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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL CECÍ MARIA MENEZES DO NASCIMENTO E MEDEIROS FLAMIA O ACESSO DE ESTRANGEIROS AO SUS CORUMBÁ MS AGOSTO 2018

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS … · DIREITOS HUMANOS E PROTEÇÃO DO ESTRANGEIRO ----- 34 5.1 Previsões Normativas ----- 38 6. DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL

CECÍ MARIA MENEZES DO NASCIMENTO E MEDEIROS FLAMIA

O ACESSO DE ESTRANGEIROS AO SUS

CORUMBÁ – MS AGOSTO – 2018

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O ACESSO DE ESTRANGEIROS AO SUS

CECÍ MARIA MENEZES DO NASCIMENTO E MEDEIROS FLAMIA Orientador: Antônio Firmino de Oliveira Neto Linha de Pesquisa: Desenvolvimento, ordenamento territorial e meio ambiente Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito para a obtenção do título de Mestre.

CORUMBÁ – MS AGOSTO – 2018

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CECÍ MARIA MENEZES DO NASCIMENTO E MEDEIROS FLAMIA

O ACESSO DE ESTRANGEIROS AO SUS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito para a obtenção do título de Mestre. Aprovada em ____/____/______, com Conceito ________________. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Antônio Firmino de Oliveira Neto (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) ___________________________________________________________ Prof. Dr. Nelson Marisco (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) ___________________________________________________________ Prof. Dr. Milton Augusto Pasquotto Mariani (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) ___________________________________________________________ Prof. Dr. Izac de Oliveira Belino Bonfim (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul)

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Dedico este trabalho a todos àqueles que não desistiram de sonhar, buscando transformar seus

sonhos em realidade, na construção de um mundo melhor.

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AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos:

A Deus, por me conceder a oportunidade de fazer esse curso, por me acolher

nas horas de angústia e continuar me sustentando em toda a minha caminhada.

À Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, que torna concreto o ideal de

um ensino gratuito e de qualidade.

Ao Professor e orientador Antônio Firmino Neto, pela confiança e por todo o

apoio em desenvolver esse tema.

À minha família, por tão bem me compreender, em especial ao meu marido,

pelo companheirismo e incentivo a todo momento.

Aos colegas do mestrado pelos momentos de convivência, de amizade,

discussões e trocas de conhecimentos e ideias, sempre prontos a ajudar no que

fosse possível.

E por fim, a todos que direta e indiretamente contribuíram para a realização

desta pesquisa. Muito obrigada! O mérito também é de vocês.

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LISTA DE ABREVIATURAS CF – Constituição Federal CGSNT - Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes CIS - Centro Integrado de Saúde CNIg - Conselho Nacional de Imigração CPC – Código de Processo Civil CPF - Cadastro da Pessoa Física DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos DPU – Defensoria Pública da União INCA – Instituto Nacional de Câncer LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social LOS - Lei Orgânica da Saúde PL - Projeto de Lei MERCOSUL – Mercado Comum do Sul MPF – Ministério Público Federal NAT - Núcleo de Assistência Técnica ONU - Organização das Nações Unidas OMS - Organização Mundial de Saúde REREME - Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea RENAME - Relação Nacional de Medicamentos Essenciais SIS - Fronteiras Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras SISREG - Sistema de Regulação de Vagas STF – Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça SUS - Sistema Único de Saúde TRF – Tribunal Regional Federal UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul UTI - Unidade de Tratamento Intensivo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------------- 09

1. O ESPAÇO FRONTEIRIÇO: UMA ÁREA DE PARTICULARIDADES -----------12

2. CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO ------------------------------------------- 18

3. DIREITO À SAÚDE ---------------------------------------------------------------------------- 24

4. O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS ------------------------------------------------- 30

5. DIREITOS HUMANOS E PROTEÇÃO DO ESTRANGEIRO ----------------------- 34

5.1 Previsões Normativas ------------------------------------------------------------------ 38

6. DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS ESTRANGEIROS NO ACESSO AO

SUS ------------------------------------------------------------------------------------------------ 43

6.1 Como os Tribunais Brasileiros têm decidido sobre essa temática ----- 47

7. PROPOSTA DE AÇÃO -----------------------------------------------------------------------68

CONSIDERAÇÕES FINAIS--------------------------------------------------------------------- 70

BIBLIOGRAFIA ----------------------------------------------------------------------------------- 72

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RESUMO

O presente estudo trata do direito do estrangeiro ao Sistema Único de Saúde (SUS), e em que medida ele tem esse direito. Inicialmente são apresentadas as particularidades de um espaço fronteiriço. Esse trabalho leva a concluir que os estrangeiros fazem jus ao direito de acesso ao SUS, em casos de urgência e emergência, bem como a determinados tratamentos como o transplante, conforme jurisprudência colacionada. Demonstra-se que o princípio da dignidade da pessoa humana é consagrado em nosso ordenamento jurídico, sendo a principal base para a garantia do acesso à saúde. Trata acerca das dificuldades enfrentadas pelos estrangeiros na busca por esse direito. Por fim, cita-se a audiência pública realizada na cidade de Corumbá/MS, que abordou a migração haitiana. Palavras-chave: 1.Estrangeiro. 2.Fronteira. 3.Saúde.

ABSTRACT

This study deals with the right of the citizen in relation to SUS. Initially it is presented as peculiarities of a frontier space. This work carries out external subjects are entitled to the right of access to the SUS, in cases of urgency and emergency, as well as from procedures such as transplantation, according to collated jurisprudence. It is demonstrated that the principle of the dignity of the human person is enshrined in its legal system, being a main basis for a guarantee of access to health. It deals with the difficulties faced by foreigners in the search for this right. Finally, a public hearing was held in the city of Corumbá / MS, which adressed Haitian migration.

Key – Words: 1.Border. 2. Foreign. 3. Health

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INTRODUÇÃO

O município de Corumbá, no Estado de Mato Grosso do Sul, faz fronteira

com a Bolívia e com o Paraguai, e como é rotineiro em espaço fronteiriço, é intensa

a circulação de pessoas, mercadorias e serviços. Ademais, a busca por serviços

públicos por parte de estrangeiros é sobremaneira maior, em razão das diferenças

econômicas entre os países vizinhos, a proximidade a centros de atendimentos,

além da oferta gratuita de serviços como a educação e a saúde.

O espaço fronteiriço, diversamente do que muitos imaginam, é algo mais

do que um traço delimitatório. Há inúmeras condições que o permeiam, como a

mobilidade de pessoas, serviços, produtos, etc. Em um local de fronteira há uma

dinâmica distinta, ímpar entre os indivíduos que ali convivem, para além da junção

de duas ou mais culturas próprias, como o nascimento de uma nova cultura, imbuída

de características próprias. Tal fato provoca um embate entre soberania e ordem

social, além dos meios de controle social. Para DORFMAN E ROSÉS (2005. p.

196), o espaço fronteiriço delimita os países, sem, no entanto, torna-los estanques,

tendo em vista que o fluxo de pessoas, objetos e informações ultrapassam

rotineiramente o limite, conforme se expõe:

A fronteira é uma característica de qualquer objeto ou fenômeno, cuja existência possua extensão e fim. O fim, ou fronteira, representará também contato, caso haja um objeto ou fenômeno de igual natureza adjacente ao primeiro. (...). Fronteira é o espaço onde se entrelaçam as influências dos estados em contato. Atividades econômicas, sociais e culturais aí se encontram, criando práticas compartilhadas que podem construir uma identidade fronteiriça.

Nas fronteiras, há uma interação dos sistemas políticos, monetários,

cultural e jurídico diversos, os quais convivem cotidianamente, reiteradas vezes

gerando conflitos e discussões, havendo a necessidade de políticas próprias

voltadas a tais espaços. Desse modo, a fronteira é, para além de um lugar

cartográfico, a constituição de sujeitos enquanto produtores da sua própria dinâmica.

Há, assim, a fronteira e o sujeito fronteiriço, transpassando uma relação meramente

de local, e sim na relação fronteira e fronteiriço. As regiões fronteiriças possuem

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dinâmicas próprias, que desafiam o dogma da soberania e da ordem nacional, bem

como seus mecanismos de controle (OLIVEIRA, 2011).

Desta feita, para que se viabilizem condições melhores, é necessário

considerar a fronteira como um local de especificidades, o qual requer mais atenção

para que logrem êxito. É preciso planejamento e coordenação conjunta entre os

países que dividem fronteiras para que se possa realizar efetivamente o atendimento

àquela população, independentemente de sua nacionalidade.

O ordenamento jurídico nacional abrange princípios como o dos Direitos

Humanos, da Solidariedade e da Dignidade da Pessoa Humana, os quais devem ser

atendidos, sem discriminação de qualquer natureza. Não é outro o entendimento

esposado por Francisco Rezek (2008, p. 194), conforme se vê a seguir:

A qualquer estrangeiro encontrável em seu território – mesmo que na mais fugaz das situações, na zona de trânsito de um aeroporto – deve o Estado proporcionar a garantia de certos direitos elementares da pessoa humana: a vida, a integridade física, a prerrogativa eventual de peticionar administrativamente ou requerer em juízo, o tratamento isonômico em relação a pessoas de idêntico estatuto. É possível afirmar, à luz de um quadro comparativo, que na maioria dos países a lei costuma reconhecer aos estrangeiros, mesmo quando temporários, o gozo dos direitos civis – com poucas exceções.

Nesse trabalho, consigna-se que um fenômeno que se tem constatado é o

aumento do fluxo de imigrantes que tentam adentrar ao país sem a documentação

necessária, com alegações de busca de condições melhores de vida, como é o caso

dos haitianos.

Abordam-se, ademais, conceitos acerca do Sistema Único de Saúde (SUS),

que é o mecanismo pelo qual o Estado brasileiro aplica as políticas públicas na

concretização do direito à saúde, que se estabelece como um dos maiores

sistemas públicos de saúde do mundo. O SUS proporciona desde um simples

atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, permitindo acesso de

brasileiros e estrangeiros que estejam no Brasil.

Assim, tem-se por objetivo estudar o conceito do direito à saúde e processos

judiciais acerca do acesso de estrangeiro ao SUS, para melhor conhecer obstáculos

à promoção do direito à saúde, prospectar seus resultados negativos e subsidiar a

formulação de políticas para a melhoria da vida e garantia de direitos sociais e de

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saúde aos estrangeiros, garantindo uma vida digna aos indivíduos,

independentemente de sua nacionalidade.

Para tanto, buscou-se uma metodologia de pesquisa bibliográfica –

embasada em livros essencialmente jurídicos - e de análise documental, por meio de

pesquisa a processos judiciais.

Como proposta de ação, este trabalho não busca a satisfação de todos os

males existentes sobre esse tema, mas a compreensão e coleta de dados sobre as

dificuldades enfrentadas pelos estrangeiros no acesso ao SUS, servindo de base

para pesquisas nessa seara.

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1. O ESPAÇO FRONTEIRIÇO: UMA ÁREA DE PARTICULARIDADES

Inicialmente, é necessária a compreensão cognitiva de fronteira (aqui estudada

na seara meramente geográfica e política), como um elemento territorial perquirido e

as peculiaridades que o cercam. Em uma conceituação de fronteira, trazida por

Foucher (2009, p. 22), “as fronteiras são descontinuidades territoriais, com a função

de marcação política”. A fronteira implica diplomacia, acordos políticos,

nacionalismo, poder estatal soberano aplicado a um território, um espaço geográfico

receptor de uma deliberação político-jurídico-administrativa de um Estado.

Assevera Cataia (2011, p. 13), que: “as fronteiras não existem sem o território

político, bem como sua existência também é condicionada pela figura do Estado

territorial”. Ademais, Costa (2009.p. 66) ressalta a polissemia da terminologia

“fronteira”, ao afirmar:

Em relação à fronteira, existe muita confusão em torno do conceito pelo fato desta palavra ter assumido certa polissemia que lhe foi imposta, fundamentalmente na língua portuguesa. Faz-se uso desse termo para descrever e representar vários elementos geográficos ou não, já que o mesmo faz alusão ao distante, ao desconhecido. Utiliza-se a palavra para adjetivar alguns aspectos muito diversos, tais como: fronteira do conhecimento, agrícola, do universo, da ciência, internacional, do capital, dentre outros. E quando se refere à fronteira internacional, ainda assim, ao longo dos tempos se produziu uma profusão de ideias e noções.

A fronteira pressupõe a difícil empreitada de conceituar a partir da experiência

espiritual de apreensão de sua acepção. É composta de diversas nuances e

sentidos, vez que perpassa tanto o campo técnico-geográfico, quanto à metáfora,

referindo-se a espaços físicos distintos, a barreiras psicológicas, a quadrantes

cognitivos antagônicos, a ideias, a contornos determinados de coletividades social,

econômica, ideológica e etnicamente diversos.

O espaço fronteiriço, diversamente do que muitos imaginam, é algo mais do

que um traço delimitatório. Há inúmeras condições que a permeia, como a

mobilidade de pessoas, serviços, produtos. Em um local de fronteira há uma

dinâmica distinta, ímpar entre os indivíduos que ali convivem, para além da junção

de duas ou mais culturas próprias, o nascimento de uma nova cultura, imbuída de

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características próprias. Tal fato provoca um embate entre soberania e ordem social,

além dos meios de controle social. Para Dorfman e Rosés (2005. P. 196), o espaço

fronteiriço delimita os países, sem, no entanto, torna-los estanques, tendo em vista

que o fluxo de pessoas, objetos e informações ultrapassam rotineiramente o limite,

conforme se expõe:

A fronteira é uma característica de qualquer objeto ou fenômeno, cuja existência possua extensão e fim. O fim, ou fronteira, representará também contato, caso haja um objeto ou fenômeno de igual natureza adjacente ao primeiro. (...). Fronteira é o espaço onde se entrelaçam as influências dos estados em contato. Atividades econômicas, sociais e culturais aí se encontram, criando práticas compartilhadas que podem construir uma identidade fronteiriça.

Para as autoras, o espaço fronteiriço delimita os países, sem, no entanto,

torna-los estanques, tendo em vista que o fluxo de pessoas, objetos e informações

ultrapassam rotineiramente o limite.

Para Raffestin (apud CATAIA, 2007, p. 12), na dimensão de informação a

fronteira faz-se imprescindível para a ação. A fronteira enquanto informação é a

demonstração mais clara da fronteira social, criada de acordo com os interesses e

objetivos das sociedades envolvidas, sejam eles bélicos, políticos, econômicos,

sociais, etc. Ainda segundo o referido pensador (2004, p. 10,11):

A fronteira vai muito além do fato geográfico que ela realmente é, pois ela não é só isso [...] mais do que um fato geográfico e um fato social, a fronteira é também um fato biológico [...] é também biossocial: ela delimita um ‘para cá’ e outro ‘para lá’, um ‘antes’ e um ‘depois’, com um limite marcado e uma área de segurança. [...] Eu entendo aqui por fronteira todo processo que desemboca em um processo cuja sequência pode ser resumida em quatro momentos: diferenciação, tradução, relação e regulação.

Por essa razão, a definição de fronteira precisa de um enfoque interdisciplinar,

em que as ciências em conjunto possam propiciar uma ideia complexa sobre

fronteira, orientada por uma visão holística. Segundo Garcia (2006, p. 11):

necessitamos desarrollar una epistemología de los estúdios sobre fronteras que, sin frenar el avance colateral de los estúdios especializados y de otras aproximaciones, nos permita obtener una visión general del fenómeno frontera. Necessitamos un marco de referencia que sirva como catalizador para los múltiples estudios y perspectivas, que possibilite a la vez un análisis de los processos dinámicos y el estabelecimento de tipologias y comparaciones, tanto entre los segmentos espaciales de una misma frontera como de las diversas fronteras entre sí.

Para a compreensão integral de tal fenômeno se recorre à explicitação de

fronteira, espaço, território, sociedade, cidadania, Estado, tempo em sentido

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relacional de poder. Assim a fronteira de dois Estados nacionais e seus territórios

respectivos não se apresentam apenas cada um com seu poder, mas em relações

dinâmicas. Nesse sentido RAFFESTIN (1993, p. 147) afirma que, os territórios são

espaços construídos por atores. “É, em suma, o espaço que se tornou o território de

um ator, desde que tomado numa relação social de comunicação”.

A fronteira indica a interação entre dois ou mais Estados limítrofes sobre

determinado área física politicamente definida, em que relações interpessoais,

econômicas, ambientais, culturais, etc. são firmadas. Segundo Foucher (2009, p. 22-

24), a fronteira exerce funções desempenhadas pelo Estado, sensitivamente

percebidas por meio de atividades formais. Tais funções são: a) legal: Tendo em

vista que depende de um ordenamento jurídico próprio e da soberania estatal

delimitada; b) Fiscal: Por meio das trocas comerciais e controle do fluxo de pessoas

e de mercadorias, são extraídos tributos necessários ao atendimento das demandas

estatais; c) De controle: diz respeito ao fluxo de pessoas através da política de

concessão de vistos nas hipóteses de inexistência de acordos de reciprocidade.

Diferencia-se a fronteira do simples limite, vez que este se refere à linha

divisória virtual ou física, que trespassa entre territórios subordinados a jurisdições

diversas. É tão somente um traçado demarcatório. De acordo com Costa (2009.p.

