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PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO ANA LÚCIA ANTUNES BRESCIANE Avaliação na Educação Infantil: o que nos revelam os relatórios de um município paulista MESTRADO EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2015

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PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

ANA LÚCIA ANTUNES BRESCIANE

Avaliação na Educação Infantil: o que nos revelam os relatórios de um município paulista

MESTRADO EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO 2015

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ANA LÚCIA ANTUNES BRESCIANE

Avaliação na Educação Infantil: o que nos revelam os relatórios de um município paulista

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia da Educação ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, sob a orientação do Prof. Dr. Sérgio V. de Luna.

SÃO PAULO

2015

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FICHA CATALOGRÁFICA

BRESCIANE, Ana Lucia A. Avaliação na Educação Infantil: O que nos revelam os

relatórios de um município paulista. São Paulo, 2015.

Dissertação de Mestrado: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Área de concentração: Educação: Psicologia da Educação

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Vasconcelos de Luna

Palavras-chave: avaliação, relatórios, educação infantil, pré-escola

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processo de fotocópia ou eletrônicos.

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BANCA EXAMINADORA

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Dedico este trabalho à Rosa, flor mais colorida do meu jardim.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Sérgio Vasconcelos de Luna, por estar sempre disponível, pela ética na forma de orientar, pela delicadeza no trato, e pela paciência. Às professoras Cláudia Davis e Zilma Oliveira pela forma amável como sempre me receberam e pelas preciosas sugestões na banca de qualificação. À Adriana Bertucci e Selma Gonçalvez de Campos Monteiro pela parceria profissional e pelo apoio na realização da pesquisa. Às diretoras e apoios pedagógicos das EMEIs participantes desta pesquisa, pela colaboração e ajuda dispendida. Às professoras autoras dos relatórios e às crianças ex-alunas das EMEIs, peças fundamentais deste trabalho. Aos meus professores e colegas do mestrado, pelas experiências gratificantes compartilhadas nesses dois anos. Às minhas colegas de trabalho, especialmente à equipe do Instituto Avisa Lá, pelos anos de parceria e pelas aprendizagens que me proporcionam. Aos meus amigos, pelas conversas que me iluminaram ao longo desses anos e pelos momentos que estivemos juntos, que me deram a alegria e o fôlego necessários para eu seguir em frente. À minha família, pelo amor e presença que tornam sempre tudo possível. Ao Guilherme, por estar ao meu lado, me apoiando amorosamente e me acolhendo nos momentos de instabilidade, e pela ajuda na elaboração do abstract.

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RESUMO

Nome: Ana Lúcia Antunes Bresciane Título: Avaliação na Educação Infantil: o que nos revelam os relatórios de um município paulista

A avaliação é tema situado no centro dos debates da área, desde que a Educação Infantil (EI) se consolidou como primeira etapa da educação básica. Posto que as crianças estão inseridas em instituições educacionais, torna-se imprescindível que se dedique atenção aos estudos sobre a avaliação na EI, na direção de se construir um referencial que oriente a construção de modelos e práticas adequados ao segmento. O problema desta pesquisa se fundou em torno da seguinte questão: Como professores avaliam os progressos das crianças na EI? O objetivo do estudo foi investigar o que os relatórios de acompanhamento e avaliação dos alunos revelam sobre as concepções e práticas de avaliação na EI em uma rede municipal paulista. Para a produção dos dados foram coletados 56 relatórios semestrais, relativos ao acompanhamento e avaliação de 20 alunos, egressos de 5 EMEIs do município, que cursaram a pré-escola nos anos de 2013 e 2014. Alguns resultados foram provenientes de análise quantitativa, mas foi realizada também a análise qualitativa dos dados. Os resultados apontam que: 1. há uma organização curricular comum a todas as escolas, baseada nos Referenciais Nacionais para a Educação Infantil, a partir da qual é realizada a avaliação; 2. todas as escolas produzem o mesmo tipo de registro, seguindo o que é proposto no regimento do município e seguindo um mesmo modelo; 3. o contexto educativo e as aprendizagens das crianças não são relacionados na avaliação; 4. a avaliação foca preferencialmente os conteúdos dos eixos de Matemática, Linguagem Oral e Escrita e Formação Pessoal e Social; 5. o foco da avaliação são os resultados relativos aos conteúdos mencionados, e não o processo de aprendizagem e desenvolvimento; 6. as famílias participam pouco, só ao final do processo de avaliação, e as crianças não participam. Tais resultados são indicativos de que a proposta curricular, juntamente com os processos de avaliação precisam se revisados e transformados em alguns aspectos para que se coadunem com os princípios e orientações das DCNEI e com o que vem sendo recomendado pela literatura mais atualizada. Aponta-se para a formação continuada como meio para se realizarem tais tarefas e contribuir com a concretização de uma EI de boa qualidade no município estudado, bem como naqueles que demandem as mesmas intervenções.

Palavras-chave: avaliação, relatórios, educação infantil, pré-escola

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ABSTRACT!

Name: Ana Lúcia Antunes Bresciane Title:! Assessment! in! Early! Childhood!Education! (EI):!what! the! reports! in! a! city! from! São!Paulo!State!reveal!!Assessment has been a centered subject of debates in the area since EI was established as the first stage of basic education. Children are placed in educational institutions therefore it is essential to pay devoted attention to the studies on EI assessment towards the creation of a guideline that aims the structure of appropriated models and practices to the segment. The problem of this research consisted in the following question: How do teachers assess children's progress in early childhood education? The study’s goal was to investigate what the monitoring reports reveal about the EI assessment conceptions and practices in a public school chain from a city of São Paulo State. For the data production, 56 biannual monitoring and evaluation reports of 20 students that attended preschool in 5 EMEIs between 2013 and 2014 were collected. Some results were brought by quantitative analysis, but qualitative analysis was also used to explain the data. The results show that: 1. there is a common curriculum organization to all schools, based on the National Curricular Framework for Early Childhood Education, from which the assessment is carried out; 2. all schools produce the same type of record, following what is proposed in the county regiment and following the same template; 3. the educational context and children's learning are not listed in the assessment; 4. evaluation preferably focuses on the contents of the axes of Mathematics, Oral and Written Language, Personal and Social Education; 5. the assessment focus are the results of the mentioned content, not the process of learning and development; 6. families participate little, just by the end of the evaluation process, and the children do not participate. These results indicate that the curriculum purpose, along with the evaluation procedures, need to be reviewed and changed in some aspects for them to meet in consonance with the DCNEI principles and guidelines and with what has been recommended by the most current literature. Points to the continuing education as a means to carry out such tasks and contribute to the realization of a good quality EI in the studied city, as well as those that require the same interventions. Keywords: evaluation, reporting , early childhood education, preschool

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SUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO

1. A Educação Infantil no Brasil: um breve histórico...............................................................13

2. O conceito de qualidade e a Educação Infantil: entre os princípios e a realidade................17

3. A problemática da avaliação na EI: desafios e tensões na atualidade brasileira................... 22

4. O problema da pesquisa........................................................................................................ 28

II. REFERENCIAIS PARA REFLETIR SOBRE AVALIAÇÃO

1. O conceito e as práticas de avaliação: diferentes perspectivas.............................................29

1.1. Diferentes referentes de avaliação: a norma, o critério e o progresso...............................32

2. Pressupostos para se proceder a avaliação na EI..................................................................34

2.2. Princípios da avaliação formativa: bases para se avaliar na EI.........................................37

2.3. Instrumentos de Avaliação: memória, reflexão e construção de sentidos.........................41

III. A REALIZAÇÃO DA PESQUISA

1. A coleta das informações.....................................................................................................45

2. Os RAAA como fonte de informação..................................................................................47

2.1. Sobre o Contexto Pedagógico...........................................................................................49

2.2. Sobre o acompanhamento do processo e aprendizagens das crianças..............................56

2.3. Sobre a participação das famílias e das crianças na construção do documento................66

IV. DISCUSSÃO

1. O que revelam os RAAA?....................................................................................................70

1.1. Função e propósitos dos RAAA........................................................................................70

1.2. O currículo desenvolvido e as práticas de avaliação nas EMEIs do município................74

1.3. A participação das famílias e das crianças na avaliação...................................................86

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................89

Referências bibliográficas........................................................................................................92

Apêndices.................................................................................................................................97

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LISTA DE SIGLAS

DCNEI - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

EI - Educação Infantil

EMEI – Escola Municipal de Educação Infantil

FUNDEB – Fundo Nacional da Educação Básica

GT – Grupo de Trabalho

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

PNE - Plano Nacional de Educação

RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Relatórios entregues por escola, por semestre

Tabela 2 - Temas trabalhados nas atividades realizadas nas Escolas, por nível e semestre

Tabela 3 - Ilustração de registro sobre Acompanhamento Semestral da Criança, por eixo, ano e professora

Tabela 4 - Ilustração do registro sobre avaliação das crianças por conteúdos, para o eixo Linguagem Oral e Escrita

Tabela 5 - Frequência e porcentagem dos conteúdos avaliados, por ano/semestre, para o eixo Linguagem Oral e Escrita

Tabela 6 - Frequência e porcentagem dos conteúdos mencionados pelas professoras nos relatórios de cada semestre

Tabela 7 - Comparação entre relatos individuais

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Guardar

Antônio Cícero

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma.

Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por

admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,

isto é, estar por ela ou ser por ela. Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro

Do que um pássaro sem voos. Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,

por isso se declara e declama um poema: Para guardá-lo:

Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda: Guarde o que quer que guarda um poema:

Por isso o lance do poema: Por guardar-se o que se quer guardar.

!!!!!!!!!

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!A Educação Infantil no Brasil: um breve histórico

O crescimento da Educação Infantil (EI) é uma tendência global, determinada por inúmeros

fatores, entre eles as ideias difundidas por diversas áreas de conhecimento, apontando a

importância dos primeiros anos para o desenvolvimento integral da criança, bem como para os

impactos pessoais, sociais e econômicos causados por ela. Considerada de uma perspectiva social

e histórica, podemos dizer que a EI é recente. No Brasil, é uma área que ainda está em

construção e suas práticas, em processo de consolidação.

Até os anos 1970, o consensual na sociedade brasileira era que a educação e o cuidado da criança pequena constituíam preocupações da vida privada das famílias, especialmente das mães. Poucos e esparsos eram os sinais de que educar e cuidar de crianças pequenas era uma tarefa de toda a sociedade. “Quem pariu Mateus que o embale”, era o ditado da época. Transformações demográficas, econômicas e culturais impulsionaram esta que é a mais recente revolução da família e do sistema educacional brasileiros. (ROSEMBERG, 2007, p.01).

Embora sempre em curva ascendente, a expansão da educação para os pequenos foi lenta, sendo

significativa realmente a partir anos 1970. Seguindo modelo adotado por Cochran (1993), para a

análise de políticas em EI, Rosemberg aponta que:

A urbanização intensa, a participação crescente das mulheres no mercado de trabalho, a queda dos índices de mortalidade infantil e de fecundidade anunciavam, já no final da década de setenta, que estavam constituídas as bases sociodemográficas geralmente associadas à expansão da educação infantil (ROSEMBERG, 1999, p.14)

Com vistas atender à crescente demanda e responder às diversas mobilizações sociais por

atendimento às crianças de até 6 anos deste período, foram desencadeadas políticas de cunho

compensatório e emergencial articulando ampliação quantitativa do atendimento e baixo

investimento público. Sendo assim, a expansão do atendimento não esteve associada à oferta de

boa qualidade. Rosemberg (1999, p.9) aponta alguns dos aspectos que indicam precariedade no

atendimento das crianças, como "o expressivo número de crianças retidas no pré-escolar ao invés

de frequentarem o ensino fundamental em que deveriam estar por direito" e "aumento

significativo do número de professoras leigas (sem qualificação profissional compatível)". Mais

de uma década depois, Campos reitera essa situação, afirmando que:

A expansão horizontal e vertical dos sistemas escolares reflete as características de desigualdade da sociedade: não é a mesma educação que chega a todos ou a quase todos e, também, não é sempre que a educação oferecida corresponde às demandas e necessidades dos

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diversos grupos sociais, culturais e étnicos. (2013, p.25)

Entretanto, é importante salientar que, ao ganhar visibilidade na sociedade, a EI ganhou também

espaço nas agendas políticas do país. Isso possibilitou muito avanço sobre o tema no Brasil nas

últimas décadas, em termos de definições e de diretrizes legais, políticas e operacionais.

A Constituição Brasileira de 1988 foi o primeiro documento federal que legislou sobre o assunto,

colocando a educação como direito das crianças de zero a seis anos e como dever do Estado.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei criada em 1990, reforça a ideia da criança

como sujeito de direitos, assegurando suas oportunidades de se desenvolver de forma ampla e

integrada.

Em 1996, com a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB

9.394/96), a EI entrou definitivamente no cenário educacional, quando foi concebida como a

primeira etapa da educação básica. A partir desta LDB, o atendimento às crianças passou a ser

regulamentado, assegurando-se que ele fosse além das perspectivas assistenciais apoiadas nas

necessidades de cuidado físico e saúde, mas que tivesse como "finalidade o desenvolvimento

integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e

social, complementando a ação da família e da comunidade" (BRASIL, 1996, p.12).

Outro aspecto importante da legislação diz respeito às exigências de formação profissional dos

educadores. A LDB admite como formação mínima o magistério em nível médio, indicando a

formação superior específica como preferencial.

Hoje, em função de mudanças na legislação, a EI compreende o atendimento das crianças desde o

seu nascimento até os cinco anos de idade e é obrigatória a partir dos 4 anos. A Lei nº 11274/06

ampliou o tempo de escolaridade do Ensino Fundamental para 9 anos, incluindo nesta etapa as

crianças de 6 anos; e alterações na Constituição Federal - por meio das Emendas nº 53.06 e nº

59/09 - determinam aumento no tempo de escolaridade obrigatória para 14 anos e estabelecem a

faixa-etária obrigatória de 4 a 17 anos.

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Ainda na primeira década dos anos 2000, foi criado o FUNDEB - Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério, a partir do qual a EI passou a

ter financiamento público previsto em lei, como as demais etapas da educação básica.

De 2001 a 2011 esteve em vigor o primeiro Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece

objetivos e metas a serem implantados para toda a extensão escolar. Em 2014 foi aprovado o

novo texto do PNE, que firmou a meta de universalizar, até 2016, o atendimento para as crianças

de 4 e 5 anos, bem como ampliar em 50% o atendimento em creches para as crianças de 0 a 3

anos.

Assim, as creches e pré-escolas vêm conquistando mais espaço nas redes públicas, sendo

incluídas em programas de formação em serviço, supervisão pedagógica, reformulação curricular,

em programas de alimentação escolar e distribuição de materiais pedagógicos, entre outros.

Foram muitos os esforços feitos nas últimas décadas pelas diferentes esferas envolvidas com a

questão da EI, entre elas as governamentais, universidades, institutos de pesquisa, associações e

organizações não governamentais, e representações sindicais no sentido de garantir o direito das

crianças pequenas ao acesso a EI. Mas, apesar de avanços e conquistas, muitos são os desafios

que ainda se colocam para esta área. Desafios e necessidades de natureza distintas, mas que têm

uma finalidade comum: garantir o direito das crianças a uma educação de boa qualidade. Nesta

direção, medidas foram tomadas e uma série de documentos foram publicados desde a LDB de

1996, trazendo referenciais para qualificar o atendimento das crianças.

Entre os materiais mencionados estão os Critérios para um Atendimento em Creches que

Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças (CAMPOS; ROSEMBERG, 1995) que foi

elaborado com apoio do Ministério da Educação e amplamente divulgado no país, trazendo uma

lista de indicativos que colaboram para a autoavaliação das creches.

Em 1998, foi elaborado pelo MEC o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

(RCNEI) que traz referências e orientações gerais para a implementação do currículo nas

unidades educacionais. Sem caráter obrigatório, os referenciais foram bastante divulgados nos

municípios de todo o Brasil.

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Em 2006, foram publicados os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil e os

Parâmetros Básicos de infraestrutura para as Instituições de Educação Infantil, que trazem

referências a todos os sistemas de educação em âmbito nacional. Em 2007, foi lançado pelo

Governo Federal o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), instrumentalizando equipes

estaduais e municipais para a avaliação e implementação de políticas para a educação.

Em 2009, o MEC publicou os "Indicadores da Qualidade na Educação Infantil", com o objetivo

de instrumentalizar equipes e comunidades na realização de avaliações de suas instituições de EI.

Em 1999, o CNE definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI),

trazendo orientações de caráter mandatório para todas as instituições de EI brasileiras. Mais

recentemente, em 2009, foi aprovada nova versão das DCNEIs pelo CNE, trazendo alguns

avanços à edição anterior, inclusive no que se refere à proposta pedagógica e ao currículo das

instituições.

É possível identificar, por meio da leitura de todos esses documentos, que houve avanços

importantes no que se refere às bases institucionais e políticas da EI, bem como à construção de

conhecimentos na área que, por sua vez, sugerem especificidades para este tipo de atendimento,

muito diferente do atendimento das outras etapas do ensino básico. Essa documentação constitui

base da identidade pedagógica da EI e oferece fundamentos importantes para a operacionalização

do atendimento. No entanto, ela ainda é, na maioria das vezes, desconsiderada ou mal traduzida

para a prática, sendo ainda possível observar um contraste muito grande entre os seus conteúdos e

a realidade.

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2. O conceito de qualidade e a Educação Infantil: entre os princípios e a realidade

Os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, assumem que qualidade é 1. um

conceito socialmente construído, sujeito a constantes negociações; 2. depende do contexto; 3.

baseia-se em direitos, necessidades, demandas, conhecimentos e possibilidades; 4. a definição de

critérios de qualidade está constantemente tensionada por essas diferentes perspectivas (Brasil,

2006, v. 1, p.24).

A questão da qualidade na EI se insere de forma muito vivida nos debates atuais da área.

Historicamente essa questão tomou caminhos diferentes na EI e nos demais níveis da educação

básica. Nesses últimos, o debate sobre a qualidade sempre teve intima relação com a discussão

sobre a avaliação do rendimento dos alunos, enquanto que na EI, pelas suas origens sociais e

trajetória, as concepções de qualidade sempre estiveram mais focadas nos direitos das crianças.

A pedagogia sofre influências e é constituída pelas sínteses de ideias provenientes de várias áreas

como a Psicologia, a História, a Filosofia e, mais recentemente, a Sociologia, a Antropologia, as

Neurociências entre outras. Este intercâmbio entre áreas se intensificou nos últimos anos e

alimentou os debates sobre a qualidade na EI, apontando a necessidade de construção de um

modelo pedagógico próprio, que considere e respeite as características e necessidades específicas

da faixa etária atendida.

A literatura disponível, bem como os documentos que normatizam e orientam o atendimento na

EI em nosso país, sugerem especificidades para este tipo de atendimento. Se por um lado, visam a

superação do modelo de atendimento voltado ao cuidado meramente assistencialista

(característico de creches e pré-escolas públicas no Brasil nas décadas de 1970 e 1980), por outro

lado, preveem um atendimento muito diferente das outras etapas do ensino básico, superando

práticas historicamente construídas e consolidadas, como as ideias de seriação, ensino sistemático

de conteúdos por meio de propostas exclusivamente transmissivas, que desvalorizam a ação da

criança, suas iniciativas, conhecimentos, desejos e os vários tipos possíveis de interação que ela

pode estabelecer em seu meio.

Se a criança vem ao mundo e desenvolve-se em interação com a realidade social, cultural e natural, é possível pensar uma proposta educacional que lhe permita conhecer o mundo, a partir do profundo respeito por ela. Ainda não é o momento de sistematizar o mundo para apresentá-lo a criança: trata-se de vivê-lo, de proporcionar experiências ricas e diversificadas. (KUHLMANN JR, 2005, p. 57)

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Os modelos pedagógicos privilegiados nos debates e discursos sobre EI no Brasil têm como foco

a criança e suas especificidades, enfatizando o desenvolvimento social e pessoal por meio das

interações que ela estabelece. É consensual, em textos sobre o tema, a ideia de criança como

sujeito competente, ativo e agente de seu desenvolvimento.

A atividade da criança não se limita à passiva incorporação de elementos da cultura, mas ela afirma sua singularidade atribuindo sentidos à sua experiência através de diferentes linguagens, como meio para seu desenvolvimento em diversos aspectos (afetivos, cognitivos, motores e sociais). Assim a criança busca compreender o mundo e a si mesma, testando de alguma forma as significações que constrói, modificando-as continuamente em cada interação, seja com outro ser humano, seja com objetos. Em outras palavras, a criança desde pequena não só se apropria de uma cultura, mas o faz de um modo próprio, construindo cultura por sua vez. (Oliveira, 2010, p. 5)

Igualmente difundidas no meio especializado são as ideias de que o educador tem o papel de

organizador do ambiente no sentido de favorecer interações e é um importante mediador das

aprendizagens das crianças, embora não seja o único. Outro aspecto muito valorizado é a noção

de que o estabelecimento de parceria entre a escola e as famílias é fundamental para garantir a

qualidade do atendimento das crianças.

Podemos afirmar que são essas ideias e concepções que constituem alguns dos princípios básicos

da EI brasileira na atualidade. E os modelos ancorados nestes princípios, geralmente se

apresentam em contraposição aos modelos que valorizam a transmissão de conhecimentos e a

aquisição de habilidades que serão úteis no Ensino Fundamental, e que, segundo Bennett (2006)

reforçam a "escolificação"1 da EI (apud HADDAD, p.426). Neste modelo,

Pouca atenção é dada às dinâmicas horizontais que encorajam as trocas entre pares e as descobertas e produção de significados próprios das crianças. As estratégias naturais de aprendizagem da criança pequena – brincadeira, exploração das áreas externas e liberdade de movimento, relações e discussões com outras crianças em sala – nem sempre são encorajadas (OECD, 2006, p. 62, apud HADDAD, p.427)

Moss (2011) complementa que:

Seja qual for a definição adotada, a preparação ou prontidão para a escola presume que a escola tenha padrões fixos que as crianças devem alcançar antes de nela entrar; a tarefa dos serviços de educação infantil é “entregar” crianças que preencham os requisitos desses padrões (p.149).

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Essa relação é a que mais se aproxima da ideia de “escolarização”, tornando os serviços de educação infantil cada vez mais colonizados pelo ensino obrigatório, e fazendo com que recorram a ele para servir a suas necessidades e interesses. (p.149)

No Brasil, essa "colonização" apontada por Moss é uma das características da escola de EI,

apontando para uma incoerência entre propostas e práticas, um indicador das dificuldades

enfrentadas na área.

Campos (2012) argumenta que "as práticas adotadas na maioria das creches e pré-escolas

conferem muito pouco espaço ao protagonismo infantil; na realidade, parecem reproduzir as

velhas estruturas de uma pedagogia arcaica" (p.15). A autora defende que é importante

compreender os motivos que determinam tal realidade, e para ela, as condições que caracterizam

o atendimento neste segmento contribuem para as dificuldades encontradas, como professores

com formação deficiente; condições de trabalho precárias; improvisação por parte da gestão das

redes municipais; extrema segmentação do sistema; prédios, equipamentos e materiais

insuficientes, inadequados ou mal aproveitados.

