5.3 – 3o Modelo para Análise da Urbanização

Fonte: do autor.

A aplicação desta concepção do processo recorrente de urbanização à produçãosocioambiental do habitat, ou habitação urbana, gerou um fluxo onde se inseremagentes e instituições, o que é apresentado nas duas próximas ilustrações. A própriaterminologia utilizada nestas sínteses denota discursos explicativos que podem serexplicitados no processo de análise dos dados e a necessidade da definição destestermos-chave como Falha de Mercado, Padrões Urbanos Informais e outros. Oimportante desta concepção é a percepção da urbanização enquanto processo deprocessos recorrentes, que no caso focaliza a habitação que demanda, em geral, maiorespaço na cidade.

Tal aplicação a um projeto de pesquisa deverá permitir associar PadrõesUrbanos às Funções Urbanas e isso exige a definição de indicadores socioambientais

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

que considerem: processos sociais, ambientais e ecológicos; os fatores determinantes, motivações, forças motrizes ou ideias-força dos agentes destes processos quenorteiam as funções urbanas; a identificação dos padrões urbanos resultantes dosprocessos de urbanização por conjuntos de unidades físicas como quadras urbanas, nocaso quadras residenciais e; os efeitos socioambientais dos padrões urbanosidentificados.

No contexto do tratamento destes pontos se destacaria as preferências, ouatributos de localização para famílias e empreendimentos imobiliários versus oscontroles estatais de comando e controle e instrumentos econômicos. O bem estarsocial pode ser associado à qualidade ambiental, à sustentabilidade, à saúde humana eà salubridade do ambiente urbano habitacional. As relações entre dinâmica ecológicapositiva e desenvolvimento urbano podem advir da requalificação urbana, ou do usode padrões de crescimento adequados, que são processos não necessariamenteexcludentes.

Vê-se ainda como importante identificar o papel dos agentes principais versusa carência de infraestrutura e a demanda restrita por moradias prontas. As escolhas delocalização são condicionadas por agentes imobiliários, pelo estado e, por falta deopção e controle há a ocupação de áreas impróprias ou de risco em muitos países eregiões.

Tendo este esboço conceptual como referência de trabalho, partiu-se parareconhecer o recorte territorial da pesquisa com sua população. Os dados secundáriosestatísticos levantados permitiram uma caracterização, tanto demográfica, quantofísica deste território. A análise foi complementada com uma primeira caracterizaçãode padrões urbanos e da dinâmica destes com imagens de satélite e visitas de campo.

O Modelo de Análise da Produção Habitacional que se segue deve serconsiderado como uma hipótese explicativa de um processo complexo quecompreende uma série de sub-hipóteses a serem testadas. Isso permite a possibilidadede reduções disciplinares na construção do modelo explicativo. Isso permite aindaajustes e refinamentos como sistema explicativo aberto de um sistema aberto.

A diferença deste modelo é que ele incorpora a produção dos espaçosresidenciais formais que se conformam segundo leis, normas urbanas e relações demercado entre empresas, famílias e entes públicos e a produção dos espaçosresidenciais informais, que se conformam como processo alternativo de acesso a terraurbana e a moradia. Em princípio, estes últimos não se ajustam às leis e normasurbanas, mas findam por envolver famílias, empresas e entes públicos, em umprocesso de ocupação que compreende áreas mais extensas do que os espaços formaisem muitas grandes cidades no mundo contemporâneo. Os impactos ambientais dasocupações informais são observados há décadas, mas a escala destes é inusitada, oque torna relevante os aspectos antes considerados pouco relevantes, comoimpermeabilidade do solo, vegetação, provisão e a manutenção de serviços urbanosadequados.

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

Figura 5.4 – Modelo para Análise da Produção Habitacional

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

Figura 5.4 – Modelo para Análise da Produção Habitacional (cont.)

5.4 Abordagens Metodológicas e Indicadores

Para analisar a relação de duas vias dos processos e forças motrizes, padrões

urbanos e efeitos ambientais e ecológicos, utilizou-se o modelo esquematizado na

Figura 5.2. A síntese dessas colocações é apresentada neste segundo modelo do

ecossistema urbano. A partir desse esquema é possível mapear ocupações, definir

territórios com seus agentes e seus atributos sociais, ecológicos e ambientais,

perceber assinaturas sociais nos padrões urbanos e tendências de uso e ocupação do

solo urbano no tempo. Porém a análise dos atores e agentes sociais demanda

abordagens próprias.

A abordagem dos atores e agentes sociais

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

Uma perspectiva histórica destas transformações da política ambiental é

apresentada por Redman (2011). Neste artigo se reconhece a importância da

participação cidadã nas políticas públicas urbano-ambientais e a necessidade de uma

metodologia para a tomada de decisões coletivas, como elemento a se incluir nestes

processos decisórios (REDMAN, 2011, p. 221).

A sistematização que se segue constitui um resumo comentado do

levantamento do estado da arte de modelos analíticos em políticas públicas (SOUZA,

2007). O estudo revela que tais modelos tratam de quatro aspectos das políticas

públicas: às próprias políticas e sua tipologia; os sistemas políticos; à sociedade

política; e às instituições, seus formatos e seus modus operandi.

A análise ao campo multidisciplinar das Políticas Públicas aponta para duas

características. Primeiro este campo apresenta diversas teorias e modelos analíticos,

oriundos de mais de uma disciplina, nasce da ciência política, mas vem incorporando

modelos analíticos econométricos e outras técnicas quantitativas e qualitativas de

pesquisa operacional, administração e de planejamento. Segundo, este campo tem

caráter multidisciplinar e apesar de não contar com uma teoria unificada, isso não

depõe contra o campo em sua coerência metodológica, apenas configura olhares

diversos, por vezes conflitantes, por vezes complementares, ou abordagens

construídas para problemas específicos.

Deseja-se aqui analisar os agentes ou atores-chave do processo de urbanização,

mas este mescla ações privadas e públicas pautadas por diversos tipos de políticas:

distributivas quando se privilegia grupos excluídos; regulatórias com leis de uso e

ocupação do solo, ou de perímetro urbano, ou outras constantes em planos diretores;

redistributivas como na provisão de saneamento e outras infraestruturas; constitutivas

como as que regem a gestão compartilhada, ou definem o papel dos conselhos

setoriais de saneamento, meio ambiente, ou orçamento participativo. Contudo, há

ainda ações informais e ilegais (valendo dizer que nem tudo que é informal é ilegal)

praticadas por grande parte da população como atores autônomos, ou agentes

privados, ou mesmo por instituições públicas. Assim, este modelo de análise que trata

das políticas por suas tipologias não se mostra suficiente aos nossos propósitos

analíticos.

O incrementalismo, outro modelo analítico identificado, assume que as

mudanças institucionais são sempre ajustes e adequações a situações operacionais

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

existentes e desconsidera a possibilidade de mudanças mais estruturais efetivas. Com

as reformas institucionais conservadoras nas décadas 1980 e 1990, o modelo perdeu

poder explicativo em face das reformas que foram consequentes do ajuste fiscal em

muitos países. Uma de suas características próprias é que assinala a importância de

decisões passadas sobre as futuras como uma limitação da capacidade dos governos

em adotar novas políticas públicas, ou revertê-las, ou mesmo reorientar processos

consolidados, o que pode possivelmente explicar a derrocada do neoliberalismo. O

que pode se concluir é que, apesar das mudanças estruturais serem possíveis, isso não

implica que estas sejam permanentes e universais. Outra aparente contribuição do

modelo se dá por este revelar a importância do reconhecimento de gargalos no fluxo

dos processos das políticas

Este modelo pode se aplicar ao exame das práticas das concessionárias

públicas e privadas na prestação de serviços de esgotamento sanitário e ambiental

urbano, às instituições de planejamento urbano e regional e nestas às estruturas

institucionais, suas dificuldades constitucionais, regulatórias, procedimentais, aos

seus paradigmas orientadores de planejamento e ação e, aos seus desempenhos e

possibilidades.

Outro modelo denominado por ciclo da política pública focaliza a formação da

agenda política, identificando os seguintes estágios do ciclo em questão: Definição da

agenda política; Identificação de alternativas de ação; Avaliação de opções; Seleção

das opções; Implementação das políticas; Avaliação de resultados.

Este modelo concebe a análise de políticas de modo semelhante ao que o

planejamento define como fases cíclicas. Quanto à fase da definição da agenda é

quando se busca responder por que algumas questões entram na agenda e outras são

ignoradas. Algumas vertentes focalizam mais os atores, enquanto outras o processo.

O modelo oferece três tipos de resposta: se há o reconhecimento de uma crise ou da

gravidade de um problema; como se dá o processo de construção da consciência

coletiva do problema e por que via de mudanças, partidárias, eleitorais, ou

ideológicas; o terceiro tipo de resposta se refere aos participantes, classificados então

como visíveis (políticos, mídia, partidos, grupos de pressão), ou ocultos (acadêmicos,

pesquisadores, burocratas). Os agentes visíveis seriam mais determinantes na

definição das agendas e os ocultos nas alternativas de ação. Os seus formuladores e

informantes do modelo dizem ainda que quando se parte da análise da política, o

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

consenso se daria por barganha, quando se parte do problema o consenso se daria por

persuasão, embora na prática a entrada de um tema na agenda possa se dar sem

consenso e independente de um fórum de discussão, ou por uma arena de

legitimação.

Poder-se-ia agregar a estas fases do ciclo das políticas, o que se identifica na

literatura sobre planejamento. Após a implantação seguem-se as fases de execução

(ou operação), a avaliação e monitoramento e a manutenção. Assim, tal modelo nos

parece promissor na análise de agentes (decisores) e atores (protagonistas) da

urbanização.

