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PROFESSORES ALFABETIZADORES: O DISCURSO X A PRÁTICA Sandra Cristina Oliveira da Silva Sheyla Cavalcante de Arruda Telma Ferraz Leal Resumo: Por meio deste projeto de pesquisa, buscamos analisar os discursos de professoras sobre suas opções metodológicas relativas ao processo de alfabetização, sobretudo, em relação à realização ou não de estratégias de ensino que articulem a apropriação do sistema de escrita e as estratégias de compreensão de textos, e investigar as práticas de duas docentes, a fim de verificar se seus discursos condizem com as suas práticas. A metodologia consistiu da aplicação de um questionário a um grupo de 12 professoras, realização de uma entrevista com quatro professoras, e observações de 20 aulas de duas docentes. Pudemos verificar a variação de concepções das docentes sobre alfabetização, havendo, no entanto, predomínio de um discurso que valorizava mais as atividades de leitura e produção de textos e menos as atividades de apropriação do sistema alfabético de escrita, mesmo quando as professoras diziam que preferiam as abordagens mais tradicionais. Palavras chaves: Alfabetização, letramento, métodos de alfabetização, professores alfabetizadores, discurso e prática. 1. JUSTIFICATIVA Desde cedo o indivíduo tem contato com um mundo letrado, mas nem sempre tem acesso a situações mediadas pelo texto escrito de modo pleno. Sendo assim, há a necessidade de alfabetizar as pessoas para torná-las sujeitos autônomos nas práticas de leitura e escrita. A alfabetização, desse modo, é uma necessidade, hoje, para que as pessoas possam participar de várias situações sociais. Mas, nem sempre ela foi entendida como um processo de acesso às práticas sociais de leitura e escrita. Ela já foi entendida como aprendizagem de um código desarticulado das práticas sociais. Segundo Morais e Albuquerque (2005, p. 69), “a condição de sujeito letrado se constrói nas experiências culturais com prática de leitura e escrita que os indivíduos têm oportunidade de viver, mesmo antes de começar sua educação formal.”. Ou seja, a escola deve proporcionar a continuidade desse processo de letramento, associando-o de forma significativa à prática de alfabetização.

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PROFESSORES ALFABETIZADORES: O DISCURSO X A PRÁTICA

Sandra Cristina Oliveira da SilvaSheyla Cavalcante de Arruda

Telma Ferraz LealResumo:

Por meio deste projeto de pesquisa, buscamos analisar os discursos de professoras

sobre suas opções metodológicas relativas ao processo de alfabetização, sobretudo, em

relação à realização ou não de estratégias de ensino que articulem a apropriação do sistema de

escrita e as estratégias de compreensão de textos, e investigar as práticas de duas docentes, a

fim de verificar se seus discursos condizem com as suas práticas. A metodologia consistiu da

aplicação de um questionário a um grupo de 12 professoras, realização de uma entrevista com

quatro professoras, e observações de 20 aulas de duas docentes. Pudemos verificar a variação

de concepções das docentes sobre alfabetização, havendo, no entanto, predomínio de um

discurso que valorizava mais as atividades de leitura e produção de textos e menos as

atividades de apropriação do sistema alfabético de escrita, mesmo quando as professoras

diziam que preferiam as abordagens mais tradicionais.

Palavras chaves: Alfabetização, letramento, métodos de alfabetização, professores

alfabetizadores, discurso e prática.

1. JUSTIFICATIVA

Desde cedo o indivíduo tem contato com um mundo letrado, mas nem sempre tem

acesso a situações mediadas pelo texto escrito de modo pleno. Sendo assim, há a necessidade

de alfabetizar as pessoas para torná-las sujeitos autônomos nas práticas de leitura e escrita.

A alfabetização, desse modo, é uma necessidade, hoje, para que as pessoas possam

participar de várias situações sociais. Mas, nem sempre ela foi entendida como um processo

de acesso às práticas sociais de leitura e escrita. Ela já foi entendida como aprendizagem de

um código desarticulado das práticas sociais.

Segundo Morais e Albuquerque (2005, p. 69), “a condição de sujeito letrado se

constrói nas experiências culturais com prática de leitura e escrita que os indivíduos têm

oportunidade de viver, mesmo antes de começar sua educação formal.”. Ou seja, a escola

deve proporcionar a continuidade desse processo de letramento, associando-o de forma

significativa à prática de alfabetização.

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Nessa nova concepção de alfabetização, o professor tem o papel crucial de evitar a

desarticulação entre o processo de aprendizagem da escrita e leitura e o uso das mesmas no

meio cultural em que o sujeito está inserido. Cabe ao professor mediar as aprendizagens dos

alunos para que, na medida em que eles tiverem contato com os diversos textos de uso social,

em diversas situações no seu cotidiano, possam compreender as funções sociais desses textos.

No entanto, podemos questionar se as formações iniciais e continuadas dos docentes têm

garantido que a prática dos professores mude, de fato, no sentido de propiciar uma

alfabetização articulada com as circunstâncias de uso da leitura e da escrita em situações de

interação social.

Infelizmente, há indícios de que essa perspectiva ainda não é frequente na escola. Tal

fato pode ser inferido por meio da análise dos resultados desfavoráveis da Prova Brasil. Os

indicadores de rendimento dos estudantes são divididos por níveis que indicam as habilidades

dos alunos em relação à compreensão de distintos textos. Os níveis variam de 0 a 11.

Analisando os resultados da prova de 1995 a 2005 dos alunos da 4ª série do Ensino

Fundamental, observamos que a maioria dos alunos encontrou-se no nível 2 e 3, com um

agravante: em 1995, 21,62% dos participantes alcançaram o nível 3, enquanto em 2005,

apenas 19,92% chegaram a esse mesmo nível, evidenciando-se, assim, a pouca atenção ao

desenvolvimento das estratégias de leitura ao longo dos anos.

Esses dados, portanto, indicam que o ensino não tem garantido o desenvolvimento das

habilidades de leitura nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para que, de fato, os

estudantes desenvolvam tais habilidades de leitura, é fundamental que tenham acesso a um

ensino sistemático, tanto em relação ao sistema alfabético de escrita, quanto em relação às

estratégias de compreensão de textos.

Diante dessa problemática, analisamos os discursos de professoras sobre suas opções

metodológicas relativas ao processo de alfabetização, sobretudo, em relação à realização ou

não de estratégias de ensino que articulem essas duas dimensões (apropriação do sistema de

escrita e estratégias de compreensão de textos) e investigamos as práticas de duas docentes, a

fim de verificar se seus discursos condizem com as suas práticas.

Muitos docentes, em seus discursos, valorizam e dizem fazer uso da concepção de

alfabetizar letrando, mas será que realmente esses professores, na prática, se apóiam nessa

concepção em suas salas de aula? Esse foi o foco do nosso trabalho: investigar se, na prática,

os professores analisados realizavam o que diziam realizar. Assim, investigamos as relações

entre o discurso do professor sobre o ensino da leitura e da escrita, com foco nas relações

entre alfabetização e letramento, e o que é praticado pelo professor.

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Desse modo, os objetivos desta pesquisa foram:

Analisar o discurso de professores sobre suas opções metodológicas acerca da

alfabetização.

Investigar se os docentes concordavam com os princípios da abordagem da

alfabetização na perspectiva do letramento.

Investigar se o discurso dos professores alfabetizadores pesquisados condizia com a

sua prática em sala de aula.

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1. Métodos de alfabetização: um breve histórico.

Diferentes métodos de alfabetização foram adotados no Brasil, ao longo da história,

com o objetivo de auxiliar o indivíduo no processo de alfabetização. Esses métodos têm sido

classificados em três tipos: os métodos sintéticos, os métodos analíticos e os sintético-

analíticos, cada um com suas características próprias.