Ao se observar as práticas, o que se encontra na realidade das unidades educacionais,

principalmente nos anos correspondentes à pré-escola, está muito mais próximo de um modelo

transmissivo e mais "tradicional", no sentido de que quase nada foi incorporado das novas

propostas pedagógicas decorrentes da influência do avanço científico nas diferentes áreas que

conversam com a pedagogia.

No entanto, Campos (2012) destaca uma questão como sendo especialmente importante, que é a

ausência de propostas curriculares claras, aceitas e conhecidas de todos os que atuam nas

instituições. Concordamos com a autora que:

O que se observa – e isso não é somente no Brasil – é que onde a pedagogia, enquanto reflexão crítica e atualizada sobre a prática educativa encontra-se ausente, ou mal entendida, a pedagogia tradicional, justamente aquela que só enxerga o aluno e raramente a criança na figura do educando, é que ocupa seu lugar de sempre. (p.15)

....

O desejo de fomentar a autonomia das equipes pedagógicas nas unidades levou a situações onde profissionais, sem a formação e as referências necessárias, são levados a reinventar uma pedagogia a partir do zero, o que acaba, na prática, favorecendo a reprodução daquela mesma pedagogia que se desejava superar.

A pedagogia da infância em construção, por ser ainda tão incipiente e frágil em nosso meio, deveria ser um objeto de trabalho prioritário entre nós, não somente na forma de declaração de princípios, mas traduzida em modos de fazer inteligíveis, que possam ser

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apropriados pelos educadores reais – e não apenas por alguns profissionais excepcionais – e adotados nas instituições que temos. (p.19)

Essa situação se mostra ainda mais preocupante diante de constatações feitas ao redor do mundo -

inclusive no Brasil - de que a qualidade das experiências educativas das crianças na EI gera

impactos sobre a sua escolaridade futura, fato, entre outros, que nos leva a considerar o caráter

potencialmente inclusivo ou favorecedor de exclusão social que este segmento pode ter.

Conforme Kagan (2011),

Essa ausência de qualidade seria problemática em virtualmente qualquer circunstância. Mas a prolongada oferta de serviços de baixa qualidade é ainda mais grave quando se considera a quantidade de dados que inequivocamente vinculam a qualidade das primeiras experiências da criança a seu desenvolvimento a longo prazo. ( p. 59 )

A literatura aponta que uma EI de boa qualidade traz benefícios para o desenvolvimento social,

cognitivo, afetivo, podendo minimizar significativamente as distâncias entre crianças mais e

menos favorecidas socialmente no que diz respeito ao seu desempenho escolar posterior

(Campos, Bhering, Esposito, Gimenes, Abuchaim, Valle, & Unbehaum, 2011; Campos,

2011/2013; Moss, 2011; Melhuish, 2013; Kagan, 2011).

O relatório sobre o PISA2 de 2009 confirma que,

A ampliação do acesso á educação infantil pode melhorar tanto a performance de todos, como a equidade pela redução das disparidades socioeconômicas entre os alunos, se a extensão da cobertura não comprometer a qualidade (OCDE, 2009 apud. Melhuish, 2013)

No Brasil, houve ampliação significativa da oferta nas últimas décadas, mas, infelizmente, como

já foi reiterado, o atendimento nas instituições educacionais para esta etapa não é coerente com

as necessidades e direitos das crianças e de suas famílias, como confirma importante pesquisa

sobre a Qualidade da Educação Infantil no Brasil3 realizada pela Fundação Carlos Chagas (2010).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!2 Programa Internacional de Avaliação de Estudantes: avaliação realizada a cada três anos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em jovens de 15 anos de vários países participantes, entre eles o Brasil. A pesquisa mede o desempenho dos estudantes em três áreas do conhecimento - leitura, matemática e ciências. Para maiores informações: http://www.oecd.org/pisa/. Acesso em: 27 de janeiro de 2015 3!Educação infantil no Brasil: avaliação qualitativa e quantitativa. Relatório Final. Disponível em: pdf/relatorio_final.pdf>. Acesso em: 27 de janeiro de 2015.!

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Este trabalho indica que muitos dos aspectos importantes no atendimento das crianças pequenas

vêm sendo negligenciados em grande parte das instituições de EI. Entre os principais problemas

encontrados estão a formação de pessoal, o currículo e as práticas pedagógicas, as condições de

infraestrutura e as relações com as famílias.

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3. A problemática da avaliação na EI: desafios e tensões na atualidade brasileira

Os conceitos de qualidade e avaliação nem sempre andaram juntos ao longo da história da EI,

como estiveram atrelados na história dos outros segmentos da educação. No entanto, sendo uma

realidade social em cada vez maior expansão, a EI pressupõe políticas que consomem grandes

recursos públicos, e por isso há grande pressão para que seja submetida à apreciação e controle

sociais. É da expansão do atendimento que surge a preocupação com a qualidade e,

consequentemente com o tema da avaliação.

A questão da qualidade da educação é tema situado ao centro dos debates das últimas décadas em

todo o mundo. Desde os anos 1990, com as reformas educacionais realizadas nos países da

América Latina, foram implementados em vários países sistemas de avaliação em grande escala,

por meio dos quais as escolas são avaliadas pelos resultados apresentados por seus alunos em

testes de conhecimento (CASASSUS, 2002 apud. CAMPOS, 2013).

Tendo esse cenário em vista, a EI, que até então permanecera fora deste debate, por meio de seus

diversos âmbitos de representação, passou também a se preocupar com as políticas de avaliação

em discussão no país. Ocorre que ainda não existem no Brasil instrumentos legais para avaliação

e monitoramento da EI. Não que o tema da avaliação já não estivesse incluído nos assuntos da

área, mas, de acordo com Rosemberg (2013), "Desde há muito, na educação infantil, avalia-se e

trata-se da avaliação, mas não de modo recortado, denominado e enquadrado como um problema

social, demarcando campo de conhecimento e ação política e, consequentemente, território em

disputa" (p. 48)

Na verdade, desde a década de 1990, tem-se no Brasil um acúmulo de debates, pesquisas e

proposições acerca da relação entre educação infantil- qualidade- avaliação. Entretanto, essa

questão foi impulsionada nos últimos anos por alguns fatores, entre eles uma polêmica utilização

do teste psicológico Ages and Stages Questionnnaires - Third Edition (ASQ-3) 4 como

instrumento de avaliação em larga escala das instituições de EI, pela Secretaria Municipal do Rio

de Janeiro, em 2011, tomando como critério de avaliação das unidades o desempenho das

crianças nos testes aplicados. Outro fator que influenciou esse debate foi a inclusão da EI nas

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!4!Para!maiores!informações!sobre!o!teste!ver:!http://agesandstages.com/!(acesso!em!:28!de!janeiro!de!2015)!

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formulações sobre a Política Nacional de Avaliação da Educação Básica e a elaboração do novo

Plano Nacional de Educação (Projeto de Lei n° 8035/10), que aponta estratégia sobre avaliação

na meta que trata da EI:

Meta 1- Universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches de forma a atender, no mínimo, cinquenta por cento das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE

Estratégia 1.6) implantar, até o segundo ano da vigência deste PNE, avaliação da educação infantil, a ser realizada a cada dois anos, com base em parâmetros nacionais de qualidade, a fim de aferir a infraestrutura física, o quadro de pessoal, as condições de gestão, os recursos pedagógicos, a situação de acessibilidade, entre outros indicadores relevantes.

Deste debate afloram concepções e posicionamentos divergentes, tendo de um lado extremo

aqueles que são contra qualquer tipo de avaliação externa e, no outro extremo, os que advogam o

emprego de procedimentos inspirados no modelo de avaliação em larga escala adotado nos

ensino fundamental e médio, bem como testes utilizados em outros contextos e para outros fins,

e que tomam, como principal indicador de qualidade, o desempenho cognitivo dos alunos ou

aspectos generalizantes do desenvolvimento. Conforme aponta Rosemberg (2013):

De um modo geral, detratores da avaliação na/da educação infantil tendem a concebê-la como se fosse restrita a um modelo teórico considerado positivista ou de primeira geração por Guba e Lincoln (2011), e que privilegiaria o primeiro termo de cada binômio: avaliação de produto (particularmente aquisições escolares de alunos no plano do conhecimento), quantitativa, primando pelo fazer técnico, portanto concebendo-se como neutra (acima do bem e do mal) e objetiva, valorizando, sobretudo, os procedimentos em detrimento da teoria, da ética e da dimensão política. Porém, no debate contemporâneo sobre uma política (ou sistema) de avaliação na/da educação infantil, não só detratores da avaliação tendem a acirrar tal bipolaridade vetusta, como também defensores da avaliação, por vezes, sustentam procedimentos inspirados no modelo hegemônico adotado no Brasil nos ensino fundamental e médio – “avaliações em larga escala, que tomam como principal indicador de qualidade o desempenho cognitivo dos alunos, medido por meio de provas” (BRASIL, 2012, p. 6) – que integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – Saeb. (p.51)

Na tentativa de ultrapassar esses impasses, a Secretaria de Educação Básica – SEB – do MEC

promoveu a criação do Grupo de Trabalho (GT) de Avaliação da Educação Infantil, instituído

pela Portaria Ministerial nº 1.147/2011, que elaborou um documento para orientar a política de

avaliação na/da EI (BRASIL, 2012). Neste documento entende-se a avaliação da EI enquanto

processo formativo que deve se voltar para as instituições, os programas e as políticas, e não para

os níveis de desenvolvimento ou desempenho das crianças.

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Nele, há uma explicitação do que atualmente vem se definindo como avaliação na EI e avaliação

da EI. Segundo consta no documento, a avaliação na EI refere-se às aprendizagens e ao

desenvolvimento das crianças, bem como às situações pedagógicas específicas que possibilitam

tais aprendizagens e desenvolvimento.

A avaliação na educação infantil se refere àquela feita internamente no processo educativo, focada nas crianças enquanto sujeitos e coautoras de seu desenvolvimento. Seu âmbito é o microambiente, o acontecer pedagógico e o efeito que gera sobre as crianças. Ela é feita pela professora, pelas pessoas que interagem com ela no cotidiano e pelas próprias crianças. (BRASIL, 2012)

A avaliação da EI, por sua vez, diz respeito ao trabalho de verificar e atestar a qualidade do

atendimento das crianças seja no âmbito das unidades escolares, seja no âmbito das redes de

atendimento - dos programas federais e municipais e dos sistemas de ensino. Isso tudo deve ser

feito com base em indicadores pré-determinados e instrumentos consolidados legalmente.

A avaliação da educação infantil toma esse fenômeno sociocultural (“a educação nos primeiros cinco anos de vida em estabelecimentos próprios, com intencionalidade educacional, formalizada num projeto político-pedagógico ou numa proposta pedagógica”), visando a responder se e quanto ele atende à sua finalidade, a seus objetivos e às diretrizes que definem sua identidade. Essa questão implica perguntar-se sobre quem o realiza, o espaço em que ele se realiza e suas relações com o meio sociocultural. Enquanto a primeira avaliação aceita uma dada educação e procura saber seus efeitos sobre as crianças, a segunda interroga a oferta que é feita às crianças, confrontando-a com parâmetros e indicadores de qualidade. Essa é feita por um conjunto de profissionais do sistema de ensino (gestores, diretores, orientadores pedagógicos e outros especialistas, professores), pelos pais, dirigentes de organizações da comunidade etc. (BRASIL, 2012)

Mais recentemente, foi aprovada a Lei nº12.796, de 4 de abril de 2013, que modificou a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. A

nova redação dada ao artigo 31 da LDB apresenta novas regras para a organização da EI, sendo

nela incluídos tópicos sobre avaliação que fomentam o debate entre os especialistas e a

comunidade envolvida; a saber:

Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

I - avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

II - carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

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III - atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

IV - controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar, exigida a frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de horas; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

V - expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

O primeiro ponto do Artigo 31 Lei nº 12.796, de 2013, versa sobre a avaliação na EI, uma vez

que aponta para dois aspectos: a instituição e seu trabalho pedagógico planejado e desenvolvido,

as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças.

I - avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental;

O texto define, na mesma direção que propõe as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EI, que:

Art. 10 As instituições de educação infantil devem criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo:

I- a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano;

II- utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios, fotografias, desenhos, álbuns etc.);

III- a continuidade dos processos de aprendizagens por meio da criação de estratégias adequadas aos diferentes momentos de transição vividos pela criança (transição casa/instituição de educação infantil, transições no interior da instituição, transição creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental);

IV- documentação específica que permita às famílias conhecer o trabalho da instituição junto às crianças e os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança na educação infantil;

V- a não retenção das crianças na educação infantil.

Em consonância com as DCNEI, há que se realizar observações sistemáticas e múltiplos registros

que captem como se dá a dinâmica e a continuidade dos processos de ensino e de aprendizagem,

a fim de conhecer, avaliar e aprimorar o currículo planejado e realizado, bem como as

aprendizagens e o desenvolvimento das crianças conquistadas a partir dele. Outro aspecto

destacado nas DCNEI diz respeito à continuidade dos processos, possível por meio da utilização

destes mesmos registros, que podem ser empregados como forma de comunicar o trabalho

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realizado para toda a comunidade escolar e às famílias, como também aos professores que

receberão as crianças nos primeiros anos do ensino fundamental e darão continuidade aos

processos previamente iniciados.

É importante frisar que, segundo as DCNEI ou segundo a nova redação da LDB, fica claro que na

EI não existem objetivos de retenção, classificação e/ou promoção, ou seja, não é permitido que

se avalie o mérito ou desempenho das crianças, mas sim as interfaces das experiências oferecidas

pela e na unidade escolar, as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças. Nessa perspectiva,

a documentação sobre elas deve servir ao acompanhamento de sua trajetória na EI, bem como

comunicar às famílias os processos vividos por seus filhos e, ainda, aos docentes do Ensino

Fundamental, a fim de garantir a continuidade dos processos educativos.

Já o quinto tópico do Artigo 31 da Lei nº 12.796, de 2013, dispõe sobre um ponto que pode fazer

emergir algumas dúvidas e/ou controvérsias:

V - expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança (ênfase da autora)

Não é esclarecido a quem devem ser expedidos tais documentos, se devem ser tornados públicos

e de que forma, nem qual o destino e propósito de tal documentação sobre o desenvolvimento e

as aprendizagens das crianças. Outro aspecto que não fica claro é o significado de documentação

neste contexto, se dizem respeito aos mesmos registros mencionados no primeiro tópico ou se

devem seguir algum outro formato. Por fim, o que exatamente tais documentos devem permitir

atestar sobre o desenvolvimento das crianças? Atestar se as crianças participaram de processos

educativos intencionais em nível institucional e que progressos tiveram a partir de suas

experiências, ou atestar se alcançaram resultados esperados, atendendo ou não a alguma

expectativa padrão?

É importante salientar que a forma como o artigo foi escrito pode gerar múltiplas e conflitantes

interpretações, inclusive levar a práticas de avaliação na/da EI incoerentes com o que já foi

legislado até então.

De acordo com Rosemberg:

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Se a agenda da política de avaliação na/da educação infantil pode se aproximar da agenda de política de avaliação da educação básica, não pode, entretanto, ser idêntica a ela. Neste campo de ação política, de práticas sociais e de conhecimentos lidamos, então, com várias particularidades que geram questões que podem ou não ser incluídas na política de avaliação da educação básica como um todo. Ou, dito de outro modo, ao integrar a educação infantil, a política (ou sistema) de avaliação da educação básica deve adequar-se a especificidades dessa etapa da educação, bem como das crianças às quais se destina. (ROSEMBERG, 2013)

Como se vê, o aprofundamento da questão da avaliação na/da EI ainda requer a continuidade do

debate, articulados à reflexão sobre conflitos que se perpetuam, quais sejam: o currículo e os

objetivos para o segmento e com eles a noção de qualidade do trabalho na EI, os procedimentos e

instrumentos utilizados pelos professores para avaliar sua prática pedagógica e seus

desdobramentos nas aprendizagens e desenvolvimento das crianças.

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4. O problema da pesquisa

A avaliação é tema situado no centro dos debates da área, desde que a EI se consolidou como

primeira etapa da educação básica, como constatado neste trabalho até então. Estando as crianças

inseridas em contextos institucionais e educativos, torna-se imprescindível que se dedique

atenção aos estudos sobre a avaliação na e da EI, no sentido de se construir um referencial para

orientar a construção de modelos e práticas adequados ao segmento.

Considerando esses aspectos, supõe-se que conhecer como as professoras vem realizando a

avaliação das crianças pode ser um bom ponto de partida para iluminar a questão, contribuindo

para um melhor posicionamento frente a ela, bem como para se estabelecerem relações

importantes entre os desafios, propostas e conceitos hoje postos para a avaliação na EI. Assim

sendo, o problema desta pesquisa se constituiu na seguinte questão: Como professores avaliam os

progressos das crianças na educação infantil?

O objetivo do trabalho foi investigar o que os relatórios de acompanhamento e avaliação dos

alunos (RAAA) revelam sobre as concepções e práticas de avaliação na EI em uma rede

municipal paulista.

Considerando este objetivo, a pesquisa tomou como base os seguintes questionamentos: Que

função desempenham os RAAAs? Quais são os seus propósitos? O que eles revelam sobre o

currículo desenvolvido e as práticas de avaliação nas EMEIs do município? A avaliação realizada

está em consonância com o que é propugnado pela legislação e recomendado pela literatura mais

atualizada?

Discutir estas questões a partir da análise destes documentos foi a proposta desta pesquisa.

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II. REFERENCIAL TEÓRICO

1. O conceito e as práticas de avaliação: diferentes perspectivas

Não podemos, como é óbvio, esperar pela chegada mais ou menos triunfal da teoria para avaliar melhor. A teoria constrói-se através de nossas interações com as realidades educacionais, da construção e reconstrução de pesquisas empíricas que vamos empreendendo, das análises que formos sendo capazes de realizar e das integrações e relações conceituais que descobrirmos e interpretarmos. (FERNANDES, 2009, p. 65)

Diferentes perspectivas de avaliação vem sendo assumidas ao longo dos anos, influenciando e

sendo influenciadas pelos diversos contextos educacionais com os quais dialogam. Guba e

Lincoln (1989) identificam quatro gerações de avaliação, que trazem marcos distintos em relação

à concepção, ao desenvolvimento e às práticas de avaliação. Os autores consideram que o

conceito foi se tornando mais complexo e mais sofisticado no decorrer do tempo, bem como suas

práticas. (apud Fernandes, 2009, p. 44).

A primeira geração é nomeada pelos autores de geração da medida, cuja origem está nos

primórdios do século XX, e foi muito inspirada pelos testes de inteligência desenvolvidos por

Binet e Simon5. Nesta época, o método científico era uma referência para obter-se a necessária

credibilidade no meio acadêmico e influenciou sobremaneira o mundo da educação, que passou a

privilegiar os testes como forma de quantificar aprendizagens, aptidões e inteligência dos alunos,

seguindo o modelo científico. Acatava-se a ideia de que ao utilizar os testes, medindo as

aprendizagens com rigor e precisão era possível, por exemplo, verificar a qualidade dos sistemas

educacionais por meio de seus "produtos". As concepções e características dos modelos de

avaliação oriundas desta geração exercem ainda grande influência nos sistemas educacionais

atuais, sempre que o propósito da avaliação consistir em classificar, selecionar e certificar.

Deriva-se dessas ideias que:

• classificar, selecionar e certificar são as funções privilegiadas da avaliação escolar;

• os conhecimentos são objeto central da avaliação;

• os alunos não participam do processo de avaliação;

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!5!Alfred Binet e Théodore Simon, psicólogos franceses, conhecidos por sua contribuição no campo da psicometria, criaram em 1905 o primeiro teste de inteligência, base dos atuais testes de QI. !

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• a avaliação é descontextualizada, ou seja, não está inserida diretamente no processo de

ensino-aprendizagem;

• mediante a quantificação de resultados; busca-se uma maior objetividade,

• a neutralidade do avaliador deve ser perseguida;

• a avaliação é referida a uma norma ou a um padrão previamente determinados,

devendo ser aplicado igualmente a todos os alunos;

• os resultados de cada aluno são comparados entre si ou com outros grupos de alunos.

(Fernandes, 2009, p.46)

Entre as décadas de 1930 e 1950, surge a chamada geração da descrição, que procurou superar

algumas limitações da geração anterior, mais especificamente o fato de se considerar o

conhecimento dos alunos como o único objeto de avaliação. Em relação à anterior, essa geração

trouxe avanços inegáveis, pois funda a ideia de que para avaliar é preciso ir além da medida,

descrevendo até que ponto os alunos haviam atingido os objetivos de aprendizagem. Ralph Tyler,

pesquisador e avaliador norte-americano influenciou bastante a sua geração, referindo-se à

necessidade de que fossem formulados objetivos comportamentais observáveis, para que, em

função de seu alcance pelos alunos, fosse organizado o ensino, e, pudesse se definir mais

acertadamente o alvo da avaliação. O processo de avaliação, cujo critério era o cumprimento ou

não dos objetivos, foi chamada por Tyler de Avaliação Educacional. Nesta perspectiva, que

também tem forte influência nas concepções e práticas atuais, já se anuncia uma função

reguladora da avaliação.

A terceira geração, situada entre as décadas de 1950 e 1970, é denominada geração da

formulação de juízos de valor. Ela amplia muito os horizontes da avaliação do ponto de vista

teórico. Nessa época, mais precisamente em 1967, Michael Scriven faz a primeira distinção entre

os conceitos de avaliação somativa e avaliação formativa, associando a primeira à classificação,

seleção e certificação e, a segunda, à melhoria das aprendizagens e à regulação dos processos de

ensino e aprendizagem (Nevo, 1986; Scriven, 1967, apud Fernandes, 2009, p. 49). Atualmente,

vários autores têm contribuído para o desenvolvimento de formas alternativas de avaliação. Surge

assim, a quarta geração, que procura superar as gerações anteriores, encarando a avaliação como

um processo de negociação e construção, ou seja, suas características, seus parâmetros e

enquadramentos devem ser definidos a partir de "processo negociado e interativo com aqueles

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que estão envolvidos na avaliação" (Fernandes, 2009, p. 55). Segundo este mesmo autor (2009),

grande parte da avaliação de quarta geração está apoiada nos seguintes princípios, ideias e

concepções:

• a avaliação formativa deve ser a modalidade privilegiada da avaliação, pois sua

principal função é melhorar e regular as aprendizagens escolares;

• a avaliação deve estar integrada ao processo de ensino e aprendizagem;

• a avaliação é uma construção social que leva em conta os contextos, a negociação, o

envolvimento dos participantes, a construção social do conhecimento e os processos

cognitivos, sociais e culturais da sala de aula;

• a avaliação em sala de aula deve, em especial, ajudar as pessoas a desenvolverem suas

aprendizagens, deixando em segundo plano, a função de julgar ou classificar os alunos

em uma escala;

• a avaliação em sala de aula deve privilegiar o emprego de métodos

predominantemente qualitativos, muito embora se reconheça, também o valor dos de

natureza quantitativa;

• os professores devem partilhar o poder de avaliar com os alunos e outros atores

envolvidos (familiares, por exemplo) e, também, utilizar uma variedade de estratégias,

técnicas e instrumentos de avaliação;

• o feedback6 em suas mais variadas formas, frequências e distribuições, é um processo

indispensável para que a avaliação se integre plenamente ao processo de ensino-

aprendizagem. (Fernandes, pp.55-56)

Este panorama pode trazer uma imagem geral de como foi se dando o desenvolvimento

epistemológico e prático da avaliação, ao adotar uma perspectiva histórica. Essa forma de

apresentar a avaliação, que considera suas transformações no decorrer do tempo, alcança o

presente e aponta algumas das tendências atuais na forma de concebê-la e organizá-la. Em

especial, ela oferece uma ideia da complexidade do tema, mostrando como o debate em torno do

ato de avaliar evoluiu até os dias de hoje. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!6!Feedback:)A!ideia!central!desta!estratégia!é!a!realização!de!informações!retroativas,!ou!seja,!o!professor!faz!comentários!e!dá!informações!sobre!o!processo!de!aprendizagem!para!o!aluno,!com!vistas!à!sua!autoVregulação.!

