99

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

  • Upload
    hadiep

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques
Page 2: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – CURSO MESTRADO

NIELSON DA SILVA BEZERRA

ACERCA DA EDUCAÇÃO, DO PRECONCEITO E DA AIDS: um olhar a partir do EDUCAIDS e da Rede Nacional de Pessoas Vivendo

com AIDS em Pernambuco

Recife, 2012

Page 3: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

NIELSON DA SILVA BEZERRA

ACERCA DA EDUCAÇÃO, DO PRECONCEITO E DA AIDS: um olhar a partir do EDUCAIDS e da Rede Nacional de Pessoas Vivendo

com AIDS em Pernambuco

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em

Educação, do Programa de Pós-Graduação em

Educação, da Universidade Federal de Pernambuco,

como requisito parcial para a obtenção do grau de

Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Flávio Henrique Albert Brayner

Recife, 2012

Page 4: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

Catalogação na fonte

Bibliotecária Joselly de Barros Gonçalves, CRB4-1748

B574a Bezerra, Nielson da Silva. Acerca da educação, do preconceito e da AIDS : um olhar a partir do

EDUCAIDS e da rede nacional de pessoas vivendo com AIDS em Pernambuco / Nielson da Silva Bezerra. – Recife: O autor, 2012.

105p. : il. ; 30 cm. Orientador: Flávio Henrique Albert Brayner. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, CE.

Educação, 2012. Inclui referências bibliográficas e anexos. 1. Educação. 2. Preconceitos. 3. AIDS (Doença) – Pacientes -

Pernambuco . I. Brayner, Flávio Henrique Albert (Orientador). II. Titulo. 370 CDD (22.ed.) UFPE (BC2012-077)

Page 5: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques
Page 6: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

Para Francisca Lopes de Paiva, minha avó. Fui criado por

avó, sim senhor, com orgulho, mas um orgulho doce, um

orgulho feliz... Obrigado, vó querida.

Para Thales de Oliveira Bezerra, por me ensinar que

“monstro é o medo que se esconde dentro da gente...”

Para Victor Amaral de Oliveira Bezerra, por me ensinar

que “a saudade de brincar” é uma linda maneira de dizer

que se ama...

Para Clara de Oliveira Bezerra, por me ensinar que

“Infantil é mesmo o amor/ É impossível ser feliz

sozinho...”

Page 7: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

█ Agradecimentos

A minha mulher, o meu amor, amor de minha vida...

A minha mãe e a meu pai, que tanto contribuíram para a minha

formação humana.

A Normanda da Silva Beserra, irmã e inspiração de vida, por meio de

quem agradeço a toda minha longa, diversa e linda coleção de irmãs e

irmãos.

Ao amigo e orientador Flávio Brayner, pela paciência, respeito e

confiança que pavimentaram nossa parceria nesta empreitada.

Às amigas e aos amigos que, desde a graduação, contribuem para a

minha crença no amor mundi: Evelyne, Suzana, Márcia, Cáthia,

Rosineide, Gilson, Cezar, Márcio, Jorge.

À Talita, por nossa amizade e ajuda mútua, construída e fortalecida

durante nosso curso de Mestrado.

A “Gestos: soropositividade, comunicação e gênero”, pela

oportunidade de encontrar pessoas afetadas pela AIDS e junto a elas

tentar construir o que compreendemos como o melhor.

Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de

nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

Dantas, Tânia Cristina Tenório, Manuela Donato, Fabrícia Moura,

Naná Sodré, as crianças tantas, aos jovens muitos...

A RNP+/PE pelo apoio e disponibilidade de participar deste estudo.

Aos amigos André, Josué, Jerônimo, Natasha, Josefa, Jair, Roberto,

Tony, Ivete, Elaine e Francisco (Chicão), pela ajuda e ensinar

constantes, por meio de gestos, palavras e posturas.

À Prefeitura do Recife pelo apoio dado ao projeto de mestrado.

Ao SENAC, pela breve passagem, mas intensa vivência.

Ao IFPE Campus Barreiros, nova casa que renovou o apoio a este

projeto.

Page 8: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

Antonino 1

Oh menino que vem da escola, dá-me novas de Antonino.

Oh menino que vem da escola, dá-me novas de Antonino.

Antolino tá na aula com o coração pequenino.

Antolino tá na aula com o coração pequenino.

Caro mestre vou lhe dizer, Caro mestre vou lhe contar.

Caro mestre vou lhe dizer, Caro mestre vou lhe contar.

Eu joguei uma pedrinha quando o pavão avoou.

Eu joguei uma pedrinha, bateu no pavão, matou.

Antonino vou lhe dizer, Antonino vou lhe contar.

Antonino vou lhe dizer, Antonino vou lhe contar.

Você matou meu pavão, seu pai vai ter que pagar.

Você matou meu pavão, seu pai vai ter que pagar.

Caro mestre vou lhe dizer, Caro mestre vou lhe contar.

Caro mestre vou lhe dizer, Caro mestre vou lhe contar.

A morte do seu pavão meu pai não pode pagar.

A morte do seu pavão meu pai não pode pagar.

Antonino vou lhe dizer, Antonino vou lhe contar.

Antonino vou lhe dizer, Antonino vou lhe contar.

A morte do meu pavão com a morte vais pagar.

A morte do meu pavão com a morte vais pagar.

1 Loa cantada por minha avó, Maria Bezerra, na década de 1930, na cidade de Condado – PE. Naqueles idos e hoje,

emocionava a meu pai, hoje, emociona a mim, e me convoca a tentar desvendar as concretizações sociais que nossa cultura constrói no ambiente escolar.

Page 9: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

█ Resumo

A presente pesquisa busca apreender os elementos constitutivos do preconceito enquanto

fenômeno social produtor de estigma e discriminação, que podem ser produzidos e reforçados

ou desconstruídos e enfrentados, durante o processo educativo. Para isso escolhemos como

campo de estudo a pandemia de AIDS, por entender que esse fenômeno parece abrigar em sua

complexidade importantes pistas que podem nos ajudar a compreender as relações entre o

preconceito e a educação. A primeira fase de nossa pesquisa faz uma incursão teórica nos

temas Educação, Preconceito e AIDS. No segundo momento de nosso trabalho, distribuímos

um questionário semiestruturado com alguns participantes da Rede Nacional de Pessoas

Vivendo com HIV/AIDS núcleo Pernambuco – RNP+/PE, com o objetivo de identificar as

repercussões do preconceito no percurso educacional dessas pessoas. Na terceira fase de

nosso trabalho, realizamos um estudo sobre o Encontro Nacional de Educadores na Prevenção

das DST/AIDS e Drogas – Educaids. Recolhemos informações em duas publicações que

sistematizaram parte desta experiência. Nosso objetivo foi identificar a concepção de

educação que prevaleceu nesta ação e avaliar até que ponto esta estratégia contribuiu para

uma educação que enfrente o preconceito produtor de estigma e discriminação. Nossos

estudos apontam que o preconceito é inerente ao humano, tendo em vista que acerca de tudo

fazemos juízos prévios. Focamos nossa atenção, no entanto, no preconceito que produz

estigma e discriminação, baseado em ideias preconcebidas que não resistem ao confronto de

argumentos. Esse tipo de preconceito está a serviço da exclusão social e encontra entre suas

formas de reprodução: os estereótipos, os estigmas e as discriminações. Identificamos que os

preconceitos, estigmas e discriminações são muito ampliados quando se abatem sobre as

pessoas com AIDS e que essas exclusões são arrefecidas devido à participação política e o

processo educativo que ocorre com a convivência entre as diferenças dentro de espaços

políticos. Experiências educativas como o EDUCAIDS tiveram como grande legado a

ampliação da discussão acerca de uma educação para a prevenção ao HIV/AIDS articulada

com os movimentos sociais de luta contra AIDS. Compreendemos, ainda, que é necessário

aprofundar os estudos acerca do papel da educação num mundo em alucinante transformação.

Palavras-chave: Educação; Preconceito; AIDS.

Page 10: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

█ Abstract

This investigation aims to understand the constitutive elements of prejudice as a social

phenomenon that generates stigma and discrimination and can be produced and reinforced or

deconstructed and faced throughout the educational process. The pandemic of AIDS had been

chosen among all possible research fieldsfor this complex phenomenon seems to hold

important clues is in its own right to a deeper understandingof the relationship between

prejudice and education.Therefore,the initial stage of this research was that of a literary

review on theoretical issues such as of Education, Prejudice and AIDS. The second step was

comprised of the construction of a semi-structured questionnaireand its application to some

participants of the National Network of People Living with HIV/AIDS – RNP+/PE, all of

them from the state of Pernambuco, Brazil, in order to identify the effects of prejudice in their

educational journey.Afterwards, ina third stage of the research, two publications that

compiled information about the National Meeting of Educators in Preventing STD/AIDS and

Drugs – EducAIDS – were analyzed in order to identify the concept of education underlying

the discourse in both documents and also to assess to what extent this particular movement

contributes to an Education which faces prejudice that produces discrimination and stigma.

Findings show that prejudice seems to be part of human nature since pre-judgments are

routinely present in anyone’s life. The focus of this investigation, however, was the type of

prejudice that causes discrimination and stigma to happen, because it is based in preconceived

ideas which do not stand against convincing arguments. This kind of prejudice tends to

reinforce social exclusion and find its way to evolve into forms of stereotypes, stigma and

discrimination. Moreover, it was observed that stereotypes, stigma and discrimination grow

stronger when it comes to people with AIDS. In this context, such exclusions are minimized

due to political engagement and education as a result of living one’s life among differences

within political instances. The major legacy of educational experiences such as EducAIDS

seems to be the opportunity to expand the discussion about an education committed to

HIV/AIDS prevention in articulation with social movements against AIDS. This research also

points towards the importance of further studies on the topic and the relevanceof a deeper

understanding of the role of education in a world of extremely fast changes.

Keywords: Education; Prejudice; AIDS.

Page 11: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

█ Lista de Abreviaturas e Siglas

1ª DE DEZEMBRO Dia Mundial de Luta Contra a AIDS

ABIA Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS

ABONG Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais

AIDS Adquired Immune deficiency / Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.

(SIDA)

DST/AIDS Doenças Sexualmente Transmissíveis e Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida.

EDUCAIDS Encontro Nacional de Educadores na Prevenção das Doenças Sexualmente

Transmissíveis, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida e Drogas.

ENONG Encontro Nacional de Organizações Não Governamentais que atuam no

Movimento de Luta contra a AIDS.

ERONG Encontro Regional de Organizações Não Governamentais que atuam no

Movimento de Luta contra a AIDS.

GESTOS Gestos: soropositividade, comunicação e gênero

GMP+ Rede Mundial de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS

GPV-RJ Grupo Pela Vida Rio de Janeiro

GTP+ Grupo de Trabalho em Prevenção Positiva

ONG Organização Não Governamental

RNP+ / PE Rede Nacional de Pessoas Vivendo com AIDS, núcleo Pernambuco

RNP+ BRASIL Rede Nacional de Pessoas Vivendo com AIDS

SPE Projeto Saúde e Prevenção na Escola

VIVENDO Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com AIDS

Page 12: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

█ Sumário

INTRODUÇÃO 10

1. CAPÍTULO I – O preconceito e a educação no contexto da AIDS 16

1.1 Educação, aprendizado e preconceito 22

1.2 Doenças e preconceito: o que antecedeu a AIDS 32

1.3 AIDS e suas complexidades 36

2. CAPÍTULO II – O percurso educacional de participantes da Rede Nacional de Pessoas

Vivendo com AIDS Núcleo Pernambuco: as pessoas, a educação e o preconceito. 43

2.1 Caracterizando a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com AIDS: Rede Brasil e

Núcleo Pernambuco 44

2.2 Dados pessoais: o que tem de político no pessoal? 45

2.3 Dados econômicos: quando a classe social mostra sua cara 50

2.4 Dados educacionais: a educação na RNP+/PE 53

2.5 Preconceito: muitas máscaras para o mesmo retrato 58

2.6 HIV: o vírus do preconceito 60

3. CAPÍTULO III – Políticas públicas de prevenção da AIDS em escolas: o que o

EDUCAIDS nos diz acerca do preconceito? 72

3.1 AIDS e escolas: reflexões e propostas do EDUCAIDS 72

3.2 Educação preventiva: teoria e prática 77

4. CONSIDERAÇOES FINAIS 83

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 86

6. ANEXOS 91

Page 13: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 10 -

█ Introdução

O presente trabalho é fruto de uma longa trajetória profissional na educação pública

municipal do Recife, por um lado, e no movimento social de luta contra a AIDS, por outro.

Caminhos paralelos, mas cheio de afastamentos e aproximações. Educação formal e não

formal que busca aproximar-se de públicos excluídos de boa parte dos direitos sociais,

apontados em nossa constituição e cobrados pelos movimentos sociais.

Nesse contexto observei que o preconceito é um fenômeno muito presente na

exclusão, e que a Educação é constantemente apontada como ferramenta capaz de mudar esse

panorama. Outra questão que notei foi a penetração do termo “preconceito” entre os mais

variados públicos, de modo que poderemos até afirmar que se trata de um termo utilizado no

senso comum como sinônimo de discriminação. No movimento de luta contra AIDS, por sua

vez, minha primeira hipótese em relação ao preconceito apoiava-se na ideia de que este existia

apenas porque faltariam as informações corretas, de modo que no momento em que as

informações “científicas” entrassem em cena não haveria mais espaço para o preconceito. A

profunda complexidade da epidemia de AIDS logo derrubaria essa hipótese, indicando que

questões bem mais profundas compõem esse tema.

Diante deste cenário, resolvemos estudar a Educação, o preconceito e a AIDS. Como

se trata de um estudo em nível de mestrado, delimitamos nosso objeto a partir da

concretização desses temas em uma experiência de política pública educacional ocorrida com

a parceria entre a sociedade civil organizada de luta contra AIDS e o Estado brasileiro, além

de investigar as repercussões do preconceito no percurso educacional de pessoas soropositivas

participantes da Rede Nacional de Pessoas que Vivem com AIDS, Núcleo Pernambuco. Desse

modo, buscamos incluir neste trabalho pistas oriundas da educação formal, já que esta é um

dos focos de nosso estudo, como também da educação não formal, tendo em vista que o

público escolhido tem a característica de ter uma formação política e educacional no

movimento social de luta contra AIDS.

Nossa pesquisa está estruturada em três fases. Na primeira realizamos um estudo

teórico acerca da educação, do preconceito e da AIDS. Esta fase fortaleceu as bases teóricas

de nossa pesquisa e facilitou a compreensão desses fenômenos na vida das pessoas que vivem

com HIV/AIDS. A segunda fase de nosso estudo encontra nas pessoas que vivem com

HIV/AIDS um terreno fértil de reflexão acerca destes fenômenos. Aqui são analisadas as

Page 14: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 11 -

repercussões do preconceito no percurso educacional formal e não formal dessas pessoas.

Para isso escolhemos militantes do movimento social de luta contra AIDS que se reúnem na

Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS, Núcleo Pernambuco – RNP+/PE. Na

terceira fase, analisamos duas publicações resultantes do Encontro Nacional de Educadores na

Prevenção das DST/AIDS e Drogas – EDUCAIDS. Neste momento buscamos compreender a

concretização de uma parceria entre o movimento social de luta contra a AIDS e as políticas

públicas de educação. Nosso interesse nesta fase foi averiguar a forma como o preconceito, a

educação e a AIDS aparecem nestas publicações, tendo em vista que são sistematizações

dessas políticas, sintetizadas em uma experiência que se voltou para a reflexão acerca da

pandemia de AIDS em escolas públicas e privadas do país.

Nossa pesquisa sobre o preconceito identificou que o estudo desse tema se intensificou

após a Segunda Guerra Mundial. O choque causado pelo conflito levou alguns estudiosos a

querer compreender, entre outras coisas, como se formou o preconceito contra os judeus.

Mais que isso, como povos ditos tão “civilizados” permitiram tamanha barbárie contra um

povo que fazia parte da população de tantas nações europeias?

Aqui no Brasil, podemos constatar uma espécie de “silêncio sorridente”2 que se

verifica entre grande parte da sociedade, diante de tantos atos de violências praticados contra

homossexuais3 em nosso país. Crescem também os casos de apologia à violência contra

mulheres, negros, homossexuais, nordestinos e judeus na internet.4 Esse quadro, inclusive,

lembra as reflexões que Arendt (1999) traz quando relata como a sociedade europeia foi

omissa diante da perseguição contra os judeus antes mesmo da Segunda Grande Guerra.

Embora o foco de nosso estudo acerca do preconceito esteja voltado para aquele que

provoca estigma e discriminação, é importante apontar que esta categoria do humano é

também responsável por processos necessários ao conhecimento inicial que nos permitem

emitir opiniões e elencar hipóteses acerca de questões ainda não compreendidas totalmente,

salvando-nos, inclusive, de aderir irrefletidamente a tudo que não compreendemos

completamente. Vale ressaltar, inclusive, que esta dimensão deve ser preservada e até

cultivada como parte de nosso estranhamento diante do desconhecido ou do não

compreendido, marcado pela diferença decisiva de, ao não compreender e estranhar, observar

2 Essa expressão foi muito bem empregada na música Haiti, de Caetano Veloso, quando ele se referiu à indiferença de São

Paulo, diante do massacre de 111 presidiários no Complexo do Carandiru, em 02 de outubro de 1992. 3 Em 02 de outubro de 2011, o jornal Folha de São Paulo noticiou as agressões sofridas por um casal gay na Avenida Paulista,

em São Paulo. Os agressores chamavam as vítimas de “viados” e afirmavam ainda que estes “não mereciam viver”. Pesquisado em http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/984492-casal-gay-e-agredido-na-regiao-da-av-paulista-em-sp.shtml. 4 Em 22 de março de 2012, a agência de notícias Patrícia Galvão replicava notícia do portal O Globo que divulgava a prisão de

dois homens que faziam apologia à violência contra gays, mulheres, negros, nordestinos e judeus. Pesquisado em http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2918&catid=43

Page 15: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 12 -

de forma crítica, mas fugindo dos estereótipos; fazer o esforço da compreensão fugindo da

discriminação; escolher sua posição diante deste novo, considerando o bem coletivo, o que

Hanna Arendt (2010) chamou em sua obra de amor mundi. Vanessa Sievers de Almeida,

inclusive, nos revela que o livro “A Condição Humana”, seria chamado de “Amor Mundi”,

como uma forma de agradecimento ao mundo. (ALMEIDA, 2011, p. 83)

Tratamos a educação como fenômeno social produzido nas organizações sociais com a

intencionalidade de compartilhar conhecimentos sistematizados e preceitos morais. Neste

sentido, nos referimos à instituição escola, mas também a várias outras instituições que

também desejam sistematizar determinados conhecimentos e preceitos morais, por exemplo,

grupos políticos organizados ou organizações não governamentais.

A concepção de educação que emerge deste trabalho corrobora a compreensão de

Arendt (2009a), levada adiante por Brayner (2008), quando afirma:

Penso que não temos o direito de administrar o futuro, de conformar as

consciências a vir, ou antecipar as utopias daqueles que nos substituíram e

que têm o direito irrecusável de inventar um outro mundo, de pensar o que

ainda não foi pensado, em suma, de inovar. (BRAYNER, 2008, p. 55)

Esta compreensão do processo educativo, fortemente inspirado no pensamento de

Arendt, não nega, no entanto, que o mundo (conhecimento) precisa ser apresentado aos mais

novos, para que, assim, possam movimentar-se nele, como também anuncia o autor. Instala-

se, assim, uma constante tensão entre o novo e o velho que seria deste modo o cerne do

processo educativo defendido por Arendt na obra que tem o sugestivo título de “Entre o

passado e o futuro”.

Basicamente, estamos sempre educando para o mundo que ou já está fora

dos eixos ou para aí caminha, pois é essa a situação humana básica, em que o

mundo é criado por mãos mortais e serve de lar aos mortais por tempo

limitado. (...) Nossa esperança está pendente sempre do novo que cada

geração aporta; precisamente por basearmos nossa esperança apenas nisso,

porém, é que tudo destruímos se tentarmos controlar os novos de tal modo

que nós, os velhos, possamos ditar sua aparência futura. Exatamente em

benefício daquilo que é novo e revolucionário em cada criança é que a

educação precisa ser conservadora; ela deve preservar essa novidade e

introduzi-la como algo novo em um mundo velho, que, por mais

revolucionário que possa ser em suas ações, é sempre, do ponto de vista da

geração seguinte, obsoleto e rente à destruição. (ARENDT, 2009a, p. 243)

O que chamamos de tensão, no entanto, apresenta-se como o principal combustível do

processo educativo, confundindo-se, inclusive, com ele próprio. Neste enfrentamento não

pode haver vencedores, pois caso isso aconteça, decretamos o fim mesmo do humano.

Page 16: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 13 -

O trabalho de Almeida (2011) que busca sistematizar a potência do pensamento de

Hannah Arendt para educação, também identifica a imprevisibilidade da educação em

benefício do novo.

Uma educação comprometida com o mundo comum procura, portanto,

contribuir para os novos se apropriem dele, de modo que futuramente

tenham a possibilidade de cuidar dele. Se de fato assumirão essa

responsabilidade e qual o caminho que irão escolher para isso são questões

que não estão, ao menos não integralmente, ao alcance da educação.

(ALMEIDA, 2011, p. 28)

Encontramos, no entanto, nos experimentos de Brayner (2008), a partir de sua

inspiração na obra de Hanna Arendt, uma ideia de educação que, neste caso, pode ambicionar

preparar o aluno para a participação política em seu tempo e buscar desenvolver nos alunos as

habilidades de pensar, falar e julgar, para que possam encontrar por si mesmos seus próprios

desafios. Esta escola é chamada de “conservadora”, em um sentido arendtiano do termo, ou

seja, “(...) que não tem nada a ver com conservadorismo político ou social” (Id., p. 110):

(...) seria a escola que, aberta a todos, se preocuparia em restituir aquilo que

chamei no início de “dívida política”. Ou seja, fornecer um mínimo de

competências para que os indivíduos possam vir a se interessar e a participar

das decisões públicas. (Idem)

Concordamos com esta visão educativa, e encontramos nela um forte potencial de

enfrentamento do preconceito, considerando que aquelas pessoas atingidas poderiam, por

meio da participação nos espaços públicos, apresentarem-se para o mundo.

Consideramos que tais princípios preservam a autenticidade do humano recém-

chegado sem abandoná-lo à própria sorte. Acreditamos que, nessa perspectiva, o pensar por si

mesmo poderia estar mais próximo de cada um de nós.

Durante nosso aprofundamento teórico, escolhemos a obra de Hanna Arendt como a

principal condutora de nossas reflexões, não nos abstendo, no entanto, das contribuições de

outros autores para a construção de nossas próprias posições neste pantanoso caminho entre o

preconceito, a Educação e a AIDS.

Escolhemos como fenômeno-guia para discutir o preconceito que produz estigma e

discriminação a pandemia de AIDS devido a sua imensa complexidade. O contexto da

pandemia no Brasil atinge as populações mais vulneráveis socialmente, ou seja, mulheres,

negros e negras e pessoas pobres. O forte ativismo político de gays, mulheres, travestis e suas

organizações sociais amplificam as discussões em torno dos preconceitos. Por meio de ações

Page 17: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 14 -

educativas, políticas e de ajuda mútua tem-se construído uma identidade social (pessoa com

AIDS), a qual tem permitido o encontro de diferentes sujeitos e, com isso, tem promovido a

desconstrução de muitos preconceitos. As políticas públicas educacionais de AIDS têm tido

uma forte contribuição do ativismo político e de experiências educativas desenvolvidas em

diversas organizações governamentais e não governamentais. Há, no entanto, uma espécie de

paralisia teórica marcada pela ausência de crítica às contribuições do pensamento de Paulo

Freire, que muitas vezes é apresentado como inquestionável e atemporal.

Nosso trabalho vem contribuir com o debate acerca do preconceito, a partir das

dimensões da educação, dentro do contexto da pandemia de AIDS. Esperamos com ele

ampliar nossa aproximação do fenômeno preconceito, evitando sua concretização em estigma

e discriminação.

Page 18: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

█ Capítulo 1

O preconceito e a educação no contexto da AIDS

“E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho”.5

5 Verso da música Sampa, de Caetano Veloso.

Page 19: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 16 -

1. CAPÍTULO I

O preconceito e a educação no contexto da AIDS

Muitos estudos abordam o tema preconceito a partir de sua manifestação contra as

chamadas “minorias”. Estudos como Preconceito contra a Mulher, de Sandra Azerêdo

(2011); Preconceito contra o analfabeto, de Galvão e Di Pierro (2007), ou Preconceito contra

as pessoas com deficiências, de João Ribas (2011), são alguns exemplos, apenas da coleção

preconceitos, publicado pela editora Cortez.

Outra forma de abordar o tema centra-se em suas manifestações no ambiente escolar,

como nosso trabalho, Respeitando as Diferenças no Espaço Escolar (BEZERRA, 2007) ou,

ainda, Educação do Preconceito, de Gallo e Souza (2004).

Muitos outros trabalhos abordaram a questão do preconceito em agentes de dominação

social. Um bom exemplo é o livro de Marcos Bagno (2002), Preconceito Linguístico, no qual

o autor defende que a pretensa submissão da língua falada pelo povo à gramática não passa de

preconceito que, assim como ocorria na Índia antiga, teria como objetivo manter esse

conhecimento “(...) reservado apenas a uma classe sacerdotal, encarregada de preservá-la

‘pura’ e ‘intacta’, longe do contato infeccioso dos párias.” Bagno (2002, p. 39). Aqui o

preconceito linguístico contra os falantes da língua seria também elemento de dominação

social. Encontramos compreensão semelhante, também, na obra de Galvão e Di Pierro (2007)

a qual mostra que estudos históricos sobre o analfabetismo indicam que este se tornou um

problema social apenas quando passou a ser associado aos pobres.

O analfabetismo não estava, ainda, desse modo, associado diretamente à

pobreza e à exclusão social. Ser analfabeto não era, necessariamente, ser

“pobre” e ignorante. O domínio da leitura e da escrita estava relacionado,

mais diretamente, às camadas médias urbanas e não às elites econômicas

proprietárias de terras. (GALVÃO, DI PIERRO, 2007, p. 35)

Outra obra que reúne textos sobre preconceitos a partir dos “objetos” a que estes

preconceitos são dirigidos é o livro “12 Faces do Preconceito”, organizado por Jaime Pinsky

(2011). Nessa publicação, os textos são curtos, diretos e objetivos. Direcionados à reflexão

sobre o preconceito no ambiente escolar, “elegem” os seguintes preconceitos para discutir:

mulheres, raça, homossexuais, idosos, jovens, língua, gordos, baixinhos, judeus, deficientes,

migrantes e pobres.

