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1 PROGRESSO, CONTRADIÇÕES E DESIGUALDADES NO CONTEXTO DO AGRONEGÓCIO: UM ESTUDO SOBRE A CAFEICULTURA MODERNA NO MUNICÍPIO DE ALFENAS/MG Henrique Faria dos Santos Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) [email protected] Ana Rute do Vale Grupo de Estudos Regionais e Socioespaciais – GERES Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) [email protected] Resumo A modernização da agricultura tem promovido, não só no Sul de Minas, mas em todo o país, profundas mudanças nos modos de produção e nas relações de trabalho. O agronegócio cafeeiro provocou nos últimos anos no município de Alfenas/MG a intensificação das novas relações campo-cidade e conseqüências socioespaciais inerentes à difusão cada vez maior de uma agricultura tecnificada, com a marginalização de grupos sociais vulneráveis ao processo. Muitos produtores (principalmente os pequenos) e trabalhadores rurais têm sido excluídos do novo modelo de produção agrícola. A monopolização, capitalização, exigência e competitividade desigual no agronegócio são fatores principais do progresso e das contradições. Palavras chaves: Modernização agrícola. Agronegócio. Cafeicultura. Especialização produtiva. Relações campo-cidade. Desigualdades socioespaciais. Introdução O agronegócio é um conjunto de atividades associadas aos mais variados complexos de produção agropecuária que ganha notoriedade cada vez maior na economia brasileira. Muitos lugares do território aptos ao desenvolvimento agrícola tem se destacado internacionalmente como áreas especializadas na produção de determinadas culturas, sobretudo as relacionadas a commodities agrícolas. Dentre esses lugares temos o Sul de Minas, a maior região produtora de café do país, cuja dinâmica espacial produtiva se enquadra aos moldes da modernização do campo brasileiro e à industrialização da agricultura. O desenvolvimento do campo brasileiro é marcado desde 1970 por um profundo processo de modernização, não generalizado, mas em grande parte do território nacional, concentrando-se principalmente em áreas com maior adensamento populacional, com ocorrência de atividades econômicas mais dinâmicas e rede de infraestruturas mais consolidadas. A constituição de atividades agropecuárias mais

PROGRESSO, CONTRADIÇÕES E DESIGUALDADES NO … · A modernização da agricultura tem promovido, não só no Sul de ... progresso econômico a vários lugares do nosso ... como

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PROGRESSO, CONTRADIÇÕES E DESIGUALDADES NO CONTEXTO DO AGRONEGÓCIO: UM ESTUDO SOBRE A CAFEICULTURA MODERNA NO

MUNICÍPIO DE ALFENAS/MG

Henrique Faria dos Santos Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG)

[email protected]

Ana Rute do Vale Grupo de Estudos Regionais e Socioespaciais – GERES

Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) [email protected]

Resumo A modernização da agricultura tem promovido, não só no Sul de Minas, mas em todo o país, profundas mudanças nos modos de produção e nas relações de trabalho. O agronegócio cafeeiro provocou nos últimos anos no município de Alfenas/MG a intensificação das novas relações campo-cidade e conseqüências socioespaciais inerentes à difusão cada vez maior de uma agricultura tecnificada, com a marginalização de grupos sociais vulneráveis ao processo. Muitos produtores (principalmente os pequenos) e trabalhadores rurais têm sido excluídos do novo modelo de produção agrícola. A monopolização, capitalização, exigência e competitividade desigual no agronegócio são fatores principais do progresso e das contradições. Palavras chaves: Modernização agrícola. Agronegócio. Cafeicultura. Especialização produtiva. Relações campo-cidade. Desigualdades socioespaciais. Introdução O agronegócio é um conjunto de atividades associadas aos mais variados complexos de

produção agropecuária que ganha notoriedade cada vez maior na economia brasileira.

Muitos lugares do território aptos ao desenvolvimento agrícola tem se destacado

internacionalmente como áreas especializadas na produção de determinadas culturas,

sobretudo as relacionadas a commodities agrícolas. Dentre esses lugares temos o Sul de

Minas, a maior região produtora de café do país, cuja dinâmica espacial produtiva se

enquadra aos moldes da modernização do campo brasileiro e à industrialização da

agricultura.

O desenvolvimento do campo brasileiro é marcado desde 1970 por um profundo

processo de modernização, não generalizado, mas em grande parte do território

nacional, concentrando-se principalmente em áreas com maior adensamento

populacional, com ocorrência de atividades econômicas mais dinâmicas e rede de

infraestruturas mais consolidadas. A constituição de atividades agropecuárias mais

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modernas é fruto das novas necessidades impostas pelo período atual da globalização,

onde a mundialização das técnicas de produção, dos mercados e do consumo e a

emergência de uma população urbana crescente e cada vez mais consumidora reforçou o

aumento do rendimento e da produtividade agrícola, através do emprego de tecnologias

cada vez mais sofisticas de produção e a inserção mais significativa de conteúdo

científico, tecnológico e informacional.