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1.1. Diferentes referentes de avaliação: a norma, o critério e o progresso

"Avaliar é o ato de investigar a qualidade da realidade, o que subsidia, se necessário, a decisão de

uma intervenção, tendo em vista um resultado mais satisfatório da nossa ação" (Luckesi, 2014

p.193), ou seja, avaliar implica se fazer uma apreciação, atribuir valor a algo. A clareza em

relação a esses valores é um importante ponto de partida para se proceder a qualquer tipo de

avaliação. Toda a avaliação, desta maneira, requer um referencial por meio do qual seja possível

estabelecer parâmetros em relação à qualidade. Em relação à avaliação das aprendizagens, há três

referentes principais: a norma, o critério e o progresso do aluno.

A avaliação referida pela norma, toma como parâmetro um critério externo em relação ao

indivíduo que aprende e às condições de aprendizagem. Nela os alunos são comparados uns com

os outros e classificados "dentro" ou "fora" de um padrão de normalidade, que é estabelecido à

priori. Perrenoud (1999) fala em normas de excelência, estabelecidas a partir do programa de

ensino.

Cada hierarquia de excelência apresenta-se, então, como uma classificação, conforme o grau de domínio alcançado por cada aluno no interior de um campo disciplinar (ou de um campo mais restrito). Esse grau de domínio é tomado em certos momentos do curso e expresso de acordo com certas escalas numéricas ou certo códigos padronizados, em geral, comuns ao conjunto das disciplinas (p. 29)

Na EI, esse tipo de avaliação estaria alinhada, por exemplo, à avaliação realizada por meio de

escalas de desenvolvimento, que tomam como referentes padrões de desenvolvimento normal a

fim de aferir o nível alcançado em determinado momento pelas crianças. A utilização desse tipo

de escala permite a classificação das crianças em relação ao padrão normal de desenvolvimento,

bem como a comparação entre elas, a partir dos níveis em que se encontram. Embora esse tipo de

escala possa ajudar a diagnosticar crianças com atrasos significativos, não considera as inúmeras

diferenças individuais decorrentes das experiências diversificadas das crianças, bem como de

seus ritmos e de suas formas de aprender singulares. Também não oferecem subsídios para o

professor estabelecer que condições contribuiriam melhor para as suas aprendizagens, já que esse

padrões são alheios a elas.

Na avaliação do tipo criterial de origem behaviorista, pretende-se não comparar os alunos entre

si, mas em relação aos objetivos de aprendizagem previamente determinados, buscando

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identificar a distância entre o comportamento observado e o almejado e ajustar a prática

educativa no sentido desses objetivos. No entanto, a avaliação referida ao critério também foi

adotada por correntes cognitivistas e interacionistas e estabelecem critérios e indicadores que

avaliam não os resultados da aprendizagem, mas comportamentos que influenciam seu processo

de aprendizagem e também as condições dadas pelo contexto educativo para que tais

aprendizagens ocorram. Neste caso, recorre-se a instrumentos previamente elaborados para fins

avaliativos, os quais podem ser utilizados em diferentes momentos, sendo possível identificar

também se houve evolução no processo de aprendizagem e desenvolvimento e em que direção,

remetendo-nos ao terceiro tipo de referente citado, o progresso.

No terceiro tipo de avaliação, o referente é o progresso do aluno. Fernandes (2008) fala em uma

avaliação ipsativa, "quando as aprendizagens dos alunos são analisadas tendo como referência os

próprios alunos. Dito de outro modo, comparam-se os alunos consigo mesmos, tendo muitas

vezes em conta aspectos tais como o esforço, o interesse e os progressos alcançados" (p.358).

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! 46!

2. Pressupostos para se proceder a avaliação na EI

A avaliação é um recurso necessário em todos os níveis da ação educativa, o que, sem sombra de dúvidas inclui a educação infantil, primeira fase de desenvolvimento do ser humano, ainda que nela não existam os fenômenos tanto da "nota escolar", como da prática de "aprovar/reprovar" o educando. (Luckesi, 2014.p. 193)

As crianças aprendem desde que nascem, em todo e qualquer ambiente e ocasião, mas na escola,

diferentemente do ambiente doméstico, essas aprendizagens estão relacionadas a ações

educativas intencionais, impulsionadas por significados, objetivos e valores sociais. Por isso

mesmo, a avaliação tem importância neste contexto.

Existe uma diversidade de propostas e modelos pedagógicos para a educação da infância, mas é

possível distinguir, de maneira global e simplificada, duas perspectivas que se encontram

polarizadas nos debates e pressupõem formas de avaliar também distintas. A primeira considera a

EI como etapa preparatória para as etapas seguintes, valoriza a transmissão de conhecimentos e a

aquisição de competências e, para isso, se utiliza da instrução direta pelo professor ao aluno. A

segunda parte de uma concepção centrada na criança, e atribui a ela um papel ativo nos processos

de aprendizagem. Nesta perspectiva, considera-se que a principal finalidade da EI é dar resposta

aos interesses, necessidades e formas de ser e de pensar próprios das crianças, sendo que o

educador tem a tarefa de apoiar o seu desenvolvimento por meio da organização de ambientes

que facilitem suas aprendizagens.

Sendo os objetivos das abordagens com ênfase na instrução, a aquisição de capacidades

previamente estabelecidas, a avaliação incide sobre os resultados dessas aprendizagens. Nas

abordagens mais centradas na criança, também são estabelecidos objetivos para a nortear a ação

do educador; a avaliação, no entanto, não está centrada nos resultados, mas na evolução dos

processos de aprendizagem das crianças, bem como no contexto que favorece tais processos.

Atualmente, em decorrência de experiências bem sucedidas ao redor do mundo, bem como de

pesquisas realizadas em diversas áreas que compõem o campo da pedagogia, as abordagens mais

defendidas são aquelas mais centradas na criança. No Brasil, considerando o que preconizam os

documentos oficiais, bem como a maior parte da literatura, algumas concepções e princípios têm

pautado a área de EI e foram incorporados pelas políticas públicas nacionais, podendo ser

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! 47!

revistos em diversas publicações. Coerentes com essas concepções e princípios, delineiam-se

também alguns pressupostos para a avaliação.

Segundo a legislação nacional, a EI é direito de todas as crianças e deve cumprir papel

socializador ao acolher e respeitar as diferenças, oportunizando as interações por meio das

brincadeiras e experiências que contribuam para a constituição da sua identidade, de sentimentos

de pertencimento e da autoestima, enriqueçam seu universo cultural e propiciem aprendizagens

em diferentes linguagens. Cumpre também a função de garantir seus direitos de proteção, saúde,

liberdade e dignidade, favorecendo, assim, o seu desenvolvimento.

As crianças, são compreendidas como sujeitos históricos e cidadãos de direitos, que, nas suas

relações, interações e atividades práticas aprendem sobre o mundo e o transformam, bem como se

desenvolvem. São marcadas pelo seu meio social e cultural, mas, como sujeitos ativos, são

também produtoras de cultura. Por meio das suas interações diversas e brincadeiras constroem

seus conhecimentos que se caracterizam por produções originais e nem sempre coerentes e

compreensíveis aos adultos num primeiro olhar, mas que revelam processos singulares de

significação e ressignificação da realidade. Aos adultos, cabe fazer a mediação de tais processos,

esforçando-se para compreender as formas particulares de cada criança ser e agir no mundo e

estabelecendo com ela uma relação dialógica.

Entende-se que as propostas trabalhadas com as crianças devem respeitar os seus níveis de

desenvolvimento, mas ao mesmo tempo desafiá-las no sentido de colaborar para que as

aprendizagens sejam ampliadas. Dois conceitos merecem destaque, já que se convertem em

princípios do trabalho na EI e têm estreita relação com a avaliação: o de aprendizagem

significativa e o de conhecimentos prévios. A ideia de aprendizagem significativa está

relacionada aos processos de aprendizagem que se dão em situações que as crianças, em

atividade, utilizando os recursos que já possuem relacionados aos diferentes domínios, podem

estabelecer muitas relações entre o que já sabem e os novos elementos que se apresentam,

mobilizando, assim, as suas funções psicológicas de forma intensa. São processos desta natureza

que possibilitarão as transformações na criança no sentido da ampliação, aprimoramento e

diferenciação de seus conhecimentos, ou seja, que favorecerão as novas aprendizagens e,

consequentemente, os avanços em seu desenvolvimento.

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Muitas dessas ideias são influenciadas pela psicologia sócio-histórica de Lev Vygotsky, que, em

seus estudos sobre o desenvolvimento da criança percebeu que havia uma grande diferença em

diagnosticar o seu nível de desenvolvimento real tomando como referência as ações que a

criança pode realizar sozinha (o que ela já aprendeu), e considerar também o que ela pode realizar

em interação no contexto físico e relacional. Para este autor, o nível atual de desenvolvimento

revela algo já consolidado e, embora seja importante para delinear o desenvolvimento futuro da

criança, não é suficiente para isso. Na escola, isso tem um papel importante, pois quando o

professor foca o que a criança pode fazer em colaboração, ele pode antever melhor o seu possível

desenvolvimento de amanhã e delinear melhor as situações didáticas, organizando um ambiente

estimulante, rico em situações desafiantes, mas possíveis para as crianças, quando contam com

interações que dão suporte às suas aprendizagens.

La investigación muestra sin lugar a dudas que lo que se halla en la zona de desarrollo próximo en un estadio determinado que se realiza y pasa en el estadio siguiente al nivel de desarrollo actual. Con otras palabras, lo que el niño es capaz de hacer hoy en colaboración será capaz de hacerlo por sí mismo mañana. Por eso, parece verosímil que la instrucción y el desarrollo en la escuela guarden la misma relación que la zona de desarrollo próximo y el nivel de desarrollo actual. En la edad infantil, sólo es buena la instrucción que va por delante del desarrollo y arrastra a este último. Pero al niño únicamente se le puede enseñar lo que es capaz de aprender. La instrucción es posible donde cabe la imitación. Es decir, la instrucción debe orientarse hacia los ciclos ya superados de desarrollo, a su umbral inferior. No obstante, se basa no tanto en las funciones ya maduras, como en las que están en trance de maduración. Comienza siempre a partir de lo que aún no ha madurado en el niño. Las posibilidades de la instrucción las determina la zona de desarrollo próximo (VIGOTSKI, 1993, p.241).

Nesta perspectiva, ao adulto cabe, então, considerar como ponto de partida para o planejamento

de sua ação o momento atual das crianças, que inclui tanto os conhecimentos que já possuem,

bem como suas possibilidades de ação em colaboração e suas singularidades, a fim de estabelecer

quais as melhores condições para a aprendizagem ocorrer. No entanto, não é possível identificar

esse ponto de partida sem a observação intencional e sistemática. Nas classes, são muitas as

crianças que, embora estejam em uma faixa etária muito parecida, com certeza tiveram

experiências sociais, afetivas e cognitivas bastante diferentes umas das outras e, com estas,

aprendizagens diversas, levando assim a níveis de desenvolvimento e condições de aprendizagem

distintos. Ademais, os saberes e habilidades não são todos sempre perceptíveis, o que demanda

uma observação acurada do professor a partir da criação de várias situações nas quais todas as

formas de expressão, representação e comunicação sejam manifestadas pelas crianças.

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Por meio dessas considerações, não é difícil compreender porque a avaliação formativa ganhou

destaque na etapa da EI. Mais importante que verificar resultados, é esforçar-se para compreender

as possibilidades da criança, investigando o que sabem, o que é significativo para elas

aprenderem e o quanto de desafios podem enfrentar quando em interação com os outros e com os

objetos de conhecimento, estabelecendo assim as condições para que uma experiência seja

significativa para ela. Isso demanda que a avaliação seja processual e contínua, e que a partir dela

sejam constituídos os critérios para o planejamento das futuras propostas.

A avaliação deve ser formativa, ou seja, compreendida enquanto um conjunto de ações que

permitam ao professor observar as condições (de aprendizagem e de contexto) para a

aprendizagem das crianças e refletir sobre elas, de forma a conduzir ajustes sistemáticos na

prática educativa. Mediante suas observações, é possível ao professor definir critérios que o

orientem no planejamento das propostas e em suas intervenções, direcionados ao enriquecimento

das experiências e, por conseguinte, das aprendizagens das crianças. E só uma avaliação bem

feita pode conduzir o educador a juízos bem fundamentados, que de fato o auxiliem no

(re)planejamento de atividades coerentes com as possibilidades e necessidades das crianças.

2.2. Princípios da avaliação formativa: bases para se avaliar na EI

Tendo como foco o processo de ensino-aprendizagem, a avaliação formativa é uma modalidade

também reconhecida como "avaliação para as aprendizagens", em contraste com a ideia de

"avaliação das aprendizagens", cujo foco é o resultado final desse processo. Ela está incorporada

ao ato de ensinar, integrada ao processo de ensino-aprendizagem e, justamente por seu caráter

estritamente pedagógico, ocorre em um processo contínuo e interativo. Na EI utilizam-se,

geralmente, modalidades mais abertas de avaliação, sendo possível nos depararmos com

denominações das mais variadas, entre elas: avaliação formativa alternativa, avaliação

contextualizada, avaliação autêntica, avaliação formadora, avaliação reguladora (Fernandes,

p.56).

Hoffmann (2015), autora brasileira, em seu livro sobre avaliação na EI, já há bastante difundido,

defende a ideia de uma avaliação mediadora, em que o professor deve acompanhar o percurso de

vida das crianças, permanecendo atento a cada uma, às suas formas próprias de ser e de aprender,

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tendo em vista a elaboração de ajustes nas intervenções pedagógicas, e, consequentemente, um

melhor aproveitamento das situações pelas crianças. Ela caracteriza a avaliação como "um

conjunto de procedimentos didáticos que se estendem por um longo tempo e em vários espaços

escolares, de caráter processual e visando, sempre, a melhoria do objeto avaliado" (p.13). Os

princípios de observação, reflexão e ação que norteiam a prática pedagógica são os mesmos que

caracterizam a avaliação, que deve ser pautada por um olhar dinâmico e flexível:

Viver a espontaneidade de cada momento, estabelecer o múltiplo diálogo com as crianças, com a sensibilidade e o conhecimento necessários para fazer provocações diferentes a cada minuto e direcionadas a cada uma, diversificando o apoio pedagógico sem discriminar, sem rotular, sem desrespeitar o tempo e o jeito de cada criança. (p.18)

As informações sobre os alunos na avaliação formativa são obtidas no decorrer da própria ação

pedagógica. São essas informações que permitem o ajuste do ensino às necessidades discentes, no

decorrer do tempo em que estão juntos. Esta ideia conduz à percepção de que a avaliação é parte

inseparável do processo de ensino-aprendizagem, situação que leva alguns autores a resinificarem

este processo e a utilizar os três conceitos de forma integrada: ensino-aprendizagem-avaliação.

Sendo assim, a atividade pedagógica pressupõe processos contínuos de ensino-aprendizagem-

avaliação, pois sem o primeiro não se alcança o segundo, e nada se sabe sobre eles se o terceiro

termo não estiver presente. Porém, como salienta Fernandes,

Esta ideia, aparentemente simples, da integração dos três processos, Aprender-Ensinar-Avaliar, exige uma mudança muito significativa nos conhecimentos e nas concepções dominantes acerca da aprendizagem, do ensino e da avaliação, nas práticas pedagógicas e, inevitavelmente, nos papéis a desempenhar por alunos e professores. (2009, p. 39)

A avaliação formativa exige preparação dos professores, uma vez que requer deles algumas

competências7. É necessário que ele aprenda a observar os conhecimentos já construídos pelos

alunos; os caminhos que utilizam para resolver os problemas propostos; suas disponibilidades

afetivas, nas diferentes situações didáticas; suas dificuldades para se apropriar de determinados

conteúdos e/ou estratégias de pensamento. Conhecendo isso, podem buscar os meios e estratégias

que efetivamente melhor auxiliem os alunos a tomarem consciência das dificuldades do aprender

e a buscar caminhos para ultrapassá-las. Mas, é importante lembrar sempre de que estão na EI

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!7!Competência: conjunto de conhecimentos, habilidade e atitudes desenvolvidos com vistas a uma ação. !

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crianças em processo de constituição, razão pela qual não conseguem identificar claramente seus

processos, sendo essa uma responsabilidade dos adultos mais experientes. Neste caso, o professor

atua como o principal parceiro de seus alunos, mediando suas experiências e oferecendo

referências que aos poucos vão sendo apropriadas pelas crianças, constituindo assim suas

aprendizagens e sua crescente autonomia.

As informações geradas devem ser úteis, para que o professor consiga tomar decisões rápidas

sobre suas próprias intervenções e, também, para elaborar um feedback contínuo sobre os

processos que identifica em seus alunos. Só assim ele poderá ajudá-los a aprender e a se

desenvolver mais e melhor. Desta maneira, não é possível esperar pelas situações mais formais de

avaliação, mas as próprias situações cotidianas devem gerar dados importantes, que merecem ser

observados pelo docente, interpretados e reapresentados aos alunos, para que, junto a eles, sejam

problematizados. Por isso, nessa perspectiva avaliativa, é importante criar situações de maior

proximidade e de diálogo entre os professores e crianças, bem como entre as crianças, que

servem como fontes de informação ao professor e de referências para as aprendizagens das

crianças.

Os dados obtidos numa única situação não podem ser reveladores do que o aluno sabe, sente e

faz, porque muitas outras variáveis aí interferem, como o cansaço, a distração por outros

interesses mais urgentes, a ansiedade e, até mesmo, a falta de compreensão das orientações. Uma

prática comum, verificada pela pesquisadora em diversos contextos em que autou

profissionalmente, é a realização de sondagens periódicas a respeito dos conhecimentos das

crianças. No entanto, estes dados, sozinhos, não podem ser tomados como únicos indicadores de

aprendizagem, porque se sustentam em uma base muito frágil. As crianças precisam ser

observadas em ação nas situações desenvolvidas no cotidiano, pois são nelas que melhor

demonstrarão o que sabem, o que podem e o que querem aprender.

Do ponto de vista das crianças, esses processos devem colaborar para que elas acompanhem suas

conquistas, tomem consciência de suas dificuldades e suas possibilidades de superação. É papel

do professor, então, compartilhar suas observações com as crianças, de forma acolhedora,

sinalizando avanços, possibilidades e auxiliando-as a encontrarem caminhos que as permitam

seguir adiante em seus processos de aprendizagem. Mas, é importante frisar que:

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Esses momentos de retorno da avaliação para a criança devem incidir prioritariamente sobre as suas conquistas. Apontar aquilo que a criança não consegue realizar ou não sabe, só faz sentido numa perspectiva de possível superação, quando o professor detém conhecimento sobre as reais possibilidades de avanço da criança e sobre as possibilidades que ele tem para ajudá-la. Do contrário, ao invés de potencializar a ação das crianças e fortalecer a sua autoestima, a avaliação pode provocar-lhes um sentimento de impotência e fracasso. Outro ponto importante de se marcar, refere-se à representação que a criança constrói sobre a avaliação. O professor deve ter consciência de que a forma como a avaliação é compreendida, na instituição e por ele próprio, será de fundamental importância para que a criança possa construir uma representação positiva da mesma. (RCNEI, vol.1, p.60)

Entende-se que o retorno dado pelo professor às crianças deve ocorrer no sentido de valorizar o

que a criança já sabe fazer, bem como as suas conquistas, mesmo que pareçam mínimas aos olhos

do professor. Desafiá-las com propostas interessantes, também pode ser considerada uma forma

de feedback, desde que os objetivos e as expectativas sejam explicitados e negociados com elas,

adequando-os aos seus jeitos de pensar e estar no mundo. Ou seja, apontar erros das crianças não

deve ser o foco dos feedbacks para elas, mas sim apontar as suas possibilidades.

As famílias também têm o direito de acompanhar o processo de aprendizagem dos seus filhos e,

em se tratando de crianças pequenas, supõe-se que estejam entre os principais destinatários dos

feedbacks do professor. Conhecendo e compreendendo os objetivos e as ações desenvolvidas na

escola, podem situar-se em relação às aprendizagens e desenvolvimento das crianças, sendo

convidados, desta maneira, a atuar em parceria no estabelecimento de condições favoráveis à sua

evolução. E, seguindo a mesma direção dos feedbacks dados às crianças, as devolutivas dadas aos

familiares devem também colocar luz sobre as possibilidades e os progressos, de forma gentil e

cuidadosa, a fim de motivar expectativas realistas e positivas.

A avaliação formativa é útil para que professor possa regular as atividades em curso, manter um

bom clima e um ritmo favorável à participação dos alunos, retomar o sentido de suas ações,

manter todos os envolvidos ao par dos processos. Mas, acima de tudo, ela tem em vista as

aprendizagens. É claro que as aprendizagens dependem do contexto, e por isso, as duas coisas

precisam ser avaliadas e relacionadas entre si, mas é importante que o professor tenha em mente

que não basta regular a atividade em função daquilo que as crianças já são capazes de fazer; é

fundamental que ele faça esforços no sentido de colaborar com as aprendizagens, lançando mão

de recursos que favoreçam conflitos cognitivos e todo o tipo de processo que leve as crianças a se

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desenvolverem de forma integral, ou seja, considerando os diferentes domínios8 e a integração

entre eles.

2.3. Instrumentos de Avaliação e Documentação: memória, reflexão e construção de sentidos

Importante lembrar que os instrumentos para investigar e acompanhar o desenvolvimento das

crianças, registrar seus progressos, bem como sobre práticas educativas, são utilizados há muito

tempo na EI. Na década de 1950, por exemplo, Heloísa Marinho elaborou uma Escala do

Desenvolvimento Físico, Psicológico e Social da Criança Brasileira para ser utilizada nos estudos

e pesquisas empreendidas no contexto de um curso para a formação de professoras de jardim de

infância no Rio de Janeiro, instrumento que se tornou referência na EI, sendo utilizado para

avaliar o nível de desenvolvimento das crianças (KUHLMANN, 2000, p.15). Segundo Lopes, os

Boletins dos Parques Infantis do Município, publicados entre 1947 a 1957, como instrumento

para a formação dos educadores para o Parque Infantil, continham relatos de educadoras e

traziam indicações de como preencher fichas de observação das crianças (2009).