69):

O limite internacional, a linha fronteiriça não é fronteira. Trata-se de uma forma simbólica de indicar a posse de um dado território na superfície terrestre, seus limites, não sendo tangível, nem observável, a não ser pelos marcos divisórios, mas existe, limitando o espaço onde o Estado exerce sua soberania.

A cercania e a intensa interação (na acepção de mobilidade) incitam as

dinâmicas sociais, as quais são resultado da situação fronteiriça gerada pela

existência de dois Estados-nação que ocasionam a criação de redes internacionais,

compostas de atividades legais e ilegais, até mesmo porque o que é visto como

legal em um dos países da fronteira pode não ser no outro. Nas palavras de Silva e

Rendón (2009, p. 11):

Gobiernos nacionales, poderosos intereses econômicos de empresas legales e ilegales de caráter transnacional y grupos sociales heterogéneos, todos ellos com diversos intereses, convergen sobre áreas coledantes proyectan en ellas sus disputas, casi siempre con un alto costo para los derechos de las personas.

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Destarte, destaca-se que as regiões fronteiriças se deparam com conceitos

distintos e costumes culturais diversificados que muitas vezes entram em conflito

com os marcos legislativos de grande complexidade, que por ora tentam ser

resolvidos mediante a assinatura de tratados internacionais tendo em vista a

garantia do bem estar social entre os povos e a interligação multicultural e aduaneira

das regiões.

Nas fronteiras, há uma interação de sistemas políticos, monetários, cultural e

jurídico distintos, os quais convivem cotidianamente, reiteradas vezes gerando

conflitos e discussões, havendo a necessidade de políticas próprias voltadas a tais

espaços. Desse modo, a fronteira é, para além de um lugar cartográfico, a

constituição de sujeitos enquanto produtores da sua própria dinâmica. Há, assim, a

fronteira e o sujeito fronteiriço, transpassando uma relação meramente de local, e

sim na relação fronteira e fronteiriço. Os espaços fronteiriços possuem dinâmicas

próprias, que desafiam o dogma da soberania e da ordem nacional, bem como seus

mecanismos de controle (OLIVEIRA, 2010).

É claro que a demarcação de território é essencial para a construção de um

território único, no entanto, gera uma condição vastamente conflituosa, uma vez que

a fronteira é um espaço dual, que leva a hibridismos e facilidades de trocas. Essa

dinamicidade se torna manifesta nos intercâmbios culturais, de serviços, moedas,

informações, trânsito espontâneo de animais e, sobretudo, nas relações e inter-

relações pessoais.

A mobilidade é uma característica própria do ser humano e em espaços

fronteiriços a sua ocorrência é muito mais intensa, principalmente por ser uma área

com grandes oportunidades de trabalho, de oferecimento de produtos e serviços,

pelo turismo e por tantas outras razões que fazem com que os indivíduos busquem

um lado ou outro da fronteira. Esse fenômeno é cada vez mais comum, e, ao longo

da fronteira, é muito mais intenso e complexo, tendo em vista a legislação vigente e

a característica desses migrantes fronteiriços.

Em tais espaços, há oportunidades de serviços em ambos os lados, de

comércio, de mão de obra, etc. Há uma realidade própria, singular, uma

cotidianidade fronteiriça, com características que surgem a partir dos hábitos e

práticas vividas no lugar.

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Uma das consequências da circulação mais flexível de pessoas é a sobrecarga

dos serviços públicos nos espaços fronteiriços do Brasil com alguns países, tal como

a procura de estrangeiros ao acesso à educação e à saúde pública brasileira.

Fatores fundamentam a busca pelo atendimento médico púbico brasileiro pelos

estrangeiros, tais como a proximidade geográfica com o município, a ausência ou

insuficiência de serviços públicos de saúde no país de origem, a facilidade de ser

atendido, a urgência ou gravidade do caso, e, a qualidade da atenção à saúde no

SUS.

Nas fronteiras, convivem habitantes de dois países de distintos sistemas

políticos, monetários, de segurança e segurança social. A intensidade dos fluxos

decorrentes da interação social origina desafios para o sistema de saúde pública,

demandando políticas próprias voltadas à garantia desse direito nas regiões de

fronteira.

A procura dos estrangeiros pela prestação de serviços de saúde acarreta

dificuldades para a gestão do SUS, com repercussões sobre o financiamento das

ações e serviços de saúde, tendo em vista que parte dos repasses federais é

reservada na modalidade per capita, não sendo contabilizada essa população

itinerante (GIOVANELLA et al., 2007).

O principal objetivo da saúde pública é a melhoria de qualidade de vida. No

caso da fronteira, não se pode olhar somente para uma de suas faces, mas

considerar que nesse espaço existe intensa interação populacional. Apesar de suas

diferenças quando se refere aos símbolos próprios a cada nação, sua história vivida,

sua cultura, seu nacionalismo, as culturas se misturam num mesmo ambiente, se

interagem criando, muitas vezes, uma cultura própria, híbrida, diferente de cada uma

das nações de origem (COSTA, 20096).

Nesta mesma linha de pensamento, jamais se pode ignorar as questões

sociais, sobre as diferenças no tratamento dado ao estrangeiro que ingressa no

território Brasileiro, das desigualdades constatadas diariamente nas situações que

envolvam os direitos básicos da pessoa humana de cunho social, quais sejam: o

emprego, a saúde, a educação e a dignidade humana.

Assim, uma das questões que mais se destaca é a da saúde pública, tendo em

vista que, muito embora o Brasil tenha mazelas em seu sistema de saúde, muitos

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estrangeiros aqui buscam tratamentos gratuitos, e, como o ordenamento jurídico

nacional abrange princípios como o dos Direitos Humanos, da Solidariedade e da

Dignidade da Pessoa Humana, eles devem ser igualmente atendidos, sem

discriminação de qualquer natureza. Não é outro o entendimento esposado por

Francisco Rezek (2008, p. 194), conforme se vê a seguir:

A qualquer estrangeiro encontrável em seu território – mesmo que na mais fugaz das situações, na zona de trânsito de um aeroporto – deve o Estado proporcionar a garantia de certos direitos elementares da pessoa humana: a vida, a integridade física, a prerrogativa eventual de peticionar administrativamente ou requerer em juízo, o tratamento isonômico em relação a pessoas de idêntico estatuto. É possível afirmar, à luz de um quadro comparativo, que na maioria dos países a lei costuma reconhecer aos estrangeiros, mesmo quando temporários, o gozo dos direitos civis – com poucas exceções.

Desta feita, para que se viabilizem condições melhores, é necessário

considerar a fronteira como um local de especificidades, que requer mais atenção

para que logrem êxito. É preciso planejamento e coordenação conjunta entre os

países que dividem fronteiras para que se possa realizar efetivamente o atendimento

àquela população, independentemente de sua nacionalidade.

Retomando a questão de fronteira, a população que a habita interatuam

produzindo seus indicadores básicos de sobrevivência e de convivência para além

dos delimitadores estatais impostos para limitar o território.

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2. CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO

Conceitua-se como estrangeiro, o indivíduo que não tem nacionalidade

brasileira, sendo natural de outro país. Pode ser imigrante, quando se encontra no

território brasileiro em caráter permanente; ou como turista, visitante, ou em missão

especial, quando em caráter provisório. A aquisição e a perda da condição de

estrangeiro estão sujeitas apenas de deslocamentos no espaço territorial. Portanto,

é estrangeiro aquele que se deslocou do espaço jurisdicional a que faz parte. Alcirio

Dardeau de Carvalho (1976, p. 9) doutrina que:

Estrangeiro é a pessoa que não é nacional ou que não tem a nacionalidade do Estado em que se encontra. Em todos os países, em maior ou menor proporção, existem estrangeiros, pois o homem, por sua própria natureza, tem necessidade de movimentar-se, de deslocar-se no espaço. Causas econômicas, políticas, religiosas, científicas e muitas outras, entre elas o simples espírito de aventura, contribuem para os deslocamentos humanos.

A definição da condição jurídica do estrangeiro se dá por meio de exclusão, e

para tanto é forçoso diferenciar os nacionais dos estrangeiros. Ao estabelecer quem

são os seus nacionais, o Estado automaticamente define como estrangeiros os

outros indivíduos que estejam em seu território, quer de maneira permanente, quer a

título temporário. Tais pessoas podem ter nacionalidade estrangeira ou serem

apátridas (não possuir qualquer nacionalidade).

De acordo com ACCIOLY, CASELLA E NASCIMENTO (2012. p. 753), a

legislação relativa à condição jurídica do estrangeiro está embasada no direito de

conservação e no de segurança do estado, mas deve, sempre, ter como cerne a

observância dos direitos humanos. O estrangeiro usufrui, no Estado que o recebe,

os mesmos direitos reconhecidos aos nacionais, excluídos apenas aqueles referidos

expressamente pela legislação territorial, cabendo-lhe cumprir as mesmas

obrigações dos nacionais. São direitos atribuídos aos estrangeiros:

(1º) os direitos do homem, ou individuais, isto é, a liberdade individual e a inviolabilidade da pessoa humana, com todas as consequências daí decorrentes, tais como a liberdade de consciência, a de culto, a inviolabilidade do domicílio, o direito de comerciar, o direito de propriedade etc.;

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(2º) os direitos civis e de família. Estes direitos não são absolutos, tanto assim que o estrangeiro pode ser preso, mas não abusivamente ou sem razão suficiente, nem condenado sem obediência das formalidades legais de processo etc. Assim também o direito de propriedade pode ser suscetível de restrições, determinadas pelo interesse público.

Ademais, imprescindível se faz compreender o que a Constituição diz a

respeito da Nacionalidade. Para atribuição de nacionalidade primária são

empregados dois critérios, ambos pautados no nascimento da pessoa. O de origem

sanguínea – ius sanguinis, e o de origem territorial – ius solis. O critério ius sanguinis

embasa-se no vínculo do sangue, sendo nacional todo aquele que for filho de

nacionais, independente do local de nascimento. O critério ius solis concede a

nacionalidade a quem nasce no território do Estado que o adota independente da

nacionalidade dos seus pais.

A Carta Magna Brasileira adotou como regra o critério ius solis, admitindo,

contudo, o critério ius sanguinis. Desta feita, não só o critério ius solis atribui a

nacionalidade, existem situações de preponderância do critério ius sanguinis. A

atribuição de nacionalidade secundária se dá por meio da naturalização, a qual

ocorre sempre mediante pretensão do interessado.

Art.12. São brasileiros I – natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade pela nacionalidade brasileira.

Assevera Hildebrando Accioly (2000, p. 361) que “O estrangeiro goza, no

Estado que o recolhe, os mesmos direitos reconhecidos aos nacionais, (...) cabendo-

lhe cumprir as mesmas obrigações dos nacionais”. Para o referido autor, os

estrangeiros devem ter reconhecidos os direitos individuais, os civis e ainda os de

família:

Os direitos que devem ser reconhecidos aos estrangeiros são: 1º) os direitos do homem, ou individuais, isto é, a liberdade individual e a inviolabilidade da pessoa humana, com todas as consequências daí decorrentes, tais como a liberdade de consciência, a de culto, a inviolabilidade do domicílio, o direito de comerciar, o direito de propriedade, etc. 2º ) os direitos civis e de família.

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Tratando do referido tema, Celso D. de Albuquerque Mello (2002, p. 907)

enfatiza a Convenção Interamericana, notadamente em seu artigo 5º:

Os Estados devem conceder aos estrangeiros domiciliados ou de passagem em seu território todas as garantias individuais que concedem aos seus próprios nacionais e o gozo dos direitos civis essenciais, sem prejuízos, no que concerne aos estrangeiros, das prescrições legais relativas à extensão e modalidades do exercício dos ditos direitos e garantias.

Ademais, Luiz Alberto Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005, p.117)

ensinam que:

Os direitos fundamentais tem um forte sentido de proteção do ser humano, e mesmo o próprio caput do art. 5º faz advertência de que essa proteção realiza-se ‘sem distinção de qualquer natureza’. Logo a interpretação sistemática e finalística do texto constitucional não deixam dúvidas de que os direitos fundamentais destinam-se a todos os indivíduos independentemente de sua nacionalidade ou situação no Brasil.

Regra geral, o ingresso do estrangeiro no território nacional está sujeito a visto

adquirido na repartição consular do Brasil, no exterior, mais próxima do local de

residência do interessado, exceto nos casos em que é dispensada a apresentação

de passaporte ou de visto, por reciprocidade de tratamento ou acordo. É o que prevê

o artigo 2º do Decreto nº. 86.715, de 10 de dezembro de 1981:

Art. 2º A admissão do estrangeiro no território nacional far-se-á mediante a concessão de visto:

§ 1º - Os vistos serão concedidos no exterior, pelas Missões diplomáticas, Repartições consulares de carreira, Vice-Consulados e, quando autorizados pela Secretaria de Estado das Relações Exteriores, pelos Consulados honorários.

No cenário infraconstitucional brasileiro, havia o Estatuto do Estrangeiro, criado

pela Lei nº 6.815 em 1980, período em que o país estava submetido à ditadura.

Desta feita, a visão que se tinha era a de tratar o estrangeiro como questão de

segurança nacional. Foi a partir deste Estatuto que foi instituído o Conselho Nacional

de Imigração (CNIg), órgão colegiado vinculado ao Ministério do Trabalho, com o fito

de formular a política de imigração, entre muitos outros.

Em 2009, o Projeto de Lei nº 5.655 foi encaminhado à Câmara dos Deputados

almejando substituir o Estatuto do Estrangeiro e estipular uma política nacional de

migração, que ponderasse a observância dos direitos humanos, dos interesses

nacionais, sejam eles socioeconômicos ou culturais, e também, segundo

VEDOVATO (2013. p. 151), “a preservação das instituições democráticas e

fortalecimento das relações internacionais”.

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Não obstante, foi o Projeto de Lei do Senado Federal nº 288/2013, de autoria

do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que tramitou pela Câmara dos

Deputados, como Projeto de Lei (PL) n. 2.516/2015, que foi transformado na nova lei

brasileira que dirige a situação migratória no país. Assim, em maio de 2017, foi

aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República a

Lei da Migração (Lei nº 13.445). Na Seção II, no art. 3º, estão dispostos os

Princípios e as Garantias, dos quais se sobressaem os seguintes incisos:

I - universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos;

XI - acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social;

XII - promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante;

XIII - diálogo social na formulação, na execução e na avaliação de políticas migratórias e promoção da participação cidadã do migrante; XIV - fortalecimento da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e de livre circulação de pessoas;

XV - cooperação internacional com Estados de origem, de trânsito e de destino de movimentos migratórios, a fim de garantir efetiva proteção aos direitos humanos do migrante;

XVI - integração e desenvolvimento das regiões de fronteira e articulação de políticas públicas regionais capazes de garantir efetividade aos direitos do residente fronteiriço.

Ademais, destaca-se o artigo 4º, incisos I e VIII, que asseveram que:

Ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como são assegurados:

I - direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos;

VIII - acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social, nos termos da lei, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória.

Desta feita, constata-se um progresso humanitário na nova Lei de Migração,

considerando que hodiernamente é possível vislumbrar na legislação

infraconstitucional, regulamentação referente ao que a Constituição Brasileira já

estabelecia desde 1988. Verifica-se, expressamente a reverência aos mandamentos

desta e pelos direito humanos, em geral, e um empenho para se alinhar aos fluxos

migratórios atuais.

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O Brasil possui uma enorme extensão de fronteira terrestre, o que propicia o

ingresso constante de estrangeiros, sobretudo originários de países vizinhos com

situação socioeconômica menos favorável. Por conseguinte, é necessário que

existam políticas públicas capazes de assegurar a concretização do direito à

saúde previsto pela Constituição brasileira a qualquer indivíduo, seja ele nacional,

estrangeiro residente ou até mesmo não-residente no Brasil.

A nova Lei da Migração ratificou esse direito à saúde, sem firmar qualquer

discriminação quanto ao “gênero” do migrante que vai usufruí-lo (artigo 4º, inciso

VIII), e no seu artigo 1º indicadas essas espécies de migrantes. É de suma

importância, ressaltar a descrição do residente fronteiriço, que é “pessoa nacional

de país limítrofe ou apátrida que conserva a sua residência habitual em município

fronteiriço de país vizinho”.

Com conceituação semelhante à da Lei, DAL PRÁ (2009. p. 8) define o

fronteiriço como:

[...] aquelas pessoas que vivem no território estrangeiro vizinho (Argentina, Paraguai e Uruguai) e não possuem nacionalidade brasileira, mas que trabalham, estudam, consomem, fazem turismo e buscam acesso a serviços sociais, em especial de saúde, no Brasil.

As condições para a mobilidade fronteiriça estão ligadas a aspectos legais e

conjunturais. Desta feita, a pessoa estrangeira que pretende adentrar no país

inicialmente deverá conseguir o visto, o qual dependerá dos fins de sua visita ao

Brasil. Caso seja proveniente de país do MERCOSUL, essa exigência se altera, o

visto é dispensável, sendo necessário somente à apresentação da carteira de

identidade.

Na hipótese de o estrangeiro residir em alguma cidade de fronteira, a exigência

do visto também é dispensada, suficiente a apresentação de carteira de identidade,

uma vez que o acesso desse fronteiriço ao território nacional é facilitado pela sua

condição de fronteiriço, previsto na Lei nº. 6.815, de 19 de agosto de 1980, a qual

trata da situação jurídica do estrangeiro no Brasil e cria o Conselho Nacional de

Imigração, e no Decreto nº. 86.715, de 10 de dezembro de 1981, que a regulamenta

a Lei.

