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REVISTA REDAÇÃO PROFESSOR: Lucas Rocha DISCIPLINA: Redação DATA: 29/03/2015 ————————————————————————————————————————————— 1 11

PROFESSOR: Lucas Rocha DISCIPLINA: Redação DATA: … · No bojo das investigações da chamada Operação Lava Jato e de todo o fervor ... mesmo num preço artificialmente baixo

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REVISTA REDAÇÃO

PROFESSOR: Lucas Rocha

DISCIPLINA: Redação

DATA: 29/03/2015

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Exterminadores do futuro (JOÃO ANTÔNIO MORAES)

No bojo das investigações da chamada Operação Lava Jato e de todo o fervor midiático que a rodeia, já estamos vivendo um desmoronamento da tão importante política de conteúdo local, pois a Petrobrás, pressionada pela

grande imprensa e pelo juiz Sérgio Moro, excluiu das últimas licitações mais de vinte empresas nacionais

A PETROBRÁS1 foi instituída por meio da Lei n. 2.004/1953, sancionada por Getúlio Vargas após uma campanha que tomou ruas e praças do Brasil entre 1946 e 1953. Praticamente em todos os municípios brasileiros havia um ―comitê de estudos do petróleo‖ que discutia o tema e mobilizava a sociedade. Essa campanha ficou conhecida como ―O petróleo é nosso‖, frase alcunhada pelo saudoso Mário Lago. Apesar de ter obtido um apoio muito consistente, nem por isso foi unânime, tanto é que, meses depois, o presidente se viu obrigado a tirar a própria vida, deixando registrado em sua carta-testamento que os ataques que recebeu foram em grande parte por causa da criação da empresa.

Paixões à parte, toda a disputa em torno do tema petróleo tem como fundamento a necessidade quase imperiosa desse recurso natural na vida da humanidade (55% da energia, 90% de tudo que se move, 3 mil produtos cotidianos), mas também o retorno econômico de sua produção e processamento. Um bem produzido a valores que dependem do contexto geológico – em média US$ 7 o barril na Arábia Saudita e US$ 14 no Brasil –, mesmo num preço artificialmente baixo desde o segundo semestre de 2014 (quando caiu da casa dos US$ 100 o barril para valores em torno de US$ 50 a US$ 60), tem gerado ganhos em torno de 1.000% para os sauditas. No entanto, neste artigo queremos focar uma questão muito cara a nós, trabalhadores: os postos de trabalho e a renda possível graças à utilização desse recurso como alavancador do desenvolvimento nacional. Vamos a essa questão.

A exploração, produção, transporte e mesmo o refino de petróleo são atividades intensas em capital, exigindo vultosos investimentos e alta tecnologia. No entanto, os empregos gerados são, em número, pequenos e altamente especializados. Conseguimos uma quantidade maior de postos de trabalho nas duas pontas da cadeia produtiva, isto é, na produção dos

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navios/plataformas e na indústria petroquímica/de plásticos. Assim, inúmeras nações que possuíram ou possuem grandes reservas petrolíferas permaneceram miseráveis, se não caíram na chamada ―doença holandesa‖ (quando um fluxo muito grande de moeda estrangeira resultado da exportação de bens naturais deteriora a moeda nacional, destruindo a indústria e tudo o mais).

O Brasil, depois da confirmação pela Petrobrás da existência do pré-sal em 2006, passou a figurar entre as nações que podem se transformar em grandes produtores mundiais de óleo e gás, saindo da 13ª posição (2,2 mil barris por dia – bpd) em 2012 para a quinta posição em 2030 (5,2 mil bpd). O governo do presidente Lula, acompanhado pelo da presidenta Dilma – que já havia sido sua ministra de Minas e Energia –, tomou diversas medidas que dialogam diretamente com essas constatações de produção e as favorecem, sendo a primeira delas a política de ―conteúdo nacional‖, além do modelo de partilha da produção. Num primeiro momento, o governo determinou para a Petrobrás a prioridade nacional nas contratações dos novos navios e plataformas, depois introduziu na regulação a exigência de compras na indústria local. Essas medidas foram muito importantes para a geração de emprego no país. Apenas para ilustrar, em 2002 tínhamos 2 mil postos de trabalho nos estaleiros brasileiros; em 2014, esse número passava de 80 mil, segundo dados do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp). E mais: o conteúdo nacional proporcionou 640 mil empregos com carteira assinada por meio de investimentos da ordem de US$ 15 bilhões.

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No entanto, queremos destacar que interna e externamente temos muitos inimigos da política de conteúdo local, os quais alegam que fica mais caro para a Petrobrás comprar no Brasil. Ainda que isso aconteça num primeiro momento, até que a indústria percorra a curva de desenvolvimento do conhecimento, vale a pena, pois somente assim teremos uma indústria sólida, que poderá cumprir papel fundamental em nosso progresso econômico, científico e social, mesmo depois que o petróleo acabar (uma vez que não há segunda safra).

No bojo das investigações da chamada Operação Lava Jato e de todo o fervor midiático que a rodeia, já estamos vivendo um desmoronamento da tão importante política de conteúdo local, pois a Petrobrás, pressionada pela grande imprensa e pelo juiz Sérgio Moro, excluiu das últimas licitações – inclusive para a construção de módulos de compressão de gás – mais de vinte empresas nacionais, como alguns estaleiros que foram arrolados. Como sabemos que não se criam novas empresas nacionais da noite para o dia, a consequência será desemprego em massa e miséria aqui no nosso país, já que, sem a participação dessas empresas nacionais, teremos nas novas licitações apenas empresas estrangeiras, como era até 2002.

Queremos deixar muito claro que em nossa visão todo brasileiro deve ser favorável à apuração de eventuais ilícitos e, caso comprovados, à punição exemplar dos culpados. No entanto, as instituições devem ser preservadas. O dano à nossa economia já está sendo muito alto, com grandes chances de serem irreparáveis. Parece-nos insano que, por conta de alguns poucos que erraram, todos paguem. Somos na Petrobrás 85 mil trabalhadores diretos. Nas empresas contratadas, passamos de 300 mil. Se extrapolarmos para fornecedores e demais envolvidos, a indústria do petróleo e gás pode estar empregando perto de 1 milhão de honestos e dedicados trabalhadores brasileiros.

É importante destacar ainda que, apesar de existirem por volta de cinquenta operadoras de petróleo e gás em nosso país, somente a Petrobrás tem encomendas nos nossos estaleiros, pois as operadoras estrangeiras privadas vêm encontrando artifícios para burlar nossa legislação e realizam as encomendas fora do Brasil. Ora, a Petrobrás investe mais de US$ 121 milhões por dia em nosso país. A quem pode interessar a desmoralização desse agente econômico?

Sabemos que a oposição partidária não esconde de ninguém seu desejo de acabar com o modelo de partilha e retomar para o pré-sal o nefasto modelo de concessões, que impede a política de conteúdo nacional e cria, inclusive, muitas dificuldades para destinação dosroyalties e do fundo social (50% para a educação e 25% para a saúde). Tanto é que o senador Aloysio Nunes protocolou projeto de lei no Senado Federal para a extinção do modelo de partilha; diga-se de passagem, promessa de campanha às multinacionais dos candidatos José Serra (2002), Geraldo Alckmin (2006) e Aécio Neves (2014) à Presidência da República.

Ao contrário da elite econômica que pode viver em Miami, Paris, Nova York etc., nós, trabalhadores, temos nossos compromissos atrelados, irremediavelmente, ao nosso país. Por isso lutaremos com toda a nossa energia e com as organizações que construímos, FUP, CUT e diversos movimentos sociais, para não permitirmos que solapem mais um ciclo econômico, dessa vez o do pré-sal, como já fizeram com o ouro, o ferro e outros recursos naturais, colocando-os à disposição de agentes estrangeiros e destruindo a possibilidade de um desenvolvimento e de um futuro justo para todos os brasileiros.

Nossos pais e avós fizeram a campanha ―O petróleo é nosso‖ para a criação da maior empresa do país. Nós defenderemos a Petrobrás e o pré-sal, afinal: ―Defender a Petrobrás é defender o Brasil‖.

1 A palavra Petrobrás está acentuada como forma de afirmação da posição do movimento sindical petroleiro em defesa da empresa enquanto pública e eminentemente brasileira. Essa foi uma decisão tomada em 2002 para contrapor a mudança no nome da empresa. Recordando, em 1994, a logomarca da estatal foi modificada e a palavra Petrobrás perdeu o acento. O modelo neoliberal de governo e gestão das empresas públicas impôs ao longo de toda a década de 1990 a abertura e internacionalização da Petrobrás. E na língua inglesa não existe acento.

JOÃO ANTÔNIO MORAES é diretor de relações internacionais e movimentos sociais da FUP/CUT. Ilustração: Daniel Kondo. Jornal LE MONDE DIPLOMATIQUE BRAIL Março de 2015.

O assassino do voo 9525 (LUCAS BESSEL e MARIANA QUEIROZ BARBOZA)

Problemas de saúde mental mantidos em segredo podem explicar por que um jovem copiloto alemão deliberadamente derrubou nos Alpes Franceses um Airbus com 150 pessoas a bordo

DEZ minutos transcorreram desde o momento em que Andreas Lubitz tomou a primeira ação para tirar a própria vida até a hora exata em que o Airbus A-320 se chocou contra as encostas dos Alpes franceses, na terça-feira 24. Tirar a própria vida e assassinar 149 pessoas. Durante a queda de 11 mil metros, o piloto de 27 anos não disse uma única palavra. Trancado, sozinho no cockpit, Andreas podia ouvir as batidas de seu comandante do lado de fora da porta blindada.

Depois, escutou socos e chutes cada vez mais fortes. Em seguida, manteve-se impassível diante das tentativas desesperadas de pessoas querendo derrubar a barreira intransponível com um machado. Na cabine de passageiros, transformou-se em puro terror o que havia começado como uma incomum redução de altitude – marcada por aquela incômoda variação de pressão nos ouvidos e por um leve frio no estômago. O voo 9525 da companhia alemã Germanwings, entre Barcelona, na Espanha, e Düsseldorf, na Alemanha, virou um dos episódios mais macabros da história da aviação.