Já no modelo lata de lixo, o interesse ou foco se dá sobre as escolhas dos

gestores e das organizações, tratadas como organizações anárquicas que se utilizam

de um conjunto de ideias pouco consistentes. As escolhas comporiam o conteúdo de

um arquivo morto, onde vários tipos de problemas e soluções são colocados e

retirados por decisores na medida das necessidades. Este modelo pode revelar, por

exemplo, a coerência ou não das ações de governo ao longo de várias administrações,

que segundo suas posições programáticas e ideológicas privilegiam cercos problemas

e a maneira de tratá-los. Os elementos deste modelo pode combinar-se com o modelo

do ciclo da política pública (especialmente quanto à fase da definição da agenda), o

que deu origem a outro modelo, chamado de modelo das múltiplas correntes.

O modelo denominado Coalizão de Defesa se contrapõe aos dois anteriores,

pelas dificuldades explicativas dos mesmos quanto ao processo de mudanças. Este

modelo concebe um conjunto de subsistemas relativamente estáveis que se articulam

com acontecimentos externos que orientam as ações, funcionando ou como barreira,

ou como um recurso para as mesmas. Coloca-se ainda que os valores, crenças e ideias

são importantes dimensões do processo de formulação de políticas públicas, em geral

ignorados nos modelos anteriores. Os subsistemas são compostos por coalizões de

defesa, distinguíveis por seus valores, crenças, ideias e recursos.

O modelo das Arenas Sociais, por sua vez, focaliza o papel dos

empreendedores de políticas públicas (no caso, agentes externos) na transformação de

uma questão em problema político que toma a atenção dos gestores. Definem-se três

mecanismos neste processo: divulgação de indicadores que denunciam a gravidade da

questão; eventos catastróficos ou recalcitrantes de um problema; divulgação de

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

resultados comprometedores das ações públicas sobre questões consideradas

importantes.

Os empreendedores podem representar redes sociais. O foco dos estudos se dá

sobre as relações, vínculos e trocas entre entidades e indivíduos e não sobre suas

características. Estudam-se, em situações concretas, as estruturas sociais presentes, as

ações, as estratégias, os constrangimentos, identidades e valores. As redes

constrangem e constroem ações e estratégias continuamente. O modelo procura

estabelecer padrões de relações sociais e, supostamente, seus vínculos explicativos

nos processos nas políticas públicas. Este modelo é de particular interesse no exame

do setor privado enquanto agentes no processo de urbanização, assim como na análise

dos agentes da cidade informal. Juntos estes constituem os agentes externos ao

estado, que são determinantes na urbanização em países como o nosso, abrindo o

leque da análise para a identificação de padrões não só de relações sociais, mas de

comportamentos, que se explicam na urbanização.

Vale observar o que coloca Olson (1965) sobre o processo decisório

compartilhado chamando atenção para o fato de que os interesses comuns não

resultam necessariamente em ações coletivas. Interesses restritos a poucos têm mais

chances de se organizarem do que os interesses difusos. A recorrência a credibilidade

montada por regras pré-anunciadas, prevalentes ao poder discricionário de burocratas

e instituições públicas não garantem, nem a legitimidade que depende do processo

decisório, nem o controle sobre papéis delegados as instituições. Todavia, a

delegação de poder com independência decisória, objetivando a continuidade de

políticas públicas (as libertando dos ciclos eleitorais na busca de coerência e

eficiência) obteve êxito parcial. Esta parcialidade se explica pela provável

permanência de controles discricionários e pela falta de controle social eficiente.

Volta-se assim à questão da representação de interesses difusos nas ações de controle,

num ambiente ultraburocrático de um estado como o brasileiro, com histórico de

baixa capacidade operacional para exercer papéis tradicionais, o que se associa a um

capital social incipiente no controle social.

Ganhou força então um modelo de gestão de políticas denominado novo

gerencialismo público como uma forma de promover da participação, impulsionada

por organismos multilaterais. Tais organismos difundiram o novo gerencialismo,

junto com o conceito de responsabilização que pressupõe a corresponsabilidade

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

pública entre entes públicos e privados, compreendendo aí a organização da

sociedade civil.

A participação direta da população na formulação e acompanhamento das

políticas públicas é mandamento constitucional no Brasil, o que vem sendo

implantado há pouco mais de duas décadas. Como se reconhece amplamente, tais

mecanismos de participação são restritos a micropolíticas e a um papel consultivo,

limitando o possível aumento da eficiência nas políticas públicas.

A análise de políticas públicas não vem apenas sendo influenciada por modelos

como os acima referidos, mas também por teorias de outros campos, notadamente,

pela teoria econômica da regulação. Dentro deste campo teórico tem relevância

recente o chamado neoinstitucionalismo pela contribuição ao debate sobre escolha

racional.

A teoria neoinstitucionalista se desdobra em vieses como o institucionalismo

histórico e o estruturalista na contribuição ao debate relativo ao papel das instituições

na moldagem das preferências sobre as ações. Neste contexto, a ação racional não

depende apenas de autointeresses de decisores, mesmo quando negociada, mas

também da avaliação das consequências políticas das decisões. Entram nesta

avaliação e na formação de preferências, os processos institucionais de socialização,

as heranças culturais e ideias novas. Tal visão é fundamental para entender mudanças

em situação de estabilidade.

O neoinstitucionalismo é respeitado por revelar a importância das regras

institucionais na moldagem das políticas públicas, colocando condições para a

posição e o peso relativo dos atores e revelando como centrais as disputas

interinstitucionais por recursos e poder. Ao final, identificam-se algumas ressalvas

sobre a aplicabilidade do modelo e suas vertentes, basicamente, por suas reduções da

realidade política e por não se adequar bem à análise a algumas questões.

A teoria da Escolha Pública coloca em dúvida a capacidade do governo de

formular políticas públicas em face aos autointeresses, às informações incompletas, a

racionalidade limitada das escolhas e a possibilidade da captura particularista de

instituições públicas. Tal teoria revela desconfiança dos mecanismos políticos de

decisão e defende a superioridade das decisões tomadas pelo mercado, em face

daquelas tomadas por políticos e burocratas estatais. Não se define no texto revisto

(SOUZA, 2007) quem compõe o mercado, sobre que critérios se justificam tal

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

superioridade, quem são os principais decisores de mercado, onde se encontram os

interesses difusos e quem são seus protagonistas.

Em síntese, os modelos de análise em políticas públicas: focalizam, sobretudo,

processos decisórios, atores e modos e regras de operação nas políticas públicas;

buscam distinguir o planejado do realizado nas políticas; distinguem os atores

internos dos externos ao estado, os visíveis dos invisíveis ou ocultos; caracterizam-se

por não formar uma teoria unificada, mas estes se encontram dentro de uma discussão

teórica em um campo delimitado; procuram explicar as mudanças incrementais e

estruturais no curto e no longo prazo nas políticas públicas.

Os modelos em foco permitem compreender melhor, a trajetória seguida e o

papel dos indivíduos, grupos e instituições que estão envolvidos na decisão e que

serão afetados pela política pública (SOUZA, 2007, p.5).

Julga-se de interesse para a análise entre os pontos advindos dos modelos

acima descritos: a identificação de participantes nas políticas ambientais urbanas,

tratada no modelo - ciclo das políticas; a identificação das arenas decisórias; a

presença ou não da questão ambiental urbana nas agendas políticas e a explicação

para esta presença ou ausência; a identificação dos valores dos decisores e das

práticas institucionais consolidadas.

Urbanização como Sistema Urbano Acoplado

A urbanização é uma tendência universal, de crescimento rápido e de

dimensões cada vez mais significativas, por exemplo, houve um aumento de dois

para vinte cidades com mais de vinte milhões de habitantes nos últimos cinquenta

anos, entretanto observa-se uma carência teórica para modelar e antecipar as

condições ambientais urbanas.

A teoria da complexidade tem sido utilizada na abordagem e tradução das

estruturas urbanas complexas como resultado de regras de decisão simples e que

podem compreender emergências. A preocupação teórica se centra em como os

padrões urbanos e as funções urbanas coevoluem. Neste contexto analítico a questão

não é apenas como impactamos o ambiente urbano, mas como interagimos com o

ambiente para gerar as nossas paisagens urbanas, ou como a nossa auto-organização

tem efeito e é efeito da paisagem urbana. A macrodinâmica urbana reflete sua

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

emergência enquanto centros de emprego e nas mudanças do papel desses centros em

hierarquias de redes urbanas. O balanço de forças de atração e repulsão definem o

nível de concentração espacial do emprego. Contudo, nada disso informa sobre as

interações entre a sociedade e o ambiente, ou como isto afeta estas forças de atração e

repulsão.

Como característica, os sistemas sociais e naturais acoplados no urbano não

tendem a um equilíbrio, mas compreendem um sistema de multiequilíbrio aberto,

dinâmico e em grande parte imprevisível. Múltiplas causas e efeitos advêm dos

contextos históricos ambientais dos sistemas urbanos acoplando, que são definidos

por processos orientados por forças internas e externas sob o paradigma do não

equilíbrio. O desafio é desvendar este acoplamento de processos humanos e naturais

interativos.

O marco inicial da ecologia urbana surge com a Escola de Chicago na década

de 20, tratando nichos naturais utilizando a abordagem da ecologia de plantas e as

mudanças de uso do solo foram descritas como sucessões ecológicas. Já nas décadas

de 60 a 90, Odum (2002) descreve os ecossistemas urbanos e os ecologistas passam a

utilizar a teoria de sistemas para calcular o balanço de energia e a ciclagem de

materiais, definindo um metabolismo para ambientes urbanos. Além dos estudos

realizados por biólogos no ambiente urbano houve neste mesmo período um esforço

para conceber a cidade como sistema, gerando um criticado sistemismo que

despolitizou relações sociais e dispensou a história. Entretanto, os paisagistas e

ecólogos traduziram este conhecimento para a prática. Revelou-se um novo

conhecimento sobre um ecossistema, cuja operação se revelou diferenciada e cuja

gestão contribuiu para a teoria do planejamento.