A referida lei reza em seu artigo 21, assim como o decreto que a regulamenta,

que a pessoa natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território

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nacional tem a possibilidade de adentrar nos municípios fronteiriços ao seu país

apresentando apenas documento de identidade.

Art. 21, Lei nº 6.815/80 - “Ao natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, poder-se-á permitir a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade”.

Art. 37, Decreto nº 86.715/81 – “O estrangeiro, natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, poder-se-á permitir a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente carteira de identidade válida, emitida por autoridade competente do seu país.

Depreende-se, assim, que o estrangeiro residente da fronteira não está

submetido à regra geral, quando esteja apenas em trânsito entre as cidades

vizinhas, haja vista a existência de regra própria à sua condição, que é

perfeitamente razoável e coerente.

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3. DIREITO À SAÚDE

O Direito à saúde não pode ser conceituado apenas como “o conjunto de

regras jurídicas destinadas à proteção ativa da saúde das pessoas”, ou como “as

normas relativas à saúde pública oriundas de fonte internacional que se encontram

em vigor nos diferentes Estados do mundo”, conforme preconiza VENTURA (2003.

p. 266).

O direito à saúde é assegurado pelos direitos humanos internacional,

destacando seu conteúdo e importância. Com o artigo XXV, da Declaração Universal

dos Direitos Humanos (DUDH) restou estabelecido que:

[...] toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para garantir sua saúde, seu bem-estar e o de sua família, no tocante a alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais indispensáveis, tem direito ao seguro em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou noutros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

De acordo com ACCIOLY, CASELLA E NASCIMENTO (2012. p. 740), com a

promulgação da DUDH, a concretização os direitos humanos se tornou competência

da Organização das Nações Unidas (ONU), especialmente em relação à saúde, foi

criada a Organização Mundial de Saúde (OMS), a qual cabe: erradicar as epidemias

e endemias; estabelecer padrões internacionais para produtos biológicos e

farmacêuticos; auxiliar os governos; coordenar atividades internacionais em matéria

de saúde e contribuir para o aperfeiçoamento do ensino médico. Em suma, seu

objetivo é a aquisição, por todos os povos, do nível de saúde mais elevado que for

possível. No Preâmbulo da Constituição da OMS são consagrados os seguintes

princípios:

A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade.

Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social.

A saúde de todos os povos é essencial para conseguir a paz e a segurança e depende da mais estreita cooperação dos indivíduos e dos Estados.

Os resultados conseguidos por cada Estado na promoção e proteção da saúde são de valor para todos.

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O desigual desenvolvimento em diferentes países no que respeita à promoção de saúde e combate às doenças, especialmente contagiosas, constitui um perigo comum.

O desenvolvimento saudável da criança é de importância basilar; a aptidão para viver harmoniosamente num meio variável é essencial a tal desenvolvimento.

A extensão a todos os povos dos benefícios dos conhecimentos médicos, psicológicos e afins é essencial para atingir o mais elevado grau de saúde.

Uma opinião pública esclarecida e uma cooperação ativa da parte do público são de uma importância capital para o melhoramento da saúde dos povos.

Os Governos têm responsabilidade pela saúde dos seus povos, a qual só pode ser assumida pelo estabelecimento de medidas sanitárias e sociais adequadas.

O direito à saúde pode ser considerado um direito social. Sobre direitos sociais,

SILVA (2010. p. 286 – 287) assegura que:

Direitos sociais são prestações positivas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressuposto de gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao aferimento da igualdade real, o que por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.

Nos ensinamentos de MENDES (2011. p. 76):

Os direitos sociais, assim como os direitos e as liberdades individuais, implicam tanto direitos a prestações em sentido estrito (positivos) quanto direitos de defesa (negativos), e ambas as dimensões demandam o emprego de recursos públicos para a sua garantia.

Desta feita, pode-se dizer que são direitos que precisam de intervenção estatal,

já que buscam favorecer e resguardar os cidadãos que não se encontram em

situação de desigualdade social e econômica. Ainda sobre o tema, COMPARATO

(2010. P. 77) conclui que esses direitos “se realizam pela execução de políticas

públicas, destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais

pobres; ou seja, aqueles que não dispõem de recursos próprios para viver

dignamente”.

De tal modo, compreende-se que os direitos sociais têm como intento

primordial proteger as áreas da sociedade que são economicamente deficientes e

estruturalmente frágeis, a fim de construir uma sociedade mais equânime. E é dever

de todos e do Estado garantir, através de políticas públicas sociais e econômicas, a

redução do risco de doença e outras majorantes, além de fornecer a todos o acesso

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universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação. Para MESSA (2011. p. 544), o direito à saúde:

[...] é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. A saúde abrange as ações que se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social

São princípios do SUS a universalidade e a integralidade, sendo que o primeiro

alude à qualidade de que tal direito é contraído por todos os indivíduos,

irrelevantemente de sua origem; e, o segundo, diz respeito ao fato de que o

atendimento em saúde deve ser integral, ou seja, deve se oferecer à população

acesso a todos os recursos disponíveis.

O direito à saúde é uma garantia que não se pode separar do direito à vida, o

indeferimento do acesso de estrangeiros em entidades públicas de saúde atinge não

somente os princípios constitucionais, mas também os Tratados Internacionais de

que o Brasil faz parte, dentre os quais o Pacto de San José da Costa Rica, que é a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, nele está previsto, no artigo 4º, item

1: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser

protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção.” E em seu art.5º,

item 1: “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e

moral” (Brasil, 1969).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem - basilar das Nações Unidas,

assinada no ano de 1948 – igualmente tem previsão, no artigo III, do direito à vida:

“Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Não é

outro o entendimento de Alexandre Issa Kimura (2005. p. 394):

O Direito à vida, elementar e essencial no âmbito dos direitos fundamentais, envolve dois enfoques: (a) Direito à existência - refere-se ao direito de sobreviver, de defender, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável; (b) Direito à dignidade - corolário do direito à existência, figura o direito de desfrutar a vida com dignidade.

Importa, ademais, citar o pensamento de J.J. Gomes Canotilho, que defende o

nascimento de um “paradigma emergente”, denominado por alguns como

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“constitucionalismo global”, com as seguintes características: alicerçamento do

sistema jurídico-político internacional voltado para as relações entre Estado/povo, ou

seja, as populações dos próprios estados, e não apenas relações horizontais entre

estados; emergência de um jus cogens internacional materialmente constituído por

valores, princípios e regras universais progressivamente plasmados em declarações

e documentos internacionais e; tendencial elevação da dignidade humana e

pressupostos ineliminável de todos os constitucionalismos (Canotilho, 2003).

No que tange ao direito à saúde, os países caminham lentamente para a busca

por uma normatização diretriz, a ser observado pelos países, diversamente do que

ocorre no setor econômico, por meio dos blocos econômicos e a globalização.

Para Canotilho, hodiernamente, essas bases teóricas influenciam a harmonia

do direito constitucional e do o direito internacional. As relações internacionais

devem ser cada vez mais normatizadas com respeito ao direito e à justiça,

transformando o direito internacional numa ordem cogente. O direito internacional

tende a se tornar um baluarte das relações internacionais por meio da evolução dos

direitos humanos, juntamente com a ajuda de uma entidade internacional,

substanciando um constitucionalismo global (Canotilho, 2003). Também nesse

sentido, colocou Fernándes Francisco Secado (SECADO, 2004):

Uno de las rasgas sobresalientes del constitucionalismo de la segunda postguerra es la elevación de la dignidad de la persona a la categoria de núcleo axiológico constitucional, y por lo mismo, a valor jurídico supremo del conjunto ordinamental; y ello con carácter práticamente generalizado y em ámbitos socio-culturales bien dispares.

Convém citar ainda Maria de Odete Oliveira e Arno Dal Ri Junior (2003, p.

13):

(...) deve mundializar-se – transcender os âmbitos e os limites do Estado e da nacionalidade – jus soli e jus sanguinis – alargando-se rumo à dimensão transnacional, projetando tanto um novo tipo de cidadania – a cidadania mundial – como um novo tipo de cidadão – o cidadão do mundo – o homem histórico e real e que vive dentro dessa contemporaneidade.

Giovanella (2007), ponderando acerca dos direitos sociais e do princípio da

dignidade da pessoa humana, afirmou que a oferta de atendimento à saúde não

deve se restringir às fronteiras e aos limites de Estados-nações, consolidando-se o

livre trânsito pelo menos entre habitantes de países membros de blocos regionais,

como o Mercosul e a União Europeia.

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Já a lei nº 6.815 de 1980, tratando da condição fronteiriça, prevê, em seu

art. 21:

Art. 21. Ao natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, poder-se-á permitir a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade (BRASIL, 1980, s/p).

Essa situação, como muito já mencionado, encontra respaldo no

art. 5º da Constituição Federal, que afirma:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...] (BRASIL, 1988, s/p).

Trazendo um conceito de saúde ao presente trabalho, dentre tantos, importa

citar o trazido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no preâmbulo de sua

constituição de 1946, a qual entende saúde como: “o estado de completo bem estar

físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou de qualquer afecção” .

O Brasil, signatário da Declaração de Direitos do Homem - ONU/1948 e da

Declaração de Viena/1993, e por elas influenciado, incluiu a dignidade da pessoa

humana em sua Carta Magna vigente. O artigo XXV da Declaração Universal dos

Direitos Humanos (1948) prevê que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida

capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação,

vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis”. Esse

preceito foi ratificado de modo solene na Declaração e Programa de Ação de Viena

(1993).

Tal como ao direito à saúde, o Supremo Tribunal Federal entendeu que os

estrangeiros também fazem jus ao LOAS, que é um Benefício mensal de um salário

mínimo para pessoa com deficiência ou idoso, previsto pela CF/88, em seu art. 203,

V. Para ter direito a esse benefício é necessário cumprir alguns requisitos, quais

sejam: ser pessoa com deficiência ou idosa com 65 anos ou mais, e comprovar não

possuir meios de prover a própria manutenção nem tê-la provida por sua família1.

Entendeu-se que o estrangeiro residente no País, incluído na comunidade,

compartilha do esforço mútuo, na constituição de um desígnio comum. Contudo,

argumentou-se que tal benefício somente poderia ser dado aos estrangeiros

residentes no Brasil se esse mesmo benefício fosse assegurado aos brasileiros que 1 STF. Plenário. RE 587970/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 19 e 20/4/2017 (repercussão geral) (Info 861).

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moram em outros países. Em outras palavras, o benefício somente poderia ser

concedido a estrangeiro originário de país com o qual o Brasil tenha firmado acordo

internacional e que preveja a cobertura da assistência social a brasileiro que esteja

em seu território. Esse argumento era baseado no princípio da reciprocidade.

Ocorre que o STF concluiu ser descabido este argumento. Apesar de a

reciprocidade permear o ordenamento jurídico brasileiro, não é uma norma absoluta.

No referido julgado citou-se o exemplo de não aplicação do princípio da

reciprocidade ao Sistema Único de Saúde. O SUS é regido pelo princípio da

universalidade de atendimento. Isso significa que, ao ingressar no território

brasileiro, o estrangeiro tem direito a atendimento médico pelo SUS, caso precise de

assistência de urgência, sem necessidade de que haja reciprocidade no país de

origem.

Insta consignar que a saúde funciona como um mínimo existencial da

dignidade da pessoa humana. Diante de sua relevância no sistema jurídico

brasileiro, sua observância deve se dar por parte dos particulares e do Estado como

um todo, sendo de suma importância que todas as normas brasileiras sejam

interpretadas em concordância com o princípio da dignidade da pessoa humana.

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4. O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS

O direito à saúde, da forma como é previsto na Constituição de 1988,

caracteriza-se como direito fundamental de segunda geração, englobando os

direitos sociais, culturais e econômicos que imputam prestações positivas do Estado.

Os direitos de segunda geração atribuem ao indivíduo o direito de exigir do Estado

prestações sociais (positivas) nas áreas da saúde, alimentação, educação,

habitação, trabalho, etc.

Com embasamento de validade nestes dispositivos constitucionais, o legislador

ordinário criou a Lei no. 8.080 de 19 de setembro de 1990, que origina o SUS –

Sistema Único de Saúde e afirma em seu artigo 2º que a saúde é um direito

fundamental do ser humano.

Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

& 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

A Carta Magna Brasileira, em seu artigo 198, estabeleceu a criação de uma

rede regionalizada e hierarquizada voltada à prestação das ações e dos serviços

públicos de saúde, com o fito de concretizar a efetivação do direito à saúde. Desta

feita, foi sancionada a Lei Orgânica da Saúde (LOS) – a Lei nº 8.080/90 – a qual

institui as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a

organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Tal norma jurídica

criou, em seu Título II, o Sistema Único de Saúde (SUS), definindo os objetivos,

atribuições, princípios e diretrizes. Convém esclarecer que o uso do vocábulo

“único” busca conferir uma política nacional de saúde, suplantando as divergências

entre os entes federados.

A referida lei concedeu ao SUS três principais finalidades: identificação e

divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; a formulação de

política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social; e a

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assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e

recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das

atividades preventivas.

O artigo 7º, a Lei no 8.080/90 impõe que as ações e serviços públicos que

compõem o Sistema Único de Saúde serão desenvolvidos em consonância com as

diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, observando, também, os

seguintes princípios:

Art.7º [...]

I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;

IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;

XI – conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população.

Tratando do tema, WEICHERT (2004. p. 157) assevera:

Os princípios do SUS não são isolados e dissociados dos demais princípios constitucionais, em especial dos estruturantes e dos consagradores de direitos fundamentais. Pelo contrário, eles estariam em relação a estes no patamar de subprincípios instrumentais para a concretização dos valores constitucionais que pairam no patamar mais alto da Constituição, em especial os previstos nos arts. 1º a 4º. Conectam-se os princípios do SUS também ao sistema de direitos e garantias fundamentais (individuais, coletivos e sociais), concretizando o direito à vida, à integridade física, à saúde e ao bem-estar pleno. Ao mesmo tempo em que são concretizadores de princípios constitucionais genéricos, os princípios do SUS exercem semelhante papel em face das demais regras do sistema.

Dentre os princípios elencados pela LOS, PRATA (2013. p.

254) destaca:

a) o princípio da universalidade – garante que qualquer pessoa, no território brasileiro, tenha acesso gratuito aos serviços de saúde ofertados pela rede pública de atendimento, salienta-se que não se faz distinção entre brasileiros e estrangeiros;

b) o princípio da igualdade – aos usuários do sistema são garantidas as mesmas oportunidades de acesso aos serviços de saúde, sem distinções, preconceitos ou privilégios. Exceto em eventualidades, onde serão necessárias intervenções para preservar a equidade de atendimento, exemplos: condições epidemiológicas, terapêuticas e outras prioridades.

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c) o princípio da integralidade – está contido na Constituição Federal (art. 198, II) e tem como finalidade estabelecer como uma das diretrizes do sistema de saúde pública a totalidade de abrangência de atendimento.

Outro princípio que igualmente é relevante ressaltar é o da gratuidade, ele é

conjunto ao da universalidade e tem o objetivo de garantir acesso a qualquer

indivíduo ao sistema de saúde, independente da sua condição socioeconômica. Há

discussões sobre a gratuidade, tendo em vista que ela é relativa, porque

indiretamente o cidadão coopera com o sistema de saúde, de forma obrigatória,

mediante taxas, impostos e tributos.

O artigo 35 da Lei 8.080/90 institui combinações de requisitos para o

estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito Federal e

Municípios, tais como o perfil demográfico da região, o perfil epidemiológico da

população a ser coberta, dentre outros. E prevê no § 2º que nos casos de Estados e

Municípios submetidos a notório processo de migração, os critérios demográficos

citados na respectiva Lei serão avaliados por outros indicadores de crescimento

populacional. Desta feita, cabe aos órgãos competentes adotarem mecanismos para

mensurar esse fluxo.

PREUSS (2018. p.152) alude que mesmo o texto legal não tenha feita

referência expressa acerca do direito de acesso do estrangeiro ao SUS, esse deve

ser estendido a todas as pessoas, ou seja, a todos os seres humanos independente

de sua nacionalidade.

Depreende-se do texto legal, mesmo que a legislação em saúde não se refira especificamente ao acesso de estrangeiros ao SUS, que o direito deve transcender aos cidadãos brasileiros natos ou naturalizados, pois se referem a todos os seres humanos e que o acesso universal ao SUS deve ser garantido às pessoas independente da nacionalidade

Há diversidades e disparidades regionais que obstam a concretização dos

princípios da universalidade e equidade na maneira como proposto no SUS, não

garantindo e efetivando o direito à saúde, sobretudo nos municípios de fronteira.

Nestes, a promoção dos serviços de saúde não está sendo garantida

concretamente, sendo que em diversas situações ocorre a violação do direito

universal.

Pode-se afirmar que nas regiões de fronteira, vistas muitas vezes como

periféricas, as categorias de equidade e universalidade de acesso se fazem mais

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complexas para os que se propõem a garantir tais princípios à população na área da

saúde, pois há o fator de intenso fluxo de pessoas, haja vista que as demandas de

saúde não respeitam fronteiras e limites geográficos. A desigualdade no padrão de

qualidade e nos meios de acesso aos serviços de saúde oferecidos entre os países

vizinhos são estímulos para as migrações.