Page 20: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 17 -

Como podemos observar apenas pela forma como essa publicação foi organizada, são

muitos os preconceitos que podem se concretizar no ambiente escolar. O próprio organizador

afirma logo na apresentação que “(...) o monstro da intolerância pode mudar de cara (ele tem

mais de 12 faces), e pode estar mais perto do que imaginávamos.” Pinsky (2011, p. 7). Ora, se

há mais de doze, quantos seriam? Será que esse “monstro” é uma espécie de Hidra6 na qual a

cada cabeça “cortada” duas outras surgem? Como vencer esse “monstro” interior que habita

todos nós?

Durante muito tempo no movimento de luta contra a AIDS e nas escolas públicas

municipais do Recife, procuramos as respostas a essas indagações. Inicialmente a primeira

impressão era de que o preconceito reduzia-se à falta de informações corretas, quem sabe as

científicas? Entretanto, começamos a perceber que se trata de algo bem mais complexo.

Desse modo escolhemos enveredar nossos esforços no sentido de aprofundar os

estudos sobre o preconceito não contra esse ou aquele indivíduo, ou mesmo com base neste

ou naquele instrumento de dominação. Interessa-nos, pelo menos nesta parte do estudo, o

mergulho em busca de algo comum, de algo mais à raiz...

Não sabemos ao certo se encontramos, sabemos que achamos elementos que nos

orientaram nos passos seguintes de nossa pesquisa, que, em seu segundo capítulo, retorna ao

campo mais conhecido da Educação para, em seguida, voltar-se para a AIDS.

Embora nossas escolhas metodológicas apontem, neste momento, para a busca do

preconceito mais geral e comum a todas as manifestações anteriormente apresentadas deste

fenômeno, queremos ressaltar que todos os estudos anteriormente apresentados foram e são

de suma importância para a compreensão e denúncia do preconceito em nossa sociedade. No

decorrer de nosso trabalho, ainda iremos nos valer de muitas reflexões apontadas nestes

trabalhos; além de, também nós, retornarmos para nossos preconceitos específicos, quando

apresentarmos nossos dados sobre o preconceito vivenciado no contexto educacional de

pessoas que vivem com AIDS.

Um estudo muito importante sobre o preconceito foi desenvolvido por José Leon

Crochik (2006) que publica sua tese de doutorado no livro Preconceito, Indivíduo e Cultura.

O autor traz ao debate a perspectiva da teoria crítica. Aqui se apresenta de forma veemente a

defesa de que o preconceito é um dos produtos de nossa cultura, mesmo que tenha também

raízes no indivíduo. O autor apega-se aos frankfurtianos, em especial a Horkcheimer e

Adorno, para desenvolver suas ideias acerca do preconceito. Durante seu trabalho, o autor

6 Na mitologia grega a Hidra era um monstro com várias cabeças de serpentes que Hércules enfrentou como um de seus doze

trabalhos. A cada cabeça cortada duas outras surgiam em seu lugar.

Page 21: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 18 -

logo nos adverte de que o preconceito é mais elucidativo do preconceituoso do que do alvo do

preconceito, o que o leva a concluir:

Não se pode por isso estabelecer um conceito unitário de preconceito, pois

ele tem aspectos constantes, que dizem respeito a uma conduta rígida frente

a diversos objetos, e aspectos variáveis, que remetem às necessidades

específicas do preconceituoso, sendo representadas nos conteúdos distintos

atribuídos aos objetos. (CROCHIK, 2006, p. 14)

Nesse sentido, os estudos de Crochik (2006), embora atribuam a ênfase na formação

do preconceito à própria cultura, apresentam, também, uma espécie de responsabilização do

indivíduo, que exerceria papéis de vítima e de algoz, já que constrói e é construído pela

cultura.

A cultura e o indivíduo dessa forma se complementam, não mais se

confrontam. Mas tal complementação, longe de ser o melhor dos mundos

possíveis, revela a vitória da sociedade sobre o indivíduo. A harmonia gerada

é, portanto, falsa e, assim, não deixa de gerar mal-estar. (Idem, p. 133)

Na obra “Perspectivas Teóricas acerca do Preconceito”, organizada pelo autor, ocorre

uma retomada do tema, desta vez, porém, com contribuições de diversos autores de correntes

teóricas que oscilam entre determinantes individuais e culturais, para explicar o preconceito.

Em seu artigo, Crochik (2008) reforça suas ideias iniciais. Nesse modelo, a cultura tem um

grande peso na explicação do fenômeno preconceito e na formação do preconceituoso. Deste

modo tanto a família como a escola têm um papel central nesta discussão. Outro elemento

muito valorizado nesta compreensão do preconceito é a indústria cultural.

Se, no liberalismo, a irracionalidade poderia atrapalhar a organização

racional, no capitalismo dos oligopólios, ela é utilizada para que os

indivíduos se julguem satisfeitos. Os impulsos individuais são direcionados

pelas instituições que propagandeiam princípios e valores similares. A

cultura que possibilitava alguma liberdade ao espírito e assim a

possibilidade de alguma individuação, sobretudo àquela parcela da

população que contava com garantias de existência, reduziu-se à

civilização. (CROCHIK, 2008, p. 82).

Nesta tentativa de explicação, não há uma escolha pelo preconceito, mas indivíduos

predispostos ao preconceito. Apoiado em Adorno, Crochik apresenta dois tipos de sujeitos

associados ao fascismo, “(...) os assassinos de gabinete e os que atuam violentamente sem

saber o porquê, contrariando os seus próprios interesses.” (Idem, p. 96). Quanto a esses

últimos, o autor defende que é possível fazer algo; quanto aos primeiros, não. A explicação

Page 22: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 19 -

para essa afirmação estaria na conclusão de que os primeiros equivaleriam aos chamados

manipuladores, que se movem por meio de planejamento, o que o autor classificou de “frieza

própria”, fundamentada numa “racionalidade formal que é a expressão mais direta desta

sociedade” (idem), sendo assim muito difícil de mudar. Já os segundos estariam

descarregando sua fúria contra pessoas consideradas mais fracas, pelo simples fato de não

poderem se defender, “uma violência aparentemente pura e imediata, mas claramente mediada

socialmente” (idem, p. 97).

Fazer uma breve reflexão acerca desses dois modelos de homens é muito tentador

neste momento. Um dotado de “frieza própria”, enquanto o outro exerce uma espécie de

“violência pura”. O primeiro não tem, praticamente, recuperação, enquanto, pelo segundo,

poderia ser feito “algo”. Qual seria, então, o preconceito recuperável, bem mais fácil de

mudar? Podemos começar a tentar responder essa pergunta a partir de Eichmann, criminoso

nazista que foi raptado em Buenos Aires e julgado em Jerusalém. A cuidadosa análise de

Arendt (1999) do processo criminal que redundou em seu julgamento e condenação à morte

revela ao mundo uma figura que funcionou perfeitamente como um “burocrata da morte”,

responsável que era pela organização nas localidades onde eram aprisionados os judeus e pelo

transporte dos mesmos para os campos de concentração na 2ª Guerra Mundial. No entanto,

quando a estudiosa (judia, diga-se de passagem) concluiu que, embora os atos fossem

monstruosos, quem os cometeu não era nenhum monstro, mas alguém que revelava, antes de

tudo, uma desconcertante dificuldade de pensar, isso causou grandes reações indignadas. O

artigo de Sylvia Leser de Mello (2008) nos ajuda a entender melhor esse episódio.

Quando chamada a acompanhar o julgamento de Eichmann, em Jerusalém

(do qual resultou uma crônica que desencadeou, na época, muita polêmica),

Hannah Arendt observa que nada distinguia aquele homem de outros, pois se

os atos eram monstruosos, o homem que os realizou ‘não era nem

monstruoso nem demoníaco, e a única característica específica que se podia

detectar em seu passado, assim como em seu comportamento durante o

julgamento e no interrogatório policial anterior, era algo inteiramente

negativo: não era estupidez, mas uma curiosa, bastante autêntica inabilidade

para pensar.’ O pensamento é, neste contexto, uma atividade política, e seu

exercício não diz respeito apenas ao pensante, mas ao mundo que está entre

os homens, e não somente ao pensamento enquanto nobre capacidade

humana, mas a algo que, talvez, seja ainda mais humano: a habilidade de

formular juízos. (MELLO, 2008, p. 39)

E mais adiante Mello arremata com a indissociável ligação entre preconceito e

dificuldade para pensar, quando aponta essa habilidade essencial para fazer frente aos

preconceitos.

Page 23: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 20 -

Aí estamos: nossa vida ativa está baseada em ideias, em pressuposições não

testadas pelo discernimento. Esses são os preconceitos verdadeiros. Nascem

e são sustentados pela experiência do mundo comum. No entanto, quando

fez a observação sobre Eichmann, ela se referia, mais do que àquela

habilidade de pensar que acompanha a nossa vida cotidiana, e que possui o

peso de costume (da socialização, diriam os psicólogos), à capacidade de

pensar por si mesmo, por sua própria cabeça, expor à luz opiniões não

examinadas e, por isso, destruí-las. (Idem, p. 41)

Como podemos perceber, a autora não se referia apenas ao pensar, mas essencialmente

ao pensar por si mesmo.

Seria, neste caso, “o assassino de gabinete”, aquele que tem dificuldade de pensar por

si mesmo? Neste mesmo caminho, aqueles que agem contra si mesmo, atacando os mais

fracos simplesmente por serem mais fracos, seriam as pessoas que colaboraram com o regime

nazista? Estariam nestas conclusões as pistas para entendermos o preconceito?

Para iniciar a resposta a essas perguntas, dialogaremos com duas obras póstumas de

Hannah Arendt, de onde extrairemos algumas de suas reflexões acerca do preconceito e, de

como diz o próprio título de uma delas, da Responsabilidade e do Julgamento. Na obra “O

que é política?”, Arendt (2009b) demonstra sua preocupação com os preconceitos contra a

política que ameaçam destruir a própria política. Aqui há um diálogo entre preconceito e

juízo.

No entanto, esses preconceitos não são juízos definitivos. Indicam que

chegamos numa situação na qual não sabemos – pelo menos ainda – nos

mover politicamente. O perigo é a coisa política desaparecer do mundo.

Mas o preconceito se antecipa, ‘jogam fora a criança junto com a água

do banho’, confundem aquilo que seria o fim da política com a política em

si, e apresentam aquilo que seria uma catástrofe como inerente à própria

natureza política e sendo, por conseguinte, inevitável. (ARENDT, 2009b,

p. 25) (grifo nosso)

Nosso grifo na citação da autora já indica que queremos destacar que se os

preconceitos têm a característica de se anteciparem ao juízo aprofundado, o que em alguns

casos pode significar nossa ruína, por outro lado, nos dá o conforto de não ficarmos em

constante alerta, como aponta a própria autora.

Pois nenhum homem pode viver sem preconceitos, não apenas porque não

teria inteligência ou conhecimento suficiente para julgar de novo tudo que

exigisse um juízo seu no decorrer de sua vida, mas sim porque tal falta de

preconceito requereria um estado de alerta sobre-humano. Por isso, a política

tem de lidar sempre e em toda parte com o esclarecimento e com a dispersão

de preconceitos, o que não significa tratar-se, no caso de uma educação para

Page 24: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 21 -

a perda dos preconceitos, nem que aqueles que se esforcem para fazer tal

esclarecimento sejam livres de preconceitos. (Idem, p. 29)

A redemocratização política do Brasil, a partir de 1985, veio acompanhada de um forte

crescimento dos movimentos sociais que se aglutinaram em torno de uma espécie de esforço

pela dispersão de diversos preconceitos: contra as mulheres, contra os homossexuais, contra

os negros, entre outros. Esses avanços alcançaram, inclusive, a educação formal, e um dos

exemplos disso foi a adoção dos temas transversais (orientação sexual, ética, pluralidade

cultural, saúde e meio ambiente) nos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997. Assim,

encontramos neste exemplo a vinculação entre ampliação do debate político e ampliação do

debate dos preconceitos, o que tem contribuído para a sua “dispersão”.

Nossa compreensão para a superação do preconceito, neste sentido, vai além do

burocrata assassino e do assassino “puro”. Entendemos como central nesta discussão a

capacidade de julgar por si próprio superando estereótipos e estigmas que muitas vezes se

disfarçam de terra sólida para nossas decisões. Essa capacidade não é privilégio de pessoas

que têm alto grau de escolaridade ou pertencem a esta ou àquela classe social. Discutindo

acerca das pessoas que conseguiram resistir ao forte apelo nazista na Alemanha dominada

pela ideologia de Hitler, Arendt demonstrava grande interesse em identificar o que motivava

essas pessoas a não aderir à esmagadora maioria.

Permitam-me agora propor duas perguntas: primeiro, de que maneira

diferem aqueles poucos que em todas as esferas da vida não colaboraram e

recusaram-se a participar da vida pública, embora não pudessem se rebelar e

de fato não se rebelaram? E segundo, se concordarmos que aqueles que

serviram ao regime em qualquer nível e com qualquer competência não eram

simplesmente monstros, o que os levou a se comportarem como se

comportaram? Em quais bases morais, distintas das legais, eles justificaram

a sua conduta depois da derrota do regime e o colapso da “nova ordem”, com

seu novo conjunto de valores? (ARENDT, 2004, p. 106)

As respostas às próprias indagações vão surgindo à medida que a autora avança em

seu raciocínio, e podem ser resumidas nas seguintes conclusões: aqueles que resistiram e até

morreram para não colaborar com o regime nazista conseguiram julgar por si mesmos; já a

maioria esmagadora da população alemã daquele período histórico parecia seguir o que a

autora chamou de uma espécie de “sistema automático”, em que a opinião estaria preparada

“(...) de modo que toda nova experiência ou situação já é prejulgada, e precisamos apenas

seguir o que aprendemos ou o que possuímos de antemão.” (Idem) Neste ponto, no entanto, o

que mais interessava a Arendt era compreender o que levou a minoria a julgar por si mesma, a

Page 25: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 22 -

resistir. Sobre este ponto sua conclusão é “socrática”, ou seja, essas pessoas preferiam sofrer o

mal a cometer o mal, já que não suportariam conviver com malfeitores dos quais não

poderiam fugir se fossem elas mesmas...

Reside neste núcleo boa parte do que defendemos em relação ao preconceito que

precisamos enfrentar e do preconceito que precisamos preservar. Um esforço na direção de si

mesmo, mesmo diante de um sistema (e até por isso mesmo) que arquiteta nossa total

previsibilidade diante de um mercado dependente de um consumo cada vez mais predador.

Seria, portanto, a capacidade de julgar por si mesmo aquela que guarda, em nosso

entendimento, a chave que ajudaria em nossa compreensão do preconceito.

1.1 Educação, aprendizado e preconceito

Compreendemos o processo educativo como uma característica do humano, estando

presente em nossas vidas desde os primórdios de nossa socialização. Segundo Manacorda

(1996), a educação estaria presente no antigo Egito, onde foram encontrados registros

documentais datados do período arcaico (século XXVII a. C.) até a dominação do Egito pelos

gregos. Encontrou-se, inclusive, o que seria uma espécie de sala da aula, onde os aprendizes

de escribas eram formados. Essa formação, por sinal, era marcada por castigos físicos e um

grande número de horas de dedicação, além do fato de ser “privilégio” de poucos. A elitização

e a violência, aliás, atravessam a história da educação de ponta a ponta, em menor ou maior

grau, dependendo da corrente pedagógica concretizada, esta por sua vez, reflete também

momentos históricos que ajudam a formar cada abordagem.

Quando se pensa em educação, muitas vezes, vem à cabeça o aprendizado, isso ocorre

porque uma das funções da educação, se não a maior delas, seria o próprio aprendizado. O

preconceito, como vimos, faz parte de uma dimensão do humano que, por um lado, garante

parte de nossa criticidade, salvando-nos de adesões imediatas ou de uma vigilância desumana;

por outro lado, o preconceito também é um elemento produtor de estigma e discriminação,

muitas vezes, utilizado justamente para barrar a participação de parcelas da população na vida

pública da sociedade. Deste modo caberia a pergunta: até que ponto, então, seria o

preconceito um fenômeno aprendido em nossa sociedade?

Para começar a discutir esta questão, traremos à tona os estudos de Maria Luisa

Sandoval Schmidt (2008) que busca em Sartre pistas que indicam como se forma um

preconceituoso.

Page 26: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 23 -

Assim como a maioria dos grandes pensadores que de alguma forma discutiram o

preconceito, Sartre o fez a partir da reflexão sobre o antissemitismo. Esse importante filósofo

foi um radical teórico e ativista político contra o preconceito. Segundo Schmidt (2008), o

livro de contos “O muro”, especialmente o conto “A infância de um chefe”, é a obra em que o

filósofo mais se detém no tema preconceito. Nesse conto Sartre se propõe a mostrar como se

forma um preconceituoso, usando para isso a vida do personagem central do conto, Lucien

Fleurier.

Uma importante característica do preconceituoso, na visão de Sartre, é a escolha pelo

preconceito. Novamente é atribuído ao homem o determinismo em relação ao preconceito,

aqui a cultura não tem a mesma força que outros filósofos defendem. A própria Schmidt

questiona: “cabe perguntar, com Sartre, o motivo desta escolha pelo ódio.” (Idem) A resposta

a essa pergunta pode ser sintetizada na relação do ser com o outro ser, que aponta para a

assimilação ou para a indiferença.

Na primeira parte do conto, Sartre apresenta o pequeno Lucien vivendo uma infância

“freudiana”, ilustrada através do desejo pela mãe, do medo de perder o pênis e de fantasias

mirabolantes.

A partir desse dia, Lucien convenceu-se de que ele representava uma comédia,

e não lhe disse mais que a desposaria quando fosse grande. Não sabia, porém,

qual era a comédia; podia ser que ladrões, na noite do túnel, tivessem vindo

pegar seus pais em sua cama e posto esses dois no lugar deles. Ou então eram,

com efeito, seu pai e sua mãe, mas durante o dia desempenhavam um papel e,

de noite, eram diferentes. (SARTRE, 1986, p. 143)

Na tentativa de compreender até que ponto o fenômeno do preconceito seria aprendido

em nossa sociedade, realizamos uma análise do conto de Sartre à luz da Teoria da

Equilibração de Piaget, apresentada por Pozo (1998) e Cool e Martí (1996), e da Teoria

Sociocultural da Aprendizagem, de Vygotsky.

Os estudos genéticos feitos por Piaget buscavam explicar como se dá o aprendizado

humano, assim como nos explica Pozo (1998):

De fato, Piaget (1959) distinguia entre “aprendizagens no sentido estrito”,

pelo qual se adquire no meio informação específica, e “aprendizagem no

sentido amplo”, que consistiria no progresso das estruturas cognitivas por

processos de equilibração. (POZO, 1998, p. 177)

Page 27: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 24 -

É a partir desse conceito de equilibração que investigaremos a transformação do

pequeno Lucien num adulto antissemita, procurando enquadrar suas experiências de vida nos

fenômenos de assimilação e acomodação piagetiano.

Estaria Lucien vivenciando os conflitos de um conturbado processo de acomodação, já

que seus esquemas estavam sendo frequentemente perturbados por desequilíbrios? Seriam

respostas adaptativas às conclusões que o próprio Lucien conseguia formular? Temos uma

aproximação maior desta hipótese quando Lucien, após tornar-se amigo de um colega de

classe e enfim dividir suas angústias, parece, de fato, estar vivenciando mais uma perturbação

que acabou gerando uma acomodação, diríamos científica.

Estava seduzido pelo rumo que tinham tomado suas confidências, e na

quinta-feira seguinte leu a obra de Freud sobre o sonho, na Biblioteca Sainte-

Geneviève. Foi uma revelação. ‘É isso’, repetia... (...) ‘tenho um complexo.’

Contou a Beliac como, na infância, imaginava-se sonâmbulo e como os

objetos nunca lhe pareciam completamente reais. (SARTRE, 1986, p. 170)

O processo de tomada de consciência passa por estado de perturbação ou

desequilíbrio. “As respostas não adaptativas estariam representadas na ausência da tomada de

consciência do conflito existente, isto é, em não levar a perturbação a um estágio de

contradição.” Pozo (1998, p. 181). Seria o caso em que não houve aprendizagem. Enquanto

“as respostas adaptativas seriam aquelas nas quais o sujeito é consciente da perturbação e

tenta resolvê-la.” (Idem, p. 182). O autor, no entanto, nos alerta de que esse processo é tão

complexo que “(...) raramente os desequilíbrios dão lugar a uma acomodação ótima dos

esquemas cognitivos (...)” (Idem).

Todas as situações vividas por Lucien parecem transitórias e permanentes ao mesmo

tempo, na medida em que, mesmo muitas delas tendo potencial de modificá-lo, acabaram

prevalecendo em cada uma os esquemas que Lucien havia construído no seio familiar, e até

mesmo no espaço escolar. Poderíamos, inclusive, afirmar que, considerando-se a aplicação da

teoria de Piaget às vivências de Lucien, haveria uma aproximação entre o conceito

psicogenético de Piaget e a filosofia existencialista de Sartre que afirma que o “produto”

humano em que Lucien tornou-se, simbolizado em sua construção em um antissemita,

pareceu a acomodação mais efetiva entre tantas outras vividas, já que esta foi capaz de

fornecer os esquemas necessários para vivenciar esta acomodação.

Um relógio bateu meio-dia. Lucien levantou-se. A metamorfose estava

consumada: naquele café, uma hora antes, havia entrado um adolescente

Page 28: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 25 -

gracioso e indeciso; agora, quem de lá saía era um homem, um chefe entre

os franceses. (SARTRE, 1986, p. 234)

Continuaremos nossa análise da trajetória de vida de Lucien, desta feita, utilizando a

Teoria Sociocultural da Aprendizagem de Vygotsky. Iremos nos apoiar nos textos do próprio

Vygotsky (1998), de Pozo (1998), de Cubero e de Luque (2004).

Como a teoria de Vygotsky dava explícita importância à escola, buscaremos focar os

momentos vividos por Lucien neste espaço, além de lançarmos nosso olhar em alguns

processos de socializações vividos por nosso personagem.

Para Vygotsky, desde o nascimento da criança, o aprendizado estava relacionado ao

desenvolvimento e é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das

funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.

Lucien, como vimos, vive a pressão de tornar-se um chefe desde a infância,

carregando consigo a incerteza de ser capaz de assumir este papel. Diante desse contexto, suas

experiências sociais vão fornecendo elementos que o ajudam a construir esse papel de modo

precário, com uma forte oscilação provocada pelas interações sociais vividas por ele.

Quando foi enviado ao Lycée Saint-Louis, para que se preparasse para École Centrale,

Lucien experimenta o que Sartre chama de “nova dignidade”, ao fazer parte dos “Pistom”

que, em coro, chamavam os outros grupos (cadete e agronomia) de “trouxas”.

Os espaços de socialização dizem a Lucien que a única forma de “ser chefe” é se

elevando sobre a humilhação provocada em outros, seja por meio da provocação em bando,

chamando outros de “trouxas”, o que causa uma espécie de “dignidade” que se alimenta da

falta de dignidade do outro, seja pelo desejo de humilhar um colega do próprio grupo, que por

ser pequeno foi classificado como “percevejo”. Quando, no entanto, essa lógica perversa se

volta contra o próprio Lucien, ele vivencia a própria humilhação, internalizando aqui mais

uma vez, a incapacidade.

De acordo com Vygotsky, a zona proximal corresponde às funções que estão em

maturação no indivíduo. O desenvolvimento real, no qual a criança faz suas coisas com

independência, retrata o amadurecimento consolidado, ao passo que aquelas tarefas realizadas

com ajuda dos outros apontam para o desenvolvimento mental que pode ser adquirido. Lucien

não teve ajuda da escola, nem enquanto espaço de aprendizagem de uma moral integradora

nem como espaço social integrador, haja vista que a lógica das relações de poder se

concretizava com base na humilhação do outro.

Page 29: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 26 -

Havia nesses momentos um espaço onde a escola poderia ter trabalhado, talvez aqui

pudesse se dar o início de uma construção em outra direção que não resultasse na formação de

um antissemita. A zona proximal revela a dinâmica do processo de desenvolvimento,

prevendo o resultado a ser obtido quando o conhecimento foi assimilado. Ela revela o

desenvolvimento real futuro, aquilo que uma criança será capaz de fazer sozinha, depois de

internalizar o aprendizado. A partir disso, seria possível prever o desenvolvimento de uma

pessoa ao observar essa diferença entre o que ela faz e o que pode fazer. Lucien podia sozinho

seguir a lógica da humilhação ao outro; podia humilhar um colega de seu próprio grupo

sozinho; mas não podia sozinho criar outras relações baseadas na solidariedade, no respeito ao

outro que é diferente, que tem menos poder. Já que necessitaria de experiências que o

ajudassem neste aprendizado.

(...) aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado

adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em

movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma,

seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto

necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções

psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.

(VYGOTSKY, 1998, p. 101)

Lucien viveu um momento muito emblemático entre tantos outros que apontam a

influência do meio social em seus aprendizados. Neste momento Lucien já fazia parte do

grupo antissemita e já tinha feito muitos atos terroristas contra judeus e estrangeiros junto ao

“bando” que o ajudava a reviver a tal dignidade perdida na infância... No entanto, quando

estava numa festa longe desse grupo e em interação com pessoas que não praticavam ideias

antissemitas, Lucien foi apresentado a um judeu e...

– Meu amigo Fleurier, meu amigo Weill – disse com desembaraço. –

Pronto: as apresentações estão feitas.

Weill estendeu a mão, e Lucien sentiu-se muito infeliz. Por felicidade,

lembrou-se de repente de Desperreau: ‘Fleurier atiraria mesmo o judeu à

água’. Enfiou as mãos nos bolsos, deu as costas a Guigard e foi-se embora.

‘Não poderei mais pôr os pés nesta casa’, pensou, dirigindo-se ao vestiário.

Sentia um orgulho amargo. ‘Eis o que é agarrar-se fortemente a opiniões;

não se pode viver em sociedade.’ Mas, na rua, seu orgulho desapareceu e ele

ficou inquieto. (...) revia com uma espécie de mal estar a cara espantada de

Weill, sua mão estendida, e sentia-se inclinado à reconciliação (...)

(SARTRE, 1986, p. 227)

No entanto, essa zona de desenvolvimento proximal que, por meio da reprovação

social e de argumentos colocados no momento certo, deixou de ser aproveitada para onde seu

Page 30: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 27 -

maior potencial se colocava, mudou totalmente sua perspectiva no momento em que tal

reprovação acabou não acontecendo, o que ajudou fortemente a internalizar o seu preconceito:

Por fim, Guigard quebrou o silêncio, com uma voz embargada:

– Desculpe-me, meu velho, eu não devia ter feito aquilo.

Lucien sobressaltou-se e olhou-o com desconfiança. Mas Guigard

prosseguiu, com esforço. (...) – Meus pais acham que você teve razão, que

não podia agir de outro modo, desde que tem uma convicção.