Esta reestruturação produtiva se deve principalmente com a integração e subordinação

do setor agropecuário ao capital industrial, comercial e financeiro, promovendo

mudanças profundas nas formas de produção e nas relações de trabalho. O “novo padrão

agrário” de se produzir trouxe muito progresso econômico a vários lugares do nosso

país, mas também reforçou ainda mais as contradições e desigualdades socioeconômicas

já presentes no campo. Como a obtenção de qualquer tecnologia para a modernização

depende da disposição de capital, muitos produtores e empresas, em grande parte de

pequeno porte, acabaram que ficando excluídos da nova lógica capitalista de produção.

Tal realidade pode ser analisada em locais com a presença de agricultura moderna e cuja

produção é voltada para exportação, como é o caso do município de Alfenas – MG,

onde a cafeicultura tem sido há muito tempo atividade econômica tradicional, mas tem

apresentado muitas contradições e desigualdades quanto à distribuição de sua

modernização, principalmente entre os pequenos produtores. Os resultados mais

relevantes deste artigo são frutos de pesquisas realizadas durante a elaboração do

Trabalho de Conclusão de Curso, relativo à conclusão do curso de Geografia

Licenciatura em 2011.

A metodologia empregada para o desenvolvimento do trabalho consistiu na realização

de pesquisa e revisão bibliográfica de textos (livros, artigos, dissertações e teses)

relacionados a teorias da geografia agrária e regional, ao agronegócio do café, as

desigualdades no espaço agrário e as relações campo-cidade; pesquisas na internet em

sites governamentais para obtenção de dados relacionados à produção e comércio do

café; e trabalhos a campo com a finalidade de realizar levantamentos de dados e

informações a respeito de empresas e instituições associadas ao agronegócio do café e

para investigar as desigualdades socioeconômicas no campo e suas contradições, através

de entrevistas a grandes e pequenos produtores de café no município e a moradores de

bairros periféricos de Alfenas (Santa Clara e Campos Elíseos) que antes vieram do

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campo e eram trabalhadores ou proprietários de lavouras de café, com aplicação de

questionários específicos.

O agronegócio e suas contradições O agronegócio é um setor de atividades econômicas que há muito tempo se estabeleceu

como base da economia brasileira, desenvolvendo-se em meio a fatores econômicos e

naturais favoráveis a inserção do país como especialista na produção agropecuária na

Divisão Internacional do Trabalho. Moderno, eficiente e competitivo, o agronegócio

brasileiro é uma atividade próspera, segura e rentável. Com um clima diversificado,

chuvas regulares, energia solar abundante e quase 13% de toda a água doce disponível

no planeta, o Brasil tem 388 milhões de hectares de terras agricultáveis férteis e de alta

produtividade, dos quais 90 milhões ainda não foram explorados. (MINISTÉRIO DA

AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2006 citado por SILVA;

CESARIO; CAVALCANTI, 2008, p. 1).

Esses fatores fazem do país um lugar de vocação natural para a agropecuária e todos os

negócios relacionados à suas cadeias produtivas. O agronegócio é hoje uma das

principais locomotivas da economia brasileira e responde por quase 25% do PIB

(Produto Interno Bruto) do país, gerando em 2011 um capital de quase 953 bilhões de

reais. Sua participação nas exportações brasileiras bate os 38% e contribui para 40% da

geração de emprego nacional. Além disso, o Brasil é destaque como o maior produtor e

exportador mundial de vários produtos agropecuários, como o café, açúcar, etanol de

cana-de-açúcar, suco de laranja e soja (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA,

PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2012).

Estudando o conceito de agronegócio, percebe-se que deriva de uma atividade de

grande complexidade e que envolve diversos agentes, que atuam em vários setores

econômicos. Segundo Pizzolatti (2004, p.1), “agribusiness é um sistema integrado; uma

cadeia de negócios, pesquisa, estudos, ciência, tecnologia, etc., desde a origem

vegetal/animal até produtos finais com valor agregado, no setor de alimentos, fibras,

energia, têxtil, bebidas, couro e outros”. Silveira (2007, p. 218) explica que o sistema

agroindustrial é constituído por quatro segmentos: o segmento de produção de insumos

e serviços à montante da atividade agropecuária (crédito, assistência técnica, máquinas e

equipamentos, insumos); de produção agropecuária das matérias primas; de

beneficiamento e de transformação industrial das matérias primas à jusante da sua

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produção; e o de comercialização e distribuição dos produtos finais. Assim, nos espaços

aonde as atividades da cadeia produtiva se encontram sobremaneira organizada,

articulada e modernizada, a competitividade econômica possibilita uma maior

integração com o sistema exterior e abre portas para constantes investimentos do capital

em setores como o de produção, industrialização e comercialização.

Em termos de café, o país se tornou funcional na sua produção e exportação. O aumento

substancial do consumo mundial deste produto trouxe, ao longo dos tempos, uma

tomada importante para que diversos lugares propícios se tornassem especializados na

sua produção, capaz de atender as demandas do consumo local, nacional e internacional.