Os métodos sintéticos tiveram seu auge na Antiguidade até meados do século XVIII e

consistem em partir dos elementos da língua “mais simples”, ou seja, letra, fonema, sílaba

para, a partir da aprendizagem dessas unidades, apresentar as palavras, frases e textos

compostos por esses elementos. Sobre esse assunto, Galvão e Leal salientam que:

Propostas de ensino baseadas nesses métodos partem do pressuposto de que a aprendizagem é mais fácil quando se parte das unidades mais elementares e simples (em geral sem sentido), para, em seguida, apresentar unidades inteiras e significativas. (2005, p. 18).

Abordando o mesmo tema, Barbosa afirma que:

A instrução procede do simples para o complexo, racionalmente estabelecidos: num processo cumulativo, a criança aprende as letras, depois as sílabas, as palavras, frases e, finalmente, o texto completo. Estabelece-se como regra geral que a instrução não deve avançar no processo sem que todas as dificuldades da fase precedente estejam dominadas. (1994, p. 47).

Podemos citar como exemplos os métodos alfabéticos e os silábicos. Nesses, são

realizadas atividades de repetição, em que os alunos têm de memorizar todas as letras e depois

agrupá-las, formando sílabas. Depois de conhecer todos os padrões silábicos, precisam formar

palavras e, somente após todo esse processo é que passam a construir as frases e,

posteriormente, os pequenos textos.

Com o tempo, foram surgindo as primeiras críticas aos métodos silábicos e

alfabéticos. Foram feitas análises apontando que o nome de algumas letras não tem relação

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com o fonema da mesma. Diante dessa problemática, surgem outros variantes nos métodos

sintéticos e um deles são os métodos fônicos. Sobre esses métodos, Roazzi, Ferraz e Carvalho

(1996, p. 3) salientam que:

Basicamente, trata-se de fazer pronunciar as letras, aprendidas uma de cada vez, de acordo com seu valor fônico, como se pronunciam enquanto unidades das palavras.

Nesses métodos, propõe-se que se inicie do fonema e não da grafia das letras. Segundo

Ferreiro e Teberosky, os métodos sintéticos partem do seguinte pressuposto:

Na aprendizagem, está em primeiro lugar a mecânica da leitura (decifrado o texto) que, posteriormente, dará lugar à leitura “inteligente” (compreensão do texto lido), culminando com uma leitura expressiva, onde se junta a entonação. (1985, p. 19).

Em suma, como já foi dito, os métodos sintéticos seguem uma sequência delimitada

por etapas: primeiro o aluno tem que aprender as letras (ou fonemas), somente após isso

acontecer, é que ele passa para outra etapa, que é formar sílabas, até chegar à leitura de

palavras e elaboração de textos, proporcionando uma visão fragmentada da aprendizagem e,

até mesmo, subestimando o aluno. As principais críticas dessa abordagem são em relação à

repetitividade da aprendizagem e descontextualização dos recursos didáticos: textos

cartilhados.

Os métodos analíticos vieram se estabelecer no final do século XX e tiveram grande

influência da psicologia genética. Os defensores desse método acreditavam que os métodos

sintéticos não ofereciam um aprendizado significativo por serem mecânicos, artificiais e não

funcionais.

A proposta dos métodos analíticos, também nomeados de métodos globais, é partir do

todo, ou seja, palavras, frases e textos para, posteriormente, analisar os componentes dos

mesmos: letras e sílabas. Desta forma, “os métodos analíticos são aqueles que propõem um

ensino que parte das unidades significativas da linguagem, isto é, palavras, frases ou pequenos

textos, para depois conduzir análise das partes menores que as constituem (letra e sílabas).”.

(GALVÃO E LEAL, 2005, p. 20).

Nessa perspectiva, o sujeito é apresentado a diversas palavras que serão reconhecidas

por meio de memorização e só após o sujeito memorizar as palavras dadas, passa à construção

de novas palavras e ao reconhecimento de sílabas dessas unidades em outras, num processo

espontâneo de descobertas.

Esta abordagem preocupa-se com o significado da leitura e escrita e procura

proporcionar um processo natural, real, onde a criança esteja sempre motivada e interessada.

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Os métodos analíticos trazem a inovação de partir das palavras, unidades maiores e que têm

sentido para as crianças. No entanto, é, também, um método mecânico e monótono de

memorização de palavras ou textos.

Nicholas Adams foi o precursor dessa visão global da aprendizagem quando afirma

que “[...] quando se quer mostrar um casaco para uma criança, não se começa dizendo e

mostrando separadamente a gola, depois os bolsos, os botões, a manga do casaco. O que se

faz é mostrar o casaco e dizer para a criança: “isto é um casaco”.” (citado em Barbosa, 1994,

p. 50). Partindo dessa mesma ideia, Decroly cita as abordagens ideovisuais. Ou seja, o

processo de aquisição de leitura e escrita é primeiramente visual, partindo do concreto (frases)

para o abstrato (letras e sílabas).

Percebe-se que os métodos analíticos representaram avanço no processo de

apropriação do sistema de escrita alfabética em comparação a perspectiva sintética, porém não

se deixa de estudar isoladamente as partes. Só há um adiamento desse trabalho e com um

agravante: acredita-se que a aprendizagem acontece de maneira espontânea.

Acreditando que os métodos sintéticos não eram adequados por partirem das unidades

menores das palavras e os métodos analíticos por acreditarem no espontaneísmo, surgiram

novos métodos: os métodos sintéticos - analítico.

Os métodos analítico-sintéticos sugerem que o processo de alfabetização se dá por

meio dos processos de composição / decomposição de palavras. Sobre os métodos analítico-

sintéticos, Galvão e Leal (2005) salientam:

Entre as variações do método analítico- sintético, encontramos a Palavração. Com ele, o aluno aprende palavras e depois as separa em sílabas para com estas formar novas palavras.” (p. 24).

Coutinho (2005) resume de maneira clara a relação entre os três métodos: “embora

houvesse divergências entre os três, ambos percebiam a aprendizagem do sistema de escrita

alfabética como uma questão mecânica, a aquisição de uma técnica para a realização do

deciframento.” (p. 48).

De acordo com a perspectiva tradicional de alfabetização, o mais importante era

apenas aprender a codificar e decodificar. Ou seja, nessa concepção, o aluno só aprenderia a

ler e a escrever através da memorização de sons, letras, sílabas, palavras e textos. Sendo

assim, a aprendizagem do sistema de escrita era concebida de forma fragmentada, repetitiva e

monótona, tratada como simples aquisição de uma técnica, se limitando apenas ao ato de

codificar e decodificar as palavras. Em momento algum, os métodos citados anteriormente

estimulavam reflexões sobre o funcionamento do sistema de escrita alfabética.

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Foi através dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita, realizados por Emília

Ferreiro e seus colaboradores, que o pensamento construtivista mudou as visões a respeito do

processo de apropriação alfabética. De acordo com Mortati (2006):

O construtivismo se apresenta não como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos, abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas (p. 10).

Segundo Ferreiro (1992), a escrita pode ser vista de duas maneiras: “como uma

representação da linguagem ou como um código de transcrição de unidades sonoras” (p. 10).

Nos métodos citados anteriormente, a escrita é vista da segunda forma, como um código, que

deve ser memorizado.

Ainda de acordo com a autora, “a invenção da escrita foi um processo histórico de

construção de um sistema de representação, não um processo de codificação.” (p. 12). Desse

modo, para Ferreiro (1992), a criança também se apropria de um sistema de representação e

não simplesmente de um código. A autora acredita que o primeiro passo para saber quais os

conhecimentos que o indivíduo apresenta sobre a escrita é analisar os escritos dele, ou seja, é

através dessa análise que se podem conhecer os níveis de escrita dos alunos.