Pressupostos disciplinares tiveram que ser revistos e a teoria da complexidade

permitiu descrever o ecossistema urbano como um sistema adaptativo por um

conjunto de ciclos que compreende processos hierárquicos (em níveis) e estamentais

(em hólons). As fases dos ciclos urbanos compreendem, supostamente, o rápido

crescimento, a conservação, o colapso, a renovação e a reorganização. No lugar da

visão de sucessão, o modelo de mudança segue as propriedades dos ecossistemas: do

potencial para mudança, o grau de conectividade e a resiliência do sistema.

As escolas americanas de Phoenix, Balimore e Seattle de ecologia urbana

perseguem os padrões socioambientais urbanos e suas relações como as funções

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

sociais e ambientais, contudo, varia o modo como se concebe o sistema

socioambiental acoplado o que se revela na composição das equipes de especialistas

envolvidos nestas pesquisas. O modelo de Seattle nos pareceu mais afinado com

nossa visão, mas é interessante observar algumas distinções.

Nenhum destes modelos inclui o fator aprendizado para mudança de

paradigma, ou motivações, mas em síntese recomendam os seguintes passos para a

análise da dinâmica socioambiental urbana: conceber um modelo socioambiental

urbano com definições acordadas sobre processos, fatores determinantes, padrões e

funções urbanas; definir um conjunto de indicadores socioambientais para monitorar

tendências, impactos e decisões sobre padrões alternativos; definir o que sabemos e

não sabemos sobre a relação entre bem estar social e qualidade ambiental; prover

idéias sobre a importância relativa das relações entre desenvolvimento urbano e

dinâmica ecológica e entre variáveis e mecanismos de retroação; definir cenários

possíveis e; considerar a pesquisa como instrumento para decisões políticas, sobre o

que podemos acrescentar os fins educativos e de divulgação pública para

complementar o papel dos agentes ocultos (no caso pesquisadores) nos processos

políticos.

As preferências e atributos de família, empresas e controles estatais não são

suficientes para definir o devir urbano, pois a heterogeneidade dos agentes e suas

interações localizadas determinam, em boa medida, o espaço urbano, contudo, deve-

se observar que existem agentes principais como a firma líder e o estado, com sua

legislação urbana que condiciona também essa heterogeneidade. A interatividade dos

agentes econômicos em um modelo hierárquico integrativo tem suas centralidades,

por exemplo, com o papel da firma líder na orientação de decisões autônomas. No

caso brasileiro, a carência de infraestrutura, a restrição da demanda solvável por

moradia a uma minoria da população, não são fatores sequer percebidos como

definidores do devir urbano.

O modelo de análise da urbanização da escola de Seattle integra padrões e

processos urbanos e seus efeitos. Os dimensões dos processos sociais analisados

compreende fatores demográficos, econômicos, tecnológicos, organizacionais,

institucionais e políticos tomados como atributos dos padrões urbanos, ou forças

atuantes em sua dinâmica. Considera-se a paisagem urbana como nichos dentro de

estruturas verticais e horizontais de relativa independência e equivalência. Modelam-

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

se os agentes por suas regras de interação e seus ambientes de ação e ainda por regras

que definem a sequência de suas ações. Unidades ecológicas são assim representadas

como pegadas na paisagem e unidades econômicas são representadas por parcelas. As

pegadas e parcelas interagem.

O modelo urbano acoplado assim definido construiu-se por microinterações a

partir do comportamento dito como "humano", o UrbanSim (Waddell, 2002) e que se

associa a um modelo de mudanças de ocupação do solo (LCCM), para prever o

estresse ambiental causado por conversões de uso do solo e segundo o uso de

recursos e emissões de gazes. Neste modelo, intenciona-se associar o comportamento

da produção e do consumo por tipo de agente (residentes, famílias e empresas) à

padrões de uso e ocupação do solo, à infraestrutura e aos processos biofísicos. Os

modelos demográficos e de oferta e demanda podem prover previsões de consumo de

energia, água e materiais, ao que se pode adicionar informações sobre a capacidade

das infraestruturas (Alberti, 2008, Fig.2.3).

Observa-se, entretanto, que este modelo inclui fatores demográficos,

comportamentais e de mercado, revelando uma visão formal da urbanização que não

corresponde à realidade de países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Por outro

lado, os agentes imobiliários tendem a esgotar a demanda solvável por ambiente

construído segundo espeficidades locais de infraestrutura em alta resolução espacial e

prever e agir com antecedência com relação às áreas a ocupar, tanto em países

desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. Portanto, as escolhas de

localização tanto para famílias como para empresas é em grande parte condicionada

por estes agentes, o que modelos de microinteraçoes tendem a negligenciar.

As relações entre padrões urbanos e funções ecossistêmicas foram mapeadas

no modelo de Seattle. As funções ambientais e ecológicas definidas neste

mapeamento foram: produção primária de biomassa; função hidrológica; ciclo de

nutrientes; biodiversidade; provisão de habitat; regulação de distúrbios. Os processos

considerados foram: clima; hidrologia; geomorfologia; biogeoquímica; e interações

bióticas. Quanto aos padrões urbanos, estes foram caracterizados segundo: uso do

solo; ocupação do solo; transportes; infraestrutura energética; e infraestrutura

associada à água. Apresentam-se outros subconjuntos de padrões, processos e

funções, com adição de alguns elementos. A rigor um modelo deste tipo deve ser

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

flexível para permitir mudanças nos elementos que compõem estes conjuntos para se

adequar as especificidades locais e temporais.

Identidade e Dinâmica da Paisagem

As relações dos padrões com os processos são estabelecidas por meio de

métodos especiais como o sistema complexo de modelagem de padrões orientados

por agentes ou "Pattens-Oriented Modeling of Agent-Based Complex Systems -

POM" (GRIMM et al., 2005). Neste caso, os atributos de identidade dos padrões

urbanos são: densidade, conectividade, heterogeneidade e forma. A cada uma destas

identidades é atribuído uma série de indicadores e medidas como: percentuais de

cobertura do solo; densidade e tamanho de nichos ecológicos; índice de diversidade

de Shannon; índice de interposição e justaposição entre padrões que informam sobre

contiguidade e dispersão. Por fim, utiliza-se a análise funcional discriminante (DFA

no inglês) para verificar possíveis tendências de desenvolvimento dos padrões a partir

das medidas dos indicadores. A distribuição destes padrões pode ser observada

segundo gradientes de centro a periferia, manchas, redes e hierarquias, que são

perspectivas para estudos de ecossistemas urbanos.

As equações que expressam os indicadores de dinâmica dos padrões são

sofisticadas, exigindo ferramentas computacionais de geoprocessamento. A escala de

tempo tende a exigir um prazo de décadas de observação. Por exemplo, no caso da

expansão da região metropolitana de Seattle, consideraram-se três momentos 1991,

1995 e 1999 com dados do censo e imagens de satélite, dados que foram utilizados,

especificamente, para acompanhar os efeitos da legislação aprovada em 1990 para o

controle do crescimento metropolitano. Selecionaram-se indicadores para monitorar

as políticas urbanas e ambientais referentes à expansão na década de 90.

Os resultados indicaram que houve êxito relativo desta legislação, contudo,

diante da grande expansão da ocupação por conta do notável crescimento da

economia regional naquele estado, nos perguntamos se tais medidas podem não ter

feito mais que mitigar a degradação ambiental. De fato, como se verifica na leitura de

Alberti (2008, p. 126 a 131), revela-se que o crescimento urbano na área em estudo se

mostrou mais agregado, reduzindo a fragmentação da cobertura vegetal, mas pouco

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

se colocou sobre os efeitos deste crescimento sobre a área adjacente à área de estudo

com respeito às mudanças ecossistêmicas.

No entanto, identificam-se três fatores importantes referentes a essa

metodologia, a utilidade em medir atributos de diversas naturezas da paisagem, a

escolha na resolução e escala espacial e a correspondência de objetivos de políticas

com a seleção de medidas na paisagem. Os resultados das medidas podem levar a

interpretações ambíguas, por isso recomenda-se explicitar as mesmas quanto ao

contexto e consequentes significados. Os cruzamentos de padrões urbanos com

processos naturais, ou funções realizadas (como serviços ambientais) por bacias

hidrográficas tomam caráter específico com as variáveis selecionadas. A relação entre

os processos e funções referidas é observada com a constância dos atributos dos

padrões urbanos.

Assim, o ambiente urbano é cenário de agentes mutuamente adaptativos.

Segundo esta abordagem os agentes principais são: os promotores imobiliários, os

governos, os empresários e as famílias ou residentes que atuam e modificam os

padrões urbanos de modo interdependente, ou seja, as decisões de uns atuam sobre as

decisões dos demais, por exemplo, as decisões locacionais de investimento geram

fluxos migratórios para moradias nas cercanias destes empregos, atuam sobre o valor

dos imóveis e aluguéis, sobre a localização e natureza dos empreendimentos

imobiliários, sobre investimentos em infraestrutura e legislação de uso e ocupação do

solo urbano, lei do perímetro urbano etc.

Modelos de decisão com base em agentes sociais permitem atribuir funções

com múltiplos atributos correspondentes aos agentes considerados, possibilitando

ainda ponderar diferentemente tais atributos.