Assegurada constitucionalmente, a legislação do SUS aduz a saúde como um

direito fundamental do ser humano e sua garantia como dever do estado. No entanto

é muito difícil atribuir equidade nas regiões periféricas do Brasil, sobretudo nos

espaços fronteiriços.

É cediço que a gestão do sistema de saúde no lado brasileiro presta

assistência aos estrangeiros fronteiriços, que pelo SUS, não fariam jus ao

atendimento, sem que fosse assegurado o ressarcimento financeiro, através das

câmaras de compensação.

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5. DIREITOS HUMANOS E PROTEÇÃO DO ESTRANGEIRO

Pode-se conceituar princípio como o pilar de um ordenamento jurídico. Para

NUCCI (2011. p. 83), “princípio indica uma ordenação, que se irradia e imanta os

sistemas de normas, servindo de base para a interpretação, integração,

conhecimento e aplicação de direitos positivos”. Há princípios expressos e princípios

implícitos no sistema de normas brasileiras. Dentre tantos, o Princípio da Dignidade

da Pessoa Humana tem destaque.

O Título I da Constituição brasileira de 1988, formado por quatro artigos, é

destinado aos chamados “princípios fundamentais” do Estado Brasileiro, que servem

como diretrizes para todo o ordenamento jurídico brasileiro.

O princípio da dignidade da pessoa humana é princípio fundamental, com

previsão na Carta Magna Brasileira, que se emana a todos os demais princípios que

norteiam o sistema jurídico brasileiro. Tal princípio determina que o Estado deve

respeitar, garantir e promover condições para que o indivíduo viva com dignidade,

ou seja, possuindo emprego digno, capaz de suprir as necessidades, educação e

saúde pública de qualidade, dentre inúmeras outras.

O princípio da dignidade da pessoa humana é princípio fundamental, com

previsão na Carta Magna Brasileira, que se emana a todos os demais princípios que

norteiam o sistema jurídico brasileiro. Tal princípio determina que o Estado deve

respeitar, garantir e promover condições para que o indivíduo viva com dignidade,

ou seja, possuindo emprego digno, capaz de suprir as necessidades, educação e

saúde pública de qualidade, dentre inúmeras outras.

No Brasil, foi dado o caráter de Fundamento do Estado Democrático de Direito

à dignidade da pessoa humana, estabelecendo que o ser humano e sua existência

digna é o foco de seu sistema jurídico. Nesse toar, importa salientar que, para

alcançar a sua concretude, a dignidade da pessoa humana deve ser garantida de

forma ampla em todos os fundamentos sociais, sendo oportunizada prioritariamente

aos indivíduos mais frágeis, os hipossuficientes. O princípio da dignidade da pessoa

humana unifica todo o sistema brasileiro de Direitos Fundamentais, irradiando,

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assim, efeitos sobre o ordenamento jurídico, reafirmando a primazia da pessoa

humana sobre o Estado. Assim destaca MOREIRA (2006, p.149):

Observa-se, por outro lado que a dignidade humana exprime tudo aquilo que dá qualidade ao ser humano, enaltecendo-o como pessoa, distinguindo-o como espécie por outro lado, a condição humana, no sentido antropológico, constitui-se no conjunto das características físicas e orgânicas, mentais, psicológicas, afetivas, supostamente comuns a toda espécie. Assim, há uma relação ontológica entre a Dignidade Humana e a própria natureza ou condição humana.

Verifica-se na ideia de dignidade humana uma real “cláusula geral”, com poder

de condicionar e conformar todo o tecido normativo – da qual não se podem retirar

as relações jurídicas privadas -, definindo nova ordem pública com funcionalização

da atividade econômica aos valores existenciais e sociais definidos na Constituição

(TEPEDINO, 1998. p. 67).

A dignidade da pessoa humana é direito objetivo e subjetivo ao mesmo tempo

e é perceptível que a sua materialidade se pauta no mínimo existencial, atendo-se

às situações materiais indispensáveis à existência humana digna, incluindo-se nessa

existência os valores espirituais e intelectuais. Constitui-se, dessa forma, o cerne de

quatro elementos principais, sendo três materiais e um instrumental: educação

fundamental, saúde básica, assistência aos desamparados e acesso à justiça.

Nesse toar, RAMOS (2012. p.18) assinala que os direitos humanos, no plano

internacional, podem ser conceituados como “sendo o conjunto mínimo de direitos

considerado essencial para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e

dignidade, e que ainda se beneficiam de garantias internacionais

institucionalizadas”. Já no entendimento de PIOVESAN (2013. p. 57), os direitos

humanos, seja em um plano internacional, seja nacional, objetivam a defesa dos

mais vulneráveis, conforme se depreende do trecho abaixo colacionado:

Direitos Humanos não rege as relações entre iguais; opera precisamente em defesa dos ostensivamente mais fracos. Nas relações entre desiguais, posiciona-se em favor dos mais necessitados de proteção. Não busca obter um equilíbrio abstrato entre as partes, mas remediar os efeitos do desequilíbrio e das disparidades. Não se nutre das barganhas da reciprocidade, mas se inspira nas considerações de orderpublic em defesa de interesses superiores, da realização da justiça.

BOBBIO (1988, p. 32) ao tratar acerca da evolução e incorporação dos direitos

humanos, assevera que:

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[...] os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada Constituição incorpora Declarações de Direito), para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais.

Tratados Internacionais de que o Brasil faz parte, dentre os quais o Pacto de

San José da Costa Rica, que é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,

nele está previsto, em seu art.5º, item 1: “Toda pessoa tem direito a que se respeite

sua integridade física, psíquica e moral” (Brasil, 1969).

O artigo 3º da Constituição Federal traz como um dos objetivos fundamentais

do Brasil “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a

promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, e

quaisquer outras formas de discriminação”.

Já em seu artigo 4º destaca os princípios pelo qual o Brasil é regido nas suas

relações internacionais, dentre os quais se encontra o princípio da prevalência dos

direitos humanos e o da cooperação entre os povos para o progresso da

Humanidade. O título II rege, em cinco capítulos, os “Direitos e Garantias

Fundamentais”, prevendo no artigo 5º que “todos são iguais perante a lei sem

distinção de qualquer natureza”.

A dignidade da pessoa humana como princípio fundamental da República

Federativa do Brasil coloca o Estado como uma organização pautada no ser

humano, e não em qualquer outro referencial. A razão de ser do Estado brasileiro

não se embasa no próprio Estado, como ocorre nos regimes totalitários, mas sim na

pessoa humana. São diversos os valores constitucionais que derivam diretamente

do conceito de dignidade da pessoa humana, dentre os quais, o direito à vida. É o

que assevera VICENTE ALEXANDRINO (2008. p.86):

A dignidade da pessoa humana assenta-se no reconhecimento de duas posições jurídicas ao indivíduo. De um lado, apresenta-se como um direito de proteção individual, não só em relação ao Estado, mas, também, frente aos demais indivíduos. De outro, constitui dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes.

Os objetivos fundamentais servem como um alicerce para as prestações

positivas que venham a materializar a democracia econômica, social e cultural,

concretizando a dignidade da pessoa humana. Os direitos sociais têm por fim o

aprimoramento das condições de vida dos hipossuficientes, buscando a

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consolidação da igualdade social, e compõem as liberdades positivas, de

observância obrigatória em um Estado Social de Direito.

Ademais, O Decreto nº. 18.956/29 promulgou a Convenção sobre os

Estrangeiros, do qual o Brasil é signatário. Essa convenção institui em seu artigo nº.

5 que os Estados devem conceder aos estrangeiros domiciliados ou de passagem

em seu território todas as garantias individuais que concedem aos seus próprios

nacionais e o gozo dos direitos civis essenciais:

Art. 5º. Os Estados devem conceder aos estrangeiros domiciliados ou de passagem em seu território todas as garantias individuais que concedem nos seus próprios nacionais e o gozo dos direitos civis essenciais, sem prejuízo, no que concerne aos estrangeiros, das prescrições legais relativas á extensão e modalidades do exercício dos ditos direitos e garantias.

Assim, é essencial a promoção e a garantia dos Direitos Humanos de pessoas

vulneráveis, hipossuficientes, como muitas vezes é o caso de trabalhadores

imigrantes, buscando-se combater à discriminação e o preconceito e utilização dos

meios existentes para a concreta implantação de tais direitos e garantias. Os

Estados têm o dever de tomar e cultivar meios apropriados em plano nacional,

principalmente nas searas da educação, da saúde e da assistência social, com

intuito de promover e garantir os direitos das pessoas hipossuficientes.

Conclui-se que os estrangeiros, ainda aqueles tão-somente de passagem pelo

território nacional têm direito ao SUS, tendo em vista a saúde estar inserida nos

Direitos Sociais da Constituição Brasileira.

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5.1 Previsões Normativas

O Título I da Constituição brasileira de 1988, formado por quatro artigos, é

destinado aos chamados “princípios fundamentais” do Estado Brasileiro, que servem

como diretrizes para todo o ordenamento jurídico brasileiro.

O Artigo 1º se dedica ao princípio da dignidade da pessoa humana como base

da República Federativa do Brasil (Brasil, 1988) e prevê o Estado como uma

organização que tem o ser humano como centro, acima de qualquer outro tema. O

fundamento do Estado Brasileiro não se embasa no Estado em si, mas sim no ser

humano, conforme se depreende da previsão de inúmeros direitos concedidos à

pessoa humana, do qual podemos destacar o direito à vida, do qual decorrem

diversos outros direitos.

O artigo 3º da Constituição Federal traz como um dos objetivos fundamentais

do Brasil “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a

promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, e

quaisquer outras formas de discriminação”.

Já em seu artigo 4º destaca os princípios pelo qual o Brasil é regido nas suas

relações internacionais, dentre os quais se encontra o princípio da prevalência dos

direitos humanos e o da cooperação entre os povos para o progresso da

Humanidade.

O título II rege, em cinco capítulos, os “Direitos e Garantias Fundamentais”,

prevendo no artigo 5º que “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer

natureza”, e em seu artigo 6º consagra o direito à saúde como um de seus direitos

sociais.

Segundo Augustini e Nogueira (2010, p. 224), a Constituição Federal de 1988:

[...] instituiu um novo reordenamento para o setor saúde, ao propor um desenho particular a aspectos ético-políticos e técnicos operativos fundamentais. Universalizou o direito à saúde, acenando para o pleno acesso aos serviços, sem quaisquer critérios de exclusão ou discriminação. De forma positiva, definiu espaços para a gestão democrática dos serviços de saúde, com a possibilidade legal da participação popular, instituindo

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constitucionalmente o controle social, realizados por diferentes sujeitos sociais.

Insta consignar que os direitos sociais objetivam a otimização das condições

vitais dos hipossuficientes, buscando a efetivação da igualdade social. São eles as

liberdades positivas, de respeito imperativo em um Estado Social de Direito.

Ademais, constam ainda, nos artigos 196 a 200, as diretrizes básicas do direito

à saúde brasileira.

A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, criou o SUS – Sistema Único de

Saúde - e previu no artigo 2º que “a saúde é um direito fundamental do ser humano,

devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”

(Brasil, 1990).

Constata-se, ademais, que no artigo nº 35 foi previstos critérios a serem

observados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, destacando-se o que

regulamenta o § 2º, estabelecendo que “nos Estados e Municípios sujeitos a notório

processo de migração os critérios demográficos mencionados na respectiva Lei,

serão ponderados por outros indicadores de crescimento populacional”.

Outras normas abordaram o tema do estrangeiro, como é o caso do Decreto

nº. 18.956/29, o qual promulgou seis Convenções de Direito Internacional Público,

dentre as quais a Convenção sobre os Estrangeiros, da qual o Brasil é signatário.

Tal convenção impõe no artigo nº 5 que:

Art. 5º. Os Estados devem conceder aos estrangeiros domiciliados ou de passagem em seu território todas as garantias individuais que concedem nos seus próprios nacionais e o gozo dos direitos civis essenciais, sem prejuízo, no que concerne aos estrangeiros, das prescrições legais relativas á extensão e modalidades do exercício dos ditos direitos e garantias (Brasil, 1929).

Para compreender o acesso dos estrangeiros à saúde pública brasileira, é

preciso transcender a legislação específica do Sistema Único de Saúde refletido

pela Lei nº 8080/90. O Brasil é signatário de acordos internacionais, dentre os quais

se destaca a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, na

Assembleia Geral das Nações Unidas, adotada e proclamada pela Resolução nº

217, de 10 de dezembro de 1948.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), promulgada em 10 de

dezembro de 1948, pode ser destacada como um dos termos mais importantes no

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campo dos direitos humanos, no ponto de vista de ACCIOLY, CASELLA E

NASCIMENTO (2012. p. 714.):

A Declaração Universal de 1948, bem como os instrumentos subsequentemente adotados, no contexto da ONU, inscrevem-se no movimento de busca de recuperação da dignidade humana, após os horrores cometidos pelo nazifascismo, mas, sobretudo se dá a mudança no enfoque, quanto a ser o estabelecimento de sistema de proteção dos direitos fundamentais intrinsecamente internacionais. Todo o sistema se constrói a partir de tal premissa.

Na aludida resolução, sobressai-se o Art. 3º que menciona “[...] toda pessoa

tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Já o Art. 25º, ressalta o direito

à saúde, quando assevera que: 1) Toda pessoa tem direito a um padrão de vida

capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação,

vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e

direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou

outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. 2) A

maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as

crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social

(ONU, 1948 – Tradução nossa).

Convém consignar que na DUDH, são abordadas duas espécies de direitos: os

“direitos civis e políticos” e os “direitos econômicos, sociais e culturais”. De acordo

com ACCIOLY, CASELLA E NASCIMENTO (2012. p. 725), esses direitos podem ser

aglutinados segundo a sua geração:

– direitos de primeira geração: são a reafirmação do direito à liberdade, em oposição à ação do estado, que tem a obrigação de se abster de atos que possam representar a violação de tais direitos; são os direitos civis e políticos que abrangem o direito à vida e à nacionalidade, a liberdade de movimento e o direito de asilo, a proibição de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, a proibição da escravidão, a liberdade de opinião e as atividades políticas e trabalhistas etc.;

– direitos de segunda geração: põem a ênfase nos direitos econômicos, sociais e culturais, nos quais existe como que dívida da sociedade para com o indivíduo; estes direitos, que só podem ser desfrutados com o auxílio do estado, são o direito ao trabalho em condições justas e favoráveis, o direito de pertencer a sindicatos, o direito à educação e cultura, o direito a um nível adequado de vida, o direito à seguridade e seguro social;

– direitos ditos de terceira geração: na medida em que se sustentam, seriam o direito a ambiente sadio, o direito à paz, o direito ao desenvolvimento e o direito aos bens que constituem o patrimônio comum da humanidade; característica desses direitos ditos “de terceira geração”, também denominados direitos sociais, é o fato de serem desfrutados de maneira coletiva, ou seja, pelo indivíduo, pelo estado, por outras entidades públicas e privadas; inicialmente mencionados com certa hesitação, verifica-

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se, com o passar dos anos, a noção ter-se consolidado, dando a alguns dos direitos já aludidos no passado, como o direito à paz, novo enfoque.

No que se refere aos direitos do estrangeiro a DUDH determina, em seu artigo

XIII, que “todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das

fronteiras de cada estado”, e acresce, no § 2º que “todo homem tem o direito de

deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar”.

Depreende-se que tal disposição jurídica tão somente alude ao direito de

locomoção e ao direito de se retirar de seu país. Ou seja, não atribui ao estrangeiro

o direito de entrar em outro país. Assim, conclui-se que é responsabilidade de cada

Estado deliberar se autoriza a entrada migrante em seu território, possuindo livre

arbítrio. Ocorre que, como ressalta ACCIOLY, CASELLA E NASCIMENTO (2012. p.

755), não é tolerável a discriminação “baseada em motivos raciais ou religiosos,

como ocorria no passado, por exemplo, nos Estados Unidos, onde vigorava um

sistema de cotas, cujo objetivo era manter relativa unidade populacional”. Sobre o

tema, VEDOVATO (2013. p. 32/33) acrescenta:

A condição de migrante é determinada por a pessoa se encontrar – ou tentar ingressar – em Estado com o qual não possui o vínculo de nacionalidade, definido, como se sabe, pelo Estado soberano, o qual, de fato, tem a possibilidade de regular o trânsito de estrangeiros por suas fronteiras. Esse Estado alcança, para tanto, amparo no Direito Internacional que reconhece aos Estados soberanos o direito de regular ou proibir a entrada de estrangeiros em seu território.

A DUDH prevê a liberdade de ir e vir, por meio do Art. 13º e a liberdade de

locomoção e residência através dos Arts. 14º e 27º. Será de responsabilidade dos

estados nações, o respeito e cumprimento a plenitude dos direitos humanos, cujo

arcabouço jurídico é válido internacionalmente, tornando-nos cidadãos do mundo.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem - basilar das Nações Unidas,

assinada no ano de 1948 – igualmente tem previsão, no artigo III, do direito à vida:

“Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Essa

situação encontra respaldo no art. 5º da Constituição brasileira, que afirma:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...] (BRASIL, 1988, s/p).