Segundo Santos; Silveira (2001, p 105), “graças aos progressos da ciência e da técnica e

à circulação de informações, geram-se as condições materiais e imateriais para aumentar

a especialização do trabalho nos lugares. Cada ponto do território modernizado é

chamado a oferecer aptidões específicas à produção”.

O processo de especialização dos lugares ou dos espaços tem se intensificado nos

últimos anos devido às conseqüências do fenômeno da globalização, cujos atores desta

nova época ocupam, usam e transformam os diversos espaços geográficos,

principalmente em detrimento dos interesses do capital aplicado. Essa nova condição

dos espaços está inserida dentro da época na qual Milton Santos (1997) chama de

período técnico-científico-informacional, a qual se caracteriza pela presença constante

dos sistemas técnicos de produção, da ciência, que aprimoram as técnicas, e da

informação, responsável pelo avanço das técnicas e da ciência e da maior fluidez e

controle dos territórios por meio das ações. Tal fato precede na facilidade e necessidade

de especializar territórios para a produção a fim de atender mais eficientemente as

demandas do mercado mundial, ao mesmo tempo em que determinadas regiões se

tornam espaços internacionalizados.

Esta realidade é afirmada por Silveira (2007, p. 215) em espaços especializados na

produção agrícola, onde, nas últimas três décadas, os processos de transformação a

partir da globalização da economia tem sido um vetor importante na reestruturação

produtiva, especialmente daqueles cultivos direcionados à exportação. Áreas se tornam

especializadas na produção e carregadas de conteúdo técnico, científico, informacional e

normativa das atividades, por meio da “ampliação da industrialização da agricultura e

da integração de capitais (agrário, comercial, industrial e financeiro), através da criação

e consolidação, nesse período, dos chamados complexos agroindustriais (CAIs)¹”.

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Logo, são várias as regiões brasileiras especializadas na produção e exportação de café

e, por tanto, competitivas no mercado. São áreas onde prevalecem fatores como o

domínio de uma agricultura moderna e de um sistema logístico altamente eficiente,

complementadas por um conjunto de fatores produtivos que são responsáveis pela

constituição do agronegócio globalizado, como é o caso da região do Sul de Minas.

Nesses lugares, Castilho (2008, p. 8) as denomina como “regiões competitivas” de

agricultura moderna, onde “trata-se de um compartimento geográfico caracterizado pela

especialização produtiva obediente a parâmetros externos (em geral internacionais) de

qualidade e custos. Assim, a competitividade se estabelece na região por ser esta

funcional aos mercados internacionais”.

Porém, não são todos os agentes e lugares que são beneficiados por este cenário de

modernidade, em vista que muitos não possuem total acesso ao conjunto de aportes

técnicos e normativos que viabilizam a produção e comercialização e não recebem

investimentos suficientes (principalmente por parte do governo, na forma de

infraestrutura, apoio tecnológico e financeiro) para acompanhar os mesmos ritmos de

modernização de outros lugares e agentes beneficiados. Graziano da Silva (1994)

considera que o desenvolvimento da agricultura brasileira ocorreu sobre duas

características básicas: de forma desigual e excludente. Esse processo foi profundamente desigual, eu diria até mesmo parcial, seja por região, produto, tipo de lavoura, tipo de cultura, tipo de produtor, principalmente; ou seja, aqueles produtores menos favorecidos tiveram menos acesso às facilidades de crédito, aquisição de insumos, máquinas, equipamentos, etc. e apresentaram graus menores de evolução, especialmente da sua produtividade (SILVA, 1994, p. 138).

De acordo com Gorender (1994, p. 37) o “impulso ao desenvolvimento capitalista é feito pelo

Estado de maneira rigorosamente discriminatória, beneficia os grandes proprietários, dá

prioridade aos produtos de exportação e à pecuária bovina de corte, privilegia certas regiões

política e economicamente mais poderosas”. Caume (2009) contribui argumentando que no

Brasil o agronegócio, por opção política, privilegiou a produção de grande escala, a grande

propriedade e a agricultura capitalista, onde, ao longo de nossa história, grande parte de nosso

campesinato foi marginalizado do acesso à propriedade da terra e às possibilidades de

modernização dos processos de produção. Números delineiam um perfil de desenvolvimento do agronegócio altamente excludente do ponto de vista social, na medida em que grande parte da produção agropecuária é de responsabilidade de um número muito pequeno de estabelecimentos; em contrapartida, um número expressivo de agricultores

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familiares², incapazes de se inserir nas cadeias de integração agroindustrial e com baixa participação na produção agropecuária do país, se reproduzem em condições precárias (CAUME, 2009, p. 39-40).

Portanto, desigualdade ao acesso à modernidade capitalista de produção na agropecuária

tem se tornado, em conjunto a uma política desfavorável aos pequenos proprietários

(principalmente representado pela agricultura familiar³) e trabalhadores do campo e

vantajosa para os grandes latifundiários e organizações comercias agrícolas; os

principais motivos que emperram o desenvolvimento social no meio rural e a formação

de uma classe de miseráveis e de baixa renda alojados em periferias e favelas nas

médias e grandes cidades, oriundos da migração do campo. Em 1960, Prado Júnior

(2000) já denunciava esta realidade, quando dizia que a grande propriedade e a

exploração comercial em larga escala dos grandes latifundiários e a desigualdade ao

acesso ao amparo financeiro, comercial e tecnológica, seriam os grandes responsáveis

pelos obstáculos ao progresso social no campo.