Lucien saboreou a palavra “convicção”: tinha vontade de apertar Guigard

nos braços. (Idem, p. 229)

A aprendizagem que foi oferecida a Lucien nestes fatos corrobora uma visão

Preconceituosa e oferece estímulos a sua construção. Vygotsky defendia que a aprendizagem

ocorre em processos de associação e reestruturação de forma integrada. Esta integração, no

entanto, não ocorreria uniformemente; tendo, neste caso, os aspectos organicistas, que têm

mais importância do que os mecanicistas, priorizando a análise por globalidades em vez de

por elementos, o caráter qualitativo da mudança em vez do quantitativo, os processos

conscientes e não somente automáticos.

Desse modo podemos afirmar que, baseados na teoria sociocultural de Vygotsky, o

preconceito foi um dos elementos fortemente alimentados na vida de Lucien. Esse fenômeno

ocorreu a partir de interações sociais que reforçaram e alimentaram a internalização do

preconceito contra os judeus e os estrangeiros que, por sua vez, produziu atos de estigmas e

discriminação praticados por Lucien.

A sociedade em geral e a escola em particular contribuíram para a formação do

antissemita Lucien, por ação e por omissão. As diversas “demonstrações” de apoio social que

Lucien e o bando que o acolheu receberam fortaleciam as convicções preconceituosas; já as

omissões silenciosas foram evidentes apoios aos atos discriminatórios e à educação da

humilhação. Todos esses elementos corroboram a teoria de que o preconceito é aprendido

socialmente e fortemente internalizado pelas pessoas que o exercem por ações diretas e cada

vez mais aviltantes e por omissões em massa cada vez mais permissivas que consolidam

diversos preconceitos em nossa sociedade.

Acreditamos, portanto, que a socialização que ocorre no contexto de nossa cultura é

determinante na construção dos preconceitos, os quais são, desse modo, aprendidos. A defesa

que Sartre faz da escolha pelo preconceito nos parece também um aprendizado, esse

aprendizado seria a própria escolha pelo ódio.

Compreendemos, ainda, que o foco nas capacidades de pensar, julgar e posicionar-se,

por si mesmo, libertaria Lucien do peso de ser alguém “projetado” por sua família, o que

Page 31: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 28 -

muitas vezes pareceu-lhe bem mais do que ele podia suportar. No texto “Algumas questões de

filosofia moral”, Arendt (2004) refere-se a Sócrates para refletir acerca da proposição: é

melhor sofrer o mal que fazer o mal. Aqui o exemplo como ferramenta educativa chega às

últimas consequências e tem como principal objetivo não deixar de ser “eu mesmo”, não

ficando em desavença comigo mesmo.

Se estou em desavença com meu eu, é como se eu fosse forçada a viver e

interagir diariamente com meu próprio inimigo. Ninguém pode querer tal

coisa. Se pratico o mal, vivo junto com um malfeitor, e embora muitos

prefiram praticar o mal em proveito próprio em vez de sofrer o mal, ninguém

vai preferir viver junto com um ladrão, um assassino ou mentiroso. É isso

que esquecem aquelas pessoas que elogiam o tirano que chegou ao poder por

meio de assassinato e fraude. (ARENDT, 2004, p. 155)

Essa compreensão levada ao espaço educativo não tem como objetivo produzir

mártires, muito pelo contrário, coloca como meta da educação ajudar cada sujeito a descobrir

a si mesmo sem, no entanto, negar as habilidades comuns que permitem a essas pessoas

movimentar-se em meio aos escombros de um mundo em constante mutação.

No livro “Diferenças e Preconceito na Escola: alternativas teóricas e práticas”,

organizado por Aquino (1998), encontram-se vários artigos que discutem o preconceito com

base nas diferenças físicas e cognitivas. Em comum todos os artigos trazem a questão das

diferenças como combustível principal do preconceito, e a escola como um espaço que

deveria ser privilegiado para o enfrentamento desse fenômeno que é ainda mais diverso do

que a grande variedade de temas que o livro aborda. Em menor ou maior grau, todos os

autores reservam à escola um espaço privilegiado no enfrentamento ao preconceito. O trecho

abaixo, de autoria do organizador da publicação, simboliza bem esta crença.

Além disso, escola é o lugar não só de acolhimento das diferenças humanas

e sociais encarnadas na diversidade de sua clientela, mas fundamentalmente

o lugar a partir do qual se engendram novas diferenças, se instauram novas

demandas, se criam novas apreensões sobre o mundo já conhecido. Em

outras palavras, escola é, por excelência, a instituição da alteridade, do

estranhamento e da mestiçagem – marcas indeléveis da medida de

transformabilidade da condição humana. (AQUINO, 1998, p. 138)

A crença na força da escola é tanta que o autor chega a desconsiderar outros espaços

de socialização e apropriação do conhecimento.

Desse modo, poder-se-ia afirmar seguramente que o legado cultural recriado

– e não apenas transmitido, repassado – nos bancos escolares é o único

Page 32: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 29 -

dispositivo capaz de ‘humanizar’ o mundo da informação, colocando este à

mercê de alguma possibilidade de reapropriação humana. ( Idem, p. 144 ).

A afirmação do autor não considera outros espaços de socialização e de apropriação

do conhecimento além da escola, partindo do pressuposto de que a única educação que

garantiria a “possibilidade de reapropriação humana” seria aquela advinda dos “bancos

escolares.” Galvão e Pierro (2007) lembram que, no Brasil, durante muitos anos, foi negado

aos analfabetos o direito ao voto. O argumento que prevalecia à época e que ainda hoje paira

em nosso imaginário social é de que a falta de conhecimento escolar deixa essas pessoas mais

vulneráveis às manipulações políticas. No entanto, as autoras demonstram, por meio de

pesquisas, a dissociação entre o não domínio da língua escrita e a falta de autonomia.

Nossa sociedade, no entanto, vem exigindo de forma cada vez mais veemente um

crescente nível de escolarização que impõe uma série de cursos e habilidades específicas às

pessoas em todas as áreas do conhecimento; por outro lado, observa-se também uma pressão

pela diminuição do tempo de formação na graduação e na pós-graduação. Seja qual for o

cenário dessa discussão, há uma espécie de consenso no ar que desconhece corrente política

ou ideológica, considerando simplesmente que se alguém não tem educação (especialmente a

escolar) afasta-se da condição de participante de nossa sociedade.

Seria, portanto, a educação escolar um fenômeno social que parte de um preconceito

contra aqueles que não têm acesso a ela. De certo modo, é o que afirma Brayner (2010) em

seu ensaio, “Fundamentos da Educação: crise e reconstrução”, no qual argumenta que a

educação transforma o outro (aluno) em objeto pedagogizável, aponta-lhe sua carência e

promete saná-la por meio do discurso pedagógico.

Aqui estamos praticamente remetendo-nos ao entendimento de que o discurso

pedagógico é aquele que, ao configurar um ideal humano a ser alcançado

(mesmo que como ideia reguladora), define, no mesmo movimento, a

carência do Outro, entroniza de forma institucional aqueles que dispõem de

competência para conduzir a transição de um ponto ao outro, em torno do que

se constrói um complexo sistema educacional de atribuição de qualificação e

de certificação social. (BRAYNER, 2010, p. 16). (Grifo do autor.)

Tendo a educação partido do conceito prévio de que o Outro é carente e, portanto,

necessitado da educação, para sair dessa carência, sua premissa básica assenta-se justamente

na desqualificação do Outro para, através dela mesma, chegar-se à qualificação que colocaria

este outro em “harmonia” com a sociedade que o alcança através desta mesma educação.

Mas, se esse Outro não quer a educação (a escolar, por exemplo) tão “bondosamente

oferecida”, como devemos interpretar?

Page 33: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 30 -

Envolvimento ou afastamento? Garantir os conhecimentos hegemônicos a todos ou

garantir que todos possam apresentar seus conhecimentos? Estaremos nós em um caminho

circular quando perseguimos uma educação que enfrente os preconceitos?

O estudo feito por Goffman (1988) sobre o estigma apresenta uma cuidadosa descrição

desse fenômeno, analisando não só o que ele chama de “indivíduo estigmatizado” mas

também “nós normais”, outro termo usado pelo autor. O livro sistematiza os conhecimentos

sobre este tema sendo, em vários aspectos, elucidador. Em seu texto, os depoimentos

dramáticos dos que sofrem estigma se misturam a uma análise que chega a ser fria, justamente

porque busca manter a distância científica. Abaixo, um trecho da obra, em que o autor destaca

uma espécie de estigma que, até certo ponto, pode ser “escondido”, muito próximo do que

acontece com as pessoas soropositivas.

Quando há uma discrepância entre a identidade social real de um indivíduo e

sua identidade virtual, é possível que nós, normais, tenhamos conhecimento

desse fato antes de entrarmos em contato com ele ou, então, que essa

discrepância se torne evidente no momento em que ele nos é apresentado.

Esse indivíduo é uma pessoa desacreditada e foi dele, fundamentalmente,

que me ocupei até agora. Como foi sugerido, é provável que não

reconheçamos logo aquilo que o torna desacreditado e enquanto se mantém

essa atitude de cuidadosa indiferença a situação pode tornar-se tensa, incerta

e ambígua para todos os participantes, sobretudo a pessoa estigmatizada.

(GOFFMAN, 1988, p. 38)

Nesses meandros, nesses espaços de tensões, podem eclodir, a partir do preconceito

acerca da AIDS, atos de estigma tanto de educadores e de outros alunos (os normais!?) quanto

da própria pessoa estigmatizada (soropositiva), tendo em vista, muitas vezes, ser necessário

esconder a condição soropositiva, simplesmente por se saber que tal revelação irá causar uma

mudança na forma como esta pessoa é percebida pelo outro.

Esta representação que de algum modo faz-se estigmatizada pode acabar construindo a

própria identidade da pessoa, na medida em que esta compreende a força desta imagem

negativa e até mesmo admite que deva, de fato, ser assim. Neste sentido, Castoriadis (1982),

já demonstrava categoricamente que a representação, assim como o imaginário, são

dimensões da realidade cultural construída pelos seres humanos. Desse modo, a representação

assumiria um papel fundamental na própria realidade do individuo.

Na ocultação da representação e da imaginação, a preocupação exclusiva ou

pelo menos dominante com a ‘coisa’, portanto com a percepção, isto é, o

fetichismo da realidade representa evidentemente um papel essencial.

(CASTORIADIS, 1982, p. 376).

Page 34: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 31 -

Nesta obra, o autor reúne textos que ele mesmo considera “heterogêneos” para,

simultaneamente, desferir golpes impiedosos contra uma compreensão do marxismo que se

arvora a explicar o presente, passado e futuro da humanidade, com base nas questões

econômicas, e faz um mergulho nas instituições e no funcionamento da sociedade, a partir de

uma tentativa de elucidar o social-histórico, discutindo o imaginário como elemento

construtor da sociedade. Neste sentido o autor nos aponta as armadilhas escondidas nas

questões econômicas de nosso tempo que alimentam os preconceitos e florescem no

imaginário de tantos grupos sociais de diferentes perfis socioeconômicos.

Temos aqui, portanto, um problema de compreensão de uma determinada mensagem,

que ao mesmo tempo pode ser da própria pessoa e dos grupos, digamos, hegemônicos, de

nossa sociedade. Essa compreensão pode carregar em si preconceitos que produzem estigmas

e alimentem discriminações contra esta própria pessoa ou até contra pessoas que, antes desta

mensagem, eram compreendidas de outra forma, ou seja, de uma forma que não acionava o

estigma e, portanto, não produzia discriminação. Desse modo, quais mecanismos nós

poderíamos acionar para questionar esses preconceitos, submetendo-os ao crivo do

conhecimento? Para Gadamer (2008), a hermenêutica filosófica se apresenta como uma

alternativa a essa questão. Quando o autor analisa o que chama de “o círculo hermenêutico e o

problema dos preconceitos”, ele questiona o próprio conhecimento, quando advoga sua

libertação “das inibições ontológicas do conceito de objetividade” (Gadamer, 2008, p. 354).

Desse modo o autor busca recuperar a descrição que Heidegger faz do círculo hermenêutico

para apontar não apenas a exigência de uma práxis da compreensão, mas antes, uma descrição

da própria interpretação compreensiva. Nesse sentido, o autor afirma:

Toda interpretação correta tem que proteger-se da arbitrariedade de

instituições repentinas e da estreiteza dos hábitos de pensar imperceptíveis, e

voltar seu olhar para ‘as coisas elas mesmas’ (que para os filólogos são textos

com sentido, que tratam, por sua vez, de coisas). Esse deixar-se determinar

assim pela própria coisa, evidentemente, não é para o intérprete uma decisão

‘heróica’, tomada de uma vez por todas, mas verdadeiramente ‘a tarefa

primeira, constante e última.’ Pois o que importa é manter a vista atenta à

coisa através de todos os desvios a que se vê constantemente submetido o

intérprete em virtude das ideias que lhe ocorrem. Quem quiser compreender

um texto, realiza sempre um projetar. (GADAMER, 2008, p. 355).

E mais adiante o autor continua.

Quem busca compreender está exposto a erros de opiniões prévias que não

se confirmam nas próprias coisas. Elaborar os projetos corretos e adequados

Page 35: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 32 -

às coisas, que como projetos são antecipações que só podem ser confirmadas

‘nas coisas’, tal é a tarefa constante da compreensão. (Idem, p. 356).

A busca pela verdadeira compreensão seria, portanto, o passo a ser dado no sentido de

conhecer de fato “a coisa”. Quando, no entanto, esta “coisa” é o preconceito que se abate

contra seres humanos, resta-nos, novamente, retornar a Arendt (2209b), que destina à arena

política a dissipação dos preconceitos.

Buscar uma interpretação do mundo que descortine os estereótipos, que denuncie os

estigmas e que ajude a construir diálogos entre as diferenças em busca de maior equilíbrio nas

relações de poder parece ser um caminho possível na tarefa de compreensão mais próxima das

“coisas” que nos fazem e nos constroem enquanto humanidade. Esta tarefa, no entanto, deve

iniciar-se a partir de um espaço comum, de uma intersecção de conhecimentos que garanta

este diálogo, de uma base comum que permita orientar-se em um mundo comum e assim

conseguir rebelar-se para construir o novo que ajude a construir uma teia específica que seja,

porém, partilhada.

1.2 Doenças e preconceito: o que antecedeu a AIDS

O preconceito contra pessoas doentes não é novo em nossa cultura, do mesmo modo

ações de estigma e discriminação contra essas pessoas são comuns em várias culturas. Estas

ações apontam suas baterias não só para a doença, mas também para todo o imaginário que a

envolve, potencializando outros preconceitos a partir de diversas outras categorias como

gênero, classe, raça/etnia e orientação sexual. Os limites desse estudo, no entanto, e seu foco

na categoria preconceito contra as pessoas soropositivas durante os processos educativos nos

levaram a focar na categoria AIDS, o que pode nos conduzir a discutir outras categorias a

partir do momento em que elas surjam em nossos dados junto às pessoas soropositivas.

Interessa-nos, neste momento, o preconceito contra os doentes de AIDS, o que nos leva assim

a buscar em outros estudos pistas acerca do preconceito contra outras doenças, para, com base

nelas, chegar à AIDS.

Desse modo iremos caminhar brevemente sobre estudos que tratam da Hanseníase, da

Tuberculose e do Câncer, buscando entender nessas doenças como se processaram o

preconceito contra as pessoas que foram infectadas por elas.

Page 36: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 33 -

A hanseníase é uma doença infecto-contagiosa causada pela bactéria mycobacterium

leprae. O nome mais conhecido desta doença é lepra que já carrega um grande estigma; assim,

embora esta doença tenha tratamento e cura, ainda é carregada de preconceito.

A história dessa enfermidade foi marcada por dois procedimentos muito comuns

contra as pessoas doentes, o isolamento em “cidades de leprosos”, e o forte julgamento

religioso contra as pessoas que contraíram a doença. Essas duas características são tão fortes

que dificilmente qualquer estudo sobre este tema pode ignorar essas questões.

Durante sua pesquisa, Câmara (2009) buscou analisar os estigmas causados pelo

isolamento compulsório de homens, mulheres e crianças num asilo-colônia da cidade de São

Luís do Maranhão, entre os anos de 1937 e 1965. Foram entrevistados egressos dessa

instituição. A pesquisadora demonstrou também como a doença é tratada na Bíblia, sempre

associada ao pecado e à exclusão. O período escolhido pela pesquisadora marca o início das

intervenções estatais na política de saúde no Brasil com foco nos “leprosos”, em que a

fórmula medieval da segregação por um lado e do reforço à ideia do pecado por outro foi a

principal resposta governamental.

O denominado leproso quase sempre foi visto como um misto de corpo

doente e alma pecadora. A doença era entendida como um castigo divino, e

isso agravava ainda mais a situação do doente, uma vez que sendo ele

pecador deveria pagar por seus pecados e resignar-se ao confinamento nos

leprosários. (CÂMARA, 2009, p. 46)

O estudo é rico em depoimentos que demonstram fartamente o caráter discriminatório

e produtor de estigmas dessa política e seus efeitos graves na vida dessas pessoas, além de

apontar também as estratégias de resistência que aconteciam entre raros momentos de

enfrentamento do preconceito e muitos momentos em que a negação da doença evitava o

enfrentamento e a consequente discriminação. Os resultados dessa pesquisa apontam, ainda, a

compreensão dos ex-doentes de hanseníase de que a cura física não se reflete na cura “moral”

e, assim, em decorrência das várias experiências de segregação vividas ainda hoje, o segredo

sobre o diagnóstico precisa ser regra.

A tuberculose é uma infecção causada pelo microorganismo mycobacterium

tuberculosis, também conhecido por bacilo de Koch. Esta doença, atualmente, tem tratamento

e cura. Assim como a Hanseníase, a Tuberculose – TB, é uma doença muito antiga. “Existem

relatos de evidência de TB em ossos humanos pré-históricos encontrados na Alemanha e

Page 37: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 34 -

datados de 8.000 antes de Cristo.”7 Segundo Rosembergue (2008), em sua pesquisa de

mestrado, apesar da existência da tuberculose na América pré-colombiana entre o povo inca,

no Brasil, sua disseminação aconteceu através dos colonizadores portugueses, em especial, os

padres jesuítas. Conhecida como “Peste Branca”, a tuberculose dizimou populações inteiras

até começar a ser combatida com antibióticos.

Outro ponto apontado na pesquisa foi a crença, entre as autoridades do governo

brasileiro, de que a tísica (outro nome da tuberculose) era uma doença da modernidade, sobre

o que nada se podia fazer, afinal, se até na Europa havia a Peste Branca, o que um país como

o Brasil poderia fazer?

(...) a tuberculose foi integrada ao romantismo por ter ferido prostitutas,

escritores, pintores, músicos, literatos e poetas das altas classes sociais. Por

isso esteve presente em todas as formas de manifestação humana. Seu

apogeu, através dos dramas e lirismos dos tísicos célebres, ocorreu no século

XIX e primeira metade do século XX e teve Paris como palco.

(ROSEMBERGUE, 2008, p. 144)

No início da república, a saúde pública preocupou-se com doenças que denunciavam o

atraso do país. Apesar de a tuberculose fazer mais vítimas do que a febre amarela, febre

tifóide, varíola, entre outras, essas doenças tiveram muito mais atenção governamental. É

importante acrescentar também que havia a crença na hereditariedade da doença, de modo

que, sendo assim, reforçava-se a tese de que nada se podia fazer. Quando se compreendeu que

a tuberculose era contagiosa, começou-se a entender o motivo do grande número de vítimas

entre as pessoas pobres. Declarou-se guerra aos cortiços e aos escarros! Surgem então

medidas higienistas e de internações compulsórias! A tuberculose deixa de ser uma doença da

elite intelectual e passa a ser a doença da pobreza, da falta de higiene. A partir do final da

década de 40 do século XX, o tratamento quimioterápico deu a impressão de vitória contra a

tuberculose.

Com o aparecimento da pandemia de HIV/AIDS, houve um aumento significativo do

número de novos casos de tuberculose. Isso ocorre devido à destruição do sistema

imunológico dos pacientes com HIV o que leva à ativação do bacilo da tuberculose. Segundo

Pimenta (2008), uma pessoa doente de AIDS tem 50 (cinquenta) vezes mais chances de

contrair tuberculose do que alguém que não tenha AIDS.

O relatório da Organização Mundial de Saúde (WHO, 2010) aponta que em 2009

surgiram mais de 9,4 milhões de novos casos de tuberculose no mundo. Dados que apontam a

7 Pesquisado em 04 de março de 2011 no seguinte endereço http://redetb.org/a-historia-da-tuberculose.

Page 38: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 35 -

maior vulnerabilidade de pessoas pobres, com baixa escolaridade e da raça negra podem ser

atribuídas tanto à AIDS quanto à tuberculose. A coinfecção Tuberculose/AIDS tem sido

responsável por um significativo número de mortes no mundo inteiro.

O imaginário em torno da morte, inclusive, acompanha fortemente a pandemia de

AIDS, fruto de sua grande letalidade até meados dos anos de 1990 e da forte exposição de

artistas que definharam sob os holofotes da mídia.

Outra doença que carrega muito fortemente o estigma de ser fatal é o câncer, o nome

dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado

(maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se (metástase) para

outras regiões do corpo (grifo nosso)8 Receber o diagnóstico de estar doente com câncer não é

fácil, já que sobre esta doença paira o imaginário da morte prévia e apressada. Apesar dos

avanços no tratamento e no diagnóstico cada vez mais preciso e prematuro, o câncer ainda

ocupa os primeiros lugares entre as causas de mortes provocadas por doenças no mundo.

Este quadro faz do câncer uma doença que atinge toda a família, tendo em vista que o

iminente desaparecimento daquela pessoa em um curto espaço de tempo (assim depõe o

imaginário popular) desestabiliza a própria pessoa e sua família.

As responsabilidades relacionadas aos aspectos emocionais, à educação dos

filhos, às atividades domésticas e ao sustento da família acabam

sobrecarregando um dos pais. Por sua vez o genitor doente sofre diante da

possibilidade de não ver os filhos crescerem e preocupa-se com o futuro

deles e da família. (GIRARDON-PERLINI, 2009, p. 37)

Desse modo a doença assume um poder, uma áurea, que faz dela um ser quase

sobrenatural que paira sobre as cabeças dos seres humanos. Tanto que, de sigla de uso médico

como subterfúgio para evitar a menção explícita ao diagnóstico, o termo “CA” passa a ser

utilizado como instrumento popular que afastaria a própria doença da vida das pessoas. Em

sua recentemente lançada “Biografia do câncer”, Siddhartha Mukherjee (2010) apresenta uma

linha do tempo em que afirma que há evidências não conclusivas do câncer desde 4.000 a. C.,

idade de um maxilar encontrado com linfomas. A descrição médica mais antiga sobre a

doença ocorreu em 2.500 a. C. e teria sido feita pelo sacerdote egípcio Imhotep. O estudioso

acredita, inclusive, que o fato das pessoas viverem mais tempo é um dos principais fatores

para o aumento do número de casos de câncer.

8 Definição pesquisa em http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=322 em 18 de abril de 2011.

Page 39: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 36 -

O câncer, assim como a AIDS, ainda figura como doenças que, embora o tratamento

tenha avançado muito, ainda são consideradas incuráveis. O câncer por representar várias

doenças (mais de cem) que têm em comum o fato de terem células malignas, reduzindo a

questão da cura a diversos fatores que incluem o tipo, a precocidade da descoberta em relação

ao avanço da doença, fatores genéticos e de estilo de vida, entre outros. A AIDS, por sua vez,

continua sendo incurável em todas as suas formas tendo, no entanto, grandes avanços no

tratamento, chegando, inclusive, a aproximar-se do status de doença crônica.

1.3 AIDS e suas complexidades

Nossa pequena incursão na história das doenças, onde estudamos um pouco da

hanseníase, da tuberculose e do câncer, nos permitiu apreender aspectos históricos da relação

doença/pecado (hanseníase); doença/pobreza (tuberculose) e doença/morte (câncer). A

novidade que a AIDS trouxe desde seu surgimento foi reunir estas três dimensões, inclusive,

talvez acessando “memórias coletivas” da humanidade numa mesma doença.

O sentido “pecaminoso” atribuído à hanseníase, com diversas citações bíblicas que

reforçam essa compreensão, encontra-se presente na AIDS desde a descoberta dos primeiros

casos que para muitos líderes religiosos pareciam (e ainda parece até hoje) uma resposta

divina ao pecado de homossexuais, prostitutas e usuários de drogas. Essa compreensão, que

foi embalada pela geração que recebeu a notícia científica dos “grupos de riscos”, foi

responsável pela falsa impressão de segurança da população que não se enquadrava nesses

grupos, contribuindo assim para o aumento do número de infectados.

A tuberculose, por sua vez, teve o charme inicial de infectar poetas, escritores e

intelectuais dos séculos XVIII e XIX, passando, em seguida, a ser sinônimo de pobreza,

simbolizada nos cortiços e na má alimentação da maioria dos infectados. A AIDS também

seguiu esse caminho, basta observarmos os principais símbolos do início da pandemia;

Cazuza, Lauro Corona, Michel Foucault, Freddie Mercury, entre outros. Esses nomes

apontavam também uma classe que não era apenas intelectual, era também economicamente

privilegiada. Hoje assistimos à pauperização desta pandemia, isto é, a pandemia cresce muito

mais rapidamente entre a população mais pobre, de forma semelhante ao que ocorreu com a

tuberculose, a qual migrou de doença dos intelectuais para a doença dos cortiços. Assim,

novamente assemelha-se à AIDS que de donça da classe média vai transformando-se em

doença de pobres.

Page 40: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 37 -

O câncer tem o contexto de ser uma doença que guarda o imaginário da morte

iminente, levando o doente e sua família a um turbilhão emocional que, em muitos casos, leva

a atos prejudiciais a todos os envolvidos. A AIDS também tem esse imaginário, construído

através do imaginário do grande público que assistiu a vários artistas definharem em rede

nacional de TV, nos primeiros anos da pandemia, contribuindo assim para a associação da

doença à morte. Desse modo, nem mesmo o fato de as recentes descobertas de tratamento da

AIDS, que empurram a infecção para tornar-se uma doença controlável, ameniza o estigma e

a discriminação contra as pessoas com AIDS.

A pandemia de HIV/AIDS, portanto, é uma doença que carrega em si vários estigmas:

pecado, pobreza, o fato de não ter cura... Dentro desse bojo, há vários tipos de preconceitos que

atravessam essa pandemia: preconceito por orientação sexual (só gay pega AIDS); preconceito

de gênero (mulher safada é que pega a AIDS); preconceito de classe (os atendimentos nas

organizações sociais registram o seguinte fenômeno: pobres entram por uma porta e a classe

média sai pela outra); preconceito racial (a AIDS avança entre negros e pardos).

O relatório da Organização Mundial de Saúde, em conjunto com a ONUSIDA e a

UNICEF, aponta a AIDS como um importante problema de saúde pública mundial. “La

epidemia de VIH, con sus 33,4 millones de personas infectadas en todo el mundo, sigue

siendo un importante reto para la salud pública mundial. Solo en 2008 hubo 2,7 millones de

nuevos casos de infección por el VIH.” (OMS; ONUSIDA; UNICEF, 2010 ).

