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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Sobre pipocos e dicionárias: Uma abordagem construcionista e relativista da flexão de gênero Wallace Bezerra de Carvalho Rio de Janeiro 2019

Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas …...não, (e aqueles que, porventura, eu deixar de mencionar) meu mais sincero obrigado. Espero Espero que saibam que este trabalho

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Sobre pipocos e dicionárias: Uma abordagem construcionista e relativista da flexão de

gênero

Wallace Bezerra de Carvalho

Rio de Janeiro

2019

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SOBRE PIPOCOS E DICIONÁRIAS: UMA ABORDAGEM CONSTRUCIONISTA E

RELATIVISTA DA FLEXÃO DE GÊNERO

Wallace Bezerra de Carvalho

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em

Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Orientador: Prof. Dr. Carlos Alexandre Victorio

Gonçalves

Coorientador: Prof. Dr. Diogo Oliveira Ramires Pinheiro

Rio de Janeiro

Julho de 2019

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Sobre pipocos e dicionárias: Uma abordagem construcionista e relativista da flexão de gênero

Wallace Bezerra de Carvalho

Orientador: Prof. Dr. Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

Coorientador: Prof. Dr. Diogo Oliveira Ramires Pinheiro

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos

necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por:

_________________________________________________

Presidente, Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

_________________________________________________

Prof. Doutor João Tavares da Silva - UFRJ

_________________________________________________

Prof. Doutor Vítor de Moura Vivas - IFRJ

_________________________________________________

Prof.ª Doutora Márcia dos Santos Machado Vieira - UFRJ, Suplente

_________________________________________________

Prof.ª Doutora Sandra Pereira Bernardo - UERJ, Suplente

Rio de Janeiro

Julho de 2019

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CARVALHO, Wallace Bezerra de. Sobre pipocos e dicionárias: Uma abordagem

construcionista e relativista da flexão de gênero. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro:

Faculdade de Letras/UFRJ. 2019

Neste trabalho, viso analisar as marcas de gênero gramatical no português brasileiro

atual. Dessa forma, tenho como objetivos discutir a forma e o significado das estruturas

classificadas na literatura como vogais temáticas e/ou desinências de gênero. Além disso,

nesta pesquisa, busco investigar os impactos que essas formas (e, portanto, suas funções) têm

sobre o pensamento dos falantes de português. Com isso, tenciono também contribuir com os

debates sobre a relação língua-pensamento e o Relativismo Linguístico. Para tanto, tenho

como bases os seguintes quadros Linguística Cognitiva (Croft & Cruse, 2004; Geeraerts &

Cuyckens, 2007, Lakoff, 1987; Lakoff & Johnson, 1980); Gramática de Construções Baseada

no Uso (Goldberg, 2013; Pinheiro, 2016); e aquilo chamado ora de Hipótese Sapir-Whorf,

ora de Relativismo Linguístico (Everett, 2013). Com isso, construo três hipóteses: (i) as

formas [N-a] („garota‟) e [N-o] („garoto‟) são partes de construções que têm como função

{GÊNERO GRAMATICAL}; (ii) o significado dos gêneros gramaticais do português estão

associados à binariedade de gêneros sociais e aos sexos biológicos; (iii) por conta disso,

falantes são influenciados pela língua que utilizam a associar características prototípicas de

diferentes gêneros sociais a referentes de acordo com o gênero dos substantivos a esses

relacionados. Para verificar a validade das hipóteses levantadas, lancei mão de um

experimento em que os participantes tinham como tarefa atribuir antropônimos a substantivos

de referentes animados e inanimados. Os resultados de tal experimento, ao final, sustentaram

os apontamentos feitos durante o trabalho.

Palavras-chave: Linguística Cognitiva; Gramática de Construções; Relativismo Linguístico;

Flexão Nominal; Gênero Gramatical.

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CARVALHO, Wallace Bezerra de. Sobre pipocos e dicionárias: Uma abordagem

construcionista e relativista da flexão de gênero. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro:

Faculdade de Letras/UFRJ. 2019

ABSTRACT

In this work, I aim to analyse the current Brazilian Portuguese grammatical gender

markings. This way, I try to discuss form and meaning of structures known in the area as

thematic vowels and/or gender desinences. Besides that, I look for the investigation on how

these formas (and, therefor, their functions) impact the way Portuguese speakers think. Thus,

I try also to contribute with the debate on the relation language-thought and the Linguistic

Relativism. In order to do so, I am based on the frameworks of Cognitive Linguistics

(Geeraerts & Cuyckens (2007), Croft & Cruse (2004)), as well as on the frameworks of

Usage-Based Construction Grammar (Goldberg, 2013, Pinheiro, 2016), for grammar analysis

and description. I based as well on research done on the field sometimes called Sapir-Whorf

Hypothesis, sometimes called Linguistic Relativism (Everett, 2013). With this, I can buil

three different hypotheses: (i) the forms [N-a] (garota „girl‟) and [N-o] (garoto „boy‟) are

part of of a construction which its meaning is {GRAMMATICAL GENDER}; (ii) the

meaning of the grammatical genders in Portuguese are associated to the social genders and

biological sexes binarity; (iii) because of that, speakers are influenced by the language to

relate social genders prototypical characteristics to the referents according to the grammatical

gender associated to its related noun. In terms of hypotheses verification, I used an

experiment in which participants had to attribute anthroponyms to nouns with animate and

inanimate referents. The results of this experiment sustained the remarks done during this

research.

Palavras-chave: Cognitive Linguistics; Construction Grammar; Linguistic Relativism; Noun

Inflection; Grammatical Gender.

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AGRADECIMENTOS

Não sou do tipo de pessoa que consegue se abrir tão facilmente. Porém, acho que o

sentimento de gratidão para com uma série de pessoas e instituições é maior que minha

introversão. A todas e a todos que forem citados de alguma maneira aqui, nominalmente ou

não, (e aqueles que, porventura, eu deixar de mencionar) meu mais sincero obrigado. Espero

que saibam que este trabalho não aconteceria sem a existência de algum de vocês.

Agradeço, primeira e orgulhosamente, a meus pais, Ana Lúcia Ramos de Carvalho e

Adolpho Bezerra de Carvalho. A minha mãe, muito obrigado por ser meu porto seguro, por

sempre ser meu apoio e sempre estar lá por nós todos, não importa o que esteja acontecendo.

Sua preocupação e confiança me motivam, assim como sua história. Você é uma

grandessíssima guerreira. Fico feliz ao ver que você está feliz. A meu pai, muito obrigado por

ser o homem trabalhador que sempre se preocupou em dar aos filhos aquilo que o mundo lhe

privou. Apesar de encabulado, fico satisfeito quando você fala de mim para seus amigos.

Tenho muito orgulho de ter vocês como meus pais e queria que ficasse claro, neste parágrafo,

que só estou onde estou por que vocês estão comigo.

A meu irmão, Juninho. Valeu por estar comigo nessa também. Crescemos e

cresçamos juntos. Nossas conversas de sempre (principalmente quando você se mostra

interessado no que eu estudo) me permitem lembrar quem somos. Valeu, mano!

A meu amorzinho, Bruna Brasil, o melhor presente que a Letras me fez encontrar.

Obrigado por me fazer crescer tanto todo dia, tanto academicamente, quanto humanamente.

Sem dúvida nenhuma, sou uma pessoa muito melhor por sua causa, em todos os sentidos.

Obrigado por estar comigo quando preciso. Sou muito grato por ter você ao meu lado durante

todos esses anos. Muito obrigado.

Agradeço aqui também a meus familiares (que não vou citar por nomes porque são

muitos e não quero correr o risco de deixar alguém de fora). Nessa lista incluo aqueles com

quem compartilho sangue (pelo Brasil e pelo mundo) e também aqueles que permitiram que

eu me agregasse. Muito obrigado por se mostrarem felizes com minhas pequenas, mas

importantes, vitórias.

Agradeço a meus amigos de sempre por serem quem são. Agradeço aqui, sem

prejuízo aos outros, ao Victor Virginio. Sua insistência em não deixar eu me afastar foi de

extrema importância, de verdade.

Agradeço também às amizades que se criaram nesses anos de Faculdade de Letras.

Menciono aqui aquelas que foram construídas nesses anos de pós. Léo, Thiago, Thaíssa, sou

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muito grato por conhecer pessoas tão legais através da Bruna. Agradeço muito pelos diálogos

com vocês, pelas risadas e pelos desabafos. Valeu!

Meu muito obrigado ao Carlos Alexandre Victorio Gonçalves, meu professor- -

orientador. Obrigado por ter aceitado me orientar ao final daquele conturbado 2014.1.

Obrigado por ter me apresentado ao maravilhoso mundo da morfologia, seus aspectos tão

interessantes quanto inexplorados pela ciência. Obrigado pela liberdade que me deu durante

todo esse período de orientação, fazendo com que eu me sentisse à vontade para escolher meu

objeto de pesquisa já na Iniciação Científica. Obrigado por ter me dado a oportunidade de

trabalhar com a flexão, um aspecto tratado tão timidamente na Gramática de Construções.

Obrigado pelas leituras críticas que fez de meus textos, além de todo o apoio acadêmico que

me deu até hoje. É dessa para o Doutorado! Muito obrigado.

Agradeço também ao Diogo Oliveira Ramires Pinheiro, meu coorientador. Muito

obrigado por, lá em 2014.2, ter me apresentado à Linguística Cognitiva e à Gramática de

Construções. Valeu pelas conversas e risadas no corredor. Fica aqui meu muito obrigado por

aceitar essa coorientação e por ter perguntado se aquilo que eu estava fazendo era Hipótese

Sapir-Whorf. Sem sua ajuda este trabalho renderia bem menos do que rendeu. Por último,

agradeço muito pelos conselhos acadêmicos. Uma parceria extremamente importante para

mim. Valeu, cara!

Sou grato à UFRJ e a todas e todos que a fazem funcionar todos os dias (ao Carvalho

livreiro: obrigado, bicho!). Viva a educação pública, gratuita e de qualidade!

Obrigado a todas as pessoas que toparam participar do meu experimento. Sem a

disposição de vocês, certamente não ia conseguir terminar isso.

Meus agradecimentos também ao Vítor Vivas e ao João Tavares. Obrigado por

aceitarem ser minha banca, cederem seu tempo à leitura desta dissertação e por

compartilharem comigo seus conhecimentos. Muito obrigado!

Finalmente, agradeço à CAPES pelo auxílio financeiro a mim proporcionado nesses

dois anos de Mestrado. Sem esse apoio, esta pesquisa talvez nem existisse.

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1. INTRODUÇÃO 9

2. ARCABOUÇO TEÓRICO 12

2.1 Linguística Cognitiva 12

2.2 Gramática de Construções (Baseada no Uso) 15

2.3 Relativismo Linguístico 25

2.4 Considerações sobre as formalizações descritivas deste trabalho 32

3. REVISÃO DA LITERATURA 34

3.1 Gramática Tradicional 34

3.2 Abordagens Linguísticas 39

3.3 Síntese do Capítulo 48

4. EXPERIMENTO 51

4.1 Experimento - Qual seu nome? 52

4.2 Resultados e Análise 63

5. DISCUSSÃO 66

5.1 Gênero, sexo e nomes próprios 66

5.2 Sobre a relação marca morfológica - gênero gramatical 69

5.3 O problema da construção [N-e], ou “Boa noite a todes!” 73

6. CONCLUSÃO 77

7. REFERÊNCIAS 80

8. ANEXOS 84

I. Imagens utilizadas como itens críticos (tamanho reduzido). 84

II. Imagens e categorias utilizadas como itens distratores divididos entre substantivos

em -a, -o, -e e atemáticos (tamanho reduzido). 87

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1. INTRODUÇÃO

No ano de 2010, a jornalista Thamires Nascimento escreveu em seu blog pessoal,

“Blog da Thamy”, sobre o dicionário intitulado Aurélia, a dicionária da língua afiada (VIP

& LIBI, 2006). O dicionário foi escrito como o primeiro dicionário brasileiro de expressões

gays. Na publicação em seu blog, a jornalista descrevia o trabalho de Scippe como “uma

„dicionária‟, um tipo de dicionário feminino”, assim como é visto no próprio título da obra.

Exemplos como esses deixam clara a interpretação feminina da vogal final -a em

substantivos, assim como é o caso para a vogal -o em „crianço‟ e „feministo‟; porém,

diferentemente de „crianço‟ e „feministo‟, „dicionária‟ é uma palavra sem referente animado1.

Com esse horizonte, uma questão se põe: como tratar as desinências e vogais temáticas do

português?

Este trabalho tem suas bases nesse problema e nas discussões sobre o significado do

gênero gramatical no português. Inegavelmente, esse é um debate com muito acúmulo, mas

sem, ainda, uma resposta aceita de forma unânime. Contudo, um aspecto dessas discussões se

apresenta de forma categórica: a relação entre gênero gramatical e sexo biológico. Dentre as

posições tomadas, a possibilidade de sexo ser o significado mais básico das marcas

morfológicas -a e -o é sempre posta em evidência, seja para reafirmá-la, seja para negá-la.

Nas propostas que associam sexo a gênero gramatical (Kehdi, 1990; Rocha, 2008; Bechara,

2009; Cegalla, 2010), é praticamente generalizada a concepção de que o significado de

gênero gramatical atribuído a seres animados seria de natureza diferente daquele atribuído a

seres inanimados; naqueles, a relação entre gênero e sexo seria muito próxima, nesses, essa

relação não existiria.

Resultante das análises do gênero gramatical, a discussão sobre as formas que

atualizam os gêneros na língua se mostra fecunda. Grande parte dos autores, gramáticos ou

linguistas, ao discutirem o gênero gramatical em português, reservam lugar cativo para o

papel da morfologia, descrevendo a atuação das vogais temáticas nominais e das desinências

de gênero frente à categoria. No capítulo „Revisão da Literatura‟, diferentes propostas para

essa questão são analisadas.

Na literatura, apesar de não ser o único posicionamento, o que se tem de mais

estabelecido e considerado mainstream é a proposta estruturalista em que apenas o gênero 1 Tratarei, neste trabalho, referentes animados e sexuados como sinônimos, já que um conceito (sexuado) está

contido em outro (animados).

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feminino tem representação formal na flexão2 (-a). Essa marcação estaria restrita, contudo, a

substantivos de referente animado. O masculino, por sua vez, não possui marcação. Tendo

em vista os pontos anteriormente citados, perguntas como „vogais finais atribuem gênero aos

substantivos?‟ e „gênero gramatical tem seu significado realmente relacionado a sexo?‟

surgiram como questões importantes desta pesquisa. Tenho como hipóteses respostas

afirmativas para ambas. Neste trabalho, considero que a construção [N-a] (e.g. „menina‟;

„gata‟; „formiga‟) transmite informação de gênero feminino, ao passo que [N-o] (e.g.

„menino‟; „gato‟; „besouro‟) tem informação de masculino. Além disso, essa informação de

gênero gramatical é intimamente associada ao que se estabelece culturalmente como sexo

biológico.

Ademais, nego a divisão entre vogais temáticas -a e -o e desinência(s) de gênero -a (e,

por vezes, -o). Nesta pesquisa, o que considero existir, no estágio atual do português, são

duas as formas associadas ao gênero feminino e masculino, a saber, [N-a] e [N-o]. A essas,

chamo de construções desinenciais3 de gênero. Essas construções são encontradas tanto em

substantivos de referente animado („garota‟; „garoto‟), quanto em substantivos de referência

inanimada („sapato‟; „sapata‟), até mesmo quando não há um par correspondente („formiga‟;

„besouro‟; „agenda‟; „livro‟).

Por conta das hipóteses levantadas, outra questão acaba se tornando igualmente

central: Qual o significado do gênero gramatical quando atribuído a seres inanimados? Esse

problema, posto ao lado das hipóteses levantadas neste estudo, me leva a conclusões

interessantes. Entendo, aqui, que as construções gramaticais [N-a] e [N-o] sempre

relacionarão gênero gramatical e o significado de sexo biológico aos substantivos aos quais

são combinadas. Nesse ponto, então, esta pesquisa ganha contornos individuais. Considero

que, mesmo quando atribuído a seres inanimados, gênero gramatical imprime a noção de

sexo biológico.

Quando um ser humano, falante de português, apreende as construções desinenciais

de gênero [N-a] e [N-o], associa aos seus polos semânticos o significado de sexo. Quando

atribuídas a substantivos de referentes assexuados, essas construções forçam uma

2 Conforme a teoria na qual baseio este trabalho (Gramática de Construções), as diferenças entre o que é

reconhecido como um item flexional e o que é reconhecido como um item derivacional não são tão relevantes;

ambos os processos podem ser tratados por meio de construções gramaticais. Desenvolvo mais esse assunto no

capítulo “Arcabouço teórico”. 3 O termo „desinencial‟ propositadamente, por questões didáticas, tendo consciência de esse ser um termo

comprometido com o debate flexão-derivação. Sendo assim, esse posicionamento não contrarie a proposta

adotada neste trabalho no que se refere à divisão entre flexão e derivação.

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interpretação „sexuada‟, associando o conceito de fêmea a substantivos femininos e o

conceito de macho a substantivos masculinos.

Neste trabalho, também levanto discussões sobre o que é a vogal final -e. Por muito

tempo, essa foi considerada apenas uma vogal temática, bem como o -o em algumas

descrições sobre o assunto (Camara Jr., 1970; Zanotto, 2013). No entanto, nada de muito

aprofundado se analisava sobre tais formas. Considero, aqui, que, no estágio atual do

português brasileiro, esse formativo apresente uma opção sem especificação de gênero (e,

portanto, sexo) ao apresentado anteriormente. Sendo assim, as construções [N-a] e [N-o] são

próximas por indicarem uma oposição feminino x masculino, ao passo que a construção [N-e]

se opõe às anteriores justamente por não indicar características prototípicas relacionadas de

forma cultural aos sexos. Tal posição é sustentada por dados como „menine‟, „amigue‟,

„todes‟, atualmente utilizados por grupos específicos de falantes.

É com essas hipóteses que discuto meu objeto de pesquisa. De forma a sustentar

minhas afirmações, ainda me valho de experimentos linguísticos que possam mostrar (i) a

propriedade das formas morfológicas de indicarem gênero gramatical e (ii) a relação dessa

categoria com sexo biológico, mesmo em substantivos referentes a seres inanimados.

Assim, além deste capítulo introdutório, este texto ainda conta com mais seis. No

próximo, intitulado „Arcabouço teórico‟, discuto as bases que sustentam as afirmações deste

estudo, i.e., sob quais lentes teóricas abordo meu objeto. O capítulo chamado „Revisão da

Literatura‟ apresenta algumas das discussões já levantadas sobre o tema, bem como onde este

trabalho se insere em relação aos outros. No capítulo „Experimento: Metodologia e

resultado‟, apresento o processo de formulação e aplicação do experimento linguístico

utilizado neste trabalho, bem como os números a que cheguei a partir do experimento e suas

respostas. O capítulo „Discussão‟ versa sobre os caminhos tomados no trabalho, como esses

caminhos dialogam com a literatura e as limitações da pesquisa. Por fim, no capítulo

„Conclusão‟, fecho o trabalho, resumindo-o e apresentando possíveis contribuições e

recomendações.

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2. ARCABOUÇO TEÓRICO

Nenhum trabalho é feito no vácuo teórico. Assim sendo, neste capítulo, apresento as

principais ideias que sustentam esta pesquisa. Nas próximas seções, explicito as teorias que

servem de base para esta dissertação e o porquê de serem as que, no meu entendimento,

melhor representam o conhecimento linguístico de acordo com as hipóteses deste estudo.

Na primeira seção, discorro sobre o que é a Linguística Cognitiva, suas diferenças

para com (principalmente) o Gerativismo, e a razão de acreditar que essa é a que melhor se

coaduna com a ideia aqui defendida. O mesmo se dá no tópico voltado à Gramática de

Construções. Após isso, justifico o papel e a importância da Hipótese Sapir-Whorf (ou

Relativismo Linguístico) neste trabalho. Por fim, apresento os padrões de representação que

serão utilizados neste texto.

2.1 Linguística Cognitiva4

No ano de 2006, como visto em Geeraerts (2006), a área ainda era tratada não como

uma teoria única, mas, mais propriamente, como “um arquipélago”, ou seja, não como "um

território bem delimitado, mas um conglomerado de perspectivas aproximadas por uma

perspectiva compartilhada”. Entretanto, passadas quase quatro décadas desde sua fundação,

já se pode dizer que a Linguística Cognitiva é um campo relativamente estabelecido.

Seguindo a metáfora lançada por Geeraerts, pontes já estão construídas entre as ilhas do

arquipélago, baseadas em firmes construções.