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A cena de um piloto tentando arrombar a porta do cockpit enquanto o avião se dirige ao choque fatal poderia estar numa peça de ficção macabra. Mas era real. O tempo na região estava bom. Pelas janelas, os passageiros podiam ver cada vez mais próximas as duras montanhas dos Alpes ainda habitadas por grupos de lobos. A descida se deu em ritmo paradoxalmente lento (por ser similar ao de um pouso normal) e rápido (por levar à morte certa). Em meio aos gritos de desespero dos ocupantes do Airbus, que puderam ser ouvidos nos registros da caixa-preta, Andreas manteve o tempo todo a respiração calma, regular, como se nada de anormal estivesse acontecendo. E permaneceu em silêncio nos últimos dez minutos de sua vida. Havia deliberadamente programado o A-320 para fazer uma descida fatal em direção aos picos rochosos.

Os últimos sons que o copiloto ouviu foram os alertas de proximidade de solo emitidos pelo Airbus e as ordens automáticas dadas por uma voz levemente metálica, de tom alarmante, em inglês: ―Terrain! Pull up! Terrain! Pull up!‖ (Terreno! Suba! Terreno! Suba!). Andreas não obedeceu. O choque a cerca de 600 km/h obliterou a aeronave. O maior dos pedaços restantes é do tamanho de um carro popular. A identificação dos restos mortais dos 144 passageiros e seis tripulantes será feita por testes de DNA. O que começou como o pior acidente aéreo em território francês desde 1981, chocante como esses eventos costumam ser, transformou-se, na quinta-feira 26, numa investigação de homicídio. Segundo o promotor de Marselha que analisou a gravação da caixa-preta de voz, principal evidência recuperada até a sexta-feira 27, qualquer outra explicação para a tragédia que não a vontade do copiloto de tirar a própria vida e a dos ocupantes do Airbus agora está em segundo plano

Os mortos compreendem pessoas de ao menos 15 nacionalidades. Entre as vítimas, 16 alunos do Ensino Médio e duas professoras da escola Joseph-König, no pequeno município alemão de Haltern am See, que voltavam de um intercâmbio de uma semana na Espanha, na vila de Llinars del Valles. Um casal de marroquinos recém-casados, Asmae Ouahoud el Allaoui, de 23 anos, e Mohammed Tehrioui, de 24, viajava a Düsseldorf para começar uma nova vida. Três gerações de uma mesma família (filha, mãe e avó), todas da cidade espanhola de Sant Cugat del Valles, perto de Barcelona, morreram. O cantor lírico Oleg Bryjak, da Ópera de Düsseldorf, também perdeu a vida na queda do avião. Ele havia apresentado a peça ―Siegfried‖, de Richard Wagner, no teatro Liceu de Barcelona, ao lado da também cantora Maria Radner, outra vítima da tragédia, que viajava com o marido e o filho bebê. O tema central de ―Siegfried‖ é o medo.

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A busca pelos motivos para as ações do copiloto começaram na própria tarde de quinta-feira, quando viaturas de polícia cercaram uma bela casa de dois pavimentos na pacata cidade de Montabaur, no oeste da Alemanha. Foi nessa área, entre as ruas tranquilas e os jardins bem cuidados do município de 12,5 mil habitantes, que Andreas morou a maior parte da vida, ao lado dos pais e do irmão mais novo. Enquanto a polícia alemã coletava evidências e tentava garantir a segurança da família Lubitz, outra equipe investigava o apartamento do aviador nos arredores de Düsseldorf. Ali, segundo um porta-voz, eles fizeram ―uma descoberta significativa‖, que incluiria documentos médicos indicando uma suposta doença mental, que teria sido mantida em segredo por Andreas. As evidências compreendem, de acordo com os procuradores alemães, um atestado médico para afastamento do trabalho ―por causa de uma doença‖. O atestado estava rasgado e trouxe um dado revelador: quando derrubou o Airbus, Andreas estava oficialmente de licença por motivos de saúde. Em nota, os investigadores ainda disseram que não foram encontrados bilhetes de suicídio ou evidências de ―ligações políticas e religiosas‖ do copiloto, o que tornaria a hipótese de atentado terrorista pouco provável.

Agora, o histórico de saúde, profissional, financeiro e afetivo de Andreas será minuciosamente investigado. Segundo a Lufthansa, controladora da empresa aérea de baixo custo Germanwings, o aviador era ―100% apto para o serviço‖. A corporação confirmou, no entanto, que ele interrompeu o treinamento de voo durante seis meses em 2009, sem esclarecer os motivos. À imprensa europeia, amigos de Andreas afirmaram que o copiloto sofrera de depressão e de distúrbios relacionados ao estresse. De acordo com o jornal alemão ―Bild‖, a interrupção no treinamento do copiloto, que acontecia em Phoenix (EUA), ocorreu justamente por causa de sérios episódios depressivos. A publicação afirma, ainda, que Andreas teria passado por tratamento com remédios controlados. Nenhuma dessas alegações foi confirmada oficialmente pela polícia alemã, pelos investigadores franceses ou pela Lufthansa.

Na posição de copiloto do fatídico voo da Germanwings, Andreas era certamente o aviador menos experiente. No assento principal do Airbus, o esquerdo, estava o comandante Patrick Sonderheimer, piloto com dez anos de companhia e pai de dois filhos. As 6 mil horas de voo acumuladas por Patrick faziam dele um profissional tarimbado, especialmente se comparado a Andreas, que contabilizava apenas 630 horas no ar e havia entrado para a Germanwings em setembro de 2013. Nada, entretanto, poderia preparar o comandante para o que aconteceu meia-hora depois da decolagem. Segundo a promotoria francesa que investiga o desastre, quando Patrick deixou o cockpit (para ir ao banheiro, esticar as pernas ou falar com alguém da tripulação), Andreas trancou a porta blindada e programou o avião para realizar uma descida rápida, porém controlada, em direção às montanhas (confira quadro).

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LUTO - A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, o presidente da França, François Hollande, e o primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, participam de homenagem às vítimas

Segundo Peter Goelz, ex-diretor do Conselho Nacional de Segurança do Transporte dos Estados Unidos (NTSB), responsável pela investigação de todos os acidentes aéreos no país, não é comum que pilotos ou copilotos fiquem sozinhos na cabine durante o voo. ―Mas isso às vezes acontece‖, disse o especialista à ISTOÉ. A legislação americana pós-11 de Setembro determina que, se um dos aviadores precisa deixar o cockpit, algum comissário de bordo deve esperar lá dentro até que ele retorne. O mesmo não ocorre em linhas aéreas de outros países. ―Se o piloto tranca a porta por dentro, não há como outra pessoa entrar sem autorização‖, diz Goelz. ―Essa política certamente será revista depois desse incidente.‖ De fato, nas horas imediatamente posteriores à tragédia, companhias como Air Canada, Norwegian Air Shuttle e EasyJet informaram que instituiriam imediatamente a ―regra das duas pessoas no cockpit‖. O mesmo ocorrerá em todas as empresas da Alemanha, segundo a associação local responsável pela segurança em voo. No Brasil, os pilotos da Avianca foram informados de que o procedimento será adotado pela companhia.

A tragédia do voo 9525 também levanta questões sobre a confiabilidade das avaliações psicológicas realizadas pelas companhias aéreas. Carsten Spohr, diretor-executivo da Lufthansa, disse na quinta-feira que Lubitz havia sido aprovado ―com louvor‖ em todas as checagens de saúde promovidas pela companhia. ―Não havia nenhuma limitação para ele‖, afirmou.

Questionado sobre a interrupção no treinamento do copiloto em 2009, Spohr afirmou que, se as razões para isso foram de natureza médica, as leis alemãs sobre privacidade impediriam a divulgação. Diante disso, autoridades europeias como a chanceler alemã, Angela Merkel, o presidente da França, François Hollande, e o primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, já deram indicações de que vão pressionar por mais rigor nas avaliações. Ainda assim, segundo especialistas ouvidos por ISTOÉ, parar um piloto suicida seria uma tarefa muito difícil. A resposta poderia estar em sistemas de controle remoto de aviões, similares aos utilizados em drones militares, que seriam acionados em situações extremas. Testes com esse tipo tecnologia já estão em curso, mas a eventual aplicação prática, dependente de uma infinidade de aprovações de segurança, ainda está a pelo menos uma década de distância.

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Ao menos publicamente, Andreas era ―um jovem normal, de bem com a vida, que não fazia nada que saísse do comum‖, como descreveu Klaus Radke, 66 anos, presidente do clube de aeronáutica de Montabaur, onde o aviador começou a ter aulas de pilotagem, aos 14 anos. ―Ele era muito competente‖, disse o instrutor à agência France Presse. Foi esse súbito rompimento da normalidade na vida de Andreas que causou choque generalizado. Na pequena cidade natal, vizinhos sempre viam o jovem correndo pelas ruas, ao lado da namorada ou do irmão.

Em 2007, mesmo ano em que deixou a residência fixa dos pais, foi 72º colocado em uma prova de 10 km com 780 participantes. Filho de um executivo bem-sucedido e de uma professora de piano, o copiloto não passou por dificuldades financeiras nem se envolveu em confusões durante a infância e a adolescência. Tudo certo, até a manhã de terça-feira, 24 de março de 2015, quando, as investigações apontam, Andreas se tornou um assassino em massa.

LUCAS BESSEL e MARIANA QUEIROZ BARBOZA são jornalistas e escrevem para esta publicação. Fotos: Emmanuel Foudrot,

Kai Pfaffenbach - REUTERS; Michael Probst/AP, Peter Macdiarmid/Getty Images; ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/afp; Christophe Ena, Ina Fassbender - REUTERS, Bureau d’Enquetes et d’Analyses/AP. Revista ISTO É, Março de 2015.

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A quem pertence o corpo da mulher? (ANDREA DIP)

Parece que não há dúvidas quando a gente pergunta, mas na prática, ainda tem chão a percorrer

ERA UMA manhã bonita com céu azul e o sol batia forte na janela, anunciando um dia quente na cidade. Eu faria entrevistas e iria ao Fórum Criminal ler alguns processos para uma reportagem doída e polêmica sobre aborto clandestino. Então, como todos os dias, desde meus 14 ou 15 anos, escolhi a roupa que iria vestir não de acordo com o calor que fazia lá fora mas com o trajeto que faria a pé e o número de horas que passaria na rua. Metrô lotado, ruas desertas e mal iluminadas eram os fatores determinantes para a seleção nada condizente com o verão que vi pela janela.