O processo de urbanização tende a substituir a função regulatória da hidrologia

natural por uma infraestrutura específica que reduz a qualidade da água, afeta

negativamente os ecossistemas ribeirinhos, acelera o escoamento superficial,

pavimenta áreas de absorção e amortecimento de inundações periódicas,

principalmente em áreas de mananciais e contribui para mudanças no regime

hidrológico de bacias fluviais.

Em síntese, no modelo de Seattle, pressupõe a possibilidade de uma

explicitação e previsão espacial da ação dos atores, o que é por vezes impossível, por

exemplo, quando planos estatais ou privados são viabilizados e implementados após

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

décadas de espera. Observa-se também que as escolhas do público no mercado

imobiliário são limitadas por interesses de empreendedores, o que vem a constituir

distorções políticas.

As teorias que tratam da dinâmica do sistema acoplado socioambiental

provêem a base para a análise da estrutura, função e dinâmica espacial urbana (como

revela Alberti (2008) citando os trabalhos de vários autores). O trabalho de

reconhecimento dos padrões de uso e ocupação do solo passa então por uma

classificação. Algumas pesquisas deram origem a uma base nacional de classificação

a exemplo do trabalho desenvolvido para a Grande Manchester (Gill, 2008), (NLUD,

2003).

Indicadores

A contribuição da ecologia urbana, como é possível perceber no que já foi

apresentado neste capítulo, se estende a indicadores de sustentabilidade, pois uma

série destes é utilizada no exame e monitoramento dos processos de urbanização

como taxas de crescimento de fatores determinantes de mudanças ambientais como:

tamanho de populações, diversidade de vertebrados, área de devastação de florestas

nativas, consumo de água, produção de cloridratos de carbono e emissões de sulfatos,

chumbo, carbono, nitrogênio e fósforo (TURNER, 1990, p.2, Figura 1.1). A

biodiversidade é sensível a fragmentação, ao tamanho das manchas ou nichos, a

conectividade entre as mesmas, ao número de estradas ou ruas que cortam os cursos

d’água e para sua avaliação são empregados alguns índices. Na tabela a seguir

descrevem-se as associações feitas entre padrões urbanos, atributos de área e

indicadores no levantamento empírico na região de Seattle.

A integridade dos ecossistemas ribeirinhos é por vezes medida em B-IBI. Este

índice revela que tal integridade diminui linearmente com o aumento do número de

ruas ou estradas que cruzam os cursos d’água, que a mesma diminui linearmente com

o percentual de impermeabilização do solo e com o nível de agregação urbana como

área contígua, e ainda diminui linearmente com a fragmentação da cobertura natural.

Variáveis associadas ao saneamento básico também podem ser utilizadas para

avaliação das relações socioambientais urbanas. O uso e despejo da água é um dos

componentes centrais dos impactos ambientais, destacando-se a demanda de água na

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

agricultura e o uso de defensivos, pois a água assim passa a ser um veículo de

degradação dos ecossistemas; a formação artificial de lagos para hidroelétricas e

consequente eutrofização; o uso doméstico urbano de água que se associa a perdas,

desperdícios e problemas com esgotamento sanitário, dificuldades de universalização

da coleta e tratamento de esgotos e a contaminação advinda de sistemas individuais

de tratamento (fossas sépticas ou rudimentares) mal mantidos ou inadequados.

Tabela 5.1 Atributos e Indicadores para Padrões Urbanos

Fonte: Alberti, 2008, traduzido pelo autor.

Por exemplo, nos Estados Unidos, cerca de 70% de toda a água obtida da

superfície ou do subsolo volta aos cursos d’água, embora apenas 17% volta após

tratamento por serviços públicos. A provisão de serviços de coleta e tratamento,

normalmente municipais, cobria cerca de 190 milhões de residentes em 2000 (EPA,

2000). O restante se utilizava de fossas sépticas que, segundo observação de Alberti

(2008), não são confiáveis, pois as aponta como responsável pela maior parte das

contaminações de lençóis freáticos e águas de superfície. Como a população daquele

país em 2000 estava em cerca de 280 milhões, 32% dos residentes dependiam de

Padrão Urbano Atributo Indicador

FormaTamanho da mancha Área da mancha

Forma da mancha Índice de forma

DensidadeDensidade de ocupação do

solo ou Densidade construtiva

Taxa de ocupação - Área

construída/Área ocupada de terreno

HeterogeneidadeComposição de uso e ocupação Área ocupada por uso

Diversidade de ocupação Índice de Shannon

Conectividade

Adjacência Índice de agregação

Distância entre manchas Distância média entre manhas

ContrasteContraste de borda e

Área de borda sobre área de mancha

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

fossas sépticas. Por nossa avaliação a questão não está na confiabilidade destas

soluções individuais por edificação, mas na manutenção das mesmas. Contudo, isto

serve para mostrar a dificuldade de provisão universal de sistemas em rede de coleta

e tratamento, especialmente, onde a expansão urbana de baixa densidade predomina,

em face aos custos de investimento, que são proporcionais a extensão das redes e,

especialmente, os custos de manutenção que se supõe variar com o quadrado desta

extensão.

Quanto a indicadores para o monitoramento de políticas urbanas que visam à

sustentabilidade, a contribuição da ecologia urbana agrega com base em pesquisas

empíricas, onde os padrões de uso e ocupação do solo urbano têm lugar de destaque

nos estudos das condições físicas produzidas pelo conjunto de processos sociedade-

natureza. Muitos indicadores advêm deste ramo do urbanismo que associa atributos

sociais, econômicos e demográficos e padrões de ocupação físicos e de localização de

atividades (BREUSTE, 2011). A geração de ilhas de calor e o impacto negativo sobre

a recarga de aquíferos são alguns dos efeitos bem evidentes (PAULEIT &

BREUSTE, 2011).

5.5 Análise de Impactos Ambientais da Urbanização

O desvendar da inferência da urbanização sobre processos hidrológicos revela,

com os resultados de pesquisas (ALBERTI, p.73 a 77, 2008), que os efeitos da

urbanização sobre funções ecossistêmicas atuam sobre a produção primária líquida

de biomassa. As mudanças de produtividade de biomassa geram perdas na população

de espécies sazonais. A urbanização ocupa os melhores solos e esta produção de

biomassa tem se reduzido, observando-se um crescimento associado na formação de

ilhas de calor e iluminação durante o inverno em países frios.

Sobre o regime hidrológico os efeitos negativos da urbanização são advindos

da impermeabilização do solo, necessidade de aumento crescente vazão dos

elementos de drenagem. A inferência no regime de perturbação com a urbanização

gera assoreamento e a necessidade do alargamento de canais, acarretando um

aumento na vulnerabilidade a catástrofes.

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

Sobre os ciclos de nutrientes, observam-se concentrações crescentes de

fósforo, nitratos e metais pesados e o consumo crescente de energia nas cidades. Na

vegetação, há uma redução de espécies nativas e introdução de exóticas. As aves

nativas diminuem e as oportunistas aumentam. Invertebrados e peixes diminuem com

a impermeabilização do solo. As matas ciliares estão sendo reduzidas e estas são

benéficas a estas populações. O índice B-IBI (Benthic Index of Biotic Integrity),

indicador de biodiversidade decresce com a impermeabilização do solo e extensão

urbana. A agregação de áreas impermeáveis com a densidade de vias compromete a

saúde dos ecossistemas hídricos e o regime hidrológico. A provisão de habitat para

espécies apresenta gradação do urbano ao rural que muda em função dos processos

biofísicos, clima, hidrologia, geomorfologia, biogeoquímica e com as interações

bióticas. O meio urbano estabelece um processo particular de seleção natural, com

novas interações bióticas e ilhas de calor. A ausência ou redução de predadores gera

abundância e escassez previsível de um processo de baixo para cima nas cadeias

tróficas. Há uma invasão de espécies e introdução de espécies exóticas.

Os efeitos da impermeabilização do solo urbano são particularmente estudados

segundo categorias de níveis de impermeabilização desde a cobertura natural ao

estrato de áreas com 75% a 100% de solo impermeável. O intervalo de variação do

volume de drenagem seguindo os estratos do mais permeável ao menos permeável

vai de 10% a 55%, o volume de evapo-transpiração se reduz de 40% a 30%, a

infiltração superficial e profunda se reduz, respectivamente, de 25% e de 10% a 5%.

Tais mudanças observam redução ou crescimento exponencial destas variáveis,

significando dizer que das precipitações, a uma redução da evapo-transpiração e das

infiltrações que passam a compor um volume d’água para drenagem superficial

(ALBERTI p.147, 2008).

A ocupação de alagados urbanos e a poluição dos cursos d’água nas cidades se

associam a emergência e re-emergência de doenças infecto-contagiosas e ainda como

fatores causais da redução da biodiversidade (inclusive dos predadores dos vetores);

as alterações físicas que levam a proliferação de vetores; a invasão de espécies

nocivas; mudanças genéticas induzidas pelo homem (human-induced genetic change)

com o uso de pesticidas e antibióticos, segundo a Organização Mundial de Saúde

(BRIDGEWATER, 2011).

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

Para o encontro de alternativas para a recuperação dos serviços ambientais

ligados a água em ambientes urbanos, Bridgewater (2011) aponta como abordagem

básica considerar a ecohidrologia como: 1) A interação da hidrologia em escala de

bacia e em escala de tempo adequadas; 2) o entendimento das mudanças ecológicas

inevitáveis e o papel social na gestão dessas mudanças; 3) a compreensão do papel

dos ecossistemas urbanos; 4) o uso de propriedades ecossistêmicas como indicadores

de mudança (BRIDGEWATER, 2011, p. 224). Este último ponto permitiria testar e

monitorar estratégias além de responder aos pontos anteriores.