Historicamente, como relatam Croft & Cruse (2004), o também chamado

Cognitivismo projeta-se nos anos finais da década de 1970 e se estabelece no início da

década seguinte, a partir da criação da ICLA (sigla em inglês para Associação Internacional

de Linguística Cognitiva), que tem sua realização bienal, bem como da criação do periódico

Cognitive Linguistics. Segundo os autores, a criação da Linguística Cognitiva se deve à

grande influência dos estudos realizados em Psicologia Cognitiva e, ainda, da chamada

Gestalt Grammar, de George Lakoff. Nessa esteira, Geeraerts & Cuyckens (2007)

argumentam que o campo teve seu início a partir dos trabalhos liderados por Talmy, por

4 Vale destacar a diferença entre Linguística Cognitiva (em maiúsculas) e linguística cognitiva (em minúsculas).

Quando se fala em uma linguística cognitiva, se fala de uma linguística que lida a linguagem como fenômeno

mental (a Linguística Gerativa, inclusive). Quando se fala em Linguística Cognitiva, se fala na teoria que abordo

nesta seção.

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Langacker e pelo próprio Lakoff, chamados de founding fathers (os pais fundadores). Cada

um desses trabalhos surge como tentativa de resposta a insatisfações dos autores em relação

ao tratamento reservado a diferentes fenômenos da linguagem por teorias anteriores (mais

especificamente, a Teoria Gerativa).

Com essas bases, é natural que as premissas da Linguística Cognitiva sejam,

essencialmente, opositoras às do Gerativismo. Vê-se, em Geeraerts & Cuyckens (2007), que

o Cognitivismo pode ser entendido como uma espécie de recontextualização dos estudos da

linguagem, ao ser posta face ao que se propõe no Estruturalismo e no Gerativismo. Segundo

os autores, na medidaem que Saussure nota a divisão linguística entre langue e parole, o

autor acaba estabelecendo um espaço entre esses dois aspectos: aquilo que os uniria.

Chomsky, por sua vez, introduz a essa divisão o conhecimento interno do falante ao propor

os conceitos de „competência‟ e „desempenho‟. Dessa forma, o autor argumenta ser esse

conhecimento interno, a competência do falante, o objeto de estudo da Linguística. Assim, ao

tentar resolver o problema da ligação entre as supostas duas facetas da linguagem, acaba por

separá-la de seus aspectos sociais. A Linguística Cognitiva se posiciona de forma diametral a

essa visão. Assim também faço neste trabalho.

Inicialmente, deve-se notar que, segundo a presente teoria, linguagem é um

instrumento de organização, processamento e transmissão de informação (GEERAERTS &

CUYCKENS, 2007 p.5). Além disso, é de importância primária, na esteira do Cognitivismo,

a análise das bases conceitual e experiencial das categorias linguísticas. Essa visão, como

observarei mais adiante, incide diretamente sobre os recentes estudos da Hipótese Sapir-

Whorf, que buscam entender como a língua interfere na forma como organizamos as

informações do mundo.

Nessa esteira, a semântica ganha nova relevância. Segundo Geeraerts & Cuyckens

(2007), a linguagem passa a ser considerada, nos estudos em Linguística Cognitiva, como

“um repositório de conhecimento de mundo, uma coleção estruturada de categorias

significativas que nos ajudam a lidar com novas experiências e guardar informações de

velhas [experiências]” (p.5). A partir desse entendimento, algumas conclusões necessárias

são alcançadas: (i) sendo a categorização a principal função da linguagem, o significado

passa a ser um fenômeno linguístico primário; (ii) sendo a língua um sistema de

categorização do mundo, não há razão em separar significado linguístico de conhecimento de

mundo; por fim, (iii) sendo a categorização (significado, portanto) um processo experiencial,

o mundo refletido pela linguagem não é em absoluto objetivo, mas produto da mediação

experiência humana-mundo real.

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Apresentando o mesmo conjunto de ideias, Geeraerts, Dirven & Taylor (2006) alegam

que, para a Linguística Cognitiva, o significado é perspectivo, ou seja, não é apenas

reprodução do mundo, mas forma de moldá-lo; o mundo ganha perspectiva a partir da língua.

Não à toa, então, ser nesse contexto a reaparição das pesquisas acerca da Hipótese Sapir-

Whorf.

No entanto, muitas outras são as respostas a que se chega com tais considerações.

Sendo o significado fruto de experiências orgânica, social e cultural, e tendo papel linguístico

central, a própria linguagem passa a ser considerada como experiencial. Considera-se, então,

língua como resultado da conexão entre essas experiências corpóreas (individuais e coletivas)

com diferentes, e mais gerais, capacidades cognitivas (inatas).

O resultado prático desse posicionamento é que, mais uma vez em oposição ao que se

encontra nas teorias gerativistas, para o Cognitivismo, a linguagem humana não é separada

em módulos autônomos. Segundo os estudos no escopo do Gerativismo, a mente humana

seria dividida em diferentes módulos, cada um desses referentes a uma capacidade cognitiva

humana, i.e., uma faculdade. A linguagem seria uma dessas capacidades, considerada como

uma característica genética e inata à humanidade. Sendo assim, a capacidade da linguagem

seria uma faculdade humana e, desse modo, possuiria seu próprio módulo. No entanto, como

já mencionado, o Cognitivismo considera que a linguagem não é uma faculdade em si, mas o

resultado da interação entre princípios de categorização, organização conceitual geral,

mecanismos de processamento, bem como influências experienciais das mais diversas.

Nessa perspectiva, o conceito de razão corporificada se mostra importante. Para

Lakoff & Johnson (1980), os seres desenvolvem suas cognições através das experiências

corpóreas. Por conta de o ser humano estar preso a um tipo de experiência por conta de seu

padrão corporal, muitos de nossos conceitos racionais são baseados nas experiências que

temos com nossos corpos. Essa experiência, por sua vez, se reflete na língua. Assim, por

conta de a visão (para aqueles que enxergam) ser um sentido referencial, há uma tendência no

português a se usar itens lexicais referentes a esse sentido quando se quer focar a atenção de

outro („Olha o que está acontecendo‟; „Olha essa comida‟; „Olha só essa música‟). Da mesma

maneira, outras metáforas como PROGREDIR É ANDAR PARA FRENTE podem ser

apreendidas. Quando o ser humano anda, locomove-se para frente, o tempo passa, e,

eventualmente, sua vida progride.

Da mesma maneira funciona o gênero gramatical em português. Apesar de todos os

substantivos possuírem gênero gramatical em português, a maioria não referencia seres

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providos de sexo5. Como considero que o significado de gênero gramatical no português (ao

menos em sua variedade carioca), e, por sua vez, das construções de desinência de gênero, é

relacionado a sexo biológico, o fato de poucos serem os substantivos flexionáveis de

referentes sexuados poderia configurar um problema para as hipóteses desta pesquisa. No

entanto, a experiência com seres vivos, principalmente humanos, durante o desenvolvimento

de uma pessoa se mostra mais relevante que a experiência com seres não sexuados, já que

essa se reconhece como igual (Tomasello, 2009). Desta forma, durante a aquisição do

português, a experiência com seres sexuados faz com que os aprendizes associem aos

diferentes gêneros gramaticais informações relativas a sexo biológico. Após isso, o

espraiamento dessa associação a seres não sexuados via metáfora conceptual se torna uma

possibilidade.

A partir desse ponto de vista, a percepção de uma gramática pré-concebida, apenas à

espera de parâmetros serem ligados e desligados, torna-se insustentável. Era preciso, em um

primeiro momento, considerar um design de gramática que não a cindisse em submódulos; e,

em segundo lugar, uma gramática que considerasse o uso como parte essencial da linguagem.

É isso que se encontra na Gramática de Construções e, mais especificamente, na Gramática

de Construções Baseada no Uso (GCBU).

2.2 Gramática de Construções (Baseada no Uso)

Como visto em Pinheiro & Alonso (2018), a própria história do desenvolvimento da

Linguística Cognitiva se confunde com a da Gramática de Construções, apesar de a

organização deste texto fazer parecer que essa é uma teoria dependente daquela. Retomando a

metáfora vista no início desta seção, Gramática de Construções (ou simplesmente GC) se

apresenta como uma das teorias insulares que formam o arquipélago Linguística Cognitiva.

Como dito em Croft & Cruse (2004), a GC surge com inquietações contra modelos de

gramática gerativistas das décadas de 60 a 80. Mais precisamente na década de 70, na

Universidade da Califórnia, algumas propostas começam a surgir em resposta aos modelos

gramaticais anteriores. Essas propostas tinham um objetivo específico: dar conta do

tratamento de expressões idiomáticas na gramática dos falantes. Nesse momento, havia a

necessidade de uma teoria que pudesse explicar, linguisticamente, o que eram as expressões

idiomáticas. Isso porque os modelos gerativistas à época, com sua divisão entre gramática e 5 Como apontarei na seção de Revisão da Literatura, dados de Rocha (2008) mostram que apenas 4,5% dos

substantivos com flexão de gênero fazem referência a seres sexuados.

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léxico, relegavam a esse último os idiomatismos, considerando-os idiossincráticos e,

portanto, não padronizáveis.

Pinheiro & Alonso (2018), com ressalvas, indicam que dois dos trabalhos de Lakoff

em meados da década de 70 podem ser considerados como os pioneiros da teoria: Syntactic

Amalgams, de 1974; e Linguistics Gestalts, de 1977. Como já mencionado, Linguística

Cognitiva e Gramática de Construções têm histórias que se entrelaçam, o que pode ser

evidenciado por um dos fundadores da Gramática de Construções ser também um dos

fundadores do Cognitivismo. No entanto, os autores alegam que essa é uma teoria que, em

sua origem, já nasce com cisões internas.

À GC, Pinheiro & Alonso atribuem o nome de alguns autores como seus fundadores:

George Lakoff, Charles Fillmore e Paul Kay, todos professores do campus de Berkeley da

Universidade da Califórnia. Os autores tentavam elaborar uma teoria que pudesse explicar os

idiomatismos; entretanto, partiram de pontos de vista diferentes. Lakoff, mais aproximado de

outras ciências cognitivas, fundamenta sua ideia de gramática combinando língua e processos

cognitivos gerais, dando importância a aspectos que iam além da pura descrição gramatical.

O autor tentava analisar, sobretudo, a mente humana. Fillmore e Kay, por outro lado, partiam

de um ponto de vista mais descritivista, como alegam Pinheiro & Alonso (2018). Assim, os

autores, ao contrário de Lakoff, buscavam “compreender os princípios que regulam o

funcionamento interno do sistema gramatical” (p. 13).

Pinheiro & Alonso ainda recordam da figura do Ronald Langacker, que, apesar de

estabelecido em outro campus da Universidade da Califórnia (San Diego), também pode ser

considerado como um dos fundadores da GC. Sua elaboração teórica, hoje conhecida como

Gramática Cognitiva, também surge de um desconforto dado a aspectos linguísticos por

teorias gerativistas. Contudo, os idiomatismos não eram alvo de sua preocupação. O autor

tinha em mente, ao pensar em seus estudos, o papel da semântica nas estruturas linguísticas.

De acordo com Pinheiro & Alonso (2018, p. 14):

“[...]o modelo langackeriano parece ter sido motivado originalmente pelo desejo de dar

conta de diferenças semânticas sutis entre sentenças que descreviam uma mesma cena

objetiva - como em “the clock is on the table” versus “the clock is sitting on the table”

versus “the clock is standing on the table”.

Segundo os autores, Langacker nota que as diferentes sentenças construíam diferentes

cenários, evocando, para tanto, imagens mentais diferentes. Para ele, as saídas oferecidas

pelos modelos gerativos não davam conta do fenômeno. Assim, diferentemente das propostas

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anteriores, que focavam em idiossincrasias sintáticas, o modelo langackeriano se voltou para

idiossincrasias semânticas.

Desses três projetos seminais, surge o que hoje é conhecimento como Gramática de

Construções. Porém, como visto já desde seu início, a teoria não é absolutamente homogênea

e o que se percebe hoje, como visto em Pinheiro (2016), são tratamentos diferentes para a

mesma abordagem. Por conta disso, apesar de suas diferenças, os modelos ainda apresentam

muitas similaridades.

Segundo o autor, há alguns princípios básicos que guiam a teoria: (i) conhecimento

linguístico é o léxico do falante (um grande inventário de construções, chamado de

constructicon); (ii) conhecimento linguístico toma a forma de rede interconectada; e (iii) as

construções do constructicon devem ser combinadas entre si.

Segundo a primeira das características citadas, a divisão entre gramática e léxico

defendida pela linguística gerativa, sendo a gramática o componente que aplica regras

sintáticas a itens do léxico para formar sentenças, não seria real. Conhecimento linguístico,

em si, seria uma grande coleção de itens lexicais, as construções gramaticais.

Construção gramatical, em Goldberg (1995) é definida da seguinte maneira:

“C (construção) é uma construção se, e somente se, C é um pareamento entre forma e

significado <F,, S,>, tal que algum aspecto de F (forma), ou algum aspecto de S

(significado), não seja estritamente previsto pelas partes que compõem C ou de outras

construções previamente estabelecidas6” (Goldberg, 1995, p. 4, tradução minha).

Em outras palavras, uma construção é, basicamente, uma unidade simbólica que

associa informações de forma a informações de significado. Construções são, essencialmente,

abstrações mentais7. Quando utilizadas na língua durante a comunicação, dão origens a

construtos.

Graças ao conceito de construção, conforme argumenta Pinheiro (2015), “é possível

representar a totalidade do conhecimento linguístico do falante [...] de maneira uniforme” (p.

166). Por consequência, unidades morfológicas e sintáticas passam a ser representadas do

mesmo modo. Sendo assim, como dito anteriormente, a divisão já clássica entre níveis

linguísticos se torna apenas um aparato didático. Pinheiro (2015) ilustra essa situação com a

seguinte tabela, em que a separação léxico-gramática é descartada.

6 C is a construction iff*, C is a form-meaning pair <F„ S,> such that some aspect of F, or some aspect of S, is

not strictly predictable from C ‟s component parts or from other previously established constructions. 7 Mesmo que apresentem, em partes ou na totalidade de sua forma, concretude.

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CONSTRUÇÃO EXEMPLOS

Palavra a, abacaxi, gato, Zico

Estrutura morfológica des-V (ex: desligar), N-eiro (ex: jornaleiro)

Expressão idiomática preenchida chutar o balde, bater as botas

Idiomatismo formal (parcialmente

preenchido)

dar uma de ADJ (ex: dar uma de maluco);

que mané X (ex: que mané descanso; que

mané “não vai ter Copa”).

Construção bitransitiva

SUJ V OD OI

SUJ V OD OI

(ex: Francisco deu uma peteca para Fidel)

Construção passiva SUJ AUX SVPARTICÍPIO PPPOR

(ex: A peteca foi comprada pela Liana)

Tabela 1: o continuum léxico-sintaxe. Retirado de Pinheiro (2015: 166)

Portanto, da menor partícula morfológica a forma sintática mais abstrata, tudo é léxico

e, qualitativamente, a mesma coisa. Nesse quadro teórico, diversos são os trabalhos voltados

para os diferentes níveis linguísticos. Nomeiam-se aqui os trabalhos de Goldberg (1995;

2006) em construções sintáticas mais regulares, („João fez o bolo para a Maria‟; „Maria

chutou a bola para João‟), Geert Booij com seu livro Construction Morphology (2010), bem

como Gonçalves (2016), com Morfologia Construcional, livros em que se analisam

fenômenos morfológicos sob o ponto de vista construcionista.

No que tange à morfologia, a longa e tradicional discussão sobre as diferenças entre

flexão e derivação (cf. Gonçalves (2011) perde um pouco de sua força. Isso se dá justamente

por conta de, em Gramática de Construções, um único conceito ser usado na descrição da

gramática, a construção gramatical. Por conta disso, como pontuado por Booij (2010),

analisar as diferenças entre flexão e derivação não se mostra tão relevante, já que ambos os

processos seriam, em realidade, equivalentes, apenas com algumas diferenças de uso, da

mesma maneira que acontece com a diferença entre morfologia e sintaxe. Assim como a

forma [N-s] é pareada à função de plural, formando uma construção, da mesma maneira

acontece com o aumentativo e a forma [N-ão] e nominalização deverbal e a forma [V-ção].

Todos os casos apreendidos pelos falantes do mesmo modo. A investigação, então, recai

sobre o que faz as construções morfológicas se comportarem de maneira diferente.

Ainda no que se refere à morfologia, há um debate, atualmente mais arrefecido, sobre

a possibilidade de as construções morfológicas apresentarem apenas morfemas (e.g. [-a] ou

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[-o], no caso das desinências de gênero), ou apresentarem também, além das informações

fonológicas que constituem os morfemas, informações sintáticas referentes às bases (e.g. [N-

a] ou [N-o]). A primeira posição foi apresentada por Goldberg (1995), ao passo que Booij

(2010) e a própria Goldberg, em 2013, assumem a segunda postura. Neste trabalho, assumo

que, além das informações fonológicas, construções morfológicas também possuem

informações de classe morfológica concernentes às bases as quais podem se adjungir, bem

como a classe morfológica resultante das construções combinadas.

Essa posição é adotada devido a pressupostos da própria teoria. Caso as informações

sobre quais bases podem se adjungir ao morfema não fossem parte da construção, esse

poderia se unir a qualquer categoria sintática. Como, empiricamente, essa conclusão não se

sustenta, duas seriam as possibilidades de solução: regras de formação de palavras; ou

informações sobre bases presentes nas construções, em conjunto com as informações

fonológicas referentes aos morfemas em si. A primeira das resoluções é insustentável em uma

teoria que se propõe não modular. A restante, então, é a saída ótima.

Há, ainda, a consideração sobre a forma como linguagem é apreendida pelos seres

humanos. De acordo com a proposta que baseia este trabalho (Tomasello, 2009; Croft, 2001),

línguas são apreendidas através de experiência e de sua interação com Processos Cognitivos

de Domínio Geral (BYBEE, 2010). Morfemas presos, por sua própria natureza, não podem

ser experienciados sem uma base à qual se conectam. É devido às experiências com palavras

das quais esses morfemas fazem parte que humanos, através de analogização e categorização,

conseguem abstratificar as categorias às quais aquelas bases pertencem („jornaleiro‟ +

„pedreiro‟ + „cozinheiro‟ + „porteiro‟ (+ n) = [N-eiro]).

É natural pressupor que uma teoria conexionista, como é o caso da Linguística

Cognitiva, bem como da Gramática de Construções, trate também as formas linguísticas

como conectadas, da mesma maneira que categorias semânticas são ligadas entre si, como

ilustrado a seguir.

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Figura 1: Rede semântica da palavra „escola‟

Na ilustração apresentada, uma tentativa de rede semântica é apresentada. O que a

imagem representa é a concepção de que os signos não são totalmente independentes entre si

na mente humana como são em entradas de dicionários. Quando um ser humano entra em

contato com uma palavra específica, essa palavra está intimamente relacionada a diversos

outros conceitos. Na Figura 1, exemplifico, superficialmente, como essas conexões se dariam.

Os balões representam conceitos que se afastam ou se aproximam de acordo com o grau de

relação entre si. Além disso, as linhas que representam os links possuem espessuras

diferentes, representando os níveis de conexão entre itens; quanto mais espessa, mais forte é a

relação entre palavras.

As conexões em rede não se restringem somente àquelas mais próximas do item

central. Como ilustrado na Figura 1, algumas palavras que, a princípio, não seriam

necessariamente conectadas ao signo „escola‟ são ativadas, como é o caso de „família‟ e

„ciência‟. Esses dois últimos conceitos são relacionados ao conceito „escola‟ por meio de

intermediários. Dessa forma, uma rede de conexões formaria o léxico de qualquer língua. Sob

essa visão, ao se considerar o léxico sendo formado por construções, a representação dessas

se daria da mesma maneira.

Nessa ideia se sustenta a metáfora da rede construcional, por meio da qual se entende

o conhecimento linguístico dos usuários de uma língua como interconectado, indicada pelo

item (ii) como parte de todas as teorias construcionistas, como se nota em Pinheiro (2015).

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Nos trabalhos construcionistas (dentre os quais incluo esta pesquisa) o conjunto de itens que

forma o constructicon tem formato de rede, como representado abaixo.

Figura 2: Rede de construções de modificação verbal. Retirado de Pinheiro (2016: 38)

Essa simples metáfora apresenta a ideia de que as construções que um usuário de uma

língua possui estão interligadas. Assim, psicologicamente, uma construção se relaciona com

outra, o que faz com que uma alteração em um nó da rede (uma construção particular) afete

toda a estrutura a qual se liga. Há, portanto, uma série de interconexões que fazem com que

algum(ns) item(ns) linguístico(s) possa(m) influenciar outro(s), seja no uso, na forma ou na

significação.

A terceira característica das gramáticas de construções indicada por Pinheiro (2016)

se relaciona à questão de tentar explicar como usuários de uma língua conseguem utilizar

inúmeras construções sem que para isso seja preciso lançar mão de um aparato teórico como

um gerador de sentenças. O que se tem, então, é que as construções devem ser combinadas

entre si para que estruturas maiores sejam formadas (que por sua vez podem não ser

construções). É o que se vê nas sentenças „O jangadeiro levou os namorados para as

piscinas?‟, em que se percebem, no mínimo, dezoito construções distintas combinadas: oito

palavras (que também são construções, já que são pareamentos forma-função), oito

construções tradicionalmente tidas como flexionais (-u verbal, -o nominal, -a nominal e -s

nominal), uma construção de estrutura argumental S V OBJ1 para OBJ2 e uma

construcional de estrutura informacional (entonação de pergunta).