Não que a roupa impeça ou favoreça assédio, cantada ou estupro. Mas em um país onde uma mulher é estuprada a cada 4 minutos e que 26% dos brasileiros acredita que ―mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser estupradas‖, é preciso coragem para usar um vestido curto. E nem sempre eu acordo com essa coragem. Era importante também lembrar de pegar meu tocador de música e os fones, para não ouvir as cantadas ofensivas que ainda assim pipocariam ao longo do dia. Um ritual diário comum a muitas mulheres, como já foi discutido algumas vezes aqui no PapodeHomem mesmo, como nesse post por exemplo.

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Aliás, quando escrevi uma reportagem sobre assédio e cantadas de rua, ouvi uma explicação muito bacana da psicóloga Daniela Rozados, que faz parte de um grupo de estudos de gênero da Escola Politécnica da USP, sobre como homens e mulheres se apropriam do espaço público de forma diferente:

―O mapa mental da cidade da mulher é menor do que o mapa mental do homem, o espaço público é extremamente condicionado ao gênero. Horários, regiões da cidade, meios de transporte, pontes. Mulheres têm medo de andar em pontes

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por causa das reiteradas histórias de estupro, por exemplo. Deixam de aceitar trabalhos porque teriam que andar a pé a noite ou pegar um ônibus em um lugar ermo‖.

Sabe, quando essas coisas acontecem, sinto que meu corpo não é meu. E a proposta desse artigo era justamente na contramão – falar que o corpo da mulher é dela e de mais ninguém. E isso parece tão óbvio dito assim, né? Aposto que se a gente tivesse agora batendo um papo, olho no olho, mesmo sem me conhecer, você diria que meu corpo é meu, claro, de quem mais seria? Voltando àquele dia, já na rua, leio a notícia de que uma estudante lésbica de 25 anos sofreu um ―estupro corretivo‖ por dois homens que queriam ensiná-la a ―ser mulher‖. E 37,6% das vitimas de homofobia no Disque 100 são lésbicas.

Enquanto isso, ao meu lado, no metrô, um rapaz olha o celular e conversa com o amigo que está em pé. Ele ri, mostra uma foto de uma garota seminua e diz ―se liga, tanto que eu pedi, a mina finalmente mandou‖. O amigo responde: ―mó gostosa, joga lá no grupo do Whatsapp‖. O outro concorda e em poucos segundos, a foto que a menina (em um olhar rápido parece bem menina mesmo) mandou como uma brincadeira a dois se torna pública.

E eu automaticamente me lembro das duas garotas de 16 e 17 anos que tiveram fotos e vídeos vazados na internet e se mataram. Lembro que também conversei com as famílias das meninas e com vários adolescentes sobre revenge porn para uma reportagem e descobri que ter a nudez exposta nas redes é realmente algo muito, muito grave e transforma a vida delas em um pesadelo por muitos anos.

Porque quando se estupra alguém por ser lésbica ou quando se compartilha a intimidade dessas meninas, o corpo também não é mais delas, percebe? Assim como os corpos das mulheres que sofrem violência doméstica, são estupradas por seus próprios maridos, morrem em mesas de cirurgias plásticas ou com distúrbios alimentares em busca do corpo perfeito década após década pregado pela mídia como aquele sem gordura e com Photoshop, sem pelos ou cabelos brancos, rugas, olheiras, com maquiagem, dentes brancos e que estão sempre, sempre disponíveis aos desejos masculinos. Também não são das mulheres os corpos forçados a beijos e pegações em baladas mesmo depois do ―não‖ que de fato quer dizer ―não‖.

Resultado de pesquisa do Think Olga sobre como as mulheres reagem ao serem assediadas na rua. Chego finalmente ao Fórum Criminal da Barra Funda. Em alguns minutos estou conversando com a defensora pública Juliana Beloque, que me conta um de seus casos, que seria julgado naquela tarde. Uma mulher de 37 anos, muito pobre, desempregada, mãe solteira de três filhos pequenos, abandonada pelo namorado quando descobriu a gravidez que, desesperada, teria comprado um remédio abortivo de uma prostituta e três dias depois de usá-lo de forma incorreta, teve uma hemorragia, foi ao hospital e foi denunciada pela médica que tirou de seu útero ―uma massa amorfa, provavelmente uma placenta‖. A mulher poderia pegar até 4 anos de prisão, já que o aborto é crime no Brasil.

O namorado? Cometeu o clássico e impune ―aborto masculino‖ quando abandonou a mulher à própria sorte. E mesmo sendo responsável pelamorte de uma mulher a cada dois dias no país, não há sinal de que o aborto venha a ser discutido com lucidez e tratado como problema de saúde pública.

Só quando voltei pra casa mais tarde, juntei esses pontos e comecei a reflexão que estou te contando aqui agora. Na televisão, meninas de biquínis serviam cervejas a mesas de homens em bares, como sempre. Ali, nem seus corpos e nem mesmo as cervejas eram delas.

PS: Desculpa se te chateei com essa história, moço. Mas a gente precisa falar sobre isso, né? Porque continuo sustentando o que disse no começo da nossa conversa. Se eu te perguntasse ―meu corpo é meu?‖ você provavelmente diria que sim. E vai ser muito legal quando isso finalmente acontecer.

ANDREA DIP é repórter da Pública e começou no jornalismo de direitos humanos em 2001 na revista Caros Amigos. Desde então já colaborou com veículos como Marie Claire, GQ, Revista do Brasil, Trip entre outros. Tem 4 prêmios de jornalismo e recentemente produziu a primeira reportagem investigativa em quadrinhos do Brasil, através do Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo da

Andi. Web Magazine PAPO DE HOMEM (http://www.papodehomem.com.br/), Março de 2015.

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Como Bill Gates quer enfrentar a próxima epidemia (CRISTIANE SEGATTO)

A maioria das sugestões do magnata para evitar os erros do combate ao ebola na África vale para a dengue no Brasil

Bill Gates: “Uma epidemia mundial do vírus da gripe, por exemplo, reduziria a riqueza global em cerca de US$ 3

trilhões” (Foto: AFP PHOTO / TOBIAS SCHWARZ)

NA SEMANA passada, Bill Gates, o célebre fundador da Microsoft, publicou um importante artigo no The New England Journal of Medicine sobre o despreparo mundial para lidar com a próxima epidemia.

É incomum ler artigos assinados por profissionais que não pertencem à comunidade médica em revistas especializadas como essa. A presença de Gates merece ser notada, não apenas porque, no ano passado, a fundação que ele mantém doou US$ 50 milhões para o combate emergencial ao vírus ebola, na África. Não é de hoje que Gates financia várias pesquisas e projetos relevantes na área de saúde. Embora não seja médico, ele não é exatamente um estranho no ninho. Ainda assim, o texto publicado num dos mais tradicionais periódicos da medicina é um sinal importante.

Soa como um lembrete de que para zelar pela saúde é preciso ter muito mais do que médicos. Esse é um setor crucial que necessita do olhar crítico externo e do envolvimento de toda a sociedade para conquistar a relevância que merece. É o que Gates faz nesse artigo. Ele analisa as lições que o mundo pode aprender com a tragédia do ano passado e propõe medidas práticas para enfrentar futuras crises.

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O ebola deixou de ser notícia à medida que a crise nos países africanos afetados (Guiné, Serra Leoa e Libéria) foi parcialmente contornada – não antes de provocar o prejuízo imaterial incalculável de 10 mil mortes. É no esquecimento que mora o perigo. Como Gates ressalta, o mundo não pode perder a oportunidade de se preparar para uma próxima epidemia a partir da reflexão sobre os erros cometidos no ano passado.

Há uma chance significativa de que uma doença bem mais infecciosa que aquela provocada pelo vírus ebola ocorra em algum momento nos próximos 20 anos. Uma epidemia de difícil controle, decorrente de causas naturais ou bioterrorismo, ocupa o topo da lista de ameaças capazes de matar mais de 10 milhões de pessoas no mundo. Segundo ele, uma epidemia é uma das poucas catástrofes que podem fazer o mundo retroceder drasticamente nas próximas décadas.

Daqui para frente, não basta prosseguir na discussão inócua sobre se o esquema de controle de epidemias da Organização Mundial da Saúde e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, falhou no caso do ebola. O buraco é bem mais profundo.

―A questão não é se o sistema funciona. A questão é que sequer temos um sistema‖, afirmou Gates em outro artigo (http://www.nytimes.com/2015/03/18/opinion/bill-gates-the-ebola-crisis-was-terrible-but-next-time-could-be-much-worse.html?_r=1)publicado no mesmo dia pelo jornal The New York Times.

Na opinião de Gates, mesmo que o sistema atual tivesse funcionado perfeitamente no caso do ebola, ele falharia se fosse preciso conter uma doença muito mais contagiosa. Um agente transmissível pelo ar (um novo vírus da gripe, por exemplo) poderia causar um estrago muito maior. A história não nos deixa esquecer os efeitos da pandemia de gripe espanhola, que dizimou cerca de 50 milhões de pessoas no início do século XX.

No caso da última epidemia de ebola, Gates afirma que o mundo perdeu tempo demais tentando responder questões básicas sobre como combater o vírus. ―A culpa não é de uma instituição em particular. O problema reflete uma falha global‖. Ele menciona a falta de um sistema global de alerta e resposta aos surtos. Diz que a OMS tem um, mas ele é subfinanciado e tem menos funcionários do que deveria.

―Ainda não vi uma estimativa rigorosa sobre quanto dinheiro seria necessário para construir um bom sistema de alerta global, mas o Banco Mundial dá uma pista sobre o custo decorrente da falta de ação‖, diz ele. ―Uma epidemia mundial do vírus da gripe, por exemplo, reduziria a riqueza global em cerca de US$ 3 trilhões‖. A seguir, as principais sugestões de Gates para enfrentar a próxima epidemia.

– É fundamental reforçar os sistemas públicos de saúde, principalmente os serviços de atenção básica, laboratórios, sistemas de vigilância, unidades de cuidados intensivos etc. O ebola se espalhou muito mais rápido nos países em que a atenção básica foi severamente enfraquecida por anos de conflito armado e negligência.

– Fortalecer os sistemas de saúde não melhora apenas a nossa capacidade de lidar com epidemias. Isso promove saúde de forma mais ampla. É muito difícil acabar com o ciclo de doença e pobreza sem que o sistema de saúde funcione bem.

– Saúde é fundamental para o desenvolvimento. Construir um bom sistema é um investimento que vale a pena, mesmo que não surja nenhuma outra epidemia.

