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MARCELO HORTA MESSIAS FRANCO
PROFISSÕES EM EXTINÇÃO: O CASO DO
FOTÓGRAFO LAMBE-LAMBE
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Belo Horizonte
2004
2
MARCELO HORTA MESSIAS FRANCO
PROFISSÕES EM EXTINÇÃO: O CASO DO
FOTÓGRAFO LAMBE-LAMBE
MONOGRAFIA APRESENTADA AO
DEPARTAMENTO DE SOCIO LOGIA E
ANTROPO LOGIA DA FACU LDADE DE
FILOSOFIA E C IÊN CIAS HUMANAS DA
UNIVERSIDADE FED ERAL DE M INAS
GERAIS COMO REQUISITO PARCIAL
PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE
BACHAREL EM C IÊN CIAS SOCIAIS
Belo Horizonte
2004
4
Agradecimentos
Aos meus pais , José Mauro e Vera Lúcia em primeiríssimo lugar,
pelo amor incondicional , bom exemplo de conduta e alegria pelo que são;
à minha Ju, com muito amor a toda sua família; aos irmãos para sempre
Daniel e Ana Cristina e, aos tantos outros que agente vai ganhando pela
vida: José, Cristiano, Letícia, Guilherme, Leandro, Pablo, Renato e todo
mundo (“galera”), a todos os primos, tios e tias do coração; aos amigos
da minha primeira e inesquecível turma na UFMG, Marina, Guilherme,
Beatriz, Rosana, Márcio, Cristiano, Pedro, Bira e Jade; aos que mudaram
no meio do caminho... , que tão cedo partiram, Juan, e também Júlio(in
memorian), pelo tempo de convívio e aprendizado mútuo.
Aos amigos da publicidade, aos colegas de música, aos bares dessa
cidade e a todo(a)s colegas de estágio.
Aos amigos Maurício de Jesus, Neuzinha Santos e Beth (PBH-
Regional Noroeste), a todos os amigos do Parque, René Vilela, Marietta
Maciel, à Ana Beltrão, Tatiane, Iolanda, Conceição, S.Manoel e todos
mais.
A ‘Tia’ Hélvia Vorcaro pelo apoio na revisão, e ao Léo, Bela,
Nininha e “Sô Miguel”(in memorian);
À eterna amiga,especialmente, vó Hildette pela convivência, seus
conselhos, nossas conversas, almoços, cestas e festas, será sempre
lembrada com muita alegria e bastante saudade...
Ao Centro de Referencia em Áudio Visual, da Secretaria Municipal
de Cultura, e à Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, à Glória
Amarante, Severino Júnior e a Daniela do CRAV,
E, principalmente, aos Lambe-lambe, amigos e conhecidos, ao
Chico Manco, Tomazinho, e ao seu pai , Camargos, ao José Marcos, Sr.
Severino, Bentão, Wagner, D.Zita, Xavier, Tavinho e todos mais, com
todo o respeito e devida consideração, esse trabalho é dedicado a
preservação de sua memória.
5
Dedicatória
Em memória do meu avô materno Sr.
Hélio Teles Horta, “andarilho” por tantos anos pelas
praças e parques do centro de Belo Horizonte,
intrigado observador da condição humana, meu amor
e minha admiração.
6
Sumário
Introdução...........................................................................................7
1. Histórico, organização e o "mapa da extinção" do Lambe-lambe na
cidade de Belo Horizonte......................................................................9
1.1.Breve nota sobre a origem do ‘Lambe-lambe’...............................21 2. No rastro da extinção: o Lambe-lambe em algumas praças
pelo Brasil........................................................................................ 25
3. "Metamorfose Ambulante": Lambe-lambe - de profissional artístico
a subempregado....................................................................................36
Considerações sobre o trabalho de campo...........................................44
Conclusão.............................................................................................47
ANEXO I - Sistema de rodízio dos lambe-lambes do Parque
Municipal Américo Renné Gianetti....................................................50
ANEXO II - Fotos...............................................................................51
ANEXO III - Documentos..................................................................54
ANEXO IV - Entrevista informal com o fotógrafo José Marcos. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61
Bibliografia..........................................................................................62
7
Introdução
Refletir sobre o antigo e sobre o novo, investigar os rastros do
passado, tão óbvios no presente e, a part ir destes ir reconstruindo os
fatos, a ponto de compreendê-los em sua de forma mais ampliada é algo
que sempre fascina; é como entrar num casarão antigo e a partir daquela
mobília, e de seus traços particulares, simplesmente se perguntar: qual a
sua idade? Tudo aquilo teve sua época, tudo aquilo teve alguma função.
O que um dia esteve no auge, um outro dia caiu em desuso, apesar de ter
persist ido, uma vez estando ali.
O presente trabalho tem como objetivo focar a atividade do
fotógrafo ambulante, popular “Lambe-lambe”, profissional informal que
vem labutando nos jardins, praças e parques públicos do início ao fim do
século XX, persistindo ao século XXI, muito embora já sem o seu velho
equipamento, a máquina Bernardi, t razida da Itália no final do século
XIX e hoje praticamente obsoleta.
Ele fora motivado pela curiosidade acerca do modo como se
mantêm esses profissionais, inseridos na tão aclamada ‘era digital’, onde
a cada dia se alcançam novos recordes de produção e consumo da mais
ampla variedade de preços e modelos de aparelhos fotográficos.
Trata-se de uma monografia final para a obtenção do título de
Bacharel em Ciências Sociais que dessa forma pretende contribuir com
um aproach sociológico (mais especificamente o da área da sociologia do
trabalho) sobre a si tuação dessa categoria profissional , analisando as
transformações nela ocorridas durante as últimas oito décadas.
A pesquisa teve início no final do ano de 2001, início de 2002,
quando me ocupava em entrevistar os trabalhadores ambulantes
concessionários do Parque Municipal Américo René Gianetti , a fim de
produzir um diagnóstico das condições de trabalho dos mesmos, tendo em
8
vista o aprimoramento das relações entre eles e a diretoria daquele
Parque, pela qual estagiei por dois anos.
À produção desse diagnóstico coincidira o período em que a
socióloga Glória Amarante realizava algumas de suas entrevistas que
iriam vir a compor o trabalho “História Social de Belo Horizonte: O
Olhar dos Fotógrafos Lambe-lambes”, pela lei municipal de incentivo à
cultura, sendo que dessa forma a curiosidade sobre os ambulantes do
Parque Municipal, se redirecionou ao trabalho dos fotógrafos Lambe-
lambes, tanto de dentro como de fora do Parque.
Na primeira parte do trabalho estão concentradas as informações
sobre os Lambe-lambes das praças de Belo Horizonte, seu histórico a
partir de relatos orais, sua localização bem como aspectos de sua
organização interna. Em seguida irá uma nota sobre as origens do nome
“Lambe-lambe”, util izado para designar os fotógrafos de praças e jardins
públicos; o segundo capítulo traz a situação da referida categoria
profissional em algumas praças pelo Brasil, a partir de matérias de
jornais e outros artigos, de modo a se ensaiar um estudo comparativo. No
terceiro capítulo é inserida a problemática cara a sociologia do trabalho
que é a da extinção das profissões, apresentando também um quadro da
trajetória profissional dos Lambe-lambes de Belo Horizonte, no intuito de
discutir até que ponto o conceito de profissional artístico e tradicional
vem mascarando a real condição dessa categoria de trabalhador informal.
Há ainda uma parte dedicada às considerações sobre o trabalho de
campo, tão importante no contexto da pesquisa, interessada diretamente
nesses trabalhadores “da rua”, melhor dizendo, das praças, jardins e
locais públicos.
O trabalho se encerra com as conclusões, em aberto, na confiança
em se ter contribuído intelectualmente com a cultura da cidade de Belo
Horizonte, ao exercer com a devida humildade, tão agradável exercício de
Sociologia aplicada.
9
1. Histórico, organização, e o "mapa da extinção" do Lambe-
lambe na cidade de Belo Horizonte
A origem do fotógrafo ambulante na cidade de Belo Horizonte é um
assunto inexistente em registros ou documentos oficiais, tendo que ser
resgatada através dos relatos orais. Todavia, nos remete ela, às três
primeiras décadas a partir da inauguração da capital planejada, décadas
de afirmação econômica e ocupação populacional.
Se por um lado, as at ividades culturais na nova sede não
encontraram dificuldades em desde o início se firmar (LE VEIN, 1977), a
economia por outro, centralizada nos ganhos do funcionalismo público,
veio a se potencializar e se diversificar somente a partir da expansão da
malha ferroviária estadual nos idos de 19221, a qual facili tou o
deslocamento de novos fluxos migratórios.
Não é por acaso que a primeira leva de fotógrafos de rua atuantes
em Belo Horizonte era toda composta por imigrantes. Vinham da Europa
já com a técnica de se fotografar e de revelar fotografias ao ar livre, se
estabelecendo, priori tariamente, no Rio de Janeiro e na região portuária
do estado de São Paulo, e se interiorizando com a chegada das ferrovias.
A Praça da Estação (onde hoje ainda permanecem seis fotógrafos
Lambe-lambes), era a porta de chegada a Belo Horizonte, e a Avenida do
Comércio, atual Santos Dumont, lugar onde se concentravam os
principais estabelecimentos comerciais e também de lazer. Não longe
dali , margeando o Rio Arrudas, fica o Parque Municipal , naquela época
com o triplo da área que tem hoje.
O Sr. José Ferreira de Camargos, ex-fotógrafo e também ex-
presidente da hoje extinta Associação dos Comerciantes e
Concessionários do Parque Municipal Américo René Gianett i , juntamente
1 FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO . Omnibus: uma história dos transportes coletivos em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais. Belo Horizonte,1996.
10
com seu filho Alinto Thomas Neto, Lambe-lambe do referido Parque
Municipal, puderam confirmar, em recente entrevista2 a hipótese da
existência de quatro gerações de fotógrafos Lambe-lambe em Belo
Horizonte.
Segundo documento da referida associação dos comerciantes do
parque, datado de 11 de março de 19933, assinado pelos membros da
então criada (e hoje extinta) “Comissão Consultiva do Parque
Municipal”, fora em 1922 que começaram a trabalhar na cidade os
primeiros fotógrafos ambulantes.
O perfil dessa primeira geração é o de profissionais liberais, com
ganhos relativamente bons dentro dos padrões da época. Eram eles, em
sua maioria, estrangeiros, mais precisamente sírios e espanhóis, havendo
ainda um norte-americano.
São citados na entrevista com o Sr. Camargos como pioneiros em
Belo Horizonte, os seguintes nomes: (a) Luiz Fernandes, espanhol, o qual
vendera posteriormente seu ponto ao próprio José Ferreira de Camargos,
(b)‘João Burro’, de origem síria, que se chamava Armando, o qual,
segundo o Sr.Isaac Requeijo (CRAV,2002) lhe vendera o ponto em 1950,
(c)Salomão José, também de origem Síria, muito amigo do Sr.Camargos
(se pôde notar, durante a entrevista, a comoção de José Camargos ao falar
do velho amigo), e o último da sua geração a deixar o trabalho (segundo
Thomas somente no ano de 1972), (d) Joanin Coelho, o norte-americano
que entrara por volta de 1930, e também o fotógrafo de nome (e)
Moamed, mais conhecido entre os colegas como o “cara de gato”, também
de origem árabe.