Interessa notar aqui que esse tipo de operação não é cognitivamente restrita aos

processos gramaticais, e, portanto, pode ser observada em outras habilidades humanas. Seres

humanos têm a capacidade de combinar entidades com o objetivo de formar uma terceira, que

pode exceder em função a soma de seus componentes, é o que acontece quando uma

ferramenta é produzida, quando pesos são unidos a um bastão para formar um halter, quando

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cadeiras são sobrepostas umas sobre as outras para que uma plataforma maior seja produzida

ou quando uma série de números é agrupada para formar um contato telefônico.

No entanto, como indicado anteriormente, não há apenas convergência entre os

teóricos construcionistas. Conforme Pinheiro (2016) apresenta, pode-se representar os

modelos teóricos da Gramática de Construções da seguinte maneira (aproximada)8:

Figura 3: Panorama teórico da GC de acordo com Pinheiro (2016: 33)

Pinheiro (2016) menciona o fato de alguns modelos considerarem o uso linguístico

como essencial para a própria existência da linguagem. A esses modelos dá-se o rótulo

Gramática de Construções Baseada no Uso (GCBU). O autor relembra o fato de até os mais

profundamente inatistas considerarem o uso como possuidor de alguma importância, nas

palavras do autor, “nem que seja [...] para permitir a marcação de parâmetros durante a

aquisição [...]” (p. 34). Os modelos baseados no uso, entretanto, elevam essa relevância a

outros patamares. Segundo Pinheiro, nesses modelos, a hipótese da gramática inatista não se

sustenta, e, por conta disso, adota-se a postura de que língua é apreendida a partir da

experiência, i.e., “a totalidade do conhecimento linguístico terá de ser construída a partir do

input” (2016, p. 34). Além disso, não há um momento em que a experiência cessa suas

influências sobre as capacidades linguísticas de alguém, o que solapa a importância do

período crítico9. A experiência, então, afeta o conhecimento linguístico continuamente, por

toda a vida de um usuário de uma língua qualquer, num processo de retroalimentação.

8 Certamente, esses não são os únicos modelos existentes, como visto em Diessel (2015). No entanto, por conta

de relevância dos modelos apresentados e economia no texto, esses foram os escolhidos. 9 Não se nega que períodos da vida de um ser humano são mais produtivos em termos de desenvolvimento. O

que se propõe, no entanto, é que essa capacidade é mais relacionada à plasticidade do cérebro que a uma suposta

Faculdade da Linguagem.

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Dessa premissa, então, surge a possibilidade de se entender a gramática como

fundamentalmente redundante. Isso se dá por conta da consideração de que, sem uma

capacidade inata que apresente categorias linguísticas básicas, tudo precisa ser construído a

partir do uso linguístico. Assim, o ser humano precisa apreender, primeiro, formas

linguísticas concretas.

É isso o que acontece quando uma pessoa ouve sentenças como „O Neymar passou a

bola para o Mbappé‟, „O João entregou os envelopes para a Maria‟, „A Bruna levou os

computadores para mim‟ etc. Ao perceber, por meio de analogização, que essas sentenças

têm uma estrutura em comum (S V OBJ1 para OBJ2), além de um significado em comum

(movimento causado10

), o indivíduo que as experienciou formula uma categoria mais

abstrata. Com essas categorias abstratas, um indivíduo passa a processar sentenças que nunca

havia ouvido, tais como „O Carlos enviou os arquivos para mim‟ ou (a já mencionada) „O

jangadeiro levou os namorados para a piscina‟ como compartilhando uma estrutura e,

portanto, uma função.

Como já aludido, o conceito de construção abarca todo o conhecimento linguístico

que combina uma forma a uma função, e, sendo assim, construções morfológicas são

analisadas da mesma maneira, como visto em Booij (2005, 2008, 2010, 2013) Gonçalves

(2016) e Tavares da Silva (2017). Este último analisa as construções [N-eiro] e argumenta

que, a partir das experiências com formas concretas tais como „jornaleiro‟, „jangadeiro‟,

„fofoqueiro‟, „corneteiro‟, uma forma abstrata [N-eiro] é conceptualizada com sua respectiva

função e possibilita a compreensão de formas novas como „cachorreiro‟ {AQUELE QUE

FAZ CACHORRO QUENTE}, „blogueiro‟ {AQUELE QUE TRABALHA COM BLOGS},

„twitteiro‟ {AQUELE QUE USA O TWITTER COMUMENTE} e „fortniteiro‟ {AQUELE

QUE JOGA FORTNITE COMUMENTE}.

É dessa forma que entendo as construções de gênero no português atual. A partir de

experiências com dados concretos de uso, tais como „menina‟-‟menino‟, „garoto‟-‟garota‟,

„gata‟-‟gato‟, „porca‟-‟porco‟, „pata‟-‟pato‟, „rata‟-‟rato‟, entre outros, o indivíduo abstrai

duas construções [N-a] e [N-o], bem como seus respectivos polos semânticos

{GÊNERO/SEXO FEMININO} e {GÊNERO/SEXO MASCULINO}.

O conhecimento linguístico se torna redundante dessa forma por conta de se sustentar

a partir de experiências concretas, do registro dessas, bem como de sua abstratificação e,

mesmo após esse processo, de sua manutenção na memória. Langacker (1988) alega que, em

10

Esses exemplos, e nomenclatura, são inspirados no trabalho de Goldberg (1995).

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essência, um ser humano faz uso de itens mais concretos que abstratos quando se comunica,

lançando mão de abstrações quando se depara com instâncias ainda não experienciadas ou

quando precisa veicular uma ideia nova. Nesse framework, Goldberg, em 2006, reelabora sua

definição de construção. Construção, então, passa a ser entendida como:

“Qualquer padrão linguístico é considerado como uma construção desde que algum aspecto

de sua forma ou sua função não seja exatamente previsto através de suas partes

componentes ou de outras construções conhecidas. Ademais, padrões são armazenados

como construções mesmo que sejam completamente previsíveis, contanto que ocorram

com frequência suficiente.” (p. 5)11

Construcionistas formalistas, como Kay (2013), afirmam que as instanciações

concretas não se tornam necessárias após serem abstratificadas e, por isso, são descartadas.

Essa alegação tem como fundamentação a parcimônia descritiva, a economia na descrição.

Lakoff (1990), no entanto, indica como expediente da Linguística Cognitiva a realidade

psicológica em detrimento da parcimônia descritiva, já que é preciso levar em conta

descobertas de outras ciências. Portanto, o que se aproximar mais da realidade da mente de

uma pessoa é o que precisa ser descrito, mesmo que, para isso, a economia na análise seja

afetada. Booij, em palestra ministrada em 2013, afirma que a mente humana não é dotada de

mecanismo que descarte pedaços de memória que, aparentemente, não são mais necessários.

Dessa forma, o ser humano lembra de informações que, a princípio, não têm mais

importância, como um caminho até uma casa na qual não se vive mais, e, logo, não é mais

percorrido.

Não se deve, contudo, considerar que, para modelos baseados no uso, a negação do

inatismo equivale à hipótese do indivíduo como tábula rasa quando de seu nascimento. Há

outras habilidades cognitivas que atuam para a aquisição da linguagem. Bybee (2010) dá a

essas habilidades o nome de Processos Cognitivos de Domínio Geral. Processos como

analogização, memorização, categorização, cálculo estatístico, teoria da mente, entrenchment,

entre outros, atuam em conjunto para o desenvolvimento da linguagem. Nesse sentido, para a

GCBU, a linguagem é um epifenômeno e não um fenômeno em si.

Este trabalho se insere nessa perspectiva. Acredito que as vogais finais nominais -a e

-o (com pares, „menina‟-‟menino‟, „mato‟-‟mata‟, ou sem pares, „testemunha‟, „indivíduo‟),

tradicionalmente distribuídas entre os conceitos de desinências de gênero e vogal temática

11

Any linguistic pattern is recognized as a construction as long as some aspect of its form or function is not

strictly predictable from its component parts or from other constructions recognized to exist. In addition,

patterns are stored as constructions even if they are fully predictable as long as they occur with sufficient

frequency.

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respectivamente, seja nas gramáticas ou na literatura linguística, são experienciadas da

mesma maneira pelos falantes e, assim, abstratificadas seguindo um mesmo padrão ([N-a] e

[N-o]). Essa forma única, então, tem, também, significado único, {GÊNERO/SEXO

FEMININO} e {GÊNERO/SEXO MASCULINO}, respectivamente. Na mesma esteira de

Nascimento (2006), entendo que, a partir da experiência com o mundo natural, histórico e

cultural, atribuímos características aos sexos biológicos, e essas características são alinhadas

às representações de gênero gramatical.

Algumas conclusões são tomadas a partir desse ponto de vista. Alego que a divisão

entre desinências de gênero e vogais temáticas, em português, (Camara Jr, 1970; Kehdi,

1990; Cunha & Cintra, 2013 [1984], Villalva, 2003) é psicologicamente irreal. Isso também

se dá a qualquer outro tipo de divisão, mesmo que essas estejam relacionadas em uma rede

construcional por links de herança, como é o caso de Nascimento (2006). Sendo uma única

construção desinencial de gênero feminino ([N-a]) e uma construção desinencial de gênero

masculino ([N-o]), o significado para ambas será sempre o mesmo, sendo os referentes

sexuados ou não. Esta última proposição leva, inevitavelmente, a uma outra proposta: a

língua falada em uma comunidade influencia na forma como essa comunidade recorta a

realidade. Assim sendo, assumo uma postura relativista em relação à linguagem e argumento

que falantes de português brasileiro, ao menos de sua variedade carioca, são levados a atribuir

características femininas ou masculinas (culturalmente estabelecidas) a seres assexuados por

conta da distribuição de gênero gramatical.

2.3 Relativismo Linguístico

Há milhares de anos os seres humanos se perguntam o impacto que a língua tem sobre

o pensamento, já registrado nos diálogos platônicos. No entanto, apesar de essa ser uma

discussão que perpassa o pensamento linguístico através de eras, ela sempre foi tratada como

uma questão secundária. Em realidade, há apenas algumas décadas esse debate foi tratado

diretamente como objeto de estudos central e de modo estruturado. O maior responsável por

isso foi Benjamin Lee Whorf.

Whorf foi um engenheiro químico que trabalhava em uma companhia de seguros

contra incêndio que se interessou pelos estudos da linguagem muito cedo em sua vida (LEE,

1996). No entanto, embora se dedicasse extensamente aos estudos em linguística, Whorf só

se envolveu com a academia aos 31 anos de idade na Universidade de Yale, sob a tutela de

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Edward Sapir (EVERETT, 2013). Ainda assim, o estudioso nunca se desvinculou de seu

emprego formal, nem obteve grau na Universidade de Yale; porém, Whorf era considerado

como integrante do grupo de acadêmicos em linguística de lá, como afirma Lee (1996).

Whorf construiu seu legado nos estudos linguísticos e antropológicos de maneiras

diferentes. Uma delas, menos conhecida, foram seus estudos e descrições de algumas línguas,

tais como o hebreu bíblico, o náuatle, o hopi, entre outras. A outra, a que faz o estudioso ser

conhecido ainda hoje, são seus estudos sobre língua, mente e experiência (LEE, 1996). É essa

última que cria a Hipótese que leva o nome de seu criador e de seu mentor, a Hipótese Sapir-

Whorf, entendida alguma vezes por Determinismo Linguístico, outras por Relativismo

Linguístico, a depender de suas especificidades.

Com influências dos estudos anteriores de Sapir e Humboldt, a hipótese elaborada por

Whorf na década de cinquenta do século XX tinha como ponto central a afirmação de que

diferenças linguísticas resultavam em diferenças em modos de se perceber o mundo. Falantes

de línguas diferentes, devido às diferenças em suas gramáticas, acabam por pensar de

maneira dessemelhante.

A despeito de ter sido o autor que primeiro apresentou essa ideia de maneira coerente,

Whorf abriu espaço em seus escritos para duas interpretações diferentes. A primeira é o

entendimento de que os falantes de uma determinada comunidade linguística só conseguem

pensar de acordo com os limites impostos por suas línguas. A essa interpretação dá-se o nome

de Determinismo Linguístico, ou Hipótese Sapir-Whorf forte, representada no seguinte

trecho:

“Nós somos apresentados, então, a um novo princípio da relatividade, que afirma que os

observadores não são guiados a uma imagem do universo pela mesma evidência física, a

não ser que suas bases linguísticas sejam similares ou possam ser, de alguma forma,

calibradas” (WHORF, 1956, p. 214)12

Essa visão mais forte da hipótese, o Determinismo Linguístico, segundo Wolff &

Holmes (2011) (em uma discussão pormenorizada), é insustentável tanto teoricamente quanto

empiricamente; seria impossível fazer ciência e descobrir novas possibilidades caso um

indivíduo fosse limitado àquilo que sua língua representa13

. Contudo, ao passo que o trecho

apresentado pode ser interpretado como determinista, já que o autor sugere que não é possível

12

We are thus introduced to a new principle of relativity, which holds that all observers are not led by the same

physical evidence to the same picture of the universe, unless their linguistic backgrounds are similar, or can in

some way be calibrated. 13

Argumento apresentado por Daniel Everett no curso A Origem da Linguagem: 60.000 gerações de falantes,

com 9 horas, Maceió, Alagoas, 2019.

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acessar uma mesma evidência da mesma forma por conta de diferenças entre línguas, a

„calibragem‟ sugerida pode indicar já um direcionamento a uma visão mais branda da

hipótese. Esse ponto de vista é conhecido por Relativismo Linguístico e é também encontrado

nos trabalhos de Whorf. O trecho a seguir ilustra o caso:

“Meus próprios estudos sugerem, para mim, que linguagem, por todo o seu papel

majestoso, é, em algum sentido, um bordado superficial sobre processos mais profundos de

consciência, os quais são necessários antes que quaisquer comunicação, sinalização ou

simbolismo possam ocorrer. Eles (processos de consciência) podem afetar, se estritamente

necessário, a comunicação (mas não CONCORDÂNCIA real) sem a ajuda de linguagem

ou de simbolismo.14

Desse jeito, Whorf dá indicações de que existe algum tipo de conhecimento

subjacente e pré-linguístico, o que sugere que nem todos são determinados pela língua falada,

mas apenas influenciados por ela.

Dados os pontos apresentados, como afirma Vandewynckel (2008), Whorf era

inconsistente em algumas de suas propostas, o que resultou em múltiplas interpretações de

seus estudos. Da mesma forma, existem muitos mal-entendidos sobre seu trabalho, como

afirma Casasanto (2008). Tal é o caso de Pinker (1994) que afirma que o conjunto de ideias

por trás da hipótese está “errado, tudo errado.” (p. 57). Casasanto (2008), todavia, chama

atenção para o fato de Pinker (1994) entender como Hipótese Sapir-Whorf a ideia de que

pensamento é igual a linguagem e vice-versa, o que, verdadeiramente, está errado. Casasanto

aponta que, no trabalho de Pinker (1994), conclusões errôneas são produzidas devido a uma

mistura entre questões: a primeira, respondida por Pinker, é se pensamos em língua, ou seja,

se pensamento é linguagem; a segunda, mais alinhada ao relativismo linguístico, indaga se

língua molda o pensamento. A resposta a que Casasanto chega é de que, mesmo que

pensamento não seja língua, as evidências vêm mostrando que língua pode influenciar o

pensamento.

Os já referidos Wolff & Holmes (2011) chegam a ir além da discussão sobre os

conceitos Determinismo e Relativismo Linguístico, argumentando que essa é uma

simplificação das diversas possibilidades que emergem da teoria, que não necessariamente se

encaixam em um continuum forte-fraco. Primeiramente, os autores afirmam que as ideias

entendidas como „Pensamento é Linguagem‟ e „Determinismo Linguístico‟ são, ambas,

14

My own studies suggest, to me, that language, for all its kingly role, is in some sense a superficial embroidery

upon deeper processes of consciousness, which are necessary before any communication, signaling, or

symbolism whatsoever can occur, and which also can, at a pinch, effect communication (though not true

AGREEMENT) without language's and without symbolism's aid.

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insustentáveis. Porém, quando língua e pensamento são tratados como estruturalmente

diferentes, resultados interessantes aparecem. Nesse ponto, os autores identificam três

possibilidades teóricas, que, por sua vez, apresentam algumas subdivisões: „Pensamento

anterior à linguagem‟; „Pensamento conjunto à linguagem‟; „Pensamento posterior à

linguagem‟. Dessa forma, um quadro teórico é montado. A seguir, apresento uma

representação desse quadro, baseado na ilustração oferecida pelos próprios autores:

Figura 4: Classes e subclasses de hipóteses sobre como a língua pode afetar o pensamento (WOLFF &

HOLMES, 2011)

Na literatura atual, como sugere Everett (2013), todo o desenvolvimento no que se

entende como Hipótese Sapir-Whorf faz com que a teoria seja mais bem referida apenas

como Relativismo Linguístico. O autor argumenta que, a partir dos progressos alcançados por

autores posteriores a Whorf, principalmente no que tange à experimentação linguística, fazem

com que a estrutura da hipótese não possa ser atribuída a apenas um teórico. Apesar disso, de

maneira alguma a importância de Whorf é negada como o primeiro a apresentar uma ideia

sobre as influências da língua sobre o pensamento de maneira coesa.

É a partir das experimentações mencionadas que o Relativismo Linguístico ganha

nova vida após os ataques de teóricos naturalistas, principalmente após os trabalhos de

Chomsky. Já que, para eles, os seres humanos contavam com uma capacidade inata de

linguagem, uma Gramática Universal, não havia sentido em postular que diferenças entre

línguas seriam capazes de afetar o pensamento de seus usuários.

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No entanto, experimentos linguísticos têm continuamente apresentado tendências de

diferentes conceptualizações linguísticas contribuírem para diferentes conceptualizações

mentais. Casasanto (2008) e Everett (2013) alertam, contudo, que, concomitantemente com a

sustentação da hipótese do Relativismo Linguístico, essas pesquisas têm mostrado que a

hipótese do Determinismo Linguístico é insustentável. Com o intuito de ilustrar seus

argumentos, apresentam exemplos de diversos trabalhos nesse sentido, principalmente no que

se refere à conceptualização do tempo, do espaço, de sons, bem como de gênero gramatical,

foco deste trabalho.

Sobre esse último ponto, os trabalhos encabeçados por Lera Boroditsky constituem

grande referência sobre o tópico. A linguista tem investigado, em colaboração com outros

pesquisadores, os efeitos produzidos por gênero gramatical em diferentes comunidades

linguísticas. Os achados da pesquisadora têm apontado para uma influência real da língua na

percepção de mundo de diferentes falantes.

Em Boroditsky & Schmidt (2000), a autora, em conjunto com outro pesquisador,

aponta para alguns achados nesse campo. Ambos descrevem dois experimentos em que o

objeto de pesquisa era gênero gramatical. No primeiro deles, falantes de inglês eram

instruídos a classificar substantivos referentes a animais e artefatos como femininos ou

masculinos. Esses substantivos eram comparados a seus equivalentes prototípicos no

espanhol e no alemão. As respostas dadas pelos participantes anglófonos eram então

comparadas à atribuição de gênero gramatical tanto no espanhol quanto no alemão. Os

resultados obtidos revelam que a atribuição de gêneros a animais se mostra similar

interlinguisticamente, ao passo que os gêneros gramaticais atribuídos a artefatos são

percebidos como mais aleatórios. Tais resultados podem mostrar que a atribuição de gênero

gramatical não é tão arbitrária como estabelecida tradicionalmente.

No segundo experimento, os autores compararam respostas dadas por falantes de três

línguas diferentes. Falantes de espanhol, alemão e inglês foram apresentados a substantivos

referentes a objetos (apple {maçã}, arrow {flecha}), bem como a antropônimos (Patricia,

Patrick). Os objetos foram escolhidos de forma que metade fosse feminina e metade fosse

masculina e de modo que essas classificações fossem opostas entre as línguas espanhola e

alemã. Da mesma maneira, os antropônimos se configuravam como metade feminina e

metade masculina. Durante o experimento, para cada participante, um computador associava

antropônimos a substantivos que tinham objetos como referentes de forma aleatória. Após

isso, a memória dos participantes era testada no que se refere aos nomes atribuídos aos

objetos. Os resultados obtidos indicam que a atribuição de gênero aos substantivos afeta a

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memória dos falantes, já que os resultados eram melhores quando a associação gênero do

objeto + gênero do antropônimo era coincidente. O mesmo aconteceu para falantes do inglês

e a relação de atribuição de gênero a artefatos, como feito no experimento anterior.

Em outro trabalho, Boroditsky & Phillips (2003), também através de experimentos,

tentam descobrir se a distribuição de gêneros entre os substantivos de uma língua podem

influenciar a maneira como os falantes daquela língua pensam. Os autores descrevem 5

experimentos que buscam investigar os efeitos da gramática no pensamento dos seres

humanos.