Outra legislação que merece ser citada é o Pacto Internacional de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, adotado pela Resolução nº 2.200 – A

(XXI) – Da Assembleia Geral das Nações Unidas, datada de 16 de dezembro de

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1966 e ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, destacando-se: 1) Art. 12 -

1). Os Estados-Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de

desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental. 2) As medidas que os

Estados-Partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim de assegurar o pleno

exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias para

assegurar: i) A diminuição da mortalidade e da mortalidade infantil, bem como o

desenvolvimento são das crianças. ii) A melhoria de todos os aspectos de higiene do

trabalho e do meio ambiente. iii) A prevenção e o tratamento das doenças

epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas

doenças. iv) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e

serviços médicos em casos de enfermidade. (ONU, 1964).

Este Pacto consagra ainda, no art. 20, o direito à nacionalidade: “todas as

pessoas têm direito a uma nacionalidade, sendo esta no território em que houver

nascido se não tiver direito à outra”. Porém ninguém deve privar-se arbitrariamente

de sua nacionalidade, nem sequer do direito de mudá-la.

Estudando as particularidades das áreas fronteiriças do Brasil, tais como a

mobilidade, a integração e as relações existentes, depreende-se que a integração é

uma realidade que já existente, com embasamentos normativos ou não. Tal

cotidianidade é um movimento em crescente evolução. A procura por estrangeiros

de atendimento médico público no Brasil é uma das facetas do cotidiano nas regiões

de fronteira.

Assim, é de suma relevância o estudo acerca das dificuldades que os

estrangeiros fronteiriços enfrentam para alcançar atendimento na saúde pública

brasileira, e o cotidiano dessa dinâmica, especificamente nos municípios de

fronteira, pois, a partir do entendimento dessa problemática, pode-se otimizar o

atendimento de saúde local por meio de políticas públicas e a garantia dos direitos

sociais dos estrangeiros na região de fronteira e de sua população como um todo.

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6. DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS ESTRANGEIROS NO ACESSO AO SUS

Os estrangeiros fronteiriços encaram diversas barreiras ao buscar no Brasil

serviços de saúde, sendo-lhes requerido, sobretudo, a comprovação de regularidade

no país e o cartão do SUS. Combater tais discriminações é um dever de todos que

convivem naquele ambiente, tendo em vista que entre países vizinhos, em espaço

fronteiriço, são cotidianas as práticas comuns, os usos dos mesmos territórios. É por

meio do cotidiano que é possível essa superação, uma vez que acaba por ser banal

a diferença de nações.

Para DAL PRÁ (2009. p. 10), são dois os fatores que fazem com que o

atendimento no campo da saúde em espaços fronteiriços seja, em regra, precário:

Os sistemas de proteção à saúde constituídos nas fronteiras atendem de maneira precária às necessidades sociais da população fronteiriça que transita na região, principalmente, por dois motivos: 1) por essas pessoas não possuírem titularidade formal de cidadãos nacionais, o que lhes garantiria juridicamente o acesso à assistência no Brasil e nos demais países do Mercosul; e 2) pelas cidades fronteiriças não possuírem recursos técnicos e financeiros suficientes para o atendimento indiscriminado e integral das necessidades sociais demandadas pelos fronteiriços.

Coadunando tal posicionamento, GADELHA e COSTA (2007) enfatizam que:

Os municípios de fronteira do Brasil têm tido grande dificuldade em prover os seus munícipes de atenção integral à saúde. A falta de recursos humanos especializados, a insuficiência de equipamentos para realização de procedimentos de média e alta complexidade, e a distância entre os municípios e os centros de referência são as principais justificativas apresentadas. Ademais, a dificuldade de planejamento de provisão dessas políticas, em função da população flutuante que utiliza o sistema e que, no caso brasileiro, não é contabilizada para os repasses financeiros do SUS, vem gerando dificuldades diversas cuja principal vítima é o cidadão fronteiriço.

Assim, o crescimento de custos financeiros para os municípios, em razão do

atendimento a não residentes, é um dos mais relevantes estrangulamentos nas

tentativas de integração. É o que afirma VEDOVATO (2013. p. 142):

As propostas para sanar esse problema envolvem a garantia de acesso a direitos fundamentais, com informação a esse grupo vulnerável, além da sensibilização dos nacionais para os efeitos perversos da limitação de direitos a estrangeiros. Em suma, é essa a grande dificuldade que o Brasil

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vai enfrentar, cada vez com maior frequência, ou seja, encontrar meios para acolher e aplicar as normas de direitos humanos aos estrangeiros.

Com o fito de solucionar essa impossibilidade financeira, foi criado o Sistema

Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS-Fronteiras) para estimular a concretização

da integração regional. O objetivo era que se organizasse a atenção à saúde nas

fronteiras de maneira que fosse possível integrar os sistemas de saúde de países

diversos. De acordo com GADELHA e COSTA (2007):

A partir daí surgiu a proposta do SIS-Fronteiras, voltado para a integração da saúde com os dez países sul-americanos que fazem fronteira com o Brasil, refletindo o fato de que as dificuldades quanto à prestação de saúde nas fronteiras não se restringem aos países do MERCOSUL. Essa iniciativa visava não somente à melhoria da qualidade de vida da população, como principalmente subsidiar o processo de harmonização de saúde entre os países, necessário para o estabelecimento de marcos legais para a integração, otimização e qualificação da atenção prestada nas fronteiras.

O foco de tal sistema é promover uma política de estímulo à gestão, através do

repasse de recursos financeiros aos municípios de fronteira que, em compensação,

deverão colaborar diretamente na da elaboração de uma análise da realidade de

saúde local e constrangidos a realizar cadastro de toda sua população no cartão

SUS.

BAUERMANN e CURRY (2017), ao tratarem da situação do SIS-Fronteiras no

ano de 2015, afirmam:

SIS-FRONTEIRAS está estagnado, onde não se mostra passivo ao desenvolvimento dessa política de integração na faixa de fronteira. Os investimentos que foram realizados não condizem com a demanda necessária para atender de forma plena a população estrangeira que procuram serviços de saúde. O projeto teria como missão de garantir o atendimento à saúde para a população fronteiriça migrante, devendo auxiliar os gestores municipais de saúde na elaboração de estratégias, melhorando os sistemas de saúde locais.

No mesmo sentido, NOGUEIRA e FAGUNDES (2014), relatam que no decorrer

da implementação do SIS-Fronteiras houve alterações de finalidades, que resultou

discrepâncias em termos de estratégia e plano de ação. Ademais, os objetivos

iniciais do programa não foram alcançados, e os recursos financeiros foram

aproveitados unicamente para expandir a rede de serviços locais e manter

atualizado o banco de dados. Os aspectos de integração, ou mesmo de cooperação

transfronteiriça, previstos, da mesma forma não se efetivaram, nem se verificou

qualquer ação neste sentido.

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Destaca-se, ainda, que o artigo 4º da Portaria Ministerial 1.560/02, prevê:

[...] têm direito ao CARTÃO SUS todos os brasileiros e os estrangeiros com residência permanente no país. Concluindo que todos aqueles estrangeiros que não se encontrarem nesta condição somente serão atendidos pelo SUS nos casos de urgência e emergência.

A definição de urgência ou emergência é aberta, pois o que vem a ser urgência

ou emergência? Apenas o risco de morte iminente? Ou dor aguda, e o forte mal-

estar também precisam ser tratados de imediato. Seria inócuo garantir a vida se isso

não abrangesse a garantia à saúde, haja vista que eliminando a saúde de uma

pessoa, consequentemente, estará matando-o. Esse também é o entendimento dos

tribunais, conforme demonstra trecho do acórdão do egrégio Supremo Tribunal

Federal abaixo colacionado:

O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. (...) o reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do se alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade.

(BRASIL. Ministério da Saúde. Processo nº. 25000.137111/2006-03. Solicita subsídios para defesa da união no processo nº 200670020071089 que requer o fornecimento de medicamentos para os brasiguaios. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. RE 271.286-AgR, Rel. Min.Celso de Mello, DJ 24/11/00). No mesmo sentido: RE 393.175, Rel. Min. Celso de Mello Informativo 414).

Pelo exposto, os tribunais já pacificaram o entendimento de que todos,

inclusive estrangeiros, estão sob a égide das garantias constitucionais. Os

estrangeiros devem ser tratados com tanto cuidado quanto os cidadãos brasileiros,

devendo o Estado lhes proporcionar pleno atendimento às garantias de direito à vida

e à saúde, à dignidade da pessoa humana e, também aos objetivos fundamentais de

construir uma sociedade livre, justa e solidária e de promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de

discriminação

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Segundo Waldman (2011) estrangeiros relataram que, apesar de conseguirem

atendimento no SUS, houve situações de desrespeito a eles por parte dos

profissionais de saúde, tais como “falarem alto com eles e empurrá-los”. Outra

situação narrada, dessa vez por Martes e Faleiros (2013) foi a de problemas em

compreender as orientações médicas.

Chubaci e Merighi (2002) concluíram que a dificuldade com a língua

portuguesa causa consequências negativas na compreensão da doença, no

tratamento e no trato com os profissionais de saúde. Tal cenário insegurança tanto

para explanarem o que sentem quanto para compreenderem o que os profissionais

querem transmitir.

O obstáculo do idioma é considerável, sobretudo, em quadros de doenças

graves, em que é imprescindível a utilização pelos profissionais de termos técnicos

para explica-las, além da dificuldade de compreensão das instruções no decorrer de

procedimentos que pendem do auxílio dos pacientes para serem concretizados.

No caso da saúde, a demanda de estrangeiros por serviços de saúde ocorre

em seus diversos níveis, tais como busca de vacinas, inalações, consulta básica,

consultas especializadas, exames laboratoriais e de imagem, e até a alta

complexidade como sessões de hemodiálise. No que tange aos procedimentos da

alta complexidade, é imperativa a apresentação do cartão SUS, o qual exige para a

sua concessão a informação do Cadastro da Pessoa Física – CPF, o que obsta o

acesso, porém não impede eventuais práticas criminosas por parte dos estrangeiros.

SILVA (2010), ao tratar acerca da realidade de atendimento à saúde nas fronteiras

destacou:

As ações em saúde pública na fronteira oeste do Brasil se deparam com inúmeras situações diárias, cuja interface com o arcabouço legal do direito a saúde pelo estrangeiro e a prática das relações de fronteiras resultam em diversos níveis de contradição, onde se procurou exemplificar com fatos observados nas atividades laborais do pesquisador. Podemos destacar:

o uso de documentos emprestados por brasileiros aos bolivianos;

a negação da nacionalidade boliviana, pelo boliviano ao usar o sistema de saúde brasileiro;

o fornecimento de endereço brasileiro, muitas vezes de amigos, para caracterizar sua residência em solo nacional brasileiro;

o suborno aos funcionários da saúde brasileiros, por bolivianos que querem se utilizar das ações e serviços de saúde no Brasil, com destaque a vacinações e acesso a medicamentos;

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a demanda espontânea de bolivianas na rede hospitalar do Brasil, sobremaneira para a realização de parto;

dependência de serviços em saúde da média e alta complexidade e a atração pela gratuidade;

difícil acesso dos bolivianos aos grandes centros de saúde em seu país, seja pela distância, bem como a disponibilização rápida de meios de transportes.

Conclui-se que, para a concretização de um acesso dos estrangeiros à

saúde efetiva nas regiões de fronteira, será preciso superar muitos obstáculos,

com planejamento e realização de políticas públicas, para uma integração e divisão

de responsabilidades mais homogênea.

6.1 Como os Tribunais Brasileiros têm decidido sobre essa

temática

E M E N T A – APELAÇÕES CÍVEIS – REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA DE OFÍCIO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – CIRURGIA NO FÊMUR ESQUERDO PARA CORREÇÃO DE FRATURA – INDICAÇÃO FEITA POR MÉDICA VINCULADA AO SUS – PACIENTE IDOSA, QUE SE ENCONTRA ACAMADA E SEM POSSIBILIDADE DE LOCOMOÇÃO – ORIGEM ESTRANGEIRA – ENTRAVE BUROCRÁTICO QUE NÃO PODE IMPLICAR EM ÓBICE À PROTEÇÃO À SAÚDE – PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL – MANUTENÇÃO – ASTREINTES – REDUÇÃO – RECURSOS VOLUNTÁRIOS DESPROVIDOS – REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDA. I – Tratando-se de sentença ilíquida proferida contra o Poder Público, faz-se necessário o reexame da decisão, ante o disposto na súmula 490, do STJ. Remessa necessária conhecida de ofício. II – A autora é idosa (88 anos), sofreu fratura no osso, está sendo atendida pelo SUS e necessita da realização de cirurgia para correção do fêmur, a qual foi indicada por profissional vinculado à rede pública de saúde. O procedimento em questão é padronizado e o fato da paciente ser estrangeira configura entrave burocrático que não pode implicar em óbice à proteção do direito à saúde. III – Por ter natureza inibitória, a multa diária deve ser fixada em valor razoável, capaz de compelir o réu a cumprir a obrigação. Valor reduzido. (TJ-MS - APL: 08008669720168120003 MS 0800866-97.2016.8.12.0003, Relator: Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva, Data de Julgamento: 19/09/2017, 5ª Câmara Cível).

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Trata-se inicialmente de uma ação de obrigação de fazer ajuizada por Odulia

Gimenes. O Estado de Mato Grosso do Sul e Município de Bela Vista entraram com

apelação da sentença, a qual julgou procedente o requerimento formulado na inicial

para obrigar aos réus que providenciassem vaga à autora para tratamento cirúrgico,

em consonância com a prescrição médica, bem como o custeio de demais

despesas, tais como transporte, alimentação e hospedagem à pessoa que a

acompanhasse.

O Estado de Mato Grosso do Sul declarou que não havia no processo

comprobação de que o quadro clínico da autora apresentasse alguma relevância

que embasasse a urgência declarada na ação a ponto de não se observar os

ditames burocráticos. Alegou ainda que não se pode acudir toda e qualquer

pretensão de haver do Estado urgência na realização de cirurgia, sob pena de que

outros usuários do SUS que da mesma maneira necessitam dos seus serviços, não

sejam atendidos. Ademais, nesses casos poderia ocorrer violação aos princípios da

igualdade, isonomia e universalidade; pois apesar o direito constitucional à saúde

seja garantido a todos, inclusive estrangeiros, estes devem possuir residência

permanente no país, o que não seria o caso da requerente. Dessa forma, como

carecia à autora de uma das condições para o seu atendimento na rede pública de

saúde e, logo, no Sistema de Regulação de Vagas – SISREG, não haveria falar em

omissão ou negligência por parte do Estado na consolidação do direito à saúde; e

que não haveria como condenar o Estado a providenciar o tratamento buscado

quando não se obteve qualquer parecer do Núcleo de Assistência Técnica – NAT

sobre o caso, precisamente por ausência de elementos essenciais ao deslinde do

processo.

Requereu provimento do recurso para, reformando-se a sentença, fosse o

pedido formulado na exordial julgado improcedente; sucessivamente, requereu fosse

concedido um prazo não inferior a 90 (noventa) dias para a realização do

procedimento cirúrgico aconselhado à autora, juntamente com revogação da multa

cominatória imposta ou a sua redução.

O Município de Bela Vista, por seu turno, ateve-se a arguir as mesmas razões

colocadas pelo Estado de Mato Grosso do Sul, pleiteando a reforma da sentença

para que seja julgado improcedente o pedido formulado na exordial.

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A Procuradoria-Geral de Justiça pronunciou-se pelo parcial provimento dos

recursos interpostos, dilargando-se o prazo para cumprimento da ordem judicial para

20 (vinte) dias.

Tal julgado foi assim fundamentado, corroborando com todo o embasamento

até aqui exposto:

A Constituição Federal em seu artigo 6º dispõe que "são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". Vê-se que o direito daquele que necessita de tratamento médico eficaz está consubstanciado na Constituição Federal, em seu artigo 196, norma de eficácia plena e revestida de aplicabilidade direta, segundo o qual "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Ressalte-se, ainda, que compete ao Poder Público organizar a seguridade social, com base, dentre outros objetivos, na universalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, parágrafo único, inc. I, CF). Esclarecedor o art. 198, inc. II, da Carta Magna quando dispõe que "As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, que atende a diversas diretrizes, das quais se destaca, por aplicável à hipótese em estudo, o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais. Ademais, a dignidade da pessoa humana é princípio fundamental a ser observado (art. 1º, inc. III, CF), consagrando nosso Estado como uma organização centrada no ser humano, e não em qualquer outro referencial1 . Conveniente, ainda, citar o princípio da eficiência, do qual se extrai que a administração pública deve buscar atingir os melhores resultados possíveis na prestação dos serviços públicos que lhe são afetos, que pode ser perfeitamente aplicado no que concerne ao direito à saúde. Não se verifica, ainda, prejuízo à coletividade, tampouco em ofensa ao princípio da igualdade, uma vez que este somente é efetivado em sua plenitude quando se trata os desiguais levando-se em consideração suas peculiaridades, mostrando-se impossível conceber como semelhantes todos os membros da sociedade, ainda mais no que tange à saúde, algo tão particular. In casu, verifica-se dos documentos juntados, os quais não podem ser simplesmente ignorados ante a existência de questões de ordem burocrática, que a autora é idosa (88 anos), sofreu fratura no osso, está sendo atendida pelo SUS e necessita da realização de cirurgia para correção do fêmur, a qual foi indicada por profissional vinculado à rede pública de saúde (f. 15-17). Ainda que a paciente seja de origem estrangeira e não possua documentação brasileira, havendo dúvidas se reside ou não no país (o que impediria a emissão do cartão do SUS e a sua inclusão no sistema de regulação de vagas), não se pode olvidar que a dignidade da pessoa humana é princípio fundamental a ser observado em nosso país (CF, art. 1º, III), consagrando "nosso Estado como uma organização centrada no ser humano, e não em qualquer outro referencial" 2 . Há de se ressaltar que a fratura sofrida pela autora, ora apelada, ocorreu há meses e, por tal motivo, ela se encontra acamada e sem poder se locomover. Neste ponto reside a urgência reclamada para a realização do procedimento.