Segundo o Sr. Isaac Requeijo, fotógrafo que, aos sete anos de idade
já acompanhava o pai fotógrafo, isto por volta de 1933 (pois ele nascera
em 1926) , naquela época:
- “(. ..) Tinha meu pai, que era espanhol, tinha o meu tio, que
era espanhol, teve um primo meu também, que era espanhol,
2 Realizada na tarde do dia 05 de novembro de 2004 na residência de Alinto Thomas Neto, filho de Camargos; 3 Documento em anexo
11
tinha um… Seu Fariñas também, que era espanhol, que eu me
lembro esse era espanhol. Agora, turco acho que teve uns
quatro ou cinco também.. .”
Conta ainda o Sr.Requeijo, que seu pai, quando veio para o Brasil,
trabalhou de calceteiro na antiga Feira de Amostras:
“É onde hoje é a Rodoviária. Tinha o cinema Paissandu
ali… Então, em volta dali ele trabalhou de calceteiro. Depois
não deu certo, ele foi trabalhar no sul de Minas com martelete,
furar pedra, trabalhar em pedreira. Depois de lá ele
desentendeu com o patrício dele, que era um espanhol, o
encarregado, então ele veio aqui pra Belo Horizonte e tinha um
primo dele, que já era fotógrafo no Parque, então ele ensinou
ele, mas nos anos lá de mil e novecentos e vinte e poucos, eu
não estava aqui no Brasil, eu estava na Espanha, né. E ele
ficou trabalhando. Quando foi na ocasião que ia estourar a
revolução aqui, ele correu, foi embora pra Espanha.”
Fala esta que elucida bem a trajetória profissional de um imigrante
espanhol da década de 1920, além de sustentar a hipótese de que os
Lambe-lambes são uma categoria que transita de um a outro serviço
informal, idéia mais explorada no capítulo 3.
Organização
A primeira lei que regulamenta o funcionamento do sistema de
rodízio dos fotógrafos do parque data de 29 de novembro de 19354. Nessa
época eram contabilizados oito profissionais, que a partir de então
passaram a ter que pagar uma taxa anual à Prefeitura Municipal através
de seu Departamento de Parques Jardins e Arborização.
4 Idem
12
Em 1946, um novo decreto (decreto nº 175 de 2 de maio de 1946-
DPJA/PBH), fixa em 10 o número de fotógrafos com licença para atuar
no parque e em 1968 esse número é fixado em 14, o qual perdura até
1992, quando então cai para treze.
O sistema de rodízio, seguido não só pelos lambe-lambes, mas por
todos os ambulantes em atividade no Parque Municipal (cada categoria
com o seu rodízio), funciona de modo muito simples. Como é de consenso
da classe que há os melhores pontos para se trabalhar, ou seja, aqueles
em que o trabalho é mais rentável, eles movem para o ponto seguinte, no
sentido horário, a cada semana, permanecendo naquele ponto por uma
semana de trabalho. Há o sistema de rodízio também na Praça Rio Branco
em Belo Horizonte e, apenas a título de comparação, vale mencionar a
descrição desse mesmo sistema no Parque Jardim da Luz na cidade de São
Paulo, no ano de 1981:
“(.. .) Até hoje esse processo é seguido, O fotógrafo
permanece em cada área por uma semana, cobrindo todas as
partes: as mais povoadas e as mais desertas, dando a todos a
chance de faturar.” 5
A permissão aos pontos, a princípio livre como vimos, a partir de
1935 se tornou licenciada, sendo que a única maneira de se conseguir
uma vaga era esperando por ela. O candidato, dessa forma, tinha que se
credenciar no Departamento de Parques e Jardins, e quando a vaga
surgisse apenas provar que estava habilitado para o serviço. Conta o
Sr.Severino (CRAV, 2002), fotógrafo ingresso em 1949, que só conseguiu
definit ivamente a sua vaga depois que falecera um fotógrafo mais antigo,
conhecido como Rosa. Severino, entretanto já trabalhava como
fornecedor de material fotográfico para o pessoal do Parque, e fora
através de um fotógrafo espanhol (provavelmente Luiz Fernandes) para o
qual vendia material, ele se informava sobre a si tuação das vagas. 5 Em: PERSICHETTI, Simonetta. Lambe-Lambe: a câmera automática no lugar da velha caixa. In Revista Íris foto n.334, 1981.
13
Também nessa época conta o Sr. Severino que viajou bastante com
os colegas fotografando festas religiosas pelo interior de Minas Gerais,
trabalho que rendia um bom dinheiro.
Por aí se nota a rentabilidade do trabalho na época (década de
1940), o qual conheceu o seu auge mesmo a partir do ano de 1958,
período considerado por alguns Lambe-lambes como o da “febre do 3x4”.
O período do 3x4, talvez o “período de ouro”, para os Lambe-
lambes pode ser explicado pela conversão de dois fatores. Por um lado
um estado al tamente burocratizado que exige fotografia para todo tipo de
documentação, como: título de eleitor, carteira profissional , carteira de
identidade, carteira de saúde, de reservista e a licença de motorista entre
outros e os Lambe-lambes, sem medo da concorrência, já que eram os
únicos no mercado a entregar a foto em 20 minutos ou menos no método
antigo com a chapa de vidro e secagem ao ar livre suprindo muito bem
toda essa demanda.
A “febre do 3x4” também foi observada na capital Vitória
(FREITAS,2001:17,) , sendo mencionados como documentos que
necessitavam de fotos, além do título de eleitor, as carteiras do INPS, as
fichas de empregos e as carteiras escolares. Segundo Vilaça, “a década
de 50 assinala a passagem definitiva do Lambe-lambe para o
3x4(p.17)” 6, afirmando ainda que, naquela época, enquanto os estúdios
pediam três a quatro dias para entregar o material os ambulantes
entregavam na hora.
Segundo o Sr. Isaac Requeijo (CRAV, 2002):
“(. ..) pelos anos de mil e novecentos e quarenta e
poucos, a gente tirava muito pouco retrato pra carteira, não
tirava muito retrato pra carteira profissional, nem pra carteira
de identidade, a freguesia não era muita, não. Às vezes ficava
dois ou três dias sem bater uma chapa. Mas no decorrer dos 6 FREITAS, Adilson Vilaça; BICALHO, Leonardo Os lambe-lambes do Parque Moscoso. 3. ed. Vitoria : Secretaria Municipal de Cultura, 2001. 32 p
14
anos, acho que foi evoluindo, etc, e houve a exigência, todo
mundo tinha que trabalhar fichado tinha que ter a carteira
profissional, e tinha que ter a carteira de identidade, e por aí…
Foi vindo e o povo corria tudo pro Parque, porque os fotos
tiravam fotografia, mas só entregavam no outro dia – eles
tiravam o retrato retocado e nós t irávamos instantâneo, era na
hora, com 20 minutos. Mas às vezes não era vinte minutos
nada, porque às vezes juntava cinco, dez fregueses, então era
20 minutos pra cada um, era… (risos). Ia tapeando e descia”.
A fase do três por quatro, perdurou dessa forma, até final da década
de 1960, período em que os fotógrafos ainda faziam muitas festas
rel igiosas, ou ‘Jubileus’, pelo interior de Minas Gerais.
Outro tipo de produto oferecido pelo Lambe-lambe durante algum
tempo foram as fotos coloridas artif icialmente. Nesse caso o fotógrafo
Lambe-lambe era ajudado por um outro profissional , que cuidava somente
de colorir as chapas em preto e branco. Esse período durou de 1964 a
1977 aproximadamente, e seu término está relacionado à chegada no
mercado do filme colorido.
Não se pode esquecer também da fase dos chamados ‘monóculos’,
pequeno cilindro plástico onde a foto em miniatura é visualizada contra a
luz, também muito em voga até o final da década de 1980, estando sua
decadência relacionada bem mais ao fim da disponibilidade desse tipo de
material nos grandes fornecedores que à vontade do fotógrafo ambulante
de continuar oferecendo o serviço.
O ano de 1983 é marcado por uma polêmica entre a categoria, com
a introdução por Camargos de seu “Mini laboratório”. Desde o início da
era do filme colorido, os Lambe-Lambes passaram a depender totalmente
dos laboratórios externos para revelarem seu material. O ‘Minilab’ dos
Camargos os tornava independentes ao mesmo tempo em que os
permitiam revelar seu material em menos de trinta minutos, e por um
custo ainda mais baixo.
Esse fato novo, ao tecnicamente se atribui o termo “inovação
tecnológica” gerou muita revolta entre os companheiros de trabalho
15
diário, os quais encaminharam ao diretor de do Departamento de Parques
e Jardins da Prefeitura um abaixo assinado7, apoiado por doze dos
quatorze fotógrafos do Parque Municipal Américo René Gianetti.
Conta o Sr. Camargos ter observado a nova tecnologia em viagem
ao Paraguai, tentando, por quatro anos, ele e seu fi lho Thomas
desenvolver o mini laboratório na oficina em sua casa. Apesar dos
protestos, ainda hoje os Minilabs (três máquinas) funcionam dentro
daquele Parque Municipal.
“Mapa da extinção” Figura 1.
* Soma de todas as referências colhidas para os anos entre 1973 a 1999;
7 Documento em anexo
16
Figura 2.
Olhando então para o que chamamos aqui de “mapa da extinção” do
Lambe-lambe na cidade de Belo Horizonte, podemos notar significava
redução no número de profissionais. Se antes eles eram 49, (número que
representa a soma das referências colhidas para todos os anos antes de
2004), no último ano passaram a ser 19.
Poderíamos, além disso, apontar aqui, levantando a hipótese da
“desigualdade de condições”8 que o número de fotógrafos do Parque
decaiu em proporções bem menores que em lugares como a Praça da 8 Me refiro à diferença de condições entre os fotógrafos atuantes no interior do Parque Municipal Américo René Gianetti e os que estão fora dele. Esta hipótese será novamente explorada no capítulo final – “Considerações finais”
17
Rodoviária ou Praça Primeiro de Maio. Se na Praça da rodoviária, até o
ano de 1999 atuavam 9 fotógrafos, onde hoje atua apenas um9, no Parque
Municipal sua base foi mantida.
Outro aspecto marcante é sobre a presença de Lambe-lambes nas
Praças Raul Soares e Hugo Wernek, locais que também fazem parte do
circuito ‘serviços’ de toda a região central 10, hoje “hipercentro” da
cidade, a praça Raul Soares, mais l igada ao lazer principalmente até a
década de 1960, e, a Praça Hugo Wernek, aos serviços, se localizando na
região hospitalar, ponto de trânsito de pessoas de várias regiões da
cidade e também do estado, muito embora o fim do Lambe-lambe neste
local tenha sido por proibição direta do poder público municipal,
diferentemente de na Praça Raul Soares e na própria Praça Primeiro de
Maio, onde o motivo da extinção do Lambe-lambe está bem mais
associado a um processo de descaracterização11 daquelas regiões a partir
da década de 1970.