– Assim que ficou claro que havia uma séria emergência na África Ocidental, muitos clínicos locais deveriam ter sido recrutados. Ao mesmo tempo, pessoal treinado deveria ter sido enviado rapidamente aos países afetados. Isso não aconteceu.

– Alguns países receberam voluntários depois de dois ou três meses. Deveriam ter chegado rápido, em poucos dias. A organização Médicos Sem Fronteiras mobilizou voluntários muito mais rapidamente que qualquer governo.

– Precisamos de pessoal treinado e pronto para conter epidemias sem demora: gestores de incidentes, especialistas em epidemiologia e vigilância sanitária etc. Também é fundamental que existam líderes comunitários que possam liderar o engajamento nas regiões afetadas e trabalhadores que falem as línguas locais.

– O ideal seria que existissem listas atualizadas desses recursos humanos, com a indicação da disponibilidade e das habilidades de cada um.

– Deveriam existir centros de treinamento com informação explícita sobre formas de compensação e seguro para os voluntários.

– Cada país deveria estar comprometido a gerenciar um pool de voluntários e enviar um determinado número de pessoas com diferentes habilidades e equipamentos no prazo de uma semana após o início de uma emergência. E com planos para evacuar qualquer pessoa exposta a um patógeno epidêmico.

– Quando uma epidemia começa, as estradas e os aeroportos das áreas afetadas ficam lotados. É muita gente tentando escapar. Mais voluntários se engajariam se tivessem a garantia de conseguir deixar o país caso se infectassem.

– A epidemia de ebola teria sido muito pior se os Estados Unidos e o Reino Unido não tivessem usado recursos militares para transportar pessoas para as áreas afetadas e para retirá-las de lá quando necessário.

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– Todos os países poderiam identificar recursos militares treinados e disponíveis para agir em caso de epidemia. Numa epidemia severa, as forças militares de muitos (ou de todos) os países com renda média e alta deveriam trabalhar juntas.

– A lista dos insumos necessários para barrar uma epidemia capaz de afetar 10 milhões de pessoas – 100 vezes a população afetada pela última epidemia de ebola – deveria estar pronta. Assim, os especialistas poderiam decidir o que estocar ou encomendar.

– Nas epidemias futuras, seria possível ter numa base de dados digital um sistema de informação sobre a localização de casos suspeitos, sobreviventes e outras informações. Essa base poderia ser acessada instantaneamente pelas organizações de agências de saúde.

– Centros-chave nas regiões afetadas precisam ter internet de banda larga por satélite e wi-fi. Só assim ferramentas digitais podem ajudar a reportar os dados e coordenar pessoas.

– É preciso criar regras para acelerar a aprovação de novas drogas nas futuras epidemias e estabelecer diretrizes claras para aprovação de estudos e tratamentos, inclusive os experimentais.

O que achou? Se fossem levadas a sério, com investimento e dedicação, muitas dessas observações ajudariam a fortalecer o sistema de saúde no Brasil. Nas fases sem epidemia e, principalmente, nos momentos de crise. Está aí a dengue que não nos deixa mentir.

CRISTIANE SEGATTO é Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve

sobre medicina há 17 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais e internacionais de jornalismo. Revista ÉPOCA, Março de 2015.

O Positivismo, primeira corrente do pensamento sociológico

(SÉRGIO SANANDAJ MATTOS)

O Positivismo, uma doutrina filosófica, sociológica e política, no Brasil, ganhou espaço no meio intelectual e na literatura no mesmo período em que as ideias republicanas ganharam adeptos e se fortaleceram como antagonismo ao regime monárquico

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ESTE artigo oferece a seus leitores uma abordagem abreviada do Positivismo, primeira corrente de pensamento sociológico, reconhecido por reunir aspectos e princípios relativos ao homem e à sociedade, buscando explicá-los de modo científico. É para essa reflexão que a revista Sociologia convida à leitura seus leitores, professores, pesquisadores, alunos e profissionais vinculados aos grandes temas ou questões sociais. Essa consideração é de tal importância visto que "(...) o Positivismo derivou do cientificismo, isto é, da crença no poder exclusivo e absoluto da razão humana em conhecer a realidade e traduzi-la sob a forma de leis naturais"(COSTA, 1987, p. 42). Essa abordagem não é absolutamente uma inovação recente, pois muitos aspectos aqui apresentados podem ser encontradas nas obras de Comte, entre outros pioneiros. Para os positivistas "a humanidade atingiria o ápice do progresso, afastando-se do misticismo, baseando-se na ciência, em termos políticos, culto à autoridade, a necessidade de ordem como condição básica do progresso e a república como o grande ideal".

Desenvolvido por Augusto Comte, o Positivismo, uma maneira de pensar a vida social, delimitou a área de estudo do pensamento social em relação aos demais campos do conhecimento. A Sociologia como ciência teve início no século XIX por influência tanto do desenvolvimento das outras ciências quanto das transformações sociais da época. Comte chamou inicialmente de Física Social, antes de criar o termo Sociologia, palavra hibrida do latim e do grego, socius-logos, estudo do grupo; a ciência que estuda os grupos. Ao fundamentar a nova ciência, mostrou-se contrário aos tipos de pensamento vago sobre o homem, as especulações da razão pura, ou seja, da Metafísica e da Teologia.

Positivismo » Do Positivismo deriva a "religião da humanidade". Ela se caracteriza pelo uso de símbolos e sinais como as outras religiões, e tem como fundamento o lema "o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim". Toda a Filosofia positivista, vista do ângulo religioso, se sustenta na incessante busca da perfeição do homem e da sociedade.

Sociologia » O vocábulo "sociologia" acaba precisamente de completar 176 anos, pois surgiu em 1839. Seu criador foi Augusto Comte, que usou nas primeiras lições do seu curso de Filosofia Positiva o termo Física Social. Mais tarde, no 4º tomo da sua obra, substituiu esse termo pelo hibridismo "sociologia", do latim socius e do grego logia. Numerosas são as definições de Sociologia.

Ao considerarmos o Positivismo uma das primeiras formas de pensamento social, como um preposto de análise social, reafirma-se um importante marco da gênese e do desenvolvimento da sociologia. Este artigo nada de inédito contém em matéria sociológica, exceto a intenção de oferecer aos que se iniciam na matéria, estudantes e leitores, e a todos os que usam a leitura como instrumento pedagógico e cultural, reflexões sobre o Positivismo, sua influência, presença e implicações sociopolíticas e culturais no Brasil, resgatando aspectos desse importante campo de conhecimento sociológico.

Vale sublinhar, como observa Maria Cristina Costa que: "(...) Por mais evidentes que se tornem hoje os limites, interesses, ideologias e preconceitos inscritos nos estudos positivistas da sociedade, por mais que eles tenham servido como temas de ação politica conservadora, como justificativa para as relações desiguais entre sociedades, é preciso lembrar que eles representaram o primeiro esforço relevante de análise científica da sociedade" (COSTA, 1987, p. 46).

O pensador francês Augusto Comte (1798-1857) foi o autor do sistema filosófico, cientifico, politico e religioso denominado Positivismo. Essa corrente filosófica ganhou força na Europa na segunda metade do

século XIX e começo do século XX, período em que chegou ao Brasil

Apesar de a palavra "sociologia", cunhada por Auguste Comte, ser de origem relativamente recente, as observações e as generalizações assistemáticas de caráter sociológico são tão antigas como as de qualquer outra ciência. Foram expostas em grande número de obras da Antiguidade (SOROKIN, 1968, p.30).

A palavra Sociologia

A história da Sociologia tem sido contextualizada e caracterizada por diversos pensadores. A recepção do Positivismo no Brasil foi de fato de suma importância para a construção da sociedade brasileira. Alfredo Poviña, em um esquema de periodização para toda a América Latina, considera (1) um período positivista correspondente ao nascimento da Sociologia; (2) uma fase pré-universitária, em que se elabora uma Sociologia acadêmica, teórica e geral; (3) uma etapa de aplicação, com uma Sociologia concreta, especifica e prática, que estuda os problemas situados no campo da realidade (POVIÑA, 1955, p. 121).

A despeito desses primórdios, entretanto, é a Sociologia, essencialmente, uma disciplina do século XX. Historicamente, podemos dizer que a Sociologia enquanto Ciência foi concebida pelo criador do Positivismo francês, Augusto Comte (1798-1857), que se serviu de modelo da Física e da Física Social para estruturar a Sociologia.

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Comte dividiu a Sociologia em duas grandes áreas, a Estática Social, que estudaria a ordem da sociedade, e a Dinâmica Social, que estudaria a estrutura do progresso. O dinâmico é o progresso. A estática social concebe a sociedade como um organismo pelo "consensus ideológico" e pela tentativa e tendência de atuar congenitamente. Portanto, como um consensus espiritual. Nessa perspectiva de pensamento, é condição, para que uma sociedade se mantenha, o consensus ideológico. E vai além desse esforço Comte, que concebe a Sociologia como a Ciência da crise.

Comte pensa a ordem da sociedade, a partir de um momento histórico em que havia a desordem. A partir da desordem dessa sociedade, pensa a motivação para atingir a ordem. A tentativa de fazer da análise da sociedade uma sociedade é um dos aspectos mais interessantes desse pensador positivista. Rejeita as ideias religiosas e as ideias iluministas. Pensa um sistema de valores comuns a todos os homens. Ao pensar valores, Comte pensa a própria ideologia, e, ao pensar um sistema de crenças comuns numa sociedade dividida, estava pensando na própria sociedade capitalista.

Para Comte, a tarefa do seu tempo consistia em tornar positiva a Ciência Social. Comte elaborou a sua concepção da Ciência Social, que ele próprio

chamou de Sociologia

Comte quer conhecer os fenômenos concretos mediante a experimentação e a observação, num estado positivo. O fundamental é a maneira de conhecer a realidade. Para Comte, a linha evolutiva do homem é dada pelo progresso e desenvolvimento do conhecimento. Não são as ideias que movem o mundo, dirá Comte, e sim os conhecimentos, e mais precisamente os modos de produção do conhecimento. Segundo Comte, ideias não significam conhecimento, ideias são necessárias para se

chegar ao conhecimento. Eu posso ter ideias e não ter conhecimento. Ideias são a realidade que não significa explicações científicas sobre a realidade. Ideias são representações da realidade social, são senso comum. Mas o conhecimento da realidade social, segundo o próprio Comte, é o conhecimento científico. Como se observa, Comte têm uma fé inabalável na "racionalidade". Comte é o resultado de uma sociedade e de uma situação caótica. Quer construir uma nova sociedade através de uma nova ordem, para que possamos viver os princípios revolucionários da Revolução Francesa, que objetivava implantar uma sociedade livre, fraterna e igualitária. O fundamental para Comte é a maneira de conhecer a realidade.