Hoje, no entanto, discute-se que esses registros, mais que investigar e conhecer a criança, tem a

função de apoiar a prática pedagógica.

A observação e o registro se constituem nos principais instrumentos de que o professor dispõe para apoiar sua prática. Por meio deles o professor pode registrar, contextualmente, os processos de aprendizagem das crianças; a qualidade das interações estabelecidas com outras crianças, funcionários e com o professor e acompanhar os processos de desenvolvimento obtendo informações sobre as experiências das crianças na instituição. Esta observação e seu registro fornecem aos professores uma visão integral das crianças ao mesmo tempo que revelam suas particularidades. (BRASIL, 1998, p.58)

A importância da observação e do registro nesta perspectiva vem sendo apontada pelos

documentos oficiais há tempos, como acontece nos RCNEI, conforme se vê na citação acima. De

maneira geral, utiliza-se a observação e os registros como meio de identificar evoluções,

transformações, desenvolvimento, nível de bem estar, dificuldades ou problemas no

desenvolvimento das crianças, no entanto, o propósito maior é o de utilizar tais informações para

se repensar a ação educativa.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!8!O comportamento humano pode ser classificado em três domínios principais: cognitivo, motor, afetivo e social.!

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! 54!

A observação no dia a dia da classe pode ser mediada por critérios definidos pelo professor a

partir dos seus conhecimentos sobre as crianças, ou por instrumentos previamente organizados,

desde que estes não limitem demasiadamente o olhar e a compreensão do professor sobre elas.

Importante salientar que essas informações devem ser provenientes não somente de uma

observação informal e subjetiva, mas de um processo intencional e sistemático, que implica a

elaboração de registros sobre o que se observa para que depois se proceda à análise e

interpretação das informações coletadas. São inúmeras as possibilidades de se registrar o que se

realiza e o que se observa em relação às crianças e, suas características dependem do modelo

curricular adotado, dos princípios e fundamentos que o orientam.

Entre elas existem algumas propostas de instrumentos estruturados e referenciados por critérios

para se avaliar o trabalho pedagógico e sobre as crianças, como os propostos pela Fundação High

Scope (Hohman et al., 1995), ou aqueles apoiados na perspectiva experiencial de Leavers, como

o Sistema de Acompanhamento das Crianças (SAC) (Portugal, Laevers, 2010).

No modelo High Scope, existem instrumentos de avaliação da criança, como o COR (Child

Observation Record) e a avaliação se dá através de um trabalho em equipe no sentido de apoiar e

desenvolver os interesses e potenciais da criança, guiados por um currículo organizado em

experiências-chave que devem ocorrer sob determinadas condições materiais, temporais e de

organização do grupo. O SAC, como o High Scope, tem o propósito de fundamentar o

desenvolvimento do currículo, bem como nos procedimentos de acompanhamento das crianças e

dar apoio aos professores, mediante a utilização de fichas desenvolvidas para auxiliar os

processos de observação e documentação.

Existem também registros mais abertos, com características mais narrativas, que servem como

instrumentos para a elaboração da documentação pedagógica, entendida como um processo

sistematização e construção de memória sobre o trabalho pedagógico, sobre o percurso da

criança, de um grupo ou de uma escola, como as propostas pelo modelo de Reggio Emilia

(Rinaldi, 2012), bastante divulgado e apreciado no Brasil.

O portfólio é uma modalidade de documentação pedagógica, e tem natureza colaborativa, já que

além dos professores, pais e crianças participam de sua elaboração. Ele pode ser compreendido

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como um conjunto de registros coletados ao longo de um período e articulados entre si, que

permita ao leitor apreender os progressos das crianças nos diferentes domínios de

desenvolvimento, e revele as qualidades do trabalho desenvolvido com elas. Torna-se

instrumento de avaliação, na medida em que os registros recolhidos e analisados permitem

conhecer mais de perto as experiências vividas e oferece uma base para a discussão sobre as

aprendizagens e o desenvolvimento das crianças. Segundo Parente (2012), os portfólios "tornam

possível aceder a múltiplas vozes, perspectivas e fontes de evidência para olhar e documentar o

processo de aprendizagem da criança" (p. 307).

As anotações de situações observadas, fotografias, filmagens, gravações de áudio, produções das

crianças, além de registros escritos contendo as reflexões do professor, conteúdos de conversas e

reuniões com os pais, registros dos próprios pais, entrevistas com as crianças etc. podem compor

a documentação pedagógica. Como esse material costuma apresentar-se em volume muito

grande, precisa ser organizado para que constitua apoio significativo à avaliação, senão são

convertidos em amostras desarticuladas entre si, não propiciando a integração entre todos

elementos e atores relacionados à educação das crianças, nem o estabelecimento de sentido para o

processo vivido.

O relatório de acompanhamento do aluno também pode ser compreendido na perspectiva da

avaliação formativa, sendo, ao mesmo tempo, um! documento sobre o processo de ensino-

aprendizagem e um instrumento metodológico do professor, relacionado ao planejamento,

avaliação, e comunicação deste processo.

Tomando o relatório do ponto de vista de sua elaboração, é possível considera-lo um instrumento

de avaliação, já que durante este processo o professor precisa descrever, analisar, interpretar,

compreender e avaliar o que foi realizado e conquistado, e essas ações podem lhe ser muito

valiosas para seus futuros planejamentos, ou mesmo para o planejamento de um outro professor

que o leia em seu formato final. Em seu formato final, pode ser compreendido como documento,

já que sintetiza os processos de aprendizagem das crianças na perspectiva de comunicá-las.

Importante, neste ponto, fazer uma reconsideração sobre essa dupla função do relatório, frisando

que ela está vinculada ao seu formato e à sua função. Sendo assim, a depender de suas

características, o relatório pode ser exclusivamente um documento, um atestado: quando o seu

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conteúdo não revela um percurso, mas tem como única função comprovar a aquisição de

determinados comportamentos, habilidades e atitudes. Neste caso, ele não pode ser considerado

instrumento da avaliação formativa, porque não tem na mira a regulação dos processos, mas sim,

unicamente a verificação e/ou comprovação das aprendizagens.

Retomando a sua função formativa, na perspectiva de Hofmann (2015),

Relatórios de avaliação representam a memória resignificada da história vivida pela criança na instituição e favorecem a continuidade do seu processo de aprendizagem. Esses documentos, de um ano para o outro, constituem-se em elos das ações educativas desencadeadas por diferentes profissionais e pelo tempo de permanência da criança em uma instituição de Educação Infantil. (p. 88)

São elaborados a partir dos registros diversos elaborados e compilados pelo professor, e podem

ser compreendidos como a forma final de representação do percurso vivido pelas crianças. O

professor seleciona e organiza informações sobre as intencionalidades educativas, propostas

realizadas, sobre como o aluno se envolveu e como foi sua evolução no decorrer do tempo em

que participou de tais propostas. Em anexo aos relatos podem também ser agregadas amostras de

trabalhos das crianças, de forma a ilustrar e favorecer melhor compreensão do caminho

percorrido. Vale sublinhar que essa seleção de informações e produções não deve ser aleatória,

mas em seu conjunto,

revelar o processo evolutivo das crianças em termos de suas linguagens expressivas em artes, na produção de escritas espontâneas, na descoberta e manipulação de materiais, na vivência de jogos simbólicos, na oralidade, no desenvolvimento motor, no relacionamento com os outros, o seja, nessas e noutras áreas do conhecimento e de forma intencional e ressignificada pelos professores (HOFFMANN, 2015, p.119)

...

Ao mesmo tempo em que contextualiza o cenário educativo onde ocorreram todas as situações, o professor ressignifica-o, descobrindo e apontando alternativas de continuidade para ele próprio, para outros professores e para os pais (HOFFMANN, 2015, p.140)

Os destinatários imediatos dos relatórios são as famílias, os professores do anos posteriores, os

responsáveis pelas escolas e os sistemas de ensino, sendo assim, devem ser escritos de forma

clara e significativa para os leitores, em que o contexto, as práticas e as experiências educativas

possam ser acessadas, e ao mesmo tempo, o professor possa compartilhar suas observações e

reflexões sobre a criança, apontando possíveis caminhos de continuidade para seu processo

educativo.

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! 57!

III: A REALIZAÇÃO DA PESQUISA

O objetivo deste capítulo foi descrever e analisar os Relatórios de Acompanhamento da

Aprendizagem do Aluno (RAAA), investigando o que tais documentos revelam sobre as

concepções e práticas de avaliação na EI. Para isso, buscaram-se informações sobre o que é

avaliado nos RAAA, como as professoras comunicam o que avaliaram e, qual a participação das

famílias e das crianças neste processo.

1. A coleta das informações

Considerando os objetivos propostos para a presente pesquisa, as informações foram coletadas a

partir da leitura dos relatórios de acompanhamento da aprendizagem do aluno (RAAA)

produzidos pelas professoras de educação infantil de um município paulista.

Um primeiro contato foi feito com o secretário de educação da rede municipal que autorizou, por

escrito, a entrada da pesquisadora nas EMEIS do município para fins da pesquisa e indicou o

nome de uma pessoa responsável pelo acompanhamento da pesquisadora junto às EMEIs.

A rede municipal conta com 25 EMEIs de atendimento direto e, para a realização da pesquisa,

foram selecionadas 5 delas para compor um grupo que atendesse a certos critérios de diversidade,

entre eles:

! Instituições mais antigas juntamente com outras mais recentes

! Variabilidade de porte das escola

! Instituições localizadas em regiões diferentes da cidade

Foi feito um primeiro contato (pessoal) com os diretores das EMEIs a fim de solicitar o

levantamento e análise da documentação produzida pelos professores e que estivessem

disponíveis nas escolas. Neste primeiro contato, os objetivos da pesquisa foram comunicados aos

gestores, bem como os procedimentos de produção de informações. Foi informado que o

pesquisador faria uma devolutiva às unidades participantes, a respeito das informações obtidas e

análises realizadas. Depois de acordada a participação das escolas, foi encaminhado para cada

EMEI, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, cujo modelo está no Apêndice I, que foi

assinado pelas diretoras e entregue de volta à pesquisadora.

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! 58!

Em primeiro lugar foram localizados, por escola, os relatórios elaborados no decorrer dos anos de

2013 e 2014, referentes aos processos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças durante o

período habitualmente chamado de pré-escolar. Em seguida, foram sorteadas 4 crianças egressas

da escola, que tinham finalizado nela o seu processo na educação infantil. As cópias digitais dos

relatórios dessas 4 crianças foram enviadas para que a pesquisadora pudesse realizar a sua

realizar sua leitura fora da instituição.

Depois de definidas as cinco escolas participantes, foi acordada com cada diretora a forma de

coleta do material de quatro crianças que frequentaram a pré-escola nos anos de 2013 e 2014 e

que haviam sido sorteadas para participação na pesquisa. Todos os relatórios semestrais, relativos

ao acompanhamento da aprendizagem dessas crianças, foram coletados e digitalizados para que

se procedesse assim à obtenção do material para tratamento e análise. .

Dos 80 relatórios esperados, somente 56 foram entregues (70%). Uma das escolas, por exemplo,

só tinha disponível material de 2013 e outra só possuía o material de 2014. Além disso, alguns

relatórios de outras escolas não foram encontrados, ou porque os arquivos foram corrompidos por

vírus, ou não existiam porque a criança entrou na escola no meio do ano, ou saiu antes de

finalizar a pré-escola, ou ainda porque alguns relatórios se apresentaram incompletos, sem a parte

de acompanhamento individual (e neste caso, o material foi desconsiderado).

Com os relatórios em mãos, deu-se início ao processo de exploração do material, visando sua

codificação e categorização para, em seguida, se proceder ao tratamento dos dados. Em primeiro

lugar, os nomes das EMEIs, das professoras e crianças foram substituídos por pseudônimos com

o intuito de preservar as identidades dos participantes e envolvidos. O mesmo foi feito com o

nome do Município. A tabela a seguir mostra todos os relatórios entregues por escola, por aluno e

por semestre.

Tabela 1: Relatórios entregues por escola, por aluno, por semestre

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2. Os RAAA como fonte de informação

Algumas leituras flutuantes dos RAAA foram realizadas com o intuito de conhecer e caracterizar

o material globalmente. Nestas primeiras leituras, foi possível observar que os documentos

analisados, em suas características, possuem uma estrutura básica comum, sendo que algumas

diferenças são encontradas entre as produções das escolas e professores. Em geral, apresentam

informações sobre aspectos gerais do trabalho e da turma, que são iguais para todos. Em seguida,

vêm outras informações mais específicas, que tratam de aspectos particulares da criança,

juntamente com os julgamentos e apreciações do professor em relação às crianças. Por fim, há

sempre um espaço para algum tipo de apreciação da família sobre o trabalho desenvolvido e/ou

sobre a criança.

Os RAAA são elaborados ao final de cada semestre letivo pelo professor da sala e

compartilhados com as famílias das crianças nas reuniões de pais. Quando o Pré II é finalizado,

os relatórios são enviados às escolas de ensino fundamental onde as crianças irão cursar o

primeiro ano e, caso a criança siga para uma escola particular, os documentos são entregues

diretamente aos pais.

A maior parte dos relatórios se inicia com uma explicação sobre sua função, apresentando os

principais objetivos do documento. Algumas escolas optam por mencionar tais objetivos no

primeiro semestre, e não o fazem no segundo, outras repetem a informação nas duas versões do

documento.

O documento é apresentado como relatório de acompanhamento da aprendizagem do aluno, ou

relatório de observação. Em relação à sua função, o relatório é compreendido enquanto um

"instrumento de avaliação" e/ou "documento de aprendizagem". Os objetivos ou finalidades

expressos têm relação com a socialização de informações e acompanhamento dos processos de

aprendizagem e desenvolvimento das crianças, como é possível verificar nos trechos abaixo:

Tem o objetivo de socializar informações, não só para a família da criança, mas também para o professor e para o acompanhamento de aprendizagem do aluno na Educação Infantil e, portanto, refletir todo o processo pedagógico trabalhado pelo professor com seu grupo de alunos e com cada criança. (EMEI Acácia)

Este documento tem como objetivo apresentar informações sobre o percurso de aprendizagem da criança, seu processo de adaptação ao ambiente escolar, sua

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interação com o grupo, suas conquistas e descobertas, levando a família a acompanhar essa construção do conhecimento. (EMEI Gardênia)

Este documento tem o objetivo de apresentar o trabalho pedagógico realizado junto aos alunos, levando a família a acompanhar o desenvolvimento, bem como as conquistas e descobertas vividas pelas crianças. (EMEI Dália)

Tem o objetivo de atender as orientações legais da educação infantil, onde consta que a avaliação se faz por meio do acompanhamento e registro do desenvolvimento da criança em todos os eixos. (EMEI Camélia)

Documento que descreve os avanços e as conquistas de novos saberes de cada criança mediante o processo de ensino e aprendizagem desenvolvidos desde o início do ano até o presente momento. (EMEI Camélia)

É objetivo deste documento destacar os avanços dos alunos em cada eixo do conhecimento, bem como as interações desenvolvidas no ambiente escolar no presente período letivo. (EMEI Camélia)

Os destinatários explícitos na maioria dos documentos são as famílias das crianças, mais

especificamente os pais. Alguns relatórios fazem referência também a outros possíveis

responsáveis da criança, não reduzindo essa possibilidade aos pais. Poucos relatórios mencionam

outros destinatários, como os próprios professores, mas que normalmente ficam ocultos. As

crianças não são tomadas como destinatários em nenhum dos documentos lidos.

Senhores pais, o relatório de observação da aprendizagem dos alunos é um documento da unidade escolar que possibilita aos senhores acompanharem o desenvolvimento da aprendizagem de seus filhos. (EMEI Acácia - Prof.ª.: Ana - 1º sem/2014);

O relatório é um documento de aprendizagem do aluno que tem o objetivo de socializar informações, não só para a família da criança mas também para o professor, para o acompanhamento de aprendizagem do aluno na Educação Infantil e portanto refletir todo o processo pedagógico trabalhado pelo professor com seu grupo de aluno e com cada criança. (EMEI Acácia - Prof.ª.: Amália- 1º sem/2013);

Os conteúdos recorrentes nos relatórios foram classificados em função de como se apresentam

nos RAAA e organizadas em três grandes blocos: 1. Contexto Pedagógico, 2. Acompanhamento

do Processo e Aprendizagens das Crianças, 3. Participação da Famílias e das Crianças, sendo que

para cada bloco foi possível obter informações de naturezas diferentes, que receberam

tratamentos diferentes. A seguir, serão descritos, de maneira geral, os conteúdos de cada bloco,

explicitando como se chegou a eles, a fim de referenciar o leitor deste trabalho sobre as

informações contidas nos documentos.

Importante notificar o leitor que, segundo informações de algumas diretoras e alguns indícios

contidos nos relatórios, o RAAA é apenas um dos instrumentos referentes ao processo de

avaliação das crianças nas EMEIS. Conforme foi relatado em situações de comunicação

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informais, o processo avaliativo se dá por meio da observação no dia a dia e de outros

instrumentos, como: a sondagem inicial realizada no começo do ano letivo; os registros

reflexivos do professor, que se constituem por anotações sobre aspectos relevantes do cotidiano

escolar, destacando-se as dificuldades e avanços apresentados pelos alunos, as intervenções

realizadas pelo professor, bem como a reflexão da prática para a elaboração de novas propostas

pedagógicas. A partir dos dados obtidos, são realizados os encaminhamentos necessários, bem

como as intervenções junto às famílias.

2.1. Sobre o Contexto Pedagógico

2.1.1. Informações sobre a turma de crianças e seu processo no decorrer do semestre;

Todos os relatórios apresentam um trecho no qual a professora descreve, às vezes de forma bem

sucinta, outras vezes de forma mais completa, uma visão geral da turma e como se deu o trabalho

com a turma no decorrer do semestre.

Entre os aspectos tratados, destacam-se aqueles que versam sobre a disposição afetiva e nível de

interesse e participação da turma.

Estão entusiasmados para novos conteúdos. Foram trabalhadas algumas intervenções em relação ao comportamento, no início estavam mais agitados, no entanto é possível notar grandes avanços. Ao longo do semestre os alunos vêm construindo laços de amizade e ampliando os conhecimentos em todas as áreas. (EMEI Camélia - Prof.ª: Camila - 1º sem/2013);

A sala é participativa, demonstra grande interesse em aprender e em realizar atividades propostas

...

A turminha continuou participativa, revelando grande interesse em aprender e em realizar as atividades propostas (EMEI Begônia - Prof.ª: Beatriz - 2ºsem/13)

Ao longo desse semestre foram reforçados os laços de amizade e respeito entre os alunos. A sala é participativa e animada, garantindo o desenvolvimento de uma maneira lúdica e prazerosa. (EMEI Camélia - Prof.ª: Carolina - 2º sem/2014)

As crianças demonstraram grande interesse pelo PROJETO: DINOSSAUROS, trabalhado neste semestre em nossa sala. Participaram, pesquisaram juntamente com os familiares, socializaram e aprenderam um pouco mais sobre esse maravilhoso universo cheio de informações e fantasia. . (EMEI Gardênia - Prof.ª: Graça - 2º sem/2014)

Outro tema tratado com frequência nestes relatórios é a adaptação das crianças e a construção de

vínculos.

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Iniciamos o semestre com vários alunos vindo de creches, cuja rotina é diferente da Emei. Nos primeiros dias houve choros, mas dentro do esperado. Logo este cedeu lugar à alegria e descobertas de novas amizades. (EMEI Camélia - Prof.ª.: Cecília - 1ºsem/2013)

Nossa turminha desde os primeiros dias se mostrou bastante unida, construímos grandes vínculos afetivos que marcam o espaço na história da vida do grupo. O carinho, o amor e a preocupação com cada um são uma das principais características da turma (EMEI Dália - Prof.ª: Débora - 2ºsem/13);

No começo tivemos um pouco de choro, o novo às vezes assusta. Mas logo se adaptaram, sentindo-se à vontade no relacionamento com os colegas e professora. (EMEI Begônia - Prof.ª.: Bruna - 1º sem/2014)

Durante o ano construíram vínculos afetivos com os colegas e a professora, que com certeza levarão para o resto de suas vidas (EMEI Acácia- Prof.ª: Ana - 2ºsem/2014)

As conquistas e aprendizagens das crianças surgem nos textos como comentários gerais e

eventualmente, algum ponto é destacado entre os demais. Em alguns trechos, nota-se que

expectativas e metas de aprendizagem são bastante explícitas pela professora, conforme é

possível verificar a seguir.

Nesse 2° semestre, os alunos demonstraram ser mais participativos, interessados, apresentando avanços em todos os aspectos. Os alunos estão demonstrando mais autonomia, segurança, organização e respeito aos combinados da sala. Houve uma melhora significativa em relação ao comportamento e ao respeito às regras, embora algumas vezes ainda se façam necessárias certas intervenções.

...

A maioria do grupo já alcançou as metas propostas para o Pré II. (EMEI Gardênia - Prof.ª.:Gladis - 2ºsem/2014)

A turma do Pré II F finaliza o ano com inúmeras conquistas, dentre elas é importante destacar o avanço na recitação oral dos números e no registro escrito deles. Durante o ano construíram vínculos afetivos com os colegas e professora que com certeza levarão para o resto de suas vidas; a turma no geral desenvolveu a apreciação de manifestações artísticas como dança, música e teatro que auxiliarão na sua formação pessoal e, futuramente, profissional. (EMEI Acácia - Prof.ª.: Ana - 2º sem/2014)

Fiquei muito contente ao realizar as últimas avaliações e constatar alunos alfabéticos e silábico-alfabéticos na turma. (EMEI Begônia - Prof.ª. Bruna - 2º sem/2014)

Ao final do ano todos conseguiram chegar a hipótese pré-silábica e alguns ultrapassaram essa meta. (Escola Dália - Prof.ª. Dora - 2ºsem/2013)

Alguns encaminhamentos e aspectos trabalhados com a turma têm destaque nos relatos de

algumas professoras, mas não são constantes nos textos lidos. Usualmente tratam de questões

relacionadas à vida em grupo, mas, vez ou outra, o foco recai sobre aprendizagens mais

específicas nas quais a professora identifica alguma dificuldade.