A situação se agrava ainda quando analisamos a consequência da oligopolização e da

territorialização do capital nas atividades agrícolas. A olipolização ou monopolização

do mercado de insumos, implementos e maquinários agrícolas tem ajudado a encarecer

cada vez mais os custos de produção agrícola. O controle dos preços por intermédio de

interesses empresariais tem afetado grande parte de pequenos e médios produtores e

inviabilizando suas atividades, devido o baixo rendimento e a escala de produção ser

insuficiente para cobrir as despesas elevadas com produtos de consumo agrícola.

Rollo (2009) em seus estudos sobre o circuito espacial de produção de café na região do

Sul de Minas nos apresenta um bom exemplo para contextualizarmos a realidade da

oligopolização empresarial no setor de insumos e implementos agrícolas. Segundo ele,

82% do total das vendas de fertilizantes formulados no Brasil são realizados por apenas

4 empresas: Grupo Bunge, Yara, Mosaic e Heringer, “fato que concede a esses grupos a

capacidade de influir tanto nos preços da matéria-prima para fabricação de fertilizantes

como os preços finais desse mercado”. Já o mercado de defensivos agrícolas, 52,5% das

vendas são controlados por apenas 4 empresas: Syngenta, Bayer, Basf e Monsanto

(ROLLO, 2009, p. 53).

No caso dos maquinários e implementos agrícolas destinadas a cafeicultura, os dados do

autor nos mostram que as maiores corporações que controlam a produção, as vendas

internas e exportações de tratores e colheitadeiras fabricados no Brasil são a AGCO (da

qual fazem parte as marcas Massey Ferguson, Valtra, AGCO Allis, Challenger), CNH

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Global N. V. (que congregam as marcas CNH Case e CNH New Holland) e a John

Deere. Já no seguimento de máquinas voltadas ao processo de pós-colheita do café

(máquinas de recebimento, lavagem, despolpamento, secagem, armazenagem e

benefício de café), lideram as nacionais Pinhalense S.A. Máquinas Agrícolas (equipam

oito em cada dez exportadores de café do país) e D’Andréa Agrimport (ROLLO, 2009,

p. 56 a 59).

Castilho; Frederico (2010, p. 24) abordam que além da competitividade produtiva e

comercial, as grandes empresas do agronegócio também geram vulnerabilidades

territoriais quanto as suas atuações e controle monopolístico de mercado. Essas grandes

empresas tendem a dominar cada vez mais o beneficiamento (classificação, limpeza,

secagem), a assistência técnica, o processamento agroindustrial, o mercado de

fertilizantes, o armazenamento, as linhas de financiamento da produção, a

comercialização e a exportação; e a controlar os preços de produtos agrícolas e seus

derivados, os meios de transporte e a logística de distribuição. Assim, “desse tipo de

modernização, decorre uma geografia adaptada aos ditames da globalização, ao custo,

muitas vezes, do bem-estar das populações locais”.

Logo, a presença de grandes empresas e/ou corporações de segmentos agrícolas

participam ativamente na transformação da agricultura brasileira, na forma em defender

seus interesses através da olipolização ou monopolização do mercado. Os produtores

incapazes de consumir estes meios de produção tão valorizados não obtêm um produto

de qualidade4 exigida pelo mercado e conseqüentemente, vendem a produção a um

preço que lhe proporciona pouca ou nenhuma lucratividade. A partir disto, esses não

conseguem realizar nem se quer investimentos de melhorias em sua propriedade,

entrando em falência e se entregando aos ditames do mercado fundiário. Os que restam

(ainda são muitos) participam minimamente na produção de cultivos voltados para

exportação (laranja, soja, cana-de-açúcar, café, trigo, algodão, etc.) é tendem a produzir

cultivos voltados para o mercado interno nacional, regional e local, como os alimentos

básicos (mandioca, feijão, leite, milho, arroz, etc.).

Além disso, os trabalhadores que não possuem um nível maior de instrução ou

escolaridade para se adaptar as novas ferramentas de trabalho, agora dotadas de maior

tecnologia e conteúdo informacional, são dispensados e substituídos por outros mais

qualificados, ficando estes desempregados e obrigando a se migrarem em busca de

novas oportunidades de trabalho e renda. Os que conseguem permanecer, em pouco

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tempo vão sendo substituídos pelo trabalho das máquinas no campo moderno, gerando

assim, junto com os pequenos proprietários de terras falidos, uma massa de populações

rurais que não tendo outras alternativas, acabam escolhendo as cidades para se

refugiarem e buscarem a sobrevivência em família, participando assim do fluxo do

êxodo rural.