Comte e o conhecimento

O conhecimento para Comte seria fruto da observação, da experimentação e da comparação. Para Comte as repetitivas constantes corresponderiam à estática social, e portanto à ordem social. Já as adequações desses fatos repetitivos no transcorrer da história seriam a dinâmica social e daí o progresso. O progresso humano para Comte se verifica numa ordem social, daí o lema positivista ordem e progresso. As relações humanas são no campo da produtividade social. Essa ordem para Comte é a sociedade positivista.

Poderíamos nos perguntar por que Comte pensa a ordem da sociedade a partir da desordem? Porque o momento histórico de Comte era de conflitos sociais, ou seja, a desorganização da sociedade moderna. E a forma de resolução da desorganização seria através da Ciência, do pensamento científico, através da Ciência moderna. Isto porque a Sociologia de Comte surge no bojo do pensamento liberal. As ideias de Comte são produto direto de sua época.

Comte tem uma preocupação constante com a não realização dos princípios da revolução francesa. Os princípios igualdade, fraternidade e liberdade se fazem presentes inegavelmente em Comte. Comte faz a crítica de sua sociedade. Esse é um grande mérito da sua obra. Para Comte, é chegado o momento de sair das reflexões filosóficas. "Chega de reflexões filosóficas. Chegou o momento de conhecer a realidade social, intervindo e resolvendo os problemas fundamentais, que impedem a realização das ideias fundamentais - liberdade, igualdade e fraternidade."O sentido de Positivismo da obra de Comte (1798-1857) está em que conhecendo positivamente a realidade social passarei a encontrar a solução de todos os problemas. Positivamente a construção de uma realidade social melhor implica em encontrar soluções para os problemas. Positivamente, no sentido de que se pretenda ser objetivo e neutro do conhecimento científico dentro da realidade.

O Positivismo de Comte significa a investigação científica com o método das ciências físicas e naturais. Descobrir a ordem significa descobrir as leis estabelecendo relações causais entre elas. Para Comte, que o homem com espírito objetivo e neutro explique estabelecendo relações causais, como causa e efeito (violência urbana/miséria). Comte acredita num conhecimento positivo da realidade. Se para Kant a realidade é construída a partir da experiência que é fruto do sujeito, então somente os "a prioris" estão no bojo do conhecimento científico. O homem é uma coisa em si e eu não conheço. Eu conheço o fenômeno homem. Portanto, o conhecimento deriva da experiência.

O pensador Augusto Comte (1798-1857), autor da corrente filosófica

denominada Positivismo. Essa corrente filosófica ganhou força na

Europa na segunda metade do século XIX e começo do século XX, período em que chegou ao Brasil

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A recepção do Positivismo esteve ligada a muitos fatores, de acordo com o contexto, personagens, e a apropriação das ideias. São abundantes em Porto Alegre os registros iconográficos alusivos ao Positivismo. Um dos aspectos mais visíveis do Positivismo no Rio Grande do Sul é a sua influência na arquitetura, em prédios históricos, monumentos. O monumento a Júlio de Castilhos erguido na Praça da Matriz impressiona por sua beleza plástica e a harmonia da construção assim como, especialmente, sua riqueza simbólica. A influência exercida pelo Positivismo sobre a sociedade brasileira, entre as décadas finais do século XIX e as iniciais do século XX, é dos traços mais característicos da história e da cultura do Brasil. Vale lembrar, ainda, que movido pelo ideal republicano, Benjamin Constant, ao assumir o Ministério da Instrução Pública, procurou implementar o ensino da disciplina Sociologia no início da República brasileira e sob influência do Positivismo, e Júlio de Castilhos, durante a revolta federalista, elaborou uma Constituição estadual baseada em ideias positivistas.

Inúmeros historiadores, sociólogos, filósofos assinalam que no Brasil houve dois tipos de positivismos: "um "positivismo ortodoxo", mais conhecido, ligado à Religião da Humanidade e apoiado por Pierre Laffitte, discípulo de Comte, e um "positivismo heterodoxo", que se aproximava mais dos estudos primeiros de Augusto Comte, que criaram a disciplina da Sociologia, apoiado por outro discípulo de Comte, Émile Littré. Ainda, segundo estudiosos e pesquisadores dedicados ao tema, podemos classificar os positivistas brasileiros, no final do século XIX, em três grupos: "(...) os partidários da Doutrina Comtista - intelectuais que apenas seguem a Filosofia positivista; os políticos interessados na aplicação prática da Política

positivista; e os ortodoxos, aderentes completos que seguem a doutrina, a Religião e a Filosofia e que se dispunham a pregar e difundir o Positivismo".

Simplificando, pode-se considerar que há várias formas de abordar as contribuições e influências do Positivismo para a reflexão social e politica. Vale dizer: o Positivismo é uma parte importante da história das Ciências Sociais no Brasil. Certamente, o Positivismo contribuiu não apenas para o desenvolvimento da Sociologia, mas fundamentalmente para a compreensão de muitos problemas que inquietam o homem, a existência e a sociedade.

Referências

COMTE, Augusto - "Sociologia, Grandes Cientistas Sociais", MORAES FILHO , Evaristo (org.) 2ª. ed., no. 7, São Paulo: Ática,1983. COHN, Gabriel (org.) - "Sociologia para ler os clássicos (coletânea de textos)", Rio de Janeiro/São Paulo: Livros Técnicos e Científicos, 1977. COSTA, Maria Cristina C. - "Sociologia: introdução à ciência da sociedade", 1ª. ed., São Paulo: Moderna, 1987. POVIÑA, Alfredo, La Sociologia Contempôranea, Buenos Aires: ediciones Arayu, 1955. SOARES, Mozart Pereira. O Positivismo no Brasil: 200 anos de Augusto Comte.1ª. ed., Porto Alegre: Age Editora e Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,1998. SOROKI N, P. "Sociedade, Cultura e Personalidade", Vol. I, Porto Alegre: Ed. Globo, 1968, p.30

SÉRGIO SANANDAJ MATTOS é sociólogo, professor e ex-diretor da Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo (Asesp).

É coautor do livro Sociólogos & Sociologia. Histórias das suas entidades no Brasil e no mundo. Revista SOCIOLOGIA, Março de 2015.

Monumento a Júlio de Castilhos, personagem histórico do Positivismo no Rio Grande do Sul. O monumento foi desenvolvido por Décio Villares, autor que também fez o desenho da atual bandeira do Brasil, contendo a inscrição positivista "Ordem e Progresso". Em torno do monumento várias estátuas que simbolizam valores ou emoções importantes para o Positivismo.

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Redação: o Calcanhar de Aquiles do Enem (THAÍS PAIVA)

Com queda no desempenho e aumento de notas zero, proposta de 2014 reacende debate: o aluno brasileiro está escrevendo o suficiente?

Para especialistas, exame evoluiu e refinou seus critérios de correção

REDIGIR um texto dissertativo-argumentativo sobre a publicidade infantil no Brasil. Trazendo essa proposta, a prova de redação do último Exame Nacional do Ensino Médio, realizado em novembro de 2014, revelou-se o calcanhar de Aquiles de muitos estudantes brasileiros. Segundo balanço divulgado pelo Ministério da Educação, dos mais de 6 milhões de candidatos, 529 mil, ou 8,5%, tiraram nota zero na modalidade – um número cinco vezes maior que o do ano anterior. Além disso, a média geral na redação caiu quase 10% em relação a 2013.

Buscando uma justificativa para o baixo desempenho, mídia, professores e alunos apontaram, de saída, o tema da proposta de redação como o fator de complicação. Eles alegaram que a publicidade infantil não havia sido suficientemente debatida pela sociedade e, portanto, permanecia alheia à maioria dos jovens. De fato, dentre as redações que levaram nota zero, cerca de 250 mil foram anuladas por fugir ao tema ou desobedecer outros critérios da prova. ―O maior fracasso de 2014 em relação a 2013 resulta de um agravante: o desconhecimento do tema específico cobrado na prova‖, acredita Ieda de Oliveira, professora e pós-doutorada em Análise do Discurso pela Université de Paris XIII.

Para Maria das Dores Soares Maziero, professora universitária e membro do grupo de pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita, da Unicamp, entretanto, dizer que os alunos foram mal na redação porque não estavam preparados para falar sobre publicidade infantil é reduzir o problema. ―O aluno não vive descolado da realidade, ele também é consumidor e sabe do apelo da publicidade. Quantas coisas não teve vontade de ter porque viu em uma propaganda?‖ Além disso, a professora defende que a coletânea de textos que acompanhava a proposta dava pistas suficientes para a produção de um texto adequado ao tema. ―Um bom aluno é capaz de aprender o tempo todo, inclusive com a coletânea que está sendo dada na prova‖, diz.

Na visão de Rogério Chociay, professor do Departamento de Teoria Linguística e Literária da Unesp de Rio Preto, a queda de 10% na média e o aumento dos zeros são, na verdade, esperados diante da evolução do exame. Nos últimos anos, o Enem refinou seus critérios de correção e tornou-se mais exigente. ―Se antes algumas redações ou tentativas de textos eram aceitas e corrigidas, agora não são mais‖, lembra o professor, que já integrou a comissão de redação do Enem.

Eduardo Antonio Lopes, professor e coautor do material de redação do sistema Anglo, aponta polêmicas envolvendo redações de outros anos como principal motivo para o aprimoramento dos critérios de anulação. No Enem de 2012, um candidato inseriu um trecho de receita de macarrão instantâneo no meio da redação que tinha como tema o movimento imigratório e tirou nota de 560. Na mesma edição, outro estudante incluiu o Hino do Palmeiras e obteve nota 500. ―Houve uma pressão muito grande por parte da sociedade para que houvesse maior rigor na correção. O MEC, então, mudou o edital e incluiu a cláusula para anulação no caso de inserção de fragmentos totalmente alheios à proposta, com intenção jocosa‖, conta.

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Atualmente, são critérios para anulação da redação: fuga ao tema, cópia do texto motivador, texto insuficiente, não atendimento ao tipo textual indicado, partes desconectadas e textos que ferem os direitos humanos.