Os fotógrafos da Praça Rio Branco, (P.da Estação), reclamam bem
mais das condições de seu local de trabalho do que os do Parque
Municipal12:
“Nossa Senhora, essa Praça aqui podia dizer que era a
melhor e a mais bela praça de Belo Horizonte. Hoje é a… pior
pra se conviver dentro dela. Isso aqui é um verdadeiro
banheiro público, né? (.. .) . Está abandonada, não tem
fiscalização, antigamente a Prefeitura tinha fiscal, né? (.. . ) 9 Sr. Wilson Piazza, CRAV,2002; 10 Ainda sobre esse “comércio sobrevivente” olhar ANDRADE,1999 (pag153). Ela fala sobre um comércio tradicional, testemunho de outros tempos, e que ainda permanece no seu lugar de origem, sobrevivendo à fugacidade, “às conseqüências da produção do espaço urbano cada vez mais veloz”. 11 Chamo aqui de descaracterização o processo de mudança na ocupação na região, devido às conseqüências de um intenso processo de ocupação experimentado pela cidade a partir da década de setenta, para ver mais em LEMOS, Celina Borges: “Determinações do espaço urbano: a evolução econômica, urbanística e simbólica do centro de Belo Horizonte”, UFMG 1988. 12 De fato , se nos basearmos exclus ivamente nas ent revis tas fei tas pela socióloga Glória Amarante constataremos que aqueles profissionai s que es tão local izados fora do Parque Municipal es tão “condenados a ext inção”, pois el es se queixaram s is tematicamente de problemas como fal t a de cl ientes e impossibi l idade de pagarem taxas como a de hospedagem em local próximo (a prefei tura não oferece nada) ou mesmo a taxa pelo ponto .
18
Mas hoje não tem mais quem olha, hoje isso aí é abandonado.
Eles vêm cá, de vez em quando, faz uma limpeza, tira o mato e
pronto”13.
Apesar de toda dificuldade que enfrentam os atuais Lambe-lambes,
principalmente aqueles que trabalham fora do Parque, eles conseguem
manter uma certa coesão interna, sendo que, apesar de haver certa
proximidade espacial (vide mapa) e também, ligações de afinidade, por
vizinhança e mesmo parentesco (José Marcos, da Praça Rui Barbosa, por
exemplo, tem dois filhos que trabalham no Parque Municipal) não se
comunicam ou formam associação entre si. Os Lambe-lambes da Praça
Rui Barbosa (Praça da Estação) possuem uma dinâmica de trabalho
diferente dos do Parque,e bem semelhante ao que foi a dinâmica dos da
1º de maio e Rodoviária, hoje solitários (Wilson na rodoviária e João
Gomes na 1º de maio). Levam para o local de trabalho, além da velha
máquina Bernardi , apenas como mostruário, um caixote, o qual além de
servir de assento, serve para guardar seus pertences e material de
trabalho. No Parque Municipal , eles não usam a velha Bernardi , nem
como mostruário; cada um possui um carrinho de rodinhas, semelhante a
um carrinho de pipoqueiro, onde fazem mostruários, além de banquinho,
burrinhos de madeira e outros, para fotos de crianças. Ao contrário dos
que estão na rua, os do parque deixam todo o material de trabalho nas
dependências do mesmo; os da Praça da Estação, por exemplo, contam
com comerciantes próximos para guardarem seu material de trabalho, a
maioria deles pagando uma taxa por isso.
“(.. .)Mas o sistema é esse: a máquina, o caixotinho pra
sentar, pode ter o carrinho, igual no parque tem os
carrinhos, pra guardar as coisas, mas como é a dificuldade
de guardar as coisas aqui, ninguém gosta de guardar, se eu
guardar na caixinha, fica dependendo de favor pra guardar
13 Trecho do dep oimento d o fotógrafo Au gus to (C RAV ,2002) , da Praça Rio Bran co.
19
as coisas. . . (. . .)porque os outros têm as caixas deles, que
eles arrumam a caixa, tem ali . Mas eu não coloco lá, eu não
confio. Já foi arrombado algumas vezes lá, eu guardo aqui
na casa de jogo ali há muitos anos, o pessoal é muito meu
amigo, então quando precisa de mim eu estou lá dando uma
força, então eles guardam pra mim.”
Sr. Augusto, Praça da Estação, (CRAV,2002)
O que se pôde notar sobre o trabalho em praças e jardins públicos
em geral fora o seu aspecto aparentemente tranqüilo, onde o dia “parece
passar mais devagar”, um contraponto à rotina de trabalho dos que estão
em escritórios ou no trânsito diário. A isso se junta o fato de esses
profissionais, principalmente os mais antigos, não sentirem necessidade
de abandonar sua ocupação – eles parecem estar satisfeitos – de fato, a
maior parte deles possui mais de quarenta anos de idade, muitos têm a
sua aposentadoria, outros ainda possuem outra ocupação além de ser
Lambe-lambe14.
Os Lambe-lambes do Parque Municipal consideram ser o seu
ambiente de trabalho bastante prazeroso, de ritmo agradável15,
completamente diferente do da maioria dos trabalhos modernos; chega a
14 Ver em CRAV, 2002 – “História Social de Belo Horizonte, o olhar dos fotógrafos Lambe-lambes”; 15 Diagnóstico da situação e condições de trabalho dos ambulantes do Parque Municipal Américo René Gianetti, administração do Parque – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento Urbano, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, coordenadora: Socióloga Ana Maria das Graças Beltrão, fevereiro de 2002. Foram nove fotógrafos entrevistados, todos do Parque Municipal em fevereiro de 2002, apenas dois responderam que não estavam satisfeitos com o trabalho, sendo que com isso estavam se referindo aos baixos ganhos e não ao clima aprazível do mesmo. Ainda sobre esse diagnóstico que visava nada menos que diagnosticar a situação dos ambulantes do Parque o que não se fazia anos,destaca-se que entre os entrevistados, nove, nenhum respondeu estar a menos de dez anos trabalhando no local. O mais velho entrevistado nascera no ano de 1936 e o mais novo nessa enquête em 1953, Rinaldo, há vinte anos no Parque. O primeiro a ser entrevistado foi o fotógrafo Tavinho, isso registrado no dia 17 de janeiro de 2002, sendo perguntado informalmente sobre os pontos dentro do Parque, sobre o sistema de rodízio de pontos acordado entre a categoria, satisfação com o próprio negócio, tempo na atividade, tudo de modo bem sintético, seguindo um roteiro de trabalho.
20
nos dar mesmo a impressão de que o modo de trabalho do Lambe-lambe
do Parque Municipal , e do trabalhador informal que de um modo geral
ali t rabalha se assemelha um pouco ao est ilo de um aposentado ou mesmo
o desempregado; longe de afirmar que não trabalham ou pouco trabalham,
pois há uma rotina diária, preocupações com dívidas etc. como em
qualquer outro tipo de ocupação profissional .
Dentro do que poderíamos chamar de “corredores da
informalidade” na região do hipercentro de Belo Horizonte, o Parque
Municipal é de fato uma região privilegiada, já que é onde ocorre
dispersão populacional dentro de uma área de alta concentração de
pessoas por área, sendo um local também considerado relativamente
tranquilo se comparado com as ruas do hipercentro.
Sobre as novas gerações de Lambe-lambes, se pôde observar que
de fato não está havendo renovação, e tão pouco procura para preencher
os pontos, e, são poucos os jovens que acompanham os Lambe-lambes na
função de ajudantes. O fotógrafo Chico Manco chega a brincar “somos
dinossauros aqui dentro do Parque”; o seu filho, que tem dezoito anos e
que eventualmente trabalha como seu ajudante, já não está mais tão
interessado em ir ao parque, segundo o fotógrafo porque, “está
interessado em outras coisas” como, ingressar na universidade.
21
1.1.Breve nota sobre a origem do ‘Lambe-lambe’
“O Lambe-Lambe é o seguinte: nós tomamos o nome
do Lambe-Lambe pela ant iguidade, por que eu sou
ant igo mas antes de mim tem outros muito mais
ant igos, já morreram. Há 150 anos atrás exis t ia
Lambe-Lambe. Então esses ant igões , mui to mais
ant igos do que eu , t inham a moda de bater a chapa
preto-e-branco e assoprar o negat ivo pra caloria do
nosso ar da boca, né , a judar a secar . Aí o pessoal
passava, olhava ass im: ‘ó é o lambe –lambe, e le es tá
lambendo o f i lme! ele es tá lambendo! , a í colou.” 16
Segundo o historiador da fotografia, Boris Kossoy
(KOSSOY,1980), a origem do termo ‘Lambe-lambe’ está associada a uma
nova fase da expansão da indústria fotográfica no Brasil, sendo o
momento em que os fotógrafos saem dos estúdios e ganham as ruas,
dando assim importante passo rumo ao irreversível processo de
popularização da linguagem das imagens. Foi justamente nessa ‘saída
para as ruas’, que o público batizou o fotógrafo de “Lambe-lambe”. Uma
vez o fotógrafo trabalhando na rua, o público acompanhava o processo de
produção daquelas imagens: “Nos estúdios, eles também lambiam, só que
ninguém via” (VILAÇA: 14,2001).
O termo ‘Lambe-lambe’ se refere a um teste que se faz para
verificar de que lado estava a emulsão de uma chapa, fi lme ou papel
sensível. Para evitar o erro de colocar a chapa com a emulsão voltada
para o fundo do chassi, o que deixaria fora do plano focal e portanto, com
falta de nitidez, costumava-se, (não só o fotógrafo lambe-lambe, mas
como qualquer outro fotógrafo que uti lizava câmeras de grande formato),
molhar com saliva a ponta do indicador e do polegar e fazer pressão com
16 Sr.José Marcos, Lambe-lambe da Praça Rui Barbosa, entrevista à Glória Amarante em 20/02/2002
22
esses dois dedos sobre a superfície do material sensível num dos cantos
para evitar manchas. O lado em que est ivesse a emulsão seria
identificado ao produzir uma leve impressão de "colagem" no dedo.
Segundo a pesquisadora Maria Rita da Silva Lubatt i (LUBATTI,
1982), o termo ‘Lambe-lambe’ provém do costume de se colocar a chapa
de vidro que continha o formato da fotografia a ser batida, entre os
lábios, de modo que o fotógrafo, na hora de bater a fotografia,
reconhecesse facilmente o verso e o anverso da mesma, já que, no método
antigo, a chapa tinha que ser colocada na máquina com o lado sensível
para frente da pessoa que ia ser fotografada.
Afirma ainda Boris Kossoy, que "a origem do termo lambe-lambe é
controvertida. Segundo alguns lambia-se a placa de vidro para saber
qual era o lado da emulsão o que explicaria o nome. Tal fato, porém,
parece pouco viável , pois o simples tato, ou a observação da chapa em
local escuro mostra qual o lado da película sensível . Há quem diga que
se lambia a chapa para fixá-la, porém a origem mais viável parece estar
ligada ainda ao antigo processo da ferrotipia. Este processo envolvia
uma camada de asfalto sobre uma chapa de ferro de mais ou menos 1mm
sobre a qual era aplicada a emulsão. Após a revelação com sulfato de
ferro, o fotógrafo lambia a chapa, fazendo com que a imagem se
destacasse do fundo preto asfáltico pela ação do cloreto de sódio
existente na saliva"(KOSSOY,1974) .