Portanto, podemos concordar com Oliveira (1994), pelo fato de que a modernização da

agricultura está relacionada com a mundialização da economia brasileira, sendo que o

aumento do consumo de certos produtos no exterior repercutiu na produção agrícola

nacional, industrializando o seu processo produtivo e territorializando o capital, de

forma monopolista, ou seja, por meio da presença dos grandes latifundiários que

monopolizam a terra, e a indústria, que monopoliza o consumo de produtos voltados

para as atividades de produção (insumos e implementos) e a comercialização dos

produtos agrícolas. Então, a resposta aos problemas descritos a qual nos apoiamos é que

a modernização da agricultura brasileira foi e é realizada de forma seletiva,

beneficiando distintamente tanto espaços quanto agentes sociais e produtivos, gerando

desigualdades e contradições diversas, como as que vamos abordar neste artigo, com a

cafeicultura no município de Alfenas – MG e região.

A cafeicultura e o agronegócio no município de Alfenas/MG: características principais Alfenas é o 14º maior município produtor de café no estado de Minas Gerais e o 7º maior

produtor no Sul de Minas, tendo produzido em 2010, 21.225 toneladas de café tipo arábica,

o equivalente à aproximadamente 353.736 sacas de 60 kg. A maior parte da produção

destina-se à exportação através das cooperativas, armazéns e empresas de exportação

espalhados pela cidade, sendo o restante submetido às torrefadoras do município e região,

para atender a demanda do mercado interno. Dos 22.252 hectares de terras agrícolas de

Alfenas, 10.444 (47%) são plantadas em café, com uma produtividade média de 33,8

sacas/ha em 2010 (IBGE, 2011). O café participou de 95% de todas as exportações do

município no mesmo ano, resultando num valor agregado de US$ 35.886.226

(MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO, 2011).

Além do potencial produtivo, Alfenas pode ser considerado ainda município funcional

ao agronegócio cafeeiro no Sul de Minas por oferecer uma gama de serviços e

infraestrutura que atendem as necessidades de centenas de produtores e empresas

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associadas à atividade regional. Com a expansão e modernização das lavouras agrícolas

de café, houve uma elevação das demandas e necessidades de produtos e serviços

diversos, o que influenciou no aumento significativo das instalações de diversas

empresas do ramo na cidade para atender o mercado de consumo em ascensão.

Este fato ocorre fruto dos impactos causados pelo agronegócio nas relações campo-

cidade, que se tornam mais intensas devido às interdependências entre esses espaços,

expresso pelo aumento do fluxo de trocas e circulações de pessoas, mercadorias, capital

e informação. Tanto a cidade depende das atividades do campo moderno, como a

cafeicultura, para a manutenção das oportunidades trazidas pelas novas empresas e a

geração de capital comercial e industrial; como o campo depende das atividades da

cidade, para poder adquirir os produtos e serviços necessários a produção,

industrialização, distribuição e comercialização do café.

O município concentra desenvolvidas atividades ligadas à produção e serviços

vinculados ao café, como grandes e modernas propriedades agrícolas, grandes

beneficiadoras e torrefadoras de café, vários armazéns, transportadoras e cooperativas

especializadas, produtores e revendedores de insumos agrícolas, casas de maquinários e

implementos agrícolas, centros de assistência técnica especializada e de apoio aos

pequenos produtores, instituições de crédito e financiamentos, etc.

Além disso, Alfenas conta com a crescente disponibilização de recursos ofertados por

instituições públicas e privadas, que passaram de 9 milhões em 2005 para 110 milhões em

2010 (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2012); e com as universidades UNIFENAS

(Universidade José do Rosário Vellano) e UNIFAL-MG (Universidade Federal de

Alfenas), que oferecem cursos de qualificação de mão de obra e pesquisa agropecuária.

As várias empresas e instituições que se enquadram na rede de serviços relacionadas

direta ou indiretamente ao agronegócio do café podem ser classificadas de acordo com a

função a que exercem no sistema terciário: sistemas de fornecimento de insumos e

implementos agrícolas, sistemas de assessoria técnica e administrativa, sistemas de

comercialização e logística, sistemas de beneficiamento e processamento agroindustrial

e sistema financeiro.

Algumas empresas são representativas, como a Outspan Brasil Importação e Exportação

Ltda., a Casa Nobre Comércio e Armazenagem de Grãos Ltda., a Cooxupé (Cooperativa

Regional de Cafeicultores em Guaxupé Ltda.), Pimenta Agrosul (Case IH Agriculture,

maquinários e implementos agrícolas), Só Massey Maquinários e Implementos

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Agrícolas (Massey Ferguson), Dimatra Ltda. (Valtra Tratores e implementos agrícolas),

Trama Tratores e Máquinas Agrícolas Ltda. (New Holland), Proflora Indústria,

Comércio e Representações Ltda. (pulverizadores e implementos agrícolas), Fino Sabor

Comércio e Indústria (café torrado e moído), Ipanema Comercial e Exportadora S/A,

Green Coffee Armazéns Gerais, Café Mil Armazéns Gerais Ltda., entre outras.