Ferreiro (Idem) ainda afirma que “o modo tradicional de se considerar a escrita infantil

consiste em se prestar atenção apenas nos aspectos gráficos dessas produções, ignorando os

aspectos construtivos.” (p. 18). A partir dos estudos de Ferreiro, as escritas e as

aprendizagens das crianças foram vistas de outro ângulo, o que proporcionou um avanço

bastante significativo sobre como as crianças se apropriam do sistema de escrita alfabética.

Apesar dos avanços demonstrados pelas pesquisas de Emília Ferreiro e estudos

relativos à importância de inserir na alfabetização o trabalho com leitura e produção de textos,

muitos professores ainda utilizam em sala de aula os métodos tradicionais que, como já vimos

anteriormente, concebem a escrita como um código que tem de ser memorizado pelos alunos.

Muitos docentes ainda acreditam que os métodos tradicionais apresentam uma aprendizagem

mais rápida, no entanto, se pararmos para pensar sobre o conhecimento dos alunos, nos

deparamos com algumas questões importantes para a reflexão: Queremos, como docentes,

formar pessoas autônomas e críticas ou pessoas incapazes de ler um simples bilhete?

No próximo tópico iremos expor melhor a perspectiva construtivista da alfabetização.

2.2. A perspectiva construtivista de alfabetização

O conhecimento das crianças acerca do sistema de leitura e escrita vem sendo

investigado há muito tempo. Em 1898, Harriet Iredell, uma professora da Pensilvânia,

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escreveu um artigo sobre seus estudos com crianças, no qual comprova que as mesmas estão

envolvidas com a leitura e escrita, antes mesmo de irem para a escola.

Nos anos 20, Vygotsky, um psicólogo soviético, critica a escola de Montessori e

outras escolas por ensinar a escrita como capacidade motora e não como atividade cultural.

No entanto, é somente a partir dos anos 70 que os pesquisadores começaram a estudar de

forma aprofundada os conhecimentos das crianças sobre o sistema de escrita. Entre os

pesquisadores interessados em entender a relação da criança com a linguagem escrita, estava

um grupo de psicólogos piagetianos que procurava explicar o assunto utilizando a abordagem

clínica, desenvolvida por Jean Piaget, e norteada pelas ideias de Emília Ferreiro.

O objetivo principal da pesquisa de Ferreiro era “o entendimento da evolução dos

sistemas de ideias construídos pelas crianças sobre a natureza do objeto social que o sistema

de escrita é.” (1995, p. 23).

Emília Ferreiro entende a escrita como um sistema de representação e não como um

código. De acordo com a pesquisadora, a diferença principal entre os dois é que “no caso da

codificação, tantos os elementos como as relações já estão predeterminados. (...) no caso da

criação de uma representação, nem os elementos nem as relações estão predeterminados.”

(1992, p. 12). A autora diz que, sendo a escrita um sistema de representação, as crianças

tendem a representá-la da maneira que compreendem, ou seja, “as crianças reinventam o

sistema de escrita” e isso acontece antes mesmo de ingressarem na escola. Mas, qual seria a

natureza desse sistema de escrita?

O nosso sistema de escrita é o alfabético, isto é, cada letra ou dígrafo representa uma

unidade sonora, que é o fonema, embora tal representação não seja sempre regular direta, ou

seja, uma letra pode representar diferentes fonemas e um fonema pode representar diferentes

letras. Este princípio tem que ser entendido pelos aprendizes.

Nas primeiras formas escritas, a humanidade privilegiava o registro dos significados

das palavras através de desenhos que reproduziam as formas físicas externas dos objetos, o

sistema logográfico. “O difícil num sistema desse tipo era notar palavras que não

correspondiam a objetos isolados e concretos no mundo real (por exemplo; sentir ou beleza)”.

(MORAIS, 2005, p. 35).

Outro sistema que representava as palavras como unidades é o sistema de Kanji,

usados até hoje pelos chineses. “Nesse sistema também nota-se o significado ao invés dos

significantes orais, no entanto, abriu-se mão dos desenhos e passou-se a usar símbolos

simples ou compostos, socialmente convencionalizados como substitutos das palavras em

questão.” (MORAIS, 2005, p. 36).

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A humanidade, após esses primeiros sistemas de escritas, criou outros que passaram a

notar as partes sonoras que compõem as palavras, os sistemas de escrita silábica. Morais

(2005) explica o que acontece, a partir de então, da seguinte forma:

Depois de usar vários sistemas que continham, sobretudo, consoante, conseguimos, na Grécia Antiga, chegar a um sistema de escrita no qual, além de notar a sequência de sons menores das palavras (que depois passamos a chamar de fonemas), utilizávamos tanto caracteres para os sons equivalentes aos sons vocálicos como para aqueles equivalentes às consoantes pronunciadas. Os alfabetos, tal como é usado para escrever nossa língua portuguesa, derivado do alfabeto latino, difundiram-se e foram adaptados pelos falantes de diferentes idiomas. (p. 36).

Diferentemente do que pensam muitos educadores, a aprendizagem desse sistema,

hoje espalhado pelo mundo, é complexa, pois exige a compreensão de seus princípios de

funcionamento.

A criança precisa entender, por exemplo, que a linguagem oral não pode ser transcrita

para a linguagem escrita fielmente; que as palavras são separadas por espaços na escrita; que

se escreve da esquerda para a direita; que se escreve horizontalmente; de cima para baixo; que

se utilizam letras para escrever; que toda sílaba contém vogal; que há diferentes estruturas

silábicas; que a ordem das letras equivale à ordem em que os fonemas são pronunciados.

Segundo Ferreiro e Teberosky (citado em Coutinho, 2005), na busca de entender tais

princípios, “[...] as crianças formulam uma série de ideias próprias sobre a escrita alfabética,

enquanto aprendem a ler e a escrever.” (p. 50). Ferreiro (1992) afirma que: “quando uma

criança escreve tal como acredita que poderia ou deveria escrever certo conjuntos de palavras,

está nos oferecendo um valiosíssimo documento que necessita ser interpretado para poder ser

avaliado.” (p. 17). A autora descreveu, com base neste tipo de material, níveis de

compreensão do sistema de escrita pelos quais as crianças passam, até entenderem a lógica do

sistema.

No nível pré-silábico, as crianças ainda não compreendem que a escrita representa a

fala. Muitas delas pensam que estão escrevendo no momento em que estão fazendo alguns

desenhos, rabiscos, pois, para elas, escrever e desenhar são a mesma coisa. É comum,

também, encontrarmos crianças que misturam números e letras, pois ainda não conseguem

diferenciá-los. Mesmo usando apenas letras, muitas crianças permanecem nesta hipótese por

não realizarem correspondências entre as unidades gráficas e as unidades sonoras. Também

podemos perceber a presença de um fenômeno denominado “realismo nominal”, no qual a

criança relaciona sua escrita às características do objeto a ser grafado. Isto é, se pedirmos à

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criança que escreva a palavra FORMIGA, é possível que ela escreva com poucas letras, pois a

formiga é um ser pequeno.