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São crianças bem ativas, aceitam bem os combinados da sala, algumas vezes é necessário fazer algumas intervenções com determinados alunos. (EMEI Gardênia - Prof.ª.: Gladis - 1º sem/2014)

Como todas as crianças, gostam de fazer uma “arte” e até mesmo uma baguncinha, porém, todos estão respeitando os combinados da sala e quando alguém não colabora sentamos e conversamos juntos, proporcionando um clima bem agradável e harmonioso em nossa sala. (EMEI Camélia - Prof.ª.: Cristina - 1ºsem/2014)

O período de adaptação, apesar de um pouco de choro, foi tranquilo. Foram oferecidas atividades prazerosas, significativas e contextualizadas, cuidados estes que estiveram presentes no meu trabalho durante todo o semestre. (EMEI Begônia - Prof.ª.: Bruna - 1º sem/2014)

Os alunos apresentaram dificuldades na área de conhecimento de matemática na recitação oral, contagem termo a termo e registro das quantidades. Para ajudar no desenvolvimento destas habilidades foram trabalhados jogos e os alunos tiveram oportunidade de levar para a casa. Trabalhamos individualmente, no momento do diversificado, enviamos atividades para casa, preparamos atividades lúdicas para verificação dos números em diferentes contextos e observamos avanços em boa parte da turma. (EMEI Acácia- Prof.ª: Ana - 1ºsem/2014)

Outro aspecto que surge em relatos de algumas professoras, embora seja raro, diz respeito aos

conhecimentos prévios das crianças do grupo em geral:

A maioria das crianças já havia frequentado esta escola, portanto, já conheciam as dependências, os funcionários, possuía noção de higiene, uma organização para o lanche e para as rotinas diárias ... Em relação à Matemática, 9 alunos contavam concretamente até 5 ou não contavam ... Iniciamos o 2º semestre, com 20 alunos. Desses, 6 escreviam o nome com ficha de apoio. (EMEI Begônia - Prof.ª.: Beatriz - 1ºsem/13)

Dados sobre as características de composição da turma, como quantidade de alunos, alunos novos

e antigos, faixa etária, despontam entre alguns poucos documentos:

A sala é composta de 21 alunos. (EMEI Begônia - Prof.ª.: Beatriz - 1ºsem/13)

A maioria frequentou a escola no ano anterior. (EMEI Dália - Prof.ª.: Elisabeth Regina - 1ºsem/2013)

A maioria dos alunos completará 6 anos neste ano. (EMEI Begônia - Prof.ª.: Bruna - 2ºsem/2014);

É muito comum que neste texto inicial sejam encontrados comentários, apreciações gerais e

alguns recados da professora:

Estou muito satisfeita e feliz com o desempenho e com o desenvolvimento da turma e acredito no seu crescimento no decorrer do ano (EMEI Dália - prof.ª: Dora - 1ºsem/2013)

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Essa turma me surpreendeu desde o início do ano... Fico muito feliz em ver os frutos do nosso trabalho, um trabalho diário que requer paciência, amor, perseverança. Parecíamos formiguinhas nas nossas tarefas diárias, a rotina de atividades, as sequências, os projetos didáticos, sempre propondo atividades desafiadoras. A participação dos pais fizeram toda a diferença. (EMEI Begônia - prof.ª: Bruna - 2ºsem/2014);

Hoje, ao olhar registros antigos e atividades, vejo o quanto aprenderam e caminharam neste PRÉII. Quer dizer, “caminharam” nas atividades, porque no resto, as crianças correram mesmo. Havia pressa para tudo: para entrar na sala de aula, para realizar as atividades, para lanchar, para tomar água, para brincar no parque. Pressa para aprender, pressa para crescer! Falando em pressa para crescer, não foram raras as vezes que ouvi: “Prô, minha mãe vai me comprar um sutiã”... “Sabia que eu já tenho um pouco de barba?”... “Ah, quando eu crescer vou ser professora”... “Eu quero construir aviões!”. Esta turminha decidiu mesmo crescer, e apesar do crescimento ser inevitável, me dá muito orgulho saber que estive com estas crianças em um pedaço deste caminho de crescimento. É bom saber que estão preparados para o novo, porque aproveitaram ao máximo este tempo na Educação Infantil. E neste último semestre, cada conteúdo trabalhado serviu para prepará-los ainda mais. (EMEI Begônia - prof.ª: Branca - 2ºsem/2014)

Nos documento da EMEI Begônia, além dos textos, as professoras anexam algumas fotos

ilustrativas das atividades realizadas pelo grupo e de algumas de suas produções, mas não há

cópias das produções individuais das crianças que exemplifiquem o que é dito no texto.

Esse conjunto de informações, geralmente, introduz um outro tópico presente em todos os

relatórios, que diz respeito às atividades realizadas no semestre, conforme a descrição a seguir.

2.1.2. Identificação dos eixos de trabalho e atividades realizadas no semestre

Em todos os relatórios são identificados, neste tópico, os eixos de trabalho e as atividades

correspondentes realizadas, sendo colocados em evidência as sequências de atividades e os

projetos didáticos desenvolvidos com o grupo. Em alguns relatórios aparecem informações sobre

as atividades permanentes e sobre a rotina da turma e, sempre de forma destacada, são

mencionados os projetos institucionais em andamento.

Linguagem oral e Escrita: Nas sequências “Meu Nome" e “Brincadeiras cantadas" trabalhamos com o nome de cada aluno, através do cartão de chamada, identificaram a letra inicial e final e escrita do nome, também pesquisaram a história do seu nome . As Brincadeiras Cantadas, os alunos tiveram oportunidade de enriquecer seu vocabulário, conhecendo novas palavras , foram estimulados a expressarem-se de forma verbal e escrita.

Matemática: Nas sequências “Cantando e Contando" e "Colecionando e Contando", sequenciaram os números de forma correta , nas coleções os alunos identificaram, escreveram e relacionaram o número à quantidade . Realizaram a contagem e escrita numérica de forma convencional ou não, dentro de um contexto significativo.

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Música: As sequências “Quantos Sons” e "Brincadeiras Cantadas” despertaram a sensibilidade dos alunos para perceberem os sons do ambiente e do corpo. As brincadeiras cantadas foram muito prazerosas e desafiadoras para as crianças.

Movimento: “Brinquedos e Brincadeiras Regionais”. Os alunos brincaram e se divertiram usando bola, anel, peteca e outros materiais que ajudaram a desenvolver a coordenação e o equilíbrio. Conheceram as diferentes brincadeiras de cada região brasileira.

Natureza e Sociedade: Projeto “Brinquedos e Brincadeiras Regionais, os alunos conheceram e refletiram a respeito da cultura, clima, vegetação, tempo histórico dos brinquedos e brincadeira de cada região ( Norte , Sul , Sudeste ,Centro – Oeste e Nordeste ) e que fazem parte do cotidiano dos nosso alunos .

Artes Visuais: Trabalhamos no 1º bimestre “Figuras humanas na arte”, e no 2º bimestre “As flores e cores”. Possibilitou aos alunos a expressar sua experiência sensível ao desenhar, pintar, recortar e etc.. Proporcionou aos alunos os livros Van Gogh, Tarsila do Amaral onde os alunos observaram e apreciaram as imagens.

Projetos:

“Vamos Brincar Juntos”: são atividades diferenciadas no pátio, onde os alunos têm autonomia para escolher onde deseja brincar, visando a socialização e a integração entre as salas, e o desenvolvimento integral do aluno.

“Sacola da Leitura”: tem por objetivo o incentivo a leitura, com historias diferenciadas, contadas em sala de aula e o empréstimo de livros que tem proporcionando aos alunos um laço de união entre escola e família .

“Infância sem Racismo": onde o objetivo é envolver os alunos através de atividades lúdicas, á partir da criação de uma personagem africana, (Boneca) ao qual irão conhecer sua história, sua música. Essa prática nos proporcionará mudança de atitudes, com maior respeito ás diferenças.

(EMEI Acácia - 1º sem/2013)

*Atividades de Rotina: Leitura do alfabeto, e dos numerais, ajudante do dia, contagem das crianças, oração, música, roda de história, desenho livre, modelagem, calendário, merenda e higiene das mãos e escovação.

*Atividades Diversificadas: Nesse momento cada criança escolhe em qual mesa irá sentar , diante das propostas pedagógicas diversificadas oferecidas, que abordam conteúdos já estudados e que propõe sua autonomia.

*Atividades Ocasionais: atividades independentes dos planejamentos - Páscoa, Passeio na Secretaria da Educação para visita a uma Exposição e Festa Junina.

(EMEI Begônia - Prof.ª. Bernadete - 1º sem/2014)

Os tópicos descritos acima, dizem respeito ao contexto de trabalho. É possível perceber que por

meio das informações neles contidas, busca-se levar referências aos leitores dos relatórios sobre o

que foi trabalhado em sala durante o semestre, como foi trabalhado, o clima geral do grupo de

crianças, suas principais conquistas e desafios.

Uma leitura mais sistemática do material permitiu identificar alguns aspectos passíveis de

generalização que contribuem para a caracterização e análise de seu conteúdo. Em primeiro lugar,

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observa-se que a estrutura curricular das escolas está apoiada pela proposta dos RCNEI, já que as

atividades são planejadas e desenvolvidas a partir dos eixos de trabalho: Linguagem Oral e

Escrita, Matemática, Artes, Movimento, Música, Natureza e sociedade. O âmbito de Formação

social pessoal não aparece como norteador das atividades realizadas, salvo algumas exceções,

como no caso em que o eixo de Identidade surge como tema, no projeto "Minha Identidade".

Projeto “Minha Identidade” ( áreas de natureza e sociedade / linguagem oral e escrita): utilização de tv de sucata para contar histórias, pesquisa sobre o nome, a família, objetos utilizados quando bebês, relatos de experiências vividas, registro de hipóteses e opiniões das crianças; leitura de histórias e pequenos textos poéticos, exploração do corpo, suas partes e funções, apreciação de fotos; leitura e montagem do próprio nome e dos colegas utilizando alfabeto móvel e fichas de apoio, bingo de letras do alfabeto, boliche, etc. Participação da família, revelando seus conhecimentos e costumes em sala de aula, a fim de perceberem sua importância na construção da identidade da criança.

(EMEI Begônia - Prof.ª. Beatriz - 1º sem/2013)

Outro ponto de destaque é que brincadeiras e jogos permeiam boa parte das propostas, dando

contexto para as aprendizagens das áreas.

As sequências didáticas do eixo de Linguagem Oral e Escrita se repetem em todas as escolas, e os

temas e conteúdos das sequências de Matemática também são bastante parecidos no decorrer dos

semestres. Os projetos didáticos ocorrem predominantemente no eixo de Natureza e Sociedade,

sendo que às vezes ocorre a articulação ente os conteúdos deste e de outros eixos, como

Linguagem Oral e Escrita, Matemática ou Artes. Os temas dos projetos também se repetem com

certa frequência, conforme se observa na Tabela 2 (p.54).

Os projetos institucionais “Vamos Brincar Juntos”, “Sacola da Leitura" e “Infância sem

Racismo", mencionados anteriormente, ocorrem em todas as escolas, com alguma diferença nos

nomes dos projetos. Mas o conteúdo e as atividades propostas são as mesmas.

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Tabela 2: Temas trabalhados nas atividades realizadas nas Escolas, por nível e semestre

A partir de agora, serão descritos e analisados os aspectos do relatório relativos aos processos de

cada criança.

2.2. Sobre o acompanhamento do processo e aprendizagens das crianças

2.2.1. O que é avaliado

A fim de identificar os principais aspectos considerados para o acompanhamento individual dos

alunos, tomando como referência os eixos de trabalho, o material voltou a ser lido e foram

grifados com cores diferentes os conteúdos relativo a cada eixo: de amarelo tudo o que dizia

respeito a Linguagem Oral e Escrita, de verde, tudo aquilo que era relativo a Música, e assim por

diante. Em seguida, os aspectos dos relatórios de cada criança foram agrupados por eixo, em

tabelas, como é possível verificar na Tabela 3 (p.56), que ilustra o registro utilizado para

sistematizar como se deu o acompanhamento semestral de cada criança. Foi elaborado um

registro para cada criança.

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Tabela 3: Ilustração de registro sobre Acompanhamento Semestral da Criança, por eixo, ano e

professora

Como se observa, além das informações relacionadas aos eixos do âmbito de Conhecimento de

Mundo, também foram encontradas e organizadas todas as informações relativas ao âmbito de

Formação Social e Pessoal, com comentários das professoras sobre os processos de construção da

Identidade e da Autonomia.

A partir da releitura dessas tabelas, buscou-se identificar e conceituar os conteúdos

recorrentemente indicados na avaliação de cada eixo. Com base nesta conceituação, foram

realizadas novas leituras do material, com vistas a identificar e quantificar os conteúdos avaliados

nos relatórios dos quatro semestres, de cada aluno. Abaixo segue a Tabela 4 (p.57), que ilustra o

registro utilizado para tabulação dos dados encontrados, de forma a ficar visível a distribuição e

frequência dos conteúdos avaliados por aluno e por escola, em cada semestre.

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Tabela 4: Ilustração do registro sobre avaliação das crianças por conteúdos, para o eixo

Linguagem Oral e Escrita

Durante a leitura dos RAAA já era possível notar que não haviam diferenças expressivas entre as

escolas, mas com os dados organizados desta maneira foi possível confirmar essa impressão

inicial.

De forma a tornar visível a frequência e a porcentagem dos conteúdos avaliados por semestre e

ao longo dos dois anos, foi elaborado um novo instrumento, conforme pode-se verificar na

Tabela 5 (p.58), que ilustra o registro feito organizando esses dados. Com o registro completo em

mãos, observou-se que a ênfase dada nas observações e avaliação se modifica um pouco a cada

semestre, mas de maneira geral incide sobre os mesmos aspectos.

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Tabela 59: Frequência e porcentagem dos conteúdos avaliados, por ano/semestre, para o

Eixo Linguagem Oral e Escrita

Por fim, foram destacados os conteúdos que apareceram com maior frequência nos relatos das

professoras sobre as aprendizagens das crianças e elaborado um novo instrumento. A Tabela 6 (p.

59) ilustra registro utilizado para tabular a frequência e porcentagem dos dez conteúdos

mencionados mais vezes pelas professoras nos relatórios, sendo três deles relativos a conteúdos

de Matemática, três ligados a conteúdos de Linguagem Oral e Escrita, dois ao eixo de Formação

Pessoal e Social, um ao eixo de Natureza e Sociedade e um ao eixo de Artes. Destes dados,

mostrados na Tabela 6, foi possível inferir que há uma valorização maior dos conhecimentos

referentes aos dois primeiros eixos, Matemática e Linguagem Oral e Escrita, respectivamente,

que sobre os demais, indicando a centralidade ocupada pelos conteúdos dessas áreas no currículo

da pré-escola.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!9!Os dados completos, relativos Frequência e porcentagem dos conteúdos avaliados, por ano/semestre para todos os eixos estão disponíveis na tabela completa em apêndice a este trabalho (Apêndice II) !!

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Tabela 6: Frequência e porcentagem dos conteúdos mencionados pelas professoras, nos relatórios de cada semestre

O aspecto mencionado mais vezes nos RAAA (em 75% deles) tem relação com as aprendizagens

envolvendo contagem oral e/ou recitação numérica. Os demais aspectos apontados com

frequência nos documentos, relacionados ao eixo de Matemática, foram Contagem Termo a

Termo (em 57%) e Registro/Representação numérica (em 55%). É significativo que, nos três

casos, o índice do primeiro semestre de 2013 (Pré I) seja muito baixo, ou igual a zero, subindo

para índices maiores que 80% no segundo semestre e se mantendo em níveis acima de 50% nos

semestres posteriores. Muito provavelmente, isso se deve ao fato de que as crianças que chegam

na pré-escola com poucos conhecimentos sobre esses aspectos e, por isso, nem apareçam

menções a eles nos RAAA, visto que este privilegiam apontar os saberes já conquistados.

Os conteúdos vinculados ao eixo de Linguagem Oral e Escrita apontados mais vezes nos

documentos se encaixam nas práticas de leitura e escrita, sendo que os relativos às aprendizagens

da escrita do próprio nome ou dos nomes dos colegas vêm em primeiro lugar, atingindo, no

primeiro semestre de 2014 (Pré II) a porcentagem de 81%, e!diminuindo!gradativamente,!até!chegar!em!20%!no!final!de!2014.!Isso!deve!ocorrer,!provavelmente!por!!ter!sido!esta!uma!conquista! da! maioria! das! crianças! até! meados! do! Pré! II! e,! assim! não! precisou! ser!

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! 72!

mencionada!novamente!em!seus!RAAA!finais.!

Em segundo lugar, aparecem os comentários sobre as hipóteses de escrita das criança (em 64%

dos relatos), sendo que, ao contrário dos registros sobre a escrita dos nomes próprios, seguem em

curva ascendente até atingir a porcentagem de 93% no segundo semestre de 2014, revelando

uma maior preocupação com a escrita autônoma das crianças e sugerindo um trabalho com foco

na alfabetização às vésperas da entrada no fundamental.

As preocupações com a oralidade incidem sobre o vocabulário, a competência comunicativa e

narrativa das crianças. As porcentagens mostram que esse aspecto vai sendo cada vez menos

valorizado com o passar do tempo, chegando a menos de 40% no último semestre da pré-escola.

Possivelmente, essa porcentagem diminui à medida em que as crianças ficam mais competentes

para expressarem-se verbalmente.

Também é expressiva a quantidade de relatórios em que aparecem menções voltadas ao eixo de

Formação Pessoal e Social. Os comentários que se enquadram na categoria "interações sociais"

tiveram a segunda maior porcentagem (64%), no total. Com porcentagem um pouco menor,

aparecem as apreciações concernentes à categoria "conhecimento e respeito às regras e

combinados", verificando-se que seus níveis de ocorrência se mantêm altos durante os quatro

semestre da pré-escola. Interessante notar, todavia, que os aspectos atitudinais e de respeito às

regras são os mais destacados entre os aspectos deste eixo, manifestando a prioridade dada a eles

em detrimento dos demais, como as formas de participação nas brincadeiras e demais atividades,

as preferências, expressão de sentimentos, independência e autonomia para lidar com pertences, o

autocuidado, que são citados também, mas com frequência bem menos intensa.

Somente em 21% dos relatórios aparecem menções sobre participação das crianças em

brincadeiras, seus interesses, preferências, modos de brincar, revelando uma possível

desvalorização do brincar por parte das professoras como atividade que potencializa

aprendizagens.

No PROJETO “VAMOS BRINCAR JUNTOS” que tem ocorrido todos os dias em nossa escola, a aluna interage com os colegas e vivencia as brincadeiras com alegria. (EMEI Gardênia - Prof.ª Graça - aluna: Amora 1ºsem/2014)

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Durante o semestre relacionou-se bem com todos do grupo demonstrando preferência em brincar com jogos, desenhar e de massinha. (EMEI Camélia - Prof.ª . Cecília - aluna: Ana Luísa - 1º sem/2013)

Compartilhou brinquedos e materiais, respeitou regras e combinados com dificuldade, necessitando da intervenção da professora várias vezes. (EMEI Begônia - Prof.ª. Sandra - aluna: Maria - 2º sem/2013)

Nos exemplos supracitados ainda é possível notar que os comentários, por sua vez, são bastante

genéricos, mostrando observações mais superficiais e que não são utilizadas na reflexão sobre os

processos das crianças

Observa-se que o indicador "participação" é referido com frequência quando as professoras

avaliam as crianças em relação aos demais eixos de Conhecimento de Mundo. É um dado

relevante o fato de se preocuparem em dar destaque a esses aspectos nos documentos, até porque

normalmente são comentários positivos, revelando que as crianças, em geral, gostam das

propostas e se envolvem com elas.

Aprecia ouvir musica, participa das atividades proposta com interesse (EMEI Acácia - Prof.ª. Amália - Aluna: Fabiana 1ºsem/2014)

Em movimento e música participa de todas as atividades, gosta de brincadeiras diferentes e desafios. (EMEI Camélia - Prof.ª. Cristina - Aluno: Gabriel - 1ºsem/2014)

2.2.2. A comunicação da avaliação

2.2.2.1. Como são produzidos os relatos

Os conteúdos relacionados ao acompanhamento da criança aparecem, na maioria dos relatórios,

em forma de texto corrido, com considerações do professor a respeito da participação e

desempenho da criança nos diferentes eixos trabalhados, como se vê no exemplo a seguir.

Gabriel é uma criança comunicativa e muito esperta, fica atento a todas as atividades que faz, sempre com muita atenção, ficando muito bravo quando não consegue fazer sozinho e, raramente pede ajuda. Atualmente, tem procurado cumprir os combinados da nossa sala, deixando-o muito contente quando recebe elogios dos amigos e da professora. No eixo de linguagem oral e escrita tem demonstrado grande habilidade, reconhece e escreve o seu nome sem apoio do cartão de chamada e faz tentativas de escrever os nomes dos amigos. Na escrita tem demonstrado preocupação em como escolher as letras certas para escrever, utilizando diferentes tipos de letras, porém sem controle de quantidade. Na oralidade sabe se expressar claramente e tem um vocabulário bem rico, demonstrando facilidade na memorização. Na matemática sabe contar até 29 com noções de quantidades e faz registros até 10. No projeto de natureza e sociedade teve uma boa participação, demonstrando interesse e colaborando nas pesquisas, nas atividades e rodas de conversa sempre comentou sobre o assunto expondo suas dúvidas e opiniões, ficando muito preocupado com o cuidado que

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devemos ter com as plantas. Sua flor predileta é a bromélia. Em artes consegue realizar suas atividades com muita habilidade nos materiais e faz tudo bem rápido para voltar a brincar logo. Em movimento e música participa de todas as atividades, gosta de brincadeiras diferentes e desafios. (EMEI Camélia - Prof.ª.: Cristina - 1ºsem/2014)

Como a maioria dos RAAA vem escrito desta forma, percebe-se a intenção de que os relatos

sejam mais descritivos/narrativos. Mas também são encontrados relatos em que os comentários

da professora sobre a criança aparecem conectados às atividades desenvolvidas por eixo. Isso não

significa, contudo, que as informações estejam articuladas, como se vê no exemplo a seguir.

Linguagem Oral e Escrita: Na sequência “brincando e aprendendo com as parlendas” e as poesias “Vinícius de Moraes” os alunos ouviram, recitaram, dramatizaram e reproduziram textos curtos. Reconheceram letras do alfabeto de forma contextualizada exercitaram a linguagem oral em momentos de conversa e nas brincadeiras onde expressaram desejos e vontades, necessidade, sentimentos, opiniões, ideias e preferências. Fabiana escreve seu nome sem apoio da ficha. Identifica letras do alfabeto. Participa das atividades escrita. Faz pequenas leituras de memória. Usa várias letra do alfabeto para escrever.

Matemática: Através da sequência “jogando e aprendendo” “números e quantidade”, desenvolvemos o raciocínio lógico-matemático. Trabalhamos com a escrita dos números através de jogos como: dominó, percurso, bingo, boliche e outros. Foi também realizada a competição onde os alunos identificaram, escreveram, sequenciaram e relacionaram o número à quantidade. Realizando a contagem e escrita numérica de forma convencional ou não, dentro de um contexto significativo. Fabiana recita até 24 e conta termo á termo até 15. Diferencia números de letras.