Além da rede de serviços e infraestrutura já existentes, novas atividades e empresas

recentemente se expandem ou se instalam no meio urbano para sustentar o pleno

desenvolvimento da cafeicultura moderna da região, como empresas exportadoras, de

beneficiamento e armazenagem, revendedoras de insumos e implementos agrícolas, etc.,

com grande vínculo com o mercado internacional.

Contradições e desigualdades socioespaciais em meio ao agronegócio globalizado Como explanado anteriormente, este cenário de modernidade não está ao alcance de

todos na mesma condição de cooperação e eficiência de uso. Devido às diversas

dificuldades enfrentadas, sobretudo, entre os pequenos cafeicultores da região, é

possível constatar uma eminente desigualdade produtiva, comercial e socioeconômica

entre grandes e pequenos produtores de café.

Para começo de análise, comecemos retornando as consequências da oligopolização do

mercado de insumos, implementos e maquinários agrícolas. O controle dos preços por

intermédio de interesses empresariais tem afetado grande parte de pequenos e médios

produtores de café e inviabilizando suas atividades, devido o baixo rendimento e a

escala de produção ser insuficiente para cobrir as despesas elevadas com produtos de

consumo agrícola. A situação se agrava devido a mais dois motivos: o lucro mínimo

obtido com a venda do café a preços baixos, determinado muitas vezes pelo mercado

financeiro (bolsa de valores), e as dificuldades desses cafeicultores em ingressar e

permanecer em programas de financiamento (devido à burocracia) e obter capital para

bancar as despesas destinadas a investimentos em modernização e custeio de produção.

As contradições puderam ser notadas a partir das entrevistas realizadas com os grandes

e pequenos produtores de café, na finalidade de conhecer melhor as diferenças das

condições socioeconômicas e das capacidades produtivas e comerciais entre ambos, por

meio da coleta de opiniões e experiências vividas entre os proprietários ou

representantes dos estabelecimentos visitados (tabela 1). Os resultados mostram que a

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situação dos grandes cafeicultores nos quesitos analisados são muito melhores do que a

dos pequenos cafeicultores (tabela 2).

Tabela 1 - Caracterização dos estabelecimentos rurais pesquisados. Nome Tamanho

(ha) Área ocupada pelo café

(ha) Número de pés de cafés

plantados Grandes produtores Santo Antônio da Estiva

203 40 100.000

Novo Horizonte 530 330 1.300.000 Vargem Alegre 164 124 600.000 Samambaia 290 230 1.000.000 Monte Alegre 18.000 3.200 7.000.000 Pequenos produtores Santa Terezinha 85 8 150.000 Cambuí 33 3,5 6.000 Jacarandá 7 0,6 2.560 Cambaia 8 7 48.000 Pontinha 96 15 47.164

Fonte: Trabalho de campo (outubro de 2011). Tabela 2: Perfil das condições socioeconômicas e produtivas de pequenos e grandes cafeicultores entrevistados.

Grandes Cafeicultores Pequenos Cafeicultores Produção em larga escala

Produção em pequena escala

Mais facilidade e maior poder de aquisição de capitais para financiar os custos através de linhas de crédito

Menos facilidade e menos poder de aquisição de capitais para financiar os custos através de linhas de crédito

Maior poder de compra de insumos e implementos agrícolas

Menor poder de compra de insumos e implementos agrícolas

Maiores investimentos em tratos culturais, com processos produtivos altamente mecanizados (mais de 70% da área colhida é feita por máquinas)

Menores investimentos em tratos culturais, com processos produtivos de baixa mecanização e utilização de mão-de-obra familiar

Maior rentabilidade e produtividade

Menor rentabilidade e produtividade

Obtenção de café de maior qualidade

Obtenção de café de menor qualidade

Maior parte do café destinado à exportação Maior parte do café destinado ao mercado interno local e regional devido a baixa qualidade

Maior variedade e quantidade de implementos e/ou maquinários agrícolas destinados à cafeicultura

Menor variedade e quantidade de implementos e/ou maquinários agrícolas destinados à cafeicultura

Possuem ou alugam veículos para transportar a produção e a mão-de-obra contratada

Na maioria das vezes, o custo do transporte é descontado na venda imediata do café

A maioria possui os equipamentos necessários para realizar o beneficiamento da produção

Pagam para uma cooperativa ou terceiros para realizarem o beneficiamento

A maioria paga pelos custos de armazenamento ou possuem barracão próprio, à espera por melhores preços no mercado

A maioria não armazena, vende o café imediatamente, por qualquer preço.

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Conseguem obter bons lucros com a venda do café a preços de mercado voltados principalmente para exportação

Não conseguem obter bons lucros devido ao baixo rendimento de produção, baixa qualidade e baixo preço de comercialização

Com o lucro obtido, conseguem realizar investimentos na modernização dos equipamentos e processos de produção

Com o lucro obtido, quase não investem em modernização, sendo na maioria das vezes gasto inteiramente para pagar as despesas da produção

Fonte: Trabalho de campo (outubro de 2011).