Quanto aos processos alternativos de urbanização como um todo se identificou

em artigo na literatura internacional recente em ecologia urbana coincidente com

nosso ponto de vista, onde se focaliza as forças motrizes dos processos acoplados de

urbanização, contesta-se a crítica antiurbana e indica-se a necessidade de promover

desenvolvimento sustentável associado à urbanização (McDONALD, 2011).

Para uma agenda de pesquisa as questões centrais propostas por Alberti (2008)

são: Como explicar o estado atual que os sistemas socioambientais apresentam e

quais as suas perspectivas? Como a sociedade e o ambiente interagem para gerar

comportamentos emergentes que inferem na sustentabilidade socioambiental urbana?

Tais questões se desdobram em outras mais específicas e sobre as propriedades

emergentes pergunta-se: Como explicar as trajetórias futuras da paisagem

urbanizada? Como os ecossistemas socioambientais urbanos geram emergência de

padrões e processos? Como os padrões emergentes de urbanização influenciam o

funcionamento do sistema socioambiental? Como o planejamento urbano pode

incorporar os conhecimentos sobre o ecossistema socioambiental para a promoção da

resiliência urbana?

5.6 Contribuições da Ecologia Urbana para o Planejamento e Gestão Urbana

e Regional

As ações planejadas que visam a se contrapor aos processos naturais, a

estabilizá-los, ou a seguir uma estratégia rígida, estão condenadas ao fracasso. Os

gestores devem considerar que o sistema acoplado socioambiental se caracteriza, por

exemplo, por propriedades emergentes, portanto é sujeito a surpresas, a efeitos

recíprocos ou a mecanismos circulares e a comportamentos não lineares.

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

No contexto em foco, não há previsões deterministas e exatas. Por isto a

construção de cenários é uma ferramenta útil para a tomada de decisões sobre a

construção de futuros possíveis, mais desejáveis e menos desejáveis, sujeitos as

escolhas de ações no presente, condicionadas por tendências identificadas e fatos

imprevisíveis. A construção de cenários envolve normalmente uma série de etapas

(Schwartz, 1991; Peterson et al., 2003; Lindgren and Bandhold et al., 2003) e se serve

para uma série de propósitos além de possibilitar a criação e recriação de diretrizes

estratégicas para as ações no processo de planejamento e gestão como: ampliar ou

mesmo gerar perspectivas; ajudar decisores a pensar sobre possibilidades futuras;

desafiar pressupostos tanto na ciência quanto no planejamento; desenvolver e testar

estratégias e planos; sintetizar e comunicar informações complexas a decisores;

prover idéias sobre fatores de mudança; esclarecer sobre escolhas entre ações

alternativas; aprimorar a educação e a consciência pública; compreender diferenças

entre decisores e saber explorar suas consequências.

A ecologia urbana releva a importância multidimensional do planejamento da

infraestrutura verde nas cidades. Para isto utiliza inclusive a teoria da biogeografia de

ilhas (COBLENG, 2011b). Sobre isto observa-se que as populações das espécies são

sensíveis: ao número de espécies, a distâncias entre nichos (ou ilhas) e a possibilidade

de migrações entre nichos o que se associa a extinção de algumas. Assim, outra

variável importante considerada neste planejamento é a conectividade entre áreas

verdes, definida por corredores. Quanto a estes, recomenda-se que é melhor proteger

que criá-los.

Dentre as estratégias mais gerais de crescimento urbano identifica-se o

Planejamento do Crescimento Inteligente (Smart Growth Planning) que é norteado,

em resumo, pela acessibilidade. Outra estratégia geral é a Advocacia do

Desenvolvimento Urbano Compacto (Compact Urban Development Advocates), que

propõe a cidade compacta, acessível a pé e por bicicletas, além do uso misto de

edificações (COBLENG, 2011a, p. 231).

Ainda sobre a infraestrutura urbana verde, chama-se atenção de que

geralmente não se considera jardins domésticos como área urbana verde, mas que (de

modo agregado) tais áreas desempenham um papel importante na ecologia urbana.

No Recife e em Belém, assim como em outras cidades brasileiras, os quintais das

casas tiveram e ainda têm um papel ecológico importante.

Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana

Em síntese, as novas acepções do planejamento e gestão urbana, necessárias a

abordagem das questões ambientais, sinalizam para o planejamento da infraestrutura

urbana verde como um elemento chave para o desenvolvimento urbano sustentável e

para a saúde pública física e psicológica (PHILIP, 2011).

É preciso se dar conta dos serviços ambientais que nos prestam a natureza

mesmo num ambiente artificial das cidades e isto para o planejamento da

sustentabilidade. Assim, vale aqui apresentar uma leitura da sistematização destes

serviços realizada por COBLENG (2011a, p. 233):

1. Serviços de regulação como: purificação do ar e filtração da água, redução

de ruídos, controle de patógenos, retenção de nutrientes, regulação

microclimática, controle da drenagem superficial e da erosão;

2. Serviços de manutenção: do habitat para flora e fauna; da qualidade do solo;

da dispersão de sementes, de polinização; dos ciclos de orgânicos e

inorgânicos como a água;

3. Serviços ambientais de provisão de recursos como: lenha; alimentos (frutas

e hortaliças); serviços ornamentais com plantas e flores;

4. Serviços ambientais culturais como: valor estético, educacional,

recreacional e de socialização.

Na discussão das estratégias de planejamento urbano e ambiental, a avaliação

entre benefícios e custos sociais e ambientais é importante, mas deve-se também

considerar a viabilidade em termos de aceitação pública na escolha de alternativas de

ações. Reações sociais a padrões urbanos impostos podem inviabilizar políticas

urbano-ambientais, como as que se observou no caso inglês cuja cultura de vida mais

campestre ou suburbana de morar em casas fez rejeitar diretrizes para uma cidade

compacta.

CONCLUSÕES

A resposta à questão central do estudo de como analisar da urbanização sob a

perspectiva da sustentabilidade socioambiental exigiu o reconhecimento de algumas

dimensões da sustentabilidade e a explicação dos processos de urbanização movidos

por fatores determinantes, forças motrizes, ou motivações. Desse modo, duas esferas

de processos podem ser reconhecidas, os processos sociais e os ambientais.

A definição de um ecossistema urbano permitiu um mapeamento simplificado

destes processos, que por constituírem fenômenos cíclicos (em economias de

aglomeração, ou em ciclos como o da água), vem resultando em crescimento rápido

envolvendo redes de cidades e suas regiões, apresentando perturbações na ciclagem

de inorgânicos e orgânicos e decrescimento rápido da biodiversidade e produção de

biomassa. Em face da complexidade, a análise da urbanização assim concebida pode

apenas definir uma estratégia dialógica (um diálogo circular entre disciplinas)

norteada por alguns macroconceitos.

A análise dos métodos para medir a sustentabilidade revelou que estes são

resultado da compreensão de seus criadores sobre sustentabilidade, ou de suas formas

de isto conceituar. A redução da sustentabilidade a algumas dimensões e a alguns

poucos indicadores mostrou-se problemática por subestimar alguns processos e

sobre-estimar outros, por outro lado, a proliferação de indicadores se mostrou

impraticável. Enquanto, a redução da sustentabilidade a áreas bioprodutivas no

método da Pegada Ecológica significou uma agregação incompleta e problemática, o

método do Barômetro da Sustentabilidade reuniu muitos indicadores supostamente

equivalentes em importância agregados por algoritmos não transparentes.

Alguns métodos aplicáveis a avaliação da sustentabilidade urbana foram

encontrados, poucos destes aplicáveis aos processos de urbanização. Em síntese, uma

forma de superação destas dificuldades é definir indicadores por natureza de processo

que sirva como proxy sobre condições ambientais, ecossistêmicas e sociais.

A qualidade da água reúne cerca de três dezenas de indicadores, mas estes são

apenas pertinentes a água, resultando em um indicador agregado disponibilizado por

agências de controle da qualidade da água no Brasil, ou esta pode ser avaliada em

laboratório quando necessário e associada à reflectância de imagens remotas para

processamento e análise. Esta qualidade se reflete na saúde do ecossistema urbano,

Conclusões

em humanos e outras espécies (uma medida direta de sustentabilidade) e pode ser

proxy de biodiversidade. Dados de saúde humana podem ser associados ao índice de

qualidade da água e a padrões urbanos de uso e ocupação do solo que possuem por

sua vez atributos socioambientais.

Outros dados disponíveis em imagens de satélites podem gerar indicadores

como a qualidade da infraestrutura verde (compreendendo variáveis como número,

tamanho e conectividade destas áreas) e área de cobertura impermeável do solo.

Indicadores de saneamento associados a padrões urbanos complementariam estes

dados, informando sobre as condições da água e do solo urbano. Restaria a qualidade

do ar que se não houver informações disponíveis, dados sobre a infraestrutura verde

versus tipo e número de veículos emissores de gases do efeito estufa serviriam de

proxy.

De posse de diagnóstico ambiental, junto com a esfera dos processos sociais

formais de produção do espaço, controle e decisão, com seus agentes e suas

instâncias de poder, legislações, jurisdições institucionais, arenas de discussão etc. de

um lado e os processos informais de ocupação de outro, permitiria uma prospecção

futura com a criação de cenários. A definição do perfil dos investimentos setoriais e a

taxa de provisão e suas estratégias para oferta de serviços urbanos de saneamento,

transporte e uso e ocupação do solo completaria este quadro.

Pelo exposto, vê-se que, o como avaliar a sustentabilidade urbana é uma

questão contextual que exige escolhas em função do posicionamento do analista.