Outro caso analisado pelo Poder Judiciário foi o seguinte:

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SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. TRANSPLANTE DE MEDULA. TRATAMENTO GRATUITO PARA ESTRANGEIRO. ART. 5º DA CF. O art. 5º da Constituição Federal, quando assegura os direitos e garantias fundamentais a brasileiros e estrangeiros residentes no País, não está a exigir o domicílio do estrangeiro. O significado do dispositivo constitucional, que consagra a igualdade de tratamento entre brasileiros e estrangeiros, exige que o estrangeiro esteja sob a ordem jurídico-constitucional brasileira, não importa em que condição. Até mesmo o estrangeiro em situação irregular no País, encontra-se protegido e a ele são assegurados os direitos e garantias fundamentais. Agravo improvido. (TRF-4 - AG: 32610 PR 2005.04.01.032610-6, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 29/08/2006, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 01/11/2006 PÁGINA: 688)

Trata-se de agravo de instrumento ajuizado pela União em face decisão

proferida nos autos de mandado de segurança impetrado, concessiva de medida

liminar.

Nos referidos autos, o autor, Santiago Nicolás Cañete Benites, paraguaio,

alega que, no ano de 2001, foi diagnosticado, pela equipe médica do Hospital Nossa

Senhora das Graças, em Curitiba/PR, com leucemia linfóide aguda, pré-B precoce,

tendo passado por tratamento médico e conseguido a remissão completa da

doença. Contudo, em março de 2005 exames mostraram a recidiva da doença,

tendo retornado a Curitiba para reavaliação, onde foi confirmada a recidiva e a

necessidade da realização urgente de um transplante de medula óssea, o qual não é

realizado em nenhum estabelecimento de saúde de seu país de origem. Que foi

submetido ao tratamento para prepará-lo para o transplante, enquanto era realizada

a procura por um doador aparentado compatível, a qual resultou infrutífera. Assim,

procedeu-se à busca urgente de doadores não aparentados, o que no Brasil importa

na inscrição no cadastro único do Registro Nacional de Receptores de Medula

Óssea - REREME, mantido pelo Ministério da Saúde, através de sua Secretaria de

Atenção e Saúde, sendo todos os centros de referência habilitados para a realização

dos procedimentos clínicos e cirúrgicos de transplante ligados a fundações públicas,

sendo um deles o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, para

onde foi o impetrante encaminhado. No entanto, mesmo diante do quadro grave do

paciente, que poderia retirar a vida do impetrante a qualquer momento, a direção do

Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná informou que a realização

do tratamento naquela Instituição, sobretudo sua inscrição na lista única de

receptores não aparentados de medula óssea, não seria possível por não possuir o

demandante nacionalidade brasileira. Alegou o impetrante que o art. 5º da

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Constituição Federal, bem como o art. 196, assegura-lhe direito líquido e certo ao

tratamento que buscava.

A decisão agravada foi no sentido de que se encontravam presentes o risco de

dano irreparável, diante risco de morte decorrente da gravidade da doença

diagnosticada, bem como da importância dos fundamentos. Afirmou o juiz de

primeiro grau que:

O dispositivo constitucional supramencionado (art. 196) revela o caráter universal que se dá ao direito à saúde. Diversamente do que ocorreu com os direitos e garantias individuais postos no art. 5º da Constituição, o direito à saúde não encontra diferenciação entre brasileiros e estrangeiros residentes no país e estrangeiros residentes em outros países. Existe uma universalidade que faz com que a República seja obrigada a prestar tratamento também ao estrangeiro, bastando que a pessoa se encontre em território nacional para que esteja albergada por essa garantia. Esse caráter universal é repetido no art. 2º da Lei nº 8.212/91 (Lei Orgânica da Seguridade Social).

Nas razões de recurso, a União citou o parecer nº 776, de 10 de maio de 2002,

da Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde, que considerou plausíveis

determinadas distinções entre estrangeiros residentes no país e estrangeiros não

residentes no país. Que no caso cuida-se de estrangeiro cuja permanência no Brasil

é transitória e teria como único fim gozar de tratamento médico. Assinalou, ademais,

que o Sistema Único de Saúde é custeado por recursos públicos, para cuja

formação contribuem - direta ou indiretamente - os cidadãos brasileiros. Finalizou

afirmando que o direito à saúde, de que trata o artigo 196 da Constituição Federal,

abarca apenas aqueles que se submetem, tanto quanto aos direitos, como aos

deveres, ao ordenamento jurídico brasileiro.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do agravo. Entendeu-se

que o recurso era tempestivo.

No que tange ao mérito, afirmou-se que o impetrante alegou na exordial que

seria residente no Brasil, onde se encontra submetido a tratamento de Saúde no

Hospital Nossa Senhora das Graças; que possuía amigos, familiares, enfim; que

teria se fixado definitivamente no Brasil. Assim, o impetrante não se encontrava de

passagem ou de férias no Brasil; diversamente, seria aqui em território nacional que

o Impetrante fixou-se, com o intuito de aqui permanecer. Vale notar que o Impetrante

ingressou e permaneceu legalmente em território nacional, sendo sua condição

temporariamente de turista, pois já havia protocolizou pedido de sua conversão em

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visto especial para tratamento de saúde, o qual perduraria durante o tempo que

permanecer no Brasil realizando tratamento.

Ressaltou-se que o art. 5º da Constituição Federal, ao assegura os direitos e

garantias fundamentais a brasileiros e estrangeiros residentes no País, não impõe o

domicílio do estrangeiro. Exige-se somente que o estrangeiro esteja sob a ordem

jurídico-constitucional brasileira, não sendo relevante em que condição. Até mesmo

o estrangeiro em situação irregular no País, estaria protegido e a ele são

assegurados os direitos e garantias fundamentais.

Com efeito, a Constituição federal, em seu art. 4º, inciso II, assevera que a

República Federativa do Brasil, em suas relações internacionais, reger-se-á pelo

princípio da predominância dos direitos humanos. Assim, em face de todo o exposto,

negou-se provimento ao agravo de instrumento.

Outro julgado é o que demonstra a ementa a seguir exposta:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PACIENTE DIAGNOSTICADO COM "INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA TERMINAL". NEGATIVA DO ESTADO NO FORNECIMENTO DO FÁRMACO CINACALCETE 30 MG. OBRIGAÇÃO DO ESTADO (MUNICÍPIO, ESTADO E UNIÃO) DE OFERECER E GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE. ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. GARANTIA E EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. INOBSERVÂNCIA DE PROTOCOLOS ADMINISTRATIVOS E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E DE MEDICAMENTOS. IRRELEVÂNCIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA EFICÁCIA DO MEDICAMENTO. NÃO NECESSÁRIA. CONDENAÇÃO ÀS CUSTAS. POSSIBILIDADE. 1) O direito à saúde, de aplicação imediata e eficácia plena, deve ser implementado pelo Estado (União, Estados e Municípios), desde que comprovada a doença e a necessidade de tratamento específico, mediante atestado subscrito por profissional médico especialista na área. 2) A prescrição específica do tratamento postulado foi feita por profissional habilitado, responsável pelo tratamento da paciente, e, portanto, por quem tem as melhores condições de averiguar as reais necessidades dele, sendo prova suficiente da utilidade do tratamento que se pleiteia. 3) É irrelevante que os medicamentos prescritos não atendam as diretrizes das Políticas Públicas de Saúde e Medicamentos, ante a máxima constitucional do direito à saúde a qualquer cidadão. RECURSO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. (TJPR - 5ª C.Cível - AC - 1314917-6 - Laranjeiras do Sul - Rel.: Nilson Mizuta - Unânime - - J. 03.03.2015)

O Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou Ação Civil Pública em face

do ESTADO DO PARANÁ, em substituição de MANOEL DA ROCHA,

diagnosticado com “doença renal em estágio final (hiperparatireodismo

secundário).

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Relatou o substituto que segundo prescrição médica, o paciente necessitava

do medicamento CINACALCETE 30 MG, e que ao procurar seu fornecimento ante

a unidade municipal de saúde, foi avisado que tal medicamento não seria

fornecido. Perante a 5ª Regional de Saúde também houve a negativa do

fornecimento.

Ao final, fez pedido de antecipação da tutela para que fosse determinado a 5ª

Regional de Saúde o fornecimento gratuito da medicação ao substituído ao

paciente Manoel da Rocha e a todos os pacientes com o mesmo quadro clínico,

conforme prescrição médica. No mérito, requereu a confirmação da tutela

concedida.

Houve a parcial concessão da tutela antecipada, com determinação para que

o réu que fornecesse, no prazo de 10 dias, ao substituído (Manoel da Rocha), o

medicamento, pelo tempo que o tratamento durasse, sob pena de incidência de

multa diária no valor de R$ 1.000,00 por dia de descumprimento.

O Estado do Paraná informou o cumprimento da liminar.

O recorrido contestou, destacando-se as seguintes alegações: a) a

incompetência da Justiça Estadual para o julgamento da lide, já que a União seria

litisconsorte necessária; b) que o Judiciário não pode deixar de observar as

determinações do Ministério da Saúde e do Poder Executivo quanto ao

fornecimento de medicamentos; c) existência de outros medicamentos para o

tratamento a doença; d) falta de comprovação da ineficácia daqueles disponíveis,

nem da eficácia do pleiteado; e, e) impossibilidade de determinação genérica de

fornecimento de medicamento. Ademais, pugnou pela a improcedência do feito.

A sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais,

condenando o Estado do Paraná ao fornecimento do medicamento buscado, em

consonância com o receituário médico, de forma contínua e pelo período

recomendado por laudo médico, sob pena de multa diária de R$ 500,00 por dia de

descumprimento. Condenou às custas processuais.

O Estado do Paraná interpôs recurso de Apelação alegando, em resumo, que

como o medicamento solicitado não faz parte do RENAME nem dos Protocolos

Clínicos do Ministério da Saúde, não tendo como obrigar o Estado ao fornecimento

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de algo que não se encontra previsto em norma jurídica. Insistiu na inclusão da

União na condição de litisconsorte passivo necessário.

Asseverou, ainda, que deveriam ter sido esgotados os tratamentos

disponíveis nos Protocolos Clínicos e no RENAME, e que as políticas de

dispensação de medicamentos deveriam ser observadas. Discutiu, também, a

condenação às custas. Afirmou que na Ação Civil Pública somente existe

condenação no caso de má-fé, e no caso, deveria ser aplicado o princípio da

simetria.

O Ministério Público apresentou Contrarrazões. A Procuradoria Geral de

Justiça se manifestou pelo não acatamento do recurso.

O Tribunal proferiu decisão no sentido de que sendo o funcionamento do

Sistema Único de Saúde - SUS de responsabilidade solidária da União, Estados e

Municípios, nos termos do disposto nos arts. 196 e 198, § 1º, da Constituição

Federal, quaisquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para constar no

polo passivo da lide que objetiva a garantia do acesso à medicação para indivíduos

que não possuem de recursos financeiros.

Entendeu-se que o requerente tinha direito ao fornecimento dos

medicamentos pleiteados, devendo ser reformada a sentença somente no que

tangia ao valor da multa imposta, que se determinou em R$ 300,00 diários para o

caso de descumprimento.

Assim, negou-se provimento à Apelação interposta pelo Estado do Paraná, e

manteve-se a sentença em reexame necessário.

Há também o seguinte julgado:

ADMINISTRATIVO. TRANSPLANTE RENAL. ESTRANGEIRO COM VISTO DE PERMANÊNCIA OBTIDO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL PARA TRATAMENTO MÉDICO. DIREITO AO ACESSO À FILA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL. 1. Trata-se de remessa oficial e apelações interpostas pelo Estado do Ceará e pela União contra sentença que julgou procedente o pedido, para o fim de determinar o acesso imediato do autor ao Sistema de Fila Única de Transplante, previsto na Portaria nº. 2.600 do Ministério da Saúde, retroativo à data do requerimento administrativo. 2. O autor, estrangeiro, ajuizou a presente ação ordinária objetivando o acesso imediato à fila de transplante renal, com direito ao atendimento pelo SUS, desde a data do requerimento administrativo, por ter tido seu pedido negado administrativamente, ao argumento de que não possuía visto permanente no Brasil. 3. Conforme se vê dos documentos acostados aos autos, desde 2005, o autor, ora apelado,

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realiza várias sessões de hemodiálise, por ser acometido de doença renal em estágio avançado e que obteve por decisão judicial transitada em julgado o direito de permanecer no Brasil o tempo necessário para seu tratamento médico-hospitalar. 4. O transplante renal é normatizado pela Lei nº. 9434/97, que dispõe sobre o Sistema nacional de Transplantes. A vantagem do transplante de rim é que o mesmo oferece uma chance de melhor qualidade de vida e uma independência da diálise. 5. Potencialmente, todos os pacientes que sofrem de doença renal crônica avançada são candidatos ao transplante, salvo em algumas situações proibitivas. Segundo lei federal, todo paciente renal crônico tem direito de realizar gratuitamente seu tratamento de diálise ou o transplante renal e de receber medicamentos básicos e essenciais para o tratamento de doenças que normalmente acompanham a insuficiência renal. 6. O art. 36 da Portaria GM/MS nº 3407 dispõe que "a unidade de diálise tem obrigação de inscrever todo paciente no cadastro técnico da Central de Transplante do seu estado". 7. Verifica-se do Programa de Transplante de Rim que, no prazo de 90 (noventa) dias após o início do tratamento dialítico, as unidades de diálise devem obrigatoriamente apresentar ao paciente apto, ou ao seu representante legal, a opção de inscrição em uma equipe de transplante renal. 8. Acerca do direito a receber tratamento tem-se a Portaria GM nº 1.820, de 13/08/2009, que dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários do SUS, considerando os artigos 6º e 196 da Constituição Federal, bem como a Lei nº 8.080, de 19/09/1990; Portaria nº 1.168/GM de 15/06/2004, que institui a Política Nacional de Atenção ao Portador de Doença Renal, considerando os artigos 196 a 200 da Constituição Federal e as Leis Orgânicas da Saúde nº 8.080, de 19/09/1990, e 8.142, de 28/12/1990; Portaria nº 211/SAS, de 15/06/2004, que regulamenta a Portaria 1.168/GM de 15/06/2004. 9. A legislação dispõe, basicamente, acerca dos direitos e deveres dos usuários da saúde, garantindo que toda pessoa tenha direito ao acesso a bens e serviços ordenados e organizados para a garantia da promoção, prevenção, proteção e recuperação da saúde, bem como ao tratamento adequado, com qualidade, no tempo certo e com garantia de continuidade. Promove, inclusive, a ampliação da cobertura no atendimento aos portadores de insuficiência renal crônica no Brasil, garantindo-lhes a universalidade, a equidade, a integralidade, o controle e o acesso às diferentes modalidades de Terapia Renal Substitutiva (diálise peritoneal, hemodiálise e transplante). 10. A universalidade constitucional compreende, portanto, a cobertura, o atendimento e o acesso ao Sistema Único de Saúde, expressando que o Estado tem o dever de prestar atendimento nos grandes e pequenos centros urbanos, e também às populações isoladas geopoliticamente. Os programas, as ações e os serviços de saúde devem ser concebidos para propiciar cobertura e atendimento universais, de modo equitativo e integral. 11. Interpretando-se o caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988 de forma extensiva, tem-se que o alcance é para todos, mesmo os estrangeiros não residentes no País, mas que estejam de passagem pelo território nacional, tendo contato com o ordenamento jurídico pátrio. Precedente jurisprudencial. 12. A sentença não merece reparos. Não se mostra razoável negar o direito do autor ao acesso à Fila de Transplante Renal, ao argumento de ausência de visto permanente, quando ele está regular no país. 13. Remessa oficial e apelações improvidas. (TRF-5 - AC: 103084920124058100, Relator: Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão, Data de Julgamento: 28/01/2014, Quarta Turma, Data de Publicação: 30/01/2014)

No referido caso, o Estado do Ceará e pela União apelaram em face da

sentença que julgou procedente o pleito de acesso imediato do autor ao Sistema de

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Fila Única de Transplante, previsto na Portaria nº. 2.600 do Ministério da Saúde,

retroativo à data do requerimento administrativo.

O Estado do Ceará, em suas razões de apelação, alegou que devem ser

respeitados os critérios impostos que sugerem as prioridades dos receptores. Por

seu turno a União, requereu a reforma, aduzindo que as disposições do Ministério da

Saúde, aceitam a realização de transplante em estrangeiro não residente com

alguns critérios. Foram apresentadas contrarrazões.

De acordo com os documentos constantes do processo, desde 2005, o autor

submeteu-se a várias sessões de hemodiálise, por ser possuir doença renal em

estágio avançado e que conseguiu, por meio de decisão judicial transitada em

julgado, o direito de permanecer no Brasil o tempo necessário para seu tratamento

médico-hospitalar.