Portanto, além de contarem com uma pequena área de plantação (pouco ganho em

escala de produção) e da reduzida produtividade e qualidade (pela falta de insumos e

implementos agrícolas, ocasionada pela incapacidade de financiar suficientemente seus

investimentos), os pequenos cafeicultores são obrigados a vender o café a preços baixos

no mercado e obter lucros mínimos, com o desconto dos custos crescentes de produção

(agrotóxicos, fertilizantes, colheita, transporte, etc.) na conta final. Tal situação tem

impedido de tornar prósperas a cafeicultura para os pequenos agricultores da região.

Um exemplo emblemático que ocorreu a partir destas dificuldades foi a deflagração de

uma crise entre os cafeicultores do estado de Minas Gerais e principalmente, do Sul de

Minas, em 2009. A combinação entre a elevação do preço dos insumos nos últimos anos

(500% nos últimos 10 anos) e o baixo preço ofertado à saca do café (cresceu pouco mais

de 20% no mesmo período) fez com que organizações ligadas direta ou indiretamente

ao circuito do café (Conselho Nacional do Café, Federação da Agricultura do Estado de

Minas Gerais, OCEMG Sescoop/MG e SICOOB Sistema Crediminas) criassem no Sul

de Minas o “Movimento SOS Cafeicultura”. O movimento realizou, em março de 2009,

uma manifestação na cidade de Varginha que, segundo dados dos organizadores, reuniu

25 mil pessoas, com ampla divulgação na mídia regional. As organizações e produtores

reivindicavam uma maior participação do Estado na atenuação da crise por meio da

garantia de preço mínimo aos produtores, da transformação da dívida financeira dos

cafeicultores em dívida de produto, da redução dos juros e do aumento de crédito para

os produtores, além de um maior investimento em imagem do café (CASTILHO;

FREDERICO, 2010, p. 23).

Marginalização no campo e movimento do êxodo rural A grande desvantagem dos agricultores familiares (por falta de recursos suficientes para

modernizar sua propriedade e competir com o seu produto no mercado) e a alta

mecanização dos campos modernos (que substitui a mão de obra em épocas de colheita

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e na manutenção de lavouras) têm promovido uma marginalização cada vez maior da

população de baixa renda. Pequenos agricultores perdem sua capacidade produtiva,

vendendo suas propriedades e mudando para as cidades, e os trabalhadores rurais, agora

desempregados e sem alternativas rentáveis de trabalho, acabam também escolhendo a

cidade de Alfenas/MG ou cidades de outros municípios da região em busca de novas

oportunidades. Os trabalhadores, principalmente, acabam reproduzindo as mesmas

desigualdades socioespaciais por continuarem sendo marginalizados socialmente.

Muitas famílias ainda dependem das atividades do campo para sobreviver, como as

colheitas do café.

Essa realidade pode ser comprovada nas entrevistas realizadas com os 10 moradores de

dois bairros periféricos de Alfenas (Santa Clara e Campos Elíseos), que antes moravam

no campo e eram trabalhadores ou proprietários de lavouras de café. Os resultados

mostraram que a migração ocorreu devido às dificuldades encontradas pelas famílias em

melhorar sua condição de vida, como acesso a renda e escolarização dos filhos. Isto se

deve principalmente pela inviabilidade de continuar dependendo unicamente do

trabalho da terra, havendo a necessidade de buscar outras alternativas de sobrevivência.

Tais processos tiveram como consequência a intensificação nos últimos anos do êxodo

rural, caracterizado pela saída de pessoas que moravam no campo para se abrigarem nas

cidades. Com isso, ocorreu no município uma redução drástica do percentual de

população rural nos últimos 40 anos, cuja participação no total da população passou de

25,6% em 1970 (7.264) para 6,2% em 2010 (4.595), considerando um aumento de

quase 3 vezes da população absoluta (de 28.331 para 73.722 habitantes) no mesmo

período (IBGE, 2011).

Outros dados reforçam ainda mais as conseqüências das desigualdades e das

contradições existentes no campo, como a concentração de terras. De acordo com dados

do Censo Agropecuário de 2006 do IBGE, a estrutura fundiária do município se mostra,

sobremaneira, bem desigual, onde 81,2% das áreas de produção de lavoura permanente

(99% constituído pelo café) são representadas por médias e grandes propriedades, ou

seja, por estabelecimentos rurais com acima de 100 hectares, sendo que constituem

somente 13,4% do total do número de unidades no município. Já entre as pequenas

propriedades (abaixo de 100 hectares), o número se inverte, constituindo 86,6% do

número de estabelecimentos com lavouras permanentes e ocupando apenas 18,8% do

total da área desse tipo de lavoura. Esta informação nos revela a grande ineficiência dos

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pequenos produtores em se manterem na cafeicultura, em detrimento das dificuldades

produtivas e de comercialização (tabela 3).

Tabela 3: Estrutura fundiária do município de Alfenas por número e área (hectares) dos estabelecimentos agropecuários no total e com lavouras permanentes, por grupos de área total em 2006.