No Brasil a pandemia continua crescendo, são 608.230 casos até junho de 2011. Em

todas as regiões, a doença encontra-se em expansão, tendo se estabilizado apenas no Sudeste.

Pernambuco assumiu a liderança em taxa de incidência de AIDS no Nordeste, batendo a

Bahia. São 17 casos para cada 100 mil habitantes. Recife tem a 10ª maior taxa de incidência

de AIDS entre as capitais brasileiras com 33,4 casos para cada 100 mil habitantes.

Pernambuco também acumula o maior número de óbitos por AIDS em todo o Nordeste, com

7.441 óbitos. Brasil (2011b)

Registram-se outros fenômenos que têm sido bem frequentes nos números da AIDS, a

pandemia no Brasil está, cada vez mais feminina, jovem, negra, pobre e continua atingindo

mais fortemente homossexuais, embora haja também crescimento dos casos entre os

heterossexuais. Entre as formas de transmissão, a sexual continua absoluta em números,

representando 87,6% dos casos de infecção entre as mulheres e mais de 60% entre os homens.

Brasil (2011a)

Este quadro, no entanto, já era previsível há muito tempo, especialmente entre os

estudiosos que militam no movimento social de enfrentamento ao HIV/AIDS.

Page 41: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 38 -

Sem negar, de maneira alguma, que todo ser humano seja biologicamente

suscetível à infecção por HIV, ou que a transmissão realmente ocorra

mediante atos comportamentais de indivíduos específicos, esse conceito

expandido de fatores sociais que colocam alguns indivíduos e grupos em

situações de maior vulnerabilidade permitiu-nos começar a perceber mais

plenamente como a desigualdade e injustiça, o preconceito e a discriminação,

a opressão, exploração e violência da sociedade aceleram a disseminação da

epidemia em países pelo mundo afora. (PARKER, 2000, p. 103)

O conceito de vulnerabilidade social, portanto, ajuda a explicar o movimento da

pandemia em direção à feminilização, à pauperização e à relação inversamente proporcional

entre nível de escolaridade e taxa de infecção, também apontada no boletim epidemiológico.

O campo político das grandes conferências da Organização das Nações Unidas – ONU

foram espaços onde se consolidaram uma espécie de missão dada ao campo educacional,

enfrentar os preconceitos. “A educação como instrumento de enfrentamento dos preconceitos

está preconizada em várias conferências internacionais promovidas pela ONU.” (BEZERRA e

DANTAS, 2007, p. 21). Desse modo, podemos identificar que a Conferência Internacional

sobre População e Desenvolvimento, em 1994, no Cairo; a Conferência Mundial sobre

Mulher, em Pequim, no ano seguinte; e a Conferência Mundial contra o Racismo, a

Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, em Duban, em 2001;

apresentaram resoluções que destinam à educação o dever de enfrentar os preconceitos. Por

outro lado, Dória (2008, p. 23) demonstra que na Conferência Mundial contra o Racismo, por

exemplo, Israel e Estados Unidos retiraram-se da conferência “(...) insatisfeitos com a

insistência dos países árabes de qualificar de racismo as ‘práticas discriminatórias contra os

palestinos’ por parte de Israel.”

Observamos neste cenário que atribuir à educação a missão de enfrentar o preconceito

é muito mais “fácil” do que posicionar-se efetivamente contra este mal. Na prática, é como se

abdicássemos de resolver nossos problemas e os transferíssemos para as gerações futuras.

Hannah Arendt (2004) analisa fenômeno semelhante no texto “Reflexões sobre Little Rock”,

quando o governo americano força a entrada de negros nas escolas em que até então só

estudavam brancos, mas não aboliu, naquele momento, as leis racistas nas legislações

estaduais.

A ideia de que se pode mudar o mundo educando as crianças no espírito do

futuro tem sido uma das marcas registradas das utopias políticas desde a

Antiguidade. O problema com essa ideia tem sido sempre o mesmo: só pode

dar certo se as crianças são realmente separadas de seus pais e criadas em

instituições do Estado, ou doutrinadas na escola de tal modo que acabam se

Page 42: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 39 -

virando contra os próprios pais. É o que acontece nas tiranias. (ARENDT,

2004, p. 265)

No campo da AIDS também ocorrem esses fenômenos, já que foi reservado à

educação o papel de promover atitudes de prevenção a novas infecções pelo vírus HIV e

também de enfrentamento ao preconceito contra as pessoas soropositivas.

Em geral, grande parte da discussão a respeito da educação sobre a AIDS

concentra-se, naturalmente, na questão da redução do risco de infecção pela

HIV, e as perspectivas e os obstáculos enfrentados pelos programas

educativos (...) Considerando-se a resposta educacional à infecção pelo HIV

e à AIDS, a questão de redução do risco certamente é fundamental.

Entretanto, ao mesmo tempo, precisa ser associada a um conjunto mais

amplo de questões que, dentro de uma definição mais completa da epidemia

de AIDS, também precisa ser abordado. Como parte dessa definição mais

ampla, uma série de questões associadas ao que foi descrito como “a terceira

epidemia” – a resposta social complexa à AIDS e às pessoas com AIDS (...).

Na verdade, talvez baste enfrentar a questão da redução do risco na medida

em que essa série de questões sociais é abordada pela discussão da AIDS, e

tanto a conscientização da AIDS de forma mais genérica quanto as questões

específicas do preconceito e da discriminação devem ser abordadas,

juntamente com a redução do risco, como questões-chave que também

precisam ser consideradas na avaliação do impacto dos programas

educacionais sobre AIDS. (PARKER, 1994, p. 109)

Este cenário reforça a ideia de que a educação tem um papel fundamental no

enfrentamento tanto da pandemia quanto das desigualdades e injustiças sociais, abrindo deste

modo as portas da chamada educação crítica para o campo da AIDS.

Aproveitando as formulações pedagógicas já clássicas, como as de Paulo

Freire, mais intimamente associadas com a tradição da educação popular na

América Latina, temos mudado cada vez mais aquilo que poderia ser

descrito como modelo “bancário” da prática educacional – no qual a

educação é pouco mais do que um ato de depositar informações, e os

conhecimentos são tratados como uma dádiva concedida por sábios a

supostos ignorantes – para o que seria mais adequadamente descrito como

educação libertária ou dialógica, a qual pretende construir uma percepção

crítica das forças socioculturais e político-econômicas que estruturam a

realidade, e agir contra as forças opressivas. De fato, a noção de Paulo Freire

de conscientização como processo social dialético, visando tanto construir a

consciência mediante o diálogo como agir junto com outros para corrigir a

injustiça social, talvez seja a essência da capacitação (ou em inglês, o

empowerment) e mobilização comunitárias como estratégias da luta contra a

AIDS (Freire,1994)9 . (PARKER, 2000, p. 105)

Desde modo podemos constatar que boa parte das concepções educativas que existem

no chamado campo da AIDS estão majoritariamente inspiradas na obra de Paulo Freire (1987;

9 O autor refere-se ao livro Pedagogia do Oprimido, obra mais famosa de Paulo Freire.

Page 43: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 40 -

1998) enquanto autor e teórico da educação, além de uma espécie de “pedagogia do direito”

que consiste basicamente em transformar em práticas educativas as pautas políticas dos

movimentos sociais do campo dos direitos humanos.

Com o forte impacto da pandemia de AIDS no mundo e considerando que a relação

sexual desprotegida é uma das principais formas de transmissão do HIV, ficou praticamente

insustentável, independentemente de concepção política, ignorar o tema da sexualidade

humana.

Com isso boa parte dos embates acerca da chamada educação sexual foi deslocada do

campo “se” (oferece ou não oferece) para o campo do “como” (postergação do sexo ou sexo

com proteção ou...). O próprio termo passou a ser “disputado”, afinal a escola deve oferecer a

educação sexual ou a orientação sexual? O fato é que o advento da pandemia de AIDS

reacendeu ou até mesmo popularizou o debate em torno de questões morais, como a da

sexualidade humana.

Não se trata de perguntar aos discursos sobre o sexo de que teoria implícita

derivam, ou que divisões morais introduzem, ou que ideologia – dominante

ou dominada – representam; mas, ao contrário, cumpre interrogá-los nos

dois níveis, o de sua produtividade tática (que efeitos recíprocos de poder e

saber proporcionam) e o de sua integração estratégica (que conjuntura e que

correlação de forças torna necessária sua utilização em tal e qual episódio

dos diversos confrontos produzidos). ( FOUCAULT, 1988, p. 113 )

Compreendemos ser necessário interrogar a sexualidade presente na pandemia de

HIV/AIDS em busca de sua produtividade tática e sua integração estratégica na ordem do

discurso da pandemia de HIV/AIDS, o que para nós significa romper com os discursos

hegemônicos de qualquer identidade sexual compulsória que embora questionados continuam

fortemente presentes em nossa sociedade.

A complexidade humana é revelada em todas as suas dimensões a cada ato humano,

na sexualidade, no entanto, encontramos uma espécie de “trincheira”, em meio à guerra de

dispositivos normativos. Como toda trincheira os avanços são lentos e se vê muito pouco de

seu “adversário”. Por outro lado, há uma intensa cumplicidade entre os entrincheirados, além

de seu próprio código de ética. Neste cenário, aquelas pessoas que mudam de lado são

odiadas, ao passo que aquelas que transitam entre cada trincheira e negam a guerra são vistas

como “diplomatas” da paz ou como “agentes duplos”.

Nesta pequena analogia falta um importante “personagem”, qual seja? A legislação!

Essa tentativa de ordenar nossos confrontos ou mesmo de aplacá-los está cada vez mais

Page 44: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 41 -

presente em nossas vidas, embora nem sempre de forma eficaz. Spink (2000) observou muito

bem este fenômeno.

Em minha longa peregrinação pela literatura sobre risco e modernidade,

tenho constatado que a resposta à complexidade crescente das sociedades

contemporâneas tem sido criar mais e mais legislação. Diante do

imponderável, a defesa maior hoje é governar pela lei, no âmbito regional e

nacional, e por acordos internacionais no âmbito transnacional. Isso se aplica

também às questões prementes que são o foco deste colóquio: sexualidade

feminina, a saúde reprodutiva e o papel das escolas na abordagem possível

dessas questões. (SPINK, 2000, p. 32)

Acreditamos não na primazia desta ou daquela identidade sexual, mas na existência

pacífica e respeitosa de toda diversidade sexual, uma vez que acreditamos nas reflexões de

Arendt, em sua homenagem a Karl Jaspers.

A unidade e a solidariedade entre a humanidade não podem consistir num

acordo universal sobre uma única religião, ou uma única filosofia, ou uma

única forma de governo, mas na fé de que o múltiplo aponta para um Uno,

simultaneamente oculto e revelado pela diversidade. (ARENDT, 2008, p. 99)

Essa compreensão busca reconhecer tanto as diferenças quanto as semelhanças, e

aponta para a importância de ambas as dimensões na construção do humano.

Page 45: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

█ Capítulo 2

O percurso educacional de participantes da Rede Nacional de

Pessoas Vivendo com AIDS Núcleo Pernambuco: as pessoas, a

educação e o preconceito

Page 46: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 43 -

2. CAPÍTULO II

O percurso educacional de participantes da Rede Nacional de Pessoas

Vivendo com AIDS Núcleo Pernambuco: as pessoas, a educação e o

preconceito

Neste momento de nosso trabalho, trazemos à cena os resultados de 11 (onze)

questionários semiestruturados10

com perguntas fechadas e abertas que foram respondidos

pelas pessoas que participam das reuniões da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com AIDS

em Pernambuco – RNP+/PE. Nosso objetivo foi investigar as concretizações dos preconceitos

na vida escolar dessas pessoas e assim construir um diálogo entre os estudos realizados nos

capítulos anteriores e os dados levantados nesta fase de nossa pesquisa. Vale ressaltar que

quando definimos estudar o percurso educacional de pessoas que vivem com HIV/AIDS,

buscando entender as possíveis repercussões do preconceito, resolvemos fazê-lo a partir da

RNP+/PE por entender que esse espaço oferece a oportunidade de discutir questões estruturais

e subjetivas que envolvem a pandemia de HIV/AIDS, constituindo, assim, um espaço

privilegiado para discussão dos temas propostos.

Nossa análise parte de uma breve contextualização da Rede Nacional de Pessoas

Vivendo com HIV/AIDS, tanto de seu nível nacional quanto, mais especificamente, de seu

núcleo em Pernambuco, nosso campo de estudo. Logo em seguida, discutiremos os resultados

dos questionários.

Nossa amostra é de aproximadamente 48%, considerando que o total de participantes

que atualmente frequentam a RNP+/PE é de 23 (vinte e três) pessoas. O questionário está

dividido em cinco partes, na primeira, levantamos os dados pessoais (idade, gênero, raça/cor,

orientação sexual e estado civil). Na segunda parte, encontram-se o que chamamos de dados

econômicos, tais como a renda familiar, as fontes de renda, entre outros. A terceira parte do

questionário faz um levantamento dos dados educacionais, tais como escolaridade, histórico

escolar e contribuição da formação escolar para a vida do entrevistado ou da entrevistada. A

quarta parte do questionário levanta informações sobre os preconceitos sofridos e promovidos

pelos entrevistados. A última parte do questionário busca informações sobre a AIDS. Aqui as

perguntas focam pontos específicos, mas também buscam dados cruzados com a educação e

com o preconceito.

10

O questionário semiestruturado encontra-se anexado ao presente trabalho.

Page 47: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 44 -

2.1 Caracterizando a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com AIDS:

Rede Brasil e Núcleo Pernambuco 11

A Rede Nacional de Pessoas Vivendo com AIDS – RNP+ Brasil surgiu em 1995,

durante a realização do V Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS –

VIVENDO, no Rio de Janeiro, promovido pelo Grupo Pela VVida Rio de Janiero – GPV-

RJ.12

Naquela oportunidade, 10 (dez) pessoas soropositivas criaram a RNP+ Brasil, tendo

como modelo inspirador a Rede Mundial de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS – GMP+.

A cada evento nacional, seja nos Encontros Nacionais de Organizações não

Governamentais que trabalham com AIDS – ENONG, seja nos Encontros Nacionais de

Pessoas Vivendo com AIDS – VIVENDO, a RNP+ Brasil foi se fortalecendo e abrindo

núcleos em todos os estados do país, sendo o primeiro deles o núcleo de Pernambuco,

organizado em 1996.

A partir de 2005, aconteceu o Primeiro Encontro Nacional da Rede de Pessoas

Vivendo com HIV/AIDS, em Florianópolis, Santa Catarina. Esse encontro ocorre desde

então, a cada dois anos, em um estado diferente da federação brasileira.

A RNP+/Brasil consolidou-se como um importante ator político na defesa dos direitos

humanos das pessoas que vivem com HIV/AIDS no Brasil, além de figurar como parceiro

imprescindível no enfrentamento da pandemia em nosso país.

A Rede Nacional de Pessoas vivendo com AIDS núcleo Pernambuco – RNP+/PE,

começou a ser organizada em 1996, após a chegada dos participantes de Pernambuco do VI

Encontro Nacional de Pessoas que vivem com HIV/AIDS – VIVENDO, que ocorre

anualmente no Rio de Janeiro. Numa reunião de avaliação desse encontro na sede da “Gestos:

soropositividade, comunicação e gênero”13

, em Recife, os participantes fundaram o núcleo

Pernambuco da RNP+ que foi, assim, pioneiro em núcleos estaduais no Brasil. A partir da

fundação do Grupo de Trabalho em Prevenção Posithiva – GTP+14

, em dezembro de 2000, a

RNP+/PE passou a reunir-se na sede desta instituição. Atualmente as reuniões da RNP+/PE

ocorrem na sede da ONG Gestos: soropositividade, comunicação e gênero.

O núcleo Pernambuco da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com AIDS – RNP+/PE,

conta atualmente com 23 participantes ativos em suas reuniões mensais. Desse total, 18

11

Informações pesquisadas na internet, no sítio eletrônico da própria Rede Nacional de Pessoas Vivendo com AIDS, no seguinte endereço: http://rnpvha.org.br/site/modules/news/article.php?storyid=2195 Data de acesso: 20 de janeiro de 2012. Esses dados foram ainda complementados por informações fornecidas pela RNP+/PE. 12

Primeira instituição formada por pessoas soropositivas no Brasil, fundada por Herbert de Souza em 1989, no Rio de Janeiro. 13

Uma das primeiras Organizações Não Governamentais de Pernambuco que tem como objetivo central de sua missão o enfrentamento da pandemia de HIV/AIDS. 14

Primeira Organização Não Governamental de Pernambuco coordenada por pessoas que vivem com HIV/AIDS.

Page 48: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 45 -

(dezoito) são do gênero masculino e 05 (cinco) do gênero feminino. Quando perguntados

acerca da orientação sexual, entre os participantes do gênero masculino: 02 (dois) declararam-

se heterossexuais; 02 (dois) declararam-se travestis e 14 (quatorze) declararam-se

homossexuais. Entre as participantes do gênero feminino: 01 (uma) declarou-se lésbica

enquanto 04 (quatro) declararam-se heterossexuais.

A RNP+/PE desempenha um importante papel político no campo da defesa dos

direitos das pessoas soropositivas e no controle social das políticas públicas de saúde e de

enfrentamento da pandemia de AIDS em Pernambuco. A maioria dos participantes da

RNP+/PE também participa da Articulação AIDS Pernambuco, que é o fórum de instituições

e ativistas independentes que defendem os direitos humanos das pessoas soropositivas e

enfrentam a pandemia de HIV/AIDS.

2.2 Dados pessoais: o que tem de político no pessoal?

Elencamos nesta parte do questionário perguntas que nos dizem acerca da geração, do

gênero, da raça/cor, da orientação sexual e do estado civil das pessoas que frequentam a

RNP+/PE. Mesmo chamando esta parte do questionário de dados pessoais, nos interessa, no

entanto, o que há de político nesses aspectos pessoais de cada indivíduo. Revelar o que há de

político no pessoal tem sido uma tarefa social muito bem desenvolvida pelos movimentos

sociais, como o movimento feminista, o movimento contra o racismo e o movimento de

defesa dos gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais. Nossas análises dos dados,

inclusive, trazem contribuições teóricas de parte desses movimentos sociais que, ao lado do

movimento de enfrentamento da pandemia de HIV/AIDS, vêm fortalecendo as discussões do

preconceito, dos estigmas e das discriminações por meio de categorias de análises como as

relações de gênero, as relações étnico-raciais e as sobre orientação e identidades sexuais.

Cabe, portanto, situar nossa filiação teórica acerca dessas categorias antes de começarmos a

discutir os dados do questionário.

Entendemos Relações de Gênero como relações de poder entre o masculino e o

feminino. Essas relações atualmente produzem profundas desigualdades que se concretizam

em violências simbólicas, físicas, morais e institucionais contra as mulheres e as meninas. E

transformam especialmente os homens e meninos em agentes dessas violências. Acerca dessa

realidade, vejamos o que afirma Auad:

Page 49: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 46 -

Vale ressaltar que as relações de gênero, do modo como estão organizadas

em nossa sociedade, são uma máquina de produzir desigualdades. As visões

naturalistas sobre mulheres, meninas, homens e meninos representam travas

para a superação dessa situação. (,,,) Essas relações vão ganhando feições

“naturais” de tanto serem praticadas, contadas, repetidas e recontadas.Tais

características são, na verdade, construídas ao longo dos anos e dos séculos,

segundo o modo como as relações entre o feminino e o masculino foram se

engendrando socialmente (AUAD, 2006, p. 19)

Essas relações também estão presentes no preconceito por orientação sexual e nos

estigmas e discriminações causadas contra pessoas de identidades sexuais não hegemônicas,

como atestam Madureira e Branco:

Nas análises sobre a construção das identidades sexuais é de fundamental

importância considerar, também, as questões de gênero. Afinal não estamos

nos referindo a sujeitos abstratos, mas a homens e mulheres inseridos em

determinados contextos perpassados por significados culturais que delimitam

as fronteiras simbólicas do que é socialmente esperado em relação às

masculinidades e às feminilidades. Significados culturais que se articulam a

sistemas de significação mais amplos que, por sua vez, trazem as marcas das

estruturas desiguais de poder presentes nas relações entre homens e

mulheres. (MADUREIRA E BRANCO, 2007, p. 84)

Ainda em relação a esse preconceito, os estudos de Madureira e Branco, entre outros,

demonstra como a sociedade assume uma espécie de heterossexualidade compulsória,

classificando de desviante o que não corresponder a essa expectativa.

As identidades de gênero e as identidades sexuais, tradicionalmente, são

consideradas como entidades estáticas intrapsíquicas. Mais do que isso, são

consideradas como o que, realmente, define a “natureza essencial” de uma

pessoa. Nesse sentido, coerente com tal lógica essencialista, são

consideradas como marcas inscritas nos corpos, não apresentando nenhuma

relação com os contextos socioculturais em que o sujeito se insere. Não é de

se estranhar, portanto, a obsessão de inúmeros cientistas e do público em

geral em encontrar o gene (a “marca genética”) responsável pela

homossexualidade. Curiosamente, tal obsessão está circunscrita às

orientações sexuais distintas da norma heterossexual, como se apenas o que

é considerado socialmente “desviante” merecesse explicações.

(MADUREIRA E BRANCO, 2007, p. 83)

As relações étnicas e raciais no Brasil há muito perderam a máscara da harmonia

racial. Neste sentido diversos indicadores sociais concretizam a discriminação racial em nosso

país:

A taxa de analfabetismo diminui na última década, passando de 13,3%, em

1999, para 9,7%, em 2009, para o total da população, o que representa ainda

um contingente de 14,1 milhões de analfabetos. Apesar de avanços, tanto a

Page 50: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 47 -

população de cor preta quanto a de cor parda ainda têm o dobro da

incidência de analfabetismo observada na população branca: 13,3% dos

pretos e 13,4% dos pardos, contra 5,9% dos brancos, são analfabetos.

(BRASIL, 2010, p. 227)

Não há, portanto, como esconder o racismo no Brasil, já que os contundentes

indicadores sociais aliados a um olhar mais atento em nosso cotidiano descortinam de forma

dramática esse preconceito que se traduz em dados discriminatórios.

Considerando que as relações de gênero são uma das categorias que consideramos

estruturantes para a compreensão da pandemia de HIV/AIDS, considerando ainda a visível

feminilização dos casos de AIDS no Brasil, onde “em 1985, para cada 26 casos entre homens,

havia um caso entre mulheres. Em 2010, essa relação é de 1,7 homens para cada caso em

mulheres” Brasil (2011b, p. 1).

Realizamos nossas análises dos dados considerando a categoria gênero como

referência, de modo que apresentaremos os dados a partir desta categoria, articulada também à

orientação sexual, raça/cor e classe social (esta última com base na renda das pessoas

entrevistadas). Esta decisão também se apoia em Hannah Arendt que considerou que “só o

fato da emancipação das mulheres e da classe operária, quer dizer de grupos de homens que

nunca antes podiam mostrar-se na vida pública, dá um rosto radicalmente novo a todas as

questões políticas.” Arendt (2009b, p. 75)

Seguindo para os resultados de nosso pesquisa, entre as pessoas que responderam os

questionários 4 (quatro) declararam-se femininas e 7 (sete) declararam-se masculinas. Este

dado já revela a menor participação política das mulheres no grupo. Este fenômeno repete-se

em outros espaços políticos onde se discute a AIDS, em que as mulheres soropositivas ainda

são minoria. Não obstante projetos governamentais e não governamentais que buscam ampliar

esta participação, fica claro que as amarras de nossa sociedade patriarcal, mesmo em processo

de transformação, ainda são muito fortes e se abatem com grande intensidade sobre as

mulheres que vivem com HIV/AIDS, como atestam Villela, Meneses e Lima (2010):

Para qualquer dimensão da violência que se considere, existe uma sinergia

entre a violência e a infecção pelo HIV. Por exemplo, as mulheres que são

mais atingidas pela pobreza, uma das faces mais duras da violência estrutural

brasileira, são também desproporcionalmente mais afetadas pelo HIV.

As mulheres que vivem em situação de maior exclusão social, como as

negras, profissionais do sexo, usuárias de drogas ou moradoras de rua têm

maior probabilidade, tanto de serem excluídas de serviços essenciais, como

saúde e educação, quanto de sofrerem mais violência interpessoal e também

são mais afetadas pelo HIV. (VILLELA, MENESES E LIMA, 2010, p. 10)

Page 51: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 48 -

Considerando o panorama apresentado pelas autoras e pelo autor acima, não é difícil

compreender que é necessário muito mais que projetos de intervenções, mesmo que estes

também sejam importantes, para remover as muitas barreiras à frente da maior participação

política das mulheres soropositivas.

Entre as mulheres todas se declararam heterossexuais ao passo que entre os homens

todos se declararam homossexuais. A identidade sexual coincidiu com a orientação sexual

entre todas as mulheres (heterossexual), ao passo que entre os homens 6 (seis) responderam

que sua identidade sexual era gay e um respondeu que sua identidade sexual era travesti.

Encontramos aqui outro registro interessante de participação política no movimento de

enfrentamento da pandemia de HIV/AIDS entre as pessoas soropositivas. Enquanto entre as

mulheres a baixa participação de lésbicas soropositivas pode ser explicada pelo baixo número

de casos de AIDS entre esse público, sequer significativo estatisticamente, sendo no máximo

presumível entre os 4,2% de casos ignorados acumulados desde 1980 até junho de 2011

(Brasil, 2011a, p. 14), o mesmo não podemos dizer da baixa participação masculina de

heterossexuais soropositivos, onde na RNP+/PE apenas dois participantes assim se declaram,

mesmo assim estes não responderam nossa pesquisa. Em outros espaços políticos das pessoas

soropositivas, este fenômeno se repete, mesmo que nos números absolutos da AIDS no Brasil,

aqueles que se declaram heterossexuais já tenham ultrapassado os homossexuais em número

de casos acumulados, representando atualmente 31,9% de heterossexuais contra 20,7% de

homossexuais, e 11,5% de bissexuais. (Idem) A liderança histórica do Movimento Gay na

linha de frente do enfrentamento político da AIDS no Mundo, e a própria associação da

doença à homossexualidade, ajudam a explicar a baixa participação política dos soropositivos

que se declaram heterossexuais. Aqui também verificamos uma compreensão preconceituosa

desses espaços que também enfraquece a luta pelas políticas públicas de prevenção e

enfrentamento do HIV/AIDS.

Quando observamos a idade das pessoas entrevistadas, temos que a média de idade das

mulheres é de aproximadamente 41 anos, enquanto a média de idade dos homens

entrevistados é de aproximadamente 46 anos. Outro dado sobre este item aponta que a mulher

mais jovem entrevistada declarou ter 37 anos, enquanto o homem mais jovem declarou ter 38

anos. Na ponta contrária, a mulher mais velha entre as entrevistadas declarou ter 44 anos,

enquanto o homem mais velho declarou ter 56 anos.