A centralidade não é suficiente à gestão dos sistemas sociais vivos. Há de se

contar com a descentralização, a autonomia e até com a anarquia (não no sentido de

desordem, mas no encontro espontâneo de soluções locais por agentes locais), uma

capacidade socialmente construída, que não pode, inclusive, ser centralmente

controlada.

A rigor, o processo social engloba os processos estatais, privados e

organizacionais não governamentais de urbanização, contudo, essa separação em

esferas ou nuvens mais ou menos discretas elucida a análise, especialmente, sobre

suas interações, conexões, conflitos e alianças.

Como autocrítica, nos pareceu cabível colocar que as ideias parecem de certo

modo triviais, no sentido de uma aparente originalidade, ou seja, questões já

reconhecidas dita de um modo novo. Contudo, a diferença é que se estruturou, desse

Conclusões

modo, uma forma de permitir o diálogo entre abordagens da urbanização,

considerando as contradições intrínsecas dos processos identificados, associados a

vantagens e desvantagens de estruturas organizacionais societárias básicas. Assim,

novas imersões nesses processos são necessárias para os relacionarem melhor, assim

como para o melhor reconhecimento dessas estruturas, como em um movimento

expansivo de diástole, seguido de um esforço de síntese sistólica desse conhecimento,

para uma ciência com consciência.

A urbanização ecológica constitui o maior desafio posto a humanidade neste

século, pois somos uma civilização urbana, tendendo a uma integração global maior e

mais complexa. Os caminhos para isto são diversos na escala espacial e temporal,

envolvendo desde a reorganização local a políticas globais.

Os resultados de nossas ações de depleção da natureza estão na mídia, às ações

fragmentadas de correção não se sabe ao certo sobre seus resultados em face aos

diversos pressupostos de sustentabilidade e das dificuldades de medir algo assaz

complexo, mas isto faz parte de nosso aprendizado, faz parte de nosso desafio de

reorganização coletiva.

Há diversas formas de compreender e atuar sobre a questão acima exposta que

nos leva a considerar como trabalho mais consequente o desenvolvimento de uma

maior consciência dos efeitos das nossas ações sobre os mecanismos naturais e as

possibilidades de ações socioambientais sinérgicas reorganizadoras do ambiente.

Não basta ter, desenvolver ou adotar um (ou mais de um) bom instrumento ou

método de medida de sustentabilidade, mas também verificar como: os processos

sociais (motivados e condicionados sob o binômio emancipação/sujeição), junto com

os processos econômicos (objetivando acumulação e gerando desperdícios) e os

processos estatais (objetivando poder e controle, contudo se deparando com

descontroles estruturais, advindos também das próprias estratégias de controle

adotadas) se relacionam e determinam a urbanização e o ambiente.

Apesar de guardarem certa independência, as dimensões da sustentabilidade

são interdependentes. Em face às suas diferenças em escala física e temporal, nem

tudo pode ser precificados, especialmente, o que está fora do mercado, ou em um

possível mercado futuro, caso de minérios e espécies vivas. Os estoques de capital

humano, natural e bens materiais (terra, máquinas e construções) não são

substituíveis.

Conclusões

As definições do custo ambiental por precificação pressupõem a substituição

de fatores de produção como recursos naturais e serviços ambientais, o que não é

muitas vezes possível, ou é suscetível a falhas graves, portanto, a precificação

constitui uma estratégia bastante questionável para abordar e medir sustentabilidade

ambiental. Apesar disto, podem substanciar sentenças judiciais e decisões afins.

A indicação geral para o desenvolvimento dos indicadores independentes de

sustentabilidade é de que estes sejam estratégicos (dentro das dimensões) e

específicos (conforme a escala de estudo ou de intervenção), contudo não se encontra

indicações gerais para análises conjuntas.

A construção de grandes painéis com dezenas de indicadores torna difícil o

levantamento e atualização de dados, além do que os métodos que fazem uso de uma

profusão de indicadores tendem a neutralizar o peso relativo dos mesmos.

A observação da dinâmica dos ciclos biogeofísico-químicos em função das

nossas atividades é o que deve permitir definir os entrelaçamentos dimensionais da

sustentabilidade e o monitoramento preciso de ações. O utilitarismo de condicionar a

natureza à economia, ou à sociedade humana não permite discernir sobre os limites

de nossas ações.

A natureza não é um meio, nem um recurso, ela precisa ser antes entendida

como condição, como sistemas de sistemas abertos, em permanente organização,

desorganização e reorganização.

Ao final, considerando a urbanização como objeto de estudo e as limitações

dos métodos passíveis para a medição da (in)sustentabilidade urbana, tornou-se

necessário buscar compreender a (in)sustentabilidade urbana em termos ecológicos e

urbanísticos.

O exame das contribuições da ecologia urbana se revelou fundamental para a

compreensão da urbanização como fenômeno socioambiental. Apesar de sua base,

sobretudo empírica, o conhecimento gerado por esta disciplina eminentemente

transdisciplinar tem contribuído para a compreensão dos efeitos dos padrões de uso e

ocupação do solo urbano sobre os serviços ambientais e ciclos naturais e

reciprocamente, os efeitos retroativos do ambiente sobre a organização urbana e sua

sustentabilidade. As questões propostas por esta disciplina são necessárias mesmo

que não sejam questões resolvidas, em face às permanentes mudanças recíprocas

entre ambiente e sociedade.

Conclusões

Como explicação abrangente, argumenta-se que o ritmo e o padrão de

crescimento urbano seriam as forças motrizes fundamentais das condições ecológicas

dos ecossistemas e do estado dos ambientes físicos urbanos. O problema ambiental

das cidades não seria apenas gerado pelo crescimento e sim pelos padrões de

urbanização, "the problem is not growth but the patterns of growth" (COBLENG,

2011a, p. 230). Supõe-se, portanto que seja possível um crescimento urbano

ecológico, embora segundo a própria ecologia, há que se considerar os limites para o

crescimento, seja ele qual for. Este é um ponto central das discussões entre as

correntes do ambientalismo, sobre o qual a ecologia urbana contribui com a

elucidação das interações dos processos de uso e ocupação do solo urbano,

associados aos processos ecológicos e ciclos naturais de compostos orgânicos e

inorgânicos. Claro que os limites do crescimento urbano estão em função de seus

padrões urbanos e da tecnologia associada, mas existem limites para está ocupação

mesmo que simbiótica, ou mutualista.

Argumenta-se, então, que não é apenas necessário politizar as motivações

condutoras dos processos sociais, mas incorporar seus antagonismos às discussões, ao

planejamento e à gestão. As características dos ecossistemas urbanos nos permitem

conceber as motivações como um duplo afirmativo e negativo atuante. Assim, o

acumular sistêmico na produção compreende o dispersar, o desperdiçar; o controlar

estatal envolve o descontrole; o construir a cidade inclui o desconstruir, o destruir; o

emancipar-se das sociedades e indivíduos abrange o sujeitar-se.

Como conseqüência, identifica-se outro objetivo aplicado da ecologia urbana,

qual seja o de desenvolver o conhecimento para uma capacitação mutualista da

sociedade, que permita a requalificação ecológica dos ambientes construídos. Isto

como coloca Harvey (Harvey, 1997), não se trata de um problema de planejamento

físico, ou construtivo de engenharia, contudo não deixa também de o ser. A ecologia

urbana, embora incorpore os processos sociais, tende a reduzi-los a padrões urbanos

físicos como fato observável, negligenciando a análise e o questionamento das

motivações dos processos sociais, ou os pressupostos paradigmáticos que dão origem

as ações, limitando assim a capacidade de transformação dos sistemas urbanos por

este conhecimento. Entretanto, o conhecimento sobre o funcionamento dos

organismos e processos naturais no ambiente urbano, definido por tais padrões é um

conhecimento insofismável e necessário.

Conclusões

Considerando a ecologia urbana, a visão da cidade toma a dimensão de um

espaço ecológico criado tanto por uma apropriação social, como pela resposta dada

por processos naturais às condições ecológicas artificialmente criadas. No ambiente

construído, a natureza se diferencia não se limitando a reminiscência de um passado

natural, ocorre também uma coevolução ecossistêmica. O desenvolvimento de

bactérias resistentes a antibióticos e insetos a pesticidas é uma prova disto, o que se

dá geralmente por conta da extinção de predadores naturais e outros fatores de

ocupação. Por outro lado, é possível se pensar em uma coevolução positiva, como

fazem os castores com seus diques, em uma escala adequada.

O que não se observou na ecologia urbana é o tratamento do crescimento

urbano em redes de cidades. A questão tratada na geografia econômica tem longa

data e uma de suas mais recentes contribuições identifica o surgimento, crescimento e

decrescimento de cidades, até a extinção de pequenos centros (KRUGMAN, 1999). O

comportamento geral parece se conformar como uma pulsação em expansão, onde a

contração significa a migração para áreas mais dinâmicas, mas as redes como um

todo crescem. A identificação desta dimensão e movimento podem ser elementos

importantes na criação de estratégias de planejamento regional que conduzam ou

induzam a alocação do investimento em infraestrutura sustentável, políticas de

financiamento, provisão, correção de inadequações de equipamentos e moradias e

prevenção de desenvolvimento da precariedade urbana com a democratização do

acesso a terra e a infraestrutura urbana, geração de um mercado de trabalho e

investimento na economia de baixo carbono.

Em face das características dos ecossistemas urbanos, cujos atributos espaciais

não são uniformes, nem independentes de escala, recomenda-se que as metas para

tratar com ecossistemas urbanos devam ser concebidas como alvos móveis, por isso

as estratégias institucionais devem permitir adaptações e mudanças, mas ter

continuidade na persecução destes alvos.