Nos primeiro e segundo experimentos, os pesquisadores testaram falantes de espanhol

e alemão. No primeiro, falantes monolíngues eram os sujeitos; no segundo, falantes bilíngues

de espanhol e alemão. Os participantes eram requisitados a associar imagens de objetos e

animais a imagens de mulheres e homens. No primeiro experimento, os resultados mostraram

que tal associação ia em direção à equivalência de gêneros, já que figuras de mulheres eram

mais associadas a substantivos do gênero feminino, e figuras de homens eram mais

associadas a substantivos masculinos. No segundo, a associação entre objetos e

representações pictóricas de pessoas de acordo com o gênero dependia do grau de

proficiência dos falantes nas línguas estudadas. Assim, falantes mais proficientes em

espanhol tinham a tendência a associar as imagens de acordo com os gêneros do espanhol, ao

passo que o oposto acontecia com falantes com maior proficiência em alemão.

Para confirmar que a influência dos gêneros conferidos aos substantivos ia além da

influência do uso linguístico online, o terceiro experimento foi pensado. Nesse, os

participantes precisavam repetir verbalmente letras que apareciam aleatoriamente na tela de

um computador. Assim, enquanto respondiam ao teste, os participantes repetiam letras como

„A‟, „B‟, „C‟ etc. Dessa forma, uma possível verbalização dos substantivos seria

impossibilitada. Por conta disso, o experimento teria mais uma garantia de que a influência

linguística é mais profunda. Os resultados mostram que, mesmo com uma verbal shadowing

task, uma tarefa para ofuscar outros usos linguísticos naquele momento, os resultados se

mantêm como no experimento 1.

Por fim, os autores apresentam os experimentos 4 e 5, os quais eles chamam de

„Similaridade Gumbuzi‟. Nesses, falantes nativos de inglês aprendiam uma língua a qual os

pesquisadores chamavam de „gumbuzi‟. Essa língua possuía dois artigos definidos, „sou‟ e

„oos‟, relacionados, respectivamente, a mulheres e a homens. Após aprenderem a distribuição

dos artigos nessa língua hipotética, os participantes eram submetidos ao teste de similaridade

entre objetos e figuras de humanos. A diferença entre os experimentos 4 e 5 é que esse

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possuía uma tarefa de interferência linguística e aquele, não. Os resultados desse experimento

foram consistentes com aqueles que envolviam falantes de espanhol e de alemão, já que os

sujeitos julgavam objetos e humanos mais similares quando compartilhavam gênero do que

quando não possuíam essa compatibilidade. Ambos os experimentos foram pensados para

verificar uma possível interferência da cultura nos resultados obtidos, interferência essa que

não foi observada.

Seguindo os mesmos passos, Ramos & Roberson (2011) estudaram os efeitos do

gênero gramatical no pensamento dos falantes de português. Os pesquisadores, seguindo,

similarmente a Boroditsky, uma linha experimental, encontraram algum nível de influência,

mas, segundo seus resultados, essa influência perdia força quando o grau de processamento

linguístico era diminuído.

Para tanto, Ramos & Roberson aplicaram três experimentos, comparando respostas de

falantes nativos de português e de inglês. No primeiro, os participantes precisavam definir se

vozes hipotéticas de objetos inanimados eram femininas ou masculinas, tornando, portanto, a

referência a gênero explícita (resultados mostraram que o gênero gramatical exercia

influência nas escolhas). O segundo desses experimentos buscava analisar as associações

entre palavras no que se refere à similaridade semântica (os resultados mostraram que gênero

gramatical pode exercer influência sobre os agrupamentos entre palavras, já havia uma

tendência entre falantes do português de agruparem substantivos que compartilhavam o

mesmo gênero gramatical). No terceiro experimento, os autores pediram para que os

participantes agrupassem, agora, imagens de objetos, e não substantivos referentes a esses. Os

resultados mostraram que, possivelmente, os gêneros atribuídos aos substantivos não teve

grande impacto nas escolhas dos participantes, o que pode sugerir uma necessidade de uso da

língua para que a influência aconteça.

Esses trabalhos mostram que o campo ainda se encontra em disputa e que outros

trabalhos são necessários para que a teoria se reforce ou não. É o que busco com esta

pesquisa.

No presente trabalho, assumo a visão de que as diferenças entre línguas afetam o

pensamento de maneiras diversas (Everett, 2013; Casasanto, 2008; Wolff & Holmes, 2011;

Whorf, 1956). Nesta pesquisa, especialmente, discuto a possibilidade da „língua como

holofote‟, que propõe que algumas propriedades de referentes se tornam extremamente

salientes no pensamento não linguístico por conta da gramática. A partir disso, entendo que,

caso a discussão aqui apresentada, somada ao experimento elaborado, apresente respostas que

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sustentem minhas hipóteses, contribuirei com evidências para o que se melhor entende hoje,

segundo Everett (2013), como Relativismo Linguístico.

2.4 Considerações sobre as formalizações descritivas deste trabalho

Ao se analisar os diferentes trabalhos voltados para a descrição da Gramática de

Construções e/ou da aplicação dessa na descrição de construções linguísticas, uma série de

diferentes formalizações são encontradas. Nesta seção procuro deixar claras as representações

utilizadas.

Traugott & Trousdale (2013) já apresentam essa questão como ainda uma

característica a ser estabelecida nos estudos nessa perspectiva. Para tanto, os autores se

referem a Booij (2010) e seu tipo de formalização para estabelecer a maneira como

descrevem construções em seu livro. Por um caminho parecido, também me baseio em Booij

(2010) para estabelecer uniformidade na maneira como descrever as construções aqui

mencionadas.

Baseando-me também no autor, quando me refiro em escrita corrente ao polo formal

de uma construção, utilizo o símbolo colchete ([ ]) para indicá-lo. Assim, quando fizer

menções ao polo formal da construção desinencial de gênero, o representarei da seguinte

maneira: [N-a]; [N-o]; [N-e]. Por outro lado, quando me refiro em escrita corrente ao polo

funcional, faço uso do símbolo chave ({ }) para indicá-lo, bem como de letras em caixa alta

internas às chaves. Desse modo, para as formas [N-a], [N-o] e [N-e], os polos funcionais

serão ilustrados, respectivamente, como {GÊNERO/SEXO FEMININO}, {GÊNERO/SEXO

MASCULINO}, {COISA SEM ESPECIFICAÇÃO DE GÊNERO}.

Na medida em que os dois polos figurem textualmente separados, não há um símbolo

para sua união (ainda que esteja pressuposto que ambos são duas faces de uma construção).

Contudo, ao se mencionar e/ou descrever uma construção e ambos os polos estiverem postos

lado a lado, a seguinte distribuição é utilizada: polo formal à esquerda, polo semântico à

direita e setas duplas no meio, conectando ambos. Então, as construções desinenciais de

gênero seriam representadas como [N-a] ↔ {GÊNERO/SEXO FEMININO}, [N-o] ↔

{GÊNERO/SEXO MASCULINO}, [N-e] ↔ {COISA SEM ESPECIFICAÇÃO DE

GÊNERO}.

Fora da escrita corrente, no entanto, além do padrão mencionado, outra formalização

é utilizada. Assim faço por conta de considerar, às custas de uma possível redundância, uma

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melhor organização. Dessa maneira, cada construção é representada por um retângulo15

atravessado por uma linha medial. Nesse retângulo, o polo formal é disposto na parte superior

e o polo funcional é disposto na metade inferior do retângulo. Quando conectada a outras

construções ou a possíveis construtos, esses retângulos serão conectados por linhas simples.

Na figura a seguir, ilustro essa representação:

Figura 5: Representação construcional

Dessa maneira, consigo representar tanto os polos formal e funcional quanto as

conexões de rede entre construções diferentes. É importante ressaltar que, assim como

acontece com o que se refere aos pressupostos teóricos, discuto o objeto de estudo deste

trabalho frente a outros autores. Sendo assim, no próximo capítulo, descrevo e analiso

diferentes trabalhos que lidam com a categoria gênero morfológico e/ou com as desinências

de gênero e vogais temáticas sob perspectivas diversas. Discuto, então, tanto considerações

que entendo como positivas, quanto posicionamento que considero mais problemáticos. A

partir disso, indico o possível espaço ocupado por este trabalho no que se refere aos estudos

de gênero gramatical e vogais temáticas nominais/desinências de gênero.

15

Construtos são representados por retângulos sem divisões com itens lexicais em caixa alta.

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3. REVISÃO DA LITERATURA

Certamente, a discussão sobre o que é a tríade gênero gramatical, vogal temática e

desinência de gênero não é nova nos estudos sobre a língua portuguesa. Não obstante, as

conclusões alcançadas pelos debates sobre o assunto não deixaram de ser contrariadas e

disputadas. Neste capítulo, por isso, tenho como objetivo apresentar algumas das

considerações de diferentes teóricos da língua, abordando desde autores de gramáticas

tradicionais a estudos em linguística moderna, sob arcabouços diversos. Assim, pretendo

mostrar, de maneira sintetizada, as conexões entre as abordagens dos estudiosos selecionados,

assim como as ligações (e diferenças) entre esses e as hipóteses levantadas na presente

dissertação. Por fim, há que se levar em consideração que os textos aqui sintetizados são

apenas uma seleção dentre uma vasta gama de importantes trabalhos e que, de maneira

alguma, esgotam as produções sobre o objeto.

O capítulo, então, é estruturado da seguinte forma: apresento a visão tradicional,

através das GTs; em seguida, descrevo os trabalhos mais voltados para a linguística; e,

finalmente, sintetizo o capítulo.

3.1 Gramática Tradicional

Apesar de a nomenclatura levar ao pensamento de que Gramáticas Tradicionais são

um conjunto homogêneo de compêndios que lidam com os mesmos assuntos a partir das

mesmas abordagens, não é exatamente essa a realidade observada. Essa característica não é

diferente no que se refere à descrição das manifestações do gênero gramatical em português,

das vogais temáticas e das desinências de gênero. Nos próximos parágrafos, as visões de

Cunha & Cintra (2013) [1984], Rocha Lima (2014) [1972], Bechara (2009) e Cegalla (2010),

apresentadas em suas respectivas gramáticas, são apresentadas. Ao final, comento, ainda, a

abordagem de Perini (2010), um compêndio gramatical com feição mais próxima a ciência

linguística.

Primeiramente, para Cunha & Cintra (2013) [1984], dos gêneros gramaticais do

português (masculino e feminino), o masculino é o gênero não marcado, ao passo que o

feminino é o marcado, o que faz desse possuidor de semântica mais específica. Isso

explicaria, então, o porquê de ser o masculino o gênero usado para plurais gerais, quando não

se quer especificar gênero algum, como no exemplo „Bom dia a todos‟, quando alguém se

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dirige a um grupo de pessoas de gênero feminino e masculino. Tal fato também explicaria o

porquê de ser a forma masculina a utilizada em tempos verbais compostos, tais como „Ela

tinha falado comigo‟. Para os autores, o português possui duas desinências de gênero, a

saber, -o para o masculino e -a para o feminino, ilustrado na tabela abaixo, como

esquematizada por eles:

Gênero Número

Masculino Feminino Singular Plural

o a - s

Tabela 2: Esquematização de Cunha & Cintra (2013) [1984]

Entretanto, para os autores, há a impossibilidade de se saber, via de regra, o gênero a

partir de sua significação ou terminação. Porém, como afirmam, nomes terminados em -o

átono são masculinos e nomes terminados em -a átono são, geralmente, femininos. Ainda,

para os gramáticos, substantivos femininos são formados a partir dos substantivos

masculinos, às vezes divergindo em forma, como é o caso dos heterônimos „homem‟-

‟mulher‟, e às vezes a formação se dá pela adjunção ou substituição de desinências, como nos

casos de „senhor‟-‟senhora‟ e „menino‟-‟menina‟, respectivamente. Quando lidam com

vogais temáticas, Cunha & Cintra apenas as relacionam aos verbos, não citando vogais

temáticas nominais em sua seção sobre o tema.

Diferentemente dos autores anteriores, Rocha Lima (2014) [1972] adota uma posição

mais contundente. Inspirado por Camara Jr. (1970), o autor defende que, em português, as

vogais -a, -o e -e átonas em substantivos são, em grande parte, apenas vogais temáticas. O

autor considera também a existência de desinências de gênero ao alegar que a vogal -a átona

em substantivos referentes a seres sexuados indica o gênero feminino, ao passo que o zero

seria o indicador de gênero masculino. De certa maneira, essa hipótese consegue dar conta de

um dos problemas do objeto, a quantidade de formas representantes do gênero masculino. É

insuficiente, porém, para algumas outras questões, aprofundadas mais à frente, quando cito o

estudioso Camara Jr, como acontece em casos como „crianço‟ e „feministo‟, em que a vogal

final –o é uma clara referência ao masculino.

Bechara (2009), por sua vez, ao falar sobre o gênero gramatical dos substantivos

afirma que “[a] oposição masculino-feminino faz alusão a outros aspectos da realidade,

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diferentes da diversidade de sexo[...]” (2009: 132). Dessa forma, o autor acaba se afastando

parcialmente do que afirma Rocha Lima (2014) [1972], já que, para Bechara, a oposição

entre gêneros gramaticais se dá numa escala maior. Nesse caminho, o estudioso afirma que a

oposição entre gêneros serve como distinção de objetos através de certas qualidades

semânticas, já que, para ele, aproximando-se de Cunha & Cintra (2013) [1984], o feminino

seria o marcado do par e, por isso, substantivos femininos são especializados em relação ao

masculino.

Além disso, o autor argumenta que o gênero em português não se manifesta de

nenhuma maneira por flexão, mas por derivação. Bechara, então, utiliza como argumento o

fato de gênero gramatical ser expresso em português de diferentes formas, como outros

sufixos. Tal característica é tida como relacionada a processos derivativos, como visto em

Gonçalves (2011). Assim, o autor afirma que palavras como „gato‟ e „gata‟ são palavras

diferentes - e não integrantes de um mesmo paradigma -, sendo o substantivo feminino

formado a partir do masculino. Essa proposta é interessante à medida que, em certos

momentos, não fica clara a diferença entre processos flexionais e derivacionais, sendo,

primariamente, mais bem considerados como facetas de um mesmo conceito: construção

gramatical.

De certo, Bechara admite a existência da função relacionada às vogais temáticas,

cumprida pelas átonas finais -a, -o e -e, e da função relacionada às desinências de gênero,

exercida pelos sufixos -a e -o. Por conta de o autor considerar que gênero gramatical é uma

informação que vai além do sexo biológico, é possível que, para ele, pares como „barco‟-

„barca‟, seres inanimados (que, logo, não possuem sexo) também possuam informação de

gênero. Assim, os marcadores de gênero e vogais temáticas estariam representados na

gramática do falante de português assim como se segue:

Marcador de gênero

(desinência - sufixo)

Vogais temáticas Morfema cumulativo (VT

- Desinência)16

a o A o e a o

Tabela 3: Esquematização baseada em Bechara (2009)

16

O autor afirma, no entanto, que, nos nomes, a vogal temática (a, o) é cumulativa e secundariamente funciona

como a desinência de gênero.

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Por fim, o autor versa sobre a alegada arbitrariedade da atribuição de gênero

gramatical aos substantivos. Primeiramente, Bechara afirma que “[a] diferença do sexo nos

seres animados pode manifestar-se ou não com diferenças formais neles” (2009: 133), ao

falar de casos de substantivos comuns-de-dois. Em segundo lugar, argumenta que

“[a] distinção do gênero nos substantivos não tem fundamentos racionais, exceto a

tradição fixada pelo uso e pela norma; nada justifica serem, em português,

masculinos lápis, papel, tinteiro e femininos caneta, folha e tinta.” (2009: 133).

É notado certo aspecto nebuloso nos critérios utilizados pelo autor. Ele afirma que as

desinências servem como distinção de gênero, assim como outros sufixos, esses últimos

claramente relacionados à oposição entre sexos. Acontece, todavia, de o autor afirmar que a

oposição entre gêneros não se dá no campo da oposição entre sexos somente. A pergunta que

surge é: por que somente as ditas desinências teriam a capacidade de ir além do sexo

biológico? Ainda, qual seria o significado real das desinências de gênero? O que seriam os

outros aspectos da realidade aos quais se refere? Perguntas como essas ficam sem respostas

no texto do estudioso.

Finalmente, Cegalla (2010) parece concordar com Bechara no que se refere à

atribuição de gênero a seres inanimados, já que esse chama atenção para “a própria fantasia

que moldura o universo do falante” (BECHARA, 2009: 133) e alega que “[g]ênero é a

propriedade que as palavras têm de indicar o sexo real ou fictício dos seres” (2010: 135). Na

esteira da diferenciação entre gênero gramatical em seres animados e inanimados, Cegalla

afirma que o gênero de substantivos referentes a seres vivos ser, em geral, corresponde a seus

respectivos sexos. Seguindo essa linha, seres inanimados passam a ter gênero gramatical

puramente por convenção. Como é o caso dos autores anteriores, Cegalla também defende

que a formação do feminino tem por base substantivos no masculino.

Essa última informação parece ser apenas uma afirmação sem qualquer embasamento

em dados empíricos. Há, é claro, a afirmação de que o masculino é a forma não marcada, mas

partir desse ponto para justificar a afirmação anterior soa, no mínimo, falacioso, já que,

dificilmente, um falante não reconheceria ou produziria uma forma masculina a partir de uma

feminina. Tome-se o exemplo: um falante que nunca ouviu o par „urso‟-‟ursa‟, mas já esteve

em contato com outros substantivos que seguem esse padrão opositivo, escuta pela primeira

vez a palavra „ursa‟. Sabendo seu significado, provavelmente, ao ser perguntado sobre qual

seria o masculino, ele/ela responderia „urso‟. Assim se dá com pares de seres inanimados e,

por que não, com palavras realmente novas.

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Cegalla, ainda, ao descrever as desinências flexionais do português, coloca as vogais -

a e -o como indicadores de gênero; é obscura, contudo, sua posição quanto à vogal -e. Ao

lidar com vogais temáticas, só faz menção àquelas relacionadas aos verbos, deixando as

vogais temáticas nominais de lado.

O último gramático a ser apresentado é Perini (2010), já que sua gramática é a única

descritiva e está bastante alinhada com recentes estudos em linguística. Dessa forma, o autor,

ao falar sobre flexão de gênero em nomes, começa diferenciando gênero inerente e gênero

governado, o primeiro relacionado a nominais referenciais, como os substantivos, e o

segundo relacionado a nominais qualificativos, como os adjetivos. Para o autor, nominais

referenciais possuem gênero inerente por conta de sua referência a um ser do mundo;

nominais qualificativos possuem gênero governado por conta da necessidade de concordância

com nominais referenciais, ou seja, o gênero é governado por conta de ser recebido de outro

item.

Continuando, o autor afirma que “[e]ssencialmente, o gênero gramatical não tem nada

a ver com o sexo” (2010: 281) do ser ao qual está conectado. Como argumento, defende que

é possível fazer referência a um ser do sexo masculino a partir de substantivos femininos, tal

é o caso de “O João é uma das testemunhas do caso”. Uma importante observação, no

entanto, é feita em uma de suas notas. É dito que, nos casos em que substantivos de um

gênero podem fazer referência ao outro gênero, eles fazem referência aos dois

indistintamente; o autor continua, comentando que “[...]aparentemente não existem itens

masculinos que se refiram necessariamente a criaturas do sexo feminino, ou vice-versa.”

(2010: 281). Além disso, observa que há uma tendência a relacionar gênero e sexo. Essas

informações, a princípio, se mostram conflituosas com a hipótese de que gênero nada tem a

ver com sexo.

Todavia, Perini alega que, na maioria dos casos, não há sexo envolvido na relação

gênero gramatical-substantivo; tal fato, entretanto, para ele, não possui relevância gramatical,

já que, para efeitos de concordância, havendo relação ou não com sexo, o gênero gramatical

funciona da mesma maneira. Possivelmente, essa posição é baseada na quantidade de

substantivos de referente inanimado em contraposição aqueles de referente animado. Além

disso, a perspectiva do autor, que tem relação muito próxima com a sintaxe e com o

gerativismo, uma teoria em essência sintaticocêntrica, pode ter influência na consideração.

Ao se vislumbrar uma proposta que também considere os impactos semânticos na mente do

falante, torna-se difícil sustentar a afirmação do autor de que a correlação entre gênero

gramatical e sexo “não tem relevância na gramática” (PERINI, 2010: 281). Por fim,

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aparentemente, o autor não faz menção, em seu texto, a vogais temáticas e/ou desinências de

gênero.

3.2 Abordagens Linguísticas

Apesar de os conflitos encontrados nas GTs se fazerem presentes, aqueles

encontrados na linguística propriamente dita se mostram ainda mais acirrados. É mais claro,

também, o empreendimento empírico dos linguistas. Nesta seção, descrevo alguns trabalhos

que versam sobre gênero gramatical em português, assim como sua materialização em

desinências/sufixos, e sobre vogais temáticas, alguns mais enraizados nos estudos da língua

portuguesa, outros menos.

Provavelmente, Camara Jr. (1970) tem uma das hipóteses mais bem difundidas sobre

as desinências de gênero/vogais temáticas no português. É correto afirmar que, apesar de não

ser o único, influenciou gramáticos, como Rocha Lima, assim como outros linguistas, como

será visto mais a frente.