Esses dados apontam que esse espaço político é frequentado apenas por adultos,

mesmo que o número de jovens soropositivos seja muito grande, especialmente entre os

homossexuais jovens, em que atualmente há a maior expansão do número de casos de AIDS,

Page 52: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 49 -

segundo o Boletim Epidemiológico (Brasil, 2011b). Embora nossos dados não sejam

conclusivos, acreditamos que, diante do preconceito, do estigma e da discriminação que estão

fortemente associados à pandemia de HIV/AIDS, os jovens preferem atuar politicamente em

torno das questões da juventude, considerando esta dimensão muito mais agregadora de sua

compreensão enquanto sujeitos políticos.

As respostas acerca da raça/cor revelaram que, entre as mulheres da RNP+/PE que

responderam o questionário, duas declararam-se negras ou pardas; uma declarou-se branca e a

outra se declarou indígena. Ente os homens, quatros declararam-se negros ou pardos e três

declararam-se brancos. Quando comparamos esses números à tendência da pandemia no

Brasil, podemos verificar que a RNP+/PE tem uma boa representação étnica e racial em sua

composição, tendo em vista que tantos negros e pardos quanto indígenas e brancos estão bem

representados. A única ausência é de amarelos que no Brasil tem de fato baixa representação

estatística. Olhando para os números da AIDS entre os anos de 2000 e 2010, considerando os

quesitos raça/cor por sexo, verificamos que houve uma baixa no número de infectados neste

período entre os homens brancos, que passaram de 62,6% para 51,2% e entre as mulheres

brancas, que passaram de 59,3% para 46,7%. Houve alta, no entanto, entre homens negros e

pardos que passaram de 36,2% para 48% e entre mulheres negras e pardas que passaram de

39,4% para 52,1%. Os números apontam para um crescimento da AIDS de aproximadamente

10% entre os homens negros e de mais de 10% entre as mulheres negras, em um período de

10 anos. Os dados demonstram, ainda, que a pandemia de HIV/AIDS está a cada ano

atingindo mais mulheres e homens negros e pardos. Brasil (2011a). Consideramos que esses

números também apontam para o estigma e a discriminação geradas a partir do preconceito e

das relações de poder em nossa sociedade, sendo este crescimento mais uma evidência desses

fenômenos.

Chegamos ao último item desta parte do questionário, na qual perguntamos sobre o

estado civil das pessoas entrevistadas. Entre as mulheres, duas declararam-se solteiras,

enquanto as outras duas declararam-se casadas. Já entre os homens, todos se declararam

solteiros. Este padrão aponta para dois fenômenos muito conhecidos entre os estudiosos das

questões de gênero e de identidade sexual. Em relação às mulheres, o grande número de

mulheres que sustentam sozinhas suas famílias. Já entre os homens homossexuais, o grande

Page 53: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 50 -

número de pessoas solteiras, o que tem provocado a cobiça do mercado de bens e consumo

que já disputa este público obviamente por questões econômicas.15

Concluímos que esta primeira parte de nosso questionário confirmou que a pandemia

de HIV/AIDS se apresenta como um fenômeno social que aponta nitidamente enormes

mazelas sociais que nossa sociedade vem alimentando ao longo dos séculos. Compreendemos

que as injustiças sociais evidentes nestes cenários têm em seu bojo manifestações de estigmas

e discriminações que trazem entre suas motivações uma visão preconceituosa do humano e

das próprias relações sociais. Continuaremos a discutir esses e outros argumentos nos

próximos resultados dos questionários.

2.3 Dados Econômicos: quando a classe social mostra sua cara na pandemia

de HIV/AIDS

Apesar dos avanços que a sociedade brasileira vem registrando ao longo dos últimos

anos, ainda vivemos em um país de profundas desigualdades sociais. Essas desigualdades são

ainda maiores quando focamos nossa análise no Nordeste brasileiro. Esses números são

descortinados pela síntese de indicadores sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística. Segundo este órgão, em nosso país, 7,7% das famílias sobrevivem com uma renda

per capita de ¼ do salário mínimo. Quando se foca apenas o Nordeste, esse percentual sobe

para 17,4% de famílias que sobrevivem com essa renda. Na Região Metropolitana do Recife,

o número de famílias nesta situação é de 9,5%. Quando esse indicador é aplicado ao Sudeste

brasileiro o número de famílias nesta situação cai para 3,4%. Quando vamos para a outra

ponta do indicador, ou seja, as famílias que vivem com uma renda familiar per capita de mais

de 5 (cinco) salários mínimos, a desigualdade permanece, já que em todo o país o número

médio de famílias nesta situação é de 8,3% das famílias; mas entre as famílias nordestinas

esse percentual não passa de 5,1%. Quando focamos na Região Metropolitana do Recife, o

indicador sobe um pouco mais e temos 5,7% das famílias com essa renda per capita. Na

região Sudeste, esse número sobe para 10,2% das famílias. (Brasil, 2010, p. 106).

A frieza dos números confirma o que é fácil de constatar nas ruas de nossas cidades:

ainda temos uma grande dívida social a saldar com a população brasileira, particularmente, a

15

O jornal Folha de São Paulo, na sua versão eletrônica do dia 12 de julho de 2012, noticiou que repercutiu no jornal inglês

“The Guardian” que a Prefeitura do Rio Janeiro vem adotando uma série de medidas em conjunto com empresários locais para

tornar esta cidade “a capital do turismo gay mundial”. Acesso em 16 de maio de 2012, no endereço abaixo:

http://www1.folha.uol.com.br/bbc/942256-rio-pode-virar-capital-mundial-do-turismo-gay-diz-the-guardian.shtml

Page 54: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 51 -

população nordestina que é uma das mais atingidas pelas mazelas da moeda da desigualdade

social, que tem duas faces, concentração de renda em um lado e pobreza no outro.

Quando comparamos os dados da população em geral com os números referentes à

renda das pessoas soropositivas da RNP+/PE que responderam o nosso questionário,

percebemos que a renda média das famílias das mulheres soropositivas entrevistadas fica

exatamente na pior faixa salarial, ou seja, aproximadamente ¼ de salário mínimo, isto é, R$

155,14 (cento e cinquenta e cinco reais e quatorze centavos). Quando cruzamos esta categoria

com a categoria raça/cor, não encontramos diferenças significativas no rendimento das

mulheres, com os valores oscilando para um pouco mais ou um pouco menos dessa faixa.

Entre os homens soropositivos entrevistados, a renda per capita é quase dez vezes

maior do que a renda das mulheres, chegando a mais de dois salários mínimos, ou seja, R$

1.304,76 (um mil, trezentos e quatro reais e setenta e seis centavos.). Isso significa que as

mulheres entrevistadas têm apenas 11,92% da renda familiar per capita dos homens

entrevistados. Na população em geral no Brasil, as mulheres têm um rendimento médio de

71% do rendimento médio dos homens. (Brasil, 20120, p. 255). Quando aplicamos a variável

raça/cor nos dados informados pelos homens soropositivos, encontramos valores

significativamente diferentes. Enquanto a renda média per capita dos informantes que se

declararam brancos é de R$ 1.520,00 (um mil, quinhentos e vinte reais), entre os homens que

se declararam negros ou pardos, a renda per capita é de R$ 1.143,00 (um mil, cento e quarenta

e três reais), ou seja, a renda mensal familiar per capita dos homens pardos e negros é de

apenas 75,19% da renda familiar per capita dos homens brancos. Essa diferença significativa

é menor, no entanto, que a grande diferença de renda entre homens e mulheres soropositivos

na RNP+/PE.

Quando comparamos os dados através da variável identidade sexual, encontramos que

entre os homens, nossa entrevistada (de identidade sexual travesti), é a única pessoa deste

grupo a ter uma renda per capita de apenas 1 (um) salário mínimo, ou seja, R$ 622,00

(seiscentos e vinte e dois reais). Esse dado significa menos da metade da renda dos homens

brancos homossexuais e um pouco mais da metade dos homens homossexuais negros e

pardos. Encontramos neste dado mais uma face cruel e obscura de nossa realidade social, os

péssimos indicadores sociais que se abatem sobre as travestis.

Outro dado que deve ser considerado quando analisamos os indicadores econômicos é

o número de pessoas que compõem os arranjos familiares estudados. Entre as mulheres que

entrevistamos, o número médio de componentes na família residente é de 3,75 pessoas por

família. Entre os homens, o número é bem menor, 1,57 pessoa por família. Essa diferença

Page 55: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 52 -

explica-se pelo fato de a grande maioria dos homens entrevistados morarem sozinhos, de

todas as mulheres morarem com filhos e ainda de metade delas também morar com os

companheiros. Esse indicador aponta outra realidade muito forte em nossa sociedade

contemporânea, ainda com fortes características patriarcais: as mulheres são “herdeiras” quase

que “naturalmente” dos filhos. Esta realidade é marcada por fortes conotações morais que

sobrecarregam as mulheres com culpas e obrigações morais que se juntam às grandes

dificuldades de prover sozinha a proteção e educação dos filhos e filhas.

Quando analisamos a composição da renda das pessoas entrevistadas, percebemos que

entre as mulheres três das rendas informadas vêm de benefícios de prestação continuada16

,

enquanto a renda da outra entrevistada vem de programas sociais como bolsa família. Entre os

homens, três têm rendimentos que provêm de aposentadorias do INSS; três têm rendimentos

provenientes de benefícios de prestação continuada aliados a trabalhos informais; enquanto

que um entrevistado consegue sua renda através de trabalho formal.

Os dados apresentados revelam grandes distorções dentro das categorias gênero,

raça/cor e identidade sexual quanto à renda per capita de cada categoria de nosso estudo.

Quando olhamos para outro dado importante, o número de componentes das famílias,

percebemos que a renda das mulheres é destinada a um número bem maior de pessoas dentro

da família, enquanto a grande maioria dos homens entrevistados moram sozinhos. A fonte de

renda de cada grupo também revela condições mais precárias entre as mulheres quando

comparada à dos homens entrevistados.

Esse cenário aponta para o que muitos estudos vêm demonstrando: Parker (1994,

2000); Parker e Aggleton (2001); ONU (2001) ; Bastos e Szwarcwald (2000), ou seja, a relação

entre exclusão social e infecção pela pandemia de HIV/AIDS, na qual existe uma profunda

relação entre as categorias de gênero, raça/cor e identidades sexuais. Conforme Bastos e

Szwarcwald:

A relação entre vulnerabilidade à infecção pelo HIV e iniquidade social –

analisada a partir de diferentes pontos de vista e abordagens metodológicas –

apresenta-se como bastante vigorosa na literatura internacional, a despeito da

extrema complexidade de sua avaliação empírica. (BASTOS E

SZWARCWALD, 2000, p. 66)

Embora, como afirmam os autores acima, seja uma análise complexa, já que nos

referimos a dados de relações de gênero, relações étnicas e raciais, orientação e identidade

sexual, consideramos que esses dados devem ser considerados em seu conjunto enquanto

16

Trata-se de um beneficio da política de assistência social instituída pela Lei Orgânica da Assistência Social.

Page 56: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 53 -

fenômenos sociais que denunciam a exclusão, mas que no cotidiano ajudam a “fundamentar”

muitos preconceitos que se assentam nessas “diferenças”, como produtos de

superioridade/inferioridade.

2.4 Dados educacionais: a exclusão educacional das pessoas afetadas pela

AIDS

Chegamos à análise dos dados educacionais de nossos entrevistados. É importante

ressaltar que os participantes pertencem a um grupo político que tem entre suas missões

enfrentar o preconceito contra as pessoas que vivem com HIV/AIDS. Essa característica é

muito importante porque traz à cena também a Educação não formal que ocorre nos espaços

políticos frequentados por essas pessoas.

Manteremos nossa análise com a utilização do cruzamento de categorias, já que

compreendemos que desse modo avançaremos no entendimento do papel do preconceito nos

processos educativos vividos por esse público.

Os dados da educação brasileira na população em geral ainda são ruins, embora

tenham apresentado melhora nos últimos anos. Quando olhamos para a taxa de alfabetização

das pessoas com 15 anos ou mais de idade, temos que 9,7% da população nesta faixa etária é

analfabeta, isso significa aproximadamente 14,1 milhões de pessoas. Deste total quase 70%

são de pessoas de cor preta ou parda e 52,2% residem na Região Nordeste. Considerando a

variável raça/cor e o nível de analfabetismo nos números do IBGE, fica evidente a

contundente relação entre analfabetismo e a raça/cor em nosso país. Quando, no entanto,

analisamos o analfabetismo pela perspectiva de gênero, encontramos números curiosos.

Enquanto na faixa etária de 15 a 24 anos de idade e de 25 a 39 anos de idade, há mais homens

analfabetos que mulheres (6,3% de homens para 3% de mulheres e 21,5% para homens e

13,5% para mulheres, respectivamente), encontramos equilíbrio na faixa etária dos 40 aos 59

anos (35,9% de homens e 34,9% de mulheres) e inversão na faixa etária de 60 anos ou mais

(36,3% de homens e 48,7% de mulheres). Brasil (2010, p. 51) Inicialmente fica evidente um

importante fenômeno, o forte aumento de escolaridade que as mulheres vêm conquistando ao

longo dos anos. Esse avanço, no entanto, revela mais ainda a força das estruturas patriarcais

em nossa sociedade, tendo em vista que mesmo as mulheres tendo um nível de escolaridade

maior que os homens (enquanto os homens têm em média 9,2 anos de estudo as mulheres têm

10,6 anos de estudo, ou seja, 1,4 anos a mais em média do que os homens), o rendimento

Page 57: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 54 -

médio das mulheres ocupadas é de apenas cerca de 70,7% do rendimento médio dos homens

ocupados. (Idem, p. 254)

Quando focamos na população brasileira com 25 anos ou mais, temos uma média de

escolaridade de 7,1 anos de estudo, o que não chega nem a equivaler à conclusão do ensino

fundamental de 8 (oito) anos. (idem, p. 50)

Quando acrescentamos a variável cor nesta faixa etária e buscamos aquelas pessoas

que concluíram curso superior, encontramos apenas 10% desta população declarando-se negra

ou parda, já entre as pessoas que se declaram brancas neste grupo, o percentual sobe para

15%. Idem (p. 228). O presente panorama educacional na população em geral de nosso país já

indica muitas mazelas sociais que precisamos enfrentar com mais vigor para consolidar nossa

democracia.

O nível médio de escolaridade da população brasileira ainda é muito baixo. Quando

analisamos o nível de escolaridade das pessoas afetadas pela AIDS, percebemos a relação

entre baixa escolaridade e número de casos de AIDS. A base de dados do Boletim

Epidemiológico aponta que, até 30 de junho de 2011, apenas 7,8% dos casos de AIDS eram

de pessoas com mais de 12 anos de estudo, enquanto 21,5% dos casos de AIDS acumulados

nesse período atingiam pessoas que tinham entre nenhuma escolaridade até 3 anos de estudo.

Esse panorama também indica uma maior vulnerabilidade das mulheres em relação aos

homens. Enquanto há um total de 23,7% de casos de AIDS entre mulheres a partir de

nenhuma escolaridade até 3 anos de estudo, entre os homens, nessa mesma faixa de

escolaridade, são atingidos 20,3% de casos. (Brasil, 2011, p. 17) Vale ressaltar que há um

número muito grande de casos ignorados nestes dados (22,8%), o que abre a possibilidade

desses números serem ainda maiores.

Entre as pessoas soropositivas que entrevistamos na RNP+/PE, a média de anos de

estudo entre as mulheres é de 6,75 anos, o que equivale ao ensino fundamental incompleto.

Quando acrescentamos a variável cor/raça entre as mulheres entrevistadas, destaca-se que a

mulher branca tem a maior escolaridade, 11 anos de estudo (equivalente ao ensino médio);

enquanto negras e pardas tem uma escolaridade média de 6,5 anos de estudo (equivalente ao

ensino fundamental incompleto). Quem apresentou uma escolaridade mais baixa foi a mulher

que se declarou indígena, com uma escolaridade de apenas 3 anos de estudo (equivalente ao

ensino fundamental incompleto). Outro dado interessante neste grupo é que apenas a mulher

branca (de maior escolaridade no grupo) cursou parte de seus estudos em escola particular

através da modalidade de bolsa de estudo, enquanto todas as outras mulheres do grupo

fizeram todos os seus estudos em escola pública.

Page 58: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 55 -

Entre os homens, a média de anos de estudo é de 12,42 anos, o que equivale ao ensino

superior incompleto. Quando acrescentamos a variável cor/raça entre os homens, encontramos

que os homens negros e pardos têm uma escolaridade média de 12 anos de estudo

(equivalente ao ensino superior incompleto). Os homens brancos têm uma escolaridade de 13

anos de estudo (também equivalente ao ensino superior incompleto). Quando cruzamos esses

dados com a variável identidade sexual, percebemos que o homem negro, homossexual e

travesti tem a menor escolaridade entre os homens, de apenas 8 anos de estudo (o que

equivale ao ensino fundamental completo). Também no grupo dos homens, apenas dois

homens brancos, entre três, cursaram parte de sua escolaridade em escolas particulares com

bolsa de estudo. Os outros homens negros, pardos e o de identidade sexual travesti cursaram

toda a sua escolaridade em estabelecimentos públicos.

Entre nossos entrevistados há uma grande diferença de escolaridade entre os homens e

as mulheres. A escolaridade dos homens é quase o dobro da escolaridade das mulheres.

Embora nossos dados estejam restritos ao núcleo pernambucano da Rede de Pessoas com

HIV/AIDS, essa grande diferença parece indicar que, no movimento social de luta contra

AIDS, os homens soropositivos que atuam parece ser aqueles que têm maior escolaridade,

enquanto entre as mulheres soropositivas que atuam neste movimento, observamos uma baixa

escolaridade.

Em nosso estudo com esse grupo, perguntamos também se estavam estudando

atualmente: duas mulheres estudavam enquanto as outras duas não estavam estudando. Entre

as mulheres que declararam que estariam estudando atualmente, uma delas considerou como

estudo um curso que faz numa organização não governamental que enfrenta a pandemia de

HIV/AIDS. Esta informação remete ao fato de que muitas instituições não governamentais

ampliam o acesso à educação por meio de cursos que estimulam a participação política e

acabam contribuindo também para o aumento da escolaridade.

Entre os homens apenas um homem continua estudando. Esse homem, inclusive, já

concluiu a graduação e faz atualmente uma pós-graduação lato senso. Este cenário demonstra

que o grupo dos homens já alcançou uma escolaridade bem acima da média da população

brasileira e que, talvez por esta razão, não sente necessidade de continuar o processo de

formação educacional. Este cenário é bem diferente quando se compara às mulheres

entrevistadas, em que metade continua estudando, mas que, na média, têm uma baixa

escolaridade.

Outro dado que levantamos junto ao público entrevistado foi acerca da interrupção de

estudos em algum momento do percurso educacional. Nesta pergunta buscamos identificar

Page 59: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 56 -

períodos de interrupção dos estudos para avaliar as razões que estariam por trás dessa

situação, caso tenha ocorrido.

Entre as mulheres, todas pararam de estudar em algum momento. O motivo mais

comum alegado foi “desinteresse”, assinalado por três das mulheres que responderam o

questionário. O trabalho foi alegado pela outra mulher entrevistada. A variável cor/raça não

apresentou variações significativas neste item de nossa pesquisa.

Também entre os homens, todos tiveram que interromper os estudos em algum

momento do percurso educacional. A questão do “desinteresse” foi alegada por três dos

homens; enquanto dois apontaram a alternativa “trabalho”; um alegou doença, e o outro

apontou questões financeiras. Neste grupo a variável cor/raça não apresentou variações

significativas. A variável identidade sexual também não apresentou diferenças significativas

em comparação com as outras identidades sexuais. Acreditamos que a prevalência do item

“desinteresse” parece indicar um descompasso entre os interesses das pessoas entrevistadas e

os processos que a escolarização pode oferecer a essas pessoas.

Perguntamos às pessoas entrevistadas: “Pensando em sua vida, qual tem sido a

contribuição que a educação escolar tem dado?”

Entre as quatro mulheres que responderam o questionário, uma não respondeu essa

pergunta. Entre as três que responderam, surgiram as respostas que seguem. “Incentivo de

vida” (indígena); “O conhecimento é o único bem que levamos pro resto de nossas vidas

(branca).

Já a mulher negra declarou:

A educação escolar contribuiu pouco para o desenvolvimento da minha

cidadania, é preciso modificar muitas coisas no sistema político para

melhorar a qualidade do ensino no Brasil. (negra).

Entre os homens, a travesti não respondeu a essa pergunta. As respostas dos outros

entrevistados foram as que seguem.

"Dá para ler bem um jornal e entender o que está dizendo. É bom também no

supermercado, usando a calculadora, etc.” (branco 1). Outro homem branco declarou:

É pela educação nas relações sociais e a formal que nós nos tornamos quem

somos. Este processo de produção de nossa existência é a educação no

sentido amplo. Além desta educação continuada na história de suas vidas,

as pessoas se educam no cotidiano de suas vidas, em sociedade, como um

todo, hoje a educação é e sempre será o melhor caminho para se chegar a

qualquer lugar ou para se viver bem e até no mesmo lugar que estiver. E

Page 60: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 57 -

esse foi o caminho que eu escolhi! O caminho da educação! Educação que

transforma; educação que educa! (branco 2).

“As discussões sobre homofobia nas escolas, muito embora sejam poucas, mas já é um

grande passo.” (branco 3). “Aberto horizontes e possibilidades na vida, conviver com outras

pessoas, modos diferentes de vida.” (pardo). “Condições de trabalho, oportunidades, pois

quando fiz o curso consegui um emprego melhor. (negro 1) “Desenvoltura” (negro 2 ).

Os números dos indicadores sociais revelam as exclusões que persistem na sociedade

brasileira. O analfabetismo é maior entre as pessoas de cor preta e parda. Essas pessoas

também têm níveis menores de escolarização superior. Embora as mulheres tenham maior

escolaridade, têm salários menores do que os dos homens.

Entre as pessoas soropositivas entrevistadas, há mais uma vez uma espécie de inversão

dos dados, tanto que as mulheres têm uma escolaridade bem menor do que a dos homens

soropositivos (6,75 anos das mulheres e 12,42 anos dos homens).

Quando perguntados sobre qual a contribuição que a escola tem dado em sua vida, as

respostas de homens e mulheres foram tão diferenciados quando sua própria escolaridade,

tanto que destacamos as mais simbólicas. Enquanto as mulheres, por um lado, estão

estudando mais atualmente (a metade das entrevistadas estudam no momento), têm a

escolaridade mais baixa. No sentido contrário, apenas um dos homens entrevistados ainda está

estudando, no entanto, entre estes, há uma escolaridade bem maior do que entre as mulheres

entrevistadas. Essa realidade é bem saliente nas respostas destacadas de cada grupo. Enquanto

a resposta destacada da mulher é muito crítica em relação à educação escolar, cobrando sua

melhoria e efetividade, a resposta destacada dos homens, além de declarar que a educação

escolar contribuiu muito pouco para sua vida, segue um caminho inverso, apostando na

educação formal como imprescindível “hoje e sempre”.

Consideramos que os dados apresentados até o momento apontam para uma sociedade

que produz desigualdades sociais diversas, ancoradas também em aspectos relacionados ao

preconceito, ao estigma e à discriminação. Esses aspectos se escondem por trás de indicadores

sociais e educacionais de uma sociedade que “tolera” tais injustiças como indicadores de

diferenças que colocariam as pessoas em seus devidos lugares, marcando suas diferenças a

partir de sua origem social, racial e sua orientação sexual, acrescidas também de sua condição

de saúde. Esses ingredientes reforçam um sentido de diferença baseada no estigma e na

discriminação que legitimariam as condições sociais de cada grupo segundo seu papel em

nossa sociedade.

Page 61: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 58 -

2.5 Preconceito: muitas máscaras para o mesmo retrato

Chegamos a um ponto de nosso estudo em que buscamos identificar a possível ligação

entre o preconceito e o processo educativo no contexto da AIDS. As respostas dadas nesta

parte do estudo serão analisadas em conjunto, após a apresentação das respostas desta etapa

de nossa pesquisa.

Perguntamos às pessoas entrevistadas se elas tinham sofrido preconceito. Todas as

mulheres entrevistadas responderam que sim. Entre estas três responderam que sofreram

preconceitos algumas vezes, enquanto uma respondeu que sofreu preconceito uma única vez.

Entre todas, uma delas não detalhou qual tipo de preconceito teria sofrido. Entre as que

detalharam, duas declararam que o preconceito mais marcante que sofreram foi ligado ao

HIV/AIDS, enquanto uma declarou que o preconceito mais marcante foi por ser mãe solteira.

“Sofri muitas vezes preconceito por ter tido uma filha e não ter um companheiro.” (mulher

branca) Entre as que declararam que sofreram preconceito em razão da condição soropositiva,

uma declarou que “(...) fui apontada na rua por uma agente de saúde” (mulher 4) . Enquanto a

outra relatou o depoimento que segue abaixo:

De uma vizinha amiga de infância da minha sogra. Por ser muito amiga

dela, minha sogra revelou que eu e o filho tinham AIDS. Certo dia elas

tiveram um atrito forte e esta moça gritou bem alto na rua que eu era

aidética. (mulher 3)

Ainda entre as mulheres foi perguntado se sofreram preconceito na escola. Três

mulheres responderam que não sofreram preconceitos na escola. Apenas uma mulher

respondeu que sofreu preconceito por ser mãe solteira na escola e que a instituição foi

indiferente ao problema que passava.

Fica evidente neste grupo que o preconceito foi sentido a partir do estigma e da

discriminação que sofreram, em sua maioria, devido à condição soropositiva. Os depoimentos

revelam despreparo profissional do agente de saúde e a utilização da condição soropositiva de

alguém para ofender e humilhar outra pessoa, simplesmente por ter em sua família alguém

nesta condição. Esse fato demonstra como parte da população reconhece na AIDS algo muito

negativo, digno de ofender a todos que estejam de algum modo ligado a essa pessoa. Este fato

nos remete a compreender que a vítima de estigma e discriminação sente-se assim alijada do

grupo social e apontada como indigno do convívio com os outros em razão de sua condição

específica. O pequeno número de mulheres que declararam terem sofrido preconceito na

escola talvez seja explicado pela pouca escolaridade dessas mulheres aliada ao não

Page 62: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 59 -

reconhecimento do próprio preconceito em si, tendo em vista que preconceitos de gênero são

mais difíceis de serem percebidos pela vítima no espaço escolar.

Entre os homens, cinco declararam que sofreram preconceitos, enquanto os outros dois

declararam que não sofreram preconceitos. Entre os homens que sofreram preconceitos, três

relataram preconceitos ligados à orientação sexual; um relatou preconceito de origem racial e

o outro sofreu preconceito em razão de sua condição sorológica.