NATUREZA E SOCIEDADE/ARTES: Foi desenvolvido o Projeto “Pássaros”, ao apreciar as obra da artista Edna Cassal, dando ênfase por meio da observação às espécie ‘SABIÁ’ e PICA- PAU. Participa das atividades propostas, fez a pesquisa e trouxe para a sala de aula figuras e textos que encontrou. Os desenhos da Fabiana são lindos. Tem formas definidas. Usa cores variadas.

(EMEI Acácia - Prof.ª.: Adélia - 2ºsem/2013)

Na Tabela 7 são apresentadas e comparadas todas as informações contidas nos relatos individuais

de duas crianças que frequentaram a mesma sala, com a mesma professora no mesmo ano (EMEI

Camélia - Prof.ª: Camila - 2º sem/2013). Os exemplos da tabela ilustram uma forte tendência na

escrita dos RAAA e merecem ser analisados e, posteriormente, discutidos. Ao serem

transformados em quadros, fica perceptível que os relatos contêm itens iguais sobre os quais a

professora dá os seus pareceres, desvelando um tipo de avaliação referenciada por critérios. A

professora, provavelmente, utiliza um modelo, ou uma lista de itens, como referência para avaliar

as crianças em suas habilidades. Esses itens, por sua vez, são avaliados isoladamente,

demonstrando que não há reflexão no sentido de buscar articulações entre as informações obtidas

e com o contexto pedagógico.

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Tabela 7: Comparação entre relatos individuais

Aluna: Gisele

Sempre realiza as atividades proposta pela professora como, modelagem, recorte, desenho, pintura e outras modalidades artísticas

Em sua escrita usa apenas as letras do seu nome. Escreve o próprio nome sem apoio de ficha. Reconhece a letra inicial do seu nome. Apresenta uma fala clara e coerente. Lê diferentes textos de memória (brincadeiras cantadas, poesias e parlendas). Aprecia e reconta as histórias, com coerência e compreensão.

Recita oralmente até 59. Conta termo a termo até 13, se confunde e continua em outro numeral desordenadamente. Usa o numeral 10 para representar quantidades.

Reconhece e canta variedades de músicas

Compreende e respeita os combinados e regras da sala, no entanto às vezes precisa de intervenções e auxilio para resolução de problemas. Gosta de participar de brincadeiras, jogos em grupo que envolve a música e movimentos corporais. Verbaliza suas necessidades, desejos e interesse. Realiza com autonomia as atividades de alimentação, higiene bucal, das mãos e não precisa de auxílio após a evacuação.

Apesar de ser uma aluna assídua não alcançou as metas do pré I. Foram feitas intervenções e atividades permanentes como músicas, jogos, contagem na roda, suporte para escrita e desenhos dirigidos diários.

Mas, o que chama mais a atenção na comparação destes dois relatos é o seu item final, em que a

professora atesta se o aluno atingiu ou não os objetivos, apresentando resultados muito diferentes

para as duas crianças, o que leva a crer que, ou bem ela cometeu um erro, que foi ignorado em

possíveis revisões do texto, ou, no seu julgamento final, não levou em conta os itens avaliados

anteriormente. Essa última informação não pode ser considerada como dado para a discussão, já

Aluno: Ivo

Sempre realiza as atividades proposta pela professora como, modelagem, recorte, desenho, pintura e outras modalidades artísticas Em sua escrita usa letras variadas. Escreve o próprio nome sem apoio de ficha. Reconhece a letra inicial do seu nome. Apresenta uma fala clara e coerente. Lê diferentes textos de memória (brincadeiras cantadas, poesias e parlendas). Aprecia as histórias com compreensão, mas não as reconta. Recita oralmente até 20, se confunde e continua em outro numeral desordenadamente. Conta termo a termo até 9, se confunde e continua em outro numeral desordenadamente Usa o numeral 8 para representar quantidades

Gosta de participar de brincadeiras, jogos em grupo que envolvem a música e movimentos corporais

Reconhece e canta variedades de músicas

Demonstra interesse, curiosidade e comenta sobre animais, alimentação, formas geométricas, etc. ao observar imagens, objetos, livros e materiais trazidos pela professora. Compreende e respeita os combinados e regras da sala, no entanto ás vezes precisa de intervenções e auxilio para resolução de problemas. Verbaliza suas necessidades, desejos e interesse Realiza sem auxílio as atividades de alimentação, higiene bucal, das mãos e não precisa de auxílio após a evacuação. Alcançou as metas de seu nível com êxito.

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que se trata de uma exceção, mas pode, no entanto, revelar que, a despeito de critérios definidos

anteriormente, há um alto grau de subjetividade nas avaliações.

2.2.2.2. Apreciação dos alunos pelas professoras

Como já foi apontado, os aspectos que aparecem com maior frequência nos RAAA dizem

respeito aos conteúdos dos eixos de matemática e linguagem oral e escrita, nesta ordem. Em

relação a estes eixos, encontram-se relatos como os transcritos a seguir.

Em matemática seu desempenho foi satisfatório avançando em sua contagem termo a termo e recitação numérica até 29. Registra a quantidade usando os algarismos. Faz correspondência entre os números nos diferentes contextos em que se encontram. (EMEI Camélia - Prof.ª Carolina - Aluno: Ivo - 2ºsem/2014)

Em Matemática, recita oralmente até 177, conta termo a termo até 177e identifica números até 177. (EMEI Begônia - Prof.ª Bernadete - Aluno:Atílio - 2ºsem/2014)

Paulo escreve o seu nome sem apoio, conhece as letras do alfabeto e encontra-se na hipótese de escrita pré-silábica, ou seja, utiliza letras diversas para escrever sem que as letras tenham relação com a palavra, demonstra conhecimento das letras do alfabeto. (EMEI Acácia - Prof.ª Ana - Aluno: Paulo - 2º sem/2014)

Em linguagem oral e escrita já está utilizando a vogal ou a consoante e até mesmo as duas juntas correspondentes da palavra, demonstrando estar na fase silábico alfabética. (EMEI Camélia - Prof.ª Cristina - Aluno: Gabriel - 2º sem/2014)

Verificam-se nestes trechos as conquistas das crianças até o momento da escrita dos relatórios,

principalmente em relação às habilidades cognitivas. Não aparecem, contudo, referências sobre

como as crianças chegaram a tais resultados, nem tampouco como a professora chegou a essas

observações. Fica subentendido, é claro, que as atividades realizadas e mencionadas nos RAAA é

que deram contexto para tais aprendizagens; no entanto, nada se comenta sobre o processo das

crianças, a respeito de como os alunos interagiram uns com os outros e com as propostas, nem

sobre o que facilitou ou dificultou o seu progresso. Demonstra-se, assim, maior preocupação em

comunicar os resultados, do que os processos das crianças.

A maioria dos relatórios aponta para as conquistas das crianças, mas alguns documentos exibem

comentários das professoras sinalizando dificuldades e até mesmo insucessos de seus alunos:

Apesar de ser uma aluna assídua não alcançou as metas do pré I. Foram feitas intervenções e atividades permanentes como músicas, jogos, contagem na roda, suporte para escrita e desenhos dirigidos diários. (EMEI Camélia - Prof.ª. Camila - aluna: Gisele 2ªsem/2013)

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A aluna não alcançou a habilidade de escrever uma letra para cada sílaba na área de Linguagem Oral e Escrita, prevista para o Pré II. Foi entregue para a família da aluna um kit contendo: alfabeto móvel para recortar e montar palavras, de forma a auxiliá-la em sua aprendizagem. Também foram realizadas pela professora atividades e intervenções individuais com a aluna na sala de aula. (EMEI Gardênia- Prof.ª. Graça - aluna: Amora - 2ºsem/2014)

Nesses trechos, nota-se que algumas expectativas foram convertidas em metas de aprendizagem

para as crianças. Este é um dado que desvela uma determinada concepção de EI, e que incide

sobre o currículo e a avaliação praticados no município e será retomado na discussão juntamente

com os demais.

Comentários e apreciações a respeito das crianças, sobre seu jeito de ser, suas características

pessoais e personalidade aparecem com frequência nos relatórios de duas EMEIS e dizem

respeito à construção da imagem do aluno pelas professoras. A leitura de alguns exemplos de

comentários esclarece melhor que tipos de comentários compõem essa classe de informações:

Ana Luísa é um encanto de menina, carinhosa e atenciosa. (EMEI Camélia - Prof.ª.: Cecília - 1º sem/ 2013)

(Ivo) É uma criança amável e muito educada. (EMEI Camélia - Prof.ª.: Camila - 1º sem/ 2013)

Ivo, continue sendo este garoto companheiro! (EMEI Camélia - Prof.ª.: Carolina - 2º sem/ 2014)

Fabiana é uma criança muito alegre, comunicativa e disposta a participar de tudo o que é proposto. É uma aluna que possui um imenso potencial. (EMEI Acácia - Prof.ª.: Amália - 1º sem/ 2014)

Maria é uma aluna que quase não falta. Relaciona - se bem com a professora, e é carinhosa. Mas cria pequenos conflitos nos grupos em que participa. Não respeita muito os combinados; quer andar pela sala e conversar o tempo todo. Quando lhe é chamada a atenção, fica emburrada e faz manha. Porém, quando reforço os motivos pelos quais lhe chamei a atenção e ela percebe que não vou ceder mesmo que faça manha, muda o comportamento. (EMEI Begônia - Prof.ª.: Beatriz - 1ºsem/2014)

Percebe-se que tais comentários são genéricos, superficiais, com altas doses de subjetividade. Em

sua maioria, apontam qualidades e traços de personalidade que depõem a favor da crianças, mas

às vezes, como no último exemplo, explicitam as inadequações do aluno. Neste caso específico,

a professora ainda utiliza a expressão "emburrada" para descrever a atitude da criança e, afirma

que ela faz "manha".

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2.2.3. Intervenções do professor

Entendendo as intervenções por ações intencionais e diretivas, pensadas no sentido de auxiliar as

crianças em suas aprendizagens, pode-se considerar que quase não existem informações

concernentes a elas nos RAAA. Dentre as raras exceções que contêm algum tipo de menção,

segue um dos exemplares em que as intervenções aparecem de forma mais detalhada.

Amora escreve o próprio nome sem apoio, em alguns momentos participa das rodas de conversa, com poucos relatos que apresentam coerência e compreensão. Para escrever palavras, utiliza letras na mesma ordem e lugar, outras de forma diferente.

...

A aluna não alcançou a habilidade de escrever uma letra para cada sílaba na área de Linguagem Oral e Escrita, prevista para o Pré II. Foi entregue para a família da aluna um kit contendo: alfabeto móvel para recortar e montar palavras, de forma a auxiliá-la em sua aprendizagem. Também foram realizadas pela professora atividades e intervenções individuais com a aluna na sala de aula. (EMEI Gardênia - Prof.ª.: Graça - 2ºsem/2014)

Mesmo assim não ficam claras quais as ações foram realizadas em sala no sentido de auxiliar a

aluna.

2.3. Sobre a participação das famílias e das crianças na construção do documento

2.3.1. Espaço destinado aos familiares no relatório, onde podem escrever suas observações e apontamentos

Em todos os relatórios há um espaço específico para que os familiares ou responsáveis deixem ali

algum comentário. Não foi possível ter acesso a todas as escritas dos pais, pois essas são

elaboradas depois que o relatório é finalizado e socializado em reunião, e os relatórios foram

disponibilizados para a pesquisa em formato digital, em versão anterior à socialização. A única

escola que tinha os documentos digitalizados em sua versão final era a EMEI Dália, que

disponibilizou os relatórios de 2013, do Pré I.

Nos registros lidos observam-se comentários sobre o desenvolvimento das crianças, sobre como

têm evoluído em seus relacionamentos, brincadeiras e interesses e também agradecimentos às

professoras e equipe da EMEI. Os trechos transcritos trazem uma ideia melhor da natureza desses

textos:

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Estou muito satisfeita com o desenvolvimento da Silvia, também em casa, pois as brincadeiras dela com todos tem melhorado bastante, ela tem suas opiniões em todos os assuntos, é bem decidida, se preocupa em nos ajudar nas tarefas em casa. Gosta muito de papel e lápis, e também de pegar livrinhos para ler do jeito dela para os seus folhos (bonecas). (Silvia, 1ºsem)

A Silvia é uma criança bem observadora em casa também, neste semestre conseguimos observar que está mais interessada em tentar escrever as coisas sempre perguntando como se escreve isso ou aquilo e, após escrever fala tudo com facilidade, se lembra de coisas que às vezes faz tempo que fez ou falou. Estamos muito gratos pelo trabalho que fizeram (professores e funcionários da EMEI), a Silvia gosta de todos, nas brincadeiras de faz-de-conta aqui em casa ela coloca o nome de todos em suas bonecas. (Silvia, 2º sem)

Vimos um amadurecimento neste semestre, que o Gustavo está tendo mais atitudes independentes, muito comunicativo, muita iniciativa em descobrir coisas novas, os "porquês" da vida, e sabemos que ele tem muita vergonha e estamos trabalhando este lado, parabéns pelo seu trabalho e sua dedicação com nosso filho. (Gustavo, 1ºsem)

Neste semestre notei que o Gustavo, tanto em brincadeiras em casa ou com os amiguinhos, está usando bem os números e letras, como por exemplo, na brincadeira de esconde-esconde, está contando até números mais altos, coisa que antes não fazia. Em casa ele gosta muito de escrever o nome e copiar palavras de folhetos, jornais, mesmo não sabendo ler ainda, e tenta dizer o que está escrevendo. Está gostando mais de desenhar pessoas que não sejam desenhos que assiste ou brinquedos que gosta, ou seja está variando mais opções. Pede mais para lermos para ele e se interessa mais em saber o que está escrito em determinados lugares que o chamam a atenção. Notamos que ele progrediu bastante. Obrigada a todos vocês que contribuíram para isso. (Gustavo, 2º sem)

Podemos chegar a conclusão que o nosso filho teve uma grande evolução ...teve mais desenvoltura em fazer novas amizades e ficou mais atencioso. E ficamos muito felizes em ver seus trabalhos, desde o primeiro até o que ele fez por último, seu desempenho, sua evolução. (Lino, 2ºsem)

O Dante se desenvolveu muito, aprendeu bastante coisas. Ele ama vir a aula, a tia Dora é para ele uma segunda mãe, ele tem muito carinho por ela, eu não tenho palavras para agradecer todos dessa escola. (Dante, 1ºsem)

Ele está se desenvolvendo muito, já sabe ler seu nome, o alfabeto, contar os números, etc. (Dante, 3ºsem)

Os comentários demonstram que os pais estão satisfeitos com o trabalho realizado, já que podem

notar progressos nas crianças, e em nenhum momento referem-se a dificuldades ou expectativas

que não foram alcançadas.

2.3.2. Referências às famílias no relatório (famílias em geral)

Nos relatórios encontramos com frequência informações referentes ao envolvimento dos pais e à

parceria com as famílias, mencionando a importância dessa parceria, ou dando algum "recado"

mesmo que indiretamente:

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Quero agradecer a participação de vocês pais, que estão sempre colaborando e buscando o melhor para seus filhos. Foi muito bom! Muito obrigada (EMEI Acácia - prof.ª: Amália - 1ºsem/2013)

Todos queriam levar os livros de poesia para casa para os pais lerem. A maioria dos pais aproveitou esse momento. Porém, algumas crianças falavam “ ninguém teve tempo de ler para mim”. “ leram ontem à noite “(EMEI Begônia - prof.ª: Beatriz - 2ºsem/2013).

As conquistas individuais só estão começando, muito se deve ao empenho da família presente à escola atuante, promovendo cada vez mais com essa parceria o sucesso de nossos alunos. . (EMEI Gardênia - Prof.ª: Gladis - 2ºsem/2014)

No caso específico de uma das professoras da EMEI Begônia, é possível identificar itens

destacados no texto, com comentários sobre o empenho dos pais durante o semestre e com

algumas dicas:

Empenho dos pais no 1º semestre: a presença dos pais nas duas reuniões que tivemos, bem como nas atividades do nosso projeto que envolvia a família, revelou compromisso, interesse pela educação de seus filhos e prazer em participar. Na última, construíram jogos escolhidos pelas crianças e se envolveram na atividade. As crianças relataram, posteriormente, que gostaram muito de ver os pais levando os jogos para casa e brincando com eles. Também pude perceber parceria quando solicitei auxílio em relação ao comportamento de alguns alunos. Parabéns! Espero poder continuar contando com vocês no 2º semestre, pois, se trabalharmos juntos, certamente obteremos excelentes resultados.

Dicas para os pais: continuem estimulando, em casa. Quando uma tarefa for enviada, procurem somente orientar a criança, mas sempre deixe que ela faça, que escreva o próprio nome, que recorte, desenhe, cole etc. E procurem devolver as tarefas no prazo combinado em reunião de pais. Observem o número de faltas do aluno; é importante evitá-las e faltar somente em caso de problemas de saúde. (EMEI Begônia - prof.ª: Beatriz - 1ºsem/2013)

2.3.3. Referências à família específica da criança

Quase não se encontram trechos em que haja uma comunicação direta com as famílias das

crianças; o que se vê normalmente é um agradecimento pela participação, valorizando a parceria

para os processos de aprendizagem da criança:

Com uma parceria junto da família obteve avanços em suas hipóteses de escrita e leitura. (EMEI Camélia - Prof.ª.: Carolina - 2º sem/2014)

Em alguns casos muito específicos, observou-se que a professora intencionou uma comunicação

mais direta, como nos trechos selecionados:

Dicas para os pais: explorar bastante as tarefas enviadas para casa. Montar listas de nomes de animais, pessoas, brinquedos, etc utilizando alfabeto móvel e explorando sons

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iniciais e finais. Em relação à matemática, podem oferecer fichas contendo números para ordenar, ler; objetos para contar e realizar a correspondência entre número e quantidade. É muito importante que a criança perceba que a chantagem emocional não é o caminho para se conseguir as coisas. Certamente muitos progressos virão no 2º semestre. prof.ª Beatriz (Trecho tirado da parte do relatório reservada ao acompanhamento individual da criança)

A aluna não alcançou a habilidade de escrever uma letra para cada sílaba na área de Linguagem Oral e Escrita, prevista para o Pré II. Foi entregue para a família da aluna um kit contendo: alfabeto móvel para recortar e montar palavras, de forma a auxiliá-la em sua aprendizagem. Também foram realizadas pela professora atividades e intervenções individuais com a aluna na sala de aula. (EMEI Gardênia - Prof.ª. Graça - 2ºsem/2014)

2.3.4. Espaço destinado às crianças no relatório

Nos RAAA de duas das cinco escolas participantes, há espaço destinado para crianças, ou

melhor, para suas produções. Nos relatórios da EMEI Camélia, há um espaço na primeira página,

delimitado por uma margem, para que a criança elabore um desenho livre em seu relatório. Nos

documentos da EMEI Dália, da mesma forma, há um espaço destinado à elaboração de um

desenho na primeira página, mas não totalmente livre, e sim a partir de um tema. Como só foram

entregues relatórios de 2013, só foi possível conhecer os temas para o Pré I: "Eu sou assim", no

primeiro semestre, e " Eu e meus coleguinhas", no segundo semestre. Logo abaixo dos desenhos,

as crianças também contam com uma linha sobre a qual devem escrever o seu nome de próprio

punho.

Embora tenham sido encontradas essas produções em alguns relatórios, nenhuma delas é

comentada pela professora. Muito provavelmente as crianças elaboram seus desenhos e escrevem

o nome depois do relatório já pronto. Nos RAAA das demais escolas não há nenhum exemplo de

produção das crianças, nem fotos delas em atividade, nem mesmo espaço para que desenhem ou

escrevam.

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DISCUSSÃO

O problema desta pesquisa se constituiu na seguinte questão: Como professores avaliam os

progressos das crianças na educação infantil? O objetivo do trabalho foi investigar o que os

RAAA revelam sobre as concepções e práticas de avaliação na EI em uma rede municipal

paulista.

A análise dos RAAA permitiu o levantamento e a intersecção de alguns dados considerados

relevantes para a elaboração de respostas ao problema, e o que se pretende neste capítulo é

discutir esses aspectos, tomando como base os seguintes questionamentos: Que função

desempenham os RAAA e quais são os seus propósitos? O que eles revelam sobre o currículo

desenvolvido e as práticas de avaliação nas EMEIs do município? A avaliação realizada está em

consonância com o que é propugnado pela legislação e recomendado pela literatura mais

atualizada? Quais os desafios que ainda se colocam e que caminhos podem ser apresentados no

sentido de sua superação?

1. O que revelam os RAAA?

1.1. Função e propósitos dos RAAA

Destaca-se, num primeiro momento, o fato de que todas as EMEIs participantes elaboram RAAA

semestrais como forma de documentar a avaliação das crianças da pré-escola, estando de acordo

com as DCNEI, que, no artigo 10, tópico IV, citado anteriormente neste trabalho, estabelecem

que as instituições de educação infantil, além de criarem procedimentos para acompanhamento

do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças, devem garantir

"documentação específica que permita às famílias conhecer o trabalho da instituição junto às

crianças e os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança na educação infantil".

Entretanto, chama a atenção o fato de que 30% dos 80 relatórios esperados para a realização da

pesquisa não estivessem disponíveis. Independentemente dos motivos alegados, essa

porcentagem é alta, considerando que as crianças haviam acabado de finalizar a pré-escola em

2014. Seria interessante que as EMEIs contassem com um suporte para o arquivamento e a

organização desses documentos a fim de que não fossem corrompidos e nem extraviados,

permanecendo disponíveis para consulta.

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A leitura dos RAAA permitiu observar que a estrutura dos documentos é muito semelhante em

todas as escolas. Essas observações levam a crer que há uma orientação geral, um modelo

proveniente da SME do município norteando a elaboração de tais documentos e, mais, que essas

orientações são seguidas pelas unidades escolares, indicando que há clareza e unidade nas

orientações dadas e eficiência na sua comunicação, pelo menos no que diz respeito aos objetivos,

ao conteúdo básico e à frequência com que eles são emitidos. Os RAAA, ao possibilitarem aos

interessados conhecer o trabalho realizado nas EMEIs, adequam-se ao proposto pelo artigo 31 da

LDB (incluído pela Lei nº 12.796 de 2013), que coloca como uma das regras para a EI, a

"expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e

aprendizagem da criança". Por esta perspectiva, é justificável que haja uma base comum com

orientações provenientes da SME do município para a elaboração dos RAAA.

Mesmo a proposta pedagógica ficando a cargo das escolas, existem aspectos curriculares que não

são negociáveis perante a LDB e as DCNEI e precisam ser respeitados, como a garantia de que

não existam objetivos de retenção, classificação e/ou promoção nos processos avaliativos em EI.

O PNE (Brasil, 2001-2011) já determinava que o município é responsável pelo acompanhamento

e supervisão das unidades educacionais, a fim de garantir o cumprimento dos padrões mínimos

definidos pelas diretrizes nacionais e pelos parâmetros de qualidade para a EI. Compreendendo

que a avaliação é uma prática intrínseca aos processos educativos e que existem alguns

parâmetros legais para a sua realização, espera-se, consequentemente, que as equipes técnicas do

município acompanhem tais práticas, garantindo que as crianças sejam respeitadas em seus

direitos, não sendo retidas, comparadas, rotuladas ou estigmatizadas na EI, e, inclusive,

orientando e oferecendo modelos para a elaboração dos RAAA.