Talvez tenha sido D. Zita (CRAV, 2002), pioneira do sexo
feminino na profissão, quem tenha dado a explicação mais precisa,
exatamente por descrever todo o processo, como ela trabalhava com a
máquina Bernardi:
“(. . . ) O “real lambe- lambe” é justamente o lambe-lambe da
máquina do tripé, é aquele lambe-lambe que fazia a revelação
aqui, na hora. Normalmente, ele marcava 15 minutos depois que
t irava a foto, era foto preto-e-branco, e quando a gente revelava a
foto e colocava ela no f ixador, que estava prontinha e t irava ela
do f ixador e lavava, aí a gente passava ela assim na boca né, que
23
era pra secar a foto, pra não f icar muito molhada pra fazer a
cópia. ( . . . ) Lambiam mesmo, né. A chapa era lambida pra… não se i
se pra clarear, pra t i rar o excesso de água, é , da chapa. Era pra
t irar o excesso. E por isso é que chamava “lambe-lambe(.. ) Mas
com o tempo isso foi assim acabando(. . .) a gente fazia um
foguinho, um fogareirinho com álcool, e secava a chapa no
fogareiro. Aí passou e foi esquecendo de dar a lambida na chapa.
Mas muitos continuaram ainda…”
A jornalista Margareth Grillo, para o jornal nordestino “O
Foco”17, conta que, naquela região, além da terminologia ‘Lambe-lambe’
são usadas as seguintes para distinguir a categoria: Ventania, Mão-no-
saco e Bufete. Ventania vem do fato de o ofício se dar em campo aberto,
e obviamente, ficar exposto ao vento. Mão-no-saco vem de a câmera ser o
próprio laboratório improvisado; na hora de revelar, o fotógrafo enfia a
mão dentro da câmera para fazer a revelação, através de aberturas, como
sacos ou meias, que impedem a entrada de luz, e Bufete, segundo ela,
vem do movimento que o fotógrafo faz enquanto está revelando com a
mão, com o seu braço enfiado na câmera, através do saco ou meia. O
cliente fica sentado em frente a câmera, parecendo que vai levar um soco.
O modelo de máquina inicialmente utilizado (posteriormente
copiado e recopiado) foi o de Francisco Bernardi, introduzido no Brasil ,
aproximadamente no ano de 1915. Francisco Bernardi era em italiano
que, na cidade de Bolonha, trabalhava como fabricante de acessórios
fotográficos. Como também era fotógrafo e precisava se deslocar,tentou
incorporar o laboratório à própria máquina. Desta idéia, resultou a
primeira máquina de jardim que permitia atender encomendas em vários
lugares e atuar como ambulante. Era nada mais que o modelo da caixa
escura, ou câmara escura, o qual alguns dos Lambe Lambes entrevistados
neste trabalho concordaram ser muito fácil reproduzir, não sendo, todavia
o de Bernardi exatamente o único, tão somente o mais conhecido. Ainda 17 Jornal O Foco: “Lambe-lambe, a profissão que a tecnologia desbancou”, por Margareth Grillo - http://www.ofoco.natalrn.net/Lambe.htm, visitado em 30/10/2003.
24
no século X, no oriente médio, um inventor de nome Aihazen, já havia
fei to uma descrição de como se observava um eclipse solar no interior de
uma câmara escura18, que era nada mais que um quarto sem nenhuma luz,
mas com um orifício numa de suas paredes o qual permitia projetar na
parede oposta uma determinada imagem na posição invertida. Tal método
era muito popular na Itália dos séculos XV e XVI entre figuras como
Leonardo da Vinci como recurso para melhor reproduzirem a realidade
em seus desenhos e em sua pintura.
18 SENAC. DN. Fotógrafo: o olhar, a técnica e o trabalho. / Rose Zuanetti; Elizabeth Real, Nelson Martins et al. Rio de Janeiro: Ed.Senac Nacional,2002. 192p.
25
2. No rastro da extinção: o Lambe-lambe em algumas praças pelo Brasil
O Lambe-lambe como profissional das ruas em cidades de médio e
grande porte pelo Brasil vem despertando o interesse de jornalistas e
pesquisadores de diversas áreas das ciências humanas, devido ao fato de
sua atividade passar a ser tida como “em extinção” e sua figura
considerada como a se um “sobrevivente”, frente à expansão da grande
indústria fotográfica mundialmente, a qual não cessa de lançar máquinas
fotográficas a preços populares, o que, teoricamente, “quebrou” o
tradicional Lambe-lambe.
Ao fazer um levantamento de matérias de jornais, t rabalhos
acadêmicos ou mesmo governamentais (FREITAS, 2001) cujo tema é
especificamente o trabalho do fotógrafo Lambe-lambe, entre 1981 a 2004,
pudemos constatar alguns problemas enfrentados por eles, de um modo
geral, bem como, de modo comparativo, compreender porque a situação
vem se tornando desfavorável aos que querem se manter no ofício.
O objetivo do presente capítulo é dessa forma traçar um panorama,
ou seja, traçar em termos bem gerais, a situação do Lambe-lambe pelo
Brasil. As matérias aqui comentadas trataram em geral do Lambe-lambe
como fenômeno em extinção, a maioria delas relacionando o fato à
decadência das praças a jardins públicos em que atuam. Outras irão
relacionar o fim do Lambe-lambe ao advento de novas tecnologias em
fotografia, barateamento e conseqüentemente popularização do aparelho
fotográfico, o que fez com que a clientela certo modo não precisasse mais
do Lambe-lambe. Outros fatores são também recorrentes, ilustrados nas
próprias falas dos fotógrafos, como “a chegada do filme colorido” ou
“essa praça hoje está uma sujeira”.
26
Vitória
Em “Os lambe-lambes do Parque Moscoso”, livro publicado pela
secretaria de cultura do município de Vitória-ES destaca-se a semelhança
no modo como seus autores o tratam aquele Parque Municipal com o
modo como também é descrito o Parque Municipal Américo René Gianetti
em Belo Horizonte: “Ilha Verde no coração da capital” , “aprisionada
entre prédios e avenidas” , “sobrevivendo a uma era moderna em que as
pessoas não o valorizam como antes” etc.
Os Lambe –Lambes são colocados como testemunhos oculares do
processo de modernização mal planejada a qual resultou em de
descaracterização do centro urbano, que antes, segundo o estudo, era
muito bem freqüentado contendo salas de cinema e espaço de lazer para a
população. O l ivro, que fora lançado no ano em que aquela capital
completava seus 450 anos traz a preocupação com projetos de
revitalização e melhoria e é editado juntamente com a re-inauguração de
um parque recém reformado. Os fotógrafos do Parque foram então, na
ocasião, entrevistados, mais uma vez no espírito nostálgico daqueles que
insistem em falar sobre: “Aquele tempo bom que não mais volta.. .”.
Os Lambe-lambes do Parque Moscoso falaram sobre sua história ali
naquele ambiente tranqüilo de parque público, bem como de suas
dificuldades principalmente nas últimas décadas em conseguirem se
manter na profissão hoje tão desvalorizada. Seu autor conta ter
encontrado 6 deles onde em outra época haviam 36; colhera diversas
declarações e lamentos do tipo:
“As lojas tiram fotografia na hora, e coloridas. (. . . ) No tempo
antigo só o Lambe- Lambe entregava foto na hora”
27
“Hoje em dia qualquer um pode comprar máquina
fotográfica”,
“Lambe-Lambe é uma coisa que já passou, mas, ele contribuiu
muito e teve um papel importante para a sociedade”,
entre outras.
Outra semelhança dos entrevistados de Vilaça com os que
entrevistamos no Parque Municipal Américo René Gianetti é o tempo de
serviço como fotógrafo de rua – ninguém com menos de dez anos. De seis
entrevistados por ele dois têm mais de sessenta anos de idade, um tem 30
anos de Parque Moscoso, e o mais novo deles tem mais de 40 anos de
idade.
O Parque Moscoso foi inaugurado em 29 de maio de 1912. Assim
como o Parque de Belo Horizonte, inaugurado em 189619, o Parque
Moscoso também era um parque aberto inicialmente que foi gradeado na
década de 1970. Os primeiros Lambe-lambes daquele parque iniciaram
suas atividades na década de 1930.
Região Nordeste
Margareth Grilo20, em reportagem para o jornal O Foco, especializado em
fotografia, disse que na cidade de Recife chegaram a existir 60 lambe-lambes, e hoje há
apenas quatro deles. Em Campina Grande, dos dez existentes até os anos 90, só resta
um. Em Natal, “a figura do lambe-lambe já está em extinção há mais de quinze anos”,
conta a repórter. Em João Pessoa, dos 40 lambe-lambes que existiam restam apenas
nove. E destes nove, segundo ela, apenas um usa o processo instantâneo, sendo que os
19 Ver em CVRD. Companhia Vale do Rio Doce: Parque Municipal - Crônica de um século. Belo Horizonte: CVRD, 1992. 20 Jornal O Foco – Lambe-lambe, a profissão que a tecnologia desbancou, por Margareth Grillo - http://www.ofoco.natalrn.net/Lambe.htm, visitado em 30/10/2003.
28
demais usam as antigas câmeras “apenas como fachada” para chamar atenção da
clientela.
“Na tentativa de resgatar um pouco da história do
fotógrafo instantâneo, a equipe d’O Foco esteve em João
Pessoa e se deparou com uma infeliz realidade. Dos 40 lambe-
lambes que existiram nessa cidade, há bem pouco tempo,
restam apenas nove. E destes nove, apenas um usa o processo
instantâneo”
Reportagem do Jornal O Foco
Ainda em João Pessoa, na Paraíba, o Lambe-lambe Manuel
Antônio Batista foi entrevistado pela equipe do Jornal O Norte21. Manoel
faz parte de um grupo de oito fotógrafos, que atua na Praça Pedro
Américo, centro daquela cidade. Eles fazem fotos 3X4 ao preço de R$
5,00 o pacote com oito, segundo a matéria.
"Tem dia que a gente não faz nenhuma foto. Mas, isto é raro,
porém vem acontecendo. Com essa tecnologia avançada a
procura por este tipo de fotografia, como a que a gente faz
aqui, vem caindo".
"Não adianta a gente ficar só fotografando em preto e
branco, porque as pessoas pedem foto colorida. Mas, ainda
tem gente que quer do modelo antigo, só que às vezes
também falta material" . 21 Jornal O Norte,edição on-line, 19 de agosto de 2004, “Modernidade versus tradição”, http://www.jornalonorte.com.br/paraiba/?35257 , visitado em 29/09/2004.
29
Manuel, segundo a reportagem, tem 84 anos de idade, e
aproximadamente 60 como fotógrafo.
"Ainda tem gente batendo foto como a gente em muitos locais .
No Rio de Janeiro tem fotógrafo como a gente, por exemplo. Acho
que isso aqui não acaba nem tão cedo"
- disse Manoel que “criou os fi lhos na Praça Pedro Américo” , e
que, um deles, o mais velho, também trabalha na Praça. Contou ainda que
“antes as pessoas faziam até filas para tirar fotografia na Praça Pedro
Américo”. E que muito político já passou pelo banco de fotografia e já
foi clicado por ele: "Já tirei muita foto de gente importante. Hoje,
muitos nem olham para a gente e esquecem que existimos" .
São Paulo
Segundo Maria Rita da silva Lubatti (LU BATTI,1982) :
“Os lambe-lambes são aposentados sem qualif icação
profissional, descendentes de i talianos e de espanhóis. Os que
trabalham com máquinas modernas procedem de vários
estados do Brasil; há predominância de mineiros, nortistas e
nordestinos. Trabalham como operários assalariados; nos f ins
de semana e feriados fotografam empregadas domésticas,
casais de namorados e crianças que costumam passear em
logradouros públicos. Alguns atendem também chamados a
domicílio, para fotografar batizado, aniversário, noivado e
casamento.”