A redução dos processos a fatores fundamentais compreende uma relação de

mútua determinação. Os fatores de controle/descontrole e de

crescimento/decrescimento estão associados. Por outro lado, pode-se verificar a

generalidade destas noções de forças motrizes, ou motivações, que são extensivas a

outros serem vivos e isto pode permitir uma análise menos antropocêntrica para tratar

Conclusões

humanos e outros seres como manifestações distintas de motivações e processo

articulados.

O crescimento econômico se associa a expansão urbana com seus custos,

inclusive ambientais. A oferta de emprego e renda e o acesso restrito a terra

urbanizada são os principais determinantes da ocupação urbana precária em países

como o nosso.

A análise dos modelos de avaliação de políticas públicas, necessários a

abordagem da dimensão política da sustentabilidade, se mostraram pertinentes para

compreender melhor, a trajetória seguida e o papel dos indivíduos, grupos e

instituições envolvidos nas decisões ou afetados por políticas públicas urbano-

ambientais.

Os pontos focais de interesse advindos destes modelos e pertinentes a nossa

análise, se refere à identificação dos participantes de decisões sobre o uso e ocupação

do solo urbano, que podem ser tratados com o modelo do ciclo das políticas (no caso,

políticas ambientais urbanas); na identificação das arenas decisórias afins; na

presença ou não da questão ambiental urbana nas agendas políticas e a explicação

para esta presença ou ausência; e ainda na identificação dos valores dos decisores;

além das práticas institucionais consolidadas a respeito.

Nenhum destes modelos examinados (sejam advindos da ecologia urbana ou da

ciência política) inclui o fator aprendizado para a mudança de paradigma, ou a análise

das motivações das ações, mas no caso da ecologia urbana, em síntese, recomendam-

se os seguintes passos para a análise da dinâmica socioambiental urbana: definir um

modelo socioambiental urbano com definições acordadas sobre processos, fatores

determinantes, padrões e funções urbanas; definir um conjunto de indicadores

socioambientais para monitorar tendências, impactos e decisões sobre padrões

alternativos; definir o que sabemos e não sabemos sobre a relação entre bem estar

social e qualidade ambiental; prover ideias sobre a importância relativa das relações

entre desenvolvimento urbano e dinâmica ecológica e entre variáveis e mecanismos

de retroação; definir cenários possíveis e; considerar a pesquisa como instrumento

para decisões políticas, sobre o que, podemos acrescentar, fins educativos e de

divulgação pública para complementar o papel dos agentes ocultos (no caso

pesquisadores) nos processos políticos.

Conclusões

Os modelos de geração de cenários a partir de microinterações de agentes,

como autômatos finitos, utilizados na ecologia urbana, não parecem considerar o peso

relativo destes agentes. A consideração de preferências e atributos de indivíduos,

famílias, ou empresas e os controles estatais não são suficientes para definir o devir

urbano. Há que se observar o alcance de agentes principais como a firma líder,

especialmente, no mercado imobiliário, o estado com a legislação urbana, o

planejamento urbano ou sua ausência (no nosso caso associada às ocupações

informais).

A interatividade dos agentes econômicos em um modelo hierárquico

integrativo tem suas centralidades, por exemplo, com o papel da firma líder na

orientação de decisões autônomas. No caso brasileiro, a carência geral de

infraestrutura, a restrição da demanda solvável por moradia pronta a uma minoria da

população, não são fatores normalmente percebidos da superconcentração urbana e

como definidores do devir urbano.

A visão formal da urbanização que trata a ecologia urbana não corresponde

ainda à realidade de países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. No entanto, vale

para todos estes o fato de que os agentes imobiliários tendem a esgotar a demanda

solvável por ambiente construído segundo especificidades locais de infraestrutura, em

alta resolução espacial e, prever e agir com antecedência com relação as áreas a

ocupar, tanto em países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. Portanto,

as escolhas de localização tanto para famílias como para empresas é em grande parte

condicionada por estes agentes, o que os modelos de microinteraçoes tendem a

negligenciar.

As teorias que tratam da dinâmica do sistema acoplado socioambiental

provêem a base para a análise da estrutura, função e dinâmica espacial urbana. O

trabalho de reconhecimento dos padrões de uso e ocupação do solo passa então por

uma classificação. Algumas pesquisas deram origem a uma base nacional de

classificação a exemplo do trabalho desenvolvido para a Grande Manchester (Gill,

2008), (NLUD, 2003).

Quanto a indicadores para o monitoramento de políticas urbanas que visem à

sustentabilidade, a contribuição da ecologia urbana agrega com base em pesquisas

empíricas, onde os padrões de uso e ocupação do solo urbano têm lugar de destaque

nos estudos das condições físicas produzidas pelo conjunto de processos sociedade-

Conclusões

natureza. Muitos indicadores advêm deste ramo do urbanismo que associa atributos

sociais, econômicos e demográficos e padrões de ocupação físicos e de localização de

atividades (BREUSTE, 2011). A geração de ilhas de calor e o impacto negativo sobre

a recarga de aquíferos são alguns dos efeitos bem evidentes (PAULEIT &

BREUSTE, 2011).

Quanto aos processos alternativos de urbanização como um todo se identificou

em artigo na literatura internacional recente em ecologia urbana coincidência com

nosso ponto de vista, onde se focaliza as forças motrizes dos processos acoplados de

urbanização, contesta-se a crítica antiurbana e indica-se a necessidade de promover e

desenvolvimento sustentável associado à urbanização (McDONALD, 2011).

Para uma agenda de pesquisa as questões centrais propostas por Alberti (2008),

sugere-se: Como explicar o estado atual que os sistemas socioambientais apresentam

e quais as suas perspectivas? Como a sociedade e o ambiente interagem para gerar

comportamentos emergentes que inferem na sustentabilidade socioambiental urbana?

Tais questões se desdobram em outras mais específicas e sobre as propriedades

emergentes pergunta-se: Como explicar as trajetórias futuras da paisagem

urbanizada? Como os ecossistemas socioambientais urbanos geram emergência de

novos padrões e processos? Como os padrões emergentes de urbanização influenciam

o funcionamento do sistema socioambiental? Como o planejamento urbano pode

incorporar os conhecimentos sobre o ecossistema socioambiental para sua maior

resiliência? O desenvolvimento urbano pode seguir a diretriz da sustentabilidade

ecológica?

A ecologia urbana agrega também ao planejamento com o conhecimento sobre

limiares de processos que, se ultrapassados, precipitam mudanças negativas

irreversíveis ou imprevisíveis. A imprevisibilidade da urbanização implica que o

planejamento e a gestão urbana devam considerar a complexidade e a incerteza e

dirigir as estratégias rumo à flexibilidade, à adaptabilidade e à resiliência (HOLLING

& GUNDERSON, 2002). O desafio é desenvolver uma capacidade adaptativa para

aprender e incorporar tal conhecimento a mudanças de gestão. Disto pode-se

concluir, prematuramente, que não há mais espaço para o planejamento, desde que

em tal cenário de incertezas os planos se tornariam rapidamente obsoletos. Contudo,

existem os planos de vôo, que orientam os pilotos a destinos finais mesmo que os

Conclusões

percursos previamente traçados não possam, nem devam ser, rigidamente,

perseguidos.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Thompson A.; SERRA, Rodrigo V. Cidades Médias Brasileiras. Rio de

Janeiro: IPEA, 2001.

BARBOSA, Wanderley & CRISPIM, Sérgio F. - As Teorias do Caos e da

Complexidade na Gestão Estratégica. Disponível em 20/06/2012:

http://www.aedb.br/seget/artigos06/834_Caos%20e%20Complexidade%20Seget.pdf

BAUER, Ruben - Gestão pela Teoria do Caos. Disponível em 20/06/2012:

http://www.teoriadacomplexidade.com.br/textos/teoriadocaos/GestaoPelaTeoriaDoCa

os.pdf.

BEATLEY, Timothy. Green Urbanism Down Under: learning from sustainable

communities in Australia, London: Irland Press, 2009

BELLEN, Hans Michael van. Indicadores de Sustentabilidade: uma análise

comparativa. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

BOSSEL, H. Earth at a crossroads: paths to a sustainable future: theory, method,

applications: a report to the Balaton Group. Winnipeg: IISD, 1999.

BOURDIER, P. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2010.

BREUSTE, Jürgen H. Land-use & Surface-cover as Urban Ecological Indicators in

Urban Ecology: Patterns, Processes, and Applications, Oxford University Press,

Oxford-UK, 2011a.

BRIDGEWATER, Peter. Water Service in Urban Landscapes in Urban Ecology:

Patterns, Processes, and Applications, Oxford University Press, Oxford-UK, 2011.

BRUNA, Gilda Collet; PHILIPPI Jr., Arlindo; ROMERO, Marcelo de Andrade

editores – Curso de Gestão Ambiental, Barueri, SP: Manole, USP, 2004.

CAPRA, T. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos.

São Paulo: Cultrix, 1996.

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede, São Paulo: Paz e Terra, 2000.

CIRNE-LIMA, Carlos & ROHDEN, Luiz (orgs.) – Dialética e auto-organização, São

Leopoldo: Unisinos, 2003.

COBLENG, Johan. The Role of Ecosystem Services in Contemporary Urban

Planning in Urban Ecology: Patterns, Processes, and Applications, Oxford University

Press, Oxford-UK, 2011a.

Referências

_______________. Green Infrastructure Planning & Island bBiogeography Theory

in Urban Ecology: Patterns, Processes, and Applications, Oxford University Press,

Oxford-UK, 2011b.