Dando continuidade aos apontamentos derivados da análise mais global dos RAAA, destaca-se

também a opção em informar num mesmo documento sobre as aprendizagens da criança e sobre

a organização pedagógica que deu contexto para tais aprendizagens. Não é raro que relatórios de

grupo e individuais sejam entregues separadamente, inclusive que sejam elaborados em épocas

distintas do ano; portanto, a opção de que sejam incluídos num mesmo documento pode ser

considerada intencional e indicar uma concepção de que os progressos da criança devem ser

avaliados sempre à luz das experiências educativas proporcionadas. De fato, seria muito

importante que os comportamentos, as formas de resolver problemas, as hipóteses, as

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descobertas e conquistas observadas nas crianças fossem sempre relacionadas ao contexto que as

produziu, sendo a avaliação o processo de reflexão e atribuição de significados a essas relações.

Ao mesmo tempo em que contextualiza o cenário educativo onde ocorreram todas as situações, o professor ressignifica-o, descobrindo e apontando alternativas de continuidade para ele próprio, para outros professores e para os pais. (Hoffman, 2015, p.140)

Observa-se, todavia, que nos RAAA não são estabelecidas relações diretas entre a avaliação dos

processos das crianças e as atividades propostas, mas sim uma sobreposição de informações: o

que foi proposto por parte da professora e o que foi observado nas crianças, sendo que a

articulação entre as duas coisas fica ao encargo de quem lê. Não se nota a preocupação em

"costurar" as duas dimensões, interpretando os aspectos observados sobre as crianças, atribuindo

sentido às suas aprendizagens em função do que foi vivido por elas, na busca de compreender

quais experiências foram mais significativas, ou que condições propiciaram suas descobertas.

É perceptível, então, que o RAAA não é utilizado como instrumento formativo para uma

retomada reflexiva por parte do professor, em que, em ocasião de sua escrita, ele tenha

oportunidades de rever o seu trabalho e os seus resultados, analisando os procedimentos

adotados, as formas de interação estabelecidas e as dificuldades enfrentadas. Essas relações

tampouco são comunicadas aos destinatários do documento, ou seja, os RAAA não trazem

nenhum tipo de dica a respeito de que ações educacionais futuras poderiam ser interessantes para

aquela turma ou criança em particular.

Existem algumas possibilidades de explicação para esta desarticulação. A primeira é que os

registros elaborados ao longo do semestre não apontam indícios relevantes sobre o processo das

crianças, seja por que as professoras não dispõem dos recursos necessários para realizar boas

observações, como, por exemplo, conhecimentos específicos sobre a faixa etária e formação

suficiente em relação às áreas de conhecimento, ou porque os instrumentos instituídos pelas

EMEIs para a elaboração dos registros não são adequados.

A segunda é que, mesmo tendo bons registros, as professoras não dispõem de tempo durante o

semestre, nem de interlocutores capacitados que ajudem na sistematização dos dados dos

registros, na análise e avaliação desses dados. Neste caso, os professores também não dispõem

de boas condições para regular a sua prática em função do que mostram as crianças.

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A terceira é que as professoras não encontram condições favoráveis para a elaboração do

relatório, como espaço, materiais e tempo insuficiente para escrever com calma; escassez de

registros, ou falta de organização dos dados para apoiar a escrita; muitos relatórios para fazer ao

mesmo tempo, ou até mesmo, todas essas adversidades juntas.

Uma quarta explicação poderia ser a própria estrutura sugerida para o relatório, que não

permitiria essa articulação, ou a dificultaria, colocando as atividades realizadas de um lado e as

observações sobre o grupo ou sobre as crianças de forma individualizada, de outro. Essa

estrutura parece uma forma de garantir que as informações básicas estejam contidas num mesmo

documento, observando-se, inclusive, que há alguma liberdade para que os professores realizem

adequações ao formato do documento. Entretanto, como foi apontado, os relatórios iniciam,

geralmente, com um texto sobre a turma de crianças, depois, em outro segmento, vêm as

atividades realizadas, e, por último, as observações e apontamentos particulares sobre a criança.

Tudo vem junto, mas separado. Todas as informações estão contidas no mesmo documento, mas

cada uma delas é considerada isoladamente, sendo que uma não ajuda na construção de

significados para a outra.

A prática de avaliação formativa, como visto no capítulo que versa sobre esse tema, deveria

inserir-se no processo educativo, incluindo nela instrumentos de observação e registro que

auxiliem o professor na tomada de consciência da trama de acontecimentos do cotidiano, ao

retomar as suas ações, suas expectativas, as interações estabelecidas, as respostas das crianças às

propostas feitas, bem como a reflexão sobre as relações entre os diversos elementos desta trama.

Os registros e anotações diárias, os planejamentos e produções das crianças, bem como as

reflexões originadas da análise e avaliação destes elementos, deveriam compor material que

apoiasse a escrita dos RAAA, entendidos como a síntese do trabalho pedagógico desenvolvido

no período.

Sem esse movimento de observação e reflexão, fica difícil para o professor avaliar no sentido de

atribuir significados ao trabalho e de apontar alternativas interessantes para a sua continuidade.

Corre-se um risco muito grande de que suas ações ocorram de forma mecanizada e irrefletida,

sem que se tome conta do seu real significado para os progressos das crianças. Da mesma forma,

quando os RAAA não apresentam em sua síntese esse caráter reflexivo, fica difícil para o leitor

acompanhar e avaliar o trabalho desenvolvido. Pais e professores dos anos subsequentes que

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leem este material pouco ficam sabendo, de fato, sobre como se deram os processos, tanto em

âmbito coletivo como individual, tendo quase nenhuma possibilidade de compreender mais a

fundo o que contribuiu ou não para os avanços ou dificuldades relatados. A única alternativa é

aceitar o que está documentado, acriticamente.

Assim sendo, os RAAA deixam de cumprir a sua função de instrumento de avaliação -

considerando o termo em seu sentido formativo - limitando-se ao papel de notificar os resultados

das crianças, não realizando, por consequência, o propósito de socialização de seus processos de

aprendizagem e desenvolvimento.

Neste trabalho confia-se que quando os relatórios ultrapassam o seu sentido meramente

burocrático, podem ser excelentes instrumentos de troca com as famílias, fomentando a parceria

no processo educativo das crianças; de formação para os pais, cooperando para uma melhor

compreensão sobre o papel da EI e, em consequência, a sua maior valorização social; de troca de

informações e ideias entre os professores; de reflexão sobre o currículo desenvolvido pela

unidade, análise, avaliação e aprimoramento das práticas pedagógicas, tendo em vista dar mais

condições e possibilidades ao desenvolvimento das crianças e, contribuindo para a formação e

fortalecimento de comunidades colaborativas na educação das crianças. Mas, para que isso

ocorra, é necessário que as professoras contem com as condições para produzi-los.

1.2. O currículo desenvolvido e as práticas de avaliação nas EMEIs do município

1.2.1. Estrutura curricular

Os achados nos mostram que as EMEIs organizam suas atividades em torno de áreas de

conhecimento, das quais são elencados conteúdos que, por sua vez, são trabalhados

predominantemente por meio de sequências de atividades, mas também por atividades

permanentes e por projetos.

Observa-se uma estrutura curricular comum para as EMEIs do município, muito pautada nos

RCNEI, mas com caráter mais prescritivo, em que são definidos os conteúdos, como devem ser

trabalhados, dando assim pouca liberdade para que as escolas definam o seu plano pedagógico.

O fato de serem descritas sequências de atividades iguais nos eixos de Linguagem Oral e Escrita,

e de temas e conteúdos de sequências e projetos em outras áreas se repetirem nos diferentes

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relatórios de um mesmo semestre, são reveladores de que existe certo controle no município no

que diz respeito ao currículo das unidades.

Nas DCNEI, no entanto, o conceito de currículo “é concebido como um conjunto de práticas que

buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem

parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o

desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade” (2009, art. 3º, p.1), sendo que nelas

é defendida a ideia de que as escolhas em relação ao que e como serão desenvolvidas são da

responsabilidade de cada instituição e de seus profissionais. Nos termos do texto da Resolução

CNE/CEB 5/2009, “as creches e pré-escolas, na elaboração da proposta curricular, de acordo

com suas características, identidade institucional, escolhas coletivas e particularidades

pedagógicas, estabelecerão modos de integração dessas experiências” (BRASIL, 2009, p. 4).

Considerando o caráter mandatório das DCNEI, é possível questionar essa forma mais fechada

de o município conceber as suas orientações, dando pouca autonomia às unidades escolares.

Por outro lado, pode-se conjecturar que a definição das sequências de atividades a serem

trabalhadas seja uma forma de garantir o trabalho com certos conteúdos considerados

estruturantes, como, por exemplo, no caso das sequências envolvendo a leitura e escrita do

próprio nome, que ocorre em todas as escolas. A indicação de temas como brincadeiras cantadas,

brincadeiras regionais, jogos e coleções pode estar a serviço da integração de conteúdos de

diferentes áreas em propostas contextualizadas e interessantes do ponto de vista da criança.

Entendendo a criança como sujeito histórico e de direitos, que se apropria da cultura de seu

meio, mas também é produtor de cultura, e que faz isso por meio de um modo próprio de pensar

e agir sobre o mundo, cuja marca essencial é a brincadeira, as DCNEI assumem uma perspectiva

curricular orientada por experiências.

A organização por eixos que se assemelham a áreas de conhecimento pode ser questionada

quando coloca os conteúdos, ou seja, o ensino, no centro da ação educativa. Mas ao organizar o

currículo em termos de experiências, esse foco é deslocado para as crianças, numa perspectiva de

aproximação aos seus modos próprios de estar, pensar e agir no mundo, indo ao encontro do que

está determinado na Resolução:

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As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, DCNEI, 2009, art.4º)

Entende-se então que, pela forma de organizar as práticas educativas no município, existe, de

forma geral, preocupação em proporcionar experiências significativas e integradoras para as

crianças, embora haja uma estrutura curricular organizada por eixos. Não há como saber, pelos

RAAA, como são definidas essas propostas (sequências, projetos), se há espaço para o

planejamento e adequação das atividades, ou não. De qualquer maneira, defende-se aqui que as

propostas não sejam impostas de forma fechada, mas sim discutidas com os professores,

buscando retomar os princípios e propósitos que a orientam, e (re)planejadas em função da

realidade que se apresenta.

É importante lembrar que, conforme já foi apontado na introdução, as propostas e práticas no

campo da educação infantil ainda estão em processo de construção, o que, portanto, torna

compreensível a dificuldade encontrada na definição sobre o que as crianças devem, podem e

precisam aprender a fim de se desenvolverem integralmente. Neste cenário que ainda é de

indefinições, bem ou mal, os RCNEI apresentam intenções educativas e orientam sobre o que as

crianças poderão desenvolver como consequência de ações intencionais dos professores. Sendo

assim, defende-se aqui que os caminhos oferecidos pelos documentos do RCNEI podem ser

tomados como referências, se forem discutidas e adaptadas de acordo com o contexto de cada

escola, considerando os diferentes pontos de vista dos atores envolvidos, numa perspectiva de

gestão democrática, como sustentada pelas DCNEI.

Reitera-se também que, “para uma criança pequena, a vida é algo que se experimenta por inteiro,

sem divisões em âmbitos hierarquizados” (Kuhlmann, 2005, p.65), considerando muito

importante tomar cuidado com perspectivas que tomam a EI como segmento preparatório para o

Ensino Fundamental, assumindo os conteúdos e a segmentação empregada neste último como

referências para realização de suas propostas curriculares e, desconsiderando suas

especificidades. Sendo assim, deve-se atentar para a centralidade que é dada às áreas de

Matemática e Linguagem Oral e Escrita, destacando-se conteúdos mais formais de aquisição de

conhecimentos específicos sobre o sistema de numeração e sobre o sistema de escrita. Embora

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tais conhecimentos possam circular por meio das propostas e as crianças possam ter

oportunidades de aproximações a eles, não se deve esquecer que os eixo priorizados pelas

DCNEI são a brincadeira e as interações.

Salienta-se o cuidado que se deve ter com certos textos que podem passar desapercebidas em

alguns RAAA, mas que acabam revelando que algumas concepções e práticas ainda não foram

superadas por completo, como por exemplo:

Atividades de Rotina: Leitura do alfabeto, e dos numerais, ajudante do dia, contagem das crianças, oração, música, roda de história, desenho livre, modelagem, calendário, merenda e higiene das mãos e escovação. (EMEI Begônia - Prof.ª. Bernadete - 1º sem/2014)

É bom saber que estão preparados para o novo, porque aproveitaram ao máximo este tempo na Educação Infantil. E neste último semestre, cada conteúdo trabalhado serviu para prepará-los ainda mais. (EMEI Begônia - prof.ª: Branca - 2ºsem/2014

A maioria do grupo já alcançou as metas propostas para o Pré II. (EMEI Gardênia - Prof.ª.:Gladis - 2ºsem/2014)

Não se pode esquecer, no entanto, que o eixo Formação Pessoal e Social aparece como um dos

mais destacados nos RAAA, remontando à importância dada aos seus conteúdos no currículo

desenvolvido pela rede municipal em questão.

Foi constatado, todavia, a partir da análise, que os aspectos atitudinais e de respeito às regras são

os mais frequentes nos relatórios, o que também merece ser discutido. Uma provável explicação

para isso é que haja de fato maior valorização daquilo que convencionalmente é tido como "bom

comportamento", expresso por qualidades como calma, tranquilidade, aceitação, compreensão,

controle motor e afetivo, aspecto valorizado por muitas famílias, inclusive. Neste sentido, uma

professora que consegue manter o controle de sua turma, também é valorizada. Pode ser, então,

que haja grande observância por parte da gestão das escolas para que as turmas sejam mantidas

sob o controle das professoras, que por sua vez, focam a sua atenção e ações na tentativa de

manter esse controle.

Caso essa interpretação tenha relação com a realidade das EMEIs, deve haver um nível alto de

expectativa sobre as crianças neste sentido. Ocorre que as crianças pequenas são por sua

natureza, em grande parte, muito ativas, curiosas, e ainda não tiveram tempo e experiências

suficientes para aprender a regular bem os seus comportamentos diante das situações que se

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colocam, além do que é importante que possam expressar sua individualidade, bem como ter

seus ritmos e desejos respeitados. Os cuidados que se deve ter são, então, de não julgar as

crianças negativamente, mas sim de compreendê-las e apoiá-las; de não submetê-las a

ambientes e situações aversivas na tentativa de controlá-las e, sim de auxiliá-las a reconhecer e

a aprender a regular seus comportamentos conforme a situação que se apresenta, promovendo

assim, maior conhecimento de si e desenvolvimento pessoal.

É um dado relevante o fato de as professoras se preocuparem em dar destaque a esses aspectos

nos documentos, até porque normalmente são comentários positivos, revelando que as crianças,

em geral, gostam das propostas e se envolvem com elas. O ambiente é um dos aspectos

determinantes para as aprendizagens das crianças; ele pode apoiar aprendizagens, ou pode

simplesmente inibi-las, sejam quais forem. Um clima favorável às interações harmoniosas, livre

de tensões, com espaços, materiais e mediações que estimulem a curiosidade, facilitem o

estabelecimento de relações e as descobertas, permitem às crianças maior envolvimento com as

atividades, interesse por elas e participação nelas. Sendo assim, importantes indicadores de que

as coisas correm bem são a disponibilidade afetiva para vincular-se e relacionar-se, e o alto nível

de interesse e de participação.

Duas dimensões ganharam amplo reconhecimento por parte quer da comunidade científica quer da comunidade profissional (educadores): implicação e bem-estar emocional. Se estas apresentam em grau elevado, podemos considerar que o desenvolvimento decorre em boas condições. O seu interesse reside no facto de fornecerem um feedback imediato ao educador sobre a qualidade da atividade ou da situação. (PORTUGAL, 2010, p.14)

Além de ser positivo, o simples fato de as professoras apontarem, com frequência, um bom nível

de interesse e participação das suas turmas de crianças, bem como enunciarem animação,

motivação para aprender, e também a construção de vínculos afetivos, pode indicar que de

maneira geral o ambiente nas pré-escolas é favorável ao desenvolvimento das crianças.

Para que as apreciações fossem menos genéricas e pudessem oferecer mais subsídios para uma

avaliação formativa, no entanto, seria importante aos professores desenvolverem mais critérios

para a observação de cada aspecto, compreendendo como se expressam, quais as possíveis

nuances, além de aprender a relacionar a expressão da criança com sua atividade propriamente

dita e o ambiente que lhe dá contexto. E isso não se aprende somente com a experiência prática,

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mas por meio de processos formativos

1.2.2. O lugar da brincadeira

Segundo as DCNEI, "as práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da EI devem

ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira" (BRASIL, 2009, art.9º), reconhecendo-

a como atividade privilegiada na promoção do desenvolvimento das crianças.

Brincar dá à criança oportunidade para imitar o conhecido e construir o novo, conforme ela reconstrói o cenário necessário para que sua fantasia se aproxime ou se distancie da realidade vivida, assumindo personagens e transformando objetos pelo uso que deles faz. Na brincadeira de faz-de-conta se produz um tipo de comunicação rica em matizes e que possibilita às crianças indagar sobre o mundo a sobre si mesmas e por à prova seus conhecimentos no uso interativo de objetos e conversações. Através das brincadeiras e outras atividades cotidianas que ocorrem nas instituições de Educação infantil, a criança aprende a assumir papéis diferentes e, ao se colocar no lugar do outro, aprende a coordenar seu comportamento com os de seus parceiros e a desenvolver habilidades variadas, construindo sua Identidade. (Oliveira, 2010, p.06)

O município parece ter se preocupado em garantir a brincadeira, instituindo em todas as unidades

escolares o projeto "Brincar Juntos" ou " Vamos Brincar Juntos".

São atividades diferenciadas no pátio. Têm diversos cantinhos e o uso do parque, onde os alunos têm autonomia para escolher onde desejam brincar, visando a socialização e a integração entre as salas, e o desenvolvimento integral do aluno. (EMEI Acácia - Prof.ª Adélia - 1º sem/2013) Tem o objetivo de promover a interação entre os alunos de todas as salas, desenvolver na criança a autonomia para brincar, o faz de conta e despertar a imaginação e a criatividade, por meio de diferentes propostas, como: parque, “play”, brincadeiras com corda, tamanco de madeira, chute a gol, futebol, jogos de encaixe, cantinhos: “casinha”, “salão de beleza”, “banho de bonecas”, “massinha de modelar”, “supermercado”. (EMEI Gardênia/ Prof.ª. Graça - 2º/14)

Assegurar tempos, espaços, materiais para o brincar da criança é garantir-lhe um direito previsto

pela legislação brasileira, tanto na Constituição Federal (1988, Artigo 227), quanto no Estatuto

da Criança e do Adolescente - ECA (1990, Artigos 4º e 16). Entende-se essa medida, portanto,

como um compromisso do município com os direitos das crianças. Enfatiza-se, então, a

importância de atividades desta natureza ocorrerem cotidianamente nas EMEIS, sendo

consideradas momentos privilegiados para a observação das crianças em suas interações,

construções e expressões mais espontâneas, e, portanto, fonte de informações preciosas sobre

quem elas são, quais seus interesses e necessidades, o que sabem e o que podem fazer.

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Todavia, embora fique evidente nos RAAA que, além desses momentos reservados ao brincar

autônomo, as propostas pedagógicas privilegiam as brincadeiras e o lúdico, pouco aparecem

comentários sobre o brincar nos relatos individuais das crianças e, quando aparecem, são

superficiais, demonstrando certa desconsideração com esses aspectos para a avaliação.

Ficam, então, algumas indagações, nascidas a partir dessa constatação e, que podem ser úteis

para se refletir sobre as condições necessárias para que o brincar seja, de fato, tomado como eixo

norteador das práticas pedagógicas, entre elas a avaliação: A equipe e os professores valorizam a

brincadeira, como atividade privilegiada da criança na EI? Compreendem as funções que essa

atividade desempenha na vida da criança, nas suas aprendizagens e desenvolvimento? Os

professores sabem observar as brincadeiras e perceber o que as crianças expressam por meio

delas? As famílias, valorizam e compreendem a função da brincadeira na EI?

1.2.3. A avaliação, os referenciais utilizados e a comunicação dos resultados

A maioria dos relatos se foca nas conquistas das crianças, nos aspectos positivos em relação à

sua participação nas atividades e conhecimentos atuais das crianças relacionados aos eixos de

trabalho. Isso demonstra uma tendência das profissionais desta rede municipal a valorizar o que

as crianças sabem e podem fazer, o que, sem dúvida, é mais interessante do que focar no que

"falta" elas aprenderem. Em relação a isso, o primeiro ponto a ser considerado e discutido é o

que vem sendo privilegiado como objetivo na pré-escola. Como já foi apontado, os aspectos que

aparecem com maior frequência dizem respeito aos conteúdos dos eixos de matemática e

linguagem oral e escrita, nesta ordem. Em relação a estes eixos, vimos relatos como os

transcritos a seguir.

Em matemática seu desempenho foi satisfatório avançando em sua contagem termo a termo e recitação numérica até 29. Registra a quantidade usando os algarismos. Faz correspondência entre os números nos diferentes contextos em que se encontram. (EMEI Camélia - Prof.ª Carolina - Aluno: Ivo - 2ºsem/2014)

Em Matemática, recita oralmente até 177, conta termo a termo até 177e identifica números até 177. (EMEI Begônia - Prof.ª Bernadete - Aluno:Atílio - 2ºsem/2014)

Paulo escreve o seu nome sem apoio, conhece as letras do alfabeto e encontra-se na hipótese de escrita pré-silábica, ou seja, utiliza letras diversas para escrever sem que as letras tenham relação com a palavra, demonstra conhecimento das letras do alfabeto. (EMEI Acácia - Prof.ª Ana - Aluno: Paulo - 2º sem/2014)

Em linguagem oral e escrita já está utilizando a vogal ou a consoante e até mesmo as duas juntas correspondentes da palavra, demonstrando estar na fase silábico alfabética. (EMEI Camélia - Prof.ª Cristina - Aluno: Gabriel - 2º sem/2014)

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Verificam-se nestes trechos as conquistas das crianças até o momento da escrita dos relatórios,

principalmente em relação às habilidades cognitivas. Não aparecem, contudo, referências sobre

como as crianças chegaram a tais resultados, nem tampouco, como a professora chegou a essas

observações. Fica subentendido, é claro, que as atividades realizadas e mencionadas nos RAAA

é que deram contexto para tais aprendizagens; no entanto, nada se comenta sobre o processo das

crianças, a respeito de como os alunos interagiram uns com os outros e com as propostas, nem

sobre o que facilitou ou dificultou o seu progresso.