Ela também afirma que eles não gostam de se identificar tampouco
falar sobre a profissão. E que são homens carrancudos, esquivos ao
diálogo. De toda forma a pesquisadora consegui se aproximar de um
30
deles, Ângelo Morais, fotógrafo atuante no Jardim Estação da Luz cidade
de São Paulo. Segundo Ângelo, nas décadas de 1930 e 1940 o Jardim da
Luz e também o Parque Dom Pedro II em São Paulo “eram freqüentados
por moças ricas da Avenida Paulista e Jardim Europa” e agora, conta (o
art igo foi publicado em 1982) “só dá gente de fora, gente esquisita, às
vezes, chego a ter medo de trabalhar por essas bandas, pois aqui tem um
vaivém terrível; gente que namora, que toca violão e canta debaixo das
árvores, largada no gramado ou sobre os banquinhos. Outros trazem
crianças e animais para brincar e passear – há marreteiros que vendem
tudo fazendo uma gritaria dos diabos – mas o problema é que fomos
esquecidos, desde que surgiram os jovens com as máquinas fotográficas e
as lojas. As lojas, essas sim são nossas concorrentes e tiram o pão da
boca da gente – foram elas que liquidaram com o lambe-lambe, pode
crer” 22.
Lubatt i , que nessa época, identificou 10 fotógrafos nos jardins
públicos de São Paulo, conta que seu entrevistado também atuava como
fotógrafo fora dali, cobrindo festas e casamentos. Observa ainda, que
seus fregueses eram “pessoas humildes ou provenientes das cidades
interioranas empregadas domésticas, elementos da classe operária,
moradores dos subúrbios ali a passeio ou a trabalho”.
Boris Kossoy (KOSSOY,1974) conta que na década de 20, trinta
fotógrafos atuavam no Jardim da Luz na e que, entre 1915 e 1955, 50
fotógrafos atuaram no Parque D. Pedro II e outros 50 nas praças públicas
de São Paulo, e que em 1974, apenas 15 fotógrafos ainda atuavam na
cidade, sendo que segundo ele, 8 deles no Jardim da Luz.
Simonetta Persichetti23 contou nove no Jardim da Luz em 1981,
segundo ela “os últ imos remanescentes dos folclóricos lambe-lambes” .
Persichetti , entrevistando Zé Garcia, um veterano, naquela época com 30
anos de Jardim da Luz, observa que ele e seus colegas não mais
22 LUBATTI , Maria Ri ta da Si lva . Vendedor ambulante , profi ssão folclórica: pesquisa nas ruas, parques e jardins de São Paulo . Escola de Folclore: Secretár ia de Estado da Cul tura, 1982 23 PERSICHETTI, Simonetta. Lambe-Lambe: a câmera automática no lugar da velha caixa. In Revista Íris foto n.334, 1981
31
utilizavam a máquina ‘Bernardi’ ou máquina ‘Caixote’, tradicional
Lambe-Lambe para fotografar, permanecendo com ela apenas como forma
de chamar a atenção do cliente, bem como para mostruário. Utilizavam,
já na época, uma máquina comum, recorrendo aos laboratórios
convencionais para revelarem suas fotos. Garcia que antes de ser lambe-
lambe havia trabalhado como sapateiro, conta que quando começou
(depois de ter feito um curso especializado para fotógrafos de jardim),
havia 18 colegas trabalhando com ele no Jardim da Luz. Contou que eles
eram divididos em pontos e faziam rodízio, permanecendo uma semana
em cada ponto, de modo a todos pudessem usufruir dos melhores locais .
O fotógrafo Fefé do Parque da Luz entrevistado pela equipe do
jornal virtual Sampa Centro24 conta que aquele parque nas décadas de 40
e 50 era desprovido de grades, como o Moscoso de Vitória e o Municipal
de Belo Horizonte, ambos gradeados na década de 1970.
A referida reportagem, do ano de 2001, conta o fotógrafo Fefé
como o último remanescente no Parque da Luz.
Aparecida do Norte
Em Aparecida do Norte, pólo do turismo rel igioso no estado de São
Paulo, a reportagem do jornal Notícias de Itaquera25 colheu informações
daquele que seria o último Lambe-lambe de Aparecida, SR.Antonio
Monair. Segundo a reportagem, Sr. Moanir, aos 68 anos de idade,
trabalhava ali , perto da igreja (Igreja Velha de Nossa Senhora Aparecida)
há 45 anos, chegando a ter 80 companheiros de ofício. Conta que muitos
de seus colegas mais recentes passaram a trabalhar com a câmera
Polaroid, tecnologia que ele então passará também a adotar,
argumentando que por tiras fotos instantâneas coloridas, a Polaroid é
mais vantajosa de se trabalhar do que a velha Lambe-lambe, também
instantânea, porém preto e branco.
24 http://sampacentro.terra.com.br/textos.asp?id=430&ph=17, visitado em 08 de2004 25 Jornal Virtual Noticias de Itaquera - Ano XXIV,Edição nº 821, outubro de 2003, em www.notíciasdeitaquera.com.br, visitado em 01/10/2004;
32
“As câmeras lambe-lambe fazem três fotos iguais e em
preto e branco(. ..)Todo mundo que vem aqui pergunta se a
foto é colorida, como não é, perco muito serviço ”
Santos
Segundo o escritor Narciso de Andrade, ao contar a história de
famosa praça pública da cidade de Santos, a Praça dos Andradas, datada
de 182226, e que mais tarde ficou conhecida como “Praça dos Fotógrafos”,
justamente por ter se tornado local de trabalho de fotógrafos de rua,
pioneiros, em sua época e sucessores, segundo o autor de fotógrafos
europeus que ali chegaram no final do século XIX, os Lambe-lambes não
mais existem, perdendo assim o sentido de aquela praça se chamar “Praça
dos Fotógrafos”
“Conhecidos como lambe-lambes, em função de sua
técnica de reaproveitamento das chapas fotográficas
nas máquinas tipo caixão, os fotógrafos de rua de
Santos acabaram se concentrando na Praça dos
Andradas, até desaparecerem na década final do
século XX”
O escritor associa a decadência do Lambe Lambes naquela praça
pública à própria decadência do local, que a partir da segunda metade do
século XX sofreu um processo de descaracterização.
“Durante o dia, os lambe-lambes ainda teimavam em
exercer ali a sua profissão, geralmente único meio de
subsistência, ao lado de ciganas leitoras da sorte,
alguns engraxates tradicionais , bancas de livros e 26 Jornal A Tribuna. Texto publicado na edição de 7 de junho de 1998 do caderno AT Especial.
33
revistas usados e algum ocasional camelô demonstrando
seus produtos com truques circenses para atrair o
público”.
Ainda nessa matéria o escritor Narciso cita matéria da jornalista
Leda Mondin, que, em 3 de março de 1983, ao enfocar o Centro, citava:
"Santos está perdendo mais um pouco da sua tradição: só restam dois
dos tradicionais fotógrafos que retrataram a praça e os visitantes que a
ela acorriam nos últimos 60 anos. Sabe-se lá quanto tempo mais esses
dois últimos vão resistir" . Em 2001, conta Narciso, apraça foi reformada
e revitalizada, e ganhou gradeamento em seu perímetro, e que não haviam
lá os fotógrafos depois dessa última reforma.
Porto Alegre
Na reportagem para o Jornal Já de Porto Alegre Sinara Sandri e
Carlos Carvalho27 a linha é a mesma: “O destino dos fotógrafos
ambulantes não é exceção em Porto Alegre. Assim como aconteceu em
várias outras capitais e cidades brasileiras, a profissão está
praticamente extinta.. .”. Eles entrevistaram o fotógrafo Varceli Freitas
(reportagem consultada em setembro de 2004) o qual afirma ser o último
em atividade naquela cidade. Varceli atua na Praça XV, centro da capital ,
desde aos dez anos de idade, e, conta que na década de 1970, existiam 25
Lambe-lambes trabalhando ali também. Começou como ajudante do Pai,
também Lambe-lambe, quando lavava as cópias que ele fazia; outros três
irmãos também ajudavam.A reportagem destaca ainda o processo de
descaracterização que sofreu aquela praça ao longo dos anos apontando 27 Jornal virtual ‘JornalJá’, “O último lambe-lambe de Porto Alegre”,por Sinara Sandri e Carlos Carvalho http://www.jornalja.com.br/detalhe_fotografia.asp?fid=5, visitado em 22/10/2004.
34
também a mudança da característica do público freqüentador.A exemplo
do Parque Municipal em Belo Horizonte, Parque Moscoso em Vitória ou
da estação da Luz em São Paulo, é descrita, como um lugar “bem
freqüentado” no passado e que se descaracterizou em uma etapa mais
recente.
O “Chalé da Praça XV”, tipicamente um local no centro urbano que
sofreu um processo de desvalorização. O curioso é vê-lo descrito em mais
de uma vez como o “local onde ainda se encontram os últimos Lambe-
lambes”:
“Construção de 1874 em esti lo Romântico normando e traços
art-noveau, fei ta com estrutura de aço desmontável inglesa
adquirida na feira internacional de Buenos Aires em 1915. Era
um restaurante tradicional do centro de Porto Alegre,
freqüentado pela alta sociedade e posteriormente por boêmios e
intelectuais. Tombado como patrimônio histórico em 1998.
Atualmente foi restaurado e reaberto , em 1999 como um
restaurante escola do SENAC, especializado na culinária
gaúcha, mantendo até hoje os i lustres ladrilhos originais. Nele
se concentram os últ imos fotógrafos Lambe-Lambe.” 28
Reclama Varceli:
“Olho em volta e está tudo desfigurado. Só tem
vagabundo. Quem vai vir até aqui para bater fotografia?”
Brasília
Reportagem do Jornal Correio Brasiliense29 de 2001, trata da
“fidelidade” de profissionais como o alfaiate, sapateiro, relojoeiro e
Lambe-lambe, aos seus ofícios “cada vez mais raros”; entrevistado pelo
28 http://www.citybrazil.com.br/rs/portoalegre/turismo.htm, visitado em 27 09 2004 29 Jornal Correio Brasiliense, domingo 29 de agosto de 2001, “Como antigamente”, http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-08-26/mat_10256.htm, visitado em 17/08/2004
35
referido jornal , o fotógrafo Geci Amaro de 62 anos, afirma que já tem 54
como fotógrafo. Ele conta que aprendeu a fotografar com a tradicional
Lambe-lambe, com apenas oito anos de idade. Trabalha na praça do
relógio desde 1965;
“Aqui ser Lambe Lambe só serve de chamarisco, mas
quando vou ao Rio de Janeiro a história é diferente”
Geci contou que trabalha de tempos em tempos na Praça Tiradentes, cidade do
Rio de Janeiro, onde segundo ele ainda encontra material para fotografar no método
antigo, bem como clientes interessados em fazer fotografias no autentico Lambe-lambe,
ou seja, em preto e branco e na chapa de vidro. Conta ainda Geci que para sobreviver no
mercado ele adquiriu uma Polaroid sem a qual “não acompanharia a dinâmica atual”:
“O Lambe-Lambe aqui de Brasília que não comprou
uma máquina moderna está morrendo de fome”
36
3. "Metamorfose Ambulante": Lambe-lambe - de profissional
artístico a subempregado
“Todas as grandes descobertas técnicas
são, sempre,origem de crises e
catástrofes. Os velhos ofícios
desaparecem e surgem outros novos. Em
todo caso, o seu nascimento significa
processo , mesmo se as atividades por
eles ameaçadas estão condenadas a
sucumbir” 30
Neste capítulo, além de se colocar em questão a “queda de status”
sofrida pelo Lambe-lambe durante décadas, há também o objetivo de se
questionar o próprio conceito de ‘profissional artístico’ a ele atribuído. A
figura do Lambe-lambe como um profissional tradicional, ou seja, aquele
cujo ofício é passado de pai para fi lho, é perfeitamente questionável, isto
se levadas em consideração as informações sobre a trajetória profissional
da atual geração de Lambe-lambes de Belo Horizonte.