O autor inicia sua proposta se posicionando contra a vigente a sua época. Propõe,

contrariando as gramáticas que relacionavam gênero gramatical ao sexo dos seres, que os

dois conceitos são dissociados, alegando que (i) gênero gramatical abrange todos os

substantivos, sejam eles referentes a seres animados ou inanimados, e que (ii) há discrepância

entre gênero e sexo em seres animados. Gênero, para o estudioso, é apenas uma distribuição

em classes mórficas, adicionando, aos substantivos, distinção entre qualidades semânticas.

Por conta de, para ele, o masculino ser o gênero não marcado e o feminino o gênero marcado,

esse especifica o substantivo, ao passo que aquele torna o substantivo mais geral.

No que se refere às diferenças entre vogal temática e desinência de gênero, o autor foi

revolucionário. Sua hipótese era de que, em português, existem três vogais temáticas (-a; -o; -

e). Dessas vogais temáticas, uma é homomórfica com a desinência de gênero -a. Segundo o

autor, no entanto, a desinência de gênero só está presente em substantivos referentes a seres

sexuados; caso contrário, o que se apresenta é apenas vogal temática. Seguindo a

argumentação, dessa maneira, alega que a marca de gênero feminino é -a e a marca de

masculino é o zero morfológico, desconsiderando a possibilidade de o -o ser marca de

masculino até mesmo em seres sexuados, sendo puramente vogal temática. Assim, a proposta

é resumida na tabela seguinte:

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40

Desinência de gênero Vogal temática

a a o e

Tabela 4: Esquematização baseada em Camara Jr. (1970)

É complicado, contudo, afirmar, segundo a própria visão do autor, que gênero nada

tem a ver com sexo, já que o próprio critério para que se defina a presença de uma desinência

de gênero é o nome se referir a um substantivo sexuado ou não. Para o autor, a átona final -a

pode ser tanto vogal temática („casa‟) quanto desinência de gênero („amiga‟). Para ele, as

desinências estão associadas a seres sexuados. Sendo assim, o critério que Camara Jr.

descarta ao criticar as gramáticas é aquele adotado para definir a desinência de gênero. Além

disso, há críticas à proposta do autor apresentadas por Kehdi e Nascimento, vistas ainda nesta

seção

Ainda assim, de fato, a visão de Camara Jr. influenciou outros autores, tal como

Zanotto (2013) e Freitas (1997). Ambos seguem a ideia de que apenas -a em seres sexuados

pode ser considerada desinência de gênero e que o masculino é a forma básica, não marcada

formalmente. Da mesma maneira, ambos concordam que não se deve associar a ideia de sexo

natural à de gênero gramatical.

Para Zanotto, gênero gramatical divide substantivos em subcategorias e que a

atribuição do fenômeno é inerente e aleatória. Para o autor, essa aleatoriedade é evidenciada

pela mudança de gênero em palavras do latim para o português e está ligada ao uso da língua.

Argumenta, além disso, que o português possui três vogais temáticas que funcionam como

morfemas classificatórios, subdividindo os nomes em três categorias. Assim como Camara

Jr., defende que o mecanismo básico da flexão de gênero no português é a supressão de

vogais temáticas, seguida da adjunção de -a. Aqui, o autor enfrenta o mesmo problema vivido

por gramáticos anteriores, como Cegalla e outros, ao deixar implícito que o feminino é

sempre uma forma criada a posteriori, flexionando-se a partir de uma forma básica, falhando,

assim, na explicação de casos em que o feminino é a forma primeva, como é o caso de

„viúva‟, considerada anterior a „viúvo‟ por vários etimólogos (cf. Viaro, 2011).

Freitas, por sua vez, argumenta que a oposição de gênero se dá entre a marca -a e o

morfe zero, e, ainda, argumenta que o artigo é a marca essencial de gênero. Entretanto, vai

contra absolutos sobre a desinência de gênero, já que palavras como „onça‟, „criança‟ e

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41

„vítima‟ possuem -a e, mesmo assim, não apresentam noção de sexo implícita. No entanto,

como é visto em Kehdi (1990), formas como „criança‟, por exemplo, podem apresentar

oposição com „crianço‟, fato esse que não pode ser tomado como irrelevante. Apesar de o

autor alegar que somente a vogal -a átona é desinência de gênero, não há uma abordagem

explícita do que são as vogais que não são marcas de gênero.

Uma postura parcialmente diferente é aquela encontrada em Rocha (2008).

Primeiramente, o autor afirma que gênero gramatical em português é, por essência,

representado por expediente sintático, podendo, no entanto, exibir características flexionais

quando visto sob o aspecto da relação entre substantivos e determinantes. Essa abordagem,

mais direcionada à sintaxe, tem justificativa em sua base gerativista. Segundo o teórico,

existem marcas morfológicas de gênero; porém, somente uma parte pequena dos substantivos

pode apresentá-las (aqueles que possuem referente sexuado), já que, para ele, “[o] mecanismo

morfológico de mudança de gênero do substantivo apresenta como contraparte semântica a

distinção de sexo” (2008: 207), e, além disso, apenas 4,5% dos substantivos se referem a

seres com sexo no mundo biossocial. O autor, ainda, soma a isso o fato de nem todos os

substantivos que correspondem a seres sexuados possuírem marca morfológica, tal é o caso

de „jacaré‟ e „cônjuge‟.

Nascimento (2006) apresenta uma crítica a essa proposta ao abordar pares como

mato-mata, barco-barca, sapato-sapata etc. Tais pares sempre se dividem em masculino e

feminino de acordo com sua vogal final, -o e -a, respectivamente, o que mostra a associação

entre a informação de gênero e a terminação vocálica. Além disso, para o autor, caso se

considere desinências de gênero somente aquelas formas encontradas em substantivos com

referentes sexuados, as vogais finais em pares como „mato‟-„mata‟ seriam vazias de

significado, e, assim, seria difícil entender o que motiva a diferença semântica entre uma

palavra e outra, já que qualquer vogal temática poderia estar presente nos substantivos em

questão.

Além disso, assumo neste trabalho que para apreender uma língua, o ser humano

conta com um aparato conhecido como Teoria da Mente (TOMASELLO, 2009), como

mencionado no capítulo arcabouço teórico. Ao perceber que outro ser humano tem as

mesmas potencialidades que as suas, uma criança entende que pode produzir linguagem tal

qual aquele. As experiências biológicas, sociais e culturais também se mostram de suma

importância durante o processo, como visto em Lakoff & Johnson (1980). Esses dois fatores,

combinados, justificam a importância da experiência com outros seres humanos e, por

extensão, com seres vivos durante a aquisição. Compreendo, assim, que, apesar de

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42

numericamente baixa, a quantidade de substantivos de referentes animados é, para a

aquisição da linguagem, de suma importância na apreensão de conceitos específicos, tal é o

caso do gênero gramatical.

Para Rocha, a marcação de gênero nos substantivos em português é de caráter

derivacional e não flexional17

. Com base nessa afirmação, o autor propõe que a marca final -

a, em „gata‟, é tão derivacional quanto os sufixos -essa, como em „condessa‟, -isa, em

„poetisa‟, -ina, em „czarina‟ etc. e que, a partir de determinada base, o feminino pode ser

formado a partir da adjunção de um desses sufixos18

. Contudo, o autor não discorre sobre as

vogais temáticas, aquelas que estão na base antes da adjunção dos sufixos.

Outro ponto de vista é levantado pela autora gerativista Maria Ângela Botelho Pereira

em sua tese de doutorado de 1984 intitulada Gênero e número em português: estudo das

relações forma-sentido na gramática, posteriormente publicada em livro sob o mesmo título

(BOTELHO PEREIRA, 1987). A autora, seguindo uma linha parecida com algumas já

expostas, propõe que a categoria de gênero gramatical é associada a sexo; porém, somente

quando é aplicada a seres animados e, portanto, sexuados. Para a autora, portanto, gênero

gramatical é uma categoria linguística diretamente associada a sexo biológico. Assim, quando

relacionada a seres inanimados, a categoria serve simplesmente como divisão de vocábulos

em classes mórficas distintas.

Por conta da base gerativista, Botelho Pereira enxerga a gramática como cindida em

componentes menores que apenas se relacionam superficialmente. Essa posição leva a autora

a argumentar que a categoria gênero gramatical se divide sintática e semanticamente, não

havendo equivalência, apenas vinculação entre ambas. Dessa forma, por mais que apresente

gênero sintático, um substantivo pode não apresentar gênero semântico e vice-versa. Nessa

esteira, segundo a autora, substantivos referentes a inanimados podem apresentar gênero

sintático, mas não apresentam gênero semântico. Vale ressaltar que, para a linguista, este não

é atribuído aos substantivos de forma externa, mas internamente; é originada, portanto, do

interior da estrutura conceitual inerente ao substantivo.

A autora, concordando com a proposta feita por Camara Jr., coloca apenas alguns

substantivos com uma marca formal de gênero, relacionado ao feminino (-a). Assim, a língua

não dispõe de uma marca formal para o masculino, restando a esse o zero morfológico. A

17

Como mencionado no capítulo “Arcabouço teórico”, para a Gramática de Construções, assim como não há

diferenças reais entre os níveis linguísticos (explicados todos a partir do conceito „construção‟), também não há

diferença entre aquilo que é chamado flexão e aquilo que é chamado derivação. 18

Para o autor, desinências de feminino são adicionadas a uma forma de base para que, então, sejam atualizadas

nesse gênero.

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pesquisadora salienta que, no entanto, a semântica de gênero não pode ser imputada ao

sufixo, por conta de substantivos comuns de dois contarem com gênero semântico, mas não

apresentarem marca formal alguma. Além disso, Botelho Pereira indica que gênero

gramatical também é marcado por concordância (fenômeno não abordado nesta pesquisa).

Neste trabalho, assumo posição frontalmente contra as propostas da autora.

Primeiramente, visto meu posicionamento teórico, não considero a gramática como sendo

cindida e, portanto, apesar de suas especificidades, sintaxe e semântica sempre serão

atualizadas em conjunto devido às construções gramaticais. Considero, diferentemente da

autora, que às construções desinenciais de gênero, [N-a] e [N-o], a semântica de sexo é

imputada, apesar de as construções não estarem presentes em todos os substantivos. Além

disso, considero a existência de uma terceira, [N-e], pareada à não especificação de gênero.

Argumento, ainda, que o significado das construções é atribuído a todo e qualquer

substantivo ao qual se adjungem, seja de referente animado ou inanimado. Dessa forma, não

obstante nossa concordância sobre a semântica de gênero, proponho que substantivos de

referente inanimado também são entendidos pelos falantes como tendo características

relacionadas culturalmente a sexo biológico.

Quando Villalva (2003) se debruça sobre o tópico das vogais temáticas, propõe uma

diferença taxonômica: vogais temáticas são aquelas relacionadas a verbos (-a; -e; e -i);

índices temáticos são aqueles relacionados aos nomes e adjetivos (-a, -o, -e, Ø)19

. Ao

confrontar três fatores diferentes para os nomes (índices temáticos; formas variáveis x formas

invariáveis; formas femininas x formas masculinas x formas de dois gêneros), a autora

identifica um sistema no português de vinte e três classes temáticas. Assumo uma postura

contrária a essa proposta, já que identifico, como o que se tem na literatura como vogais

temáticas nominais/índices temáticos, apenas as construções [N-a], [N-o] e [N-e], as quais

chamo de construções desinenciais de gênero. Palavras que se opõem genericamente por

derivação, heteronímia ou ainda aquelas que não apresentam tema algum possuem uma

representação específica no constructicon, assunto mais bem abordado no capítulo Discussão.

Semanticamente, Villalva se alinha a outros autores mencionados. A autora identifica

dois valores para o gênero no português: masculino e feminino. Alega ainda que, quando

nomes animados possuem gênero feminino, esses são geralmente associados a seres do sexo

feminino; já quando o nome é masculino, o referente tende a ser masculino. Bem como

19

A autora faz menção a formas temáticas („aluna‟, „aluno‟, „ponte‟, „mar‟), formas atemáticas („cajá‟) e formas

com constituintes temáticos marginais („piegas‟).

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outros estudiosos, a autora afirma que, quando os nomes são inanimados, não há conteúdo

referencial definido; logo, a relação entre gênero e sexo não é necessária.

Por fim, a autora levanta dois pontos: a característica não flexional do gênero; e a falta

de relação da categoria com morfemas. O primeiro desses pontos é de convergência entre

aquele e este trabalho, ainda que por motivos diferentes (como explico no capítulo Arcabouço

Teórico, na nota de rodapé número 2). No segundo ponto, a autora levanta uma separação

entre o significado de gênero e os morfemas a ele relacionados, defendendo que essa relação

é inexistente. Como já estabelecido, defendo neste trabalho que há tal relação, especialmente

entre a categoria gênero (e seu significado) e as formas [N-a], [N-o] e [N-e]. Ao contrário da

autora, entendo que, mesmo que outras construções morfológicas transmitam a informação de

gênero, isso não impede de nenhum modo que as funções das construções [N-a], [N-o] e [N-

e] sejam relacionadas à categoria, já que essas funcionam diferentemente daquelas.

Outro linguista, Kehdi (1990), segue as ideias de Câmara Jr. em diversos aspectos.

Entretanto, na seção aberta para tratar da flexão de gênero, o autor levanta contundentes

contra-argumentos à proposta de que a única desinência de gênero do português é o -a e que o

masculino é representado pelo zero, i.e., não possui marca. Kehdi, para tanto, retoma

preceitos de abordagens de antigos gramáticos, os quais afirmavam, como Cunha & Cintra e

Cegalla, que a oposição de gênero masculino e feminino no português se dá através da

oposição entre as desinências -o e -a. O autor, para sustentar seu pensamento, fornece dois

argumentos: (i) alega que substantivos com referentes femininos, ao terem como terminação

a vogal -o, passam a masculinos, tal é o caso de mulheraço e cabeçalho; e (ii) indica que, na

linguagem popular, falantes utilizam a vogal -o como marcador de masculino, como são os

casos „crianço‟, „coiso‟ e „madrasto‟.

Ao discorrer sobre vogais temáticas, o autor concorda com aqueles que mencionam o

formativo, explicando que no português existem três: -a, -o e -e. Dessas três, -a e -o seriam

respectivamente comutadas às desinências de gênero foneticamente equivalentes. Kehdi

levanta a questão sobre quais estratégias podem ser usadas para diferenciar um formativo de

outro. Assim, sugere que, para que sejam consideradas desinências, as vogais -o e -a precisam

estar em relação de oposição entre si, como acontece no par „menino‟-‟menina‟. Caso

contrário, como é o caso de livro e carta, o que se apresenta é apenas vogal temática. Por fim,

o teórico também menciona o fato de as vogais temáticas não estarem conectadas aos gêneros

gramaticais, como é o caso de a „libido‟ e o „mapa‟. Porém, como já mencionado

anteriormente (citando Nascimento), é importante notar que, na maioria esmagadora dos

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casos, palavras terminadas em -o são masculinas e palavras terminadas e -a, femininas, tais

como os exemplos „livro‟ e „carta‟, dados por Kehdi.

Dentre os estudiosos, o mais recente a tratar do assunto foi Gonçalves (2019). O

morfólogo, ao abordar o objeto, mostra as características das vogais temáticas nominais do

português (-a, -o e -e), as quais prefere chamar de atualizadores lexicais, já que essas têm, sob

seu ponto de vista, seguindo Bechara, a função primária de atualizar substantivos para que

esses funcionem como palavras na língua. Além disso, o autor chama atenção para o fato de

as vogais -a e -o terem também como função a categorização dos nomes quanto ao gênero. A

vogal -e, por sua vez, não apresenta essa função já que não apresenta especificação quanto a

gênero, ao contrário de -o e -a, que são relacionadas de maneira maciça a palavras masculinas

e femininas, respectivamente. Gonçalves, contudo, não ignora contra-exemplos para sua

afirmação; justifica, no entanto, que palavras masculinas com terminação -a e femininas com

terminação -o são pouco numerosas, o que as torna pequenas exceções a um fato linguístico

mais geral. Cabe ressaltar que, aparentemente, o autor não descreve marcadores de gênero

formas exclusivas a seres sexuados. Tal orientação pode ser percebida através dos exemplos

utilizados pelo autor em seu texto, tais como arma, praça, porto, preço, entre outros.

Por último, o trabalho de Nascimento (2006), seguindo a Linguística Cognitiva, faz

uma proposta inovadora. Primeiramente, sugere que, de fato, é preciso relacionar os conceitos

de sexo biológico e gênero gramatical. Essa proposta é defendida com base nas ideias de

Lakoff & Jonhson (1980), os quais sustentam que entendemos conceitos mais complexos

através de conceitos mais básicos, além da importância da experiência corpórea na aquisição

linguística. Dessa maneira, Nascimento argumenta que o significado de gênero gramatical é

baseado nas diferenças existentes entre sexos, em conjunto com convenções relacionadas a

esses. Assim, explica como o gênero masculino passa a ser entendido como não marcado e

prototípico, central, ao passo que o feminino é tido como o oposto. Dado que esse não é um

fenômeno isolado, sendo percebido por toda a língua, o autor diz que “[é], portanto, não só

perfeitamente admissível, mas também justificável a relação que o falante comum estabelece

entre gênero e sexo, conceptualizando o primeiro conceito, mais abstrato, em termos do

segundo, mais concreto e mais básico” (2006: 83). Tal posicionamento é adotado também por

este trabalho.

Assim como outros estudiosos, por conta de considerar o masculino a forma não

marcada, Nascimento também a entende como a forma mais básica. O autor defende que

substantivos masculinos preexistem aos femininos e servem de base para a formação desses,

exemplificando a ideia com pares como „duque‟-‟duquesa‟, „profeta‟-‟profetisa‟, „tigre‟-

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‟tigresa‟, entre outros. Por conta de dados em que o feminino é anterior, como „musa‟ e

„viúva‟, esse é um posicionamento difícil de ser sustentado20

, especialmente em um trabalho

que se vale da teoria da Gramática de Construções21

.

Para sustentar a afirmação de que as terminações nominais -o e -a se referem a

gêneros, o autor faz uso de uma série de argumentos. Em primeiro lugar, explica que, em

pares como „mato‟-‟mata‟ e „barco‟-‟barca‟, o item com terminação em -o é sempre

masculino, já o com terminação em -a se atualiza como feminino, como citado anteriormente.

O segundo ponto levantado pelo autor se relaciona com a proposta de Kehdi, já que

Nascimento defende que “os falantes, de modo geral, estabelecem uma relação imediata entre

construções em –o e o gênero masculino e construções em –a e o gênero feminino” (2006:

87), como em „crianço‟ e „madrasto‟. Por fim, o autor apresenta mais dois argumentos: o

primeiro, conectado ao anterior, sugerindo que falantes de português estranham nomes

femininos terminados em -o, como em „Dido‟ e „Noriko‟; o segundo se relaciona à aquisição.

Citando Name & Figueira (2002 e 1996, respectivamente), o autor mostra como crianças em

fase de aquisição, além de utilizarem a vogal, entendem a terminação -o como expressão da

ideia de masculino, como em „Bom dio‟ (um bom dia dito por um homem) e „fado‟ (uma fada

que é homem).

Com relação às vogais temáticas e às desinências de gênero, a proposta do teórico vai

de encontro àquelas apresentadas por estudiosos anteriores. Nascimento sugere a extinção da

separação entre as nomenclaturas vogal temática e desinência de gênero, e, por consequência,

das relações entre desinência de gênero/referente animado e vogal temática/referente

inanimado, alegando que a separação entre os dois conceitos é uma cisão fabricada que não

se mostra real. O autor afirma que, mesmo não fazendo parte do cânone, a proposta de

abandono da separação entre vogal temática e desinência de gênero não é nova, indicando o

trabalho de Villalva (2003).

Enfim, o linguista chega à sua hipótese para o que são as vogais temáticas/desinências

de gênero; para ele, os falantes de português lidam com duas construções com as vogais -a e -

o em seu polo formal e com as especificações de gênero e prototipicidade em seu polo

funcional, como apresentadas no esquema22

abaixo:

20

Em uma teoria que se propõe como não derivacional, baseada em regras. 21

É preciso, no entanto, notar que o autor tinha como principal aporte teórico o trabalho de Goldberg (1995). A

autora ainda não havia estabelecido em seus trabalhos um compromisso com o uso, logo o autor também não

fazia Gramática de Construções Baseada no Uso, como é o caso desta dissertação. 22

Os esquemas apresentados, tanto o das construções básicas, quanto o das decorrentes, são representações das

explanações textuais do autor. Não reproduzem exatamente as ilustrações criadas por Nascimento.