No nível silábico, as crianças já conseguem entender que há relação entre a escrita e a

pauta sonora da palavra. Porém, os alunos acreditam que a quantidade de letras das palavras

corresponde à quantidade de sílabas pronunciadas das mesmas. Por exemplo, se solicitarmos

ao aluno que escreva a palavra CAVALO, ele poderá escrever três letras aleatórias (MBV), ou

poderá grafar três letras que tenham alguma relação com pedaços das sílabas (CVL). A

hipótese silábica quantitativa, equivalente ao primeiro exemplo dado, pressupõe que a criança,

ao escrever, marque uma letra qualquer do alfabeto para representar cada sílaba da palavra. Já

a hipótese qualitativa, os alunos escrevem letras que tenham relação com o som das palavras

por eles escutadas. Sobre a hipótese silábica, Ferreiro (1992) ressalta que ela é importante

“por duas razões: permite obter um critério geral para regular as variações na quantidade de

letras que devem ser escritas, e centra a atenção da criança nas variações sonoras entre as

palavras.” (p. 25). Para Coutinho (2005):

À medida que passam a escrever um grafema para cada sílaba, os alunos começam a vivenciar alguns conflitos e vão criando novas hipóteses, como a de que existe uma quantidade mínima de letras para escrever. Nesse caso, palavras monossílabas e dissílabas precisariam ser escritas com, no mínimo, três letras. (p. 55).

De acordo com as hipóteses do nível silábico-alfabético (período de transição entre o

nível silábico e o alfabético), as crianças já conseguem associar as letras aos fonemas em

grande parte de suas produções, pois se encontram muito próximas da escrita alfabética. Mas,

ainda ocorrem momentos de confusão no que se refere a quais letras selecionar para notar os

sons e ocorrências de omissão de letras em algumas sílabas. De acordo com Ferreiro (1992),

“o período silábico-alfabético marca a transição entre os esquemas prévios em via de serem

abandonados e os esquemas futuros em vias de serem construídos.” (p. 27).

O nível alfabético é caracterizado pelo fato do aluno compreender que as letras

representam unidades menores que as sílabas. Ou seja, a criança já consegue relacionar as

letras e os fonemas representados, mas é possível que ainda ocorram problemas quanto à

ortografia. “Como os alunos sabem que a escrita nota a pauta sonora, eles têm tendência a

escrever exatamente como se pronunciam as palavras.” (COUTINHO, 2005, p. 61).

Entender que a apropriação do sistema de escrita é complexa, como foi demonstrado

por Ferreiro e Teberosky (1985), é importante porque, com base nesta compreensão, podemos

defender que é necessário garantir situações didáticas diversificadas e sistemáticas para que a

alfabetização ocorra. No entanto, mesmo havendo tal tipo de condução do professor, é

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necessário também garantir que outras atividades, sobretudo, destinadas ao desenvolvimento

de estratégias de leitura tenham espaço na sala de aula. Por tal motivo, no próximo tópico nos

aprofundaremos um pouco mais nas questões que estamos discutindo.

2.3. A alfabetização na perspectiva do letramento

Nos anos 60, o sujeito era considerado alfabetizado quando declarava saber assinar o

próprio nome. A partir dos anos 70, essa concepção mudou. Para ser considerado

alfabetizado, o indivíduo tinha que ter a habilidade de escrever um bilhete simples. Depois, as

exigências foram aumentando. Com esse novo conceito de sujeito alfabetizado, o ensino

escolar precisou se adequar às novas exigências da sociedade.

Como já vimos anteriormente, os métodos de alfabetização não garantiam essa

habilidade por entenderem a língua escrita como um código, além de não trabalharem a

funcionalidade dos textos no cotidiano. Surge, então, a concepção de alfabetizar letrando.

Tal concepção começou a surgir a partir dos anos 80 no Brasil, quando se percebeu

que muitas pessoas alfabetizadas liam e não compreendiam o que estavam lendo. Ou seja, as

pessoas aprendiam a ler e escrever apenas textos escolares como os que apareciam nas

cartilhas de alfabetização ou redações, e muitas vezes não sabiam utilizar os conhecimentos

adquiridos na escola, fora desse ambiente.

A partir dessa problemática, surge o termo analfabetismo funcional, que indicava que

as pessoas sabiam “ler”, porém não compreendiam; e sabiam escrever apenas textos escolares.

Para combater tal fenômeno, era preciso entender que ler e escrever são práticas sociais.

Desse modo, é preciso associar a alfabetização ao letramento. O termo letramento, de acordo

com Soares (citado por Albuquerque, 2005), “(...) é a versão para o Português da palavra de

língua inglesa literacy, que significa o estado ou condição de escrever.” (p. 16). O termo

letramento, no Brasil, não substitui a palavra alfabetização. Ele aparece associado a ela.

Segundo Albuquerque (2005):

Podemos falar ainda nos dias de hoje, de um alto índice de analfabetos, mas não de “iletrados”, pois sabemos que o sujeito que não domina a escrita alfabética, seja criança, seja adulto envolve-se em práticas de leituras e escritas através da mediação de pessoas alfabetizadas, e nessas práticas desenvolve uma série de conhecimentos sobre os gêneros que circulam na sociedade. (p. 16).

O sujeito está inserido num mundo letrado. Todos os dias eles têm contato com

distintos textos com finalidades diferentes. Mesmo sem nunca ter ido à escola, as pessoas

fazem uso da escrita e da leitura através de outras pessoas.

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Após o surgimento da concepção de alfabetizar na perspectiva do letramento, foram

sendo introduzidos nas salas de aulas diversos gêneros textuais, no entanto, houve alguns

equívocos sobre como alfabetizar letrando. Os professores tinham a proposta de trabalhar

esses textos na sala da mesma forma como os textos circulam fora da escola. Santos e

Albuquerque (2005) abordam esse assunto da seguinte forma:

Sendo a escola lugar específico de ensino-aprendizagem, não é possível reproduzir dentro delas as práticas de linguagem de referência tais quais aparecem na sociedade. Ao entrar no processo de ensino, as situações de produção textual, embora remetendo às situações nas quais tais textos são utilizados nas práticas de linguagem na sociedade, apresentam características peculiares à situação de ensino em que estão inseridas. (p. 96).

Outro equívoco que podemos destacar é o de que alfabetizar letrando é a introdução de

diferentes textos na sala como pretexto de estudo de palavras e dos padrões silábicos, e que

com o contato com os textos serviria apenas para garantir a apropriação do sistema alfabético

de escrita.

Alfabetizar letrando não é somente trazer para a sala de aula uma diversidade de

textos; quando lemos e escrevemos temos uma finalidade e é preciso trazer essa

funcionalidade nos estudos dos gêneros textuais nas salas de aula, ou seja, o sujeito tem que

entender a finalidade de determinados textos na sociedade. Concordamos com Santos e

Albuquerque (2005) quando as autoras afirmam que:

Ao se ler e escrever um texto, tem-se a intenção de atender a determinada finalidade. É isso que faz com que a situação de leitura e escrita seja real e significativa. Portanto, ao se ler ou escrever um texto em sala de aula, deve-se objetivar uma finalidade clara e explícita para os envolvidos na situação de leitura e produção. (p. 97).

Nos dias atuais, é quase impossível pensar na alfabetização dissociada do letramento,

no entanto, não podemos deixar de lado a importância da apropriação do sistema alfabético de

escrita, já que é ela que garante ao sujeito a condição de leitor e escritor. Acreditamos que

essas duas práticas, alfabetizar e letrar, devem vir juntas durante o processo de alfabetização.

Sobre esse assunto, Magda Soares (citada por Albuquerque, 2005) afirma que:

Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (p. 18).

Para investigar as concepções de professores sobre este tipo de proposta –

alfabetização na perspectiva do letramento -, decidimos, neste estudo, investigar como eles a

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compreendiam, se concordavam com ela e as relações entre o que dois professores diziam e

faziam em sala de aula. Apresentaremos, a seguir, a metodologia usada para tal investigação.

3. METODOLOGIA

Como já foi dito anteriormente, traçamos três objetivos principais nesta pesquisa: o

primeiro foi analisar o discurso de professoras sobre suas opções metodológicas acerca da

alfabetização; o segundo foi investigar se as professoras concordam com os princípios da

abordagem da alfabetização na perspectiva do letramento; e o terceiro foi investigar se o

discurso de 2 professoras alfabetizadoras pesquisadas condiz com a sua prática em sala de

aula.