Ponta do iceberg

Algo com que todos os especialistas concordam é que a queda na média geral e o aumento de notas zero nas redações do Enem são apenas a ponta do iceberg. O problema mais profundo reside no fato de que, em grande parte das escolas públicas brasileiras, os alunos têm pouca oportunidade de escrever e, sobretudo, de ouvir um retorno sobre sua produção escrita. ―O professor é mal remunerado e tem pouco tempo para fazer o básico, como preparar e dar aula, como é que vai dar redação para salas que chegam a ter 40 alunos? Como vai ter tempo para corrigir uma por uma?‖, indaga Maria das Dores.

Devido a esta dificuldade, quando costumam dar algum tipo de produção textual, os docentes acabam se concentrando na correção dos aspectos mais superficiais, como erros de ortografia e pontuação. ―Se é difícil para o Enem organizar e treinar um corpo de corretores, imagina nas escolas públicas. Para muitos dos participantes, foi a primeira vez no ano que tiveram uma nota de redação com base em critérios‖, diz Lopes. Aspectos gramaticais, entretanto, estão longe de ser o principal problema dos textos. A dificuldade maior dos alunos que concluem o Ensino Médio está relacionada à habilidade de argumentar, associar dados e visões de mundo. ―Para isso, é necessário relacionar os conhecimentos das diversas disciplinas do currículo escolar. É essa relação que faz o aluno ser crítico, criativo, original e apto a discutir os mais variados problemas‖, comenta Dafne Rosa, professora de redação do Colégio Sion, em São Paulo.

Pouca leitura, pouca prática de exercícios de produção de textos e baixo repertório cultural também contribuem para a diminuta qualidade média da produção textual dos brasileiros, aponta Ieda. Segundo a especialista, é preciso, por um lado, despertar no aluno o hábito e o prazer da leitura e, por outro, exercitá-lo nas técnicas de estruturação do texto e no domínio da língua. ―Ler é condição indispensável para escrever, mas não é condição suficiente. Produzir textos com base apenas no modelo de autores experientes é como tocar um instrumento de ouvido, sem teoria musical. Além de ler, o aluno precisa também aprender técnicas de estruturação do texto e adquirir um conhecimento sólido da língua‖, aconselha.

Últimos temas da redação do Enem

2010: O trabalho na construção da dignidade humana 2011: Viver em rede no século 21: os limites entre o público e o privado 2012: Movimento imigratório para o Brasil no século XXI 2013: Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil 2014: Publicidade infantil em questão no Brasil

Dicas para trabalhar redação com seus alunos (por Ieda de Oliveira)

- Incentive-os a argumentar oralmente antes de o fazer por escrito

- Desenvolva o hábito de planejar a redação por meio de roteiros

- Ao trabalhar gêneros textuais específicos, como resenhas e notícias, faça-os ler textos nesses modelos, analisando sua estrutura

- Distribua textos com problemas de repetição de palavras, rimas, excesso de oralidade e peça para que eles os reescrevam, melhorando o estilo

THAÍS PAIVA é Jornalista e escreve para esta publicação. Revista CARTA NA ESCOLA, Março de 2015.

A sociedade precisa salvar a TV Cultura (JORGE DA CUNHA LIMA)

EMBORA a TV Cultura tenha os melhores índices de credibilidade entre as emissoras brasileiras, detenha a simpatia até de não espectadores e constitua um patrimônio afetivo de muitas gerações, a emissora pública está a perigo. Perigo de desaparecer por falta de dinheiro, de compreensão de sua importância política e de instrumentos internos de inovação. Vive uma das piores crises de sua história.

Sua identidade jurídica e institucional é a de uma "fundação de direito privado, intelectual, administrativa e financeiramente independente, que administra emissoras públicas de comunicação de massa". Entretanto, apresenta-se com ambiguidade perante tribunais, governos, credores e espectadores, ora como TV do governo, ora como autônoma, ora como repartição pública.

Fundação de direito privado, segundo todas as definições legais, é considerada fundação dependente, o que a submete a imposições da Procuradoria Geral do Estado, inclusive contra decisões judiciais de caráter trabalhista, como dissídios. A fundação recebe, por lei que a criou, verbas orçamentarias do governo estadual, que, por serem insuficientes, obrigam-na a recorrer à venda de espaços publicitários, confundindo-se com as televisões do mercado. Ao que tudo indica, a TV Cultura

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receberá por serviços prestados à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo R$ 8 milhões neste ano. Em 2013, foram R$ 58 milhões.

Ainda que por natureza e finalidades a TV Cultura deva ser equidistante do poder e do mercado, a emissora vive, paradoxalmente, a custa de ambos. Essa, como outras verdades, devem ser proclamadas. Embora não seja uma televisão comercial, a Cultura precisa de audiência, mas seus valores são outros. A televisão comercial vende audiência produzida pela indústria do entretenimento. A TV pública não vende audiência, vende conhecimento. Essa é a sua natureza. A TV Cultura é o maior instrumento de comunicação de massa destinado à educação. Para que ela exerça a sua missão com propriedade, é preciso que governo, conselheiros, diretores, funcionários e espectadores acertemos os ponteiros.

O Conselho Curador da Cultura, presidido por Belizário Santos Junior, ao propor e perseguir um planejamento estratégico, está em busca disso. Para tanto, basta promover uma reflexão ampla e aberta, além da coragem para superar os tabus e não ter medo da verdade. A televisão pública precisa de independência, pois deve manter a necessária equidistância do poder do mercado e do poder político. Mas, para isso, precisa de dinheiro. Quando eu presidia a Cultura, o saudoso publisher desta Folha Octavio Frias de Oliveira, o seu Frias, disse-me em um dos encontros habituais que mantínhamos na sede do jornal, utilizando-se do português que costumava adotar com os amigos: "Se você não tiver independência financeira na TV Cultura, nunca terá autonomia e muito menos independência".

Eu, então, perguntava-me: "Como sobreviver sem o governo e sem o mercado publicitário?". Pensar a fundação como uma causa, responde o professor Eugênio Bucci. Não se investe em retorno, mas numa causa. Só há um caminho, quando a sociedade estiver convencida disso. Ela deve pagar a conta porque a TV Cultura é um serviço de utilidade pública sem ser governo. As melhores emissoras públicas de televisão do mundo são financiadas por taxas pagas pelos cidadãos, como a BBC no Reino Unido. São fiscalizadas pela sociedade a partir do seu Parlamento.

Em São Paulo, quando a Assembleia Legislativa aprovou um decreto de lei enviado pelo então governador Mario Covas, que concedia uma taxa permanente para a TV Cultura, alguns meios de comunicação privados bombardearam a iniciativa, inviabilizando politicamente a lei, que foi retirada da pauta. A televisão pública exige governança competente, com administradores de alto nível técnico, intelectual e profissional.

O Conselho Curador deve representar a sociedade e fiscalizar com rigor a missão da Fundação Padre Anchieta. Dentre as TVs públicas na América Latina, o maior legado é o da Cultura, de São Paulo. Esse legado permite que ela seja uma alternativa às televisões de mercado, inovando o formato e o conteúdo de sua programação, sem pretender imitar um modelo de negócio e de inteligência que já está superado até mesmo para as televisões comerciais.

JORGE DA CUNHA LIMA, 83, escritor e jornalista, é vice-presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e colunista do portal Ig. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Março de 2015.

O outono do PT (LUIZ FELIPE PONDÉ)

TEMOS que reconhecer: chegamos ao fim de uma era. O PT vive seu outono. Melhor voltar para o pátio da fábrica onde nasceu e de onde nunca deveria ter saído. Há que se ter uma certa grandeza, mesmo no pecado (o desejo de poder é o pecado máximo de toda a política), e o PT se revelou incapaz até de pecar com elegância.

Este outono do PT não se deve apenas às manifestações contra seu governo. Essas manifestações, diferentes das patrocinadas pelo "PT e Associados", manifestações com todos os tiques de política de cabresto e mazelas sindicalistas (passeata chapa branca), trazem algo de novo para o cenário, que deixa o "PT e Associados" em pânico. A tendência é a elevação da violência por parte da militância.

O Brasil perdeu o medo do PT e da esquerdinha pseudo. As pessoas descobriram que o mal-estar com essa turminha não é coisa de "gente do mal" (não é coisa de gente do mal, é coisa de gente bem informada), como a turminha pseudo diz, mas sim que somaram 2 + 2 e deu 4: o PT é incompetente para governar. Afundou quase tudo em que tocou, seja municipal, estadual ou federal (e a Petrobras). Mas essa morte do PT significa mais do que o fim de um partido que será esquecido em cem anos.

O fim do PT significa que o ciclo pós-ditadura se fechou. No momento pós-ditadura, a esquerda detinha a reserva de virtude política e moral, assim como de toda a crítica política e social. Ainda que a história já tivesse provado que todos os regimes de esquerda quebram a economia (como o PT quebrou a nossa) ou destroem a democracia (como os setores mais militantes do partido gostariam de fazê-lo).

Vide o caso mais recente e mais próximo, a Venezuela: economia destruída (e com petróleo!) e democracia encerrada de uma vez por todas. Como será que nossa diplomacia, ridícula como quase tudo que o governo do PT toca, reagirá ao fato de ele, Maduro, ter se dado plenos poderes para matar e torturar em nome do socialismo?

Resta pouco espaço para o governo. A tendência é que a presidente fale apenas a portas fechadas para plateias seletas por medo de tomar mais uma panelada. Com a economia em frangalhos, fica difícil para a presidente enterrar o petrolão em consumo, como seu antecessor o fez durante o escândalo do mensalão. Quando as pessoas estão felizes comprando é fácil fazer vista grossa à corrupção. Quando o bolso esvazia, o saco fica cheio.

Dizer que a corrupção da Petrobras nada tem a ver com o partido no poder é piada. A ganância do novo rico (o PT) aqui mostra seus dentes: querendo enriquecer rápido, meteu os pés pelas mãos e com isso sacrificou a imagem de redentor

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que o partido tinha para grande parte da classe média. Ele ainda detém o controle de parte da população mais pobre (como a Arena no final da ditadura), mas logo perderá esse trunfo.