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Figura 6: Representação das „construções básicas‟ propostas por Nascimento (2006)

Em relação à prototipicidade, Nascimento lança mão do conceito por duas vezes. Na

primeira, afirma ser a construção de masculino especificada como [+ prototípico] em seu polo

semântico, enquanto a construção de feminino é [- prototípico]. Em um segundo momento,

utiliza a noção para conduzir sua argumentação, afirmando que pares como „menino‟-

‟menina‟ ocupam uma posição mais nuclear da construção, por conta de esses tornarem

explícita a noção de sexo. Dessa forma, o autor cria uma gradação de itens mais

representativos e outros menos representativos do esquema construcional. Tal compreensão

do esquema construcional, a partir de uma divisão entre mais ou menos prototípico, pode se

tornar confusa, já que o conceito de protótipo de uma categoria se refere às categorias

semânticas. Ainda, o próprio conceito de construção faz com que as construções X-a e X-o,

às quais o autor se refere, possuam significado estável, independente dos substantivos a que

estão ligadas. Além disso, um problema formal-descritivo é notado no momento em que o

autor não especifica quais classes são representadas por X, se apenas nomes, adjetivos,

verbos etc.

Apesar de o autor defender a não separação de vogais temáticas e desinências de

gênero com base na ideia de construções gramaticais, acaba criando uma nova divisão, dessa

vez entre construções gramaticais. Ao considerar pares como „mato‟-‟mata‟, Nascimento

sugere a existência de outras construções, as quais ele chama de „construções decorrentes‟,

relacionadas àquelas mencionadas anteriormente, as básicas. Entretanto, ao passo que as

construções básicas têm em seu polo funcional sexo e prototipicidade, as decorrentes herdam

apenas o traço de prototipicidade. Desse jeito, mesmo evitando uma divisão desnecessária por

um lado, o autor cria outra, como visto no seguinte esquema:

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Figura 7: Rede de heranças entre „construções básicas‟ e „construções decorrentes'

Nascimento, dessa forma, dá conta de alguns dos problemas deixados por outros

teóricos assumindo que, independente de o referente ser sexuado ou não, a desinência de

gênero/vogal temática indicará sexo. Entretanto, visando a dar conta de pares como „mato‟-

‟mata‟, acaba por deslocar o foco do problema da divisão desinência de gênero/vogal

temática para outro ponto: com a nova divisão entre construções, como será possível definir a

quais delas um nome está se combinando? Casos em que não há um par, e.g. „parafuso‟, o

nome se adjunge à construção que indica sexo e prototipicidade ou somente àquela referente

à prototipicidade? O autor ainda preconiza uma ligação entre substantivos referentes a seres

sexuados às construções básicas e assexuados às construções decorrentes; porém, nos

exemplos fornecidos por ele, esse critério é obscurecido, já que, como exemplo para as

construções básicas, oferece os substantivos „carro‟, „livro‟, „tribo‟, „libido‟, „pente‟, „ponte‟,

„casa‟, „mesa‟, entre outros.

3.3 Síntese do Capítulo

Como se pode perceber a partir da explanação apresentada nas seções anteriores,

existem tanto pontos de convergência quanto de divergência entre os teóricos. Como já

notado por Nascimento, há duas grandes linhas argumentativas quanto ao assunto tríplice

gênero gramatical-vogal temática-desinência de gênero, além de uma terceira, de menor

escala, defendida pelo próprio autor. A posição mais tradicionalista é aquela que relaciona

sexo a gênero gramatical e relaciona essa informação às desinências -a e -o, separando-as das

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vogais temáticas -a, -o e -e, de acordo com os substantivos aos quais são adjungidas, se

animados (sexuados) ou não.

Outra perspectiva, inaugurada por Camara Jr., é aquelaque critica a mistura dos

conceitos sexo e gênero e propõe a existência de somente uma desinência de gênero (-a),

quando essa está conectada a substantivos com referentes sexuados23

. Por esse enfoque,

apenas o gênero feminino teria uma marca morfológica, cabendo ao masculino a

representação pelo zero. Uma terceira posição alvitrada é aquela exposta por Nascimento, na

qual o autor propõe que vogais temáticas nominais e desinências de gênero não devem ser

tratadas como diferentes. O autor também argumenta em favor de que se considere que as

construções de gênero devem ser entendidas como tendo, em seu polo funcional, o

significado de sexo, seja literal ou metafórico. Por fim, o linguista defende a existência de

outras duas construções, relacionadas às construções que indicam gênero, atribuídas a pares

como „mata‟-‟mato‟. Nestas, segundo Nascimento, o significado de sexo se perderia e o que

estaria em jogo é a prototipicidade do substantivo.

Neste trabalho, no entanto, não me comprometo com nenhuma das propostas vistas,

apesar de entender a proposta de Nascimento como aquela da qual mais me aproximo.

Certamente, as hipóteses apresentadas respondem às perguntas que fazem; porém, acabam

por levantar mais questões as quais não conseguem resolver suficientemente bem. Como

visto nos capítulos iniciais desta dissertação, minha hipótese é de que existem, no estágio

atual do português, apenas duas construções de gênero ([N-a] e [N-o]), e essas construções

apresentam em sua contraparte semântica a propriedade sexo (entendida aqui como

construção cultural, o que se espera em uma sociedade que represente aquelas categorias,

como roupas, tipo de voz, comportamento, características físicas, entre mais), i.e., elas, aos

serem combinadas com substantivos, fazem com que o falante entenda respectivo substantivo

como feminino ou masculino. Nesse sentido, falantes do português tendem a perceber

características consideradas tipicamente femininas/masculinas não só em substantivos que se

referem a seres sexuados, mas também em substantivos referentes a seres não sexuados,

devido ao significado da construção desinencial de gênero.

Apesar de estar presente em diferentes trabalhos, muitos autores não se aprofundam

na discussão da vogal -e átona em final de nominais. Nesta pesquisa, proponho que a

construção [N-e], atualmente, se atualizaria como uma espécie de marcador em que não há

23

Como já mencionado, o autor propõe que as desinências estão relacionadas somente a substantivos referentes

a seres sexuados. Quando esse não é o caso, têm-se somente vogais temáticas.

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especificação para gênero, em oposição às outras construções. Devido à própria estrutura

deste trabalho, abordo também esse problema.

Dessa maneira, entendo que a língua usada por determinada pessoa tem o poder de

influenciar a maneira como o mundo é entendido, aproximando-me do que afirmam as

pesquisas recentes na linha da Hipótese Sapir-Whorf. Com isso, busco neste trabalho atrelar

uma teoria de gramática e uma teoria que investiga a organização do pensamento.

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4. EXPERIMENTO

Um dos objetivos deste trabalho é tentar fornecer evidências de que falantes (ao

menos os cariocas) de português brasileiro associam as construções [N-a] e [N-o] aos gêneros

gramaticais feminino e masculino, seja qual for o referente do substantivo integrado a estas.

Além disso, uma das hipóteses é que, por consequência de a semântica da construção

desinencial de gênero estar relacionada a sexo, como proponho neste trabalho, esses mesmos

falantes atribuiriam características prototípicas de cada sexo aos referentes. Finalmente, esta

pesquisa busca se debruçar sobre o papel da construção [N-e] no estágio atual do português.

Certamente, oferecer evidências para esse comportamento não é fácil. No entanto,

como mostram os trabalhos de Boroditsky & Schmidt (2003), mencionados no capítulo

„Arcabouço Teórico‟, é possível rastrear tendências que indicam tal comportamento a partir

de experimentos. Os pesquisadores elaboraram uma série de testes que pudessem fornecer

evidência de que falantes de línguas que possuem gêneros feminino e masculino tendem a

associar características relacionadas a cada sexo a substantivos baseados na diferença de

gênero, inclusive para nomes de seres assexuados. Assim, a hipótese principal dos autores era

de que gênero gramatical tem impacto na maneira como as pessoas pensam. Segundo os

pesquisadores, características (naquela língua e cultura) tipicamente femininas são atribuídas

a substantivos de gênero feminino; já substantivos do gênero masculino são percebidos como

possuindo características tipicamente masculinas (mais uma vez, linguística e culturalmente

baseadas), o que deriva do fato de o gênero gramatical fazer os falantes entenderem o

substantivo como possuidor de sexo.

Além dos trabalhos já citados neste texto, outra pesquisa que exemplifica essa

influência é o de Segel & Boroditsky (2011). Os autores, depois de uma seleção refinada a

partir da base de dados ARTstor24

, analisaram 765 casos de personificação em obras de arte

de artistas de diferentes línguas e nacionalidades (italiana, francesa, espanhola e alemã). As

línguas foram escolhidas por conta de apresentarem separação gramatical em gênero. A partir

disso, os autores perceberam que a personificação criada pelos artistas tendia a respeitar o

gênero atribuído ao substantivo na língua em questão. Em grande parte dos casos (78%),

substantivos femininos foram representados como mulheres, assim como substantivos

masculinos foram representados como homens. Com isso, os pesquisadores argumentam em

24

ARTstor é uma plataforma online, encontrada no site www.artstor.org, em que diversas obras de arte são

expostas digitalmente, através de aproximadamente 300 coleções e mais de 2,5 milhões de imagens.

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favor da hipótese de que gênero gramatical tem algum impacto na maneira como determinado

grupo de falantes pensa. Os autores, no entanto, levantam a questão de os artistas também

poderem ser influenciados por sua cultura e representações historicamente estabelecidas, mas,

ainda assim, argumentam que os números levantados não podem ser ignorados.

Como referido algumas vezes neste trabalho, não são poucos os estudos que buscam

estudar a influência da língua no recorte de mundo de grupos humanos (mais

especificamente, na influência do gênero gramatical nesse recorte). Esse é o caso de trabalhos

como Boroditsky & Schmidt (2000), Phillips & Boroditsky (2003), Semenuks, Phillips,

Dalca, Kim & Boroditsky (2017) e Cubelli, Paolieri, Lotto & Job (2011).

Seguindo os passos das pesquisas discutidas em Boroditsky & Schmidt (2000),

Phillips & Boroditsky (2003) e Ramos & Roberson (2011), em conformidade com as

necessidades deste estudo, elaborei um experimento que pudesse verificar a validade das

hipóteses levantadas neste trabalho. Assim, buscava rastrear, com esse experimento, as

possíveis influências de construções gramaticais (nesta pesquisa, as construções desinenciais

de gênero) no pensamento, i.e, entender se essas podem afetar a maneira como um falante

percebe e entende o mundo que o rodeia. Nas seções a seguir, explicito como o experimento

foi elaborado e posto em prática, além de apresentar seus resultados.

4.1 Experimento - Qual seu nome?

O primeiro passo a ser dado no experimento foi estabelecer qual seria seu objetivo

principal. O teste foi concebido com o intuito de fazer com que falantes dessem

características femininas ou masculinas para substantivos referentes a seres inanimados,

motivados única e exclusivamente pela terminação vocálica da palavra. Com isso, o

experimento poderia evidenciar ou refutar a hipótese de que i) as vogais finais de

substantivos indicam seu gênero, feminino ou masculino, ii) a construção desinencial de

gênero tem, em sua contraparte semântica, a ideia de sexo biológico e iii) a semântica da

construção faz com que falantes de português enxerguem características culturalmente

relacionadas aos sexos em substantivos, mesmo que esses sejam referentes a seres

assexuados.

Era preciso, portanto, estabelecer quais características seriam essas. Nomes próprios

se mostraram uma opção viável. É comum que, ao nascer, seres humanos recebam nomes

próprios, e esses nomes tendem a ser específicos para sexo/gênero; assim, pessoas do sexo

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feminino, ao nascer, recebem nomes tipicamente femininos, e pessoas do sexo masculino

recebem nomes tipicamente masculinos. Por outro lado, não há necessidade de se nomearem

objetos inanimados com nomes próprios. Baseado nisso, o experimento foi elaborado para

que os participantes dessem nomes tipicamente humanos a objetos inanimados (e,

consequentemente, assexuados). Como o objetivo do teste era rastrear quais nomes seriam os

escolhidos dada a variável independente - se masculinos ou femininos -, o experimento

apresentou duas variáveis dependentes, a saber, nomes próprios femininos e nomes próprios

masculinos, tais como Maria e João, respectivamente.

Em seguida, era preciso estabelecer qual seria a variável independente a ser

controlada. Como a construção desinencial de gênero se atualiza nas formas [N-a] e [N-o], a

vogal final dos substantivos seria essa variável. Como visto na seção Revisão da literatura, a

vogal -e é centro de polêmica nas discussões envolvendo vogais temáticas e desinências de

gênero e, por conta disso, foi também relacionada como parte da variável controlada. Tão

logo, o que se tem para este experimento é uma variável independente (vogal final) de três

níveis (aqui chamados, de forma mais simples e mnemônica, [N-a], [N-o] e [N-e]).

O experimento, nesse momento, passa a apresentar seus primeiros aspectos. Suas

previsões, dadas as variáveis estabelecidas, são: i) nomes próprios femininos serão

relevantemente (de forma estatística) mais atribuídos a nomes [N-a] que a nomes [N-o] e [N-

e]; ii) nomes próprios masculinos serão mais relevantemente atribuídos a nomes [N-o] que a

nomes [N-a] e [N-e]; e iii) as atribuições de nomes próprios femininos ou masculinos não

terão relevância estatística para nomes [N-e].

Com isso, o segundo passo foi pensar no desenho a ser utilizado. O design

experimental within-subjects25

foi aquele mais indicado para o teste, já que os participantes,

dessa maneira, teriam acesso aos três níveis ([N-a]; [N-o]; [N-e]) da variável independente

(vogal final). Dessa forma, um mesmo sujeito teria a tarefa de atribuir nomes próprios a

nomes representando os três níveis da variável independente. A primeira forma pensada para

evidenciar a influência que as construções têm sobre a percepção dos falantes foi associar

nomes próprios a seres inanimados. A ideia se recosta no fato de, naturalmente, objetos

inanimados não precisarem ter nomes próprios.

Este experimento teve por base os experimentos feitos por Boroditsky e outros

autores, já mencionados anteriormente, que demonstram que falantes de línguas que possuem

25

A contraparte experimental para experimentos within-subjects é nomeada between-subjects, que se caracteriza

por apresentar, em uma divisão dos sujeitos em grupos, fornecer uma parte das variáveis independentes a

algum(ns) grupos e uma parte a outros.

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gêneros masculino e feminino, quando requisitados, tendem a dar nomes masculinos a

substantivos masculinos, ao passo que substantivos femininos são nomeados no feminino. No

entanto, os experimentos feitos por Boroditsky tinham por objetivo evidenciar a influência

que o gênero gramatical, de modo geral, exercia sobre a percepção dos falantes. Esse teste,

por outro lado, visa a controlar que impactos construções desinenciais de gênero ([N-a] e [N-

o]) têm na forma como um falante percebe o mundo e, por conta disso, apresenta algumas

particularidades e não funciona como replicação de experimentos anteriores.

Algumas diferenças são sensíveis. Primeiramente, neste, o português foi a única

língua estudada, ao passo que, em muitos dos estudos citados anteriormente, línguas

diferentes foram comparadas. Em segundo lugar, utilizei, como artifício, palavras inventadas.

Isso aconteceu para que a única pista linguística dada aos falantes sobre o gênero da palavra

fosse a terminação vocálica. Assim, pseudopalavras como „sumava‟, „favubro‟ e „melive‟

foram criadas (ao todo, nove pseudopalavras foram criadas; o restante será apresentado na

Tabela 5 adiante). Dessa forma, esperava que os participantes reconhecessem o gênero

gramatical pela vogal final e não pela experiência com a palavra. O objetivo era mostrar que,

independentemente de saber o gênero inerente de determinados substantivos, um falante pode

atribuir características femininas ou masculinas a um substantivo, motivado única e

exclusivamente pelas construções de gênero combinadas a esses substantivos.

Para que os sujeitos testados tivessem uma motivação para dar nomes próprios aos

estímulos apresentados, uma pequena história foi elaborada. Os sujeitos foram induzidos à

ideia de que um filme estava em vias de produção e que, em seu enredo, um alien visitava a

Terra e, durante sua visita, conseguia fazer animais falarem e objetos inanimados criarem

vida. Os produtores do filme, então, estavam fazendo uma consulta popular para descobrir

quais nomes próprios seriam os mais apropriados para os personagens da produção

cinematográfica.

Tendo a motivação inicial em vista, era preciso estipular quantos seriam os itens

experimentais. O número de três itens para cada nível da variável independente foi

estabelecido, o que gerou um total de nove itens críticos. Esses estímulos eram apresentados

aos sujeitos acompanhados de uma pequena função, descrevendo seu papel na produção, e

uma imagem, representativa daquele referido personagem. Nesse ponto, de forma a

neutralizar a influência que uma representação pictórica poderia ter, imagens de objetos

pouco comuns eram utilizadas, tais como as Figuras 8, 9 e 10 ilustram (as imagens utilizadas

são apresentadas em sua totalidade no Anexo I).

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Figura 8: Banana slicer

Figura 9: Coconut scraper

Figura 10: Cake Tester

Contudo, como visto no trabalho de Vandewynckel (2008), culturas tendem a associar

formatos e cores26

à feminilidade ou à masculinidade. Dado esse fato, todas as imagens foram

selecionadas de acordo com um formato base: utensílios aparentemente rígidos e

afiados/pontiagudos; esse padrão foi escolhido por conta de essas características serem

associadas de forma costumeira à masculinidade, e, assim, o controle sobre possíveis

interferências seria maior. Cores também poderiam oferecer algum ruído nos resultados.

Sendo assim, as imagens foram editadas e colocadas em escala de preto e branco. Mais uma

26

Assim acontece com outros fatores como origem, textura, relação com a natureza etc.

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vez, segundo Vandewynckel, falta de cor, cores escuras e preto são associados à

masculinidade, e, assim, o controle sobre esse fator foi fixado.

Era preciso, entretanto, verificar se uma variação pequena em formato não afetaria o

julgamento dos participantes. Para rastrear algum comportamento que indicasse isso, os

estímulos verbais e pictóricos foram cruzados em um quadrado latino. Tal estratégia criou

três grupos diferentes de estímulos, como representado simplificadamente abaixo:

Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3

BANANA SLICER MELIVE SUMAVA FAVUBRO

CAKE TESTER BUGIRO RULAFE DUBILA

CHERRY PITTER VITULE BODUNA MAFUCHO

COCONUT SCRAPER DUBILA BUGIRO RULAFE

TUBE SQUEEZER RULAFE DUBILA BUGIRO

KNIFE CLEANER SUMAVA FAVUBRO MELIVE

PICKLE PICKER FAVUBRO MELIVE SUMAVA

STRAWBERRY HULLER MAFUCHO VITULE BODUNA

PIZZA SCISSORS BODUNA MAFUCHO VITULE

Tabela 5: Grupos experimentais

Por fim, itens distratores foram adicionados para que os sujeitos não percebessem o

objetivo final do estudo e não respondessem de acordo com o que achavam ser a resposta

correta para o pesquisador, mas sim de maneira intuitiva. Para cada item experimental, dois

distratores foram criados. Eles envolviam o que poderia ser os outros personagens do filme.

No entanto, todos os distratores eram compostos de seres animados/sexuados e exibidos pelo

nome da categoria que representavam (homem, mulher, alien, papagaio, …). Eles foram

agrupados considerando suas terminações: substantivos com vogal final átona -a;

substantivos com vogal final átona -o; substantivos com vogal final átona -e; e substantivos

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atemáticos. Os três primeiros grupos possuíam quatro itens e o último, seis, o que totalizou

dezoito estímulos.

Assim como aconteceu com os estímulos críticos, os itens distratores foram

acompanhados de um pequeno texto, indicando o papel do personagem na produção, e uma

imagem ilustrativa. Da mesma maneira, essa imagem foi editada para que não apresentasse

cores, de forma a não chamar a atenção para as diferenças dos itens, fazendo com seu

objetivo fosse alcançado. Enquanto os itens críticos eram acompanhados de imagens

referentes a objetos inusitados no cotidiano carioca, os itens distratores eram apresentados ao

lado de imagens relativamente comuns. Esses itens foram inseridos nos grupos de itens

críticos em sua totalidade, com ordem de aparição aleatória. Todas as categorias e imagens

utilizadas são apresentadas no Anexo II.

Foram alocados, em cada grupo, 9 participantes. Dessa maneira, o experimento foi

realizado com um total de 27 sujeitos (20 mulheres e 07 homens). Cada um desses

participantes foi apresentado à história criada e instruído a escolher nomes próprios aos

personagens que aparecessem na tela. A interface do teste era simples, obedecendo a

comandos do próprio participante que, utilizando a tecla enter do teclado do computador, ia

para a tela seguinte. Assim, os participantes tinham contato com os estímulos, críticos ou

distratores, passavam para a tela seguinte, na qual poderiam escrever os nomes escolhidos,

para, em seguida, partir para o próximo estímulo. O objetivo era que, ao serem expostos aos

nomes, imagens e funções em uma tela, os participantes escrevessem na tela seguinte um

nome próprio que eles considerassem adequado aos itens.

As figuras seguintes ilustram as diferentes etapas em computador pelas quais os

participantes passavam.

Primeiramente, os participantes viam a tela inicial os cumprimentos e apresentação do

experimento.

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Figura 11: Tela de saudação.

Para os participantes continuassem o experimento, era preciso que clicassem no botão

„Certo!‟. A partir disso, foram dirigidos para a tela seguinte. Nessa tela, eram apresentados ao

roteiro do experimento, etapa em que se explicava a história que motivava a contribuição dos

sujeitos.

Figura 12: Tela de apresentação

Ao clicarem no botão „Beleza!‟, os participantes direcionavam-se à etapa posterior.