Os RAAA podem ser compreendidos mais como documentos de constatação, do que

instrumentos reflexivos, já que focam mais nos resultados da criança que nos seus processos. O

que significa a criança ter atingido ou não tal hipótese de escrita ou saber fazer a correspondência

termo a termo até tal número? Olhados isoladamente, esses aspectos dizem muito pouco sobre as

crianças, porém, se contextualizados e ilustrados com exemplos de situações vividas, se

relacionados com outros aspectos do desenvolvimento, como os aspectos sociais, afetivos e

motores, se o momento de vida, as preferências e necessidades das crianças forem considerados,

torna-se possível construir uma imagem muito mais integradora sobre elas, de forma a tornar os

resultados da avaliação mais compreensíveis para os leitores dos relatórios.

O olhar avaliativo deve estar voltados às dinâmicas relacionais,

Avaliar não é fazer um "diagnóstico de capacidades", mas acompanhar a variedade de ideias e manifestações das crianças para planejar ações educativas significativas. (HOFFMANN, 2015, p. 30)

Mesmo admitindo ser importante traçar alguns objetivos para o segmento, sabemos que as

crianças percorrem caminhos muito particulares e em ritmos muito diversos em direção a tais

objetivos. O importante é o professor estar atento ao percurso de cada uma, aos aspectos que se

sobressaem, àquilo que lhe parece mais significativo no processo da criança em particular, seja

em termos de avanços ou desafios, e no relatório, sintetizar esses aspectos na busca de

estabelecer articulações, criar sentidos para cada informação passada, bem como de estabelecer

alternativas pedagógicas nos casos em que dificuldades são encontradas (pela criança ou pelo

professor).

Analisando os RAAA de uma outra perspectiva, no entanto, constata-se que resultados muito

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diferentes entre as crianças que cursam o mesmo período são entendidos, igualmente, como

conquistas pela grande maioria das professoras. Ou seja, geralmente, os resultados costumam ser

apresentados enquanto expressões de progresso no desenvolvimento das crianças. Há que se

ponderar que, ao menos, existe certa flexibilidade em relação às expectativas de aprendizagem,

ou seja, respeitam-se, de modo geral, as particularidades de desenvolvimento de cada uma.

No entanto, quando a avaliação leva ao professor concluir que a criança não atingiu algo que se

esperava, é possível encontrar relatos como o utilizado no exemplo a seguir.

A aluna não alcançou a habilidade de escrever uma letra para cada sílaba na área de Linguagem Oral e Escrita, prevista para o Pré II. Foi entregue para a família da aluna um kit contendo: alfabeto móvel para recortar e montar palavras, de forma a auxiliá-la em sua aprendizagem. Também foram realizadas pela professora atividades e intervenções individuais com a aluna na sala de aula. (EMEI Gardênia - Prof.ª.: Graça - Aluna: Amora- 2ºsem/2014)

É importante salientar que relatos dessa natureza são muito mais raros nos RAAA, mas trazem

elementos importantes para a discussão. No exemplo, a professora classifica a aluna em relação a

tal meta prevista para o Pré II. Pela forma como a professora relata, Amora não conseguiu se

adequar ao padrão esperado. E mais, a responsabilidade pelo fracasso da aluna ou foi da família,

que não utilizou o "kit reforço" entregue adequadamente, ou da própria aluna que, a despeito das

intervenções individuais feitas pela professora, não avançou. A professora não especifica que

tipo de dificuldades a aluna apresentou e em que situações, também não indica se houve avanços.

Não coloca em questão, tampouco, se as atividades realizadas foram ajustadas às hipóteses que a

criança tinha anteriormente, nem se as intervenções foram qualitativamente adequadas no

sentido de provocar os desequilíbrios cognitivos necessários para que ela modificasse a sua

forma de pensar. Ou seja, ela se abstém de responsabilidade em relação ao resultado da aluna.

A fim de apoiar essa discussão, foi retomado o documento de Conteúdos e Metas do

Município10, em vigência na época da escrita dos RAAA. Analisando o documento mencionado

fica claro que há uma íntima relação entre o que nele é proposto e os aspectos avaliados pelas

professoras. Todos os conteúdos estão previstos nas metas do município, mostrando que o

documento era forte referência para as EMEIs na realização de suas propostas pedagógicas à !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!10 Documento disponibilizado por SME para a pesquisadora, que optou por não incluí-lo integralmente neste trabalho.

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época da escrita dos RAAA. No entanto, é observável que somente alguns dos conteúdos são

privilegiados nos relatos e, basicamente, os mesmos conteúdos são encontrados em todos os

RAAA, sugerindo que sobre os conteúdos elencados no documento foi feito um novo recorte,

privilegiando alguns aspectos para se proceder a avaliação.

Outro ponto importante a ser destacado do documento é que as metas nele apresentadas não

focam o desempenho das crianças, mas as condições dadas pelo professor, nas situações que ele

deve propor para que as crianças progridam. Há também o cuidado de enfatizar que as crianças

devem contar com o apoio do professor para a realização de determinadas atividades, e também,

que devem realizá-las de acordo com suas hipóteses, revelando uma concepção de EI em que se

considera e respeita as formas próprias de pensar das crianças, bem como o seu nível de

desenvolvimento. Abaixo, segue um trecho para ilustrar como as metas são colocadas no

documento:

No decorrer do ano, o professor deverá ter propiciado situações de aprendizagem para que a criança tenha:

• Relatado suas vivências argumentando suas ideias e ponto de vista; • Escutado, recontado e dramatizado fatos ampliando sua capacidade

comunicativa; • Descrito as características de cenários, colegas e situações; • Expressando-se em situações que exijam a comunicação oral; • Ampliado o vocabulário; • Identificado diversos gêneros textuais nos seus portadores; • Lido seu nome e dos colegas; • Participado de diferentes situações de aprendizagem envolvendo a leitura; • Observado, manuseado e lido, de acordo com suas hipóteses, diversos

materiais impressos; • Demonstrado interesse pela leitura como fonte de prazer e conhecimento; • Participado de situações de escrita envolvendo os nomes dos colegas; • Demonstrado interesse pela própria produção e a dos colegas; • Demonstrado interesse pela escrita de palavras, nomes e pequenos textos; • Produzido textos coletivamente, com ajuda do professor; • Reescrito textos, com a ajuda do professor; • Compreendido que a escrita representa a fala (Hipótese silábica).

(Conteúdos e Metas Pré I, 2009)

O que leva, então, as professoras a focarem o desempenho das crianças, ou, até mesmo,

classificá-las?

Num primeiro momento, nota-se que o último item referido no trecho do documento transcrito

especifica uma expectativa em relação à criança que pode gerar controvérsias. O referente em

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questão é uma hipótese conceitual em relação à Linguagem Escrita. À medida em que ela é

convertida em meta de aprendizagem não é de se estranhar que algumas professoras esperem que

todas as crianças alcancem essa hipótese como nível mínimo de aprendizagem, tomando-a como

padrão normal das crianças do segmento em questão. Assim sendo, pode-se concluir que relatos

como este podem ter sido favorecidos pela forma como algumas metas vêm especificadas no

documento de Conteúdos e Metas do município

Outra possibilidade, já aludida anteriormente, diz respeito aos procedimentos e registros

utilizados no decorrer do semestre para se realizar o processo avaliativo. Como discutido, caso as

condições para a realização de uma avaliação formativa não estejam implementadas, essa falta se

reflete nos RAAA. Supondo-se, por exemplo, que o instrumento privilegiado para se avaliar as

hipóteses das crianças sobre a língua escrita sejam as sondagens, e que os seus resultados sejam

transpostos para os RAAA sem antes passar por nenhum tipo de mediação, ou seja, sem serem

comparados com outros registros (cadernos do professor, transcrições de aulas, produções

diversas das crianças), nem relacionados com outros aspectos do contexto educacional e da vida

daquela criança, a tendência é que os relatos sejam mesmo pobres em informações, refletindo

apenas um resultado, obtido em uma situação determinada, sob determinadas condições, e não o

percurso dela, com toda a gama de riquezas e matizes que ele poderia conter.

Dando continuidade às reflexões e discussão sobre a forma de comunicar o resultado das

avaliações nos RAAA, focando ainda as expectativas que se revelam nos relatos das professoras,

um outro tipo de apontamento pode ser feito a partir do exemplo abaixo.

Relaciona - se bem com a professora, e é carinhosa. Mas cria pequenos conflitos nos grupos em que participa. Não respeita muito os combinados; quer andar pela sala e conversar o tempo todo. Quando lhe é chamada a atenção, fica emburrada e faz manha. Porém, quando reforço os motivos pelos quais lhe chamei a atenção e ela percebe que não vou ceder mesmo que faça manha, muda o comportamento (EMEI Begônia - Prof.ª. Beatriz - Aluna: Maria - 1º sem/ 2014)

Aqui, os comentários apontam para uma conduta esperada, explicitando uma série de

inadequações da aluna: gerar conflitos, não respeitar combinados, andar pela sala e falar o tempo

todo, ficar "emburrada" e fazer manha. A professora, neste caso, além de desconsiderar que tais

comportamentos ainda são comuns para uma criança com cinco anos de idade, também não

contribui com nenhuma reflexão dos motivos pelos quais eles ocorrem. Por fim, julga sua atitude

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de forma pejorativa, ao utilizar linguagem indelicada e não adequada a esse tipo de documento,

quando diz que a aluna fica emburrada e faz manha.

As questões que se colocam diante de relatos deste tipo são: Quais os objetivos da escola, ou do

professor quando faz comentários como estes no RAAA? Alertar sobre possíveis problemas de

desenvolvimento na criança? Apontar alguma falha da família?

É imperativo lembrar que o olhar avaliativo não deve incidir sobre a criança somente, mas sobre

o ambiente que a escola oferece e todos os aspectos que o constituem: espaço, materiais,

interações, tempos para as atividades, considerando ainda as experiências que a criança tem fora

da escola. A escola e a professora precisam se implicar nesta avaliação, que tem o sentido de

investigar para entender melhor a realidade das crianças, saber observá-las e compreendê-las a

partir de seu ponto de vista e não só do adulto, para poder intervir no sentido de acompanhá-las,

apoiá-las diante dos desafios que se colocam, oferecendo-lhes desafios possíveis e ajustados aos

seus interesses e necessidades, bem como recursos para que superem suas dificuldades e sintam-

se capazes de aprender.

Em relação às famílias, a escola não está em posição de julgar ou arbitrar sobre a forma como

educam as crianças, mas em relação de complementariedade e parceria. Imprescindível também

atentar ao fato de que tudo o que é escrito em um relatório tem consequências, que fazer

afirmações negativas sobre as crianças, que estão em pleno processo de formação de suas

identidades, pode ser bastante prejudicial. É importante que os adultos que convivem com a

criança tenham uma imagem positiva sobre ela e acreditem que as suas expectativas podem ser

alcançadas, pois sabe-se há muito tempo o poder de profecias que se auto-realizam.

Ao se desconsiderar todos esses aspectos, corre-se o risco de contribuir com olhares e práticas

classificatórias, seletivas e excludentes, que vão de encontro ao que é propugnados pelas DCNEI

e os demais documentos que legislam sobre a EI.

Não se defende aqui que se façam apenas elogios, por meio de comentários genéricos e

superficiais como foram encontrados em alguns RAAA, trazendo impressões altamente

subjetivas e, possivelmente enviesadas pelos sentimentos da professora em relação à criança .

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Ana Luísa é um encanto de menina, carinhosa e atenciosa. (EMEI Camélia - Prof.ª.: Cecília - 1º sem/ 2013)

Avaliar o percurso de uma criança é um ato que depende, majoritariamente, de análises

qualitativas e, portanto é um ato subjetivo. Tem a ver com a compreensão que se tem sobre as

experiências das crianças, sobre como viveram as situações escolares e sobre o impacto delas

sobre suas aprendizagens e desenvolvimento. E isso não se dá em mão única, ou seja, as crianças

não só respondem ao que acontece no ambiente mas também têm influência sobre o contexto

escolar, sobre as outras crianças e sobre o próprio professor. Este último precisa, assim, ter em

conta que, quando está avaliando a criança são muitas as variáveis a influenciar as suas

impressões - incluindo-se entre estas os sentimentos de empatia, ou a falta deles - buscando

tomar consciência delas, de modo que seu julgamento não seja demasiadamente enviesado.

Compartilhar as impressões com outras pessoas, refletir coletivamente, ou com pelo menos outro

parceiro, é uma das formas mais eficientes de ampliar o olhar que se tem sobre os alunos e evitar

esse tipo de viés. Reitera-se assim a importância de se dispor de procedimentos e instrumentos

de registro variados, e que estes sejam socializados, sofrendo processos de mediação que

qualifiquem a avaliação e os seus resultados.

1.3. A participação das famílias e das crianças na avaliação

O espaço que é dado nos RAAA para os familiares escreverem comentários sobre o trabalho

desenvolvido no semestre e sobre as crianças é bem interessante, pois desvela o que observam

nas crianças, como observam, bem como o que esperam da escola. Os comentários lidos

demonstram que os pais estão satisfeitos com o trabalho realizado, já que podem notar

progressos nas crianças, e em nenhum momento referem-se a expectativas que não foram

alcançadas. Esta comunicação pode ser mais explorada no sentido de reforçar a parceria com as

famílias e contar com observações feitas em outros contextos para aprimorar o processo

avaliativo.

Quando as informações sobre as crianças e hipóteses do professor podem ser compartilhadas e

complementadas pelas informações e hipóteses de outros profissionais e também da família, a

possibilidade de se acompanhar os percursos das crianças a partir de perspectivas mais coerentes

e construir explicações mais ajustadas com a realidade e as necessidades das crianças se amplia

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muito.

Nos RAAA encontram-se alguns indícios de que as famílias são contatadas quando se julga

necessário e nas reuniões semestrais. Não se sabe, no entanto, como é a comunicação no dia a

dia. Como foi dito pelas diretoras, a partir dos dados obtidos em observações e registros, são

realizados os encaminhamentos necessários, bem como as intervenções junto às famílias.

Por meio da análise chegou-se à conclusão de que há uma preocupação em estabelecer uma boa

relação com os familiares e que a parceria é valorizada. Tanto os comentários agradecendo pela

participação, como o espaço dedicado à escrita das famílias, mostram que já existe uma

preocupação com a comunicação, em manter as famílias informadas e em dar espaço para que

também se coloquem. No entanto, há indícios de julgamento e cobrança, revelados em

comentários feitos por algumas poucas professoras ao longo dos relatórios, como se pode

verificar em alguns trechos.

É muito importante que a criança perceba que a chantagem emocional não é o caminho para se conseguir as coisas. Certamente muitos progressos virão no 2º semestre. (EMEI Begônia - prof.ª: Beatriz - Aluna: Maria - 1ºsem/2013).

Todos queriam levar os livros de poesia para casa para os pais lerem. A maioria dos pais aproveitou esse momento. Porém, algumas crianças falavam “ ninguém teve tempo de ler para mim”, “ leram ontem à noite". (EMEI Begônia - prof.ª: Beatriz - 2ºsem/2013).

Ainda no sentido de apontar desafios a serem superados, é importante frisar que alguns

comentários e dicas dadas aos pais evidenciam expectativas que vão além da parceria. Quando a

criança não corresponde às expectativas de aprendizagem, algumas professoras demonstram

esperar que as famílias auxiliem em casa, reforçando o que é feito na escola por meio de

atividades pedagógicas, cumprindo um papel que é da escola. A ideia de reforço pedagógico é,

por si, inadequada neste segmento, pois revela metas incoerentes com as possibilidades e

necessidades atuais das crianças, ainda mais quando vem em forma de cobrança para as famílias.

Os resultados demonstram que as crianças não têm participação significativa nos processos

avaliativos. O máximo que se encontrou nos RAAA foram algumas produções das crianças

ilustrando o documento, mas destituídas de comentários e reflexões. Seria interessante considerar

que a criança também pode ser tomada como parceira na construção de parte dos registros de

acompanhamento da prática pedagógica, podendo inclusive avaliar as experiências que viveu.

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Por meio de diversas linguagens (gestos, fala, desenho, escrita etc.) ela pode se expressar e

atribuir significados ao que viveu. O professor, atuando como mediador, pode ajudá-la no

reconhecimento dessas expressões, no estabelecimento de relações entre as situações vividas e na

construção de sentidos para sua história naquele grupo.

Colocar a criança no centro de seu processo de aprendizagem é acreditar que ela, desde pequena

pode participar ativamente de sua construção, oferecendo oportunidades para que tome

consciência sobre seus progressos e estabeleça vínculos afetivos com o conhecimento e com a

própria escola, compreendendo-a como ambiente acolhedor e favorecedor de aprendizagens

significativas.

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Considerações Finais

Antes de finalizar, parece importante salientar que, ao analisar somente os registros do resultado

das avaliações, ou seja, os RAAA, não foi possível tirar conclusões sobre o processo de

avaliação como um todo, mas foi possível detectar indícios de que alguns de seus aspectos

precisam ser revistos neste município, assim como outros que possam se encontrar em condições

similares. Entre eles destacam-se:

Os procedimentos e os instrumentos de registro utilizados para se realizar o acompanhamento

das crianças em seus processos de aprendizagem e desenvolvimento precisam ser variados e

inter-relacionados, de forma a apreender as dinâmicas envolvidas no cotidiano das crianças, e

adequados aos objetivos da avaliação em EI

Antes da elaboração dos relatórios é necessário haver espaços de reflexão sobre as informações

registradas, evitando a transposição direta de dados aos RAAA

O currículo, desde seus fundamentos e princípios, precisa ser tema de estudos e debates com as

equipes, a fim de se estabelecer uma base para a discussão e estabelecimento de propósitos

claros para a EI

Estabelecer orientações mais claras sobre as práticas pedagógicas, entre elas as práticas

avaliativas - incluindo procedimentos, instrumentos e modos de fazer - condizentes com o que é

propugnado pela legislação, buscando superar as indefinições curriculares e controvérsias

existentes na área

Em relação aos RAAA, cabe dizer que ficaram perceptíveis as preocupações do município com a

elaboração de documentos de boa qualidade, implementando um modelo que assegure

minimamente informações sobre o que é oferecido nas unidades educacionais em termos de

propostas para as crianças, e sobre como podem aproveitar desse contexto oferecido. De modo

geral, a escrita é pertinente e respeitosa, revelando que a boa comunicação com as famílias é

valorizada.

Foram identificados, todavia, aspectos sobre o currículo que precisam ser repensados para que se

adequem às concepções e indicações das DCNEI. Em meio a propostas que se aproximam mais

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do que propõe a legislação, concepções e práticas de uma pedagogia "arcaica", termo utilizado

por Campos (2012), ainda se revelaram nas escritas de alguns relatórios, demandando um olhar

mais aprofundado a fim de compreender o contexto que lhes deu origem e proceder às

transformações necessárias.

Notou-se, também, que a forma como os documentos são concebidos pode não colaborar para a

concretização dos propósitos de acompanhamento e avaliação dos processos das crianças, o que

faz com que acabem favorecendo um escrita mecanizada, entrecortada, que não contribui para

que se construa uma visão mais sistêmica da realidade da criança. Acabam assim, demandando

do leitor que ele construa essa imagem sozinho tendo como recurso um quebra-cabeça cujas

peças estão incompletas.

Cabe dizer que não é a opção pelo relatório como instrumento que vai determinar a qualidade do

registro sobre a avaliação, mas a clareza sobre os seus propósitos, os conhecimentos, habilidades

e atitudes necessários para a sua elaboração pelas professoras. Destes, são enfatizados aqui: os

conhecimentos sobre a criança e seu desenvolvimento, sobre os fundamentos, princípios e modos

de concretização do currículo na EI; as habilidades de observar, registrar, refletir, planejar e

sintetizar informações, que são os recursos necessários para se tecerem os significados da

avaliação; e, por fim, os conhecimentos sobre o contexto social e cultural das crianças e suas

famílias, o respeito por suas formas de viver e ser, e por suas necessidades, e a valorização delas

enquanto parceiras para a realização do currículo e da avaliação.

Apoiam-se aqui as práticas avaliativas ancoradas nas experiências das crianças e nas práticas que

lhes dão contexto, pois são capazes de regulá-las e reorientá-las. E, de forma geral, foi possível

depreender das análises que, mesmo já tendo sido percorrido parte do caminho, ainda faltam

alguns passos até que a avaliação realizada nas EMEIs do município possa ser considerada

verdadeiramente formativa. Entretanto, pressupõe-se a avaliação como parte indissociável do

currículo, e desta feita, defende-se que o currículo seja, por sua vez, avaliado e redesenhado.

Para que a avaliação na EI se efetive coerentemente com o que é legislado, entende-se como

requisito fundamental que sejam delineadas boas propostas curriculares, contendo orientações

claras às equipes.

Compartilhando as ideias de Lopes e Sobral,

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Mesmo compreendendo o desafio de formular orientações curriculares que considerem as especificidades dos contextos e a autonomia dos sujeitos responsáveis por seu planejamento e implementação, bem como a necessária intencionalidade das experiências a serem propiciadas às crianças na Educação Infantil; e mesmo assumindo que as aprendizagens não são linearmente correspondentes a objetivos pré-definidos e nem similares para todos os aprendizes, compreendemos que é preciso avançar na discussão e definição mais precisa em relação ao que fazer no dia a dia junto às crianças, de modo a construir referências mais objetivas e acessíveis aos professores. Ou, de outra parte, que tais definições se façam objeto de programas de formação continuada garantida a todos os que atuam nas instituições de educação infantil. (2014, p.99)

Aponta-se assim para a formação continuada como um dos importantes meios para se elaborar

boas propostas e orientações e não deixar os professores sozinhos, entregues às suas próprias

condições de planejamento e desenvolvimento de práticas pedagógicas, incluindo nelas as

vinculadas à importante e delicada tarefa de avaliar.

Considera-se pertinente, contudo, fazer uma colocação àqueles que empreenderão a formação

continuada e, para isso, serão utilizadas as palavras de Campos, finalizando e concluindo:

Se as reais condições de implementar as práticas desejadas não são situadas em um determinado contexto, há um sério risco de que permaneçam apenas como meta ou projeto, passando ao largo das experiências cotidianas vividas pela maioria das crianças nas instituições de Educação Infantil. Se, por um lado, a qualidade é um conceito relativo que deve surgir de um debate democrático e ser constantemente revisto, por outro lado, as crianças têm direito a um atendimento que respeite suas necessidades e seu protagonismo, e os aspectos mencionados devem fazer parte desse debate. Se, em uma democracia, os objetivos mais gerais da educação não podem ser diferentes para crianças socialmente desiguais, é possível que os meios para alcançá-los sejam diversos. (CAMPOS, 2013, p.41)

Ainda que o presente estudo não tenha tido a pretensão de apresentar propostas estruturadas

alternativas à que foi apresentada pelos RAAA analisados, acredita-se que fez emergir questões

relevantes sobre a temática, evidenciando a rede de aspectos envolvidos na questão da avaliação

e apontando algumas caminhos para se empreender transformações neste município ou em

algum outro contexto com as mesmas condições. Se os caminhos apontados levam aonde

desejamos, isso é objeto para outras e futuras investigações.

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