Consignou-se, ainda, que potencialmente, todos os pacientes que sofrem de

doença renal crônica avançada são candidatos ao transplante, salvo em algumas

situações proibitivas. Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, todo paciente renal

crônico tem direito de realizar gratuitamente seu tratamento de diálise ou o

transplante renal e de receber medicamentos básicos e necessários para o

tratamento de doenças que normalmente acompanham a insuficiência renal.

Salientou-se que a universalidade constitucional abrange a cobertura, o

atendimento e o acesso ao Sistema Único de Saúde, consignando que o Estado tem

o dever de prestar atendimento nos grandes e pequenos centros urbanos, e também

às populações isoladas geopoliticamente. Os programas, as ações e os serviços de

saúde devem ser arquitetados para promover cobertura e atendimento universais,

de modo equitativo e integral.

Aduziu-se que o art. 5º CF/88 prevê o direito à igualdade, devendo o art. 5º da

Constituição Federal de 1988 ser interpretado de maneira extensiva, pois o alcance

é para todos, mesmo os estrangeiros não residentes no País, mas que estejam de

passagem pelo território nacional, tendo contato com o ordenamento jurídico pátrio.

Proferiu-se, finalmente, que a sentença não merecia reforma. Assim, mostrou-

se irrazoável negar o direito do autor ao acesso à Fila de Transplante Renal, ao

argumento de ausência de visto permanente, quando a pessoa está regular no país.

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Há ainda o seguinte julgado:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO À SAÚDE. ART. 196, CF. RESPEITO À FILA ADMINISTRATIVAMENTE ORGANIZADA. ISONOMIA. TRATAMENTO ONCOLÓGICO JÁ INICIADO POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONTINUIDADE. RAZOABILIDADE. IRREVERSIBILIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA. ISENÇÃO DE CUSTAS. ARTIGO 4º DA LEI Nº 9.289/96. HONORÁRIOS. SÚMULA 421 DO STJ. 1. Agravo retido não conhecido, uma vez que ignorada a exigência do art. 523, § 1º, do CPC/1973. 2. Houve a estruturação, no SUS, para o atendimento integral aos pacientes oncológicos, através da Portaria GM-MS 2.439, de 8 de dezembro de 2005, que instituiu a Política Nacional de Atenção Oncológica: Promoção, Prevenção, Diagnóstico, Tratamento, Reabilitação e Cuidados Paliativos a ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão do SUS, e da Portaria SAS-MS nº 741, de 19 de dezembro de 2005, que definiu as Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON), os Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) e os Centros de Referência de Alta Complexidade em Oncologia. Estes serviços são constituídos por unidades hospitalares que dispõem de todos os recursos humanos e tecnológicos necessários à assistência integral do paciente com câncer, desde o diagnóstico do caso, assistência ambulatorial e hospitalar, atendimento de emergências oncológicas e cuidados paliativos, sendo que nas UNACONS é oferecido tratamento para os cânceres mais prevalentes no Brasil e nos CACONS, tratamento para todos os tipos de câncer. 3. Dessa forma, a legitimação da União decorre não das atribuições do Ministério da Saúde, mas dos hospitais ligados ao SUS para o tratamento do câncer. Por outro lado, sob tais aspectos, deve ser reconhecida a ilegitimidade do Município do Rio de Janeiro, na hipótese em questão, tendo em vista que não há hospitais municipais do Estado do Rio de Janeiro credenciados como hospitais habilitados na alta complexidade em oncologia, conforme o anexo da Portaria nº 102, de 3 de fevereiro de 2012, do Ministério da Saúde. 4. Consoante orientação dominante desta Eg. Corte, o acesso ao direito à saúde deve ser compatibilizado com o princípio da isonomia, de forma a não garantir privilégios àqueles que procuram o Judiciário em detrimento dos que aguardam por tratamentos e cirurgias de acordo com a fila administrativamente estabelecida. Assim, não cabe ao Judiciário administrar hospitais, estabelecendo prioridades de natureza médica, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia. Precedentes. 5. Contudo, no caso dos autos, em que pese decisão proferida por esta e. Corte dando parcial provimento ao agravo de instrumento interposto pela União Federal para ressalvar a observância da fila administrativamente organizada com base nos critérios técnicos estipulados para o estabelecimento da ordem de prioridades, verifica-se que o tratamento pretendido pela autora está sendo realizado, por força de antecipação de tutela concedida anteriormente à sentença, sendo certo que, em casos de tratamento 1 oncológico, é necessário um acompanhamento contínuo e especializado. Dessa forma, não faz sentido, depois de ter sido autorizado o início do tratamento, interromper a sua continuidade. Em que pese o entendimento deste Colegiado no sentido de que não cabe ao Poder Judiciário interferir na atividade precípua do Administrador Público, estabelecendo prioridades de ordem médica, in casu, o tratamento necessário à plena recuperação da autora lhe deve ser dispensado diante da irreversibilidade da situação fática. 6. Deve ser afastada a condenação da União Federal, visto que a autora foi assistida judicialmente pela Defensoria Pública da União. Embora tenha autonomia administrativa, a DPU é um órgão da União, e seria ao mesmo tempo credora e devedora da obrigação imposta na sentença, motivo pelo qual incide o entendimento

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consolidado na Súmula 421 do STJ. 7. A fixação dos honorários advocatícios do Estado do Rio de Janeiro em 10% sobre o valor da causa - o que representa R$ 5.000,00 (cinco mil reais) -, revela-se, de fato, excessiva para a causa presente. Assim, é razoável a fixação da verba honorária em R$ 500,00 (quinhentos reais), considerando a desnecessidade de grande dilação probatória e a existência de precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 8. Agravo retido não conhecido. Apelação da União Federal conhecida e desprovida. Apelação do Estado do Rio de Janeiro conhecida e provida. Remessa necessária conhecida e parcialmente provida. Apelação do Município de Nilópolis prejudicada. (TRF-2 - APELREEX: 00017392120144025110 RJ 0001739-21.2014.4.02.5110, Relator: JOSÉ ANTONIO NEIVA, Data de Julgamento: 01/06/2016, 7ª TURMA ESPECIALIZADA)

Trata-se de remessa necessária e recursos de apelação apresentados pela

UNIÃO FEDERAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO e MUNICÍPIO DE NILÓPOLIS

buscando a reforma da sentença proferida pelo juízo da 4ª Vara Federal de São

João de Meriti que considerou improcedente o pedido de ressarcimento por danos

morais e julgou procedente o pedido de condenação solidária dos Réus a

providenciarem a realização do tratamento médico indicado à Autora, tornando,

assim, definitiva, a tutela antecipatória concedida, bem como de condenar os réus

ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da

causa.

Inicialmente, no referido caso, a autora ajuizou ação pelo rito ordinário em face

da UNIÃO FEDERAL, do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, e do MUNICÍPIO DE

NILÓPOLIS, com pedido de antecipação de tutela, com o objetivo de determinar que

os réus propiciem a realização de tratamento oncológico, preferencialmente no

INCA, ou, subsidiariamente, em hospital particular à custa do Poder Público. Como

causa de pedir a autora alegou que era portadora de neoplasia maligna invasora

compatível com carcinoma mamário invasor pouco diferenciado, sendo certo que

não havia previsão de vagas no SUS e que não poderia esperar na fila.

Foi proferida decisão concedendo a antecipação de tutela requerida. Houve a

interposição de agravo retido do Município de Nilópolis. Posteriormente houve

decisão concedendo parcialmente efeito suspensivo ao agravo de instrumento

ajuizado pela União Federal.

Sobreveio sentença julgando improcedente o requerimento de ressarcimento

por danos morais, e procedente o pedido de condenação solidária dos Réus a

adotarem as providências necessárias à realização do tratamento médico

aconselhado à autora.

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Nas razões recursais, a União Federal aduziu que era descabida a sua

inclusão como legitimada passiva em demandas judiciais cujo objeto é a

realização dos procedimentos em comento, haja vista que caberia aos demais entes

federados a realização do tratamento pleiteado. Desta feita, seria irregular a

imposição de uma responsabilidade que ela já cumpre, pois acarretaria

duplicidade, onerosa e injusta, de dispêndio de recursos para fins idênticos.

No mérito, alegou-se que "quando o Poder Judiciário determina à União que

faça uma internação, desorganiza o modo como é estruturado o Sistema Único de

Saúde, causando prejuízos a toda população".

O Município de Nilópolis, em suas razões recursais, asseverou que existe

um enorme pleito na seara de saúde e a Administração deve atender a todos,

sem distinção ou privilégios, a teor do princípio da Igualdade. No entanto, não

seria possível sempre atender com a agilidade merecida a toda população, nada

restando senão organizar a fila de espera por ordem dos pedidos em total

observância ao princípio da razoabilidade e igualdade. Assim, não seria razoável

que o Judiciário interviesse na questão do agendamento de tratamentos médicos,

procedimentos, fornecimento de medicamentos e etc., vindo, pela via transversa,

também administrar.

O Tribunal entendeu que não seria razoável a interrupção do tratamento,

devendo-se assegurar, em definitivo, a sua continuidade até quando se fizesse

necessário. Com efeito, não conheceu do agravo retido. Conheceu e negou

provimento à apelação da União Federal. Conheceu e deu provimento à apelação do

Estado do Rio de Janeiro para fixar o valor dos honorários advocatícios em R$

500,00 (quinhentos reais) e para isentá-lo do pagamento de custas. Conheceu e deu

parcial provimento à remessa necessária para reconhecer a ilegitimidade passiva do

Município do Rio de Janeiro e julgar extinto o processo, com fulcro no inciso VI do

artigo 485 do Código de Processo Civil, em relação ao ente municipal; para afastar a

condenação da União ao pagamento de honorários sucumbenciais; e para isentar a

União Federal do pagamento de custas; e julgou prejudicada a apelação do

Município de Nilópolis.

Convém colacionar ainda, o seguinte julgado:

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Ementa: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPLANTE DE CORAÇÃO. ESTRANGEIRO NÃO RESIDENTE NO BRASIL. INSCRIÇÃO NO SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTES E CIRURGIA GARANTIDA PELO SUS. ARTS. 1º, 5º E 196, DA CF. LEGALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. A Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III, elege como um dos seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana. 2. Nessa perspectiva, o direito à saúde, de que tratam o art. 5º, caput e o art. 196, da CF, não pode ser negado a nenhuma pessoa, por constituir o direito à saúde, e, em última análise, o direito à própria vida, um direito garantido a qualquer pessoa, independentemente de sua nacionalidade. 3. Assim, o estrangeiro que se encontra em solo brasileiro, mesmo não sendo residente no país, encontra-se protegido pela Constituição Federal, sendo-lhe garantido, portanto, os direitos e garantias fundamentais. 4. No caso dos autos, o impetrante, cidadão alemão, estando no país no ano de 2008 e antes de retornar ao país em que residia, desenvolveu doença grave, denominada cardiopatia isquêmica, enfermidade essa que impedia sua remoção do país, e cujo único tratamento era o transplante de coração, conforme atestado nos autos por médico especialista do Hospital das Clínicas da UFMG. 5. Nessa condição, o impetrante obteve medida liminar para que a autoridade impetrada o inscrevesse na lista nacional de transplante de coração, conseguindo, inclusive, ser operado e transplantado em fevereiro/2009, segundo informou a Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes - CGSNT. 6. Portanto, correta a sentença ao conceder a segurança para que fosse assegurado ao impetrante sua inscrição no Sistema Nacional de Transplantes, garantindo-lhe, inclusive, o transplante no âmbito do SUS. 7. Remessa oficial a que se nega provimento. (Processo: 00036141820094013400, Remessa Ex Offício de Mandado de Segurança, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1, Quinta Turma, Fonte: e-DJF1 DATA:06/07/2015 PAGINA:884, data da Decisão: 13/05/2015, data da Publicação: 06/07/2015)

Trata-se de remessa oficial de sentença que concedeu a segurança pleiteada

por Thomas Dietrich Nolle nos autos do mandado de segurança impetrado em face

de ato do Sr. Coordenador do Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da

Saúde, para obrigar a autoridade impetrada a inscrição do impetrante na lista

nacional para transplante de coração, providenciando todos os procedimentos

necessários para a inscrição e a realização de procedimentos cirúrgicos e pós-

cirúrgicos no âmbito do SUS, caso o único óbice fosse sua condição de estrangeiro

não residente no Brasil. O Juízo de origem entendeu que a não inclusão do

impetrante na lista nacional de transplantes afrontaria o princípio da dignidade da

pessoa humana, e, por essa razão não poderia prevalecer.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da remessa oficial.

A discussão existente nos autos dizia respeito ao direito ou não de estrangeiro,

não residente no país, de ser inscrito em lista nacional de transplante de coração.

Salientou-se que a Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III, elencou como

um dos seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana. Asseverou-se

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que o estrangeiro que se encontra em solo brasileiro, mesmo não sendo residente

no país, encontra-se protegido pela Constituição Federal, sendo-lhe garantido,

assim, os direitos e garantias fundamentais.

Na aludida demanda, o impetrante, cidadão alemão, vinha com frequência

regular ao Brasil, desde o ano de 1982, por ser casado com uma brasileira, e,

estando no país no ano de 2008, antes de retornar à Espanha, país em que residia,

acometeu-se de doença grave, denominada cardiopatia isquêmica, enfermidade

essa que impedia sua remoção ao país de origem, e cujo único tratamento era o

transplante de coração, de acordo atestado nos autos por médico especialista do

Hospital das Clínicas da UFMG.

Foi concedida medida liminar para que a autoridade impetrada o inserisse na

lista nacional de transplante de coração, logrando êxito, inclusive, ser operado e

transplantado em 2009, segundo informou a Coordenação-Geral do Sistema

Nacional de Transplantes – CGSNT.

A sentença confirmou a medida liminar concedida. No mesmo sentido, foi o

parecer da Procuradora Regional da República. Assim, o acórdão foi no sentido de

confirmar a sentença que concedeu a segurança pleiteada.

Também convém expor o julgado abaixo:

Ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À SAÚDE. GARANTIA CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MPF. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. UNIÃO. ESTADO. MUNICÍPIO. INTERESSE PROCESSUAL. 1. O Ministério Público possui legitimidade para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a ação visa à tutela de pessoa individualmente considerada. Precedente desta Corte. O fornecimento de tratamentos à saúde por meio do SUS transcende à pessoa do indivíduo, revelando interesse da coletividade como um todo. 2. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. 3. Embora seja inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar sejam estas implementadas sempre que os órgãos estatais competentes vierem a comprometer, com a sua omissão, a integridade de direitos sociais com estatura constitucional. 4. Não há falar em ausência de causa de pedir, pois o Ministério Público Federal não pleiteou apenas atendimento de urgência, e sim tratamento integral e gratuito pelo SUS aos brasileiros residentes no Paraguai, além de atendimento de saúde dos estrangeiros que compareçam aos postos e hospitais do Sistema em situação de emergência. 5. O atendimento pelo SUS a todos os brasileiros que comprovem essa qualidade, independentemente de apresentação de cartão do SUS, e, nos casos de emergência ou urgência, àqueles que não comprovem nacionalidade brasileira (estrangeiros e brasiguaios) caracteriza

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o pleno atendimento à norma constitucional garantidora do direito fundamental à saúde, passível de controle pelo Poder Judiciário. (Processo: 200670020071089, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO, relator: SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, TRF4, Quarta Turma, Fonte: D.E. 18/12/2009, data da decisão: 09/12/2009, data da publicação: 18/12/2009)

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a

União, o Estado do Paraná e o Município de Foz do Iguaçu, buscando a viabilização

nos postos de saúde da cidade de Foz do Iguaçu dos brasileiros residentes no

Paraguai, independentemente de comprovação de endereço no referido município, e

dos estrangeiros que compareçam aos postos e hospitais do sistema único de saúde

em situação de emergência, até mesmo nas situações de partos iminentes, bem

como a condenação para incluir no cálculo da parcela a ser entregue ao sistema em

Foz do Iguaçu os atendimentos realizados aos "brasiguaios" e aos estrangeiros

nesse sentido.

A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para estabelecer que o

plano de ação traçado conjuntamente pelos réus continuasse sendo executado, até

integral cumprimento, para que fosse prestado o atendimento aos brasileiros e

estrangeiros pelo SUS da seguinte maneira: a) aos brasileiros que comprovem esta

qualidade, independentemente da apresentação do Cartão SUS ou comprovação de

residência neste Município - de forma integral, devendo as despesas decorrentes do

atendimento dos não munícipes ser custeadas/ressarcidas conforme o tipo de

tratamento/exame/consulta nos termos da Lei 8.080/90 e legislação complementar,

que trata da divisão de competências no âmbito do SUS; b) aos que não comprovem

a nacionalidade brasileira (brasiguaios/estrangeiros), somente nos casos de

emergência e/ou urgência, consoante legislação pertinente.

A União Federal interpôs apelação, sustentando, em suma, a ausência de

interesse processual por inadequação da via eleita. Aduziu que o requerimento da

inicial violenta vários princípios constitucionais, além de não haver direito subjetivo,

oponível contra o Poder Público, com o fim de contra ele demandar medida ou ação

dependente de prévia deliberação política do Poder Executivo e de pendente de

previsão orçamentária. No mérito, alegou que a pretensão ofende o disposto no art.