Quando perguntamos às pessoas entrevistadas se sofreram preconceitos na escola, três

responderam que não sofreram preconceitos na escola, já as outras quatros pessoas

responderam que sofreram. Entre os quatro homens que sofreram preconceitos na escola, três

destes sofreram estigmas e discriminações em razão de preconceitos de orientação sexual;

enquanto o outro sofreu estigma e discriminação devido ao preconceito racial combinado com

preconceitos por arranjos familiares.

Ficou muito evidente que o preconceito devido à orientação sexual foi o mais comum

entre os homens entrevistados. Quase o mesmo número de homens que sofreram preconceito

devido a sua orientação sexual sofreu este preconceito dentro do ambiente escolar. Abaixo, os

depoimentos que mais evidenciam esta situação. Vale ressaltar que em nosso questionário

perguntamos também qual foi a posição da escola diante da discriminação ou estigma sofrido.

Em todos os casos em que o preconceito surgiu na Escola, a resposta a esta pergunta foi de

“indiferença”, com três respostas, e “agiu de um modo inadequado”, uma resposta.

Fui hostilizado por uma professora em sala de aula falando para todo

mundo que eu tinha jeito afeminado... Doeu bastante! (Homem 5)

Lembro-me bem que foi na minha quarta série quando eu apresentava um

trabalho para a sala e ao terminar o professor falou que a minha

apresentação foi muito boa só faltou eu engrossar a voz e falar como

homem... Em seguida a turma toda riu de mim. A partir desse dia eu passei a

escutar gracinhas durante muito tempo fazendo assim eu ficar recuado com

muita timidez e vergonha de minha voz. (Homem 6)

Tanto os resultados acima apresentados quando os depoimentos destacados

demonstram quanto é forte o preconceito dentro do espaço escolar. A escola enquanto

instituição de normatização da sociedade reproduz boa parte da ideologia hegemônica na

sociedade e por esta razão acaba sendo palco de muitos casos de estigmas e discriminações. A

escola, inclusive, vem sendo palco de disputas entre grupos religiosos e o movimento social

Page 63: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 60 -

de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais – LGBT em torno do Kit Anti-homofobia e, pelo

menos até o momento, a chamada bancada religiosa vem ganhando esse embate.17

Perguntamos às pessoas entrevistadas se elas já tinham cometido preconceito alguma

vez contra alguém. Entre as mulheres duas afirmaram que sentiram preconceitos contra outras

pessoas; uma apontou que não sentiu preconceito contra ninguém e a outra entrevistada não

responderam a esta pergunta.

Entre os homens, cinco declararam que cometeram preconceito contra outras pessoas,

enquanto dois responderam que não cometeram preconceitos contra outras pessoas. Entre os

entrevistados que declararam terem sentido preconceito contra outras pessoas, uma pessoa

não registrou qual foi o preconceito que sentiu, as outras quatro pessoas declararam ter

sentido preconceito em razão da orientação sexual, classe social, nível intelectual, por causa

de tatuagem. Seguem alguns depoimentos emblemáticos para nossa análise:

“Contra as lésbicas porque já fui perseguida por elas e não sabia como me defender.”

(Mulher 1). “Eu não ficava perto de pessoas que estivessem sujas.” (Mulher 4).

Não suportava travestir até que passei a conhecer e vi que não era aquilo

que pensava. (Homem 1).

Na minha sala tinha um menino muito pobre que diversas vezes ia para a

sala de aula sem tomar banho... Confesso que já me neguei a fazer trabalhos

com ele devido a isso! (Homem 6)

Eu não gosto muito de pessoas que considero Burras. Não gosto de burrice.

Mas meu conceito de burrice é muito amplo, tem a ver com a estupidez

humana. (Homem 7)

Esta parte de nosso questionário demonstra que, mesmo entre os homossexuais, o

preconceito contra a orientação sexual é algo muito forte em nossa sociedade. Entre os

depoimentos acima, aparece também o preconceito baseado na classe social.

2.6 HIV: o vírus do preconceito

Nesta parte da pesquisa buscamos identificar as repercussões da AIDS na vida escolar

das pessoas soropositivas que participam da RNP+/PE. Para isso a pergunta foi a seguinte: a

AIDS afetou de algum modo sua vida escolar? A pessoa entrevistada assinalaria sim ou não.

17

A folha de São Paulo publicou em sua edição online do dia 14/03/2012 que o novo ministro da Educação Aloizio Mercadante mantém cautela em relação ao Kit Anti-homofobia que seria distribuído nas escolas depois de aprovado pela UNESCO e pelo próprio MEC, mas que teve sua distribuição suspensa pela presidenta Dilma após pressão da bancada evangélica.

Page 64: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 61 -

No caso de ter respondido “sim”, a pessoa era remetida para um conjunto de alternativas

composto por cinco opções fechadas e uma opção aberta. A pessoa poderia assinalar mais de

uma alternativa além de poder criar sua própria resposta na alternativa aberta. Em seguida, as

pessoas que responderam a uma dessas alternativas ainda eram convidadas a “explicar sua

resposta”. Nossa intenção aqui foi abrir a possibilidade da pessoa entrevistada que sentiu a

influência da AIDS em seu percurso educacional apontar com maior precisão como se deu

essa influência.

Entre as mulheres, de um total de quatro entrevistadas, duas afirmaram que a AIDS

não afetou sua vida escolar, enquanto as outras duas afirmaram que a AIDS afetou, sim, sua

vida escolar. Entre estas, uma entrevistada assinalou a alternativa 1, ou seja, “ficou com mais

vontade de estudar.” Essa entrevistada, no entanto, não explicou sua resposta mais adiante. A

segunda entrevistada assinalou duas alternativas, aparentemente contraditórias entre si: a

alternativa 3 “voltou a estudar” e a alternativa 4 “ficou com o emocional frágil sem condições

de estudar.” Felizmente essa entrevistada preencheu a parte seguinte do questionário

explicando assim sua resposta.

Depois da sorologia comecei a participar de grupos e espaços políticos, daí

veio a necessidade de voltar a estudar para melhorar meu desempenho e

conhecimento, apesar dos trancos e barrancos. (Mulher 3.)

A resposta da entrevistada 3 remete a uma realidade ainda pouco conhecida na

pandemia de AIDS, ou seja, relatos de melhoria de condições de vida e crescimento pessoal

após a descoberta da AIDS em sua vida. Vamos encontrar relatos semelhantes entre os

homens e em outras respostas do questionário. Todas as repostas que remetem para esta

compreensão apontam como responsáveis o processo educativo vivenciado em organizações

não governamentais e no movimento social de luta contra AIDS. O trecho final da resposta da

entrevistada 3, no entanto, não nos deixa dúvidas, essa caminhada não é fácil principalmente

para as mulheres, pois precisam continuar sua jornada, apesar dos “trancos e barrancos.”

Entre os homens, o resultado das respostas a esta parte do questionário foi o seguinte:

entre os sete entrevistados, três assinalaram que a AIDS não afetou sua vida escolar, enquanto

quatro entrevistados assinalaram que a AIDS afetou, sim, sua vida escolar. Os entrevistados

que responderam sim a esta pergunta foram: homem 1; homem 3; homem 4 e homem 6.

Passaremos, portanto, a detalhar as explicações apontadas pelos participantes.

O entrevistado 1 assinalou a resposta número 6, ou seja, a resposta aberta, onde

escreveu “pretendo fazer ciências contábeis.” Em sua explicação da resposta, o entrevistado

Page 65: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 62 -

deixou claro que foi um projeto retomado devido a sua participação em organizações não

governamentais e movimentos sociais.

Era um curso que sempre tive vontade e, depois de frequentar ONGs e os

movimentos sociais fiquei mais estimulado a estudar. (Homem 1.)

A entrevistada 3 assinalou a resposta número 4, ou seja, “parou de estudar para cuidar

da sua saúde.”. A entrevistada não detalhou sua resposta talvez por achar que a alternativa

assinalada era suficiente para explicar o quanto a AIDS afetou sua vida escolar.

O entrevistado 4 assinalou a resposta 6, ou seja, a resposta aberta. Nesta o entrevistado

aponta o recebimento do resultado do exame positivo para HIV como o obstáculo que o

impediu de prosseguir em seus estudos.

A pessoa que me comunicou o resultado me disse que eu não poderia viajar

para o exterior para fazer um pós-doutorado; acabei no Recife (que sorte!).

(Homem 4).

O entrevistado 4 aponta o obstáculo da AIDS em relação a sua vida educacional

localizado no patamar mais elevado da vida educacional formal, ou seja, no pós-doutorado.

Esse fenômeno estatisticamente falando é muito raro, tanto que no boletim epidemiológico de

casos de AIDS, Brasil (2011), a escolaridade máxima agrupada é de 12 anos e mais, o que

significa um grupo que começa com superior incompleto e fica em aberto. Neste grupo, o

percentual de pessoas afetadas pela AIDS é de 9,5% do total de casos de AIDS entre os

homens no Brasil, até junho de 2011. Para efeito de comparação basta verificar que os dados

de escolaridade ficam entre 1 a 7 anos, ou seja, Fundamental Incompleto, o número de

homens com AIDS nesta faixa de escolaridade é de 42,6%, ou seja, mais de 4 vezes o número

na faixa com mais de 12 anos e mais. Temos consciência de que encontramos um entrevistado

com este nível de escolaridade pelo fato de termos escolhido estudar um espaço de articulação

política que, por sua característica, tem mais chance de reunir as maiores diferenças. O

entrevistado número 6 escolheu a alternativa 4, ou seja, “parou de estudar para cuidar da sua

saúde.” Na explicação dessa resposta, o entrevistado qualifica o que o item apontava.

Na época não parei só de estudar, parei tudo... Até porque estava com 35

Kg e, é claro, precisava me cuidar para depois voltar com tudo! E voltei!

(Homem 6).

No conjunto das respostas, fica claro o quanto o quesito saúde interfere na vida

educacional das pessoas que vivem com HIV/AIDS, pois, entre os homens, três entre quatro

que afirmaram interferência da AIDS em sua vida escolar citaram questões de saúde.

Page 66: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 63 -

Quando englobamos as respostas das mulheres, entre as duas que relataram influência da

AIDS na vida escolar, uma também mencionou questão de saúde. Como vemos, a saúde é um

dos fatores determinantes no percurso educacional das pessoas que vivem com HIV/AIDS.

Outro dado muito importante é o significativo número de respostas que atribuem à AIDS o

aumento da oportunidade educacional. Mais uma vez, o trabalho das organizações não

governamentais responde por esse resultado.

Mais adiante em nosso questionário, perguntamos aos entrevistados: A AIDS afetou

sua opinião sobre o preconceito? Caso respondessem “sim”, a pessoa entrevistada deveria

“justificar sua resposta”. Usamos essa estratégia para tentar trazer mais fortemente a

experiência das pessoas entrevistadas para dentro de nossa pesquisa.

Entre as mulheres, três entrevistadas responderam que sim, enquanto apenas uma

respondeu que não. Temos, portanto, a grande maioria entre as entrevistadas confirmando que

a infecção pelo HIV afetou a opinião da pessoa em relação ao preconceito. Vamos aos

desdobramentos das respostas entre as mulheres.

A entrevistada de número 1 (um) respondeu que a AIDS afetou sua opinião sobre o

preconceito, mas, infelizmente, não justificou esta resposta.

A entrevistada de número 3 (três) também respondeu que teve sua opinião acerca do

preconceito afetada pela pandemia de HIV em sua vida. Em sua justificativa, temos os

elementos básicos do preconceito.

Porque às vezes eu agia com preconceito sobre aquilo que eu não conhecia

e não tinha informação. (Mulher 3).

Em sua resposta, a entrevistada 3 (três) aponta que a falta de conhecimento e de

informações é a questão central em relação ao preconceito. Essa resposta parece ter sido

construída a partir da própria experiência.

A dimensão da experiência também é trazida à cena pela entrevistada 4 (quatro) que

ao justificar sua resposta, afirmou:

Porque hoje eu sei muito bem o que é sofrer preconceito. (Mulher 4).

É interessante perceber que, entre as mulheres, vítimas de tantas discriminações,

desigualdades e preconceitos, essa compreensão chegue também com o advento da AIDS. As

respostas acerca da escola onde a entrevistada 4 (quatro) relatou não ter sofrido preconceitos

na escola e que também a AIDS não afetou sua vida escolar, apontam para uma não percepção

do preconceito quando este se deu em aspectos não estruturais em sua vida. A mesma

Page 67: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 64 -

entrevistada apontou que o preconceito mais marcante em sua vida se deu quando ela foi

apontada na rua por um agente de saúde, o que demonstra que depois do HIV fica difícil a

vida comunitária fora do movimento social de luta contra a AIDS. Desde modo

compreendemos que este pertencimento comunitário é o mais significativo e onde o

preconceito mais causa estragos.

Entre os homens, a grande maioria, seis entre os sete, assinalaram que a AIDS afetou

sua opinião sobre o preconceito. Vamos aos desdobramentos das justificativas.

O entrevistado número 1 (um) relata seu preconceito contra outras pessoas

soropositivas antes de se descobrir HIV+, citando o “medo” como principal fator.

Tinha pouco conhecimento sobre o HIV e fugia com medo. Hoje vejo com

outros olhos, é bem melhor. (Homem 1)

A entrevistada de número 3 (três) relata apenas que as pessoas afetadas pela AIDS

sofrem mais preconceito. Essa menção ao intensificador “mais” (preconceito) vem de uma

entrevistada que, na condição de travesti, já sofre tantos preconceitos que já considera rotina e

não digno de nota.

O entrevistado de número 4 (quatro) apontou a convivência com as diferenças, estando

também numa condição de discriminado, como responsável por sua maior consciência do

preconceito.

Ao conviver com a diversidade de pessoas, vi o preconceito contra não só as

pessoas vivendo com HIV/AIDS, mas outros, principalmente em relação as

travestis, homossexuais e preconceitos econômicos. (Homem 4 )

Encontramos neste dado mais uma evidência de que a convivência política com a

diversidade de pessoas tem um potencial educativo. Teríamos aqui pistas de uma espécie de

educação para a convivência?

Uma resposta semelhante foi dada pelo entrevistado de número 5 (cinco) que

justificou a influência da AIDS em sua opinião sobre o preconceito, a partir da condição de

soropositivo.

Por ser portador do vírus, fez canalizar as minhas opiniões com maior

tolerância em todas as diferenças sociais. (Homem 5)

A resposta do entrevistado de número 6 (seis), no entanto, dá um passo à frente em

relação à compreensão do preconceito em sua própria vida, quando não se limita a

compreender o preconceito a partir de sua própria condição, mas na busca a si mesmo.

Page 68: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 65 -

A AIDS me mostrou que não vale a pena viver o que se tem ou se pega

(contágio) e sim o que realmente se é! Pessoa é muito mais do que qualquer

condição... (Homem 6)

A frase do entrevistado nos transporta de volta à ação humana, única capaz de

modificar a realidade de modo a nos devolver a liberdade através da ressurreição do

inesperado, tão bem defendido na obra de Hannah Arendt (2004; 2009b e 2010). Essa ideia

tem o poder de nos libertar do dado, do inexorável, talvez hoje tão bem representado pelo que

se chama de “mercado”.

O entrevistado de número 7 (sete), por sua vez, trouxe uma resposta totalmente

direcionada para a própria condição de soropositivo e de homossexual discriminados. Em sua

justificativa, traz à tona essas duas condições para chegar a um veredicto: “duplamente

discriminado”.

Uma pessoa com quem me relacionava e sabia da minha condição

(soropositivo) demonstrava certo temor quando estava comigo. Depois eu

descobri que ele não tinha o mesmo temor quando encontrava outros

parceiros (que ele sabia também serem soropositivos), então duplamente

discriminado. (Homem 7)

Encontramos nesta resposta um sentimento de estigma e discriminação trazida à tona

pela condição soropositiva e pela prática da sexualidade homossexual. Esta resposta aponta

para um encontro mais intenso com o preconceito a partir de sua condição soropositiva

somada a outra condição que não fica nítida em sua frase, mas que ajuda a construir o termo

“duplamente discriminado”. A resposta do entrevistado de número 7 deixa uma espécie de

“mistério” no ar, quando o preconceito que sofre não pode ser “encaixado” nem na orientação

sexual (já que a pessoa estaria com outro homem) nem na soropositividade (já que a pessoa

fica com outras pessoas soropositivas).

No item seguinte de nossa pesquisa, buscamos identificar o tempo e o motivo das

pessoas participarem da RNP+/PE. Essa informação é importante para compararmos o tempo

de participação e os objetivos de cada um com as outras respostas. Vale ressaltar que, entre os

motivos de participação, cada pessoa entrevistada poderia assinalar mais de uma alternativa.

Entre o grupo de mulheres, a média de participação fica entre 4 e 6 anos de

participação. Neste grupo a entrevistada número 1 é a única que participa há menos de um

ano.

Quando assinalaram as alternativas fechadas para a pergunta “por que você participa

da RNP+/PE”, a opção “Espaço de Mobilização Política de luta contra a AIDS” foi a opção

Page 69: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 66 -

mais marcada entre as mulheres, com três entre quatro possíveis. “Falar sobre AIDS com

outras pessoas sem preconceito” foi a segunda opção mais assinalada, com duas indicações.

Quando pedimos para o grupo justificar suas respostas, encontramos respostas que variaram

de um simples “Porque é melhor” (Mulher 1) até respostas mais elaboradas como as que

seguem abaixo.

Um espaço político onde temos direito a voz e a opinião, que ajuda nas

mudanças políticas. (Mulher 2)

Porque é na RNP+/PE que eu me identifico e me fortaleço (Mulher 3)

A entrevistada de número 4 (quatro) foi a única que não justificou sua resposta.

Fica nítida a importância desse espaço para o grupo de mulheres soropositivo, mesmo

que a participação das mulheres seja bem menor do que a dos homens, quando se leva em

conta o número de participantes. Encontramos respostas que fazem menção tanto à garantia

de um espaço onde se pode falar de AIDS sem preconceitos (ou com menos preconceito),

quanto respostas que apontam a articulação política como principal razão para estar presente

neste espaço.

Continuaremos analisando as respostas das mulheres da RNP+/PE, agora tentando

identificar o quanto esse grupo conhece e participa dos principais eventos e projetos políticos

governamentais e não governamentais do movimento social de luta contra AIDS. Para tanto,

relacionamos as seguintes opções: ENONG – Encontro Nacional de Organizações Não

Governamentais que trabalham com AIDS; ERONG – Encontro Regional de Organizações

Não Governamentais que trabalham com AIDS; EDUCAIDS – Encontro Nacional de

Educadores na Prevenção das DST/AIDS e Drogas; SPE – Saúde e Prevenção na Escola;

VIVENDO – Encontro Nacional de Pessoas que vivem com HIV/AIDS; 1º de Dezembro –

Dia Mundial de Luta contra a AIDS.

Cada opção foi colocada no questionário apenas com suas siglas que, por sinal, são

muito conhecidas no movimento social de luta contra a AIDS.

Duas entre as quatro mulheres entrevistadas conhecem todos os eventos. Entre as

outras duas mulheres, ENONG; VIVENDO E 1º DE DEZEMBRO também são conhecidos

por elas, assim esses três eventos são conhecidos por todas as mulheres. O ERONG; O SPE E

O EDUCAIDS são encontros políticos que não são conhecidos por apenas uma participante

de nossa pesquisa.

Quando perguntamos às mulheres acerca de sua participação efetiva nesses eventos,

temos os seguintes números. O 1º DE DEZEMBRO é o único evento que teve participação de

Page 70: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 67 -

todas as mulheres entrevistadas. O ERONG, ENONG e o VIVENDO são eventos que tiveram

participação de três das quatro mulheres. Já o EDUCAIDS E O SPE foram os eventos que

tiveram a participação de apenas uma mulher.

Por fim, perguntamos às mulheres qual, entre esses eventos, ela considerava mais

importante. Duas mulheres citaram mais de um evento, sendo que uma entre estas, citou

todos. Entre as outras duas mulheres que escolheram apenas um evento, ambas escolheram o

1º de Dezembro. Entre as outras duas que citaram mais de um evento, o 1º de Dezembro

estava entre eles, de modo que este evento foi o único citado por todas as mulheres

entrevistas.

Pedimos ainda que as mulheres justificassem sua escolha, o que gerou as seguintes

declarações.

Lembra que a luta não deveria ser só nossa, mas de toda a sociedade.

(Mulher 2)

Por ser um momento onde estamos todos juntos pensando, refletindo e

reivindicando nossos direitos, além de lembramos dos nossos companheiros

de luta que partiram, mas deixaram muitas conquistas. (Mulher 3)

A entrevistada de número 4 escolheu, além do 1º de Dezembro, o SPE, e justificou

assim suas escolhas.

O SPE pela importância de trabalhar o preconceito na escola. E o 1º de

Dezembro porque o momento onde as pessoas que militam na luta contra a

AIDS mostram a importância desta luta. (Mulher 4)

As mulheres entrevistadas demonstraram que têm uma importante participação

política, seja no número de anos que militam na RNP+/PE, seja na participação em eventos

como o 1º de Dezembro e o ERONG e ENONG. Diante desse quadro, fica também claro que

é necessário ampliar a participação política das mulheres, não obstante ainda vivermos numa

sociedade patriarcal onde as injustiças de gênero ainda são muito comuns. Nossos números

evidenciam isto, com mulheres responsáveis pelos filhos e muitas vezes sem a participação

dos companheiros. Esse quadro evidencia que os preconceitos de gêneros precisam ser

superados para pararem de contribuir com as desigualdades de gênero, e a humanidade como

um todo avançar na direção de uma sociedade com menos injustiças sociais.

Apresentaremos agora as respostas dos homens da RNP+/PE, em relação à

participação política neste espaço. O primeiro dado demonstra que os homens, em

comparação às mulheres, participam há mais tempo, tanto que cinco entre sete participam há

Page 71: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 68 -

mais de 6 (seis) anos deste espaço de articulação política. O tempo médio de participação dos

outros dois fica em cerca de 5 anos, o que também é muito tempo.

Quando levantamos a frequência das respostas fechadas à pergunta “por que você

participa da RNP+/PE”, chegamos ao seguinte resultado: três respostas estavam entre as

alternativas escolhidas por cinco entre sete participantes: 1 – Espaço de Mobilização Política

de luta contra a AIDS; 4- Encontrar outras pessoas com AIDS; 5 – Falar sobre AIDS com

outras pessoas sem preconceito. Outra alternativa que teve número significativo de escolhas

foi a opção 3 – Participa, mas não acredita em grandes mudanças. Essa alternativa foi

escolhida por três participantes. É interessante perceber que dois entre os três entrevistados

que assinalaram essa alternativa também tinham assinalado a opção 1 – Espaço de

Mobilização de luta contra a AIDS. Esse fenômeno aponta sentimentos contraditórios em

relação ao espaço neste grupo de entrevistados.

Na justificativa da resposta, temos a oportunidade de aprofundar as alternativas

fechadas, confirmando-as ou aprofundando suas mensagens. Passaremos então a apresentar

cada resposta para posterior análise.

Vejo que tem muita gente precisando de ajuda e achando que é o fim do

mundo, então eu procuro mostrar outra realidade com minha experiência de

vida com o HIV/AIDS. (Homem 1)

Quando analisamos as respostas do entrevistado número 1, percebemos que suas

respostas são todas centradas no cuidado com o outro. As alternativas indicadas pelo

entrevistado 1 remetem ao encontro com o outro: falar sobre AIDS sem preconceito; ele ainda

marcou a opção 6 que pede que o entrevistado escreva a alternativa, onde ele escreveu “poder

ajudar outras pessoas”.

O entrevistado 4 (quatro) centrou sua justificativa na luta coletiva e no relacionamento

humano que o espaço parece oferecer.

Juntando somos mais fortes e a luta é mais prazerosa, além de conhecer

pessoas diferentes. (Homem 4)

O entrevistado 5 (cinco) centra toda sua justificativa no encontro com o outro.

Aprender com as conquistas, desafios e experiências de cada pessoa.

(Homem 5).

O entrevistado 6 (seis) apresenta sua justificativa duplamente centrada, no encontro

com os iguais, por um lado, e no controle das políticas públicas, por outro.

Page 72: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 69 -

A RNP+/PE é um espaço onde se pode viver muitas coisas, entre si mesmo e

com o outro! Sobretudo discutir e intervir nas políticas públicas! É com o

igual que nos conhecemos, mas é com o diferente que nos enfrentamos!

(Homem 6)

O entrevistado 7 (sete) centra sua justificativa no encontro com outras pessoas

soropositivas, revelando um pouco de abatimento em relação a sua condição sorológica.

Indica também certo desânimo em relação ao espaço político.

É importante para mim estar, nem que seja de vez em quando, num espaço

com outras pessoas portadoras da mesma patologia. Falar sobre isso com

elas me acalma, me faz sentir que a chuva não caí só sobre mim. Mas não

tenho visto muitas mudanças efetivas na RNP nos últimos tempos. Isso me

incomoda um pouco. (Homem 7)

A próxima pergunta busca investigar o nível de conhecimento e participação dos

entrevistados em eventos e projetos de nível nacional e regional do movimento social de luta

contra AIDS.

Todos os participantes conhecem o VIVENDO e o 1º de Dezembro. Seis, dos sete

participantes conhecem o ENONG e o ERONG. O quadro se modifica sensivelmente quando

analisamos o nível de popularidade dos dois eventos ligados à educação (EDUCAIDS E

SPE), eles são conhecidos por apenas um participante da entrevista.

Quando analisamos a participação nesses eventos, o quadro se modifica. Mesmo o

maior percentual de participação, seis participantes, do 1º de Dezembro não chega à

totalidade. Depois desse evento, são o VIVENDO e o ERONG que têm cada um a

participação de quatro entrevistados. Mesmo o ENONG tem uma participação de apenas três

entrevistados.

As duas últimas perguntas da pesquisa desejam saber das pessoas entrevistadas, qual

dos eventos elas consideram mais importante e sua justificativa para a resposta.

As respostas do grupo de homens são surpreendentes, tendo em vista que três entre os

sete entrevistados não responderam ou responderam que nenhum dos projetos são importantes

ou ainda responderam inadequadamente a esta pergunta. Entre os quatros entrevistados que

responderam a pergunta, houve um empate entre o VIVENDO e o 1º de Dezembro.

Entre os participantes que escolheram o VIVENDO, foi valorizado o encontro entre as

pessoas soropositivas.

É um local onde você encontra outras pessoas com HIV/AIDS sem precisar

se esconder, e pode trocar informações. (Homem 1)

Page 73: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 70 -

Sem querer diminuir a importância do 1ª de Dezembro e todo o simbolismo

que ele carrega, acho que o vivendo ainda é uma grande assembléia aonde

se tem a oportunidade de ficar por dentro do que esta acontecendo no

mundo com relação a AIDS, se atualizar, reciclar e toda aquela troça de

experiências. Acho muito importante! Infelizmente não participei de muitos.

(Homem 7)

Entre os participantes que escolheram o 1º de Dezembro, o argumento se centra na luta

coletiva proporcionado pela data mundial.

Primeiro de Dezembro porque é o dia mundial de luta contra a AIDS.