A Sociologia das Profissões(LEITE&SILVA, 1996), de uma
maneira geral, se preocupa com o modo pelo qual transformações na
estrutura produtiva de uma sociedade incidem sobre como vivem as
pessoas que dela fazem parte, se inserindo direta ou indiretamente em
setores de sua economia, se firmando, como uma disciplina que busca
reflexos estruturais para condições de surgimento ou desaparecimento das
diversas atividades econômicas.
O fotógrafo Lambe-lambe, como vimos, é uma categoria
profissional que veio enfrentando no decorrer dos anos, vários tipos de
30 FREUND, Gisèle. Fotografia e sociedade.Lisboa: Ed.Vega, 1974
37
problemas: as praças onde trabalha hoje atraem outro tipo de público, a
antiga máquina caixote se tornou obsoleta, e o termo “Lambe-lambe”, de
certa forma pejorativo. Ele assistiu ao que sociologicamente se pode
chamar de uma “queda de status”. Se, na década de 1940, a sua renda o
enquadrava nos padrões de um profissional liberal , hoje em dia ele é mais
um no setor informal.
Recorrentes são, como vimos no capítulo 2, as matérias e
art igos que enquadram o Lambe-lambe como categoria profissional em
extinção, ou até já extinta, costumando, algumas delas associá-los aos
profissionais de uma era pré-industrial ou artesanal , na qual o comum era
a transmissão de um saber profissional de geração a geração. Francis
Rose, por exemplo, em matéria para o jornal o Estado de Minas31 cita
como profissões tradicionais que estão em fase de extinção: o datilógrafo
(e conseqüentemente o trabalhador ou técnico especializado na
manutenção desse t ipo de equipamento), o alfaiate, o carpinteiro de
aeronaves, o lanterninha de cinema, o ferreiro, e o tipógrafo. O
documentarista Cao Guimarães em seu vídeo sobre profissões em
extinção32,cita: a parteira, o benzedor, o relojoeiro, ascensorista,
lanterninha, faroleiro, engraxate, amolador de facas, recarregador de
isqueiros, um funcionário de uma ferrovia desativada e até um ‘maestro’
de galos, todos eles considerados profissionais em extinção.
O filme de Cao Guimarães, assim como a reportagem de Francis
Rose, deixam transparecer o quanto esses “sobreviventes” estão
associados a uma época de crise do trabalho33, explosão do setor informal
e de falta de oportunidades típicos de uma época pós-industrial e de
capitalismo global . Em tal contexto, parece não haver espaço para o
profissional artístico, não havendo também espaço (ou tempo) para a
31 Jornal Estado de Minas, domingo, 23 de fevereiro de 2003, página 25, edição empressa. 4 “O fim do sem fim” de Beto Magalhães, Cao Guimarães, e Lucas Bambozzi - Brasil 2000, 93 min 33 “(...)O trabalho torna-se cada vez mais raro em nossa sociedade. A desvairada competição que se instala
entre os trabalhadores e entre as nações gera uma grave deterioração nas relações entre as pessoas, e a
microeletrônica representa uma ameaça para a sociedade.”(AWED,1999:5)- ver também em KRISIS,
Grupo, Manifesto contra o trabalho, São Paulo.1999, e também em HOBSBAWM, E. Mundos do
trabalho. Rio de Janeiro. Ed. Paz e Terra, 1987.
38
transmissão dos “saberes tradicionais” aos quais se refere à pesquisadora
Jerusa Ferreira, segundo a qual:
“Um mestre de um ofício é sempre um sabedor,
alguém bastante diferente que encarna um semideus, um
pactuante com o sobrenatural, um detentor de um tipo
de liderança, sobretudo por ser ele aquele que
transforma, que inaugura um novo estado cultural . É da
sua memória que se projeta a construção do
mundo(.. .)”(FERREIRA,1996:103) .
Entre os ofícios tradicionais em vias de extinção acima
relacionados, alguns estão condenados a sucumbir, outros a se
transformar, devido ao processo de ‘modernização’ (CBO 2002
Ministério do Trabalho e Emprego) forçando o trabalhador a se adaptar
ou simplesmente migrar para outro tipo de serviço. Um exemplo: quem
foi datilógrafo se transformou em digitador, mas isso somente porque
restava demanda por aquele tipo de serviço; também o alfaiate e o
sapateiro, profissões tradicionais, são forçadas a adaptações, a medida
que se expande a indústria de confecções. Em todo caso, para esse tipo de
profissional há a opção de ser aquele que oferece um tipo de serviço
diferenciado, e por isso valorizado.
Para Bernadete W.Aued(AUED.1999:7),
“A aceleração do processo de extermínio de profissões
marca com ferro e brasa os profissionais do século em
questão. A profissão de perfurador de cartões, em alta nos
anos 70 do século XX, não encontra guarida no mercado de
trabalho nos anos 90; ou seja, dentro de uma mesma
geração. Ferramenteiros, temporariamente afastados para
exercer mandato sindical, ao retornarem, encontram a
fábrica metamorfoseada. A ferramentaria deste final de
39
milênio é uma sala ocupada por engenheiros e seus
computadores. Em quase nada lembra o tempo social em que
os ferramenteiros tinham importância decisiva na
fábrica(. .. )”
Essa autora introduz o conceito de metamorfose34 para dizer que
nenhuma profissão está imune a crises, à probabilidade de um dia também
sucumbir, pois a “é a própria sociedade que está em constante
movimento”. Ela propõe desse modo uma reflexão histórica acerca das
“metamorfoses sofridas pelas profissões”.
A extinção de profissões, desse modo, evidencia uma sociedade em
movimento, uma sociedade em período de transição AUED (1997:9). Ao
conceito de metamorfose social, se junta o de “época social”35, segundo o
qual “uma época social sucede a outra, cada uma levando com sigo
hábitos e costumes, bem como atividades relacionadas a seu respectivo
modo de produção”.
O Lambe-lambe dessa forma, pertencente ao quadro dos
“resistentes” é mais um que também se adaptou, seja aprimorando o modo
como presta o seu serviço, seja contando com novas parcerias (Projetos
de lei que incentivam a cultura e o turismo, etc. como veremos em
‘Conclusão’) . O romantismo que sua figura inspira, todavia parece não
ter se abalado, pois é geralmente associado a momentos de lazer e
relaxamento, bem como a toda magia em torno do fenômeno da
fotografia. Notório é, dentro da pouca literatura existente sobre o
fotógrafo Lambe-lambe (MESQUITA, 2000) (FERNANDES, 1998)
(LUBATTI, 1982) o tratamento superficial e às vezes romanceado a ele
34 Segundo Bernardete W. Aued, “metamorfose” é a “invenção de situações intoleráveis (...) Dela não escapa o personagem social caixeiro viajante e também a sua família. Ambos precisam conviver com a metamorfose, independentemente de vontade e de aceitação”.(AUED,1999:9) 35 O Brasil do século XVI, por exemplo, se voltava ao comércio exterior extraindo pau-brasil e trabalhando a cana de açúcar. Haviam por aqui nessa época profissionais como serradores, administradores de engenho, caçadores de índios e escravos, artesãos etc. No século dezoito,aqui já se desenvolviam as primeiras indústrias têxteis, e assim por diante até o séculos XX e XXI, entrando em cena indústrias como a automobilística e a eletrônica, surgindo como consequência profissionais tais quais, engenheiros, técnicos em mecatrônica, tecnólogos em informática etc. Profissionais como chapeleiros, alfaiates, costureira, sapateiro e o barbeiro são por ela enquadrados na época entre 1913 (época social do surgimento da indústria automobilística) e início da década de 1970, quando começa também a informatização industrial.
40
atribuído, o que pouco contribui com quem quer compreender o que
significa ser trabalhador informal na conjuntura atual.
Ao analisarmos a trajetória profissional (Quadro 1 .) dos Lambe-
lambes de Belo Horizonte, pudemos notar que poucos deles, de fato a
minoria, se enquadra em um perfi l de fotógrafo tradicional , nos termos de
Jerusa Pires. De fato, o atual Lambe-lambe, passa longe de ser um
mestre, ou de ter aprendizes (não que alguns não tenham sido). São
pessoas provindas de famílias de não al to padrão sócio-econômico, que
vieram para a capital em busca de emprego, tendo exercido ao longo de
sua trajetória outras atividades, informais ou com carteira assinada.
Observou-se que, de quatorze profissionais entrevistados, apenas dois
nasceram na cidade de Belo Horizonte, e que, também apenas dois (por
sinal, exatamente os que aqui nasceram), tiveram como Lambe-lambe a
sua primeira ocupação. Nota-se ainda que todos eles estão há mais de 20
anos na atividade de fotógrafo ambulante, sendo a sua media de idade
também elevada (nenhum entrevistado tinha menos de 35 anos de idade).
As atividades por eles exercidas antes de chegarem a ser Lambe-
lambes, ocupação que em nem todos os casos foi motivada pela paixão
pela fotografia ou pelo estímulo de um pai fotógrafo, independente do
fato de hoje gostarem ou não de ser fotógrafos, vão, desde agricultura e
pecuária, em fazendas remotas de propriedade alheia, até servente de
pedreiro e carpinteiro na capital, o que nos faz associar sua trajetória
profissional aos movimentos migratórios em direção aos centros urbanos
a partir da década de 1960 como à dinâmica da economia informal no
país .
A sua atividade como autônomo e ambulante o enquadra claramente
ao chamado “setor informal”, conceito que para a Organização
Internacional do Trabalho (OIT, 1972) é formado por um conjunto de
característ icas, como: (a) propriedade familiar do empreendimento, (b)
origem e aporte próprio dos recursos, (c) pequena escala de produção (d)
facilidade de ingresso, (e) uso intensivo do fator trabalho e de tecnologia
41
adaptada, e (f) aquisição das qualificações profissionais à parte do
sistema escolar de ensino36.
Para Maria Cacciamali, o trabalhador informal é aquele que além
de possuir as características acima mencionadas, “se orienta ara o
mercado exercendo simultaneamente as funções de patrão e empregado”
(CACCIAMALI,2000:155), não existindo para ele separação entre as
atividades de gestão e produção.
36 Em : CACCIAMALI , M. C. Global ização e processo de informal idade. Economia e Sociedade . Campinas , (14): 153-174,jun.2000
42
Tabela 1. Tra jetór ia prof issional de alguns fotógrafos Lambe-lambes das praças de Belo Horizonte;
F o t ó g r a f o L o c a l A n o / l o c a l d e n a s c .