2º da CF/88, que estabelece a regra da independência dos poderes. Ademais,

afirmou que para implementação de programas de saúde que atendam aos

"brasiguaios", e até os paraguaios que se encontrem em estado de emergência, faz-

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se necessária previsão orçamentária e tempo para que não se retire verbas de

outras áreas não menos importantes. Por fim, alegou que o SUS não poderia

suportar os gastos promovidos por indivíduos que não contribuem para o Sistema.

Requereu a reforma integral do julgado.

O Estado Paraná e o Município de Foz do Iguaçu também apelaram. O

primeiro sustentou a ilegitimidade do MPF para a demanda, bem como a sua

ilegitimidade passiva. Alegou, ainda, a ausência de interesse processual, haja vista

que o SUS já realiza atendimento integral aos brasileiros residentes no Paraguai e

aos paraguaios residentes em Foz do Iguaçu. O segundo alegou a ausência de

interesse processual, pois já vinha cumprindo o requerido na inicial. No mais,

entendeu que caberia à lei estabelecer políticas públicas de saúde e determinar o

custeio das despesas com os "brasiguaios" e estrangeiros. Ambos pugnaram pela

improcedência da ação. Apresentadas contrarrazões aos recursos.

O parquet federal opinou pela manutenção do julgado.

O acórdão julgou parcialmente procedente o pedido, a fim determinar que o

plano de ação traçado conjuntamente pelos réus continuasse sendo executado, até

integral cumprimento, para que fosse prestado o atendimento aos brasileiros e

estrangeiros pelo sistema SUS da seguinte forma: a) aos brasileiros que comprovem

esta qualidade, independentemente da apresentação do Cartão SUS ou

comprovação de residência neste Município - de forma integral, devendo as

despesas decorrentes do atendimento dos não munícipes ser custeadas/ressarcidas

conforme o tipo de tratamento/exame/consulta nos termos da Lei 8.080/90 e

legislação complementar, que trata da divisão de competências no âmbito do SUS;

b) aos que não comprovem a nacionalidade brasileira (brasiguaios/estrangeiros),

somente nos casos de emergência e/ou urgência, consoante legislação pertinente.

Não houve condenação à custa e se entendeu incabível a condenação em

honorários. Assim, negou-se provimento às apelações e à remessa oficial.

A jurisprudência destaca que não seria eficaz garantir o direito à vida, se em tal

princípio não se incluísse a salvaguarda da saúde, tendo em vista que tendo retirada

a saúde da pessoa humana, estar-se-ia retirando a própria vida. Assim, entendeu o

egrégio Supremo Tribunal Federal, conforme trecho de acórdão a seguir

colacionado:

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EMEN: ADMINISTRATIVO. HABEAS CORPUS. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO APÓS O CUMPRIMENTO DA PENA. DECRETO EXPULSÓRIO. PACIENTE ACOMETIDO DE DIVERSAS MOLÉSTIAS. SAÚDE E SUBSISTÊNCIA COMPROMETIDAS. PERMANÊNCIA POR RAZÕES HUMANITÁRIAS. ORDEM CONCEDIDA. 1. Trata-se, na hipótese, de estrangeiro submetido a situação de extrema vulnerabilidade psíquica e social, com afetação de sua condição de saúde e meios de subsistência, possivelmente causada por atos ou omissões estatais, enquanto esteve recluso no sistema prisional brasileiro, bem como após sua soltura. 2. Em sede de expulsão de estrangeiro, a jurisprudência desta Corte Superior prestigia a observância do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento jus-político da República. 3. A própria autoridade coatora acena para a possibilidade de que o Estado brasileiro, atendendo a caráter humanitário, conceda permanência a estrangeiros que pretendem ficar no país, no intuito de ter acesso a tratamentos de saúde essenciais à preservação de sua dignidade e condição humana. 4. Considerando as questões humanitárias envolvidas, aliadas à tramitação de procedimentos administrativos no âmbito do Ministério da Justiça, da Secretaria de Administração Penitenciária paulista, do SUS, além de processo judicial no qual se discute a responsabilidade do Estado de São Paulo pelos danos sofridos pelo paciente, reputo presentes na espécie o fumus boni iuris e o periculum in mora a amparar, em definitivo, a pretensão deduzida nesta impetração. 5. Ordem de habeas corpus concedida para tornar definitiva a suspensão da Portaria n. 2.144, de 22/9/2011, do Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça, bem como de qualquer ato de expulsão do paciente Eyon Adam Joseph do território nacional. Prejudicado o agravo regimental da União. ..EMEN:(HC 201402014097, OG FERNANDES, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:16/08/2017 ..DTPB:.)

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em razão de

suposto constrangimento ilegal praticado pelo Exmo. Sr. Ministro de Estado da

Justiça, que determinou a expulsão do paciente, nacional da República de

Camarões, por meio da Portaria n. 2.144, de 22/9/2011.

O paciente foi preso no Aeroporto Internacional de Guarulhos, no dia

30/5/2008, quando tentou embarcar em uma aeronave da Emirates Airlines com

destino a Dubai, carregando em seu estômago 123 cápsulas de cocaína, totalizando

o peso líquido de aproximadamente 2.058g.

Pelos delitos previstos no art. 33, c/c o art. 40, I, da Lei n. 11.343/2006, o

paciente foi condenado, já em grau de recurso, à pena de cinco anos e dez meses

de reclusão, em regime inicialmente fechado, e ao pagamento de 583 dias-multa.

Narra a exordial que o paciente possuiria um histórico de violações de seus

direitos no Brasil, pois teria sido gravemente torturado pelos agentes da Polícia Civil

que o abordaram em flagrante delito, o que teria acarretado severa debilidade físico-

motora, tendo sua capacidade de locomoção comprometida, necessitando do auxílio

de andadores.

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Alegou, ademais, terem sido realizadas inúmeras cirurgias para a retirada das

cápsulas que se encontravam no estômago do paciente, sem o consentimento dele,

e que as intervenções cirúrgicas haviam sido mal sucedidas, deixando uma enorme

cicatriz em seu abdômen, bem como constante secreção infecciosa.

Asseverou que, enquanto permaneceu encarcerado, teve negado atendimento

médico para tratamento da debilidade motora e, quando em liberdade, não

conseguiu acesso hospitalar em razão da ausência de documentos pessoais.

Ademais, em decorrência de tais fatos, teria desenvolvido eesquizofrenia, em virtude

de sofrimento físico e psíquico infligidos ao paciente, o que o tornaria incapacitado

para diversos aspectos básicos da vida comum, inclusive higiênicos, o que o

impossibilitaria de garantir a própria subsistência.

Asseverou que se encontrava assistido, em tratamento em um albergue, e que

a permanência no território nacional era a única condição para que pudesse

continuar sua reabilitação, tendo em vista que em seu país de origem,

possivelmente, não teria acesso aos cuidados médicos e higiênicos imprescindíveis

à preservação de sua vida. Fez referência ao princípio da dignidade da pessoa

humana. Invocou, também, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou

Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que estabelece o dever do Estado de

reparar e indenizar quem tenha sido torturado. Colacionou, ainda, além de

documentação comprobatória do precário estado de saúde do paciente, os autos do

Processo Administrativo de Expulsão e de ação indenizatória proposta contra o

Estado de São Paulo "pelas torturas sofridas".

O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem de habeas

corpus .

Foi concedida a liminar para suspender qualquer ato tendente à expulsão do

paciente Eyon Adam Joseph do território nacional, até o julgamento deste writ pelo

órgão colegiado. A União interpôs agravo regimental, alegando não terem sido

levadas em consideração as provas constantes dos autos, as quais desmentiriam a

história narrada na impetração.

O STJ entendeu que as questões humanitárias envolvidas, juntamente à

tramitação de procedimentos administrativos no âmbito do Ministério da Justiça, da

Secretaria de Administração Penitenciária paulista, do SUS, além de processo

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judicial no qual se discute a responsabilidade do Estado de São Paulo pelos danos

sofridos pelo paciente, presentes na espécie o fumus boni iuris e o periculum in

mora a amparar a pretensão deduzida nesta impetração. Diante disso, confirmou-se

a liminar.

Impõe citar também o seguinte julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRATAMENTO ONCOLÓGICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. REQUISITOS PREENCHIDOS. RECURSO PROVIDO. 1. Agravo de instrumento com pedido de antecipação dos efeitos da tutela contra decisão que indeferiu a tutela antecipada, a qual objetivava que os agravados disponibilizassem uma vaga para realização de tratamento oncológico do agravante. 2. A Lei nº 12.732/2012 prevê que paciente com neoplasia maligna tem direito de se submeter ao primeiro tratamento de quimioterapia e radioterapia no SUS no prazo de até 60 dias. 3. No caso em comento, o agravante, estrangeiro uruguaio, foi internado na Unidade de Emergência do CER Leblon com diagnóstico de tumor na bexiga, necessitando de "internação com suporte urológico e oncológico, para diagnóstico e início do tratamento quimioterápico adequado, com urgência", consoante declaração médica. Em razão de o agravante não ter parentes no Brasil, o médico da equipe do hospital procurou a Defensoria pública para solicitar o auxílio deste órgão em prol do autor, tendo em vista a ausência de serviço de urologia e oncologia na unidade de emergência, bem como a ausência de vagas para transferência do paciente. 4. O art. 196 da Constituição da República assevera que a saúde é direito de todos e dever do Estado, competindo, primordialmente ao Poder Público, a execução das ações e serviços que garantam ao cidadão, em última análise, o seu direito à vida. Sendo o direito à saúde bem constitucionalmente tutelado, não é possível que esta norma seja interpretada de modo a tornar-se uma "promessa constitucional inconsequente", pois além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa consequência constitucional indissociável do direito à vida, intrinsecamente ligado, ainda, ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é a razão, o centro gravitacional do sistema jurídico-constitucional em vigor. 5. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. 6. Agravo de instrumento provido. (AG 00000500920154020000, SALETE MACCALÓZ, TRF2 - 6ª TURMA ESPECIALIZADA.)

No citado caso, VILMER RIEIRA, com diagnóstico de possível câncer na

bexiga, representado pela DPU, agravada decisão do Juiz Federal Marcelo

Guerreiro que não lhe garantiu tratamento oncológico imediato na rede pública de

saúde, nem, subsidiariamente, na rede privada, pena de esgotamento da pretensão

jurisdicional.

Sustentou que estava internado na Coordenação de Emergência Regional do

Leblon, com diagnóstico de possível câncer na bexiga, contudo a unidade não

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oferece tratamento oncológico; a urgência de seu quadro clínico autorizaria o

deferimento da medida antecipatória; e a Constituição assegura o direito à saúde e o

dever jurídico do Estado em provê-la.

O juízo de origem reconsiderou em parte a decisão agravada. Determinou aos

réus se manifestarem sobre a possibilidade de abreviar o início do tratamento

oncológico na rede pública de saúde, sob pena de ser deferida a tutela antecipada

para interná-lo em hospital privado, à custa do SUS.

A União e o Estado do Rio de Janeiro aduziram que o paciente deveria se

submeter aos requisitos administrativos do SUS, com agendamento de consulta em

Centro de Alta Complexidade em Oncologia.

Não houve outra decisão do juízo a quo. A União juntou documento de

fevereiro/2015, atestando que o agravante foi atendido, em dezembro/2014, no

Hospital Federal Cardoso Fontes. Os demais réus apresentaram contestação, e em

abril/2015, o Município noticiou que o agravante continuava em

tratamento/acompanhamento oncológico no Hospital Municipal Lourenço Jorge,

mas, instado, o paciente alegou que aquele hospital não estaria habilitado para o

tratamento de câncer.

Sem contrarrazões. O Procurador Regional Roberto Ferreira se manifestou

pelo desprovimento do recurso, forte na ausência dos requisitos do art. 273 do CPC.

Por fim, deu-se provimento ao agravo de instrumento, determinando às

agravadas que disponibilizassem uma vaga para o paciente em unidade de saúde

capaz de atender as necessidades do paciente, disponibilizando atendimento e

tratamento com especialistas em oncologia e, caso não dispusessem de vaga para

tratamento na rede pública, que disponibilizem os valores necessários à realização

do tratamento na rede privada.

7. PROPOSTA DE AÇÃO

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Como já abordado, na região de fronteira há uma grande circulação de

pessoas, produtos e serviços; há uma enorme interação entre os países vizinhos,

como ocorre e Corumbá/MS, a qual faz fronteira com a Bolívia. Assim, a busca por

serviços públicos no lado brasileiro é intensa, exigindo uma resposta efetiva por

parte do setor público.

Para que sejam ofertados serviços de qualidade a todos, pautado nos direitos

humanos e dignidade da pessoa humana, devem ser pensadas maneiras de otimizar

as condições de atendimento dos habitantes e dos passantes, sejam indivíduos

nacionais ou estrangeiros. Nesse sentido, a fim de contribuir com a sociedade, foram

desenvolvidas algumas propostas de aplicabilidade do presente trabalho, quais

sejam:

a) A realização de cursos de Línguas Estrangeiras junto a funcionários

públicos, atendentes dos Centros de Atendimento à Saúde de

Corumbá/MS, sobretudo de Espanhol e Francês (para fazer frente ao fluxo

migratório de bolivianos e haitianos), para auxiliar na triagem, bem como na

consulta médica em si, objetivando humanizar o acesso à saúde e facilitar a

compreensão acerca do quadro clínico do paciente;

b) A realização de cursos de ética, direitos inerentes aos que buscam

atendimento ao serviço público e deveres impostos aos funcionários

públicos do setor de saúde em Corumbá/MS, para que haja uma

conscientização e, consequentemente, uma prestação do serviço almejado

de forma respeitosa; e

c) A realização de ciclos de palestras no Circuito de Apoio aos Imigrantes (já

existente em Corumbá/MS), na Casa de Passagem e em outros locais de

trânsito de estrangeiros, a fim de informá-los sobre os direitos a que fazem

jus, viabilizando-se, assim, o acesso a serviços públicos, dentre os quais, o

direito à saúde.

Como se vê, são medidas sobremaneira simples, capazes de gerar melhorar a

condição de vida do estrangeiro, tendo em vista que, por vezes, são pessoas em

situação vulnerável, sem potencial de reação e busca pela garantia de seus direitos,

necessitando de auxílio do setor público e da sociedade em geral para que não

tenham seus direitos rechaçados.

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O Brasil adotou como um de seus princípios fundamentais a dignidade da

pessoa humana, e, por vários Tratados, consolidou a prevalência dos direitos

humanos, devendo a todos zelar por sua observância. Desta feita, todos, seja o

setor público, por meio de políticas públicas, ou a sociedade civil, devem contribuir

para a concretização do bem estar social, proporcionando condições dignas aos

indivíduos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Por meio do presente trabalho foi possível refletir acerca da fronteira, sobre

a saúde pública brasileira, e também sobre acesso dos estrangeiros ao SUS,

sobretudo as dificuldades enfrentadas e como o Poder Judiciário tem enfrentado

essas questões. Verificou-se que a dignidade da pessoa humana é o principal

baluarte para que estrangeiros tenham garantidos os direitos sociais no Brasil.

Este trabalho estampa que os estrangeiros têm direito a atendimento na

rede pública de saúde brasileira, o que se dá, sobremaneira, nos espaços

fronteiriços, onde há uma maior busca por serviços públicos, tais como de saúde e

educação, pelas mais diversas razões, como a inexistência no país de origem do

atendimento buscado, a proximidade de centros de saúde e melhores condições em

geral.

Restou evidenciado que atendimentos emergências a não nacionais são

realizados, contudo dificuldades ainda são por eles enfrentadas, tais como a barreira

da Língua e o despreparo de atendentes da rede pública, que, por vezes, tratam tais

indivíduos com desrespeito ou exigem requisitos não previstos no ordenamento

jurídico. Ademais, evidenciou-se que, em casos mais complexos, como o acesso a

transplantes de órgãos, faz-se necessário se valer do Poder Judiciário para sua

viabilização.

Assim, é de suma importância que sejam buscadas novas ações, formas de

atuação, estratégias e políticas públicas que implantem a igualdade, o combate ao

preconceito e discriminação, e asseverem a observância do direito à saúde, pois o

cuidado com indivíduos estrangeiros hipossuficientes é um preceito harmonioso ao

princípio da cooperação internacional dos direitos humanos. Devem ser realizados

encontros com as mais variadas representações da sociedade civil e autoridades

públicas, para estimular a discussão acerca dessa demanda na seara da saúde e,

desta feita, instrumentalizar o seu enfrentamento.

A partir da pesquisa se vislumbrou que é cogente a reorganização do

sistema de saúde nas fronteiras, com práticas de integração, planejamentos para

reação em situações emergenciais de sobrecarga de atendimentos e otimização do

uso de recursos financeiros e materiais, tendo em vista que a busca por melhores

condições de vida, bem como de saúde, por diversas vezes transpassa o conceito

de limites políticos, geográfico e de soberania de países.

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Conclui-se, portanto, que as políticas públicas que abranjam espaços

fronteiriços devem ser formuladas e pensadas de maneira que concretizem a

integração entre os países envolvidos, haja vista que se assim não ocorrer, os

gargalos podem passar de um lado para o outro da fronteira; buscando-se sempre

a promoção dos direitos humanos a quem quer que seja, nacional ou estrangeiro,

observando-se o direito a dignidade da pessoa humana e igualdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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