É verdade que ainda muitos professores, estudantes, artistas, jornalistas e intelectuais permanecem sob a esfera de influência da "estrela mentirosa". Mas isso também vai passar na hora em que muitos deles perderem o medo de serem chamados de "reacionários". Reacionário hoje é quem se fecha ao fato de que a história andou e as pessoas já não têm mais medo do PT e da sua turminha. Infelizmente, o governo, diante da história que arromba a porta, parece um grupo de náufragos num barquinho, fugindo da traição que perpetrou, xingando a água, dizendo que as ondas são fascistas e que a tempestade é mal-intencionada.

Não, quem discorda hoje do governo federal não é gente "fascista", é gente que viu que o projeto do PT para o Brasil acabou. É gente educada, bem preparada, autônoma e que está de saco cheio do tatibitate do PT. Sem líderes significativos, sem propostas que criem a credibilidade necessária para sair da lama, a melhor coisa que o PT pode fazer é pedir licença e sair de cena.

Não acho que haja justificativa (ainda) para o impeachment, e devemos preservar as instituições. Mas a água passa debaixo da ponte. Quatro anos é tempo bastante para se afogar na vergonha. E, aí, a humildade será mesmo essencial, não? Sim, mas o PT é pura empáfia.

LUIZ FELIPE PONDÉ é filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel

Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, 'Contra um mundo melhor' (Ed. LeYa). Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Março de 2015.

(Des)Conectar (ROSELY SAYÃO)

MUITAS pessoas criticam essa nossa mania de ficarmos o tempo todo conectados para nos comunicar com filhos, conhecidos, colegas de trabalho, amigos e parentes. Programas de mensagens instantâneas em aparelhos celulares fazem enorme sucesso, talvez por serem de baixo custo e permitirem a formação de grupos de família, de pais de alunos da classe do filho, de amigos, de colegas que realizam algum trabalho, de chefes e seus auxiliares diretos, de alunos com seus professores etc.

Por outro lado, há piadas, vídeos institucionais, campanhas com mensagens melosas e até um pouco dramáticas apontando o quão pouco é saudável essa nossa ligação com os aparelhos, que ocupam tanto de nosso tempo e nos afastam das pessoas em nossa volta. Alguns locais, como restaurantes, por exemplo, incentivam, de modo bem-humorado, seus frequentadores a renunciar aos aparelhos enquanto lá estão para uma refeição compartilhada.

Mas esses recursos não têm conseguido abalar nosso apego a esse tipo de comunicação. Creio até que a coluna cervical de muita gente anda reclamando por causa disso. E como o que pode provocar mudanças é mais a ação do que a falação, conto a você, caro leitor, a experiência vivida por uma amiga. Ela é uma dessas pessoas quase viciadas em comunicação a distância e internet, com suas redes variadas. Tanto que passou a sentir-se culpada por ver seu tempo com os filhos ser engolido por sua dedicação ao celular. Resolveu, então, com o marido e os três filhos, ter um final de semana em que ficariam totalmente desconectados.

Encontraram um hotel que não tinha sinal de celular nem de internet, e para lá foram, tanto animados quanto temerosos, para viver dois dias inteiros sem conexão alguma, a não ser entre eles, e diretamente, olho no olho. Logo na chegada, colocaram todos os aparelhos em uma caixa, que só seria aberta ao final da estadia. E aí começou uma aventura. No início, foi difícil, reconheceu ela, mas aos poucos eles se envolveram entre si: leram livros, contaram histórias, divertiram-se com jogos de tabuleiro, conversaram.

Ela disse que o marido, os filhos e ela gostaram tanto da experiência de "desconectar para conectar" que adotaram o ritual de guardar os aparelhos de todos em uma caixa pelo menos por algumas horas nos finais de semana. Considerei essa uma boa sugestão para famílias com filhos que se sentem distantes dos pais. Nem sempre crianças e jovens conseguem perceber o quanto é bom trocar ideias e afetos com os pais e conviver com eles para fortalecer o vínculo, porque também estão muito envolvidos com suas traquitanas tecnológicas e com as redes sociais.

Mas, quando eles descobrem - ou redescobrem - que o relacionamento com os pais e os irmãos, fora das questões administrativas do cotidiano, lhes faz bem, eles se entregam, e o resultado costuma ser visível no humor e até mesmo na busca de uma maior proximidade.

Se nós não dermos a eles oportunidades e chances de se tornar mais sensíveis aos relacionamentos interpessoais humanizados, a vida deles certamente será mais árdua, mais difícil, mais áspera. Algumas horas desconectados nos finais de semana podem lhes fazer um bem enorme!

ROSELY SAYÃO é psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no

ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Março de 2015.

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Querem exterminar Fernandona (MALU FONTES)

HÁ EXATOS 17 anos o autor de novelas Sílvio de Abreu foi forçado pelas pesquisas qualitativas de audiência da Rede Globo a reescrever sua novela então no ar, Torre de Babel (1998). Para atender aos desejos do público que clamava pelo extermínio de um casal de lésbicas da trama, interpretado por Christiane Torloni e Sílvia Pfeiffer, Abreu simplesmente explodiu um edifício inteiro onde funcionava o shopping em torno do qual a novela girava. Na explosão, as lésbicas viraram pó e o público que pediu a morte do casal foi feliz para sempre.

Quase 20 anos depois, pode-se dizer, sim, que o olhar do país para a homossexualidade avançou muito, apesar dos horrores que ainda se vê cometidos diariamente em nome da homofobia. No entanto, a estreia, há uma semana, da telenovela Babilônia, de Gilberto Braga, Carlos Linhares e João Ximenes Braga, já serviu para mostrar que um grupo de telespectadores que se autoproclama como a clássica família brasileira (sabe Deus o que isso significa hoje) está disposto a aceitar muita coisa em telenovela, desde que não lhe venham, mesmo em 2015, com um casal de lésbicas idosas com beijos na boca.

Bastou Babilônia estrear com Fernanda Montenegro e Nathália Timberg formando um par romântico para que os autointitulados defensores da família brasileira entrassem em polvorosa, ao ponto de fazerem circular país afora um abaixo-assinado. A coisa seria engraçada se não fosse trágica. Desta vez não basta explodir Fernandona ou Natália, ou as duas, do roteiro da novela: querem nada menos que a Rede Globo retire a telenovela do ar. Claro que conservador raivoso, e em bando, de bobo não tem nada. A Frente Parlamentar em Defesa da Família Brasileira e a Frente Evangélica, embora digam que Babilônia é uma ameaça aos usos, costumes e tradições familiares por ―trazer de forma impositiva outra forma de amar‖, ou seja, o lesbianismo, acrescentam assassinato, ambição desmedida, traição, etc. Ora, em qual novela não há esses ingredientes? Então, é óbvio que o pomo da repulsa a Babilônia são mesmo os beijos na boca entre duas senhoras idosas, ricas e de fino trato.

Como é do feitio dos conservadores e ditadores, não basta impedir a si mesmo de fazer ou consumir determinadas coisas. O que querem é decidir pelo outro, impor o que o outro pode ou não fazer de sua vida, do seu consumo e do seu tempo. Se não podem, por conta de valores pessoais divinos e tidos como superiores aos dos outros, ver uma telenovela, Babilônia, quem lhes concedeu procuração para estender a proibição a todos os telespectadores, por via do impedimento da veiculação? E há sempre o controle remoto, os milhões de livros em busca de um leitor e, claro, Os 10 Mandamentos, a novela do bispo Macedo.

ABORTO

Telenovela pode até ter coisas esquisitas. Mas nada é mais esquisita que a cartela de critérios de tolerância do telespectador. O mesmo público que aceita tiro, mau-caratismo ao extremo e torce por vilões que deixam o diabo no chinelo, quer tirar do ar uma trama por mostrar duas mulheres idosas num casamento homossexual e acredita que mocinha ou bandida nunca aborta. Vejam os casos das personagens de Camila Pitanga e de Sophie Charlotte em Babilônia.

A primeira, mocinha da trama, sequer cogita um aborto quando se vê grávida de um mau-caráter desocupado e casado, tem um subemprego de auxiliar de garçonete, um pai assassinado, uma mãe desenganada numa fila de transplante de coração e é pobre de doer. Já Charlotte, a futura garota de programa, engravida de um zé ninguém em Dubai, o pai bom caráter a apoia a ter o filho e aborto, nem pensar. Até a mãe vilã dar-lhe uma surra tão branda que o feto vira sangue e escorre pelo ralo num banho de chuveiro e lágrimas. Essas cenas a família brasileira acha lindas, mesmo sabendo que são mentirosas.

MALU FONTES é Doutora em Cultura pela UFBA, jornalista e professora de Jornalismo da mesma Universidade. Jornal CORREIO, Março de 2015.

O ASSUNTO É PROTESTOS DE MARÇO

Tem razão quem se revolta (RENATO JANINE RIBEIRO)

"ON A raison de se révolter", dizia o filósofo francês Jean-Paul Sartre no fim da vida, quando, depois de maio de 1968, se cansou de esperar que o Partido Comunista se consertasse e fez causa comum com os maoistas. Não é fácil traduzir a frase de Sartre. Seria algo como "tem razão quem se revolta".

Mas qual razão, quanta razão? Eu diria que é a razão do sintoma: sente-se a dor, procura-se a infecção, mas queixar-se não é diagnosticar a doença, menos ainda curá-la. O último dia 15 de março foi isso. A queixa é correta, o tecido social está sofrendo, mas diagnóstico e prognóstico ficaram pela metade. A queixa: não se aguenta mais a corrupção. O caso da Petrobras mostra uma crise grave em uma de nossas maiores empresas. Pior, uma empresa que pertence a todos nós. Muito resta a explicar, da falta de controle à pura indecência. Como o PT foi entre tolerante e partícipe do processo, ele se torna a bola da vez.

A dor: como fizeram isso com nosso país? E o erro: fizeram, quem? Isso, o quê? Nosso, de nós, quem? Aqui está o problema. Quem "fizeram" é só o PT ou, mais que ele, o PP ou, ainda mais, um sistema político que se acostumou a ser

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eficiente pela via da desonestidade? Porque há um subtexto em nossa sociedade que diz: resolva o problema, "não quero saber como". Não queremos saber como funcionam as coisas, desde que elas funcionem. Vejam o que chamamos de "segurança pública". Ela depende muito da violência policial contra inocentes. Não queremos saber a que custo reina alguma paz em nossos bairros. O preço dessa paz é a violência contra três Ps: pobres, pretos e putas.