CORRÊA, Ângela Cristina; COELHO, Christianne S. R.; DOMINGUES, Jari;

ANDRADE, Rosiene Rosália; MARINHO, Sidnei Vieira - A teoria da complexidade

no âmbito da gestão organizacional considerando as variáveis, planejamento

estratégico, mudança organizacional e processo criativo. Disponível em 20/06/2011:

http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2002_TR70_1164.pdf.

DALY, Herman E. – Sustentabilidade em um mundo lotado, Em Scientific American

Brasil, São Paulo, outubro de 2005.

DOUGLAS, Ian and RAVETZ, Joe, 2011. Urban Ecology – the Bigger Picture,

Urban Ecology: Patterns, Processes, and Applications, Oxford University Press,

Oxford-UK, 2011.

ECKHARDT, Bernardo. Indicadores de Sustentabilidade. Disponível em

http://meioambientecriativo.blogspot.com (19/05/2011).

FARLEY, Joshua. Economia para um Planeta Finito: Economia Ecológica

(apresentação), 2009.

FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1974.

GORDON, Deborah. Formigas em Ação: como se organiza uma sociedade de

insetos. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

GRIMM et al. Patterns-Oriented Modeling of Agent-Based Complex Systems:

Lessons from Ecology. Science 310:987-991, 2005.

HARVEY, David. Justice, Nature and the Geography of Difference. Oxford, UK:

Blackwell, 1996.

HOLLING, C. S. & GANDERSON, L. H. Resilience and adaptive cycles. In

Panarchy: Understanding transformations in human and natural systems,

Washington, D.C.: Island Press, p. 25 – 62, 2002.

HUME, David. Ensaios Morais, Políticos e Literários, São Paulo: Abril, 1973.

HUME, David. Os Pensadores: Berkeley – Hume. Vol. 22. São Paulo: Editora Abril

Cultural, 1973.

IISD, Los Principios de Bellagio, 2000. Disponível em:

http://www.iisd.org/measure/principles/progress/bellagio_full_es.asp

Referências

JACOBI, Pedro. Meio ambiente urbano e sustentabilidade: alguns elementos para

reflexão, in Meio Ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas, Clóvis

Cavalcanti (org.), São Paulo: Cortez: Recife, Fundação Joaquim Nabuco, 1997.

JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

KRUGMAN, Paul R.; FUJITA, Masashisa; VENABLES, Anthony J. Economia

Espacial, São Paulo: Futura, 2002.

KRUGMAN, Paul. Economia Espacial. São Paulo: Futura, 2002.

KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 7 ed. São Paulo:

Perspectiva, 2003.

LEFF, Enrique – Epistemologia Ambiental, São Paulo: Cortez, 2010.

LOVELOCK, James. Gaia: alerta final, São Paulo: Intrinseca, 2010.

McDONALD, Robert & MARCOTULLIO, Peter. Global Effect of Urbanização on

Ecosystems Services, Oxford University Press, Oxford-UK, 2011.

MCDONNELL, Mark J. The History of Urban Ecology in Urban Ecology: Patterns,

Processes, and Applications, Oxford University Press, Oxford, 2011, UK.

MEADOWS, Donella H., MEADOWS Dennis L., RANDERS Jorgen & BEHRENS

III, William W. Limits to Growth, New York: Potomac Associates, 1972.

MORIN, Edgar – La Voie: pour l’avenir de l’humanitè, Paris: Fayard, 2011.

_______, Edgar - O Método: a natureza da natureza, Volume 1, Porto Alegre: Sulina,

2008a.

_______, Edgar - O Método: a vida da vida, Volume 2. Porto Alegre: Sulina, 2008b.

_______, Edgar - CIÊNCIA COM CONSCIÊNCIA, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

2010.

NEDER, Ricardo T. Crise sócio-ambiental estado e sociedade civil no Brasil, São

Paulo: Annablume, 2002.

_______, Ricardo T. - “Para uma regulação pública ambiental pós-

desenvolvimentista no Brasil”, Meio Ambiente, Desenvolvimento sustentável e

políticas públicas, Fundação Joaquim Nabuco, Clóvis Cavalcanti (org.), São Paulo:

Cortez: Recife, 1997.

NEIMELÄ, Jari et al. Urban Ecology: Patterns, Processes, and Applications, Oxford

University Press, Oxford, 2011, UK.

ODUM, Eugene P. & BARRETT, Gary W. Fundamentos de Ecologia, São Paulo,

Cengage Learning, 2007.

Referências

ONU - Relatório Brundland - Relatório Nosso Futuro Comum. ONU, 1987.

Outros textos consultados disponível em: http://www.zeeli.pro.br/

PATTEN, B. C., & JøRGENSEN S. E. Complex ecology: The part-whole relation in

ecosystems. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1995.

PAULEIT Stephan, LIU Li, AHERN Jack, and KAZMIERCZAK Aleksandra.

Multifunctional Green Infrastructure Planning to Promote Ecological Services in the

City in Urban Ecology: Patterns, Processes, and Applications, Oxford University

Press, Oxford-UK, 2011.

PETITOT Jean; ROSENSTIEHL Pierre. Automate asocial et syntème acentrés. PLC.

Em: Communications, 22, p. 45-62, 1974.

PHILIP, James. Urban Design, Planning, and Management: Lessons from Ecology in

Urban Ecology: Patterns, Processes, and Applications, Oxford University Press,

Oxford-UK, 2011.

PRIGOGINE, Ilya. O Fim das Certezas - Tempo, Caos e as Leis da Natureza, São

Paulo: UNESP, 1996.

REDMAN, Charles L. Social-Ecologial Transformations in Urban Landscape – A

Historical Perspective. Urban Ecology: Patterns, Processes, and Applications, Oxford

University Press, Oxford-UK, 2011.

SACHS, Ignacy – Rumo à Ecossocioeconomia: Teoria e prática do desenvolvimento,

São Paulo: Cortez Editora, 2006.

_____, Ignacy A terceira margem: em busca do ecodesenvolvimento, São Paulo:

Companhia das Letras, 2009.

SANTOS, Milton & SOUZA, Maria Adélia A. - Espaço Interdisciplinar, São Paulo:

Nobel, 1986.

______, Milton. A urbanização Brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993.

SANTOS, Rozely F. dos. Planejamento Ambiental: teoria e prática. São Paulo:

Oficina de Textos, 2004.

SEN, Amartya. Desenvolvimento com Liberdade, São Paulo: Companhia de Letras,

2000.

SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. São Paulo: Contexto, 2002.

SOUZA, Celina (Pesquisadora do Centro de Recursos Humanos (CRH) da

Universidade Federal da Bahia) – Estado-da-Arte da Pesquisa em Políticas Públicas,

mimeo, 2007.

Referências

STIGLITZ-SEM-FITOUSSI, REPORT BY THE COMMISSION ON THE

MEASUREMENT OF ECONOMIC PERFORMANCE AND SOCIAL PROGRESS,

2009. Disponível em: www.stiglitz-sen-fitoussi.fr.

STORR, Frances; MOSCOW, Sheppard - Applying Complexity Theory to

Performance Appraisal. Disponível em 20/06/2011:

http://www.psych.lse.ac.uk/complexity/Conference/Storr.pdf.

TENÓRIO, Jorge Alberto Souza & ESPINOSA, Denise Crocce Romano – Controle

Ambiental de Resíduos, in Curso de gestão ambiental, Arlindo Philippi Jr., Marcelo

de Andrade Romero & Gilda Collet Bruna, editores. – Barueri, SP: Manole, 2004.

TORRES, José Julio Martins - Teoria da complexidade: uma nova visão de mundo

para a estratégia. Disponível em 20/06/2011: http://www.facape.br/ruth/adm-

filosofia/Texto_5_-_Teoria_da_Complexidade_e_Estrat.pdf

TUNSTALL, D. Developing environmental indicators: definitions, framework and

issues. In: WORKSHOP ON GLOBAL ENVIRONMENTAL INDICATORS,

Washington, DC. Dec. 7-8, 1992. Washington, DC. World Resources Institute, 1994.

UN – Relatório Nosso Futuro Comum (Relatório Brundland), 1987.

UN – United Nations Division for Sustainable Development / EGM / ISD. Indicators

of Sustainable Development: Proposals for a Way Forward, 2005.

UNITEC NATIONS HUMAN SETTLEMENT PROGRAMME – Planning

Sustainable Cities: Policy Directions – Global Report in Human Settlements, London:

Earthscan, 2009.

United Nations Division for Sustainable Development / EGM / ISD. Indicators of

Sustainable Development: Proposals for a Way Forward, 2005.

VEIGA, José Eli da (Org.) ECONOMIA SOCIOAMBIENTAL, 2010. p.300-301.

VEIGA, José Eli da - Sustentabilidade: a legitimidade de um novo valor, São Paulo:

Editora Senac São Paulo, 2010.

______, José Eli da - INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE na Revista:

Estudos Avançados No, 68 , Vol. 24, Janeiro-Abril 2010b.

______, José Lins da - A emergência socioambiental, São Paulo: SENAC, 2007

______, José Eli da - O desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI, Rio

de Janeiro: Garamond, 2005.

WACKERNAGEL, M. e Outros ECOLOGICAL FOOTPRINTS OF NATIONS.

Disponível em 20/06/2011:

Referências

http://www.footprintnetwork.org/en/index.php/GFN/page/footprint_for_nations/

ZIMMERER, Karl. S. & BASSETT, Thomas J. (Org.s) Political ecology: an

integrative approach to geography and environment-development studies, Nova

York: The Guilford Press, 2003.

ZIPPERER, Wayne C. et al. Linking Social and Ecological Systems. Urban Ecology:

Patterns, Processes, and Applications, Oxford University Press, Oxford-UK, 2011.