Grupos de área total*

Total dos estabelecimentos Estabelecimentos com lavouras

permanentes

Número % Área (ha) % Número %

Área (ha) %

Menos de 20 694 63,3 4.313 7,8 311 62,4 725 4,8

20 a menos de 100 296 27,0 14.121 25,7 120 24,2 2.134 14,0

100 a menos de 500 94 8,5 17.338 31,6 57 11,4 4.518 29,5

500 e mais 13 1,2 19.102 34,9 10 2,0 7.877 51,7 Total 1097 100,0 54.874 100,0 498 100,0 15.254 100,0

* Os grupos de área foram adaptados de acordo com o que é considerado pelo Censo Agropecuário do IBGE 2006 com o valor do módulo fiscal do município de Alfenas (26 hectares por módulo, conforme estabelecido no decreto nº 84.685 de 06 de maio de 1980) obedecendo a classificação descrita na Lei nº 8.629 de 25 de fevereiro de 1993, que estipula os seguintes tamanhos de propriedades rurais por módulos fiscais: minifúndio (menos de 1 módulo – 26 ha), pequena (1 a 4 módulos – 26 a 104 ha), média (4 a 15 módulos – 104 a 390 ha) e grande (15 a mais módulos – 390 ha a mais). Fonte: Censo Agropecuário do IBGE, 2006.

Figura 1 - Percentual do número e área dos estabelecimentos agropecuários com lavouras permanentes de Alfenas, por grupos de área total em 2006.

Fonte: Censo Agropecuário do IBGE 2006.

62,4

24,2

11,42,04,8

14,0

29,5

51,7

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Menos de 20 20 a menos de 100

100 a menos de 500

500 e mais

% Número de estabelecimentos

% Área ocupada pelos estabelecimentos

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Considerações finais A especialização produtiva regional no período atual tem constituído a região do Sul de

Minas como um dos espaços mais competitivos do país na produção moderna de café.

Nesta dinâmica territorial de modernização agrária, se constituiu também áreas

funcionais à produção e logística cafeeira, como o município de Alfenas, palco de

vários impactos causados pelo agronegócio globalizado frente à modernização do

campo e as novas relações campo-cidade. Tal realidade tem proporcionado não só a

refuncionalização urbana para atender as demandas do campo, mas também a

intensificação das desigualdades socioespaciais inerentes a marginalização de grupos

sociais no campo com a modernização das atividades agrícolas.

Tendo em vista que nosso país o progresso da agricultura moderna convive com o

desenvolvimento precário da agricultura familiar e com a esmagadora concentração de

terras, se torna importante abordar os aspectos sociais em escalas locais a fim de

vislumbrar de maneira mais crítica a forma como o agronegócio vem emergindo como

atividade fundamental para a economia. Nesta nova dinâmica do espaço agrário

brasileiro, percebe-se desde muito tempo que sempre existiu uma grande desigualdade

social e econômica entre os fazem da terra sua fonte de renda. Tal quadro tende a se

intensificar cada vez mais nos dias de hoje, com o fenômeno da modernização do

campo, encampada pelas novas tecnologias de produção e por um mercado

agropecuário cada vez mais monopolizado, capitalizado, exigente e competitivo, onde

os pequenos produtores descapitalizados e os trabalhadores desqualificados não

possuem apoio nem condições para se manter neste espaço.

Portanto, podemos afirmar que o agronegócio cafeeiro não proporciona só progresso nas

áreas onde a atividade se reforça como um dos pilares da economia, mas se desenvolve

a custo de contradições e desigualdades socioeconômicas e espaciais diversas,

articulada a uma lógica capitalista de produção agrícola que marginaliza agentes e

espaços que suficiente não atendem as exigências do mercado e, ao mesmo tempo, não

reproduzem prosperidade no sistema de produção-consumo globalizado.

Notas 1 De acordo com Müller (1989, p. 45), o conceito de CAI é semelhante ao do agronegócio (ou agribusiness) e, portanto, possui as mesmas atividades.

2 Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE 2006, a agricultura familiar representa a grande maioria dos estabelecimentos rurais (84,4%), ocupando 24,3% das terras no país.

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3 A agricultura familiar é, enquanto definição conceitual universalizável, uma determinada forma social de produção na agropecuária que se notabiliza para a família, simultaneamente, deter o controle dos meios de produção (em propriedade ou não) e executar as atividades produtivas (CAUME, 2009, p. 36). 4 A qualidade do café é classificada de acordo com algumas características físico-químicas que agregam valor ao produto. Um exemplo de classificação é aquela utilizada pela Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé Ltda.) no momento de comprar o café dos produtores, o qual trabalha com cerca de 35 tipos de café por qualidade, que podem ser resumidos em 14 grupos, em ordem decrescente de qualidade da bebida que originam: RA1 (o café mais fino – padrão exportação), RA2, RA3, RA4, RA5, RA6, RA8, RA10, RA11, RA12, RA44, RA CONI (variedade Conilon), RA ESC (escolha) e RA PALHA (Oliveira, 1997 citado por Rollo, 2009).

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