Ainda que insuficiente, a eficiência que o Estado consegue deve-se, em vários casos, ao "não quero nem saber". Só que agora está emergindo o iceberg inteiro. Nós nos acostumamos ao "por fora bela viola, por dentro pão bolorento"; fingíamos que não havia bolor, mas ele está aparecendo. Tanto no Metrô de São Paulo como na Petrobras. O avanço da democracia desnuda esse preço, esse bolor. Há uma reação tola: não quero saber do preço. Um dos modos dessa reação é carimbar um culpado bem afastado de nós. O PT cumpre hoje esse papel de demônio, que já foi de Getúlio Vargas. Assim se afasta de nós esse cale-se. Somos poupados.

As manifestações do dia 15 de março, legítimas na medida em que "tem razão quem se revolta" (mas alguma razão, não toda), caíram no engodo de construir um Outro demoníaco, aquele que acabou com o que era doce. O passado fica como uma idade, senão de ouro, pelo menos de prata. Um teste simples: se alguém contesta os males atuais em nome de um passado que teria sido melhor, essa pessoa está pelo menos mal informada. Nossa história tem podres que mal começamos a enxergar.

O presente pode parecer horrível, mas só porque expôs a chaga purulenta. O bom que era doce se assentava em mentiras. Aumentaram as mentiras? Ou, na sociedade da informação, é mais fácil descobri-las do que antes? O mensalão do DEM teria sido exposto, não fosse uma microcâmera escondida? Delações premiadas funcionariam se os cúmplices mantivessem a lealdade dos mafiosos, que morrem, mas não falam?

Sem uma força-tarefa como a da Operação Lava Jato, teriam sido pegos? Quem deve teme. Por que tantos querem que a investigação foque só o PT? A apuração não deve ser ampla, geral e irrestrita? Tratar o sintoma não é a solução. Meias medidas são meros paliativos. É preciso chegar às causas. Venceremos a corrupção quando ela parar de servir de pretexto político de um lado contra o outro e for mesmo repudiada pela maior parte da população. Não é o caso - ainda.

RENATO JANINE RIBEIRO, 65, é professor titular de ética e filosofia política do Departamento de Filosofia da USP. É autor de "A Ética na Política" (Ibep Nacional), "A República" (Publifolha), entre outras obras (N.E. E, esta semana, nomeado Ministro da

Educação). Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Março de 2015.

O ASSUNTO É PROTESTOS DE MARÇO

Coxinhas e coxões (FELIPE BRONZE)

O ANO de 2015 segue sombrio para os brasileiros. Enquanto a política ferve em Brasília, na vida real os mortais que geram empregos e fazem a economia andar vão sendo cozidos em banho-maria. Restaurantes, por exemplo, são ótimos exemplos para estudo. Não vendem apenas comida, são um microcosmo da economia. Seu "pot-pourri" de custos é composto de alimentos (haja inflação), serviços públicos (energia elétrica, que já teve aumento de 30% neste ano, e água, que deveria ter ficado mais cara e, por isso, está acabando), bebidas importadas (olha o dólar alto, aí), aluguel e custos trabalhistas.

Há também o custo do dinheiro para investimentos e estoque inicial (com os maiores juros do mundo). Soma-se a essa receita um público consumidor com cada vez menos poder aquisitivo e o resultado é um prato indigesto. O governo parece menos preocupado com a economia e mais interessado em insistir em propaganda e na contabilidade criativa. Segue brigando com os fatos, mesmo com ultrajantes 62% de reprovação.

A oposição também não se acerta. Bate no governo por "mexer no direito dos trabalhadores". Pois é isso mesmo que qualquer governo deveria fazer. A CLT envelheceu. A flexibilização da contratação de mão de obra, por menos dias na semana e pagamento por horas trabalhadas, bem como a correção de distorções, como seguro-desemprego, seriam soluções lógicas para um país que precisa produzir mais e melhor.

Os líderes petistas, que gastaram décadas esperneando contra as privatizações, parecem ter capitulado agora que estão no governo. Fala-se na venda de ativos significativos na Petrobras. Pois deveriam vender tudo. Deu certo com as telecomunicações, com a siderurgia. Deve dar também com as outras estatais. Um país com sérios problemas de corrupção e áreas fundamentais em estado deplorável (como educação e saúde) tem de se concentrar no essencial e deixar a iniciativa privada, que não vive do dinheiro do cidadão, mostrar como se faz. Royalties e impostos bem negociados garantirão nossa fatia do bolo.

A reforma política, tema requentado das manifestações de 2013 e que está na moda de novo, é fundamental, porém, com outra agenda. O fim do voto obrigatório, do horário eleitoral gratuito, da "Voz do Brasil" e afins deve estar na ordem do dia. Nada que é obrigatório pode ser bom. Impressiona como anda pobre, supérflua e inócua a argumentação dos defensores do governo. Rotular de "elite branca", "luta de classes" e "direita coxinha" aqueles que discordam do discurso oficial serve apenas para infantilizar o debate. O que está em jogo é quem somos e para onde vamos. Somos coitados incapazes de produzir e de fazer escolhas ou somos empreendedores famintos por melhorar de vida, apenas esperando que o Estado nos dê uma trégua e saia do nosso caminho?

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Queremos que o governo nos cobre cada vez mais impostos para se manter inchado, doente e corrupto? Ou queremos um governo que simplifique e diminua tributos, estimule o crédito para a produção, e não para o consumo, que garanta oportunidades iguais por meio de mais educação, e menos por meio de cotas, que incentive o empreendedorismo, e não a dependência de programas sociais eleitoreiros?

Independentemente de ideologia política, urge diminuir o peso do Estado na vida dos brasileiros, sejam brancos ou negros, petistas ou tucanos, coxinhas ou coxões. Ou, então, nossos restaurantes podem entrar em colapso definitivo.

FELIPE BRONZE, 36, é chef do restaurante Oro, no Rio de Janeiro, e apresentador do programa "The Taste Brasil", do GNT.

Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Março de 2015

Fundamentalistas (CONTARDO CALLIGARIS)

DEFENDER os direitos humanos significa, por exemplo, cuidar para que indivíduos e grupos não esbarrem em nenhum limite além dos que são impostos pelo Código Penal. Devemos desfrutar do direito de fazer tudo o que não for contra a lei, mesmo que nossas crenças e práticas sejam excêntricas, diferentes ou minoritárias.

Parece uma obviedade: o que não é proibido é permitido. Mas há mil jeitos de proibir o que a lei permite - basta discriminar, hostilizar, zoar. Trabalhar numa Comissão de Direitos Humanos não é necessariamente coisa para libertário. Imagine que você seja rigoroso e intransigente no respeito às prescrições de sua fé: defender os direitos humanos será um jeito de defender seu direito ao culto, à dieta, às vestimentas que suas crenças lhe impõem.

Agora, se sua intransigência se aplicar aos outros, ou seja, se quiser que o mundo inteiro se comporte e pense como você, você não tem nada para fazer numa Comissão de Direitos Humanos. E não vale alegar que suas razões são generosas (você quer que todos cheguem ao paraíso): o trabalho dessa secretaria é o de garantir que cada um possa escolher a versão do paraíso que preferir. Por que, então, há parlamentares evangélicos que querem fazer parte da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República? Ou pior, que almejam encabeçar essa secretaria?

Como não parece que a liberdade de culto dos evangélicos esteja ameaçada, só resta concluir que eles querem trabalhar nela para se opor à liberdade dos que pensam diferente - o que é contrário ao propósito pelo qual a secretaria foi instituída e existe. Mas por que, em plena modernidade ocidental, alguém precisa impor suas práticas e crenças? É uma pergunta urgente: 3.000 jovens ocidentais viajaram até a Síria e o Iraque para se juntar ao Exército Islâmico - alguns, muçulmanos de criação, outros, convertidos.

John Horgan, da Universidade de Massachussetts em Lowell, se coloca essa pergunta (seu livro, "The Psychology of Terrorism", Routledge, teve uma segunda edição revisada em 2014). Em entrevistas mais recentes (por exemplo, http://migre.me/p9G4i), o autor descreve os jovens que procuram o Exército Islâmico, e algumas das suas explicações talvez valham para todos os fundamentalistas, ou seja, para todos os que querem que os outros obedeçam às normas que eles escolheram se dar. De fato, a paixão é uma só: a de forçar o mundo a agir segundo suas crenças pessoais.

1) O ocidental candidato ao EI é incapaz de seguir a regra da modernidade, pela qual cada um produz sozinho um sentido para sua vida. Para que ela faça sentido, nosso candidato precisa fazer parte de um coletivo ou de uma "ordem do mundo". Detalhe: para que uma crença consiga garantir que existe uma ordem do mundo, é preciso que o mundo confirme essa crença, mesmo que seja à força. Quer que Cristo seja o sentido do mundo? Não reze, saia numa nova cruzada e imponha Cristo a ferro e fogo.

2) Facilmente, quem precisa procurar um sentido para a sua vida acaba erotizando a morte (o sacrifício, o martírio). Uma morte que tenha sentido é o desafio supremo contra a falta de sentido da vida.

3) Lutar contra quem pensa diferente e matá-lo (ou forçá-lo a obedecer à minha crença) é um jeito de ganhar minha luta interna contra tentações e fraquezas. Por exemplo, impedir a prática de sexualidades divergentes é um jeito (fictício) de controlar minha própria sexualidade divergente. Além disso, uma causa pretensamente "generosa" me autoriza a cometer atrocidades que, sem isso, eu nunca me permitiria (embora elas me tentem) - estupros, assassinatos etc.

4) O ingresso em uma causa inimiga de nossa cultura (temida pelos adultos e pelo suposto establishment) realiza o sonho adolescente em toda sua contradição: o máximo de transgressão, junto com o máximo de obediência servil e conformidade. Exatamente como o ingresso numa gangue ou, talvez, numa igreja.

5) Os combatentes estrangeiros do EI gravam vídeos e mostram camaradagem e heroísmo iminente. Encontram, assim, um jeito de serem invejados por (alguns de) seus pares. Nossa cultura é responsável pela miséria desses candidatos fundamentalistas? Talvez sim: por nossa maneira envergonhada de sermos modernos, como se viver num mundo sem absolutos e com pouco sentido garantido fosse uma falha. Na verdade, deveria aparecer como nossa maior conquista.

CONTARDO CALLIGARIS é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Ensinou Estudos Culturais na New School de NY e foi professor de antropologia médica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Reflete sobre cultura, modernidade e as

aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e ordinárias). Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Março de 2015.