(Homem 3)

Penso que essa é uma data estratégica. É uma data que o mundo para pra

escutar e ver a atual situação da AIDS no mundo! Pena que o rumo que está

se dando não é tão interessante... Mas ainda continuamos a viver a data

como um dia de luta e muita reflexão sobre a AIDS. (Homem 6)

As respostas apresentadas demonstram a importância do ativismo político na vida das

pessoas que vivem com HIV/AIDS da RNP+/PE. Aqui emerge uma educação que enfrenta o

preconceito através da convivência entre pessoas diferentes que têm em comum o vírus em

suas vidas.

A escolha pelo 1º de Dezembro como o evento mais importante indica a busca pelo

reconhecimento de outros grupos da sociedade em geral em torno da luta contra a pandemia

de HIV e não contra as pessoas com HIV.

Durante a análise dos dados, ficou evidente que a pandemia de HIV/AIDS vem se

apresentando como um fenômeno social cheio de contradições pulsantes, tendo em vista que,

se por um lado o estigma e a discriminação que atravessam a vida das pessoas em razão de

sua condição social, racial, de gênero e identidade sexual são ampliados com a chegada do

HIV na vida dessas pessoas, há uma grande ampliação também dos espaços políticos de

participação das pessoas afetadas pela pandemia.

Mesmo que a pandemia de HIV/AIDS seja uma espécie de “retrato” de nossas

desigualdades sociais com seus fenômenos de pauperização, feminilização e atingido

fortemente também jovens homossexuais, não se pode negar que o movimento social de luta

contra AIDS tem mobilizado ações políticas e educativas que têm ajudado a produzir projetos

e programas não governamentais e também governamentais e entre seus resultados podemos

apontar também o desejo por retomada dos estudos escolares e também não escolares.

Page 74: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

█ Capítulo 3

Políticas públicas de prevenção da AIDS em escolas: o que o

EDUCAIDS nos diz acerca do preconceito?

Page 75: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 72 -

3. CAPÍTULO III

Políticas públicas de prevenção da AIDS em escolas: o que o

EDUCAIDS nos diz acerca do preconceito?

Nesta parte de nosso estudo, voltaremos nossos olhos para uma experiência de política

de enfrentamento a AIDS em escolas, que ocorreu por meio de uma parceria entre o governo e

a sociedade civil organizada. Trata-se do Encontro Nacional de Educadores na Prevenção das

DST/AIDS e Drogas – EDUCAIDS. Esse encontro aconteceu anualmente, de 1996 a 2010,

ou seja, por quatorze anos consecutivos.

Desta experiência analisaremos duas publicações que ajudaram a sistematizar e

divulgar os resultados desses encontros, além das propostas aprovadas nesse encontro e

sistematizada na primeira publicação.

Realizamos a análise do livro “AIDS e escola: reflexões e propostas do EDUCAIDS”,

organizado por Pinto e Telles (2000); e do livro “Educação Preventiva: teoria e prática”,

organizada por Pinto (2009).

Pretendemos com este estudo identificar a concepção de educação que prevaleceu

nessa ação e avaliar até que ponto essa estratégia contribuiu para uma educação que enfrente o

preconceito produtor de estigma e discriminação.

Nossa análise buscará identificar os conceitos de educação e de preconceito que

predominam nessas publicações, a fim de compreender como esses fenômenos aparecem

nesses encontros e até que ponto contribuem para o enfrentamento da pandemia de AIDS.

3.1 AIDS e escola: reflexões e propostas do EDUCAIDS

O livro que sistematiza as contribuições do EDUCAIDS está dividido em 4 (quatro)

capítulos ao longo de 176 páginas que apresentam as informações do III Encontro Nacional

de Educadores na Prevenção das DST/AIDS e Drogas – EDUCAIDS.

Na apresentação da publicação, de autoria da representante do UNICEF no Brasil,

descortina-se qual seria o modelo de escola almejado por este organismo internacional.

Que escola queremos para nossos filhos? Queremos uma escola que lhes seja

útil na construção de uma vida e de um mundo melhor que o nosso. Uma

escola que proporcione a seus alunos algo que vá além daquilo que

convencionamos chamar de ensino fundamental. Uma escola que oriente as

Page 76: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 73 -

crianças no desenvolvimento das habilidades necessárias ao exercício de

uma vida saudável e sintonizada com as características mutantes do meio

ambiente e do meio social. Uma escola que os prepare para assumir a ampla

gama de papéis que deverão assumir como adultos – como pais, produtores,

cidadãos que participam ativamente da sociedade e contribuem para seu

desenvolvimento. (NIIMI, 2000, p. 9)

Mais adiante, o representante da UNESCO no Brasil comenta números da AIDS que

apontam, naquele momento, que 45% das pessoas vivendo com AIDS tinham cursado no

mínimo o Ensino Fundamental, para, em seguida, apresentar o lugar da educação no controle

da pandemia.

Esses dados demonstram, ao mesmo tempo, o problema e a resposta. A

questão é a fragilidade do jovem ante a epidemia, seja por desinformação,

preconceito, passividade, seja mesmo por dúvidas características do

desenvolvimento de cada um. A resposta é que a educação é uma arma para

modificar essa situação e preservar os jovens e, se bem utilizada, pode ser a

melhor arma no combate à epidemia. (WHERTEIN, 2000, p. 11)

Como podemos perceber, através de termos como “construção de uma vida e de um

mundo melhor” e a educação como sendo “uma arma para modificar” a situação problemática

da pandemia protegendo o próprio agente dessa mudança (o jovem), também aqui a escola, a

educação e as gerações futuras “herdam” as esperanças de resolução dos problemas que hoje

ainda não estão resolvidos.

Mais adiante, a organizadora da publicação e também do encontro, Teresinha Pinto,

credita a Paulo Freire a ideia de um encontro nacional de educadores para pensarem a AIDS,

além de apontar a importância do educador na discussão deste tema: “Infelizmente, Paulo

Freire não pôde participar de nenhum EDUCAIDS, mas com certeza sua herança pedagógica

e política permanece presente e multiplicada em centenas de programas e projetos que

utilizam seu referencial teórico.” A recepção da produção teórica de Freire na chamada

Educação em Saúde não é um fato novo. “Durante os anos da década de 1970, após

sucessivas reformas na área da política de saúde, a pedagogia de Paulo Freire era assimilada

nas ações de saúde, embora não incorporada no contexto geral do país.” Mohr e Schall (1992,

p. 200). A educação que prevalece no modelo de enfrentamento da pandemia de AIDS no

Brasil, portanto, tem fortes influências freirianas, além de ser originária de uma política

sanitarista de educação para a saúde.

Outro conceito que prevalece e influencia profundamente as ações educativas no

campo da AIDS é o conceito de vulnerabilidade. Desse modo, o EDUCAIDS confirma essa

tendência.

Page 77: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 74 -

A discussão da vulnerabilidade veio trazer à cena e à reflexão o fato de que

não existe risco nem prevenção dessa doença que não passem

necessariamente por questões sociais, coletivas, relacionais e, na base de

todas elas, pela questão da cidadania. (AYRES, 2000, p. 21)

Nessa compreensão, o termo “cidadania” tem uma relação direta com o termo

“vulnerabilidade”, de modo que uma (vulnerabilidade) é inversamente proporcional a outra

(cidadania). O autor sustenta essa relação com base em três importantes aspectos da dinâmica

da pandemia de HIV/AIDS. O primeiro aspecto seria a “culpabilização”, que surge quando a

infecção pelo HIV é observada apenas pelo aspecto comportamental, isso desconsideraria o

fato de que “No mundo inteiro, e em cada parte do mundo, a epidemia tem atingido os mais

excluídos, os ‘menos cidadãos’. E isso não terá sido por coincidência, com certeza.” (Idem, p.

22). O segundo aspecto diz respeito ao que o autor chama de “horizonte do trabalho

preventivo”, este deve afastar-se do conceito de grupo ou comportamento de risco, e devolve

ao indivíduo a primazia pelo próprio cuidado sem, no entanto, culpar esse mesmo indivíduo.

O último aspecto seria a incompletude da realização humana, o que dá ao caminho de

prevenção a AIDS a característica também humana de não haver uma ou duas ou quantas quer

que fossem fórmulas únicas de se alcançar esse objetivo. “Portanto, vista como questão de

cidadania, fica claro que os meios de se controlar a epidemia da AIDS não são menos

importantes que o fim desse controle.” (Idem, p. 23)

Por outro lado, na perspectiva da vulnerabilidade, o trabalho preventivo não

se resume apenas a passar informação, a informação técnica pura e simples,

mas procura justamente contribuir para tornar as pessoas mais capazes de

identificar suas próprias necessidades e ter possibilidades efetivas de dispor

do conhecimento na forma em que eles quiserem e puderem usar para

defender a si e aos outros da epidemia. (Idem, p. 24)

O texto de Spink (2000) sobre a vulnerabilidade feminina coloca na arena um potente

instrumento de compreensão da pandemia de AIDS, a produção de sentidos. A autora se vale

da historicidade dos sentidos para interpretar a vulnerabilidade das mulheres frente à

pandemia de HIV/AIDS.

Quando falo na historicidade dos sentidos, refiro-me ao fato de que damos

sentido aos eventos do mundo a partir da ativação e recombinação de

repertórios interpretativos que temos a nosso dispor por sermos membros de

determinados grupos sociais e de culturas que têm inscrições históricas.

(SPINK, 2000, p. 29)

Page 78: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 75 -

Uma importante contribuição desta perspectiva é quebrar a dicotomia entre educadores

(invulneráveis) e educandos (vulneráveis), já que a autora aponta que embora seja muito

importante encontramos as melhores formas de “transmitir” os temas que atravessam a AIDS

e para isso produzirmos muitos materiais, leis, tratados e recomendações, outro aspecto muito

importante é reconhecer nossa própria vulnerabilidade.

Se vamos trabalhar a vulnerabilidade feminina no contexto das DST e AIDS,

temos de trabalhar com as maneiras como a sexualidade vem sendo

construída em nossa sociedade. Isso implica refletir sobre nossa sexualidade

e como nós, profissionais de saúde e da educação, vivenciamos as relações

de gênero. (Idem, p. 33)

O processo educativo, assim, estaria voltado também para o próprio educador, como

alguém que vive em uma cultura que atua fortemente nos sentidos de cada um.

Nesta perspectiva, estamos profundamente comprometidos e imbricados no

processo educativo. Podemos repetir ad nauseum toda a longa lista de

fatores que geram o sentido de vulnerabilidade das mulheres diante das

DSTs, incluindo a AIDS. Mas, para que possamos ter um papel ativo neste

processo, não basta criar espaços institucionais e disponibilizar as

informações. Temos de confrontar nossas práticas e nossos preconceitos.

Temos de perguntar a nós mesmos que versões de feminino consideramos

aceitáveis. (Idem)

Esta perspectiva, no entanto, não parece ter força junto ao movimento de luta contra

AIDS, já que este é o único artigo que utiliza a ferramenta da produção do sentido nesta

publicação.

Quando analisamos os outros artigos que compõem esta publicação, encontramos

fortemente a concepção freiriana de educação. Percebe-se que a analogia da “educação

bancária” apresentada na obra Pedagogia do Oprimido e fartamente utilizada, ganha,

inclusive, suas versões no campo da AIDS. “Da mesma forma no caso da educação contra o

HIV, quando a informação é depositada no estudante como um recipiente vazio, o estudante

não tem a chance de solucionar problemas.” (Cassese, 2000, p. 43)

Outros autores nesta publicação fazem referência a essa analogia de Freire. Mais

adiante outros “fragmentos” da obra de Freire vão surgindo:

Acredito ser urgente a adoção de um modelo que faça prevenção com o

outro. Que estabeleça um diálogo com ele. Que considere o homem o que ele

é nas palavras de Paulo Freire: “um fazedor, um interferidor que cria, recria,

que está no mundo e com o mundo.” Um modelo que admita que a realidade

é mutável, que está em constante alteração pela ação do homem, que é

contraditória e que é feita de relações. (PINTO, 2000, p. 84)

Page 79: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 76 -

A concepção de educação que prevalece na publicação e, bem provavelmente, no

movimento social de luta contra AIDS, tem forte inspiração na obra de Paulo Freire. Não

identificamos, no entanto, um aprofundamento crítico de tal concepção. As ferramentas

conceituais que sustentam as ações educativas do movimento social de luta contra AIDS

apoiam-se na chamada educação em saúde, por um lado, e na obra de Paulo Freire, por outro.

A concepção de educação em saúde tem suas origens nas campanhas e críticas ao modelo

higienalista implantado no Brasil. Por outro lado, a obra de Freire é incorporada ao arcabouço

teórico e prático do movimento de forma “natural” sem, no entanto, um aprofundamento

crítico. Embora a publicação traga uma nota que considera que muitas publicações não têm

referência bibliográfica por tratar-se de transcrições de palestras, há também textos que têm

referência bibliográfica e que, no corpo, cita Freire, mas omite a obra nas referências.

Ressaltamos que é inegável a contribuição de Freire (1998; 1987) para a educação, em

especial, devido a suas escolhas políticas e a sua contribuição teórica para a chamada

educação crítica. Identificamos, no entanto, uma ausência de aprofundamento teórico sobre

sua obra e a consequente ausência de crítica aos limites e possibilidades de sua contribuição.

Este cenário permite citações diversas a fragmentos de sua obra que vão sendo colados ali e

acolá de modo que, pouco a pouco, vai desaparecendo o autor e vai surgindo uma espécie de

“unanimidade”, isto é, algo que já não tem sua dimensão humana, e com que Freire,

certamente, não concordaria.

No início de nosso estudo, percebemos como o conceito de preconceito é complexo e

mediado por diversas questões. Identificamos também que, devido a nossa condição humana,

todos somos suscetíveis ao preconceito, mais que isso, ele é inerente ao humano.

Demarcamos, ainda, o desejo de identificar o preconceito que produz estigma e

discriminação, procurando identificar quais ferramentas podemos utilizar para enfrentá-lo.

Durante nosso estudo desta publicação, identificamos que o termo preconceito

apareceu várias vezes, mas sem ser explicado ou aprofundado. Encontramos o primeiro

exemplo logo no texto de apresentação do representante da UNESCO. “A questão é a

fragilidade do jovem ante a epidemia, seja por desinformação, preconceito, passividade, seja

mesmo por dúvidas características do desenvolvimento de cada um.” Whertein (2000, p. 11).

(grifo nosso) Nesta afirmação, por exemplo, podemos inferir que o autor refere-se ao

preconceito que produz estigma e discriminação, mas não há um aprofundamento do conceito.

Esta dinâmica repete-se todas as vezes que encontramos o termo preconceito ao longo dos

artigos.

Page 80: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 77 -

Outro aspecto interessante que identificamos é que o termo preconceito é sempre

apresentado como algo ruim e que ou nós enfrentamos em nós mesmos “Temos que

confrontar nossas práticas e nossos preconceitos” Spink (2000, p. 34) ou que é cometido

contra alguém mais fraco. “Também foi investigada a experiência vivida pelos filhos com

relação ao preconceito, segundo a percepção das mães.” Oliveira (2000, p. 58).

Há poucos estudos que buscam compreender o preconceito enquanto um fenômeno

que todos nós humanos vivenciamos. O termo é apresentado como algo dado e, como vimos,

tem diversas facetas. Não podemos, portanto, abrir mão de tentar aprofundar esse fenômeno,

tão presente em nossa sociedade. Mesmo porque Richard Parker já nos alertava desde 1994:

Os estudos sugerem que, futuramente, assim como dever-se-ia dar uma

maior ênfase à abordagem de questões como o preconceito e a discriminação

relacionados a AIDS, talvez se deva conceder maior atenção às atividades

cada vez mais direcionadas à promoção da saúde desenvolvida em menor

escala, para e por comunidades específicas. (PARKER, 1994, p. 111)

Compreendemos que mesmo hoje, mais de 17 anos depois, ainda não damos a ênfase

necessária a questões como o preconceito e o estigma, já que até o momento tem prevalecido

apenas a identificação do aparecimento do fenômeno, abrindo-se mão, assim, de aprofundar a

compreensão desse fenômeno.

3.2 Educação preventiva: teoria e prática

Iniciaremos agora a análise da publicação Educação Preventiva: teoria e prática,

organizada por Teresinha Cristina Reis Pinto e editada em 2009, na cidade de São Paulo, pela

editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann.

O livro tem 141 páginas divididas em duas partes com um total de 17 (dezessete)

artigos. Embora a publicação não seja um produto direto do EDUCAIDS, é inegável a forte

influência desse encontro em toda a produção teórica registrada nesse livro.

Nossa análise desta publicação seguirá o mesmo modelo da publicação anterior, ou

seja, buscaremos a concepção de educação e de preconceito que prevalecem nesse registro.

O termo educação preventiva consolidou-se a partir da adoção pela UNESCO, em

1999, e refere-se a uma educação para prevenção do HIV/AIDS e uso abusivo de drogas.

Logo no primeiro artigo da publicação, assinado pela organizadora do livro, podemos ter uma

ideia do significado atribuído ao referido termo pela autora.

Page 81: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 78 -

Portanto, pensar em lidar com HIV, drogas, sexualidade, violência, entre

outras questões, como parte integrante da prática cotidiana e pedagógica,

mais que uma necessidade da área de saúde para a contenção de epidemias e

agravos à saúde pública, é UMA ESTATÉGIA e condição para implantação

de uma política educacional e prática pedagógica que busca formar cidadãos

em direção à construção de uma sociedade mais justa, solidária e

democrática – entendendo democracia como participação na tomada de

decisões e não direito de voto em eleições oficiais ou não. (PINTO, 2009, p.

12)

A ênfase dada aos termos “estratégia” e “condição” sugere que esse modelo pode ser

interpretado como instrumentalista do que, mais adiante, a autora aponta como diretrizes, ou

seja, “qualidade social da educação, gestão democrática e acesso e permanência.” (Idem). A

autora, no entanto, não se detém explicando sua compreensão dessas diretrizes, seguindo para

o conceito de vulnerabilidade, termo de que apresenta suas dimensões individual, social e

institucional. Durante sua exposição sobre a dimensão social, surgem as categorias gênero e

sexualidade. Mais adiante a autora apresenta os modelos de prevenção que considera

superados até explicitar o modelo que defende.

Defendemos um modelo de prevenção que respeite os saberes, as angústias

valores e limitações tanto de quem o aplica como com quem é aplicado. Um

modelo, como já dissemos em publicações anteriores (Aids e escola:

reflexões e propostas do EDUCAIDS, Cortez, 2000), que faz prevenção

COM o outro e não PARA o outro. Um modelo pautado na concepção

freiriana de Educação e na noção de vulnerabilidade. ( PINTO, 2009, p. 14)

O cerne da concepção de educação da chamada educação preventiva, portanto, é o

conceito de vulnerabilidade, por um lado, e a obra de Paulo Freire, por outro. Identificamos

aqui, no entanto, a mesma lacuna quanto à explicitação desta “concepção freiriana” de

educação. Por outro lado, existe uma preocupação recorrente de explicitar o que vem a ser

vulnerabilidade, como se este conceito estivesse em construção, já a contribuição freiriana é

simplesmente citada sem ser problematizada diante da complexidade da pandemia.Também

aqui fragmentos da obra de Freire são semeados sem a preocupação de indicar a fonte e sem

nenhum esforço de compreensão. “Essa proposta tem como pano de fundo a visão freireana

de educação e as contribuições vindas do campo do Sócio-Construtivismo (...)” Pinto (2009,

p. 66). Mais adiante, a autora detalha o sentido dessa visão “sócio-construtivista”, por meio da

explicitação das contribuições de Vygotsky, no entanto, mais uma vez, a visão freireana não é

discutida.

Nossa análise da concepção de preconceito nesta publicação irá centrar-se no artigo

“Desejos e Diversidades Sexuais: sexualidade e gênero”, de Claúdio M. S. Picazio.

Page 82: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 79 -

Escolhemos este texto porque nele as palavras “preconceito” ou “pré-julgamento”

aparecem por 12 (doze) vezes.

Logo na introdução do artigo, o autor aposta que... “Informações corretas desprovidas

de pré-julgamentos nos levam diretamente à formação de uma ética, que é o princípio básico

da convivência humana.” Picazio (2009, p. 25). Nesta primeira citação, o autor parece apostar

que todo e qualquer pré-julgamento seria produtor de estigma e discriminação, já que mais

adiante o autor qualifica esta ética. “A ética em sexualidade é o respeito pelas diferentes

formas de suas expressões. Com o isso o respeito é consequência tanto para com o outro

como para si.” (Idem). Como podemos perceber, enquanto a ética é explicada e qualificada, o

pré-julgamento apenas mantém uma “aura” negativa. Mais adiante, quando o autor explica

sua visão de sexualidade, encontramos o termo preconceito junto com valores morais.

Faz parte da composição de nossa sexualidade o que entendemos como

masculino e feminino, nosso comportamento diante da vida, o ato sexual em

si, a atração de possuímos por alguém, nossos desejos de felicidade e prazer,

nossos preconceitos e valores morais, nosso corpo e o modo como o vemos.

(PICAZIO, 2009, p. 26)

Há, neste uso, um deslocamento do preconceito como algo, em si, ruim, para algo

próprio do humano.

Na página seguinte, outro uso do termo preconceito; “Reprimimos pensamentos,

desconversamos os assuntos e nos armamos de nosso preconceito para que certas

sexualidades não nos assustem e não nos ameacem em nossas certezas que, muitas vezes, nem

mesmo são nossas de fato.” Idem (p. 27). Aqui, o autor lança uma suspeita contra as

“certezas”, ou seja, não serem nossas, mas impostas pela cultura que nos cerca, nos molda. A

suspeita recai também sobre o preconceito, pois se caem as certezas devem cair também

nossos preconceitos, ou será um desastre como nos aponta Arendt:

O desaparecimento de preconceitos significa simplesmente que perdemos as

respostas em que nos apoiávamos de ordinário sem querer perceber que

originariamente elas constituíam respostas a questões. Uma crise nos obriga

a voltar às questões mesmas e exige respostas novas ou velhas, mas de

qualquer modo julgamentos diretos. Uma crise só se torna um desastre

quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com

preconceitos. (ARENDT, 2009a, p. 223)

Aqui novamente Arendt nos lembra que, querendo ou não, somos reféns de nossos

preconceitos; é a realidade que pode colocá-los em xeque. Muitas vezes, essa realidade é o

outro, alguém que nos ameaça ou nos atrai.

Page 83: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 80 -

Os temas que Picazio (2009) trata em seu artigo são temas sensíveis que se encontram

em constante ebulição em nossa sociedade, requisitando posicionamentos políticos que muitas

vezes sustentam-se em bases morais. O próprio autor posiciona-se ativamente:

Talvez seja importante que as pessoas reflitam sobre seus posicionamentos

no mundo. Será que são as pessoas que têm que se moldar aos padrões ditos

“normais” da sociedade? Ou é a sociedade – nós mesmos –, que tem que

aceitar a diversidade e mudar seus padrões? Não há lugar para especulações

baseadas em conceitos estabelecidos previamente, pois o estudo de temas

mais modernos requer um despojamento maior sobre o que se quer estudar.

Por exemplo, há trinta anos a homossexualidade perdeu seu caráter de

doença. Foi eliminado do Código Internacional de Doenças (CID) e, até

hoje, percebemos pessoas cultas, inteligentes e elevadas vangloriando-se de

seus preconceitos, reafirmando algo que já não é. (PICAZIO, 2009, p. 33)

A base de argumento do autor passa a ser a “ciência”, sustentada nos estudos

“modernos” e médicos. O preconceito aqui seria, mais uma vez, uma espécie de

“obscurantismo.” Embora estejamos filiados aos mesmos posicionamentos políticos do autor

e concordarmos com o mérito de suas conclusões, observamos que seus argumentos

“aproveitam-se” de uma correlação de forças favoráveis. Sabemos, no entanto, que a ciência

pode ser usada para fins diversos, e se há 30 anos não considera a homossexualidade doença,

antes disso legitimava o estigma e a discriminação contra as pessoas homossexuais. Talvez,

naqueles momentos, ser preconceituoso fosse considerar a homossexualidade normal e

rejeitar sua medicalização.

Portanto, não podemos perder de vista o caráter protetor do preconceito que, em outros

casos, nos protege de adesões automáticas e irrefletidas. Foucault, no livro “História da

Sexualidade, a vontade do saber”, fez uma caminhada no sentido contrário do progresso

“cientifico” para descortinar dispositivos muito bem engendrados.

Se é verdade que a “sexualidade” é o conjunto dos efeitos produzidos nos

corpos, nos comportamentos, nas relações sociais, por certos dispositivos

pertencente a uma tecnologia política complexa, deve-se reconhecer que esse

dispositivo não funciona simetricamente lá e cá, e não produz, portanto, os

mesmos efeitos. Portanto, é preciso voltar a formulações há muito tempo

desacreditadas: deve-se dizer que existe uma sexualidade da burguesia, que

existem sexualidades de classe. Ou antes, que a sexualidade é originária e

historicamente burguesa e que induz, em seus deslocamentos sucessivos e

em suas transposições, efeitos de classe específicos. (FOUCAULT, 1988, p.

139)

Compreendemos, portanto, que o estudo do preconceito deve contemplar todas as suas

dimensões, mesmo quando nos interessam apenas a dimensão que produz estigma e

Page 84: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 81 -

discriminação. Esse conceito, no entanto, continua sendo utilizado apenas como algo ruim,

como sinônimo de atraso ou ignorância. Desse modo, sempre que descobrimos um

preconceito, cabe perguntar: a quem serve? Contra o quê se apresenta?

Deve-se empreender um esforço no sentido de desdobrar esse fenômeno, de

descortinar seus segredos, de compreender até que ponto é um veneno e até que ponto é uma

proteção. Neste momento percebemos que o EDUCAIDS, assim como muito provavelmente

o movimento de luta contra a AIDS, conhece apenas o preconceito negativo, aquele que

produz estigma e discriminação, não refletindo que, em muitos casos, ele mesmo produz

preconceitos e que, além disso, há momentos que tal comportamento é inevitável. Como se

em muitas questões, quando diante do preconceito, para parafrasear Finkielkrault apud

Brayner (2008, p. 90)18

, sacamos nosso preconceito.

18

Finkielkrault observou que “houve uma época em que, quando se ouvia a palavra cultura, havia quem quisesse sacar o revólver. Hoje, cada um saca a sua cultura”.

Page 85: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

█ Considerações finais

Page 86: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 83 -

4. Considerações finais

Durante o processo de desenvolvimento de nossa pesquisa, tivemos o objetivo de

analisar os elementos constitutivos do preconceito enquanto fenômeno social produtor de

estigmas e discriminações que podem ser produzidos ou desconstruídos pela educação formal

e não formal. Para isso tentamos aprofundar os conceitos de Educação, preconceito e AIDS,

tendo em vista que escolhemos analisar o preconceito a partir de um recorte da pandemia de

HIV/AIDS, das publicações do EDUCAIDS e do percurso educacional de participantes da

Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS núcleo Pernambuco – RNP+/PE.