Nessa, foram instruídos sobre as ações que seriam tomadas nas etapas seguintes, o que

precisariam fazer para responder a pesquisa.

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Figura 13: Tela de instruções

Quando clicavam em „Entendido!‟, os sujeitos eram direcionados à tela seguinte, na

qual iniciavam os testes clicando em „Vamos lá!‟. Nessa etapa, eu acompanhava as respostas

de cada um para que me certificasse de que tinham entendido bem o que se esperava de suas

ações.

Figura 14: Tela de apresentação do teste

Nas cinco telas seguintes, os sujeitos foram apresentados a telas no modelo exato

daquelas do experimento real.

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Figura 15: Tela de teste

Ao apertar a tecla „Enter‟ do teclado, os participantes eram direcionados à tela em que

precisavam conferir um antropônimo ao personagem exibido anteriormente.

Figura 16: Tela de resposta

Ao terminar a etapa de testes, os participavam começavam o experimento realmente.

A partir desse momento, eu me retirava do espaço em que o experimento estava ocorrendo

para que não houvesse nenhum tipo de influência de minha parte no momento das respostas.

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Figura 17: Tela de início do experimento em si.

Os participantes clicavam no botão „Começar!‟ para que pudessem dar respostas que

seriam as bases da pesquisa. Após isso, foram expostos tanto aos 18 itens distratores quanto

aos 9 itens críticos.

Figura 18: Tela do experimento em si.

Essa etapa funcionava da mesma maneira que funcionava a etapa de testes. Portanto,

ao clicar na tecla „Enter‟ do teclado, os participantes eram direcionados à tela em que suas

respostas foram recolhidas. Essas respostas foram recolhidas automaticamente pelo

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computador. Ao fim de cada aplicação, o software retornava uma tabela do programa Excel

em que todas as respostas dadas estavam presentes. A partir disso, os testes estatísticos

puderam ser rodados.

Por fim, a última tela avisava sobre o final do experimento e agradecia a participação

dos sujeitos.

Figura 19: Tela de finalização e agradecimento

Ao finalizar o experimento, cada participante passava por uma etapa de debriefing.

Nesse momento, apresentava novamente aos sujeitos cada uma das imagens utilizadas nos

itens experimentais. Com isso, poderia analisar se os participantes já haviam tido contato com

os utensílios ilustrados e se sabiam os seus nomes reais. Tal etapa se mostrou necessária para

que um possível direcionamento nas respostas devido a conhecimento prévio fosse

descartado.

As hipóteses deste experimento, como já mencionadas, foram: para objetos

inanimados referidos por palavras com a construção [N-a] („dubila‟, „sumava‟ e „boduna‟),

nomes femininos seriam estatisticamente mais relevantes; para objetos inanimados referidos

por palavras com a construção [N-o] („bugiro‟, „favubro‟ e „mafucho‟), nomes masculinos

seriam estatisticamente mais relevantes; e, finalmente, para objetos inanimados referidos por

palavras com a construção [N-e] („melive‟, „rulafe‟ e „vitule‟), a escolha dos nomes próprios

não seria estatisticamente relevante para feminino ou masculino. Para evitar enviesamentos

das conclusões, os nomes escolhidos passariam pelo crivo de três juízes independentes, para

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que, sem a influência da pesquisa, fossem avaliados como tipicamente femininos ou

masculinos.

Para a elaboração deste experimento, utilizei o programa OpenSesame27

, em sua

versão 3.2.5 Kafkaesque Koffka. Na fase de aplicação do experimento, utilizei um

computador Dell, modelo Inspiron 15 série 3000 (i15-3567-A10P), com sistema operacional

Windows 10. Ao final de cada participação, o programa produzia uma planilha com todos os

nomes fornecidos, de modo que o tratamento estatístico fosse possível.

4.2 Resultados e Análise

A partir dos experimentos realizados, pude obter alguns números que reforçam as

hipóteses levantadas no início desta pesquisa. É preciso ressaltar, no entanto, que mesmo

assim, não posso apresentar uma resposta definitiva sobre as presunções deste trabalho.

Aprofundarei mais essas considerações na seção seguinte, „Discussão‟. Ainda assim, os

resultados alcançados, os quais apresentarei nos próximos parágrafos, indicam fortes

tendências sobre o fenômeno aqui estudado.

Como visto na seção anterior, neste experimento busquei verificar se haveria

compatibilidade entre a vogal final da palavra e o gênero do nome próprio atribuído aos itens.

Como predições, acreditava que a maioria das palavras terminadas em -a receberia nomes

próprios femininos, assim como as palavras terminadas em -o receberiam nomes próprios

masculinos e aquelas terminadas em -e receberiam igualmente nomes próprios femininos e

masculinos.

Ao final das aplicações do experimento, obtive um total de 243 respostas analisáveis.

Um terço desse número estava relacionado a cada uma das variáveis independentes ao se

somarem os três grupos experimentais (N-a = 81; N-o = 81; N-e = 81). Dentro de cada um

dos grupos, cada variável independente contava com 27 nomes próprios i. 118 dessas

respostas foram considerados nomes femininos, ao passo que 125 foram nomes masculinos.

Foi a partir desses dados que o experimento pôde ser analisado.

Em números absolutos, as previsões feitas antes de o experimento ser posto em

prática foram acertadas. Dos 81 nomes próprios atribuídos às pseudopalavras terminadas em

vogal -a („boduna‟, „sumava‟ e „dubila‟), 51 desses foram considerados femininos, ao passo

que 30 foram interpretados como masculinos. Percentualmente, esses dados indicavam que

27

Software disponível no site https://osdoc.cogsci.nl/, de maneira aberta e gratuita.

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63% dos nomes próprios relacionados à vogal eram femininos e 37% desses nomes eram

masculinos. Com as pseudopalavras terminadas em -o („mafucho‟, „bugiro‟ e „favubro‟), 54

das respostas foram nomes masculinos e 27, femininos. Esses números resultam em uma

percentagem de 66,7 para 33,3. Já para as palavras inventadas terminadas em -e („melive‟,

„rulafe‟ e „vitule‟), em números absolutos, 41 (51%) das respostas foram nomes masculinos,

as 40 (49%) restantes, por sua vez, femininas.

Apresentados em gráfico de barras, esses resultados são ilustrados da seguinte

maneira:

Gráfico 1: Relação de atribuição de antropônimos a vogais finais

Considero que os números, lidos de forma absoluta, já indicavam uma adequação das

previsões feitas. Era preciso, no entanto, analisar os resultados sob ótica estatística. Para

tanto, utilizei o software Excel (Microsoft), com o intuito de tratar os dados obtidos

estatisticamente. Inseri tanto as variáveis independentes (-a, -o e -e), bem como o número de

nomes próprios femininos e masculinos relacionados a cada uma dessas.

Por conta de sua natureza, o teste estatístico feito é conhecido como qui-quadrado (χ2)

de homogeneidade. Isso se deu por conta de existirem três níveis para a mesma variável

independente (vogal final: -a; -o; -e), que são as categorias estudadas, e duas variáveis

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dependentes (antropônimos femininos e masculinos), interpretados como subpopulações. A

partir do teste qui-quadrado de homogeneidade, “é possível verificar se as distribuições de

probabilidade das categorias [...] são as mesmas para as [...] subpopulações”

(https://www.ime.unicamp.br/~jg/ME414/aula17.pdf). Dessa forma, é possível verificar o

comportamento dos nomes próprios em relação às vogais finais e, ainda, medir a

probabilidade de as diferenças encontradas nos resultados serem devidas ao acaso ou se, de

fato, tais diferenças são motivadas pelas variáveis independentes, i.e., verifica-se o nível de

aleatoriedade dos resultados.

Para tanto, utiliza-se a estimativa conhecida como p-valor, a probabilidade de os

mesmos resultados serem obtidos caso o teste em questão seja replicado. No que se refere às

ciências sociais e humanas, um dos valores fixados para a rejeição da hipótese nula28

é de

5%, estabelecendo, portanto, a probabilidade de o teste estar 95% correto. Nesse caso, para

que um resultado seja relevante estatisticamente, seu p-valor deve ser menor que 0,05 (em

outros termos: p < 0.05).

Dessa forma, o tratamento dos resultados se sucedeu. Ao rodar os dados através do

Excel, o software analisa os números inseridos e retorna o número bruto, bem como seus

percentuais e, sobretudo, o valor-p. Para este experimento, o teste qui-quadrado indicou que,

estatisticamente, os resultados provavelmente se repetiriam em possíveis replicações do

experimento, já que indicou um p-valor de 0,0007979285304 (p < 0.00079). Dessa forma, a

probabilidade de os números obtidos não terem sido aleatórios é 99,9992020714696% .

Com isso, a princípio, as hipóteses levantadas para o experimento ganharam uma

evidência em seu favor. As três se mostraram acertadas, já que, aparentemente, houve

influência da vogal final dos substantivos tanto na percepção do gênero gramatical, quanto na

atribuição de nomes próprios aos referentes. No próximo capítulo, exploro e discuto esses

resultados mais profundamente, apontando possíveis pontos fracos dos experimentos, bem

como potenciais caminhos a serem seguidos.

28

Hipótese nula é, segundo Loureiro e Gameiro (2011), a hipótese oposta à hipótese investigativa. No caso

deste trabalho, a hipótese de que a vogal final dos nomes não influencia na escolhas dos antropônimos e,

consequentemente, que gênero não impacta a maneira como usuários da língua interpretam diferentes

substantivos.

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5. DISCUSSÃO

Neste capítulo, analiso o que foi discutido, tanto no capítulo „Revisão da literatura‟,

quanto no capítulo „Arcabouço teórico‟, e confronto com o encontrado no experimento

rodado para esta pesquisa. Com isso, tento discutir respostas a que posso chegar, bem como

as falhas e extensões potenciais deste trabalho.

Na próxima seção, discuto os resultados dos experimentos em comparação com

minhas hipóteses iniciais. Em seguida, apresento algumas considerações sobre a relação entre

marcas morfológicas e a categoria gênero gramatical. Após isso, aponto minhas ponderações

sobre o debate no que se refere às desinências e aos sufixos marcadores de gênero gramatical.

Por fim, discuto o papel da, aqui chamada, construção [N-e] no atual estágio do português

brasileiro.

5.1 Gênero, sexo e nomes próprios

Para o experimento, baseei-me principalmente na ideia de que nomes próprios

correspondem a características, em essência, humanas. Sem dúvidas, antropônimos têm

características específicas e são usados como referência a seres humanos. Sendo assim, a

princípio, não há necessidades de se nomearem seres inanimados com nomes próprios.

Além disso, sabe-se que o Brasil atual está mergulhado em uma cultura que se pode

considerar binarista no que se refere aos sexos; as pessoas são divididas, em grande parte,

entre as categorias mulher e homem. A atribuição de nomes próprios não escapa dessas

questões. É de simples verificação a divisão entre nomes próprios tipicamente femininos

(Maria, Ana, Patrícia, Silvana, …) e nomes próprios tipicamente masculinos (Mário,

Adolpho, Milton, Robson, ...).

Com esse horizonte, elaborei o experimento descrito no capítulo precedente. Através

de um único experimento, teria acesso à sustentação das três hipóteses apresentadas. Caso,

como exibido na seção de Resultado e Análise, estivesse correto quanto às previsões do

experimento, sustentaria mais facilmente que é possível que a terminação dos substantivos

indique seu gênero (mesmo quando não há outras pistas gramaticais). Ao apontarem nomes

próprios femininos e masculinos a substantivos com as construções [N-a] e [N-o],

respectivamente, as respostas dos participantes sugerem que esses assim o faziam por conta

da construção desinencial de gênero.

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Além disso, levei em consideração a possibilidade de as construções desinenciais de

gênero serem aplicadas a substantivos de referentes inanimados, em oposição a alguns dos

teóricos aludidos no capítulo de Revisão da Literatura. Caso isso não se sucedesse, a

distribuição de nomes próprios femininos e masculinos em substantivos inanimados seria

aleatória, já que, para autores como Camara Jr. (1970), a terminação de substantivos de

referente inanimado é vazia de significância, sem indicação de gênero. Essa não é a situação

percebida através das análises dos dados experimentais e, portanto, uma conclusão possível é

que, de fato, há indicação de gênero motivada por essas terminações. Assim sendo, o que os

falantes de português têm disponível em seus constructicons são construções desinenciais de

gênero, seja para substantivos de referência animada, seja para substantivos de referência

inanimada.

A última das três hipóteses deste trabalho dialoga com a anterior. Por conta de gênero

gramatical estar ligado à semântica de sexo biológico, considero que características

relacionadas culturalmente a esse são associadas aos substantivos de acordo com o gênero

que lhes é atribuído. Se assim acontece, e tenho como hipótese a possibilidade de construções

morfológicas veicularem informação de gênero (seja qual for o referente do substantivo), a

conclusão lógica a que chego é que, ao se combinarem com suas bases, as construções

desinenciais de gênero atribuem características culturalmente relacionadas aos sexos

biológicos aos substantivos a que são integradas. Dessa forma, ao se combinarem com bases

cujos referentes são inanimados, conferem a esses características que, a princípio, não lhes

seriam atribuídas.

Caso os dados obtidos através dos experimentos fossem estatisticamente relevantes e

minhas previsões se mostrassem corretas, além de indicarem que (i) informação de gênero é

ligada às vogais finais, também indicariam que (ii) a semântica de sexo biológico é

relacionada ao gênero gramatical do substantivo e, por conta disso, (iii) falantes de português

são influenciados a notar características de um ou outro sexo em seres inanimados. A

princípio, parece ser isso que os resultados têm mostrado.

É necessário cautela, contudo, quando afirmo que os experimentos mostram

possibilidades de correção nas hipóteses levantadas. Reforço que, qualquer um que se

disponha a estudar essas questões, está lidando, acima de tudo, com tendências, assim como

quando se estuda grande parte dos fenômenos linguísticos (alguns mais, outros menos). Não

lido com assunções categóricas neste trabalho.

Um dos principais motivos é o mesmo ponto levantado por Phillips e Boroditsky

(2003). É muito difícil dar garantias completas de que a motivação das escolhas dos

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antropônimos tenha sido o gênero dos substantivos, outros fatores que, não previstos, podem

ter atuado. Nesta pesquisa, há ainda outro fato a ser considerado. Como tento evidenciar que

construções morfológicas desinenciais têm informações semânticas de gênero/sexo, precisei

utilizar pseudopalavras. Tentei controlar ao máximo as possíveis motivações que poderiam

fazer os participantes enxergarem características relacionadas a algum gênero.

Como, conjuntamente às pseudopalavras, apresentei imagens que ilustrassem os

personagens, precisei me certificar de que, dadas as influências, eu pudesse verificar se essas

desviaram a atribuição de gênero aos itens críticos. Para tanto, como discutido no capítulo de

metodologia, todas as imagens foram escolhidas por conta de sua relação mais próxima à

categoria {MASCULINO}. Uma idealização primária de um objeto cortante/perfurante,

afiado, retilíneo e que fizesse uso de força foi elaborada. A partir disso, utensílios foram

pesquisados e aqueles que apresentassem mais dessas características foram selecionados.

Esse controle fez com que as possíveis interferências fossem mais facilmente rastreadas.

Caso o gênero fosse atribuído por conta das características pictóricas, essa atribuição seria

comum a todas as três construções ([N-a], [N-o] e [N-e]), o que não se mostrou real a partir

da análise dos resultados.

Outro ponto a ser analisado é a possibilidade de os participantes, ao cumprirem a

tarefa, terem personificado os utensílios. Por certo, é muito difícil escapar dessa situação ao

se fazer experimentos em que seja necessário dar características humanas a seres inanimados.

Entendo, no entanto, que a personificação não é efetivamente um problema.

Primeiramente, levo em conta a relevância que a experiência com outros seres

humanos tem sobre a apreensão de uma língua. Muitos dos significados que os seres

humanos percebem no mundo vêm por extensão ao corpo humano (a depender da cultura): a

forma como o tempo passa; as direções; o próprio conceito de gênero. A partir desse ponto de

vista, atribuir gênero gramatical, em si, já é uma etapa da personificação.

Em segundo lugar, o mesmo argumento apresentado para a atribuição dos

antropônimos de forma não aleatória pode ser utilizado aqui. Caso o gênero gramatical

realmente não influenciasse na atribuição do possível sexo dos utensílios, o sexo escolhido na

personificação seria aleatório, o que não se mostra verdade. A exatidão na escolha do sexo na

personificação dos utensílios mostra que a associação gênero-sexo é, ao menos, muito

próxima.

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69

5.2 Sobre a relação marca morfológica - gênero gramatical

Um dos grandes pontos de discussão entre os diversos autores que se debruçaram

sobre o gênero no português foi o fato de a relação entre gênero gramatical e marca

morfológica não ser biunívoca. Como notado pela análise simples da língua, e usado como

argumento por esses estudiosos, gênero é uma categoria que atravessa a classe dos

substantivos, independentemente de esses possuírem ou não marcas morfológicas de gênero

(„maçã‟ - fem., „cajá‟ - masc.). A partir disso, chegou-se à conclusão de que as marcas

morfológicas não estariam associadas ao gênero, sendo por vezes consideradas apenas

marcadores de classes temáticas, como é o caso de Villalva (2003).

Entretanto, como os resultados parecem sugerir, há, de fato, uma relação existente

entre marca morfológica e gênero; do contrário, a associação entre gênero e palavras

inventadas seria aleatória. De que forma, então, esses dados confrontam as afirmações de

teóricos anteriores?

Como visto no capítulo “Arcabouço teórico”, a gramática, a partir de um ponto de

vista construcionista (especialmente aqueles baseados no uso), é considerada redundante.

Nessa perspectiva, um tipo de informação não necessariamente está restrita a uma forma

exclusiva. Assim como visto em outros níveis gramaticais, uma informação pode estar

presente em mais de uma forma, contanto que essas não configurem sinônimos perfeitos. É o

que se vê, por exemplo, nas estruturas utilizadas para obtenção de alguma informação. O

padrão prosódico ascendente é, decerto, uma estrutura de pergunta. No entanto, essa não é a

única maneira de se imprimir a informação de questionamento, outras formas podem ser

usadas, inclusive aquela associada a afirmações, como em perguntas indiretas. Contudo, não

há dúvidas de que à forma [entoação ascendente] é atribuído o sentido {INTERROGAÇÃO}.

Da mesma maneira atuam as construções desinenciais de gênero [N-a] e [N-o] (sobre

o [N-e], uma seção neste capítulo será aberta). Mesmo que a informação de gênero esteja

presente em todos os substantivos e nem todos possuam marcas morfológicas, não há

sustentação na assunção de que as marcas morfológicas não estão associadas ao gênero

gramatical, nem empiricamente, nem experimentalmente.

Empiricamente, como demonstrado em Perini (2010) e Nascimento (2006), essa

associação é verificada em pares de substantivos como „mata‟- „mato‟, nos quais as palavras

terminadas em -a são femininas e as terminadas em -o, masculinas. Como ressaltam os

autores, esse comportamento não pode ser atribuído à coincidência. No que se refere a dados

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experimentais, os resultados obtidos nesta pesquisa também mostram um comportamento

equivalente à atribuição da informação de gênero às marcas morfológicas.

Certamente, substantivos sem marcas morfológicas possuem gênero gramatical.

Contudo, esse fato não entra em conflito com a consideração de que as formas [N-a] e [N-o]

têm seu sentido relacionado a gênero/sexo, já que isso não configura a existência de

sinônimos perfeitos. Palavras que têm em sua semântica a afirmação de gênero, não possuem

essa informação de forma exclusiva, tal é o caso de „jacaré‟, que possui gênero masculino e,

além disso, o significado “espécie de crocodilo da família dos aligatorídeos; caimão.”

segundo o site www.dicio.com.br/jacare/, o que resulta na soma dessas informações. As

construções [N-a] e [N-o], possuem em seu polo semântico a informação {GÊNERO/SEXO},

aquilo que é atribuído a essas categorias no mundo biossocial, além de, naturalmente,

apresentarem extensões metafóricas dessas; diferentemente dos itens lexicais, as construções

desinenciais de gênero apresentam somente essas informações. Essas diferenças fazem com

que as diferentes construções não sejam conflitantes.

Como será discutido na próxima seção, os chamados morfemas derivacionais também

entram nesse debate. A análise desses morfemas aponta para essa mesma direção.

5.3 Sobre a relação desinência - sufixo

Um outro ponto levantado por diferentes autores (CAMARA JR., 1970; VILLALVA,

2003; ROCHA, 2008) nos estudos em morfologia é o fato de haver também morfemas

derivacionais relativos a gênero gramatical („poeta‟-‟poetisa‟, „barão‟-‟baronesa‟). Esses

dados são levantados, geralmente, como argumento a favor da afirmação de que gênero

gramatical não é flexional, já que apresenta vários meios de materialização (GONÇALVES,

2011). Como, a partir de meu arcabouço teórico, não considero flexão e derivação

essencialmente diferentes, neste trabalho não me aprofundo na discussão apresentada nas

diferenças entre ambas. No entanto, os morfemas derivacionais apresentam um outro debate

que incide diretamente nas considerações aqui apresentadas. Como esses morfemas são

descritos como morfemas de gênero, o Princípio da Não Sinonímia, como visto em Goldberg

(1995), entra em jogo.