A pesquisa foi realizada através de trabalho de campo em escolas municipais da

cidade do Recife e da Região Metropolitana (Igarassu e Paulista). Participaram da primeira

fase da pesquisa 12 professoras alfabetizadoras, com idades entre 25 e 49 anos, com

formações distintas: uma delas tinha concluído o Magistério; quatro estavam cursando

Pedagogia; duas já eram graduadas em Pedagogia, sendo uma com especialização em Gestão

Escolar; uma era graduada em Português / Inglês, com especialização em Linguística; outra

era graduada em Letras com especialização em Psicopedagogia; duas eram graduadas em

História, sendo uma com especialização em História e a outra com especialização em

Educação Especial; e, por fim, uma graduada em Filosofia com especialização em Gestão

Educacional. O tempo em que lecionavam variava de 2 a 28 anos e o tempo que lecionavam

nos anos 1 e 2 do Ensino Fundamental variou entre 1 e 13 anos. Das doze professoras

pesquisadas, onze afirmaram participar de formações continuadas.

Essa investigação foi feita através da análise de dados coletados por meio de diferentes

instrumentos: entrevistas semi estruturadas, questionários e observações de aula. A escolha

das professoras foi realizada de forma aleatória. Porém, era necessário que as docentes

estudadas lecionassem nas séries iniciais do Ensino Fundamental (turmas em processo de

alfabetização 1º e 2º anos).

Três etapas foram seguidas nesta investigação. A primeira etapa consistiu na aplicação

de um questionário às professoras, que nos deu suporte para a análise das opções

metodológicas das docentes pesquisadas acerca da alfabetização e para a caracterização do

grupo investigado. A análise do questionário foi realizada em duas fases: a exploração geral

das respostas, para a construção das categorias e a releitura das respostas para

aprofundamento das análises, considerando as categorias criadas. Com base na leitura

13

minuciosa, foi realizada a montagem de um quadro com as respostas das docentes que nos

ajudou, posteriormente, a realizar as análises.

Sobre as vantagens do questionário, Gressler diz: “provavelmente a maior vantagem

do questionário é a sua versatilidade. A maior parte dos problemas que exigem anonimato

pode ser pesquisada por meio de questionário, uma vez que o mesmo assegura maior

liberdade em expressar opiniões.” (1979, p. 55). Baseando-se nas análises dos questionários,

foram escolhidas quatro professoras para participar da etapa seguinte da pesquisa. O critério

de seleção foi a necessidade de contemplar professoras que explicitassem diferentes opções

metodológicas de alfabetização. Assim, as professoras escolhidas tinham as seguintes

características:

Professora 1: disse que adotava a perspectiva do letramento e quanto questionada sobre como alfabetizava seus alunos, só listou atividades de leitura e escrita de textos.Professora 2: afirmou que o melhor era o construtivismo e que ela o adotava. Citou atividades com textos e com unidades lingüísticas menores (palavras e letras), mas com pouca diversidade.Professora 3: disse que os métodos tradicionais eram os melhores, mas utilizava um pouco de cada; só indicou atividades com textos.Professora 4: afirmou que o melhor método era o socioconstrutivismo, mas adotava um pouco de cada; listou atividades com textos e com palavras, evidenciando uma prática diversificada.

Na segunda etapa da pesquisa, foi realizada uma entrevista com as quatro professoras

citadas, para que elas pudessem detalhar melhor suas formas de condução do trabalho

docente, para, então, aprofundarmos as análises das concepções de alfabetização delas e

entendermos melhor as suas práticas. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra e,

logo depois, analisadas.

A entrevista é um instrumento que nos abre um enorme leque sobre o tema

pesquisado, pois, diferentemente do questionário, em que os indivíduos organizam suas ideias

para responder de forma escrita, na entrevista, as docentes estavam em situação de conversa

face-a-face, fato que ajudou a aprofundar suas respostas. Segundo Gressler (1979, p. 61), na

entrevista “o entrevistador tem condições de aclarar as questões e encorajar o investigado a

fornecer informações mais completas e de observar o que o entrevistado diz e como diz:

gestos, expressões faciais, alterações da voz etc.”.

Na terceira etapa, foram escolhidas duas professoras dentre as quatro que

demonstraram concepções diversas sobre alfabetização. As professoras escolhidas foram as

que demonstraram opiniões distintas sobre alfabetização na perspectiva do letramento.

Escolhemos a professora 3, que dizia adotar métodos tradicionais. Escolhemos também a

14

professora 4, por ela defender o socioconstrutivismo como método e, segundo a docente, por

ter uma prática diversificada de alfabetização.

As aulas dessas professoras foram observadas e analisadas. Por meio dessas análises,

foi possível relacionar melhor os discursos e as práticas docentes. Foram realizadas dez

observações com cada professora. O período foi de três meses, contando, em média, com

intervalos de sete dias entre as observações. Assim como nas entrevistas, as aulas foram

gravadas. Após as observações, foram feitos relatórios dessas aulas onde estavam disponíveis

informações sobre as atividades, tempo de duração para serem realizadas e transcrições do

trabalho realizado no dia.

De acordo com Marconi e Lakatos (2007, p. 193), a observação “permite a evidência

de dados não constantes do roteiro de entrevista ou de questionários.” Tal procedimento nos

mostrou a prática das docentes pesquisadas de forma mais direta, além de nos permitir

conhecer as atividades realizadas e as contribuições que as mesmas podiam dar no processo

de alfabetização das crianças.

4. RESULTADOS

Com os resultados obtidos nos questionários, nas entrevistas e nas observações,

pudemos responder algumas indagações feitas no início do nosso trabalho, as quais serão

apresentadas nos tópicos a seguir.

4.1. As professoras adotam algum método de alfabetização? Qual (quais) método(s)

diziam adotar?

Diante das respostas apresentadas pelas docentes no questionário, pudemos

categorizá-las em 2 grupos:

Grupo 1: Professoras que disseram adotar um método específico.

Grupo 2: Professoras que disseram usar um pouco de cada método.

No grupo 1, foram classificadas cinco professoras que disseram adotar um método

específico. As cinco citaram abordagens de base interacionista. Três dessas professoras

disseram que usavam o “método do letramento” e duas delas, o “construtivismo”. Como

sabemos, nem o letramento e nem o construtivismo são propostas metodológicas. De modo

que podemos entender que as docentes identificavam tais abordagens como métodos por

conceberem que há determinados princípios didáticos articulados aos pressupostos do

construtivismo e às orientações dadas por autores que discutem sobre o letramento.

15

Diferenças entre essas docentes foram observadas em relação aos tipos de atividades

citados para alfabetizar. As professoras que disseram usar o “letramento” afirmaram que

faziam atividades centradas em textos (leitura e escrita de diferentes gêneros textuais). Uma

das professoras acrescentou também a atividade de ditado, mas o foco principal dela era o

texto. Tal opção decorre de uma posição sobre alfabetização de que é suficiente proporcionar

o contato dos alunos com os textos que eles passam a escrever com autonomia. No entanto,

como discutimos anteriormente, tal idéia é oposta ao que defendem autores como Morais e

Albuquerque (2005), que mostram evidências de que para que os estudantes dominem o

sistema de escrita é importante promover atividades em que eles tenham que pensar sobre o

funcionamento da base alfabética.

Apenas uma dessas professoras que disse usar o letramento citou também o trabalho

com os nomes dos alunos, além de usar tarefas de composição e decomposição de palavras e

identificação de semelhanças sonoras e gráficas. Isto é, ela não ficava restrita ao trabalho de

ampliação do grau de letramento.