Após análise teórica do preconceito, compreendemos que este fenômeno é produzido

através da socialização que acontece através de nossa cultura, sendo assim, aprendido.

O preconceito, no entanto, não é um fenômeno negativo em si, tendo em vista que ele

remete a pré-julgamentos que nos salvam de uma adesão irrefletida a tudo que nos seja

apresentado ou a uma espécie de vigilância constante que foge a nossa capacidade humana.

Compreender o preconceito que, no estágio atual de nossa sociedade, produz estigma e

discriminação contra pessoas devido a questões econômicas, de gênero, racial ou de

identidade sexual, determinando o papel da educação formal e não formal, foi nosso principal

foco ao longo desta pesquisa.

A nossa busca incessante pela verdadeira compreensão de nosso mundo objetivo e

subjetivo começa com nossos pré-julgamentos que nos ajudam a manter a distância necessária

para, em seguida, começarmos a nos livrar deles. A arena política, segundo Arendt (2009b), é

o local onde ocorre a dissipação dos preconceitos, mesmo que possa também alimentá-lo.

Cabe ao processo educativo, portanto, instrumentar as pessoas no pensar, julgar e falar para a

participação plena nesta imensa arena política chamada sociedade de massa.

O contexto enfrentado pelas pessoas soropositivas convoca uma Educação que

descortine estereótipos, que denuncie os estigmas e que ajude a construir diálogos entre as

diferenças em busca de um maior equilíbrio nas relações de poder.

A propaganda governamental aponta a parceria entre governo e sociedade civil na luta

contra AIDS no Brasil como umas das mais bem sucedidas do mundo. A falta de cobertura

total com as intermináveis experiências bem sucedidas que começam como projeto, tornam-se

programa, e às vezes até política governamental, continuam com a estranha peculiaridade de

não atingir a todos que dela necessitam.

Page 87: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 84 -

A parceria entre a sociedade civil e governo federal e estadual que sustentou por

quatorze anos o EDUCAIDS teve o mérito de ampliar a discussão da pandemia de AIDS nas

escolas brasileiras, fortalecendo as ações educativas de prevenção nestes espaços. Esta

política, no entanto, não conseguiu se firmar dentro da política nacional de enfrentamento da

AIDS nem construir parcerias suficientemente fortes na sociedade civil para que não

terminasse.

A herança pedagógica do EDUCAIDS é conhecida como Educação Preventiva. Essa

concepção pedagógica busca reunir as experiências educativas desenvolvidas em várias partes

do Brasil em baixo do guarda-chuva da teoria crítica educacional circunscrita à contribuição

de Paulo Freire. Diversos autores da chamada Educação em Saúde, no geral, e em particular,

no campo da AIDS, citam a contribuição de Freire como a mais decisiva no campo

educacional.

Nas publicações do EDUCAIDS, encontramos diversas citações da obra de Freire,

muitas delas sem apontar a fonte. Observamos que as contribuições desse importante autor

não são problematizadas, muito menos criticadas. Essa ausência de aprofundamento teórico

no campo da Educação não ocorre no conhecimento específico de saúde, onde as

contribuições teóricas são atualizadas por outras.

Essa falta de crítica e atualização da obra de Freire permite que diversas frases,

citações, situações sejam atribuídas ao autor (sem a devida comprovação) de modo que

desaparecem o autor e sua teoria e surge um algo dado, sacro, inquestionável, condenando a

complexa e dinâmica realidade a uma teoria educacional única.

Quando analisamos o percurso educacional das pessoas que vivem com HIV/AIDS da

RNP+/PE, ficam evidentes as marcas dos estigmas e discriminações que as pessoas

entrevistadas carregam antes mesmo de se infectarem com o vírus. Isso ocorre devido à

origem social, de gênero, racial ou à orientação sexual dessas pessoas.

Os próprios números da pandemia de HIV/AIDS apontam para essas discriminações,

em que os mais pobres, as mulheres, as jovens e os jovens homossexuais, além dos

profissionais do sexo e os usuários de drogas, são os mais fortemente atingidos pelo

HIV/AIDS no mundo.

Diferentemente do que pode parecer, muitas pessoas atingidas pela AIDS, ao serem

acessadas pelas organizações não governamentais, melhoram de vida porque passam a

pertencer a um grupo e são defendidos por instituições e pelo próprio movimento social.

A Educação não deixa de ser em si uma espécie de “pré-julgamento” do mundo em

movimento. É a partir da Educação que entronamos e derrubamos conhecimentos conforme

Page 88: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 85 -

vamos nos apropriando da realidade que nos envolve. Apenas em conjunto com outros

homens e mulheres na arena política é que dissipamos preconceitos para nos agarrar a ideias

que mais adiante podem dissipar-se novamente ou não, a depender de nossa atuação política

na arena social. Aos seres humanos, no entanto, cabe a dimensão preciosa que os torna

únicos, ou seja, a imprevisibilidade latente que o processo educacional tenta domar.

Page 89: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 86 -

█ Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Vanessa Sievers de. Educação em Hannah Arendt: entre o mundo deserto e o

amor ao mundo. São Paulo: Cortez, 2011.

AQUINO, Julio Groppa. (Org.) Diferenças e preconceito na Escola: alternativas teóricas e

práticas. Summus editorial, 1998.

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal.

Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

______. Responsabilidade e Julgamento. Edição Jerome Kohn. Tradução Rosaura

Einchenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

______. Homens em Tempos Sombrios. Tradução de Bottmann. São Paulo: Companhia das

Letras, 2008.

______. Entre o passado e o futuro. Tradução de Mauro W. Barbosa. São Paulo:

Perspectiva, 2009a.

______. O que é Política. Edição Ursula Ludz. Tradução de Reinaldo Guarani. 8ª Edição.

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009b.

______. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2010.

AYRES, José Ricardo de Carvalho Mesquita. Cidadania Vulnerabilidade e Prevenção de

HIV/AIDS. In PINTO, Teresinha; TELLES, Izabel da Silva. (orgs.). AIDS e escola: reflexões

e propostas do EDUCAIDS. São Paulo: Cortez; Pernambuco: UNICEF, 2000.

AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos: relações de gênero na Escola. São Paulo:

Contexto, 2006.

AZERÊDO, Sandra. Preconceito contra a mulher: diferenças, poemas e corpos. 2ª ed. São

Paulo: Cortez, 2011.

BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. 14ª ed. São Paulo: Edições

Loyola, 2002.

BEZERRA, Nielson da Silva. DANTAS, Silvia Marques. Educação Inclusiva: não sexista,

anti-racista e não-homofóbica. In BEZERRA, Nielson da Silva. (Org.) Respeitando as

Diferenças no Espaço Escolar. Recife: Gestos, 2007. p. 21-40.

BEZERRA, Nielson da Silva. (Org.) Respeitando as Diferenças no Espaço Escolar. Recife:

Gestos, 2007.

______. Os preconceitos que se materializam nas histórias de vida de Estudantes Jovens

e Adultos: que educação é essa? Monografia de conclusão do curso de pós-graduação lato

Page 90: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 87 -

senso em Globalização, Multiculturalidade e Educação de Jovens e Adultos. NUPEP – CE –

UFPE, 2009.

BRAYNER, Flávio. Ensaios de crítica pedagógica. Campinas, SP: Autores Associados, 1995.

______. Educação e Republicanismo: experimentos arendtianos para uma educação melhor.

Brasília: Liber Livro editora, 2008.

______. Fundamentos da Educação: crise e reconstrução. Ensaio apresentado ao Concurso

Público para provimento do cargo de Professor Titular da Universidade Federal de

Pernambuco. Recife, 2010.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:

introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.

______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística – IBGE. Estudos e Pesquisas. Informações Demográficas e Socioeconômica

número 27. Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das Condições de Vida da

População Brasileira. Rio de Janeiro, 2010.

______. Ministério da Saúde. Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Boletim

Epidemiológico AIDS-DST. Versão Preliminar. Ano VIII nº 01. 26ª a 52ª semanas

epidemiológicas – julho a dezembro de 2010. 01ª a 26ª semanas epidemiológicas – janeiro a

junho de 2011. Brasília, 2011a.

______. Ministério da Saúde. Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Resumo

analítico. Boletim Epidemiológico AIDS-DST. Versão Preliminar. Ano VIII nº 01. 26ª a 52ª

semanas epidemiológicas – julho a dezembro de 2010. 01ª a 26ª semanas epidemiológicas –

janeiro a junho de 2011. Brasília, 2011b.

CÂMARA, Cidinalva Silva. O Começo e o fim do mundo: estigma e exclusão social de

internos da colônia do Bom Fim. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em

Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. São Luís, 2009.

CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1982.

COLL, César. JESÚS, Álvaro Marchesi. Desenvolvimento psicológico e educação. Palacios

- 2ª ed. - Porto Alegre: ArtMed, 2004.

CROCHÍK, José Leon. Preconceito, Indivíduo e Cultura. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2006.

______. (Org.) Perspectivas Teóricas acerca do preconceito. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2008.

______. O conceito de preconceito e a Perspectiva da Teoria Crítica. In CROCHÍK, José Leon

(Org.). Perspectivas teóricas acerca do preconceito. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2008.

CUBERO, Rosário. LUQUE, Alfonso. Desenvolvimento, educação e educação escolar: a

teoria sociocultural do desenvolvimento e da aprendizagem. In COLL, César; MARCHESI,

Álvaro; PALÁCIOS, Jesús. Desenvolvimento psicológico e educação. 2. ed. Porto

Alegre: ArtMed, 2004. p. 94-106.

Page 91: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 88 -

DANTAS, Silvia Marques & ROCHA, Solange. Igualdade de gênero e HIV/AIDS: uma

política por construir. Brasília, UNIFEM, 2003.

DÓRIA, Antonio Sampaio. O preconceito em foco: análise de obras literárias infanto-

juvenis; reflexões sobre história e cultura. São Paulo: Paulinas, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra. 1987.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e

Terra. 1998.

______. Política e educação: ensaios, 5ª ed. São Paulo, Cortez, 2001.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro:

Edições Graal, 1984.

______. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I: traços fundamentais de uma hermenêutica

filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. PIERRO, Maria Clara Di. preconceito contra o

Analfabeto. São Paulo, Cortez, 2007.

GIRARDON-PERLINI, Nara Marilene Oliveira. Cuidando para manter o mundo da

família amparado: a experiência da família rural frente ao câncer. Tese. (Doutorado em

Enfermagem) São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Enfermagem – Universidade de

São Paulo, 2009.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de

Janeiro: editora Guanabara, 1988.

HERINGER, Rosana. Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios no

campo das políticas públicas. Cadernos de Saúde Pública. Nº 18 (suplemento) p. 57-65, 2002.

MADUREIRA, Ana Flávia do Amaral. BRANCO, Angela Maria Cristina Uchôa de Abreu.

Identidades Sexuais Não-hegemônicas: Processos Identitários e Estratégias para Lidar com o

preconceito. Psicologia: Teoria e Pesquisa. vol. 23, nº 1 pp.81-90, jan-mar, 2007.

MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. 5ª

ed. São Paulo. Editora Cortez, 1996.

MELLO, Sylvia Leser de. A Palavra, o preconceito e o Pensamento: Introdução ao problema

do juízo e da consciência em Hannah Arendt. In CROCHÍK, José Leon. 2008. Perspectivas

teóricas acerca do preconceito. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2008.

MOHR, Adriana. SCHALL, Virginia T. Rumos da Educação em Saúde no Brasil e sua

Relação com a Educação Ambiental. Cadernos de Saúde Pública do Rio de Janeiro. 8 (2)

199-203, abr/jun, 1992.

Page 92: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 89 -

MUKHERJEE, Siddhartha. Emperor of all Maladies: a Biography of cancer. Simon &

Schuster, 2010.

NIIMI, Reiko. Apresentação. In PINTO, Teresinha. TELLES, Izabel da Silva. (orgs.). AIDS e

escola: reflexões e propostas do EDUCAIDS. São Paulo: Cortez; Pernambuco: UNICEF,

2000. Páginas 9-10.

OMS. ONUSIDA. UNICEF. Hacia el Acesso Universal: expansion de las intervenciones

prioritárias contra el VIH/SIDA em el sector de la salud. Informe sobre los progressos

realizados. 2010.

ONU. Declaração de compromisso sobre o VIH/SIDA. Sessão extraordinária da

Assembléia Geral sobre VIH/SIDA 25-27 de junho de 2001.

PARKER, Richard. AGGLETON, Peter. Estigma, discriminação e AIDS. Coleção ABIA.

Cidadania e Direitos, Nº 1. Associação brasileira Interdisciplinar de AIDS. Rio de Janeiro, 2001.

PARKER, Richard Guy. A construção da solidariedade: AIDS, sexualidade e política no

Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: ABIA:IMS, UERJ, 1994.

______. Na contramão da AIDS: sexualidade, intervenção, política. Rio de Janeiro: ABIA;

São Paulo: Editora 34, 2000.

PIMENTA, Ana Teresa Mancini. Geoepidemiologia da co-morbidade AIDS/Tuberculose

no Estado de São Paulo – Brasil – 1996 a 2005. Dissertação de Mestrado da Faculdade de

Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. 2008.

PINSKY, Jaime. (org.) 12 faces do preconceito. 10ª edição. São Paulo: Contexto, 2011.

PINTO, Teresinha. TELLES, Izabel da Silva. (orgs.). AIDS e escola: reflexões e propostas do

EDUCAIDS. São Paulo: Cortez; Pernambuco: UNICEF, 2000.

PINTO, Teresinha Cristina Reis. (org.) Educação preventiva: teoria e prática. São Paulo:

Editora Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2009.

PINTO, Teresinha. Por um modelo “Libertador”. In PINTO, Teresinha. TELLES, Izabel da

Silva. (orgs.). AIDS e escola: reflexões e propostas do EDUCAIDS. São Paulo: Cortez;

Pernambuco: UNICEF, 2000. Páginas 83-86.

POZO, Juan Ignácio. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

REGO, Teresa Cristina R. Educação, cultura e desenvolvimento: o que pensam os professores

sobre as diferenças individuais. In AQUINO, Julio Groppa. (Org.) Diferenças e preconceito

na Escola: alternativas teóricas e práticas. Summus editorial, p. 49-71, 1998.

ROSEMBERGUE, Ana Margarida Furtado Arruda. Guerra à peste branca: Clemente

Ferreira e a liga paulista contra a tuberculose. 1889-1947. Dissertação de mestrado do

Programa de Pós Graduação em História Social. Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo. 2008.

Page 93: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 90 -

SARTRE, Jean-Paul. A infância de um chefe. In SARTRE, Jean-Paul. O muro. São Paulo:

Círculo do Livro, 1986.

______. A Questão Judaica. São Paulo: Editora Ática, 1995.

SCHMIDT, Maria Luisa Sandoval. Tudo Menos Homem: Retrato do preconceituoso segundo

Jean-Paul Sartre. In CROCHÍK, José Leon. (org.) 2008. Perspectivas Teóricas acerca do

preconceito. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2008.

SOUZA, João Francisco de. Atualidade de Paulo Freire: contribuição ao debate sobre a

educação na diversidade cultural. São Paulo: Cortez, 2002.

SPINK, Mary Jane P. Da Vulnerabilidade Feminina Diante das DST/AIDS. In PINTO,

Teresinha. TELLES, Izabel da Silva. (orgs.). AIDS e escola: reflexões e propostas do

EDUCAIDS. São Paulo: Cortez; Pernambuco: UNICEF, 2000. pp. 29-34.

VILLELA, Wilza Vieira. MENESES, Josineide. LIMA, Glaudston. Duas Caras de uma

mesma Realidade: Violência contra as Mulheres e a Feminilização do HIV/AIDS no

MERCOSUL. In NILO, Alessandra. MENESES, Josineide. LIMA, Glaudston. Duras Caras

de uma Mesma Realidade: A violência contra as Mulheres e o HIV/AIDS Uma

aproximação Quantitativa e Qualitativa. Capítulo Brasil. Recife, Gestos, 2010.

VYGOTSKI, L. S. A formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos

psicológicos superiores. Capítulo 6 Interação entre aprendizado e desenvolvimento. São

Paulo: Martins Fontes, 1998.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2011: os jovens no Brasil. São Paulo:

Instituto Sangari; Brasília, DF: Ministério da Justiça, 2011.

WHERTEIN, Jorge. A UNESCO e o EDUCAIDS. In PINTO, Teresinha. TELLES, Izabel da

Silva. (orgs.). AIDS e escola: reflexões e propostas do EDUCAIDS. São Paulo: Cortez;

Pernambuco: UNICEF, 2000. pp.11-12.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global Tuberculosis Control. WHO Report, 2010.

Page 94: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 91 -

█ Anexos

6.1 ANEXO 1 – QUESTIONÁRIO DAS PESSOAS SOROPOSITIVAS

Universidade Federal de Pernambuco

Programa de Pós-Graduação em Educação Mestrado e Doutorado

Centro de Educação Campus Universitário

Cidade Universitária Recife-PE/BR CEP:

50.670-901 Fone/Fax: (81) 2126-8327

/ 2126-8334 www.ufpe.br/ppgedu

[email protected]

PESQUISA DE MESTRADO DO NÚLEO DE TEORIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO.

MESTRANDO – NIELSON DA SILVA BEZERRA

ORIENTADOR – PROF. DR. FLÁVIO HENRIQUE ALBERT BRAYNER.

A presente pesquisa tem por objetivo investigar a repercussão do preconceito no percurso educacional de

pessoas que vivem com HIV/AIDS.

1. DADOS PESSOAIS

1.1 DATA DE NASCIMENTO __________ IDADE __________

1.2 GÊNERO

( ) FEMININO ( ) MASCULINO ( ) OUTRO __________

1.3 RAÇA/COR

( ) NEGRA ( ) AMARELA ( ) BRANCA ( ) INDÍGINA

( ) PARDA ( ) OUTRA, QUAL? __________

1.4 ORIENTAÇÃO SEXUAL (PARA ONDE SEU DESEJO SE ORIENTA)

( ) HETEROSSEXUAL ( ) HOMOSSEXUAL ( ) BISSEXUAL

1.5 IDENTIDADE SEXUAL (COMO VOCÊ SE VÊ)

( ) MULHER ( ) GAY ( ) TRANSEXUAL

( ) LÉSBICA ( ) TRAVESTIS ( ) OUTRO __________

( ) HOMEM ( ) HSH

1.6 ESTADO CIVIL

( ) CASADO ( ) SOLTEIRO ( ) UNIÃO ESTÁVEL

2. DADOS ECONÔMICOS

2.1 RENDA MENSAL FAMILIAR ____________________

Page 95: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 92 -

2.1.1 TIPO DE FONTES - ASSINALAR OS ITENS QUE COMPÕEM A RENDA FAMILIAR.

( ) TRABALHO FORMAL ( ) TRABALHO INFORMAL

( ) PROGRAMAS SOCIAIS ( ) BENEFICIO DO INSS

( ) OUTRO __________

2.1.2 QUANTAS PESSOAS TRABALHAM NA FAMÍLIA? __________

2.1.3 QUANTAS PESSOAS MORAM NA MESMA CASA? __________

3. DADOS EDUCACIONAIS

3.1 ESCOLARIDADE

( ) FUNDAMENTAL INCOMPLETO QUAL SÉRIE? __________

( ) FUNDAMENTAL COMPLETO

( ) ENSINO MÉDIO INCOMPLETO, QUAL A SÉRIE? __________

( ) ENSINO MÉDIO

( ) ENSINO SUPERIOR, QUAL O CURSO? ____________________

( ) PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSO

( ) MESTRADO

( ) DOUTORADO

3.1.1 REDES DE SUA FORMAÇÃO ESCOLAR

( ) TOTALMENTE PÚBLICA ( ) TOTALMENTE PRIVADA

( ) PRIVADA COM BOLSA DE ESTUDO

( ) MISTA, SENDO ___ ANOS PÚBLICA, E ___ ANOS PRIVADA

( ) MISTA, SENDO ___ ANOS PÚBLICA, E ___ ANOS PRIVADA COM BOLSA

3.2. ESTUDA EM ALGUMA ESCOLA ATUALMENTE?

( ) SIM ( ) NÃO

3.2.1 CASO ESTUDE ATUALMENTE A ESCOLA É

( ) PÚBLICA ( ) PRIVADA

( ) PRIVADA COM BOLSA

3.2.2 QUAL É O CURSO QUE VOCÊ FAZ ATUALMENTE? __________

3.2.3 QUAL A SÉRIE/PERÍODO/ANO? __________

3.3 VOCÊ JÁ PAROU DE ESTUDAR ALGUMA VEZ?

( ) SIM ( ) NÃO

3.3.1 QUAL ERA SUA SÉRIE? __________

3.3.2 PORQUE VOCÊ PAROU DE ESTUDAR NESTE MOMENTO?

( ) TRABALHO ( ) DESINTERESSE ( ) CANSAÇO

( ) ESCOLA DESMOTIVANTE ( ) SENTIU-SE DISCRIMINADO

( ) PROFESSOR DESMOTIVANTE ( ) VIOLÊNCIA NA ESCOLA

( ) CUIDAR DE ALGUÉM ( ) FOI IMPEDIDO POR ALGUÉM

( ) OUTRA, QUAL? ____________________

3.4 PENSANDO EM SUA VIDA, QUAL TEM SIDO A CONTRIBUIÇÃO QUE A EDUCAÇÃO ESCOLAR

TEM DADO?

___________________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________

Page 96: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 93 -

___________________________________________________________________________________

4. PERGUNTAS SOBRE PRECONCEITO

4.1 VOCÊ JÁ SE SENTIU VÍTIMA DO PRECONCEITO ALGUMA VEZ?

( ) NÃO ( ) SIM

4.1.1 CASO TENHA RESPONDIDO SIM, ASSINALE A QUANTIDADE

( ) UMA ( ) DUAS ( ) ALGUMAS ( ) MUITAS

4.1.2 CASO TENHA SOFRIDO PRECONCEITO, CONTE O MAIS MARCANTE

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

4.2 VOCÊ JÁ SE SENTIU VÍTIMA DE PRECONCEITO NA ESCOLA?

( ) SIM ( ) NÃO

4.2.1 CASO TENHA RESPONDIDO SIM, ASSINALE A QUANTIDADE

( ) UMA ( ) DUAS ( ) ALGUMAS ( ) MUITAS

4.2.2 CASO TENHA SOFRIDO PRECONCEITO NA ESCOLA, CONTE O MAIS MARCANTE

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

4.2.3 CASO TENHA SOFRIDO PRECONCEITO NA ESCOLA, ASSINALE A ALTERNATIVA

QUE INDIQUE A POSIÇÃO DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR NESTE CASO?

( ) AGIU DE UM MODO ADEQUADO, RESOLVENDO O OCORRIDO

( ) FOI INDIFERENTE

( ) AGIU DE UM MODO QUE PIOROU O FATO GERADOR DO PRECONEITO

( ) AGIU DE UM MODO QUE FEZ VOCÊ SE SENTIR CULPADO

( ) AGIU DE UM MODO INADEQUADO

( ) OUTRA RESPOSTA, QUAL? _______________________________

ESPECIFIQUE SUA RESPOSTA

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

4.3 VOCÊ JÁ SENTIU PRECONCEITO CONTRA ALGUÉM?

( ) SIM ( ) NÃO

4.3.1 CASO TENHA RESPONDIDO SIM, ASSINALE A QUANTIDADE

( ) UMA ( ) DUAS ( ) ALGUMAS ( ) MUITAS

4.3.2 CASO TENHA COMETIDO PRECONCEITO, CONTE AQUELE QUE VOCÊ ACHA MAIS

MARCANTE

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

Page 97: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 94 -

5. PERGUNTAS SOBRE AIDS

5.1 A AIDS AFETOU DE ALGUM MODO SUA VIDA ESCOLAR?

( ) NÃO ( ) SIM

5.1.1 CASO TENHA RESPONDIDO SIM ANTERIORMENTE, ASSINALE AS ALTERNATIVAS

QUE EXPLICAM MELHOR COMO A AIDS AFETOU SEUS ESTUDOS

( ) FICOU COM MAIS VONTADE DE ESTUDAR

( ) AFASTOU-SE DOS ESTUDOS POR MEDO QUE DESCOBRISSEM SUA SOROLOGIA.

( ) VOLTOU A ESTUDAR

( ) PAROU DE ESTUDAR PARA CUIDAR DA SUA SAÚDE

( ) FICOU COM O EMOCIONAL FRÁGIL SEM CONDIÇÕES DE ESTUDAR.

( ) OUTRA, QUAL? ________________________________

5.1.2 EXPLIQUE SUA RESPOSTA

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

5.2 A AIDS AFETOU DE ALGUM MODO SUA OPINIÃO SOBRE O PRECONCEITO?

( ) NÃO ( ) SIM

5.2.1 JUSTIFIQUE SUA RESPOSTA

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

5.3 HÁ QUANTO TEMPO VOCÊ PARTICIPA DA RNP+PE?

( ) MENOS DE 1 ANO

( ) ENTRE 1 E 2 ANOS

( ) ENTRE 2 E 4 ANOS

( ) ENTRE 4 E 6 ANOS

( ) MAIS DE 6 ANOS

5.3.1 PORQUE VOCÊ PARTICIPA DA RNP+/PE? (PODE MARCAR MAIS DE UMA

RESPOSTA)

( ) ESPAÇO DE MOBILIZAÇÃO POLÍTICA DE LUTA CONTRA A AIDS

( ) BUSCA AJUDA

( ) PARTICIPA, MAS NÃO ACREDITA EM GRANDES MUDANÇAS

( ) ENCONTRAR OUTRAS PESSOAS COM AIDS

( ) FALAR SOBRE AIDS COM OUTRAS PESSOAS SEM PRECONCEITO

( ) OUTRA RESPOSTA, QUAL?______________________________________

5.3.2 JUSTIFIQUE SUA RESPOSTA

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

Page 98: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 95 -

5.4 MARQUE TODOS OS EVENTOS/PROJETOS QUE VOCÊ CONHECE NO MOVIMENTO DE

LUTA CONTRA AIDS.

( ) ENONG ( ) EDUCAIDS ( ) VIVENDO

( ) ERONG ( ) SPE ( ) 1ª DE DEZEMBRO

5.4.1 MARQUE TODOS OS ENCONTROS/PROJETOS DE QUE VOCÊ JÁ PARTICIPOU

( ) ENONG ( ) EDUCAIDS ( ) VIVENDO

( ) ERONG ( ) SPE ( ) 1ª DE DEZEMBRO

5.4.2 ENTRE OS PROJETOS/ENCONTROS QUE VOCÊ JÁ PARTICIPOU, QUAL VOCÊ

CONSIDERA MAIS IMPORTANTE? ______________________________________________

JUSTIFIQUE SUA RESPOSTA

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

Page 99: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO da... · Às pessoas que concretizam a Gestos em minha vida por meio de nossas escolhas políticas e gestos de amor mundi: Silvia Marques

- 96 -