A n o d e c h e g a d a a B e lo H o r i z o n t e
H á q u an t o t e mp o t r a b a lh a n d o ( o u t r a b a lh o u ) c o mo f o t ó g r a f o
A t iv id a d e s a n t e s d e s e r f o t ó g r a f o / O b s e r v a ç õ e s
A u g us t o P r a ça d a e s ta ç ã o
P a to s de Mi n a s / M G
1 9 6 6 3 4 a n o s F i s c a l d e e mp r es a , e n g r a xa te , c a r r e g ad o r d e ma la e m r o d ov iá r i a , ve n d e d o r , b a l c o n i s t a e m lo j a d e f o to g r a f i a ;
C a ma r g o P a r q ue Ma r t i n s C a mp o s / I b i t i r a / MG
1 9 4 2 4 7 a n o s C o me r c i a n t e
C h i c o Ma n c o
P a r q ue 1 9 5 2 , e m B e lo H o r i z o n te M G
_ _ _ _ ___ _
H á 4 4 a n o s - - - - - - - - - - - - - - - - -
I s a a c P a r q ue 1 9 2 6 n a E s p anh a
1 9 3 2 D e 1 9 5 0 a 1 9 8 9 - - - - - - - - - - - - - - - -
J o ã o G o m e s
P r a ça 1 º d e ma i o
1 9 5 5 e m C o ng o n h a s d o N o r te M G
1 9 7 7 2 0 a n o s V e n d i a “ e r v a s me d i c i n a i s p a r a c a lo s ” e “ m e x ia c o m c o b r a n a p r a ça ”
J o ã o L in o P r a ça d a E s ta ç ã o
1 9 5 5 e m T u r ma l i n a M G
1 9 8 5 1 9 a n o s L a v ra d o r /e m p r e s a d e ô n ib u s ( t r o c a do r ) o b s : V i a j a v a d e s u a c i da d e p a r a S ã o P a u l o e M G p a r a t r a b a lh os e s p o r á d i c os em fa z e n d a s – m e n c io n a v á r i a s v e z e s o “ se t o r d e m ig r a ç ã o ” ; o b s 2: t a mb é m é b o m c a r p in te i r o e d á m a n u te n ç ã o n a s má q u i na s a n t i ga s
J o s é Ma r c o s
P r a ça d a E s ta ç ã o
1 9 2 7 e m T a q ua r a çu d e Mi n a s /M G
1 9 4 4 4 7 a n o s C o mé r c i o , s e r v i d o r p ú b l i c o ( a po s e n ta do )
J o s é P in to
P a r q ue 1 9 3 8 Ma r t i m c a mp o s M G
1 9 6 5 3 9 a n o s C a r p in te i r o e m a r c e n e i r o o b s : C o n f e c c io n a o s c a v a l i n h o s d e o u t r o s La m b e - l a m b e s d o P a rq ue ;
P e d r o P r a ça d a E s ta ç ã o
1 9 4 9 , e m T u r ma l i n a M G
1 9 8 2 2 0 a n o s A g r i c u l t u r a e pe c uá r i a , s e r v en t e d e p e d r e i r o Ob s : e le e o J o ã o L in o c o n h e ce r a m o M a r t i ns , a n t i go f o tó g r a f o d o P a r q u e e v i e r am a p r e n d e r o t r a b a lh o , q u e e r a r e n t á ve l n a é p o c a .
T a v in h o P a r q ue 1 9 3 6 , M a r t i n C a mp o s M G
1 9 5 9 3 9 a n o s T r o ca d o r , s ap a t e i r o O b s : I r mã o d o J o ã o P in t o ;
Wa g n e r P a r q ue 1 9 5 4 , e m B e lo H o r i z o n te M G
- - - - - - - - - - - - - -
3 9 a n o s O b s : f i l ho d o f o tó g r a f o Ma x i mi l i an o
Wi l s o n ( “ P i a zz a ” )
P r a ça d a r o d ov iá r i a
1 9 4 8 , e m S e m P e i x e / M G .
1 9 7 0 3 0 a n o s A g r i c u l t u r a ,m a r c e n a r i a , f a x i n e i r o , c o mp a n h ia d e s e g u r o s ;
X a v ie r P a r q ue 1 9 4 0 , e m Ma r t i m C a mp o s M G.
1 9 5 9 4 0 a n o s G ad o / p ec u á r i a , e m p r e s a d e t r an s p o r t e , c o m o t r oc a d o r e mo t o r i s t a d e ô n ib u s , S L U , s a p a te i r o ; O b s : c o n h e c id o c o m o T o to n h o d a d u p la “ T av i n ho e T o r on h o ” ;
Z i t a P a r q ue 1 9 4 3 B r u ma d o d e P i ta n g u iMG
1 9 5 7 2 3 a n o s S e r v i ç o d o m é s t i c o , l o j a d e t e c i d os . O b s :V iú v a d e L a m b e -l a m b e .
43
Dessa forma, o lambe-lambe da atual geração, trabalhando com
uma máquina convencional e vendendo seu produto - a fotografia – como
quem vende um saco de pipocas, pode ser associado muito mais a um
trabalhador informal ou subempregado, do que a um “mestre de ofício”
pertencente a alguma tradicional família de fotógrafos, ou a um retrat ista
de praças da década de 1940.
É importante se reiterar todavia, que mesmo a atual Lambe-lambe,
salvo o exemplo de São Paulo (PERSICHETTI, 1981), onde chegou a
existir uma escola especializada em ensinar o ofício, tem como modo de
ingressar no trabalho, o mais tradicional, que é, o pai ensinando para o
filho ou, o que é até mais recorrente, um amigo, vizinho ou cunhado
passando aquele saber ao seu companheiro, no intuito de inseri-lo
naquela atividade comercial. O fotógrafo Chico Manco, por exemplo;
conta que aprendeu seu ofício com o Sr. Zizi, que foi marido de D.Zita,
(que por sinal assumiu seu ofício, t rabalhando no Parque ainda hoje)
Chico, que começou aos onze anos de idade, conta que era vizinho de
Zizi , se mostrando interessado em seu ofício:
“O Zizi morava perto da minha casa, no bairro Pirajá.
Então ele me chamou pra ajudar aqui pra lavar retrato pra
ele. Aí eu vim, me adaptei e gostei. (. . . ) Eu trabalhei de
ajudante com ele… Eu trabalhei muitos anos com ele. Até
adquirir uma certa idade… Até aos 15 ou 16 anos, nessa
faixa. E com ele eu aprendi a fazer as fotografias preto-e-
brancas. Eu lembro até qual foto, a primeira foto que eu bati ,
e onde que eu bati a primeira foto aqui no Parque... .”
Obs: os entrevistados de Glória também citam que realizam trabalhos
extra cotidiano como festas de família, festas religiosas, fato que
impressionou a socióloga o que a fez repetir a pergunta outras vezes foi o
fato de alguns deles já haviam tirado foto de “defunto”. (CRAV 2002)
44
Considerações sobre o Trabalho de Campo
Voltar a conversar com os fotógrafos do Parque Municipal, local
em que est ive trabalhando por dois anos , realizando atividades típicas
de um estagiário de educação ambiental , no trabalho com grupos de
crianças e adolescentes, não foi nada complicado, uma vez conquistada a
confiança de alguns dos fotógrafos, principalmente a do Fotógrafo Chico
Manco e a do Thomas , com os quais trabalhei junto na montagem de
exposição em comemoração ao aniversário do Parque , exposição esta que
visou valorizar o trabalho deles e de resultado muito satisfatório , dando
inclusive a oportunidade de estreitarmos as relações e de eu expor para
eles minha intenção de escrever sobre o trabalho deles. Em todo caso
sabia das limitações advindas de uma aproximação que se restringiria a
esses dois fotógrafos. Se por um lado, a convivência estrei ta e cotidiana
nos possibilitou informações raras, por outro o que tínhamos era, para
muitos assuntos, tão somente o ponto de vista daqueles fotógrafos a
respeito da categoria em geral.
Ter acesso às transcrições das entrevistas, (bem como aos
pesquisadores que a realizaram), realizadas por Glória Amarante em 2002
fora de fundamental importância no sentido de se comparar o seu método
de abordagem com o meu, bem como cruzar as informações obtidas.
Glória Amarante por exemplo se quer entrevistou o fotógrafo Thomas,
Lambe-lambe com o qual tive mais contato. A socióloga, por outro lado
teve acesso preferencial aos fotógrafos dos locais que não o Parque
Municipal, enquanto dei preferência ao Parque. Entrevistou por mais
tempo o fotógrafo Severino, já que o filho de Severino, Severino Júnior,
historiador, fazia parte de sua equipe.
De toda forma, as informações dadas pelos fotógrafos em ambas
ocasiões, quando devidamente cruzadas, apresentaram semelhanças (me
refiro a dois casos), e nos depoimentos daqueles dos quais não me
aproximei mas acessei através do trabalho de Glória, t ranspareceram
algumas divergências internas dos Lambe-lambe as quais, apesar de
45
notáveis em documentos pesquisados na Administração do Parque (Anexo
III) , não poderiam vir a tona simplesmente através de dois fotógrafos dos
quais preferi me aproximar, ou seja, o trabalho só se completou ao cruzar
diversas fontes.
No trabalho de campo leva-se em conta, dessa forma, uma série de
problemas metodológicos, como o ci tado acima, que diz respeito a um
problema de aproximação, de interação social com os “estudados”. Se
trata de reflet ir sobre em que condições se dá esta interação social com
os quais se está estudando- o famoso “problema do bias”
(BECKER,1992), segundo o qual o posicionamento do pesquisador em
relação aos próprios pesquisados é fator de prejuízo (por preconceito)
para o resultado final do trabalho37, se torna necessário dessa maneira,
explici tar algum registro do trabalho de campo efetuado, bem como
justificar o método utilizado.
“O observador tem o problema de tentar evitar ver
apenas as coisas que estão de acordo com suas hipóteses
implícitas ou explíci tas(.. . ) Esse tipo de bias pode ocorrer de
várias maneiras. O observador, interagindo com aqueles que
estuda em bases de longo prazo, acaba por conhecê-los como
companheiros seres humanos além de como objeto de
pesquisa; portanto é difícil para ele evitar sentimentos de
amizade, lealdade e obrigação, os quais o fazem querer
proteger alguns membros do grupo, e assim não ver aqueles
eventos que os tornariam passíveis de crí tica.”
(BECKER, 1992:120)
É verdadeiro que este trabalho favoreceu os relatos orais , pois
partiu justamente de um trabalho de história oral (CRAV,2002),
37 A “acusação de bias”segundo Howard Becker(1992, p.31), é aqui encarada como um “problema de organização social de pesquisadores e daqueles que eles estudam”, sendo de toda forma um problema insolúvel uma vez que não está relacionado com o maior ou menor rigor metodológico ou ao fato de se abordar qualitativa ou quantitativamente o processo, mas “com o ponto de vista que parecemos estar assumindo”(BECKER, 1992: 32)
46
permeado pelo trabalho que já vinha sendo desenvolvido paralelamente
junto aos ambulantes utilizando o método do survey..