As professoras que disseram usar o construtivismo afirmaram usar alguns materiais

que continham textos, mas pudemos verificar que tais materiais favoreciam reflexões sobre

palavras. Uma delas falou que utilizava cartazes e cartões com palavras. Não explicou o que

fazia com tais materiais, mas usava recursos que possibilitavam análises de palavras.

A outra professora também dizia utilizar textos, mas citou atividades centradas em

reflexões sobre palavras ao indicar a utilização de listas. Pudemos também inferir alguma

preocupação com reflexão fonológica quando a professora afirmou que utilizava muitos

poemas infantis, parlendas, quadrinhas, trava-línguas, dentre outros textos que estimulam a

tomada de consciência sobre semelhanças sonoras.

Nenhuma das cinco docentes afirmou utilizar jogos ou outras atividades de

composição / decomposição de palavras, ordenação de sílabas ou letras, dentre outras que

poderiam ajudar as crianças a compreender mais especificamente o funcionamento do sistema

de escrita. Pudemos observar que as docentes apresentaram respostas em que havia atividades

pouco diversificadas e baixíssima preocupação com as atividades centradas nas palavras.

Nenhuma citou atividades de reflexão sobre unidades menores que as palavras, como as

sílabas e letras ou fonemas.

Salientamos que os teóricos do construtivismo (como Emília Ferreiro e Ana

Teberosky) sugerem que é necessário fazer as crianças pensarem sobre a lógica de construção

do sistema. Não há, nas propostas dessas autoras, restrição à utilização de atividades centradas

16

nas palavras e outras unidades, como parecem supor as docentes que dizem utilizar tal

perspectiva.

Duas dessas professoras que disseram adotar um método específico foram escolhidas

para a fase de entrevista. A professora 1, porque dizia adotar o letramento e afirmava que

utilizava apenas textos para alfabetizar. A professora 2, porque dizia adotar o construtivismo e

afirmava que usava, além de jornais e outros suportes para o contato com textos, listas e

pequenos textos de tradição oral: poemas, trava-línguas, parlendas, dentre outros.

Seis professoras disseram utilizar em sua prática docente um pouco de cada método,

sendo, por isso, classificadas no grupo 2, descrito anteriormente.

Apenas uma professora citou métodos sintéticos como sendo os melhores. Ela afirmou

que os melhores métodos de alfabetização são Casinha Feliz e Se Liga. Os dois citados são

embasados em abordagens sintéticas (método fônicos e silábico). Esta professora, apesar de

dizer que estes métodos são os melhores, dizia adotar um pouco de cada método e, ao falar

sobre alfabetização na perspectiva do letramento, confundiu os conceitos e disse que eram

métodos tradicionais que não contemplavam as capacidades de interpretação de textos. No

entanto, afirmou que trabalhava com leitura de textos em sala de aula. Na listagem dos

gêneros que ela dizia adotar, foram contemplados textos de tradição oral, como parlendas,

trava-línguas e poemas infantis. Esta professora, como já foi dito, foi a única que falou que os

métodos sintéticos eram os melhores.

Uma das professoras disse que o melhor método é o socioconstrutivismo, mas afirmou

que mistura diferentes métodos. Na listagem das atividades citadas por ela, foram variados os

tipos de reflexão acerca de diferentes unidades linguísticas: palavras, sílabas, letras... Dada

esta variedade citada por ela, ela foi escolhida para participar da fase 2 da pesquisa.

Das quatro professoras restantes, duas afirmaram utilizar em sua prática um pouco de

cada método. As atividades citadas pelas duas docentes foram pouco diversificadas. Uma

citou apenas o trabalho com leitura e escrita de vários gêneros textuais e ditados variados. A

outra citou atividades com gêneros textuais presentes na cultura popular (cantigas de rodas,

músicas, quadrinhas, parlendas.) e leitura e escrita do próprio nome. As outras duas

professoras afirmaram utilizar em sua prática docente os métodos tradicionais. Sendo que,

uma delas dizia usar também o letramento e a outra, o construtivismo.

As atividades citadas pela docente que dizia trabalhar com o letramento consistiam no

trabalho com leitura e escrita de vários gêneros textuais, ditados diversificados e atividades

com lacunas. Não foram citadas atividades de análise das unidades menores das palavras. Já a

professora que dizia utilizar o construtivismo citou atividades diversificadas que além de

17

priorizar os textos, favoreciam a reflexão sobre as unidades menores das palavras. Não

identificamos dentre as atividades citadas pelas duas docentes o trabalho baseado nos métodos

tradicionais, que ambas afirmaram também utilizar. Por isso, a fase de análise das práticas é

tão importante para a compreensão da prática das professoras.

Nesta fase da pesquisa, pudemos verificar a variação de concepções das docentes,

havendo, no entanto, predomínio de um discurso que valorizava mais as atividades de leitura

e produção de textos e menos as atividades de apropriação do sistema alfabético de escrita,

mesmo quando as professoras diziam que preferiam as abordagens mais tradicionais.

Escolhidas as quatro professoras, buscamos aprofundar as análises, realizando entrevistas para

investigar quais eram suas concepções acerca dos métodos que diziam adotar. Trataremos

disso no próximo tópico.

4.2. Quais conhecimentos as professoras explicitaram sobre os métodos de

alfabetização?

Analisando as respostas das professoras sobre os métodos que conhecem e como são

eles, obtivemos os seguintes resultados:

A professora 1 disse apenas conhecer o método baseado na perspectiva de letramento

e que, de acordo com a mesma, é apenas o trabalho com textos e o contato do aluno com a

leitura. “Proporcionar ao aluno o contato maior com a leitura”.

As docentes 2 e 4 afirmaram conhecer o Construtivismo e o Montessori. Sendo que, a

professora 4 ainda citou como métodos tradicionais - o Casinha Feliz e alguns programas

como “Alfa e Beto” e “Paulo Freire para jovens e adultos” e salientou que “(...) os métodos na

sua maioria visam estabelecer a relação grafofônica das palavras, mas fogem da realidade

cultural, social e econômica do aluno.”. Porém, as professoras não conceituaram nenhum dos

métodos citados por elas.

A professora 3 disse conhecer apenas métodos baseados na abordagem sintética, o

Casinha Feliz, que a professora defendeu que era o melhor. Ela destacou o trabalho de

fantoches com letras e fonemas; o Parabéns, conceituado por ela como sendo o trabalho com

o letramento tradicional; e o Se Liga, que, segundo a professora, trabalha com palavra chave,

família silábica e com música.

A professora 4, apesar de citar vários métodos, afirmou que “fogem da realidade

cultural, social e econômica do aluno”. Entretanto, a prática do trabalho de Paulo Freire,

denominada pela docente como programa, não acontecia de forma descontextualizada da

18

realidade do aluno. Muito pelo contrário, essa prática visava aproximar o ensino da realidade

que o aluno vive.

A professora 3 parece entender um pouco mais sobre os métodos citados por ela.

Todavia, conceituava como letramento os métodos tradicionais.

Podemos concluir, então, que as três docentes apesar de citarem bastantes métodos,

entendiam muito pouco sobre eles. Elas tinham idéias vagas a respeito dos métodos de

alfabetização tradicional e tinham construído uma representação de que o letramento seria um

método, evidenciando certa dificuldade para conceituar esta noção.

Para aprofundar os conhecimentos acerca do trabalho das docentes, analisamos o que

as mesmas falaram sobre a alfabetização na perspectiva do letramento, tema da nossa próxima

pergunta.

4.3. Quais a concepções das professoras sobre alfabetização na perspectiva do

letramento?