Nesta dissertação, afirmo ser a forma [N-a] conectada ao significado

{GÊNERO/SEXO FEMININO} e [N-o], ao significado {GÊNERO/SEXO MASCULINO}

no estágio atual do português brasileiro. Caso formas como [N-essa] („condessa‟) e [N-ina]

(„czarina‟) fizessem parte do constructicon dos falantes de português brasileiro, um problema

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se poria: qual a diferença entre essas as construções desinenciais de gênero, especialmente a

referente ao gênero feminino?

A primeira consideração a ser feita é que, no atual estágio da língua, as construções

morfológicas relacionadas a gênero produtivas são as que chamo neste trabalho de

construções desinenciais de gênero. Tal afirmação pode ser percebida ao se observar a

ausência de formas como [N-essa], [N-esa] e [N-isa] na produção de novos pares masculino-

feminino, sendo esses padrões restritos a algumas poucas palavras consolidadas na língua.

Além disso, muitas dessas palavras são de pouca circulação, tal é o caso de „czarina‟, outras

estão em processo de desuso, como é o caso em „poetisa‟.

A partir dessa consideração, duas respostas podem ser vislumbradas. A primeira se

relaciona à possibilidade de essas formas estarem associadas a significados mais específicos.

Além de estarem associadas ao significado de gênero feminino, essas formas estariam

associadas ao significado de {TÍTULO}, como seria o caso de [N-essa], [N-esa] e [N-isa],

entre outros significados. Assim, uma representação em rede dessas construções é ilustrada a

seguir:

Figura 18: Rede de construções - Esquemas morfológicos de gênero.

Na representação apresentada, todas as construções de gênero são conectadas entre si,

tanto as que chamo aqui de construções desinenciais de gênero, quanto aquelas atribuídas à

derivação por diversos autores. No entanto, alguns problemas surgem a partir dessa rede.

O primeiro deles tem relação com o Princípio da Não Sinonímia, que não foi de fato

superado, apenas deslocado. Por essa representação, a sinonímia não seria mais em relação às

construções desinenciais de gênero, mas entre os esquemas morfológicos [N-essa], [N-esa] e

[N-isa]. O que os diferencia? Esse caso se torna ainda mais complicado ao se considerarem

palavras que não envolvem títulos, como „poetisa‟, „rapariga‟ e „heroína‟. Um segundo ponto

a se considerar é até que ponto os itens „condessa‟, „baronesa‟ e „papisa‟ são suficientes para

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a abstração de um esquema construcional relativo a esses. Por último, a própria existência

desses esquemas abstratos é questionável justamente por conta de sua falta de produtividade.

Sendo assim, uma segunda proposta se mostra mais compatível com a teoria,

especialmente em suas versões baseadas no uso. Por conta de, nessas propostas, a língua de

um ser humano ser apreendida através da experiência, o primeiro contato que um aprendiz

tem é com o uso concreto. É a partir dos dados concretos que um ser humano pode abstrair

esquemas abstratos e desses, esquemas ainda mais abstratos. Porém, essa grande abstração

não se faz tão crucial para o uso real de linguagem29

. Na maior parte do tempo, língua se faz

através de repetições de padrões, como visto em Bybee (2010). Nessa linha de argumentação,

como explicado em Langacker (1988), o ser humano lança mão de abstrações mais básicas,

mais próximas do concreto, na língua corrente. Esquemas altamente abstratos são utilizados

quando se entra em contato com um construto inédito, nunca antes experienciado.

Esse parece ser o caso de palavras como „condessa‟, „baronesa‟, „papisa‟, „poetisa‟,

„rapariga‟, „czarina‟, entre outros. Para que tais palavras sejam entendidas, um esquema mais

abstrato que apresente sua terminação como indicativa de gênero não parece ser necessário.

Tais itens são mais restritos na língua, não sendo tão comuns no uso corrente. Isso dá origem

a dois fatos: grande parte das vezes, tais palavras são aprendidas durante a educação formal

em sua forma final, e ali se mantém; poucas são as palavras que compartilham o mesmo

„sufixo‟.

Assim, falantes têm pouco contato com as construções em potencial, o que faz com

que não utilizem os padrões para entenderem ou criarem novas palavras. Dessa maneira,

esquemas mais abstratos não se formam, ou, ao menos, não se sustentam30

, fazendo com que

tais terminações sejam reservadas a palavras específicas. Em vista disso, palavras como

„czarina‟ e „sacerdotisa‟ funcionariam como palavras simples, e não complexas, de forma

parecida a pares de palavras que se diferenciam em gênero por heteronímia, como „homem‟-

‟mulher‟, „bode‟-‟cabra‟31

. Tais situações são representadas pela rede construcional abaixo.

29

Importante deixar claro que algum nível de abstração é necessário para o uso linguístico, do contrário,

criatividade linguística e recursividade não poderiam ser explicados. 30

Pode-se hipotetizar que esquemas sejam abstraídos dessas palavras tendo em vista o ensino de morfologia na

educação formal. No entanto, pela pouca produtividade dessas formas em uso corrente, essas possíveis

esquematizações parecem estar restritas àquele contexto e, após isso, se perdem. É necessário, contudo, que

uma investigação mais profunda seja realizada. 31

O par „rei‟-‟rainha‟ funciona como bom exemplo da afirmação, já que, historicamente, a forma feminino vem

de um processo derivacional (há um diminutivo no feminino). Entretanto, suas formas atuais, hoje, são itens

lexicais distintos.

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Figura 19: Rede de construções itens lexicais e CDG.

Como representado, a única construção específica para gênero gramatical, seriam

aquelas representadas pelas formas [N-a] e [N-o]. Ao tentarem imprimir o significado de

gênero em alguma palavra, seja nova ou de circulação comum na língua, o falante tem essas

construções disponíveis, como acontece nos casos „eua‟ (como pronome de primeira pessoa

do singular), „dona trumpa‟, „sereio‟ e „princeso‟.

Os itens lexicais „baronesa‟ e „barão‟ seriam construções simples, sem esquemas mais

abstratos acima desses, bem como os itens „mulher‟ e „homem‟. Isso se daria por conta da

história da língua. Essas palavras já são apreendidas formadas, e como não há muitas outras

palavras que compartilhem formas coincidentes, um esquema abstrato acima do nível mais

básico não se forma. Decerto, essa proposta é ainda uma hipótese, outras pesquisas podem ser

feitas no que se refere à comparação com as construções desinenciais de gênero, aos efeitos

dessas palavras em relação à abstração de esquemas, entre tantos outros caminhos.

A associação entre gênero gramatical e as construções desinenciais de gênero também

tem bases históricas, sobretudo analógicas (CAMARA JR., 1974). Neste trabalho, partindo

desse pressuposto, considero que a construção [N-e] passou a ter seu significado estabelecido

também por pressões históricas, bem como por analogia às construções [N-a] e [N-o].

5.4 O problema da construção [N-e], ou “Boa noite a todes!”

Nos estudos analisados sobre as vogais temáticas, o -e sempre se mostra

problemático. Por vezes, é a presença desse um dos motivos que faz com que o -o não seja

considerado uma desinência de gênero (CAMARA JR., 1970). Outros autores, como

Nascimento (2006), consideram o -e um representante não prototípico de ambos os gêneros

do português. Nesta pesquisa, a construção [N-e] não deixou de oferecer dificuldades de

descrição.

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Para este trabalho, considero que a forma [N-e] está em processo de pareamento com

um significado que se relaciona com a falta de gênero. Tal consideração é motivada por

observações empíricas, bem como pelos resultados obtidos no experimento aqui posto em

prática.

Em primeiro lugar, nas últimas décadas, é possível observar movimentações tanto no

que se refere à disparidade entre gêneros sociais (mulher e homem), quanto no que se refere

ao próprio questionamento do que são os gêneros e sua distribuição binária (SENKEVICS &

POLIDORO, 2018). Um debate sobre os reflexos de problemas sociais na língua portuguesa

obteve espaço, e, consequentemente, a distribuição binária entre gêneros gramaticais da

língua portuguesa passou a ser questionada32

.

Algumas foram as tentativas de se „neutralizar‟ a divisão de gêneros no português: a

substituição de artigos definidos e vogais finais por „x‟ („x meninx‟; „x garotx‟; „x alunx‟;...);

a substituição de artigos e vogais finais por „@‟ („@ menin@‟; „@ garot@‟; „@ alun@‟;...).

No entanto, essas saídas foram questionadas por conta de alguns problemas (a

impossibilidade de pronúncia das formas; a dificuldade de leitura por pessoas com dislexia; a

dificuldade de leitura por pessoas com autismo; a dificuldade de leitura por softwares ledores

desenvolvidos para o auxílio de pessoas com deficiência visual).

Uma outra saída para a tentativa de neutralização da língua também foi adotada: o uso

da vogal final -e. Uma possibilidade para essa adoção foi por conta de, diferentemente das

outras duas construções desinenciais de gênero ([N-a] e [N-o]), essa não estava associada

nem ao conceito „mulher‟, nem ao conceito „homem‟. Essa dissociação pode ter sido

motivada historicamente.

É sabido que, a princípio, as vogais finais nominais -a e –o, no português, não

possuíam os significados que têm atualmente. Inicialmente, como constituintes do morfema

de caso acusativo de 1ª e 2ª conjugações, respectivamente („-am‟ e „-um‟), não tinham relação

com gênero (CAMARA JR., 1974). Entretanto, é notável que grande parte das palavras

pertencentes à 1ª conjugação eram femininas, assim como grande parte das palavras de 2ª

conjugação eram masculinas.

Por conta disso, com a perda morfológica dos casos, as formas remanescentes passam

a ser associadas aos gêneros aos quais mais comumente são conectadas (-a ao feminino e -o

ao masculino). Dessa forma, um processo de construcionalização teve espaço (TRAUGOTT

32

Um outro ponto que pode ser levantado em favor da equivalência entre gênero gramatical e sexo biológico é

essa discussão, que por sua vez envolve muito de intuição dos falantes.

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& TROUSDALE, 2013). Primeiro, através da mudança na forma, para, por fim, uma

mudança no significado ser atingida.

De forma similar, há possibilidades de que esse processo esteja acontecendo, ou, ao

menos, em vias de acontecer no português brasileiro com a forma [N-e]. Certamente, a vogal

-e em posição final átona em substantivos, pronunciada [ɪ], possui comportamento não

categórico, como percebido em Nascimento (2006). A vogal, quando conectada a nomes, não

é analisada como desinência de gênero por nenhum dos autores que usam essa nomenclatura.

Isso por conta de essa não se filiar necessariamente nem ao feminino, nem ao masculino,

como percebido nos vocábulos „ponte‟ (fem.), „pente‟ (masc.). Além disso, palavras que

adentram na língua como substantivos, quando esses não possuem gênero claro, apresentam a

vogal, a princípio epentética, [ɪ], como „smart[ɪ]‟, „tablet[ɪ]‟. Tal comportamento pode

incorrer em um caráter cinzento a sua função, o que leva a questões: possui significado? Se

sim, qual seria esse significado?

Neste trabalho, considero a forma [N-e] também como uma construção desinencial de

gênero. Contudo, ao contrário de [N-a] e [N-o], que em seu polo semântico apresentam

{GÊNERO/SEXO FEMININO} e {GÊNERO/SEXO MASCULINO}, respectivamente, [N-

e] apresenta um significado de {COISA SEM ESPECIFICAÇÃO DE GÊNERO}33

. Esse

significado seria obtido através de analogias tanto com as outras duas construções

desinenciais de gênero, bem como com a presença do formativo em palavras femininas e

masculinas como „ponte‟ e „pente‟, além daquelas de gênero latente, como as palavras

terminadas com sufixo –nte: „estudante‟, „pedinte‟, „concluinte‟ etc. A existência de uma

construção de forma [N-e] e significado {COISA SEM ESPECIFICAÇÃO DE GÊNERO}

justificaria produções recentes como „amigue‟, „todes‟ e „obrigade‟, utilizadas por pessoas

que tentam não marcar gêneros em sua fala. Tais analogias, associadas a um processo de

mudança historicossocial, podem incidir sobre o polo funcional de uma forma que, a

princípio, não possuía o significado {SEM ESPECIFICAÇÃO DE GÊNERO} associado a si.

Tais considerações reforçam as conclusões que Lakoff já apontava em 1987.

Tendo em vista o discutido até aqui, uma rede com as três construções desinenciais de

gênero é ilustrada pela figura a seguir:

33

Conferir Langacker (2008) para o significado de {COISA} como significado básico da classe sintática

substantivo.

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Figura 20: Rede construcional das construções desinenciais de gênero.

Os dados recolhidos através do experimento aplicado neste trabalho apontam para

uma possível correção dessa hipótese em algum nível. De forma estatisticamente relevante,

os antropônimos relacionados a pseudopalavras combinadas à construção [N-e] foram

igualmente divididos, com números muito próximos a 50% para cada gênero/sexo. No

entanto, esse foi apenas um experimento e, sem dúvida, essas são afirmações ainda

hipotéticas. Para afirmar que o que se encontra hoje no português é um processo de

construcionalização em curso, estudos mais profundos são necessários.

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6. CONCLUSÃO

É grande o debate sobre a natureza das formas nominais finais -a, -o e -e, e esse

certamente ainda possui uma longa estrada a ser percorrida, mesmo com os diversos estudos

e discussões já realizados sobre o tema. No presente trabalho, busquei contribuir com a

questão, tanto no que se refere à descrição da flexão nominal de gênero, quanto no que se

refere à própria diferenciação entre vogais temáticas e desinências de gênero. Nesse quadro,

tentei apontar algumas considerações sobre a relação entre as vogais finais de nomes e sua

relação com a expressão de gênero desses. Motivado por essas ideias, neste trabalho, reflito

sobre a força da linguagem no que tange à construção de mundo(s) percebido(s) por seres

humanos.

Proposições das mais variadas são encontradas nos trabalhos sobre o assunto.

Interpretações como as de Camara Jr. (1970) são as mais comuns: categorização da vogal

final -a em substantivos referentes a seres animados como correspondente ao feminino e o

morfe zero como referente ao masculino; as formas -a (-a quando adjungida a substantivos

referentes a seres inanimados) e as vogais finais -o e -e são consideradas apenas vogais

temáticas. A posição adotada por gramáticos mais tradicionais (CUNHA E CINTRA, 2013

[1984]; BECHARA, 2009), acompanhada por Kehdi (1990), aponta para a consideração de

que as vogais finais -a e -o, quando acompanhadas de substantivos com referente animado,

informam gênero gramatical; quando acompanham substantivos de referente inanimado, as

vogais -a e -o se agrupam à vogal final -e no conjunto de vogais temáticas nominais.

Há ainda duas visões que se afastam das apresentadas anteriormente. Uma delas é

apresentada por Villalva (2003) e outra por Nascimento (2006). A proposta de Villalva

considera que as vogais não se articulam com o significado de gênero gramatical e as nomeia

índices temáticos. A hipótese de Nascimento, por outro lado, partindo do arcabouço da

Gramática de Construções, propõe que as construções X-a e X-o são referentes a gênero

gramatical e que, a partir dessas, duas construções também de gênero herdam tais formas e

funcionam indicando prototipicidade.

À exceção de Nascimento, há um afastamento entre as categorias gênero gramatical e

sexo biológico na visão dos diferentes autores, mesmo com as considerações sobre apenas

substantivos referentes sexuados apresentarem desinência de gênero. Para os mais diversos

autores, a categoria gênero gramatical não tem bases na diferenciação entre sexos biológicos,

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muito por conta da visão objetivista, tanto de mundo, quanto de língua, a tendência mais forte

em estudo linguísticos desde o surgimento do gerativismo.

Nesse horizonte, esta pesquisa é uma tentativa de contribuição ao debate sobre o

tópico. Para isso, contei com o aporte, principalmente, da Linguística Cognitiva. Como lido

neste trabalho com descrição gramatical, tive como enquadramento teórico os pressupostos

da Gramática de Construções Baseada no Uso. Por fim, pela própria natureza deste estudo,

um alicerce teórico consequente foi aquele conhecido de maneira mais comum como

Hipótese Sapir-Whorf, denominado, entre autores mais recentes (EVERETT, 2013) como

Relativismo Linguístico. Desse modo, até onde pude rastrear, esta pesquisa se mostra inédita

no ponto em que promove uma conjunção entre uma teoria da gramática ao complexo teórico

chamado Relativismo Linguístico.

Nesta pesquisa, então, pela convergência entre os frameworks mencionados, além da

posição em relação a trabalhos que vislumbraram o mesmo objeto, algumas hipóteses

surgiram. Considerei que, atualmente, o português brasileiro conta com três construções

relacionadas a gênero, as quais chamei construções desinenciais de gênero ([N-a], [N-o] e

[N-e]). Essas estão presentes na produção e compreensão de novas palavras, bem como são

interpretadas em itens já estabelecidos na língua. No entanto, diferentemente de outros

autores, considerei que cada uma dessas formas representa apenas uma construção, tanto em

substantivos de referente animado quanto naqueles de referente inanimado. Dessa maneira,

portanto, desconsiderei a divisão entre vogais temáticas e desinências de gênero.

Ainda na mesma esteira da Gramática de Construções Baseada no Uso, afirmei que

essas construções têm um polo semântico cada. À construção [N-e] estaria pareada a função

{COISA SEM ESPECIFICAÇÃO DE GÊNERO}. Às construções [N-a] e [N-o], a função

atrelada seria {GÊNERO/SEXO FEMININO} e {GÊNERO/SEXO MASCULINO},

respectivamente. A proposição que condensa o significado de gênero e sexo já havia sido

aventada em Nascimento (2006), baseado em Lakoff (1987), e aqui é atribuída às construções

desinenciais de gênero (sejam elas combinadas a substantivos de referente animado ou

inanimado).

Essas duas afirmações, então, me levaram a uma terceira: se é verdade que as

construções desinenciais de gênero têm significado atrelado a sexo, e que essas podem ser

combinadas inclusive com substantivos inanimados, falantes de português são forçados, pela

língua, a enxergar características prototipicamente relativas aos sexos. Por conta dessa

afirmação, este trabalho se inseriu também em um contexto relativista, no qual afirmo serem

as visões de mundo de diferentes comunidades influenciadas pela língua falada por essas.

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Para sustentar tal posicionamento, verifiquei evidências de que (i) as construções

desinenciais de gênero são associadas a essa categoria, (ii) essa categoria tem relação com a

divisão entre sexos no mundo biossocial e (iii) essa relação, e, portanto, os usos das

construções em questão, influenciam na percepção de mundo dos falantes eram necessárias.

Por conta disso, utilizei métodos experimentais nesta pesquisa. Nestes, a tarefa dos

participantes era designar antropônimos a substantivos e pseudopalavras (em que figuravam

as construções estudadas). Os resultados obtidos poderiam informar se os juízes reconheciam

os gêneros a partir das construções e se esses mesmos juízes associavam nomes próprios

femininos e masculinos a gêneros específicos.

A análise dos resultados mostrou que essas relações de fato acontecem. Nomes

próprios femininos foram mais associados à construção [N-a] que às outras duas, ao passo

que antropônimos masculinos foram mais associados à construção [N-o]. A construção [N-e]

não mostrou preferência de associação. Estatisticamente, os dados se mostraram relevantes,

com a possibilidade de esses serem resultados aleatórios se tornar ínfima. Tais resultados

podem indicar que essas formas estão associadas às funções propostas. Além disso, a escolha

do gênero dos antropônimos de acordo com a vogal final também pode indicar uma relação

entre gênero gramatical e sexo.

Contudo, há que se ter cautela com tais afirmações. Outros experimentos que

repliquem o utilizado e aprofundem a questão se mostram necessários. É preciso ter certeza,

ainda, da associação dos gêneros gramaticais às vogais finais, por mais que essa seja indicada

pelos resultados obtidos.

Certamente, esta pesquisa não encerra o já antigo debate sobre a relação entre vogais

finais de substantivos e a categoria gênero gramatical. Além disso, este trabalho também não

propõe que, com certeza, línguas influenciam a maneira como o ser humano pensa. A

intenção deste estudo é, sobretudo, contribuir com a descrição do português e com a

compreensão da mente humana. No entanto, avalio que os apontamentos aqui feitos podem

indicar caminhos a serem seguidos, tanto no que se refere a outras pesquisas sobre gênero

gramatical e vogal temática/desinências de gênero, quanto no que se refere às pesquisas em

Relativismo Linguístico, ambas áreas ainda profícuas, principalmente esta última, que se vê

em processo de retomada nas última décadas.

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8. ANEXOS

I - Imagens utilizadas como itens críticos (tamanho reduzido).

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II - Imagens e categorias utilizadas como itens distratores divididos entre substantivos em -a,

-o, -e e atemáticos (tamanho reduzido).

Categorias Imagens

Menina

Calopsita

Pomba

Tartaruga

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Menino

Papagaio

Gato

Cachorro

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89

Monge

Serpente

Peixe

Lebre

Mulher

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90

Homem

Bebê

Alien

Jacaré

Tatu