Desse modo é que, a riqueza de informações que as impressões
adquiridas em um dia de campo proporciona, deve se transformar em
dados, alguns úteis, outros de menor relevância, sobre a estrutura
organizacional ou histórico, por exemplo deles. Já alguns fatores
internos são melhor percebidos a medida em que o poder de inserção e o
fator confiança aumentam, sendo decidido que para esta pesquisa seria
útil passar um dia inteiro ao lado de um fotógrafo Lambe-lambe, no caso
o fotógrafo Chico Manco:
“Na manhã de hoje voltei ao Parque Municipal para, como
combinado anteriormente acompanhar um pouco da rotina de
trabalho do já amigo meu fotógrafo Chico manco. Chico, que
já trabalha no Parque Municipal desde os seus onze anos de
idade, como ele mesmo o disse mais adiante em nossa
conversa, estava ausente quando cheguei; já tinha ido pela
primeira vez ao laboratório. Pois é mais ou menos assim que
funciona a rotina de um Lambe-lambe. O Chico Manco, por
exemplo: acorda todos os dias antes das cinco da manhã,
pega a sua condução, as seis já está no Parque, brinca
‘chego aqui antes do vigilante’, e faz um caminhada antes de
começar a trabalhar.”
- Parque Municipal, 24/08/2004 -
O fato de se estar no local de trabalho, local de rotina do fotógrafo,
no caso o Chico foi de extrema importância no sentido de perceber todo
seu processo de trabalho, utilização de laboratório, relação com os
colegas bem como com os freqüentadores do Parque, suas impressões
sobre as condições atuais dentro do mesmo etc. Sendo que, muito embora
nem todas as impressões terem sido transformadas em dados diretos,
foram úteis posteriormente na elaboração de novas hipóteses.
47
Conclusão
“A autenticidade de uma coisa é a quintessência
de tudo o que foi transmitido pela tradição, a partir
de sua origem, desde sua duração material até o seu
testemunho histórico. Como este depende da
materialidade da obra quando ela se esquiva do
homem através da reprodução, também o testemunho
se perde. Sem dúvida, só esse tes temunho
desaparece, mas o que desaparece com ele é a
autoridade da coisa, seu peso tradicional.”
W.Benjamim38
A indústria fotográfica em expansão, já no final dos anos 1990 em
plena “era” digital coloca nas mãos das pessoas a oportunidade de lidar
com a imagem, que nada mais é que o produto da fotografia, de uma
maneira ainda mais ágil . Quando em 1880 o americano George Eastman
desenvolveu uma máquina que continha a bobina de filme, e começou a
fabricá-la em série comercializando-a por um preço bem acessível39 (um
dólar da época), já se poderia de certa forma antever o que a fotografia
em pouco tempo deixaria de ser um produto de luxo. Com a seguinte
propaganda: "Nossa câmera proporciona uma coleção dessas fotografias,
e pode proporcionar uma história pictórica da vida tal como ela é vivida
por você, e, cada dia que passa, ela terá mais valor”, a Kodak, se torna a
primeira a comercial izar a máquina de retrato em grande escala.
38 BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” in. A idéia do cinema, Ed.Civilização Brasileira, Rio de Janeiro 1969 39 SENAC . DN. Fotógrafo: o olhar , a técnica e o t rabalho. / Rose Zuanet t i ;El izabeth Real , Nelson Mart ins et a l . Rio de Janei ro: Ed.Senac Nacional ,2002. 192p.
48
Os Lambe-lambes modernos não estão alheios ao tempo das digitais
como nunca deixaram de se adaptar. Da máquina tradicional original do
século dezoito passaram às máquinas ópticas na era do fi lme colorido,
aos monóculos quando imposta a nova moda retornando às ópticas quando
a moda passou. Trabalharam com a Polaroid quando foi lançada no
mercado, a utilizando enquanto lhes foi conveniente e hoje alguns já
pensam em investir em equipamento digital e impressoras, se é que já não
estão o fazendo.
Ao se defender das acusações dos colegas de que estariam
“matando o Lambe-lambe” no Parque municipal (Capítulo 1), Camargos e
seu filho se basearam em lei t rabalhista que permite ao autônomo inovar
tecnologicamente em seu ofício, e assim seu mini laboratório instantâneo,
ou melhor seus três equipamentos estão funcionando por lá até hoje.
Os Lambe-lambes não têm altos ganhos, como não os têm quaisquer
trabalhadores do setor informal, e se tinha há sessenta anos atrás é
porque a densidade demográfica nos centros urbanos era bem menor , e a
situação do emprego era bem menos precária.
Responder a todas as questões, i r a fundo em todas as hipóteses
levantadas ao longo do trabalho de modo a “resolver” o problema da
extinção do tradicional Lambe-lambe, seja tentando afirmar que ele não
entrará em extinção ou que, ao contrário, ele realmente está condenado,
tentando o enquadrar em alguma categoria fixa dentro do sis tema social,
seria um grande erro. Não se pode simplesmente encerrar os fotógrafos de
praças e jardins à categoria de ambulantes ou subempregados, como está
errado os classificar como “heróis da resistência” ou teimosos em
demasia, uma vez não esgotada a gama de hipóteses que um trabalho
como esse vem suscitar. Certamente que um estudo mais aprofundado em
cima da clientela desse atual Lambe-lambe nos espaços hoje considerados
descaracterizados e desvalorizados no cenário urbano, bem como um
estudo sobre as transformações destes logradouros ao longo das décadas
será de grande valor para a continuidade deste trabalho. Em algum
momento da pesquisa se pergunta se os Lambe-lambes estão mesmo em
extinção; eles têm mercado – o sub mercado do baixo poder aquisit ivo,
trocas entre as pessoas de baixo poder, preços mais baixos em jogo.
49
De fato que estas e outras hipóteses ganharam força ao longo do
trabalho, como a de os profissionais que atuam no Parque Municipal
Américo René Gianetti em Belo Horizonte, estarem “menos em extinção”
do que os de fora dela, como se constatou.
Pôde-se notar um maior interesse de sua administração na melhoria
das condições tanto dos fotógrafos como dos ambulantes e
concessionários que lá trabalham, através de regras rígidas quanto ao
trabalho não autorizado no seu interior.
Uma outra hipótese levantada ao longo da pesquisa relacionada à
“sobrevida” dos Lambe-lambes do Parque de Belo Horizonte se sustentou
pelo fator “organização enquanto categoria profissional”, ao notar que
aqueles fotógrafos foram os únicos a tomar tal iniciativa, juntamente com
os outros ‘informais’ do parque.
Todas elas precisam ser aprofundadas, de fato; problemas como os
de organização interna da categoria, as projeções que poderiam ter sido
fei tas em relação a outros informais, ou mesmo em relação às estatísticas
para o trabalho no Brasil e no Mundo, enfim, o que só vem a mostrar que
o presente trabalho de pesquisa é como um leque aberto com perguntas,
algumas delas com indicativos de respostas.
Resta falar no projeto de lei 1073/02 (PL 1073/02) do município de
Belo Horizonte que propõe “tornar patrimônio cultural de Belo Horizonte
a atividade de fotógrafo ambulante”. Em fase de discussão, ele se
assemelha ao PL 1783/04, este já aprovado40, que cria “o livro específico
para registro de bens culturais de natureza imaterial da cidade de Belo
Horizonte” que contemplou em seu texto, festas religiosas, manifestações
culturais entre outros, inclusive a at ividade desenvolvida pelos Lambe-
lambe. De acordo com o texto do referido projeto, seriam tombados como
patrimônio cultural não a máquina, nem o local de trabalho, mas a
modalidade de trabalho, sendo o objetivo desse tipo de lei proteger em
certo sentido o que se denomina “patrimônio imemorial”.
40 Jornal Estado de Minas , terça-fei ra , 09 de novembro de 2004, “Câmara de BH aprova projeto de lei para tombamento de bens cul turais” ,
50
ANEXO I -Sistema de rodízio dos lambe-lambes do Parque Municipal Américo RennéGianetti
Figura1: Pontos do rodízio
Tabela 1. Nome dos pontos
Fotógrafos Entrevistado: Tavinho Data: 17 /01/ 02 Pontos:
1. “Banheiro da escadaria” 2. “Coreto” ( saída Bahia) 3. “Bahia descendo” 4. “Debaixo da jaqueira” 5. “Jaqueira” 6. “Portão da Andradas” 7. “Banheirinho”( depois da roda gigante) 8. “Roda gigante” 9. “Encruzilhada” ou “Trenzinho” 10. “Tibal” ( junto aos equipamentos de ginástica ) 11. “Teatro”(Francisco Nunes) 12. “Escadaria” ( perto do teatro )
51
ANEXO II - FOTOS
1.Carrinho de um Lambe-lambe do Parque Municipal Américo René Gianetti. Foto: Marcelo Franco, 2002
2.Chico Manco em atividade no Parque Municipal Américo René Gianetti. Foto: Acervo Pessoal Chico M.
52
2.1.Chico Manco na exposição “História Social de belo Horizonte”, durante a Semana de Meio Ambiente em de Junho de 2003.
Foto: Marcelo Franco, 2003
3. Fotografia tirada por Camargos com chapa de vidro na década de 1940.
Foto: Acervo pessoal José Ferreira de Camargos
53
3.1. Tomas trabalhando no mecanismo do minilab, na década de 1980.
Foto: Acervo pessoal José Ferreira de Camargos
4. Exposição “História social de Belo Horizonte” e do Acervo pessoal dos fotógrafos em comemoração ao
aniversário do Parque Municipal Américo René Gianetti.
Foto: Marcelo Franco
56
Doc.1.Documento expedido pela Associação dos Comerciantes e Concessionários do Parque
Municipal Américo René Gianetti, em 11 de março de 1993, descrevendo o histórico de sua presença naquele espaço público.
Fonte: Arquivo PBH
58
Doc.1.1. Decreto Nº 59 de 29/11/1935, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Depto. de Parques e Jardins, que dispõe sobre os pontos dos fotógrafos ambulantes. Fonte: Arquivo PBH.
60
Doc. 1.2.Abaixo assinado de 19/06/1988 dos fotógrafos do Parque Municipal Américo René Gianetti, contra o mini-laboratório dos Camargos. Fonte: Arquivo da PBH
61
ANEXO IV - Entrevista informal no campo com o fotógrafo José
Marcos há 40 anos fotógrafo na Praça Rui Barbosa em 30 / 08 2004:
“Me apresentei ao José (‘Zé guela’) como estudante ele
logo começou a conversar comigo, se abrindo ainda mais
quando disse que era amigo do Chico Manco – ‘há, fala para
ele vir aqui, pois me deve 10 reais !’ - Conta que já por
várias vezes foi a universidades e colégios falar sobre seu
trabalho e que isso lhe rendeu bom dinheiro e, achando
inclusive essa situação engraçada; disse que já fora
entrevistado por vários jornais e revistas lamentando só ter
comprado um exemplar de certa revista; Sr. José chega ao seu
ponto pelas sete da manhã indo para casa às quatro e meia da
tarde; guarda, como muitos outros trabalhadores informais do
centro da cidade, o seu material em um ponto seguro por ali
mesmo, ou seja, não leva para casa o equipamento que
consiste em uma barraca guarda sol, uma caixa que serve de
banco e baú ao mesmo tempo e sua antiga máquina modelo
bernardi a qual só serve de chamariz para o Sr. José trabalha
de segunda a sábado, não indo ao ponto aos domingos, conta,
domingo eu - faz um gesto engraçado”
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