Alfabetizar na perspectiva do letramento, de acordo com os teóricos estudados, é levar

o aluno a compreender o sistema de escrita alfabética e utilizar esse conhecimento no mundo

em que vivem em situações de leitura e escrita de textos. Isto é, consiste em garantir ao

mesmo tempo atividades voltadas para a compreensão do sistema de escrita e atividades de

leitura e de produção de textos diversificados, conforme discutimos nos tópicos iniciais deste

artigo.

Segundo a professora 1, o letramento proporciona um maior contato do aluno com a

leitura. A docente mostra uma concepção de que alfabetizar letrando é simplesmente

introduzir distintos gêneros textuais na sala de aula. Podemos perceber isso na sua resposta,

“É com vários tipos de textos proporcionando ao aluno é... Um acesso maior a vários

gêneros textuais, mesmo que o aluno não saiba ler é... Possibilitando ele a pegar um livro, a

manusear um livro, um jornal, uma história em quadrinhos.”.

As docentes 2 e 4 possuíam conceitos parecidos sobre alfabetizar letrando. As mesmas

afirmaram que essa abordagem leva os alunos a serem leitores e escritores conscientes na

sociedade em que estão inseridos.

A professora 4 afirma que:

“Alfabetizar letrando é preparando a criança pra compreender as diversas funções da leitura e da escrita, é... é orientar as crianças pra que elas aprendam a usar a escrita e a leitura de forma coerente, coesiva e com... significado.”

19

Já a professora 2 salienta que alfabetizar letrando é “fazer com que a criança entenda

o mundo em que vive, compreendendo o local em que vive, como por exemplo: leituras de

letreiros de ônibus, alimentos em casa.”.

Essas docentes entendem a prática de alfabetizar letrando como priorizar o letramento;

conceito diferente do que dizem autores como Soares (2003), Santos e Albuquerque (2005) e

Morais (2005), que entendem essa prática como sendo uma alfabetização significativa, em

que o aluno aprende o sistema de escrita alfabética e sabe utilizar esse conhecimento com

autonomia nas práticas sociais de escrita e leitura.

Como foi dito anteriormente, a professora 3 disse que adotava os métodos tradicionais.

Quando foi questionada sobre o que seria alfabetizar letrando, mostrou certa confusão com a

caracterização dos métodos tradicionais. Na entrevista, ao contrário da resposta dada no

questionário, a docente parecia concordar com o conceito de letramento citado por ela.

“Alfabetizar letrando pra mim é quando a gente trabalha o alfabeto com o aluno, e os

padrões silábicos e também os fonemas que hoje em dia quase ninguém usa.”

Na questão da entrevista sobre as atividades utilizadas nas aulas de Língua Portuguesa

com o intuito de alfabetizar, a docente 3 disse: “(...) eu trabalho textos diversificados,

trabalho os fonemas, padrões silábicos, o alfabeto que é indispensável para que o aluno

aprender a ler e a escrever.”. Vemos, portanto, que a professora dizia utilizar textos e

atividades com unidades menores que os textos e que isso, para ela, estaria dentro do que seria

letramento. Essa professora foi escolhida para a última fase da pesquisa, dentre outros

motivos, para que tais questões pudessem ser elucidadas.

4.4. As professoras concordam com os princípios da alfabetização na perspectiva do

letramento? Por quê?

As professoras 1, 2 e 4 afirmaram concordar com os princípios da alfabetização na

perspectiva do letramento, embora, como já foi dito anteriormente, suas concepções eram de

que o foco do trabalho é o texto, ou seja, no discurso a prioridade dada é à dimensão do

letramento. A professora 1 afirmou que concordava, pois esta abordagem facilita o contato do

aluno com a leitura. Já a professora 4 salienta que:

(...) a escrita é uma construção conceitual de trajetória e reflexão. No letramento, não há preocupação com a questão motora, a escrita não é tratada como um código. Letrar é familiarizar o aprendiz com diversos usos sociais da leitura e escrita. Letrado é alguém que se apropriou suficientemente da escrita e da leitura a ponto de usá-las com desenvoltura, com propriedade, para dar conta de suas atribuições sociais.

20

Por esta resposta mais concreta e que se aproxima do conceito de letramento discutido

anteriormente, escolhemos a professora 4 para a terceira parte da pesquisa, a observação das

aulas. A professora 3 afirmou que não concordava com a perspectiva de alfabetizar letrando,

mas disse que contemplava tanto o trabalho com textos, quanto o trabalho com unidades

menores. Por isso, escolhemos esta docente para a terceira parte da pesquisa: as observações

de aula.

4.5. O discurso das professoras alfabetizadoras pesquisadas condiz com a sua prática

em sala de aula?

A professora 3, como já foi dito, afirmou que não concordava com a perspectiva do

alfabetizar letrando. Esta professora, no entanto, na entrevista dizia que “(...) eu trabalho

textos diversificados, trabalho os fonemas, padrões silábicos, o alfabeto que é indispensável

para que o aluno aprender a ler e a escrever.”. Isto é, mesmo sem ter domínio conceitual,

demonstrava acreditar no princípio de que é necessário trabalhar com textos e com unidades

menores que o texto (fonemas, sílabas...). Assim, mesmo sem domínio das abordagens

teóricas, mostrou evidências de que é importante enfocar o texto e o sistema de escrita.

Como já foi dito, a professora salientou que não utilizava apenas um método e sim um

pouco de cada. Quando perguntada sobre o melhor método, ela afirmou que “junção do

Casinha Feliz com Se Liga seria ótimo”, mas não argumentava as razões dessa junção. Na

verdade, podemos levantar a hipótese que é justamente porque nestes métodos há atenção às

correspondências grafofônicas.

Observando a prática da docente 3, pudemos perceber que a mesma realizava leitura

de textos quase todos os dias, no início da aula. Das dez aulas observadas, ela só não realizou

a leitura em voz alta para as crianças em três. No entanto, dessas três aulas, apenas uma não

envolvia o eixo leitura, que foi a aula que a professora conversou sobre o dia das crianças e

propôs uma atividade de produção textual; as outras duas aulas foram iniciadas com

atividades envolvendo leitura, uma para a leitura ser realizada pelas crianças em voz alta e

outra para que as mesmas escolhessem um livro para ler. Vemos, assim, que ela contemplou

em todas as aulas atividades envolvendo textos.

Os gêneros textuais utilizados pela docente foram cantigas de roda, lendas e fábulas,

contos. Confrontando o discurso e a prática da professora 3 em relação ao eixo leitura,

podemos afirmar que a docente realizava o que dizia realizar. Na entrevista, ela disse que o

21

eixo privilegiado por ela em suas aulas era a leitura e o trabalho com gêneros textuais. De

fato, isso pôde ser constatado.

“com o texto, eu faço as leituras pra eles. Procuro saber deles o que eles já sabem sobre aquela... Se for uma receita ou se for uma narrativa, o que eles já sabem sobre aquilo. Procuro é... falar algumas partes assim, deixando que eles completem pra que eles tenham a oportunidade também de participar ali e de completar.”

Em relação à escrita, a professora propôs somente uma atividade de produção textual,

a qual as crianças teriam de elaborar um texto sobre o dia das crianças. Não houve indicação

do gênero, finalidade ou destinatário para o texto a ser escrito.

Concordamos com Santos e Albuquerque (2005) quando afirmam que “ao se ler e

escrever um texto, tem-se a intenção de atender a determinada finalidade...” Sobre o mesmo

assunto, Soares (2003) salienta que na escola pode acontecer a aprendizagem e

desaprendizagem da escrita “enquanto aprende a usar a escrita com as funções que a escola

atribui a ela, e que transformam em uma interlocução artificial, a criança desaprende a escrita

como situação de interlocução real” (p. 73). Assim, essa professora, apesar de ter realizado

atividade de elaboração textual, conduziu a atividade de modo desarticulado das práticas

sociais de leitura e escrita.

O eixo da apropriação do sistema alfabético também foi contemplado nas aulas

observadas. No entanto, não havia diversidade de atividades e as propostas didáticas não

ajudavam as crianças a problematizar o funcionamento do sistema de escrita, evidenciando a

influência dos métodos sintéticos em sua prática.

Na primeira aula, a professora fez a leitura de todas as letras do alfabeto, trabalhando

os fonemas e a memorização dos padrões silábicos. Identificamos, também, o trabalho com

ditados. Em duas aulas a professora fez um ditado mudo que foi realizado em grupo, e um

ditado comum para a fixação de palavras com BR, CR, DR, FR,VR. Os escritos foram

corrigidos pela docente nos dois momentos, sem haver, no entanto, nenhuma reflexão no

decorrer da atividade.

Comparando seu discurso com a sua prática, percebemos que havia muitas

convergências. Em relação à priorização do eixo da leitura, houve aproximação entre o que

ela dizia e fazia. De fato, ela priorizava tal eixo e contemplava diferentes textos nas atividades

de leitura. Outra convergência pode ser salientada em relação ao eixo de apropriação da base

alfabética. Ela afirmava que os melhores métodos eram os sintéticos e realmente as tarefas

que levava para as crianças tinham muita semelhança com as que são utilizadas em

22

perspectivas dessa natureza: eram atividades repetitivas e pouco problematizadoras. Vemos,

portanto, que a professora usa um pouco de cada perspectiva citada por ela.

Da discussão sobre letramento, ela usava a prática de leitura de textos diversificados;

dos métodos sintéticos, ela adotava alguns tipos de atividades recorrentes nos manuais que

orientam tais práticas. Não havia, no entanto, uma adoção da alfabetização na perspectiva do

letramento, pois nesta abordagem, as situações de ensino do sistema de escrita seguem uma

orientação mais problematizadora, como foco na aprendizagem sobre o funcionamento do

sistema de escrita de modo articulado às atividades de leitura e de produção de textos para

atender a diferentes finalidades sociais.

A professora 4, diferentemente da professora 3, afirmou concordar com a perspectiva

de alfabetizar letrando. Salientou ainda que o melhor método de alfabetização era o “sócio-

construtivismo”, porém, dizia que em sua prática utilizava um pouco de cada método.

Durante o tempo em que foi observada, a docente pareceu demonstrar aproximações

entre o discurso e a prática. No questionário, a mesma informou utilizar diferentes recursos

para alfabetizar seus alunos e isso foi constatado. A docente selecionava textos de distintos

gêneros textuais, como parlendas, contos, receitas, bilhetes, quadrinhos, bulas, cartas,

anúncios, horóscopos, entre outros.

O eixo da leitura era trabalhado quase que diariamente. A docente, ao ler histórias,

fazia perguntas de antecipação para atiçar a curiosidade dos alunos a respeito do texto e exibia

para as crianças a capa do livro, as ilustrações... Durante a leitura, a professora fazia

intervenções, a fim de estimular o interesse e a participação das mesmas e após, fazia a

interpretação oral do texto. A professora trabalhava também com ordenação de textos e

quebra-cabeças de frases e textos.

A professora utilizava os textos, também, em atividades que estimulavam os alunos a

fazer a relação grafofônica através de rimas, como foi o caso das parlendas: “Quando é que

uma palavra rima com a outra? Quando elas têm o mesmo final, né gente?! Quando elas

combinam. Tu, tatu. Tá vendo?”.

Sobre o trabalho com gêneros, a professora salienta que: “(...) são fundamentais, é...

leitura de todos os gêneros e a interpretação dos gêneros, trabalhando a estrutura de cada

gênero, mostrando que, que uma carta, um bilhete, uma poesia, uma música... ela diferencia

por... cada uma tem um objetivo, uma funcionalidade...”

Em relação à produção de textos, no entanto, havia um afastamento de uma

perspectiva do trabalho com gêneros, na medida em que não eram indicados os destinatários e

as finalidades dos textos a serem produzidos e nem os suportes onde eles iriam circular.

23

Em uma das aulas, ela produziu, juntamente com os alunos (texto coletivo), uma

história a partir de uma gravura. Durante a construção, a professora pediu para que eles

informassem o título que queriam dar à história, o nome dos personagens, em que local

estavam e ela registrava tudo no quadro. “- O que eles estão fazendo, onde eles estão? Um é

goleiro e o outro é o quê? Digam aí.” ou “- E agora, o que aconteceu?”. Como podemos

perceber, o texto era um misto de descrição de imagem e narrativa. Vemos, então, que o eixo

de produção de textos foi tratado de um modo bastante similar ao que era proposta em

perspectivas centradas em concepções de textos como “tipos abstratos”, apartados dos

gêneros que circulam socialmente.

No eixo da aprendizagem da base alfabética, a professora trabalhava com análise de

palavras através de atividades com caça-palavras, alfabeto móvel, ditado mudo, construção de

palavras a partir de padrões silábicos, bingo de palavras, cópia de textos, produção de rimas.

Ela fazia uso, por exemplo, do caça-palavras para mostrar aos alunos que em uma palavra

pode conter uma ou mais palavras, além de estudar, também, a correspondência grafofônica,

Assim como no discurso, a professora 4 mostrou que na prática utilizava atividades

diversificadas para que as crianças avançassem na compreensão do sistema de escrita

alfabética, entendendo o que ele representa. No entanto, apesar de trazer para sala de aula um

quantitativo considerável de gêneros, percebemos que a docente não trabalhava muito a

funcionalidade dos textos estudados.

Analisando o discurso e observando a prática das duas docentes pesquisadas,

percebemos que há mais aproximações do que afastamentos entre os discursos proferidos

pelas docentes e a prática das duas professoras, contradizendo o senso comum de que as

professoras “dizem uma coisa e fazem outra”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender os princípios do sistema de escrita alfabética não é tarefa fácil para o aluno,

assim como alfabetizar não é uma tarefa fácil para o professor. Segundo Soares (2003),

alfabetizar é fazer com que o aluno entenda e se aproprie do sistema de escrita alfabética.

Depois de compreendido esse sistema, o aluno estará alfabetizado. A alfabetização não se

prolonga por toda a vida. O conceito de letramento, por outro lado, abrange os usos da escrita

na sociedade. Esse, sim, acontece durante a existência do indivíduo. Antes mesmo de entrar

na escola, os sujeitos vivem num mundo letrado, mesmo não sendo alfabetizados.

Nesse contexto, a alfabetização deve vir associada à prática do letramento, ou seja,

deve se alfabetizar letrando. Porém, o trabalho nessa perspectiva não deve ser simplesmente

24

mostrar vários gêneros textuais para o aluno para que ele saiba que aqueles textos existem,

deve-se haver um estudo de reflexão acerca das funções dos mesmos na sociedade. Como

também, não se deve deixar de estudar as unidades menores que as palavras (letras, fonemas),

pois esse trabalho é importante para que os alunos se apropriem da base de escrita alfabética.

Cabe ao professor, propor, em sala de aula, atividades que ajudem o aluno a se

apropriarem do sistema de escrita alfabética e entender o uso do mesmo na sociedade, para

que sua prática como docente se assemelhe à maioria dos discursos proferidos por muitos

professores, que é alfabetizar para formar cidadãos autônomos nas práticas de escrita e leitura

no meio em que vivem.

Das duas professoras, a que mais se aproximou desse modo de conceber a

alfabetização foi a professora 4, que desenvolveu atividades de interpretação de textos e

atividades problematizadoras de apropriação do sistema de escrita, embora no eixo de

produção de textos tenha adotado uma perspectiva distanciada desse modo de conceber o

ensino da língua.

6. REFERÊNCIAS

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